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ESTUDOS FEMINISTAS Fabiana Cristina Severi[1]

Beatriz Carvalho Nogueira[2]

SOBRE ACESSO
Deíse Camargo Maito[3]
Inara Flora Cipriano Firmino[4]
Júlia Campos Leite[5]

À JUSTIÇA DAS Juliana Fontana Moyses[6]


Tharuell Lima Kahwage[7]

MULHERES: UM INTRODUÇÃO

BALANÇO SOBRE O acesso das mulheres à justiça brasileira tem sido abordado por diversos estudos

AS CONTRIBUIÇÕES
feministas, desde os anos 1980. Tributários de uma ampla gama de abordagens
teóricas e metodológicas, eles favoreceram um aprofundamento da reflexão
crítica sobre o direito no Brasil e trataram de temáticas que estavam nas agendas

DOS ESTUDOS das mobilizações políticas feministas latino-americanas, como: aborto, divórcio,
violência doméstica, feminicídio, racismo, educação, moradia e direitos políticos.

REALIZADOS Esses estudos também privilegiaram perspectivas empíricas, empregando uma


variedade de métodos (análise de decisões judiciais, análises de fluxo processual,

NO ÂMBITO DO
surveys com mulheres sobreviventes ou familiares, etnografias de instituições que
compõem o sistema de justiça e de experiências de justiça comunitária voltadas

MESTRADO EM [1]  Livre-docente em Direitos Humanos pela FDRP-USP. Professora do Departamento de Direito

DIREITO DA FDRP
Público da FDRP-USP. Correio eletrônico: fabianaseveri@usp.br.
[2]  Mestra em Ciências na Área Desenvolvimento no Estadto Democrático de Direito pelo Programa
de Direito da FDRP-USP. Correio eletrônico: beatrizcnogueira@gmail.com.
[3]  Doutoranda em Ciências na Área de Saúde Pública pelo Programa de Saúde Pública da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP). Correio eletrônico: dcmaito@usp.br.
[4]  Mestranda em Ciências na Área Desenvolvimento no Estado Democrático de Direito pelo Programa
de Direito da FDRP-USP. Correio eletrônico: inara.firmino@usp.br.
[5]  Mestranda Ciências na Área Desenvolvimento no Estado Democrático de Direito pelo Programa
de Direito da FDRP-USP Correio eletrônico: jucleite@terra.com.br.
[6]  Mestra em Ciências na Área Desenvolvimento no Estado Democrático de Direito pelo Programa
de Direito da FDRP-USP. Correio eletrônico: julianafmoyses@gmail.com.
[7]  Mestra em Ciências na Área Desenvolvimento no Estado Democrático de Direito pelo Programa
de Direito da FDRP-USP. Correio eletrônico: tharuell@gmail.com.

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ao atendimento às mulheres em situação de violência) que permitissem explorar o desenvolvimento de ações de prevenção, investigação, sanção e reparação; a
os obstáculos para as mulheres acessarem os serviços de justiça e compreender transparência dos dados relativos aos processos judiciais envolvendo o tema e a
as múltiplas e interseccionais formas de discriminação e violência que marcam avaliação permanente das medidas preventivas e protetivas realizadas.
as experiências das mulheres com as instituições do sistema de justiça brasileiro. O acesso à justiça por ela preconizado refere-se, então, à existência de
O foco em tais estudos não foi, necessariamente, a elaboração de novas teorias mecanismos justos, efetivos, acessíveis e responsáveis para assegurar a proteção
sobre o direito, ou mesmo sobre o acesso à justiça. Parte considerável deles foi dos direitos das mulheres e a resolução de conflitos em bases igualitárias e não
elaborado por acadêmicas, ativistas e profissionais do direito provenientes de um discriminatórias, em conformidade com os estándares internacionais sobre
campo bastante interdisciplinar para subsidiar uma diversidade de campanhas direitos humanos das mulheres. A Lei também oferece parâmetros para se pensar
feministas por modificações legislativas que pudessem garantir direitos às mulheres a melhoria das condições de acesso à justiça para as mulheres, considerando
e mudanças no desenho do sistema de justiça, de seus valores e seu funcionamento. as dimensões da justiciabilidade, da disponibilidade, da acessibilidade, da boa

