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O documento discute como o feminismo foi cooptado pelo capitalismo neoliberal e forneceu ideias que legitimaram essa forma de capitalismo. A autora argumenta que o feminismo contribuiu para a flexibilização do mercado de trabalho, focou excessivamente na política da identidade em vez de justiça econômica, e apoiou programas como microcrédito que na verdade enfraqueceram o estado de bem-estar social.
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Como o Feminismo Se Tornou a Empregada Do Capitalismo
Originaltitel
Como o Feminismo Se Tornou a Empregada Do Capitalismo
O documento discute como o feminismo foi cooptado pelo capitalismo neoliberal e forneceu ideias que legitimaram essa forma de capitalismo. A autora argumenta que o feminismo contribuiu para a flexibilização do mercado de trabalho, focou excessivamente na política da identidade em vez de justiça econômica, e apoiou programas como microcrédito que na verdade enfraqueceram o estado de bem-estar social.
O documento discute como o feminismo foi cooptado pelo capitalismo neoliberal e forneceu ideias que legitimaram essa forma de capitalismo. A autora argumenta que o feminismo contribuiu para a flexibilização do mercado de trabalho, focou excessivamente na política da identidade em vez de justiça econômica, e apoiou programas como microcrédito que na verdade enfraqueceram o estado de bem-estar social.
Como o feminismo se tornou a empregada do capitalismo – e como resgatá-lo
15 de Fevereiro de 2017, por Nancy Fraser
Os riscos do canto da sereia capitalista “Um movimento que começou como uma crítica da exploração capitalista terminou contribuindo para ideias-chave de sua mais recente fase neoliberal”. Por Nancy Fraser | Trad.: UniNômade Brasil Como feminista, sempre entendi que ao lutar para emancipar as mulheres eu estava construindo um mundo melhor — mais igualitário, justo e livre. Mas ultimamente comecei a desconfiar que os ideais desbravados pelas feministas têm servido para fins bem diferentes. Eu me preocupo, especificamente, que a nossa crítica ao sexismo esteja agora servindo de justificativa para novas formas de desigualdade e exploração. Numa virada cruel do destino, temo que o movimento pela libertação feminina tenha se enredado perigosamente com os esforços neoliberais de construir uma sociedade de livre mercado. Isto explicaria como pode ser que as ideias feministas, antes parte de uma visão radical de mundo, cada vez mais têm sido expressas em termos individualistas. Se antes feministas criticavam uma sociedade pró-carreirismo, agora aconselham as mulheres a se envolver mais nas carreiras. Um movimento que antes priorizava a solidariedade social e agora celebra empreendedores femininos. Uma perspectiva que antes valorizava o “cuidado” e a interdependência e agora encoraja o crescimento individual e a meritocracia. Atrás do deslocamento, reside uma mudança profunda da natureza do capitalismo. O capitalismo administrado pelo estado do período pós-guerra cedeu o lugar a uma nova forma: capitalismo “desorganizado”, globalizado, neoliberal. O feminismo de segunda geração que emergira como crítica do primeiro se tornou a empregada do segundo. Olhando bem de perto o que aconteceu, podemos agora perceber que o movimento pela libertação das mulheres apontava simultaneamente para dois futuros possíveis. No primeiro cenário, a prefiguração de um mundo em que a emancipação de gênero caminhava lado a lado com a democracia participativa e a solidariedade social; no segundo, a promessa de nova forma de liberalismo, capaz de conceder às mulheres, assim como aos homens, as benesses da autonomia individual, maior capacidade de escolha e crescimento meritocrático. O feminismo de segunda geração foi, nesse sentido, ambivalente. Compatível com ambas as visões de sociedade, ele acabou suscetível a duas elaborações históricas distintas. Como eu vejo, a ambivalência do feminismo foi resolvida nos anos recentes em favor do segundo cenário, o liberal-individualista — mas não porque éramos vítimas passivas das seduções neoliberais. Pelo contrário, nós mesmas contribuímos com três ideias importantes para que isso acontecesse. Uma contribuição foi