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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo 0

PUC GOIAS

TEORIA GERAL DO
PROCESSO
Profª Evelyn Cintra Araújo

2018
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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

1 INTRODUÇÃO

Se pudéssemos conceituar Direito diríamos que é “o conjunto das normas gerais e


positivas que regulam a vida social”.
Portanto, o principal objetivo do Direito é harmonizar as relações sociais
intersubjetivas; é tornar possível a vida em sociedade, conferindo-lhe ordem (ubi jus ibi societas
– não há direito sem sociedade) através de regras de conduta dotadas de coercibilidade.
Estabelecido o direito objetivo, faz nascer, por outro lado, a prerrogativa ou a
faculdade individual de exigir o cumprimento dos preceitos que lhe diga respeito. Portanto, se
a norma diz que “todos são iguais”, surge para cada um o direito de ser tratado sem
discriminação. Fala-se, então, em direito subjetivo.
A facultas e a norma são os dois lados de um mesmo fenômeno: um é o aspecto
individual, o outro o aspecto social. Qualquer direito pode ser apreciado pelo lado do
indivíduo, que dele extrai uma segurança jurídica ou uma função, como pelo lado do
agrupamento social, que institui uma regra de conduta.
O direito subjetivo manifesta-se através de uma relação jurídica, a qual pressupõe um
sujeito, que é o ser a quem a ordem jurídica assegura um poder ou um dever de agir; um
objeto, que é o bem ou a vantagem sobre a qual o sujeito exerce tal poder ou dever; e um
vínculo, que é o liame que une ambos os sujeitos ou partes entre si e estes com o objeto,
formando a relação jurídica.
A vida em sociedade produz uma série de relações, que, quando protegidas pela
ordem jurídica, transformam-se em relações jurídicas, como o casamento, o emprego, o
aluguel de um imóvel etc. Todas elas são motivadas pelo desejo de satisfazer um direito
subjetivo1, ou seja, uma necessidade, um interesse (formar uma família, ganhar dinheiro, ter um
lugar para morar etc). Quando isso ocorre fala-se em relação jurídica material.
Mas pode acontecer que, numa relação jurídica material entre A e B, os interesses
sejam opostos; por exemplo, A quer manter o casamento, mas B não. Surge, então, um conflito
de interesses, ou seja, um “choque de duas ou mais vontades sobre o mesmo objeto”.
Nesse momento, se A insiste em manter a sua posição, exigindo que B subordine ao
seu interesse, surge o que chamamos de pretensão. Pretensão, portanto, é “a exigência de
subordinação de um interesse alheio ao próprio.”
Se B ceder, o conflito é resolvido pela satisfação da pretensão de A.

1 Para Ihering, direito subjetivo é o “o interesse juridicamente protegido”.


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Porém, se B resiste, nasce uma lide, que, no conceito brilhante de Carnellutti, nada
mais é que “um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida”.
Nesse momento ENCERRA O PLANO DE DIREITO MATERIAL2...
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Acontece que, quando o Estado se estruturou e passou a dotar-se de maior poder,
trouxe para si a responsabilidade de ditar a solução para os conflitos de interesses, proibindo
qualquer espécie de justiça privada (atualmente, excepcionalmente, admite-se a autotutela,
como o desforço imediato, a legítima defesa e a greve).
O Estado assume, assim, o monopólio da JURISDIÇÃO (que significa dizer o direito
no caso concreto), exercido precipuamente por um de seus poderes – o Poder Judiciário.
Como conseqüência da previsão desse direito objetivo à jurisdição (aliás, consagrado
a nível constitucional – art. 5º, inciso XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito”), ofertou-se ao indivíduo, que não podia mais realizar o seu interesse
através da própria força, o poder, a prerrogativa, a faculdade, o direito subjetivo de bater às
portas do Judiciário para exigir a solução do litígio que porventura pudesse estar envolvido.
Tal direito subjetivo de provocar a jurisdição denominou-se direito de AÇÃO. Mas,
como ele é exercido?
O direito de ação é exercido através de um ato processual chamado demanda.
Portanto, demanda é o ato processual pelo qual o autor exercita o direito de ação. Este ato
materializa-se através de um instrumento denominado petição inicial.
Mas, assim como se assegura ao autor o direito à tutela jurisdicional, o qual é
exercido por meio do direito de ação, ao réu é garantido direito correlato, dando-lhe a chance
de receber a prestação jurisdicional (direito à análise do mérito; de preferência, no sentido de
improcedência do pedido do autor – tutela jurisdicional negativa). A este direito dá-se o nome
de direito à defesa, previsto constitucionalmente no art. 5º, LV.
O direito de defesa é exercido através de alguns atos, quais sejam, a contestação, a
reconvenção e as exceções, os quais se materializam também através de uma petição, que, por não
mais ser inicial, é chamada genericamente de petição interlocutória. Contestação (assim como os
demais atos da defesa) não é, portanto, a petição da contestação, mas sim o ato processual

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As leis classificam-se, quanto à sua natureza, em materiais ou substanciais (as que regulam o direito em si) e
formais ou processuais (modo de realização da lei material - atos processuais).

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pelo qual o réu exerce o direito de defesa, se opondo, formal e/ou materialmente, à pretensão
do autor.
Oportunizado ao réu o direito de defesa, independentemente se ele o tenha exercido
ou não através de quaisquer daqueles atos, tem-se por formado o PROCESSO completamente.
Assim, o processo poder ser entendido como sendo a relação jurídica de direito
público (processual) que une autor, juiz e réu, e que se exterioriza e se desenvolve pela
seqüência ordenada de atos com vistas a um fim, qual seja, a sentença.
O processo será civil (ou de natureza cível, como queira) se a lide posta em juízo se
instaurou em virtude de qualquer ramo do direito que não seja trabalhista ou penal (que
possuem processos próprios correlatos, a saber, processo do trabalho e processo penal), ou
seja, em virtude de um direito pertencente ao Direito Civil, Empresarial, do Consumidor,
Tributário etc.
Para regular o processo, o Estado criou um conjunto de normas jurídicas que formam
o chamado Direito Processual, também denominado de formal ou instrumental, por servir de
forma ou instrumento de atuação da vontade concreta das leis de direito material ou
substancial, que solucionarão as lides colocadas pelas partes em juízo.

1.1 Conceito de Direito Processual Civil

A bem da verdade, Direito Processual é um só. A divisão em sub-ramos (Processo


Civil, Processo Penal, Processo do Trabalho etc) e suas respectivas legislações são de ordem
prática e didática, conforme a natureza da lide posta em juízo.
Todavia, se pudéssemos individuar e conceituar, diríamos, com auxílio da doutrina
mais robusta nessa matéria, que Direito Processual Civil é “o complexo de normas e princípios
que regem o exercício conjunto da jurisdição pelo Estado, da ação pelo demandante e da
defesa pelo demandado” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO).
Ou, ainda: “é o ramo da ciência jurídica que trata do complexo das normas
reguladoras do exercício da jurisdição civil”. (AMARAL SANTOS).
Por fim, uma das melhores conceituações é a trazida pelo processualista italiano
Chiovenda, para quem o Direito Processual Civil é “o ramo da ciência jurídica que trata do
complexo das normas reguladoras do exercício da jurisdição civil” (CHIOVENDA).
É, portanto, ramo do direito público, não se confundindo com o direito material que
instrumentaliza (este normalmente pertencente ao direito privado, p. ex., D. Civil), devendo,

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portanto, sempre ser afastada a denominação direito adjetivo, por aludir a uma relação de
dependência do direito processual para com o direito material, o que, na verdade, não existe.
Enquanto o direito material cuida de estabelecer as normas que regulam as relações
jurídicas entre os particulares, o direito processual visa regular uma das funções soberanas do
Estado (função jurisdicional). Dessa forma, ainda que a lide seja eminentemente de interesse
privado, há no processo sempre um interesse público, qual seja, a pacificação social e a
manutenção da ordem jurídica.

1.2 Evolução Histórica do Direito Processual Civil

A história do Direito Processual Civil, assim como toda a Ciência Jurídica, encontra
suas bases no Direito Romano, cujo processo se desenvolveu em 3 fases, que, em seu conjunto,
denominou-se de IMANENTISTAS (direito processual imanente, dependente do direito
material):

a) primitiva ou das legis actiones (das ações da lei) => havia 5 ações da lei, as quais deviam ser
manejadas pelas partes com muito rigor e formalismo, sob pena de perder a demanda caso se
equivocasse em uma palavra ou gesto (não havia advogados).
b) período formulário => com a expansão do Império, o manejo das 5 ações da lei ficou
limitado. O magistrado, agora, examinava a pretensão do autor e a defesa do réu, e concedia
uma fórmula de ação capaz de compor especificamente o conflito (ele fixava o objeto do
conflito, cabendo ao árbitro, escolhido entre os cidadãos, o julgamento da causa – semelhante
ao instituto do Júri Popular). Já havia advogados e princípios do livre convencimento do juiz e
do contraditório.
c) fase da cognitio extraordinária => desaparecem os árbitros, surgindo a figura do juiz como o
único investido do poder jurisdicional. O procedimento passa a ser eminentemente
ESCRITO, compreendendo desde o pedido do autor até a sentença e sua execução.
Porém, com a queda do Império, já no período medieval, o processo civil sofreu um
retrocesso ao ser influenciado pelo direito do povo bárbaro-germânico, caracterizado pelo
formalismo exacerbado, fanatismo religioso e misticismos. Foi nesse contexto que surgiram os
chamados “juízos de Deus”, “duelos judiciais” e “ordálias”.
O processo era FORMAL, e as provas produzidas deviam ser interpretadas segundo
regras legais, não possibilitando qualquer participação do juiz. Este só reconhecia o

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cumprimento/realização da “prova” e fixava a sentença segundo as regras do direito positivo.


Não se buscava a verdade real, mas a formal, pois se acreditava na INTERFERENCIA DIVINA
nos julgamentos (autênticos jogos de azar ou rituais de bruxaria).
Entretanto, com o fim de preservar o direito romano, surge o Direito Canônico e o
direito desenvolvido pelos glosadores nas Universidades, que, em conjunto com o direito
germânico, formaram o chamado PROCESSO COMUM, que vigorou desde os séculos XI até
XVI.
O processo comum era escrito, lento e extremamente complicado. Mas, dele se
extraíram as características que, aperfeiçoadas, inspiraram o processo moderno. Foram
abolidas as ordálias e juízo de deus, mas a tortura continuou até o século passado, como meio
de obtenção da verdade. Somente após a Revolução Francesa retomou-se o conceito de livre
convencimento do juiz, relativamente às provas, eliminando a tarifa legal, primeiramente no
processo penal, depois no civil.
Além dessas 3 fases, o Direito Processual Civil conheceu outras duas:
- CIENTÍFICA ou MODERNA (expoentes: Calamandrei, Chiovenda, Carnelutti, Liebman):
emergida no século passado, com ela desenvolveu-se a teoria do processo como relação
jurídica, e não mais como contrato; o direito processual passou a ser compreendido como
ramo autônomo e público; as provas deixaram de ser tarifadas e passaram a ser valoradas pelo
juiz segundo critérios próprios (deixando de atuar como expectador da vitória do mais hábil),
tendo amplos poderes, inclusive, na sua produção; etc.