Um dos principais exemplos de campanhas feministas nesse sentido é a Lei qualidade, da provisão de remédios e da prestação de contas dos sistemas de

Federal n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida por Lei Maria da Penha justiça. Ainda, a Lei favorece avançarmos em uma compreensão sobre acesso à

(LMP). Ela toma como referência esse amplo repertório de estudos e, mais do justiça não apenas dentro de chaves clássicas como “sistema de justiça”, “reforma

que propor uma resposta judicial a esse tipo de conflito, ela oferece bases para a do judiciário”, mas de forma a se considerar as interações entre os três poderes

construção de outro modelo de acesso e de justiça. Um acesso que não se inicia, públicos (Executivo, Legislativo e Judiciário) e entre Estado e movimentos sociais.

necessariamente, pelo sistema formal, mas por qualquer dos serviços da rede A maioria dos estudos feministas brasileiros sobre acesso à justiça não têm
de atendimento às mulheres em situação de violência. Uma justiça que não se nutrido forte otimismo em relação à capacidade da lei e do sistema de justiça
realiza, necessariamente, por meio de uma decisão judicial condenatória, mas em reduzir desigualdades baseadas em gênero. Paradoxalmente, a reivindicação
pela garantia de direitos humanos às mulheres e da minimização da situação pela Lei Maria da Penha buscou desafiar o próprio poder do sistema de justiça em
de risco das mulheres e seus familiares. A Lei buscou transformar os modelos produzir e reproduzir diferenças justificadoras das desigualdades e discriminações.
de atendimento às mulheres, os significados sobre a violência doméstica e os O problema principal a ser enfrentado, para além da própria violência doméstica,
significados sociais estigmatizantes sobre as mulheres. então, envolvia a colaboração do sistema de justiça brasileiro com a expansão da

A LMP entendeu a violência contra as mulheres como uma violação de direitos vulnerabilidade das mulheres e dos efeitos das hierarquias de gênero, raça, classe

humanos e preconizou um modelo de resposta estatal integral para o seu social e colonialidade a partir do tratamento discriminatório e desigual destinado

enfrentamento, que depende, para sua implementação, de modificações a elas pelas instituições do sistema de justiça e de segurança. Por isso, as medidas

substanciais na estrutura e no funcionamento do sistema de justiça brasileiro. por ela preconizadas voltavam-se a favorecer o acesso das mulheres ao sistema

Alguns exemplos de tais mudanças são: a criação de serviços especializados de de justiça e, simultaneamente, a transformação do desenho institucional dos seus

Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres em todas as Unidades da órgãos e do campo de significados que permeiam suas práticas.

Federação, com competência híbrida e equipe multidisciplinar; a capacitação Desde sua aprovação, em 2006, os desafios para a sua implementação têm renovado
permanente do seu quadro de pessoal em questões de gênero e de raça ou o campo de problemáticas nos estudos sobre acesso à justiça para as mulheres
etnia; a incorporação da perspectiva de gênero na prestação jurisdicional; a no país. E nossas pesquisas têm se voltado a investigar em que medida, e por
integração do sistema de justiça com os outros serviços de atendimento para meio de quais mecanismos, o direito continua reproduzindo diferenças de gênero,