a nossa crítica do “salário familiar”: o ideal de um macho provedor da mulher, tão central no capitalismo organizado pelo estado. A crítica feminista desse ideal agora serve para legitimar o “capitalismo flexível”. Afinal, essa forma de capitalismo depende muito do trabalho assalariado da mulher, especialmente dos trabalhos mal remunerados nos setores dos serviços ou manufatureiros, realizados não somente por mulheres solteiras jovens, mas também por mulheres casadas e com filhos; não somente por mulheres racializadas, como também por mulheres virtualmente de todas as nacionalidades e etnicidades. Na medida em que as mulheres se espalharam pelos mercados de trabalho do mundo, o ideal do “salário familiar” vem sendo substituído por uma norma mais nova e moderna— aparentemente abençoada pelo feminismo — da família com dois assalariados. Pouco importa que a realidade debaixo do novo ideal sejam níveis depressivos de salário, baixa segurança no emprego, declinante qualidade de vida, um aumento drástico do número de horas trabalhadas por família, a exacerbação da dupla-jornada — hoje geralmente tripla ou quádrupla — e um aumento na pobreza, cada vez mais concentrada nos lares encabeçados por mulheres. O neoliberalismo doura a pílula ao elaborar a narrativa do empoderamento feminino. Invocando a crítica feminista contra o “salário família” para justificar a exploração, o neoliberalismo amarra o sonho da emancipação das mulheres na correia do motor da acumulação de capital. O feminismo também deu uma segunda contribuição ao ethos neoliberal. Na era do capitalismo organizado pelo estado, nós corretamente criticamos uma visão política estreita, que era tão intencionalmente focada na desigualdade de classe que não podia ver tais injustiças “não-econômicas”, tais como a violência doméstica, o abuso/assédio sexual e a opressão reprodutiva. Rejeitando o “economismo” e politizando o “pessoal”, as feministas alargaram a agenda política, a fim de desafiar as hierarquias sociais embutidas nas construções culturais de gênero. O resultado deveria ter sido expandir a luta por justiça, para englobar tanto a cultura quanto a economia. Mas o resultado real foi um foco unilateral na “identidade de gênero”, às custas das lutas do “pão e manteiga”. Pior ainda, a virada feminista à política da identidade se encaixou à perfeição num neoliberalismo ascendente, que queria nada mais nada menos do que reprimir toda memória de desigualdade social. De fato, nós absolutizamos a crítica do sexismo cultural precisamente na hora em que as circunstâncias requeriam uma atenção redobrada na crítica da economia política. Finalmente, o feminismo contribuiu com uma terceira ideia ao neoliberalismo: a crítica do paternalismo do estado de bem estar social. Inegavelmente progressista, durante o período do capitalismo organizado pelo estado, aquela crítica desde então vem convergindo com a guerra do neoliberalismo contra o “estado babá” e seu mais recente abraço cínico das ONG. Um exemplo que diz muito consiste no “microcrédito”: o programa de pequenos empréstimos bancários às mulheres no sul global. Considerado como uma alternativa “desde baixo” e empoderadora, em relação a programas estatais “desde cima” e excruciantemente burocráticos, o microcrédito é incensado como antídoto feminista para a pobreza e sujeição das mulheres. Esquece-se, contudo, da perturbadora coincidência: o microcrédito floresceu rapidamente assim que os estados abandonaram esforços macro para lutar contra a pobreza, esforços que empréstimos de pequena escala não tem como substituir. Nesse caso, igualmente, a ideia feminista foi incorporada pelo neoliberalismo. Uma perspectiva voltada originalmente para democratizar o poder do estado, de maneira a empoderar os cidadãos, é agora usada para legitimar a mercantilização e a amputação do estado. Em todos esses casos, a ambivalência do feminismo tem sido resolvida em favor do individualismo (neo)liberal. Mas o outro cenário, da solidariedade, pode estar ainda vivo. A crise presente abre a chance de retomar o fio mais uma vez, religando o sonho de libertação das mulheres com a visão de uma sociedade solidária. Para isso, as feministas precisam romper a ligação perigosa com o