- INSTRUMENTISTA ou ATUAL: processo passa a ser visto como instrumento não só de


realização dos interesses particulares, como também de pacificação social e realização da lei.
Mas, apesar de instrumental (meio para se atingir um fim – solução do litígio), exige-se que o
processo seja efetivo, realizador de justiça, em tempo hábil e com o menor dispêndio possível.
Pode-se dizer, resumidamente, que o processo de hoje e do futuro buscam: facilitação
do acesso à justiça; duração razoável do processo; instrumentalidade; tutela de interesses
coletivos e difusos; universalização; constitucionalização do direito processual; e efetividade
do processo (GONÇALVES, 2015, p. 44).

1.2.1 Direito Processual Civil Brasileiro

Até a independência (1822), vigorou no Brasil a legislação portuguesa, consistente


nas chamadas Ordenações do Reino (Ordenações Afonsinas, de D. Afonso V, de 1446; as
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Ordenações Manuelinas, de D. Manuel, de 1521; e as Ordenações Filipinas, de Filipe II, de


1603). Tinham por principais características:
a) forma escrita, o juiz só podia apreciar o que estava nos autos (verdade formal);
b) as partes não participavam da inquirição de testemunhas;
c) princípio do dispositivo: autor e réu eram os donos do processo, cuja movimentação era
privilégio das partes.
Em 1850, o Brasil editou o Regulamento n. 737, o primeiro Código Processual
nacional, que visava regular apenas as causas comerciais. Já no período republicano, o
referido regulamento alcançou também as causas cíveis, por força da alteração dada pelo
Regulamento n. 763, de 1890.
Logo após, em 1891, a Constituição estabeleceu a divisão da Justiça Federal e
Estadual, e, consequentemente, o poder de legislar sobre processo para cada esfera da
federação, dando surgimento a um Código Federal e a vários Códigos estaduais, que acabaram
por ser repetições do primeiro.
Todavia, a Constituição de 1934 pôs fim aos códigos estaduais, atribuindo
exclusivamente à União a competência para legislar sobre processo. Desta feita, uma comissão
foi formada para a elaboração de um código unitário, o que redundou no surgimento de nosso
primeiro CPC (Código de Processo Civil) em 1939.
Como bem nos ensina Sérgio Bermudes (apud THEODORO JR, 2007, p. 17), havia no
CPC de 39 “uma parte geral moderna, fortemente inspirada nas legislações alemã, austríaca,
portuguesa e nos trabalhos de revisão legislativa da Itália, e uma parte especial anacrônica,
ora demasiadamente fiel ao velho processo lusitano, ora totalmente assistemática”.
Após 33 anos em vigor, o CPC foi totalmente reformado, com base no Anteprojeto do
Ministro Alfredo Buzaid, destaque da Escola Paulista de Direito e discípulo direto do
processualista italiano Enrico Tullio Liebman (radicado no Brasil no período da 2ª Guerra
Mundial, viendo aqui falecer). Daí surgiu o nosso atual CPC, a Lei n. 5869, de 11.01.1973, que é
composto de 5 Livros:
- Livro I: Do Processo de Conhecimento;
- Livro II: Do Processo de Execução;
- Livro III: Do Processo Cautelar;
- Livro IV: Dos Procedimentos Especiais;
- Livro V: Das disposições gerais e transitórias.

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O CPC vigente sofreu, ao longo de sua vigência, diversas alterações e reformas, todas
na tentativa de se alcançar, conforme prega os instrumentalistas, um processo mais efetivo
possível. O propósito foi abandonar a preocupação exclusiva com conceitos e formas, tão nos
bem ensinado pela tradição romana e lusitana, para dedicar-se à busca de um processo de
resultados, prevendo, por exemplo, uma tutela antecipada generalizada nos processos de
conhecimento; a execução das sentenças no mesmo processo de conhecimento; o
procedimento monitório; o poder geral de efetivação; os poderes dados ao relator frente, em
especial, da afronta aos precedentes jurisprudenciais etc.
Todavia, tantas reformas e as mudanças próprias da sociedade tornaram
recomendável a edição de um novo código.
Assim, por iniciativa de uma comissão de juristas, presidida pelo então Ministro do
STF, Luiz Fux, foi levado ao conhecimento do Senado Federal, em 2010, o Projeto de Lei nº
166, que, depois de passar pelas 2 casas legislativas, foi aprovado em dezembro de 2014 e
sancionado pela Presidente da República em março de 2015, convertendo-se na Lei n.
13.105/15 – o NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/NCPC, com vigência prevista para o dia
18/03/16.
Dentre as alterações, pode-se destacar tanto a de cunho organizacional, com a
previsão inédita de uma parte geral e uma parte especial, quanto a de cunho material, com o
maior rigor nas fundamentações judiciais; a unificação das tutelas cautelar e antecipada sob a
rubrica “tutelas de urgência”; a consagração de um processo sincrético; a força dos
precedentes judiciais; o fortalecimento dos meios de solução consensual dos conflitos; o fim
do juízo de admissibilidade pelo juízo de origem nos recursos; a solução coletiva de ações e
recursos repetitivos, evitando o abarrotamento dos tribunais com causas que contém a mesma
questão de direito; além da incorporação em seu texto entendimentos já consagrados na
doutrina e na jurisprudência do STJ e do STF.
Assim, o NCPC tem a seguinte configuração:
- PARTE GERAL (dedicada à formulação de regras sobre as Normas Processuais Civis.
Contém princípios e regras gerais, aplicáveis a todos os tipos de processo): está dividida em 6
Livros, quais sejam:
=> Livro 1: trata das Normas Fundamentais do Processo Civil;
=> Livro 2: da Função Jurisdicional;
=> Livro 3: dos Sujeitos do Processo;
=> Livro 4: dos Atos Processuais;
=> Livro 5: da Tutela Provisória;
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=> Livro 6: da Formação, Suspensão e Extinção do Processo.


- PARTE ESPECIAL: contém 3 Livros, a saber:
=> Livro 1: do Processo de Conhecimento (tanto procedimento comum, como
procedimentos especiais, de jurisdição contenciosa e de jurisdição voluntária);
=> Livro 2: do Processo de Execução;
=> Livro 3: dos Processos nos Tribunais e os Meios de Impugnação das Decisões
Judiciais.
- LIVRO COMPLEMENTAR: das Disposições Finais e Transitórias

1.3 Fontes
O termo "fontes" provêm de fontos, expressão latina que significa "lugar de onde
perenemente nasceu", "nascente de água". Em sentido figurado, fonte é a origem de algo, causa,
motivação.
Fonte do Direito seria, portanto, a origem do Direito, o seu nascedouro. Trata-se dos
fatores reais que condicionaram o aparecimento da norma jurídica, seja elas quais forem
(princípios morais, políticos, pareceres, teorias etc), desde que influenciem na criação e
aplicação do direito.
Fontes do Direito Processual são os lugares de onde provém este ramo do Direito,
dentre os quais podemos destacar:

a) Constituição Federal => nela se encontram as normas fundamentais aplicáveis ao processo,


especialmente no rol do art. 5º, como, por exemplo, os princípios do devido processo legal
(inc. LIV), do contraditório e da ampla defesa (LV), da acessibilidade ao Judiciário (XXXV),
da proibição de obtenção de provas ilícitas (LVI), da celeridade ou da duração razoável do
processo (LXXVIII), além de regras acerca da organização e competência de julgar processos,
em única ou última instância, pelos juízes e tribunais (arts. 102 e ss).
Destaque-se o fato de o NCPC ter incorporado praticamente todos estes princípios
constitucionais, fortalecendo e consagrando um sub-ramo do Direito Processual: o Direito
Processual Constitucional3 (consiste num conjunto de normas de índole processual que se
encontram na Lei Maior, objetivando garantir a sua aplicação e a sua supremacia. Ex: previsão
do mandado de segurança, mandado de injunção, recurso extraordinário).

3 Certo é que se tem falado também do contrário, ou seja, de um Direito Constitucional Processual, consistente
num conjunto de normas de índole constitucional que visam garantir o processo, assegurando que este seja mais
justo.
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Por fim, vale lembrar, ainda, das emendas constitucionais. À guisa de exemplo,
podemos citar a EC 62/2009, que trata do novo regime dos precatórios, e a EC 66/2010, que
instituiu o divórcio direto, independentemente do prazo de separação.

b) Leis Federais => a mais importante é a Lei n. 5.869/73, ou seja, o CPC, que está prestes a ser
substituído pelo então NCPC, a Lei n. 13.105/2105. Mas há outras também relevantes como a
Lei 6.515/77 (lei do divórcio), Lei n. 6.830/80 (execução fiscal); Lei n. 8.245/91 (lei da
locação/despejo); a Lei n. 9.099/95 (Juizados Especiais Cíveis); Lei 12.016/09 (novo mandado
de segurança), etc.
c) Leis Estaduais => as leis estaduais relativas ao processo são suplementares às federais, que
são gerais, pois a competência para legislar sobre Direito Processual é de exclusividade da
União. Sendo assim, cabem aos Estados legislar apenas sobre procedimentos administrativos
de apoio ao processo, como, por exemplo, regras acerca da publicação dos atos processuais na
imprensa oficial local.
Todavia, calha lembrar que, no que se refere aos Juizados Especiais (art. 24, X, CF),
têm os Estados e o DF competência concorrente com a União para legislar sobre processo,
desde que não sejam contrárias às normas gerais (instituídas na Lei 9.099), e, nessa hipótese,
não há como se negar à lei estadual o caráter de fonte do Direito Processual.

d) Regimentos Internos dos tribunais => são conjuntos de normas que regem o
funcionamento interno dos tribunais. Tais atos normativos podem conter normas atinentes ao
procedimento. Ex:. embargos de divergência (art. 1.043, NCPC), cujo procedimento é o
estabelecido nos RI’s do STJ e do STF.

e) Princípios Gerais do Direito => são regras não escritas que se encontram presentes em todo
o sistema, informando-o. Exs:. ‘O Direito não socorre os que dormem’ – primado geral presente em
institutos como os da prescrição, decadência, preclusão; ‘O que não está nos autos não existe no
mundo jurídico’ ou ‘Alegado e não provado é como não alegado’ – deles derivando regras como a do
ônus da prova (art. 333), a do livre convencimento motivado (art. 131) etc.
Obviamente, não se pode esquecer que dos princípios gerais derivam os específicos,
aplicáveis a todo o Direito Processual, inclusive o Civil, tais como: devido processo legal,
contraditório e ampla defesa, isonomia processual e paridade de armas, cooperação entre as
partes, da duração razoável do processo etc.