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em perspectiva interseccional, na conformação do acesso à justiça. Buscamos de enfrentamento à violência contra as mulheres; e d) as mobilizações políticas
compreender em nossas pesquisas, sobretudo por meio de análises empíricas, feministas por acesso à justiça.
os enquadramentos e os deslocamentos dos sentidos relacionados ao modelo Em diálogo com um vasto campo de estudos feministas sobre a relação entre
proposto pela Lei Maria da Penha que têm resultado, por exemplo, a) na reprodução estereótipos de gênero e acesso à justiça, a dissertação de mestrado elaborada
de desigualdades e na expansão do campo penal e de seus efeitos de colonização por Juliana Fontana Moyses (2018), por exemplo, teve por objetivo analisar os
e racialização; b) no constrangimento dos efeitos democratizantes da LMP sobre enquadramentos adotados pelo Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha, a
a sociedade e sobre as instituições políticas e jurídicas; e c) na invisibilização do partir de uma perspectiva de gênero, bem como as consequências jurídicas de
papel do campo feminista no processo de criação e implementação da LMP. tais enquadramentos para a garantia dos direitos de mulheres em situação de
O presente artigo pretende apresentar, brevemente, as principais contribuições violência. Este trabalho foi nomeado: “Os enquadramentos da violência contra as
de tais estudos realizados no âmbito do Programa de Mestrado em Direito da mulheres no componente estrutural da Lei Maria da Penha: análise de conteúdo
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para o campo de decisões de 2ª instância do TJ/SP sobre ‘violência baseada no gênero’”.
mais amplo de investigações sobre acesso à justiça para as mulheres. O estudo foi empírico, de natureza qualitativa, e utilizamos referenciais da
análise de conteúdo, seguindo categorias e abordagens de autoras do campo

O PROJETO ACESSO À JUSTIÇA E DESIGUALDADES E AS PESQUISAS teórico-feminista, como Carol Smart (2000), Alda Facio (1999), Rebecca Cook
EM ACESSO À JUSTIÇA PARA MULHERES e Simone Cusack (2010), Kimberlé Crenshaw (1989) e Judith Butler (2017). A
análise das decisões selecionadas levou em conta os trechos que se referiam à
O Grupo de Pesquisa Acesso à Justiça e Desigualdades, vinculado ao Programa “vulnerabilidade” ou à “hipossuficiência” da mulher em relação ao agressor, dois
de Mestrado da FDRP, tem desenvolvido pesquisas em torno de quatro eixos termos que apareceram associados à ideia de “violência de gênero” em pesquisas
temáticos principais: a) Políticas Públicas de acesso à justiça no Brasil; b) Acesso exploratórias e na pesquisa de Flávia Passeri Nascimento (2016).
à justiça e mobilização política por direitos; c) Novos arranjos institucionais para a
Um dos resultados da pesquisa foi que, em geral, as decisões condicionam
resolução de disputas e d) Mecanismos processuais de regulação da litigiosidade
a aplicação da Lei Maria da Penha a uma demonstração da vulnerabilidade/
de massa. Em todos esses eixos, temos buscando privilegiar abordagens teórico-
hipossuficiência da mulher, ou presumem que toda mulher em situação de
metodológicas críticas, em especial, aquelas capazes de favorecer a compreensão
violência já é vulnerável/hipossuficiente. O atrelamento da possibilidade de
sobre as desigualdades de gênero, raça e classe social, por exemplo, no acesso
proteção especial às mulheres à vulnerabilidade/hipossuficiência desta acaba por
à justiça.
reforçar estereótipos negativos às mulheres: ou se presumia sua vulnerabilidade,
Também temos buscado colaborar com o campo de estudos sobre a implementação reforçando o estereótipo de fragilidade feminina, ou se exigia a sua comprovação,
da LMP, ao mesmo tempo em que consideramos tal lei e o processo de mobilização reforçando o estereótipo de que a mulher em situação de violência é explicitamente
feminista que a ensejou como referenciais fundamentais para o campo de estudos frágil. Nesse último caso, uma das consequências é a negação da proteção a
sobre o acesso à justiça para mulheres. Nesse caso, nossa agenda atual de mulheres que não se encaixam no estereótipo de “vítima de violência doméstica”:
pesquisa envolve questões sobre: a) os modelos dogmáticos, decisórios e de fluxos notadamente, relações violentas entre duas mulheres foram consideradas como
processuais ligados a temas de direitos humanos das mulheres; b) a feminização ausentes de vulnerabilidade.
das profissões jurídicas e seus efeitos no sistema de justiça; c) as políticas judiciárias