neoliberalismo e reconquistar as nossas três “contribuições” para os nossos próprios objetivos. Primeiro, precisamos romper a ligação espúria entre a nossa crítica do salário familiar e o capitalismo flexível, militando por uma forma de vida descentrada do trabalho assalariado e valorize atividades não-salariais, incluindo, mas não apenas, o cuidado. Segundo, nós poderíamos desviar a passagem de nossa crítica ao economismo à política da identidade: integrando a luta pela transformação de uma ordem hierárquica, embutida nos valores culturais machistas, com a luta por justiça econômica. Finalmente, poderíamos dissolver o cimento falso entre nossa crítica à burocracia e o fundamentalismo do mercado livre, reivindicando o manto da democracia participatória como um meio de fortalecimento dos poderes públicos necessários para, em prol da justiça, conter o capital.— Tradutor: Bruno Cava Publicado originalmente The Guardian, 14/10 http://www.iela.ufsc.br/noticia/como-o-feminismo-se-tornou-empregada-do- capitalismo-e-como-resgata-lo A síndrome “cansei” da feminista branca: uma resposta a Nancy Fraser. Por Brenna Bhandar e Denise Ferreira da Silva, no Critical Legal Thinking, em 21/10/13 | Trad. UniNômade BrasilEsta é uma resposta ao artigo de Nancy Fraser publicado no The Guardian, em 2/10/13, e republicado pela UniNômade: “Como o feminismo se tornou a empregada do capitalismo; e como resgatá-lo“. No recente texto “Como o feminismo se tornou a empregada do capitalismo, e como resgatá-lo”, Nancy Fraser usa seu próprio trabalho em teoria política para argumentar que o feminismo, na melhor das hipóteses, foi cooptado pelo neoliberalismo e, na pior, se tornou um empreendimento do projeto neoliberal. O que à primeira vista parece uma autorreflexão razoável, uma que assume o ônus e a responsabilidade pelas alianças do passado e pelas celebrações de manobras estratégicas em nome da melhoria da vida das mulheres; num segundo momento, acaba revelando a miopia inata e repetitiva do feminismo branco em levar em conta, conversar e pensar junto com as feministas negras e terceiromundistas. Escrevendo desde o começo da década de 1970, essas acadêmicas e ativistas têm sistematicamente desenvolvido uma crítica feminista não somente sobre o capitalismo de estado, como também do capitalismo globalizado que se apoia no legado colonial. Esses feminismos não priorizaram o “sexismo cultural” em detrimento da redistribuição econômica. A literatura é vasta, com uma miríade de exemplos. De modo que é bastante cansativo quando feministas brancas falam da “segunda geração do feminismo” como se fosse o único “feminismo”, e usam o pronome “nós” para chorar o fracasso de suas lutas. Deixe-nos apenas dizer que não existe algo como o “feminismo”, que seja sujeito de qualquer sentença para designar uma posição única na crítica do patriarcado. Tal posição está fraturada desde pelo menos quando a ativista negra Sojourner Truthdisse: “Não sou uma mulher também?” Existe, no entanto, uma posição-sujeito feminista, aquela que Fraser está lamentando, que se sentou muito confortavelmente na cadeira do sujeito emancipado, autodeterminado. Mas isso não surpreende, pois tanto o feminismo dela e o neoliberalismo compartilham o mesmo núcleo liberal, que feministas negras e terceiromundistas identificaram e expuseram desde muito cedo na trajetória dos feminismos. O trabalho de A.Y. Davis, Audre Lorde, Himani Bannerji, Avtar Brah, Selma James, Maria Mies, Chandra Talpade Mohanty, Silvia Federici, Dorothy Roberts e um monte de outras destroçaram a natureza excludente e limitada dos esquemas conceituais desenvolvidos pelas feministas brancas do mundo anglófono. Essas acadêmicas e ativistas criaram esquemas de análise que, simultaneamente, encararam o desafio de fazer uma dramática correção tanto da teoria anticolonial e marxismo negro [Black Marxism], que falharam fundamentalmente em teorizar gênero e sexualidade, quanto do pensamento feminista socialista e marxista, que continua a falhar, de muitas maneiras, em dar conta da raça, das histórias da colonização e das iniquidades estruturais entre os estados-nações ditos desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento. E sim, embora Mies, Federici