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f) Costumes => conduta socialmente aceita e que é realizada para criar uma sensação de
obrigatoriedade. Ex:. por força do disposto nos arts. 282, inc. VI e art. 300, do CPC/73, autor e
demandado devem anunciar, de maneira específica, na petição inicial e na contestação,
respectivamente, as provas que pretendem produzir. Há, porém, um hábito de muitos
advogados de descumprir esse comando, anunciando apenas que pretendem produzir ‘todos os
meios de prova admissíveis no direito’. Por conta dessa práxis (costume), os magistrados, após o
encerramento da fase postulatória, tem determinado às partes que especifiquem as provas que
pretendem produzir.
g) Doutrina => conjunto de lições ou obras dos jurisconsultos acerca do Direito Processual
Civil, desde os mais tradicionais aos mais de vanguarda. Exemplos: Moacyr Amaral Santos;
Ernane Fidélis dos Santos; Athos Gusmão Carneiro; José Frederico Marques; Ovídio Baptista
da Silva; Humberto Theodoro Jr.; Nelson Nery Jr; Cândido Rangel Dinamarco; Ada Pelegrini
Grinover; Arruda Alvim; Sérgio Scarpinella Bueno; Luiz Guilherme Marinoni; Eduardo
Talamini; Elpídio Donizete; Luiz Rodrigues Wambier; ; Marcos Vinicius Rios Gonçalves; José
Carlos Barbosa Moreira; Fredie Didier Júnior; Alexandre Freitas Câmara; Daniel Amorim;
Luiz Fux; Thereza Arruda Alvim Wambier etc.

h) Jurisprudência => decisões reiteradas dos pretórios nacionais sobre idêntica matéria. É
inegável a força das súmulas da jurisprudência dominante dos tribunais, principalmente dos
superiores, que, no nosso atual sistema, são capazes de fazer recursos fracassarem
precocemente (não tendo o seu mérito sequer apreciado pelo tribunal- art 557) ou terem seus
méritos julgados procedentes (providos) monocraticamente pelo relator (art. 557, §1º-A); ou,
ainda, de considerar uma causa com repercussão geral, para fins de conhecimento de recurso
extraordinário (art. 543-A, §3º, CPC/73) etc.
Aliás, convém registrar que, com o novo CPC, a força dos precedentes jurisprudenciais
ganhou maior intensidade, vez que o próprio art. 557 foi profundamente alterado pelo art. 932
do NCPC, que confere maiores poderes ao relator. Agora, este, mais do que impedir que o
recurso seja julgado, está autorizado a indeferi-lo (o correto é dizer: negar o seu provimento),
definitivamente, caso o mesmo esteja contrário a súmulas do STJ ou do STF, ou a acórdão
proferido em julgamento de recursos repetitivos.

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1.4 Princípios

Como qualquer outra ciência jurídica, o Direito Processual Civil está sujeito a
princípios norteadores de todo o desenvolvimento da disciplina e tais primados servem de
orientação segura a interpretação dos institutos que integram o campo de atuação da ciência,
sendo certo que os mais importantes princípios processuais encontram-se consagrados na Lei
Maior, por onde iniciaremos o nosso estudo.

1.4.1 Princípios Constitucionais do Direito Processual

a) Devido Processo Legal (Due Processo f Law)


É o princípio dos princípios, pois dele irradiam os demais, estando prescrito no inciso
LIV do art. 5º da CF/88.
Tem origem no Direito Inglês, especificamente na Magna Carta de 1215, do Rei João
Sem Terra, sob a cláusula due process of law, que, traduzida pela doutrina pátria, significa
‘devido processo legal’.
Surgiu como garantia de índole exclusivamente processual, assegurando aos
jurisdicionados o trâmite de um processo conforme as regras processuais vigentes (devido
processo legal formal).
Mas, depois, passou a ter um aspecto de direito material, o que levou a doutrina a
considerar a existência de um devido processo legal substancial, que deve ser entendido
como uma garantia ao trinômio ‘vida-liberdade-propriedade’, através do qual se assegura que
os indivíduos só sejam submetidos a leis razoáveis, as quais devem atender aos anseios da
sociedade. Tal vertente pode ser considerada como o próprio princípio da razoabilidade ou da
proporcionalidade, onde se busca a prevalência da solução mais justa.
Também, sob esta vertente, deve ser entendida como a garantia de acesso à ordem
jurídica justa (KAZUO WATANABE), no sentido de que a todos aqueles que se encontram
numa posição jurídica de vantagem deve ser assegurada uma verdadeira, efetiva e justa tutela
jurídica.

b) Isonomia => também conhecida como paridade de armas, a isonomia compreende dois
aspectos:

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➢ Formal – todos devem ser tratados com igualdade, dando-se as mesmas oportunidades às
partes. Ex:. art. 5º, CF, e art. 139, I, NCPC.
➢ Substancial – respeita-se as diversidades entre as partes para que a garantia da igualdade
seja mais do que formal, mas seja real ou substancial. Para isso, lança-se mão de uma
igualdade proporcional. Ex: prerrogativas da Fazenda Pública (art. 183 – prazo dobrado; art.
58, §3º - honorários proporcionais; art. 496 – remessa necessária) e do Ministério Público (art.
180); prioridade às causas de pessoas maiores de 60 anos (Lei 10.173).
O NCPC trouxe duas novidades importantes que visam garantir maior efetividade ao
princípio da isonomia: a ordem cronológica de conclusão para que os juízes e tribunais
profiram sentenças ou acórdãos (art. 12); e a observância aos precedentes judiciais,
impedindo que pessoas que estejam em situações iguais tenham soluções diferentes
c) Contraditório e Ampla Defesa => estão previstos no art. 5º , inciso LV, da CF e art. 9º,
NCPC. O contraditório também deve ser estudado sob dois enfoques ou aspectos:
➢ Jurídico – garantir o contraditório implica em dar à parte oportunidade de participar do
processo em igualdade de condições. Dessa forma, por exemplo, se a uma parte foi dado o
direito de juntar um documento no processo, à outra deve ser garantido o direito de sobre ele
manifestar-se. Ou, então, se à autora deu-se o direito de acionar o Estado-juiz formulando
suas pretensões, ao respectivo requerido deve ser dada oportunidade de responder aos termos
da ação.
➢ Político – assim como se garante o direito de participação no exercício das outras funções
estatais (p. ex., no Legislativo, por meio do plebiscito e do referendo; no Executivo, por meio
do orçamento parcipativo etc), garante-se pelo contraditório o direito do jurisdicionado de
participar no processo com o fim de legitimar o provimento jurisdicional (isso decorre do
Estado Democrático de Direito).
A exceção é a liminar (in limine – no início do processo, antes da citação do réu), onde o
requerido só tem a chance de participar depois que o provimento judicial é proferido. Nesse
caso, fala-se, na verdade, da existência de um contraditório postergado ou diferido, já que ele
só será estabelecido num momento posterior do procedimento.
Já a Ampla Defesa consagra, junto com o contraditório, o binômio ‘ciência+participação’,
na medida em que a participação oportunizada se materializará pela prática de atos de
defesas. Portanto, não basta à parte ser ouvida, é preciso que se lhe garanta o direito de provar
a sua tese (antítese, na verdade) por todos os meios e recursos de defesa. Por isso é que é
ampla!

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d) Dispositivo (da Ação ou da Demanda) e Inquisitivo (ou Impulso Oficial)


Para assegurar a imparcialidade do juiz, a iniciativa do processo e da maioria da
prática dos atos processuais cumpre às partes, à sua disposição, sob pena de contumácia. Tem
previsão legal no art. 2º, NCPC. Do princípio do dispositivo derivam-se outros como o
princípio da congruência ou da adstrição da sentença ao pedido (arts. 141 e 492).
As exceções estão consagradas nos arts. 139, IV, e 297 (poder geral de efetivação e de
cautela); art. 370 (produção de provas de ofício = interesse público/busca da verdade real/juiz
de mero expectador à posição ativa), do que se conclui que o princípio do dispositivo
restringe-se à propositura da ação e aos limites objetivos da lide, mas não à efetivação e à
instrução do processo.
Convive o princípio do dispositivo harmonicamente com o do inquisitivo, principalmente
porque cabe ao juiz, provocada a jurisdição, promover o andamento do feito (art. 2º, 2ª parte),
pois é interesse do Estado a rápida solução das causas, não podendo ficar à mercê das partes.

e) Duplo Grau de Jurisdição


Consiste na possibilidade de provocar reapreciação e o julgamento de matéria já
decidida, mediante recurso, por órgão hierarquicamente superior. É com base nesse princípio
que se estruturou o atual sistema recursal previsto no CPC, garantindo uma dualidade da
jurisdição, em nítida observância extensiva ao princípio da acessibilidade ao Judiciário.
Tem por fundamento a falibilidade e a má-fé do julgador, associado, por outro lado, ao
inconformismo natural da parte vencida. O fundamento político assenta-se no controle
interno (pelo próprio Judiciário) sobre a legalidade e a justiça de suas decisões.
Malgrado tudo isso, certo é que o juiz de 1º grau se cerca de maiores cuidados ao
decidir por saber que sua decisão é passível de reforma pelo órgão superior.
Dessa forma, garante-se, mediante recurso, o reexame da matéria decidida pelo juízo
de 1º grau por órgão hierarquicamente superior, que supostamente tenderá a errar menos, por
ser composto de vários juízes mais experientes e, para isso, dotados de um maior saber
jurídico.
O princípio do duplo grau esteve previsto expressamente apenas na Constituição do
Império. As demais constituições, inclusive a atual, vigente, cuidaram tão somente de prever a
existência de tribunais, dando-lhes competência recursal, sem garantir de forma explícita o
referido princípio.
Em virtude dessa omissão, permitiu-se a possibilidade de o legislador
infraconstitucional vedar ou limitar o direito de recurso em alguns casos (Exemplo: não cabe
13
TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

apelação nas execuções fiscais de valor igual ou inferior a 50 OTN’s4 - art. 34 da Lei n.
6.830/81; não cabe recurso de despachos – art. 1.001, NCPC).
Mas, embora o princípio do duplo grau de jurisdição não se encontre expressamente
previsto na Constituição Federal de 1988, é ele consectário direto do princípio do devido
processo legal (art. 5º, inc. LIV), segundo a doutrina mais balizada. Por outro lado, o Código de
Processo Civil, as demais leis extravagantes e as leis de organização judiciária o adotam como
regra geral.
José Frederico Marques (2000, p. 5-6) sustenta a existência não do duplo grau, mas da
pluralidade dos graus de jurisdição face à previsão constitucional dos recursos especial e
extraordinário, cujo julgamento compete ao STJ e STF, respectivamente, aludindo a um
suposto 3º grau de jurisdição, o que, com a devida vênia, não existe.
São, na verdade, juízos extraordinários, pois não reapreciam matéria de fato, mas tão
somente matéria de direito, com o fim de velar pelo direito objetivo, garantindo a ordem
jurídica.

f) Juiz Natural
Previsto no art. 5º, inc. XXXVII e LIII, da CF, pelo princípio do juiz natural se proíbe a
existência de juízo ou tribunal de exceção (instaurado especificamente para o julgamento de
determinadas causas ou pessoas. Ex:. Tribunal de Nuremberg que julgou os nazistas),
garantindo ainda que ninguém seja sentenciado senão pela autoridade competente, ou seja,
aquela investida de jurisdição, a qual é exercida pelos juízos concursados.
Esta garantia está ligada a dois aspectos:
➢ associa-se ao órgão jurisdicional => as causas devem tramitar em juízos competentes. A
competência é preestabelecida na Constituição Federal. Por isso, se proíbe juízos de exceção
ou ad hoc.
➢ diz respeito à pessoa do juiz => exigência de imparcialidade (ausência de interesse
pessoal; estranho às partes) para que se tenha um processo justo.