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O enquadramento da violência doméstica como fruto de vulnerabilidade/ Outra pesquisa, também feita por Beatriz Nogueira, intitulada “Direitos sexuais
hipossuficiência das mulheres, assim, tem por consequência a desproteção de e reprodutivos das mulheres: análise jurisprudencial da esterilização sem
mulheres e/ou o reforço de estereótipos de fragilidade, o que tende a reforçar a consentimento e do aborto no Tribunal de Justiça de São Paulo” (NOGUEIRA,
discriminação baseada no gênero. Pensando em termos interseccionais, embora 2018),[8] avança na compreensão sobre as resistências do sistema de justiça
as decisões em geral não tragam dados sobre as características das mulheres, é em utilizar uma perspectiva interseccional de gênero para análise dos casos de
possível pensar que mulheres que não se enquadram na ideia de fragilidade (tal violência contra as mulheres, ao considerar tais resistências como tecnologias de
qual mulheres negras, lésbicas, ou trans) terão menos chance de ser consideradas controle dos corpos das mulheres e de expropriação de sua autonomia sexual e
como merecedoras da proteção da Lei Maria da Penha. reprodutiva por parte do Estado.

Outro estudo sobre estereótipos de gênero em decisões judiciais foi realizado por As análises de decisões judiciais em perspectiva de gênero, realizadas no âmbito
Beatriz Carvalho Nogueira (2015), sob o título: “Violência Obstétrica: análise das do nosso grupo, ofereceram subsídios para que pudéssemos tentar contribuir com
decisões proferidas pelos tribunais de justiça da região sudeste”. Nele discutimos um eixo de discussão no campo de estudos sobre acesso à justiça, de caráter mais
os dados obtidos a partir de acórdãos de tribunais de justiça da região sudeste que propositivo, que podemos nomear de justiça em perspectiva de gênero (SEVERI,
abordavam casos relacionados à violência obstétrica. Os dados foram organizados 2016a; 2017). Aqui, a proposta era colaborar com a construção de parâmetros
de acordo com as variáveis: Tribunal de Justiça, momento processual, polo ativo, teóricos e dogmáticos para o enfrentamento a múltiplas e interseccionais formas
polo passivo, resultado em relação ao polo ativo, assunto do acórdão e violência de violência contra as mulheres.
sofrida pelo polo ativo. A partir disso, buscamos compreender o discurso do direito Na pesquisa feita por Júlia Campos Leite, intitulada “Reparação judicial para
exteriorizado nas decisões judiciais e suas consequências jurídicas às mulheres mulheres vítimas de violência obstétrica”, partimos de achados empíricos prévios
que sofreram alguma forma de violência no contexto do parto (pré-parto, parto sobre decisões judiciais em violência obstétrica desenvolvidos por Beatriz Nogueira
e pós-parto). (2015) para realizar um estudo de caráter dogmático sobre o dever de reparação
Em regra, não havia nomeação das violações narradas nas petições iniciais como às mulheres em casos de violência obstétrica. O estudo fundamenta-se em uma
“violência obstétrica”, apesar de o termo ser amplamente utilizado por diversos ampla revisão bibliográfica sobre os temas: violência obstétrica, análise do direito
movimentos sociais e políticos em saúde e pela humanização do parto, tendo em perspectiva de gênero, violência contra as mulheres, direitos humanos das
recebido tratamento jurídico em leis específicas, como Venezuela e Argentina mulheres, acesso à justiça e dever de reparação no âmbito do direito interno e
(FRANZON, 2015). A maior parte referia-se a erro médico e buscava fundamentação do direito internacional.
em legislação civil. Não havia, na petição ou nos acórdãos, o uso dos marcos Ao adotar uma perspectiva de gênero para a construção de modelos de resposta à
jurídicos relacionados aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e de direitos violência obstétrica, a pesquisa favorece novas possibilidades de enquadramentos
humanos das mulheres. Sob esse enquadramento jurídico, erro médico, prevalecia do direito material e processual aos casos, mais compatíveis com os marcos
nos acórdãos a presença de procedimentos processuais tendentes a desqualificar dos direitos humanos das mulheres. A abordagem proposta também permite
as vítimas e seus relatos e a ênfase em provas periciais e testemunhais que, compreender que a violência obstétrica é resultante de um contexto estrutural
muitas vezes, acabava resultando na invisibilização das múltiplas e interseccionais de desigualdades baseadas no gênero e articuladas a outros marcadores sociais
formas de violência relatadas pelas mulheres (NOGUEIRA; SEVERI, 2016, p. 431).