e James sejam brancas, as feministas marxistas terceiromundistas aspiram por uma solidariedade política além da linha de cor. As acadêmicas de que falamos desenvolveram críticas consistentes de formas capitalistas de propriedade, troca, trabalho pago e não-pago, junto de formas culturalmente impregnadas e estruturais da violência patriarcal. Peguemos o exemplo do estupro e da violência contra a mulher. No seminal Women Race and Class [Raça e Classe das Mulheres], A.Y. Davis argumentou energicamente que muitas das mais urgentes e contemporâneas lutas políticas das mulheres negras estão debruçadas sobre tipos de opressão sofridos na escravidão. O estupro e a violência sexual são problemas de mulheres de todas as classes, raças e sexualidades, como Davis apontou, mas assumem uma valência diferente para negras e negros. O mito do estuprador negro e do macho negro hipersexual violento causou montes de linchamentos durante o período anteguerra nos EUA. Esse persistente mito racista confere valor explicativo à super- representação de homens negros em prisões condenados por estupro, e levou à relutância de parte das mulheres afro-americanas em se envolver no começo do ativismo feminista, mais concentrado na aplicação da lei e no sistema penal (Davis, 1984). A expropriação do trabalho negro radicada na lógica da escravidão se repete na expropriação do trabalho dos presos na era pós-escravidão e, hoje, na endemia de trabalho prisional (Davis, 2005). A violência sexual é, assim, entendida como derivada da escravidão e da colonização, afetando tanto mulheres quanto homens. A história dos corpos negros femininos como mercadorias à disposição do prazer dos homens brancos permanece como um traço racial, social e psíquico da sociedade afro-americana contemporânea. No tocante às indígenas americanas, os estereótipos da era colonial, a squaw [algo como “indiazinha”, pejorativo para mulher indígena sexualmente disponível], continuam nos imaginários racializados contemporâneos da sociedade americana, retratando mulheres indígenas como vulneráveis a formas de violência sexual que sempre foram raciais, recordando padrões de violência presentes quando do desapossamento de suas terras e, sim, suas práticas culturais (ver P. Monture-Angus, Kim Anderson, Sherene Razack). Sugestões recentes que as feministas deveriam se concentrar no trabalho não-pago, implicado nos trabalhos relacionados com o cuidado, foram analisadas por Patricia Hill Collins, em Black Feminist Thought: knowledge, power and consciousness [Pensamento feminista negro: conhecimento, poder e consciência]. Ela enfatiza que, para as mulheres afro-americanas, o trabalho em casa em prol do bem estar das famílias pode ser entendido por elas como uma forma de resistência a forças econômicas e sociais que entram em conluio para prejudicar as crianças e famílias afro-americanas. Feministas negras também conduziram a campanha por salários ao trabalho doméstico, desafiando as normas burguesas da economia burguesa. Seguindo A.Y. Davis, notamos que as feministas brancas precisam reconhecer quando elas se envolvem em estratégias políticas que as feministas negras e terceiromundistas já têm teorizado e praticado há muito tempo. Encerrar a opressão, a violência contra a mulher, a violência contra o homem, particularmente na versão liberal, significa abraçar o pensamento histórico, materialista, antirracista das feministas marxistas negras e terceiromundistas. Seriam as feministas brancas que insistem em acrescer a palavra “raça” e “racismo”, em suas abordagens ao feminismo típicas da esquerda liberal, deliberadamente cegas e surdas? Seriam elas incapazes de ceder terreno ao feminismo negro porque significaria a renúncia de certo privilégio racial? A invocação persistente do universalismo, que é o núcleo do feminismo branco, invisibiliza as experiências, os pensamentos e o trabalho das feministas negras e terceiromundistas, de novo e de novo. Acabou o tempo! Tradutor: Bruno Cava. Publicado em 6 de novembro de 2013 por Brenna Bhandar e Denise F na categoria Sem categoria. http://uninomade.net/tenda/a-sindrome-cansei-da-feminista-branca-uma-resposta-a- nancy-fraser/
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