g) Inafastabilidade jurisdicional/judicial

4 Conforme orientação do STJ, a atualização deve ocorrer pela conversão


sucessiva da OTN em BTN e UFIR. Da exegese jurídica da evolução desses
índices resulta a seguinte fórmula, a ser considerada quanto ao valor de alçada
recursal, a ser apurado na data da distribuição da execução fiscal: 50 OTN =
440,30 BTN = 444,85 UFIR.
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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

Está previsto no art. 5º, XXXV, CF/88. Garante a todos o acesso ao Poder Judiciário,
que não pode deixar de atender a quem venha a juízo deduzir uma pretensão, pois a jurisdição
é monopólio do Estado. A partir do momento que o Estado trouxe para si a responsabilidade,
o poder de tão-somente ele dizer o direito ao caso concreto, na mesma medida atraiu para si o
dever de assim o faze-lo, não podendo se eximir de julgar em qualquer situação.
Essa é a inteligência dos arts. 4º, LINDB, e art. 140, NCPC, os quais consagram um
princípio derivado, denominado de princípio do non liquet.
A consequência da garantia da inafastabilidade é outra garantia: a do acesso à
jurisdição a todos quantos a invoquem, sem restrição. Havendo lesão ou ameaça de lesão a
direito, nasce para o seu titular a pretensão de vê-lo tutelado pelo Judiciário.

h) Persuasão racional do juiz ou do Livre convencimento motivado


Previsão no art. 93, IX, CF/88, segundo o qual todas as decisões judiciais deverão ser
fundamentadas, sob pena de nulidade, e no art. 371 do NCPC, para quem o juiz apreciará livremente a
prova.....mas deverá indicar os motivos que lhe formaram o convencimento.
Quanto à apreciação da prova, o sistema do livre convencimento motivado coloca-se
como intermediário a outros dois, a saber:
➢ sistema da livre apreciação ou da convicção íntima => o juiz tem ampla liberdade para
decidir, convencendo-se segundo critérios de valoração íntima, independentemente do que
consta nos autos ou de uma fundamentação de seu convencimento. Ex: Tribunal do Júri.
➢ sistema da prova legal ou tarifada => é justamente o oposto do anterior. Cada prova tem
seu peso e valor preestabelecidos pela lei, ficando o juiz vinculado dosimetricamente às
provas apresentadas. Este sistema limitava a liberdade de o juiz convencer-se da verdade. Ex:
no Direito Romano.
O nosso sistema, do livre convencimento motivado, dá liberdade ao juiz para apreciar
a prova segundo critérios íntimos, mas o obriga, em contrapartida, a motivar as suas decisões,
sem se esquecer das regras legais porventura existentes e as máximas de experiência,
previstas nos arts. 374, IV e 375, NCPC.

i) Proibição de emprego de prova obtida ilicitamente (art. 5º, LVI, CF/88)


O ordenamento constitucional coíbe a utilização nos autos do processo das provas
obtidas por meio ilícito, ou seja, em violação das normas jurídicas materiais (ex: documento

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

obtido mediante vício de consentimento, como coação ou estado de perigo; confissão obtida
mediante tortura).
Diferente é a chamada prova ilegítima, que é aquela produzida mediante violação de
normas processuais (ex: no depoimento pessoal, uma parte ouvir o depoimento da outra –
art. 385, §2º, NCPC; o testemunho das pessoas incapazes, impedidas ou suspeitas para tanto –
art. 447, §§1º, 2º, e 3º, NCPC; o testemunho de quem não é obrigado a depor sobre certos fatos
– art. 448, NCPC).
Desta feita, pode-se afirmar o seguinte:
➢ PROVA ILÍCITA => a mácula, a ilegalidade ocorre no momento da OBTENÇÃO da prova.
➢ PROVA ILEGÍTIMA => a ilegalidade se dá no momento de sua PRODUÇÃO.

Ambas, as provas ilícitas e as provas ilegítimas, são espécies de um gênero maior,


denominado prova ilegal.
Mas o que a Constituição Federal proíbe é a prova cuja OBTENÇÃO tenha violado
norma material, especialmente se corresponder a uma garantia fundamental. Ex:
inviolabilidade de domicílio; da intimidade; do sigilo da correspondência ou de comunicação
telefônica (sem o conhecimento de ambos interlocutores. Importante frisar que, se um deles
tinha esse conhecimento, para o STF, a prova é lícita); em violação ao princípio da presunção
de inocência (ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo – ex: bafômetro, coleta
de material genético para exame de DNA...).
Isso porque a violação de um direito material é mais grave que a violação de uma
regra processual. Todavia, se a violação for de uma norma processual que traduz um direito
fundamental processual, como é o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa etc,
tal prova será considerada tanto quanto ilícita, sem qualquer possibilidade de influir sobre o
convencimento do juiz.
Por fim, há de se ressaltar que, como toda garantia fundamental, a proibição das
provas ilícitas não é absoluta, porque pode haver necessidade de conciliá-la com outras
garantias fundamentais da mesma grandeza. Imagine a hipótese de uma associação de
proteção ao meio ambiente que não tem outra alternativa para proteger o direito ambiental
senão por meio de uma prova ilícita?
Portanto, o uso da prova ilícita poderá excepcionalmente admitido, por força do
princípio da proporcionalidade, quando houver colisão entre o direito fundamental material
que se deseja ver tutelado através do processo e o direito fundamental material violado pela
obtenção da prova ilícita, sendo ambos igualmente dignos de tutela.
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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

j) Celeridade ou Duração Razoável do Processo (art. 5º, LXXVIII, CF/88; art. 4º, NCPC)
Trata-se do mais recente princípio constitucional aplicável ao processo inserido na
Constituição Federal, repetido no NCPC, de forma também inédita, em seu art. 4º, para
quem “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade
satisfativa”.
A inserção constitucional se deu por meio da EC 45/04, que, em linha ao já
consagrado princípio do devido processo legal e seus consectários, previu, no último inciso
do extenso rol do art. 5º, a garantia da celeridade processual, ou, simplesmente, na dicção da
doutrina constitucional portuguesa (cf. J.J. Gomes CANOTILHO), da duração razoável do
processo.
Com este princípio visa-se assegurar um processo, cuja duração seja o estritamente
necessário para que se possa alcançar os resultados justos visados. Duração esta que não
significa que será mínima, pois nem sempre conduzirá a um resultado justo, mas uma
duração razoável para se alcançar o melhor, o mais adequado, o mais efetivo, enfim, o mais
justo resultado possível ao processo.
Tal princípio está estampado em vários artigos do NCPC, tais como:
➢ art. 80, VII => litigância de má-fé contra quem procrastina o feito;
➢ art. 143, II => responsabilidade do juiz que injustificadamente retarda a prática do ato que
deveria praticar.
➢ art. 311, I => antecipação dos efeitos da tutela contra réu que abusa do direito de defesa.
➢ art. 1.026, §2º => multa contra o embargante de declaração o opõe com o intuito de tão
somente de interromper o prazo para os demais recursos (intuito protelatório).

k) Instrumentalidade das formas


Consiste em dar validade a ato processual que atingiu seu fim, ainda que praticado
em inobservância à forma legal. Está previsto no art. 277, NCPC, que assim afirma: “quando a
lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a
finalidade”. Isso porque o processo é apenas um meio, um instrumento, e não um fim.

l) Oralidade
Autoriza a prática dos atos processuais na forma oral, primando pela sua
concentração, pela imediação e identidade física do juiz, entre outras conseqüências
procedimentais.

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

Não é aplicado na sua inteireza no Processo Civil, principalmente no rito comum,


diante da complacência dos magistrados em permitir que se façam inquirições sem a sua
intervenção. A previsão legal da conversão das alegações orais por memoriais escritos é outro
exemplo de sua mitigação (art. 364, §2º, NCPC).
Esperava-se um maior prestígio ao princípio com o advento do NCPC, mas não é isso
o que se viu, mantendo-se um processo eminentemente escrito, com alguns elementos de
oralidade (oralidade na conciliação e mediação; a identidade física do juiz; redução a termo
de todos os atos judiciais orais; substituição de debates orais por memoriais; produção de
provas em audiência como regra; oitiva de perito em audiência para prestar esclarecimentos;
não interrupção da audiência como regra, bem como a sentença proferida em audiência).
O rito sumaríssimo, previsto na Lei n. 9.099/95 (Lei que instituiu os Juizados
Especiais Cíveis Estaduais), é que adotou verdadeiramente tal princípio.

m) Publicidade

Previsto no art. 93, IX, da CF, e no art. 189 do NCPC, consiste na garantia
fundamental de tornar públicos todos os atos judiciais.
É, portanto, um instrumento de proteção das partes contra juízos arbitrários e
secretos, bem como de fiscalização popular aos atos judiciais, tendo, assim, 2 dimensões:
uma interna – publicidade para as partes; e outra externa – publicidade para terceiros, salvo
quando a defesa da intimidade ou o interesse social exigir a restrição da publicidade apenas à
interna.
Tais exceções estão mais bem descritas nos incisos I a IV do art. 189 do NCPC,
exigindo, portanto, que o processo corra em segredo de justiça nas seguintes situações:
- processos que exigir interesse público ou social;
- processos que dizem respeito a casamento, separação de corpos, divórcio, separação
(acabou com a EC66/10), união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e
adolescentes;
- processos em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade;
- processos que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral,
desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.
Em tais casos, restringe-se às partes e seus procuradores o direito de consultar os
autos e de pedir certidões (§1º), podendo o terceiro juridicamente interessado obter certidão
do dispositivo da sentença mediante requerimento (§2º).
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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

n) Boa-fé processual

Previsto no art. 5º, NCPC, tal princípio impõe a todo aquele, que de qualquer forma
participa do processo, o dever de comportar-se de acordo com a boa-fé. Portanto, trata-se, na
verdade, de uma regra de conduta que se aplica não apenas às partes, mas aos seus
advogados, e até ao juiz e aos auxiliares da justiça.
Apesar de não ter previsão constitucional, a maioria dos autores, com apoio do STF,
vê no princípio do devido processo legal o seu fundamento constitucional, vez que esta
cláusula geral exige um processo leal, ético e pautado na boa-fé (criou-se, inclusive, a
expressão: devido processo leal).
O desrespeito ao princípio traduz-se em ilícito processual, combatido severamente
pelo legislador com sanções do tipo condenação em litigância de má-fé (arts. 79 a 81);
responsabilidade civil do juiz (art. 143, I), do escrivão e do oficial de justiça (art. 155), do
intérprete (art. 164); do advogado (art. 32 do Estatuto da OAB); a condenação em ato
atentatório à dignidade da justiça (ao devedor que pratica quaisquer atos previstos no art.
774; e às partes que não comparecem injustificadamente na audiência de conciliação ou
mediação, cf. §4º do art. 334); a tutela de evidência quando o réu abusar do direito de defesa
(art. 311, I); etc.

o) Princípios inéditos no NCPC

o.1) Princípio da Eficiência


Corolário do devido processo legal (pois não se concebe como devido um processo
ineficiente) e já previsto no art. 37 da CF, o qual também se dirige ao Poder Judiciário, este
princípio foi inserido no NCPC, pelo legislador de 2015, no art. 8º, o qual estabelece que o
juiz, ao aplicar o ordenamento jurídico, deverá observar, dentre outros princípios, a eficiência.
Ou seja, deve haver uma condução eficiente do processo pelo órgão jurisdicional, não
só no sentido de que a prestação jurisdicional deve ser encarada como um serviço público, e,
como tal, deve ser gerido e entregue com eficiência (consoante o art. 37 da CF), mas também
segundo a velha ideia de um processo que prima pela economia processual, ou seja, deve-se
dar o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades
processuais.