[8]  A pesquisa foi realizada com a orientação da Professora Doutora Juliana Oliveira Domingues.

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de diferença. Ao considerar isso, a resposta estatal, judicial ou extrajudicial, deve Justiça cuja composição de desembargadoras é consideravelmente maior que a
comprometer-se com um sentido de reparação que vai além da perspectiva de desembargadores (64%), conforme Censo realizado pelo Conselho Nacional
indenizatória clássica do direito civil. Um dos focos da resposta é a não reprodução de Justiça em 2014. Além disso, o órgão teve quatro presidências ocupadas por
ou o reforço de tais desigualdades. mulheres e duas por homens nos últimos dez anos, situação atípica em relação

A pesquisa desenvolvida por Deíse Camargo Maito (MAITO, 2017) seguiu um ao restante do país.

modelo parecido, buscando delinear modelos de enfrentamento da violência no As discussões acerca da democratização das instituições judiciárias, sobretudo no
âmbito universitário, considerando a responsabilidade jurídica das instituições que diz respeito à composição equitativa de seus membros, com base em gênero,
públicas de ensino superior em prevenir e coibir toda forma de violência contra tem se pautado principalmente no argumento da diferença, ou seja, na existência
as mulheres. Os modelos foram propostos com base em uma revisão sistemática de uma voz diferente. Esse argumento, embora seja sedutor e valorize as vozes de
da bibliografia e em estudo da experiência da Universidade de São Paulo na mulheres – as quais, até então, têm sido excluídas de instituições públicas – não é
construção de suas políticas e estratégias recentes de enfrentamento a esse suficiente como fundamento teórico na defesa da diversificação do Judiciário. As
tipo de violência. possibilidades de julgamento diferenciado são confrontadas com a imposição de um

O trabalho referencia-se um modelo de pesquisa interessada em observar o desenho ideal de neutralidade e imparcialidade, fundamentadas em valores e perspectivas

de determinada política ou serviço e oferecer subsídios para seu aprimoramento, androcêntricas. O maior esforço da maioria das mulheres e de grupos subalternizados

em diálogo construtivo com diversos tipos de agentes aí implicados. Por isso, além está voltado a resistir ou a sobreviver frente a uma situação de grande desvantagem

da revisão sistemática, ele propôs um modelo de protocolo à Universidade de São ou estigmatização a que elas estão sujeitas, cotidianamente.

Paulo, nomeado de “Diretrizes gerais para as ações institucionais de intervenção Por fim, sob o eixo “políticas judiciárias de enfrentamento à violência contra as
diante de situações de violência e discriminação de gênero e orientação sexual”. mulheres, nosso grupo tem buscado olhar o acesso à justiça para as mulheres de
A ideia central dele foi oferecer subsídios para que a universidade possa adotar modo a considerar o contexto político e institucional atual de alta vulnerabilização
uma perspectiva de gênero na prevenção, investigação, sanção e reparação, no dos direitos humanos e recente desmonte das conquistas democratizantes obtidas
âmbito de suas competências administrativas, à violência contra as mulheres. nas duas últimas décadas. O objetivo é, seguindo a proposta por Patrícia Collins