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

Dessa forma, o processo deve perseguir a justiça de modo satisfatório, utilizando-se,


para tanto, dos meios mais rápidos, seguros e econômicos, evitando o dispêndio exagerado
de tempo e dinheiro na prática dos atos processuais.
Exemplos/aplicações do princípio:
1) poder geral de efetivação => para entregar a tutela específica das obrigações de fazer e não
fazer, o juiz pode aplicar a medida de efetivação que julgar mais adequada para satisfazer o
direito do autor (art. 536, §1º);
2) limite de prazo para a suspensão do processo (art. 313, §4º);
3) reunião de causas conexas ou não (art. 55, §§1º e 3º);
4) litisconsórcio => mais de uma pessoa litigando contra o mesmo autor ou réu (art. 113);
5) nulidades processuais => possibilidade de sanar vício suprível (art. 288).

o.2) Princípio da Efetividade


Também decorrente do devido processo legal, o princípio da efetividade garante o
direito fundamental à tutela executiva, ou seja, à satisfação de um direito já reconhecido.
Afinal, não basta “ganhar”; para o processo ser devido, é preciso também “levar”.
Todavia, não pode ser confundido com o princípio anterior (da eficiência), pois
“efetivo é o processo que realiza o direito afirmado e reconhecido judicialmente; eficiente é o
processo que atingiu esse resultado de modo satisfatório” (DIDIER JR, 2015, p. 103).
O princípio da efetividade está previsto no NCPC, em seu art. 4º, para quem “as partes
têm o direito (...) a atividade satisfativa”. Tal entendimento já era reforçado pelo conhecido
princípio da inafastabilidade jurisdicional, que garante não apenas, formalmente, o acesso à
justiça, mas também a obtenção de uma tutela jurisdicional tempestiva, adequada, eficiente e
efetiva.

o.3) Princípio da Adequação


Corolário dos princípios do devido processo legal, da inafastabilidade jurisdicional e
até da efetividade, o princípio da adequação exige que tanto o legislador, ao prever as regras
processuais (in abstrato), quanto o juiz, ao entregar a tutela jurisdicional (in concreto5), deverão
adotar o procedimento, a técnica mais adequada para a realização do direito material.

5Há que se lembrar também da adequação negocial feita em concreto pelas próprias partes,
que poderão negociar o rito que mais se amolde às suas necessidades (negócio jurídico
processual – art. 190, NCPC).
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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

A doutrina leciona que tal princípio revela-se em 3 aspectos:


- subjetivo => o processo deve ser adequado aos sujeitos processuais. Exemplos: intervenção
obrigatória do MP em processos que envolvam interesse de incapaz – art. 178, II; diferenciação
de regras de competência em razão da pessoal, como a regra do domicílio do alimentando para
as ações de alimentos, ou da previsão de uma Justiça Federal para as causas que envolvem
entes públicos federais – art. 53, II, NCPC e art. 109, I, CF, respectivamente; prazos
processuais especiais para entes públicos – art. 183; etc.
- objetivo => adéqua-se o processo a um tipo ou outro de procedimento de acordo com a
natureza do direito litigioso (ações possessórias; ação de alimentos; busca e apreensão em
alienação fiduciária etc), com a evidência do direito litigioso (mandado de segurança; ação
monitória; tutela de evidência do art. 311), ou com a sua urgência (tutelas de urgência – arts.
300 a 310).
- teleológico => a adequação se faz a depender dos objetivos que se quer, com o processo,
alcançar. Exemplos: um tipo de processo ou de procedimento a depender da tutela pretendida
(de conhecimento, de execução ou cautelar); procedimento sumaríssimo para alcançar os
propósitos de duração razoável do processo e efetividade que impõe a lei nos Juizados.
Especificamente quanto à aplicação do princípio pelo juiz no caso concreto, também
conhecido como princípio da adaptabilidade ou da elasticidade, são exemplos:
- art. 139, VI => o juiz pode dilatar prazos processuais e alterar a ordem de produção de provas
de acordo com as peculiaridades do caso;
- art. 373, §1º => redistribuição judicial do ônus da prova;
- arts. 355 e 356 => encurtamento do rito com o julgamento antecipado do mérito;
- art. 334, §4º, II => não realização da audiência de conciliação ou mediação se a causa não
admitir a autocomposição; etc.
Portanto, desde que o juiz garanta sempre o contraditório, evitando surpresas às
partes com a alteração do procedimento, certo é que a flexibilidade procedimental às
exigências da causa é fundamental para que mais facilmente o processo alcance os seus fins
(DIDIER JR, 2015, p. 119).

o.4) Princípio da Cooperação


Embora já tenhamos visto os princípios do dispositivo e do inquisitivo separadamente,
certo é que estes estão diretamente relacionados com o que o Novo Código de Processo Civil
chama de princípio da cooperação.

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

Isso porque sempre convivemos, no mundo ocidental, com dois tipos de modelos de
processo: o modelo dispositivo, intimamente ligado à atribuição de poderes às partes; e o
modelo inquisitivo, o qual confere poderes ao juiz.
Todavia, tem sido cada vez mais difícil identificar, principalmente no Brasil, qual dos
dois modelos é adotado, uma vez que ora a lei confere poderes às partes, como, por exemplo,
de instaurar o processo e fixar o seu objeto, ora ao juiz, ao investi-lo de poderes instrutórios.
Em razão disso, tem-se falado que o direito processual brasileiro adota o modelo
cooperativo, segundo o qual se espera que todos os sujeitos do processo, tanto as partes
quanto o juiz, devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de
mérito justa e efetiva. Estas são as palavras descritas no art. 6º, do NCPC.
Percebe-se que não há uma condução do processo só a cargo das partes, tampouco só
do juiz, que, tendo o contraditório, a boa fé e o devido processo legal como bases,
comparticipam de todos os atos praticados do processo.
Vê-se que o Estado-juiz adota dupla posição no processo: paritária, com diálogo e
equilíbrio na condução e cognição do processo (modelo dispositivo); e assimétrico e imparcial
no momento da decisão do processo (modelo inquisitivo).
O princípio aplica-se às partes no que se refere aos seus deveres de esclarecimento (os
demandantes devem redigir suas demandas com clareza e coerência, sob pena de inépcia), de
lealdade e de proteção (não pode a parte causar danos à outra). Já quanto ao juiz o princípio
se revela, por exemplo, no dever também de ser claro e preciso ao fundamentar suas decisões,
ou, antes de indeferir um ato, tirar dúvidas ou buscar esclarecimentos junto à parte; agir com
lealdade e boa-fé; e até o dever de consulta, de informar as partes antes de decidir (art. 10); e
de prevenção, apontando deficiências nas postulações às partes, para que possam ser supridas
(ex: arts. 76; 321; 932, par. único; 1.017, §3º; 1.029, §3º).

o.5) Princípio do Respeito ao Autorregramento da Vontade no Processo

Originado no direito fundamental à liberdade e à dignidade da pessoa humana, o


direito ao autorregramento da vontade (ou simplesmente, a autonomia da vontade) consiste no
direito que todo indivíduo possui de regular juridicamente os seus interesses, de fazer as
próprias escolhas.
Obviamente que este princípio não tem a mesma dimensão e extensão no direito
processual civil como tem no direito civil, uma vez que naquele há a presença pública do

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

Estado nas relações, o que significa que a negociação processual é mais regulada e o seu objeto
mais restrito.
A liberdade ou a autonomia da vontade no processo tem sido cada vez mais difundida
pois a liberdade é um dos alicerces do Estado Democrático de Direito, não se concebendo um
processo devido em que a liberdade da vontade de seus participantes é hostilizada,
prevalecendo a arbitrariedade.
É possível a convivência harmoniosa entre processo e liberdade, sem que com isso se
admita a adoção de um modelo predominantemente dispositivo (ampla liberdade às partes
para dispor dos atos processuais, figurando o juiz como mero expectador). Existe a liberdade
de negociar acerca do processo, porém limitada. A própria lei cuida de estabelecer os seus
limites, como, por exemplo, no art. 190 do NCPC, que prevê tal iniciativa apenas às partes
plenamente capazes e que estejam discutindo direitos que admitam autocomposição.
São exemplos de aplicação deste princípio:
- a autocomposição, sobre a qual hoje se estrutura o sistema processual civil brasileiro (arts.
3º, §§2º e 3º; arts. 165 a 175; arts. 334 e 335);
- delimitação do objeto do processo (art. 141 e 490) e do recurso (arts. 1.002 e 1.013) pela
vontade da parte;
- negócios processuais típicos, como eleição de foro (art. 63), negócio tácito de que a causa
tramita em juízo relativamente incompetente (art. 65); calendário processual (art. 191);
acordo para a suspensão do processo (art. 313, II); adiamento negociado da audiência (art.
362, I); etc.
- cláusula geral de negociação processual do art. 190 (subprincípio da atipicidade da negociação
processual) – as partes, desde que capazes e o direito admitir autocomposição, poderão
negociar mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa;
- consagração do princípio da cooperação (art. 6º);
- o prestígio à arbitragem, cujo processo é totalmente negociado.

o.6) Princípio da Primazia da Decisão de Mérito

Segundo este princípio, o juiz deve priorizar a entrega da decisão de mérito. Nos
termos do art. 4º do NCPC, a parte tem o direito à solução integral do mérito, seja da demanda
principal, incidental ou da demanda recursal.
São exemplos:

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

- art. 6º, que diz que todos os sujeitos devem cooperar para que se obtenha decisão de mérito
justa e efetiva;
- art. 139, IX: o juiz tem o dever de determinar o suprimento dos pressupostos processuais e o
saneamento de outros vícios processuais;
- art. 282, §2º: o juiz deverá ignorar os defeitos processuais, se a decisão de mérito não
prejudicar aquele que se beneficiaria com o reconhecimento da nulidade;
- art. 321: quando a petição inicial contiver defeitos corrigíveis, não deverá o juiz indeferí-la
sem antes dar oportunidade ao autor de corrigí-la em 15 dias; etc.

o.7) Princípio da Proteção da Confiança


Trata-se da versão subjetiva do princípio da segurança jurídica, ou seja, o direito que a
parte tem de poder confiar nos atos jurisdicionais, sob a premissa de estes são praticados
segundo um devido processo legal, não podendo o Estado trair tal confiança.
Exemplos:
- o dever de o tribunal uniformizar a sua própria jurisprudência;
- o dever de o tribunal modular os efeitos de decisão que altera jurisprudência consolidada,
resguardando posições jurídicas de quem havia confiado no entendimento que até então
prevalecia;
- sistema de invalidades processuais, que dificulta a decretação de invalidades ou limita
temporariamente os seus efeitos, preservando alguns efeitos do ato invalidado;
- o órgão jurisdicional adotar “regras de transição” para minimizar o impacto da quebra da
confiança (exemplo clássico aconteceu no julgamento do RE n. 631.240 MG, que o STF
regulou a transição para aqueles que não haviam requerido administrativamente benefício
previdenciário antes do julgamento desta matéria); etc.

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

2 JURISDIÇÃO

2.1 Introdução e conceito

Sabe-se que o Estado, com o fim da monarquia absolutista, em pleno Iluminismo, se


estruturou e se modernizou, consagrando a já aristotélica tripartição dos poderes, por meio
dos quais o Estado exerce as funções legislativa (responsável pela estruturação da ordem
jurídica pela elaboração das leis), administrativa (cujo papel é o de aplicar a lei na busca do
bem comum/coletivo) e jurisdicional (a qual faz atuar a vontade da lei no caso concreto,
solucionando as lides).
A função jurisdicional difere da legislativa, na medida em que esta é anterior ao caso
concreto, sendo exercida para prever casos ou situações gerais e abstratas; também difere da
função administrativa em que pese esta última não ser substitutiva à vontade das partes, mas
sim de iniciativa do próprio Estado na tutela do bem estar social mediante a aplicação de
programas e ações de governo.
Jurisdição, etimologicamente, significa dizer o direito. É, portanto, “a função pela qual o
direito é aplicável ao caso concreto”. Não obstante tal conceituação, há quem também a
identifique à atividade ou ao próprio poder estatal de decidir os litígios (Poder Judiciário).
Neste último aspecto, a jurisdição, por ser um monopólio estatal, equivale também a um
dever, já que o Estado não pode se eximir de solucionar ou de compor as lides que porventura
os indivíduos da sociedade, os quais estão proibidos de exercer a autotutela ou a justiça
privada, possam estar envolvidos.

2.2 Características

A jurisdição caracteriza-se pela:

a) substitutividade => o Estado substitui as partes e soluciona o conflito, por conta do


monopólio da atividade jurisdicional. Ou seja, o Estado cumpre a lei no lugar das partes, que
não a observaram espontaneamente.

b) definitividade ou imutabilidade => em nome da segurança jurídica, as decisões judiciais


tendem, em regra, a se tornarem imutáveis, passíveis apenas de ação rescisória. Já as decisões

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administrativas, em regra, são modificáveis, podendo ser revistas pelo Judiciário, exceto
aquelas fundadas em juízo de conveniência e oportunidade (mérito administrativo).
c) inércia => a atividade jurisdicional deve ser provocada pela parte, pois se trata de uma
atividade desinteressada, imparcial e eqüidistante dos interesses das partes. Apesar de o art.
2º confirmar esse entendimento ao dizer que “o processo civil começa por iniciativa da parte e se
desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”, há exceções ao princípio do
dispositivo ou da inércia jurisdicional, como na a execução da sentença que condena em
obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa distinta de dinheiro (arts. 536 e 538); na
arrecadação dos bens do ausente (art. 744) e na arrecadação dos bens do falecido no caso de
herança jacente (art. 738); em alguns incidentes processuais, como o incidente de resolução de
demandas repetitivas (art. 976), conflito de competência (art. 951) e incidente de arguição de
inconstitucionalidade (art. 948).

d) instrumentalidade => através da atividade jurisdicional é possível impor os comandos


legais violados, ou seja, é um instrumento da sanção.

e) presença da lide => a existência de uma lide pressupõe a existência da jurisdição, pois que
seu objetivo é justamente por fim aos conflitos de interesses surgidos entre as partes. Hélio
Tornaghi e Alexandre Câmara entendem que a lide não é elemento essencial à jurisdição, mas
sim a pretensão, pois que há casos em que o Estado é chamado a atuar sem que tenha havido
litígio. Exemplo clássico é a ação de divórcio consensual, feito no Judiciário, quando há filhos
menores.

2.3 Princípios da jurisdição

A jurisdição é também informada por alguns princípios, dentre os quais se destacam:

a) investidura => a jurisdição só pode ser exercida por quem o Estado investiu de poder para
tanto (os juízes concursados).

b) aderência ao território ou territorialidade => o juiz deve exercer a função jurisdicional


dentro de certo território definido pela lei (tem a ver com competência, ou seja, com limites
da jurisdição, que estudaremos mais adiante).

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c) indelegabilidade => as atribuições jurisdicionais só podem ser exercidas pelos órgãos


judiciais, não podendo ser delegadas a outrem.
IMPORTANTE: a carta de ordem (ato de comunicação de uma parte, que esteja fora
dos limites da jurisdição onde se processa o feito, dirigida a um juiz ou tribunal
subordinado àquele de que ela emanar) ou a carta precatória (endereçada a outro
órgão judiciário do país, entre os quais não há relação hierárquica) não contraria este
princípio, pois que não se trata de delegação de jurisdição, mas, sim, de competência.

Parte da doutrina entende que a arbitragem configura uma espécie de delegação do


exercício da jurisdição estatal a particulares (árbitros) pela vontade das partes e autorização
legisltativa.
No entanto, há entendimento no sentido de que a arbitragem se enquadra no que
Carnelutti chamou de equivalentes jurisdicionais (expressão utilizada na doutrina pátria por
Alexandre Câmara, Dinamarco etc), pois, apesar de ser proferida uma sentença, compondo o
litígio entre as partes, o árbitro não tem o poder jurisdicional de executá-la, tarefa esta
exclusiva do Estado.
São considerados equivalentes jurisdicionais todos os outros meios alternativos de
solução dos litígios fora da jurisdição estatal, como:
✓ autotutela => é a solução do litígio pela força (justiça privada) por um dos litigantes. A
princípio, é proibida, mas há resquícios da autotutela no nosso atual ordenamento jurídico
(desforço imediato, legítima defesa e a greve).

✓ autocomposição => solução dada pelos próprios litigantes que abrem mão total ou
parcialmente de seu direito em favor do outro (e não pela força).
Pode haver ou não interferência de terceiros. Se houver, como no caso da mediação ou
da conciliação, o terceiro (mediador, conciliador ou juiz) apenas sugere a solução, que
continua sendo dada pelas partes. A autocomposição se subdivide em 2 espécies:
- transação ou acordo => a solução é dada pela partes que estabelecem concessões mútuas
ou recíprocas, cada qual abrindo mão de parte do seu direito a favor da outra. Pode ser dentro
ou fora do juízo (judicial ou extrajudicial);
- submissão => há verdadeira abdicação espontânea do direito, o qual poderá ser feita em
juízo (renúncia, se autor; ou reconhecimento do pedido, se réu).

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✓ tribunal administrativo => solução dada por um terceiro, mas de caráter administrativo,
sem cunho jurisdicional (não opera coisa julgada, passíveis de controle externo). Ex: Tribunal
Marítimo; Tribunal de Contas; Agências Reguladores; CADE (Conselho Administrativo de
Defesa Econômica).

✓ arbitragem => diferentemente da mediação, o terceiro escolhido pelas partes, conhecido


como árbitro, soluciona o litígio, proferindo uma decisão a que as partes deverão se sujeitar.
A arbitragem foi adotada no Brasil pela Lei n. 9.307/96, recentemente alterada pela Lei
n. 13.129/15, e é constituída pela chamada convenção de arbitragem, onde as partes pactuam, por
força da previsão em contrato da cláusula compromissória, a arbitragem como meio de solução de
conflitos que porventura sobrevierem sobre o negócio jurídico ali avençado, abrindo mão da
jurisdição estatal (há quem defenda a inconstitucionalidade desta lei por ferir os princípios do
acesso ao Judiciário e do juiz natural – art. 5º, incisos XXXIV e LIII, CF/88). Caso o conflito
de fato ocorra, tais partes firmarão o compromisso arbitral.
Segundo a Lei 9.307, a decisão do árbitro é uma sentença, contra a qual não cabe
qualquer recurso (salvo ação anulatória, num prazo de até 90 dias após sua publicação, caso
tenha sido dada com vício), e nem pode ser rediscutida no Judiciário, a quem cabe tão
somente executá-la, já que ao árbitro carece apenas do poder executar suas próprias decisões.
Por fim, convém lembrar também que o árbitro deverá ser pessoa física e capaz; e que a
arbitragem só se dá entre pessoas capazes que estejam litigando direito disponível.
Para a maioria da doutrina, a arbitragem é jurisdição, porém não delegada pelo Estado,
mas escolhida pelas partes e autorizada pela lei, e não equivalente jurisdicional.

d) inevitabilidade => independentemente da vontade das partes, a jurisdição deve alcançar o


seu fim, qual seja, o de compor o litígio, sujeitando-as à decisão. A autoridade das decisões se
impõem, independentemente da aceitação dos seus destinatários, pois se trata de um ato
emitido por um poder soberano do Estado.

e) indeclinabilidade => com o monopólio estatal da jurisdição, os órgãos judiciais têm a


obrigação de prestar a tutela jurisdicional quando invocada, não lhe sendo mera faculdade. O
juiz não pode deixar de julgar alegando omissão na lei (art. 5º, XXXV, CF – princípio da
inafastabilidade da jurisdição; e art. 140, NCPC - princípio do non liquet). Para tanto, ele dispõe
dos meios integrativos (costumes, analogia e princípios gerais do direito – art. 4º, LINDB).

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f) improrrogabilidade => a função jurisdicional, delimitada segundo a organização judiciária


brasileira, não pode ser alterada pelo legislador ordinário.

2.4 Poderes da jurisdição

Por outro lado, são poderes da jurisdição:

a) conhecimento (notio, cognitio) => implica no poder de conhecer, investigar, instruir. Ou seja,
compreende o poder atribuído aos órgãos jurisdicionais de conhecer dos litígios, de prover a
regularidade do processo, de investigar a presença de pressupostos de existência e de validade
da relação processual, das condições da ação e de recolher o material probatório.

b) chamamento (vocatio) => consiste no poder de convocar, de fazer comparecer em juízo


todos aqueles cuja presença seja necessária ao regular desenvolvimento do processo. Faz-se
mediante os atos de comunicação (citação, intimação etc).

c) coerção (coertio, coercitio) => também conhecido como poder de polícia, abrange o poder de
utilização de medidas coercitivas a fim de que se observe o regular desenvolvimento do
processo. Ex: aplicação de multas (astreintes) por atraso no cumprimento da decisão; retirar
alguém da sala de audiência etc.

d) julgamento (juditio) => engloba o poder de julgar, o poder de concretizar a vontade da lei
diante de um conflito de interesse ou de definir o direito a partir de uma situação de
controvérsia. Ao decidir, o juiz deve observar as seguintes regras:
d.1) o juiz é obrigado a decidir, ainda que a lei for omissa – art. 140, NCPC e art. 4º, LINDB
(princípios da inafastabilidade da jurisdição e do non liquet; e princípios da indeclinabilidade
da jurisdição);
d.2) o juiz deve, a princípio, observar a lei – interpretação a contrário do art. 4º, LINDB;
d.3) excepcionalmente, apenas nos casos previstos em lei, o juiz julgará com equidade –
parágrafo único do art. 140. Exemplos: art. 85, §8º (valor dos honorários por apreciação
equitativa); art. 723, parágrafo único (o juiz não é obrigado observar a legalidade estrita nos
feitos de jurisdição voluntária);

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d.4) o juiz decidirá a lide nos limites do pedido do autor (a sentença tem que ser congruente,
adstrita ao pedido) – arts. 141 e 490;
d.5) o juiz pode decidir prejudicando as partes quando estas agem com fraude – art. 142;
d.6) o juiz decide de acordo com o seu livre convencimento, mas deve motivá-lo – art. 371.

e) execução (executio) => consiste no poder de cumprir o definido em decisão judicial e


realizar/concretizar no mundo dos fatos o comando judicial. A melhor e mais moderna
doutrina tem lembrado do chamado poder geral de efetivação do juiz, que poderá, de ofício,
determinar medidas coercitivas (astreintes, por exemplo) em nome do princípio da
efetividade processual.
f) poder geral de cautela (nem sempre lembrado pela doutrina) => poder de adotar medidas de
cautela sobre o bem, objeto da demanda, quando houver fundado receio de dano irreparável
ou de difícil reparação pela demora do processo (arts. 297 e 301).