No eixo “feminização das profissões jurídicas”, nossas pesquisas têm buscado (2018), não só discutir as múltiplas formas de violência contra as mulheres em

problematizar a escassa participação, numérica e funcional, de mulheres, sobretudo perspectiva interseccional, mas, indo além, utilizar a abordagem interseccional

negras, na composição das carreiras do sistema de justiça brasileiro e seus efeitos para analisar as pressões neoliberais para desmontar a governança democrática

nos processos deliberativos judiciais em favor dos direitos humanos das mulheres construída no estado brasileiro nas últimas décadas e para sufocar os projetos

e na própria legitimidade democrática de seus órgãos (SEVERI, 2016). de justiça social forjados no campo feminista.

A pesquisa de Tharuell Lima Kahwage (2017) analisou os possíveis impactos A pesquisa, ainda em desenvolvimento, de Inara Flora Cipriano Firmino, tem por

da composição de gênero na trajetória profissional e na atuação jurisdicional objetivo analisar a agenda de mulheres negras nos estudos sobre acesso à justiça.

do Tribunal de Justiça do Pará, especialmente em termos de efetivação dos Pretende-se analisar narrativas de duas mulheres negras que atuaram em Ouvidoria

direitos humanos das mulheres, a partir das perspectivas das desembargadoras Geral Externa como interlocutoras entre o movimento de mulheres negras e a

que atuam no órgão. A escolha do TJPA justifica-se por ser o único Tribunal de Defensoria Pública Estadual, instituição característica de participação popular e
promoção de justiça social. A pesquisadora toma como referencial teórico Patricia

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Hill Collins para fazer uma discussão de acesso à justiça pautada no paradigma no sistema de justiça brasileiro, também favorecem um alargamento e um
da interseccionalidade e da Epistemologia Feminista Negra, proposta pela autora. revigoramento do campo de estudos sobre acesso à justiça no Brasil.

A proposta assume como desafio aprofundar as análises interseccionais sobre


acesso à justiça às mulheres. O conceito de interseccionalidade permanece em
disputa e em constante construção sobre definições e usos do termo. Pode
haver, segundo Collins, um acordo geral sobre os contornos, em abstrato, de
interseccionalidade, ainda que a incorporação do termo e sua crescente legitimidade
dentro da academia tenha catalisado bem menos consensos entre os acadêmicos
(COLLINS, 2017). Na pesquisa em andamento, o conceito tem sido abordado
enquanto uma práxis crítica que permite a emancipação de mulheres negras e
projetos por justiça social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos sobre acesso à justiça, no Brasil, são mais frequentes no campo da


sociologia jurídica e da teoria geral do processo. As análises mais frequentes
enfatizam a categoria classe social para abordar as desigualdades que constituem as
várias dimensões das relações entre sistema de justiça e sociedade. Nosso percurso
não desconsidera tal literatura, mas tem buscado privilegiar as perspectivas
teóricas feministas, enfatizar a categoria gênero de modo articulado com raça e
classe social e utilizar abordagens metodológicas, sobretudo, empíricas.

Além de promover uma reflexão crítica sobre o direito, nossos estudos também
têm buscado informar mudanças jurídico-institucionais e desenhos de políticas
públicas que possam promover os direitos humanos das mulheres. Para isso,
vários eixos temáticos têm sido considerados: a aplicação da Lei Maria da Penha,
os discursos produzidos em relação à violência obstétrica e aos direitos sexuais
e reprodutivos das mulheres, a violência contra as mulheres na universidade, as
discriminações de gênero na composição institucional do Poder Judiciário e as
nuances teórico-metodológicas do conceito de interseccionalidade.

Consideramos que nossos esforços, ao mesmo tempo que fortalecem a construção


de bases para a incorporação de uma perspectiva interseccional de gênero

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10.11606/D.107.2019.tde-06022019-101616. Acesso em: 18 set. 2019.
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