2.5 Espécies de jurisdição

Por fim, calha lembrar que a jurisdição pode ser voluntária, cujo procedimento está
previsto nos arts. 719 a 770, NCPC; ou contenciosa.
A jurisdição voluntária, também conhecida como jurisdição graciosa ou administrativa,
é aquela exercida inter volentes, isto é, entre pessoas que não estão litigando, mas que têm
interesses comuns.
Segundo a doutrina majoritária, que se filia à teoria clássica ou administrativista, a
jurisdição voluntária não é jurisdição, mas apenas uma administração judicial de interesses
privados, já que a autoridade judicial intervém não para compor um litígio, pois que este nem
sequer existe, mas, sim, para dar validade, chancelar, homologar um ato ou negócio jurídico
firmado pelas partes.
Já a jurisdição contenciosa, ou jurisdição propriamente dita, pressupõe um litígio
(contenda) a ser resolvido pelo Estado.
Todavia, convém notar que pequena parcela da doutrina (como Dinamarco, Ovídio
Baptista, entre outros) filia-se a teoria revisionista, segundo a qual será considerada jurisdição
sempre que o juiz aprecia um caso concreto, decidindo-o (aplicando a lei) ou simplesmente
homologando-o.

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

Apesar das divergências, pode-se resumir as diferenças entre jurisdição contenciosa e


jurisdição voluntária através do seguinte paralelo:

CONTENCIOSA VOLUNTÁRIA
Lide Interesses comuns
Ação Requerimento
Partes Interessados
Contraditório Sem contraditório
Processo Procedimento
Sentença Decisão homologatória
Coisa julgada Sem Coisa julgada
Atividade Jurisdicional Atividade administrativa6

Daí, conclui-se que atividade judicial é o gênero, das quais são espécies as atividades
jurisdicional, exercida no âmbito da jurisdição contenciosa, e administrativa, exercida no âmbito
da jurisdição voluntária.

6 Segundo a doutrina majoritária, que adota a teoria clássica ou administrativista, jurisdição


voluntária ou graciosa não é jurisdição, mas apenas “administração pública de interesses
privados”, ou seja, a autoridade judiciária intervém não para compor um litígio, mas para
validar, para chancelar um ato ou negócio jurídico.
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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

3 ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO

O Poder Judiciário do Brasil é o conjunto dos órgãos públicos ao qual a Constituição


Federal brasileira atribui a função jurisdicional, ou seja, de solucionar as lides que lhes são
encaminhadas.
O Poder Judiciário é regulado pela Constituição Federal nos seus artigos 96 a 126.
Em geral, os órgãos judiciários brasileiros exercem dois papéis. O primeiro, do ponto
de vista histórico, é a função jurisdicional, também chamada jurisdição. Trata-se da obrigação
e da prerrogativa de compor os conflitos de interesses em cada caso concreto, através de um
processo judicial, com a aplicação de normas gerais e abstratas. O segundo papel é o controle
de constitucionalidade.
O exercício da jurisdição, assegurado constitucionalmente, é disciplinado por vários
princípios, balizas doutrinárias, conexões com a principiologia processual, ligações com a
Teoria do Estado, mas também deve ser regrado de ponderações de ordem mais praticista,
fundadas na ordem jurídica constitucional vigente.
É com este escopo que se organiza uma espécie de “esquema” de apresentação do
exercício da jurisdição no Brasil, indo do STF até o juiz estadual de primeira instância.
Os órgãos judiciários brasileiros podem ser classificados quanto ao número de
julgadores (órgãos singulares e colegiados), quanto à matéria (órgãos da justiça comum e da
justiça especial) e do ponto de vista federativo (órgãos estaduais e federais).
Um Tribunal Regional Federal é órgão colegiado, enquanto que um Juiz Federal é
considerado órgão singular. Da mesma maneira, o Tribunal de Justiça de um estado é órgão
colegiado, sendo o Juiz de Direito um órgão singular.
Os Tribunais e Juízes estaduais, os Tribunais Regionais Federais e os Juízes Federais
são considerados órgãos de justiça comum. Já os Tribunais e Juízes do Trabalho, Eleitorais e
Militares formam a justiça especial, por decidirem sobre matérias específicas de cada área de
atuação.
Por fim, os juízes de 1º grau estão distribuídos em comarcas (de diferentes entrâncias –
aqui em Goiás, as maiores são de 3ª entrância; as médias são de 2ª; e as menores são de 1ª;
havendo aquelas, ainda, que de tão pequenas são respondidas por outra, por região), se tratar
de justiça estadual; ou seções judiciárias, se justiça federal, os quais costumam coincidir com
as comarcas.
Segue abaixo um organograma para ilustrar melhor a estrutura do Poder Judiciário
brasileiro:
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3.1 Supremo Tribunal Federal (STF)

Trata-se do tribunal eminentemente “constitucional” na sistemática jurisdicional


pátria, responsável pelo julgamento dos casos mais notórios de eventuais ofensas à
Constituição Federal.
O STF não é uma Corte só de controle e guarda da Constituição, uma vez que, na
estrutura pátria, também se vê às voltas com o julgamento de recursos extraordinários
(controle constitucional difuso), conflitos de competência entre tribunais, conflito entre
Estado estrangeiro e a União, a revisão criminal de seus julgados, dentre outras matérias nas
quais o foco não é um julgamento apenas de ordem constitucionalista mas que são abordadas
matérias constitucionais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) é o guardião da Constituição Federal. Compete-
lhe, dentre outras tarefas, julgar as causas em que esteja em jogo uma alegada violação da
Constituição Federal, o que ele faz ao apreciar uma ação direta de inconstitucionalidade ou
um recurso contra decisão que, alegadamente, violou dispositivo da Constituição.

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Na CF/88, o STF é disciplinado nos arts. 101/103. É composto por 11 Ministros,


escolhidos entre cidadãos com mais de 35 anos e menos de 65 anos, de notável saber jurídico e
conduta ilibada. Os Ministros são nomeados pelo Presidente da República, mas a escolha
passa pela apreciação do Senado Federal.

3.2 Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Trata-se do tribunal responsável pelo controle da legislação infraconstitucional (CDC,


Lei Inquilinato, ECA, ente outras) no ordenamento pátrio, introduzido pela CF/88,
substituindo o já extinto Tribunal Federal de Recursos.
Previsto na Constituição Federal, nos arts. 104/105, é composto por 33 ministros,
também escolhidos pelo Presidente da República dentre cidadãos com mais de 35 e menos de
65 anos de idade, de notável saber jurídico e conduta ilibada. Assim como o STF, tal indicação
carece de aprovação do Senado Federal.
Os 33 Ministros devem ser escolhidos tendo em mente os seguintes critérios:
- 11 devem ser escolhidos entre desembargadores federais dos Tribunais Regionais Federais;
- 11 devem ser escolhidos entre desembargadores dos Tribunais Estaduais;
- 11 devem ser escolhidos dentre advogados ou membros do Ministério Público.

3.3 Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Embora não exerça jurisdição propriamente, um estudo completo da estrutura básica


do Poder Judiciário não poderia deixar de abordar este Conselho, instituído no artigo 103-B
da CF/88 pela Emenda Constitucional 45/04.
Tal Conselho, objeto de muita controvérsia e discussões acerca de sua
constitucionalidade, deve ser composto por 15 membros com mais de 35 anos e menos de 66
anos, com mandato de 2 anos, permitida uma recondução. Interessante na composição deste
Conselho é a inclusão de membros indicados pelo Ministério Público, pela OAB e dois
cidadãos com notório saber jurídico indicados pelo Poder Legislativo.
O Conselho Nacional de Justiça colima o controle da atuação administrativa e
financeira do Poder Judiciário, bem como zelar pelo cumprimento dos deveres funcionais dos
juízes.

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

3.4 Justiça Federal (Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais)

A Justiça Federal é prevista na Constituição Federal nos arts. 106/110. É composta


pelos Tribunais Regionais Federais os Juízes Federais.
À Justiça Federal compete processar e julgar todos os feitos em que a União,
autarquias, empresas públicas e fundações públicas e federais sejam autoras, rés ou
intervenientes, bem assim os processos criminais quando se tratar de crimes que o Brasil, por
convenção internacional, obrigou-se a coibir.
Os Tribunais Regionais Federais são compostos por no mínimo 07 juízes, recrutados,
quando possível, na região do Tribunal. São nomeados pelo Presidente da República dentre
brasileiros com mais de 35 e menos de 65 anos, sendo certo que 1/5 dos nomeados deve ser
dentre advogados com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional e membros do
Ministério Público Federal com mais de 10 anos de carreira. Os outros membros são
escolhidos mediante a promoção de juízes federais com mais de 05 anos de exercício,
promovidos por antiguidade ou merecimento.

3.5 Justiça do Trabalho

A Justiça do Trabalho é prevista nos arts. 111/116 da CF/88. É composta pelo Tribunal
Superior de Trabalho (TST), Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) e Juízes do Trabalho.
O Tribunal Superior do Trabalho é composto por 27 Ministros, todos escolhidos
dentre brasileiros com mais de 35 e menos de 65 anos. São nomeados pelo Presidente da
República, dependendo de aprovação do Senado Federal. A composição do TST deve conter
um 1/5 de membros entre advogados com mais de 10 anos de efetividade profissional e
membros do Ministério Público do Trabalho com mais de 10 anos de efetivo exercício. Os
demais membros devem ser indicados através de promoção entre juízes dos Tribunais
Regionais do Trabalho oriundos da Magistratura.
Já os Tribunais Regionais do Trabalho são compostos por no mínimo 07 juízes,
recrutados, quando possível, na respectiva região. São nomeados pelo Presidente da
República, dentre brasileiros com mais de 35 e menos de 65 anos, sendo 1/5 dentre advogados
com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público do
Trabalho com mais de 10 anos de efetivo exercício e os demais retirados mediante promoção
de juízes do trabalho, seja por merecimento, seja por antiguidade.

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

Os órgãos da Justiça do Trabalho são o Tribunal Superior do Trabalho (TST), os


Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e os Juízes do Trabalho. Compete-lhe julgar as
causas oriundas das relações de trabalho. Os Juízes do Trabalho formam a primeira instância
da Justiça do Trabalho e suas decisões são apreciadas em grau de recurso pelos TRTs. O TST,
dentre outras atribuições, zela pela uniformidade das decisões da Justiça do Trabalho.
Em 31.12.2004 teve a sua competência fortemente ampliada, para processar e julgar
toda e qualquer causa decorrente das relações de trabalho, o que inclui os litígios envolvendo
os sindicatos de trabalhadores, sindicatos de empregadores, análise das penalidades
administrativas impostas pelos órgãos do governo incumbidos da fiscalização do trabalho e
direito de greve. Recebe anualmente cerca de 2,4 milhões de processos trabalhistas.

3.6 Justiça Eleitoral

A Justiça Eleitoral, prevista nos arts. 118/121, é formada pelo Tribunal Superior
Eleitoral, pelos Tribunais Regionais Federais, pelos juízes eleitorais e pelas juntas eleitorais.
O Tribunal Superior Eleitoral é composto por no mínimo 07 membros, escolhidos
(mediante eleição secreta) dentre 03 juízes entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal e
02 juízes dentre os Ministros do Superior Tribunal de Justiça. Os outros dois membros são
escolhidos pelo Presidente da República dentre advogados notável saber jurídico e idoneidade
moral.
Os Tribunais Regionais Eleitorais (há um em cada capital de Estado e no Distrito
Federal) são compostos de 07 juízes, sendo eleitos, por voto secreto, dois juízes entre
Desembargadores de Justiça e 02 juizes entre juízes de direito escolhidos pelo Tribunal de
Justiça; um juiz do Tribunal Regional Federal com sede na Capital do Estado ou, não havendo
tal tribunal no Estado, um juiz federal escolhido pelo Tribunal Regional Federal respectivo e
dois juízes nomeados pelo Presidente da República dentre advogados de notável saber
jurídico e idoneidade moral.
São órgãos da Justiça Eleitoral o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os Tribunais
Regionais Eleitorais (TREs), os Juízes Eleitorais e as Juntas Eleitorais. Compete-lhe julgar as
causas relativas à legislação eleitoral. Os TREs decidem em grau de recurso as causas
apreciadas em primeira instância pelos Juízes Eleitorais. O TSE, dentre outras atribuições,
zela pela uniformidade das decisões da Justiça Eleitoral. A Justiça Eleitoral desempenha,
ademais, um papel administrativo, de organização e normatização das eleições no Brasil.

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

A composição da Justiça Eleitoral é sui generis, pois seus integrantes são escolhidos
dentre juízes de outros órgãos judiciais brasileiros (inclusive estaduais) e servem por tempo
determinado.

3.7 Justiça Militar

A Justiça Militar, prevista na Constituição Federal nos arts. 122/124, é composta pelo
Superior Tribunal Militar, pelos Tribunais Militares Estaduais pelos juízes militares.
O Superior Tribunal Militar é composto por 15 membros vitalícios, nomeados pelo
Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal. Na indicação
do Presidente, 03 devem ser oficiais generais da Marinha, 04 do Exército e 03 da Aeronáutica.
Já os ministros civis, dentre 35 e 65 anos, devem ser escolhidos dentre 03 advogados de
notório saber jurídico e conduta ilibada (com mais de 10 anos de efetiva atividade
profissional) e dois dentre juízes auditores e membros do Ministério Público da Justiça
Militar.
A Justiça Militar compõe-se do Superior Tribunal Militar (STM) e dos Tribunais e
Juízes Militares, com competência para julgar os crimes militares definidos em lei. No Brasil, a
Constituição Federal organizou a Justiça Militar tanto nos Estados como na União. A Justiça
Militar Estadual existe nos 26 Estados-membros da Federação e no Distrito Federal, sendo
constituída em primeira instância pelo Juiz de Direito e pelos Conselhos de Justiça, Especial e
Permanente, presididos pelos Juiz de Direito. Em Segunda Instância, nos Estados de Minas
Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul pelos Tribunais de Justiça Militar e nos demais Estados
pelos Tribunais de Justiça.

3.8 Tribunais e Juízes dos Estados

A Constituição Federal determina que os estados organizem a sua Justiça Estadual,


observando os princípios constitucionais federais. Como regra geral, a Justiça Estadual
compõe-se de duas instâncias, o Tribunal de Justiça (TJ) e os Juízes Estaduais. Os Tribunais
de Justiça dos estados possuem competências definidas na Constituição de nosso país, bem
como na Lei de Organização Judiciárias dos Estados.
Basicamente, o TJ tem a competência de, em segundo grau, revisar as decisões dos
juízes e, em primeiro grau, determinadas ações em face de determinadas pessoas.

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

A Constituição Federal determina que os estados instituam a representação de


inconstitucionalidade de leis e atos normativos estaduais ou municipais frente à Constituição
Estadual (art. 125, §2º), geralmente apreciada pelo TJ.
É facultado aos estados criar a justiça militar estadual, com competência sobre a
polícia militar estadual.
Os integrantes dos TJs são chamados Desembargadores. Os Juízes Estaduais são os
chamados Juízes de Direito.
Previstos nos arts. 125/126 da CF/88, também devem se reportar às Constituições
Estaduais, principalmente no que concerne à fixação de competência.
Versa sobre as causas comuns, menos especializadas, tais como família (separação),
cível (indenização), entre outras.
Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça poderá propor a criação de
varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias (art. 126 da CF/88).
Assim como na Justiça Federal e na Justiça do Trabalho, também há a possibilidade,
implementada pela Emenda Constitucional 45/04, dos Tribunais de Justiça dinamizarem a
Justiça itinerante.

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

4 COMPETÊNCIA

4.1 Conceito

Vimos que jurisdição é o poder do Estado de dizer o direito no caso concreto,


solucionando o litigo.
Vimos também que, dentre outros, a jurisdição é regida pelo princípio da investidura,
segundo o qual só poder ser exercida por quem foi investido de tal poder, a saber, os juízes.
Portanto, todo juiz é dotado de JURISDIÇÃO, ou seja, é dotado do poder jurisdicional.
Entretanto, pela impossibilidade de os juízes exercerem tal poder em todo território
nacional, é que o ordenamento jurídico previu uma distribuição, uma repartição desse poder,
em partes iguais ( na mesma proporção), entre todos os juízes que compõe o Poder Judiciário.
A essa distribuição ou repartição do Poder Jurisdicional é que se denomina
COMPETÊNCIA.
Não há diferença substancial entre jurisdição e competência comparando, seria falar
do bolo e da fatia. A competência é a fatia, é uma fração da jurisdição.
ASSIM, competência é a quantidade de poder atribuído a determinado órgão judicial;
é a delimitação da jurisdição.

4.2 Fixação da Competência (artigo 43, NCPC)

“Art. 43 - Determina-se a competência NO MOMENTO do registro ou da distribuição


da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito
ocorridas posteriormente salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a
competência absoluta. ”

Significa dizer que se fixa a competência do juízo no momento em que a petição inicial
é protocolizada ou distribuída (onde houver mais de um), ainda que posteriormente houver
modificações, como, por exemplo, alteração /correção do valor causa ou adiantamento de
pedido pelo autor, tais modificações não tem o condão de alterar a competência.
Consagra-se regra da perpetuação da jurisdição (perpetuatio jurisdicionis), que é
ressalvada apenas quando houver supressão do órgão judiciário ou alteração de sua
competência absoluta (Ex: fim da Justiça do Trabalho, deslocando os processos para a Justiça

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

comum; ou alteração da competência das Varas de Família para abranger causas que versam
sobre sucessões).

4.3 Critérios para a distribuição de competência

A Constituição Federal de 1988 já faz a grande 1º distribuição de competência ao


dividir o Judiciário em 5 “Justiças”: Justiça Estadual, Justiça Federal, Justiça do Trabalho,
Justiça Militar, Justiça Eleitoral, a depender da causa, ou seja, da natureza do litígio.
À Justiça do Trabalho incumbe, especialmente a solução dos litígios trabalhistas.
À Justiça Militar, aos litígios Militares.
À Justiça Eleitoral, cumpre solucionar apenas os litígios eleitorais.
Por darem solução à litígios específicos é que chamamos de Justiça Especial.
Por exclusão, à Justiça Estadual e à Justiça Federal caberá a solução de litígios
comuns, ou seja, que não sejam trabalhistas, eleitoral ou militar. Em virtude disso, são
conhecidas por Justiça comum.
Dentro da chamada Justiça Comum, também por critério de exclusão, o que não for
competência da Justiça Federal (artigo 109, CF) será da Justiça Estadual.
Mas, as denominadas “justiças” possuem vários órgãos jurisdicionais, cuja
competência é identificada/ distribuída através de quatro critérios os quais se resumem em
quatro:

a) Material (competência em razão da matéria) => leva em conta a natureza da causa, ou seja, a
qualidade da relação jurídica material. Exemplo: Questões de família, falência, registro público,
criminais, etc.

b) Pessoal (competência em razão da pessoa envolvida no litígio): causas que envolva a Fazenda
Pública do Estado ou do Município; Justiça Federal nas causas em que a União esteja envolvida.

c) Valor da causa => a competência se define de acordo com o valor que se atribui à causa no
momento da propositura da ação (alterações posteriores não interferirão na competência que está
perpetuada).
Assim, a depender do valor, a causa será de competência de um ou outro órgão
jurisdicional. Vale lembrar os Juizados Especiais Cíveis estaduais são competentes nas causas
de até 40 salários mínimose e os Juizados Especiais Cíveis federais, nas causas de até 60

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salários mínimos. Acima destes valores, a causa deverá ser processada necessariamente na
Justiça Comum, estadual ou federal. Lembrando que abaixo desses valores é opcional.

d) Funcional (competência em razão da função ou hierárquica) => define de acordo com as funções
desempenhadas pelo órgão jurisdicional no processo, repartindo a competência em competência de 1º
grau, recursal, para a execução etc.

e) Territorial (ou de foro) => causas distribuídas segundo a comodidade das partes ou pela facilidade
do processo (artigos 46 ao 53, NCPC). Leva em consideração o local onde a causa dever ser ajuizada.

Há 2 (duas) regras gerais:


✓ domicílio do réu (art. 46) => ações fundadas em direito pessoal e real (posse, propriedade) sobre
bens MÓVEIS (Ex: entrega de coisa; descumprimento contrato de compra e venda).
✓ situação da coisa (art. 47) => ações fundadas em direito real sobre bens IMÓVEIS, inclusive as ações
possessórias imobiliárias (§2º). Nesse caso, por não haver opção ao autor, o critério territorial se revela
como um critério de competência absoluta, como será visto mais adiante. Todavia, se o litígio não
recair sobre propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra
nova (§1º), será opcional entre o foro da situação da coisa, do domicílio do réu ou do foro de eleição
(porém, raramente veremos um litígio assim).

- Foros Especiais:
✓ Sucessão hereditária => variável nos casos do artigo 48.
✓ Ações em desfavor de ausente => artigo 49.
✓ Ação em desfavor de incapazes => artigo 50.
✓ Artigo 53 => outras regras (ações de família, indenização etc).

4.4 Competência relativa e absoluta

Os primeiros critérios (material, pessoal e funcional) são de competência absoluta, ou


seja, não pode a competência ser modificada pelas partes, pois é determinada para atender o
interesse público (art. 62, NCPC).
Já os dois últimos critérios (valor da causa e territorial) se referem à competência
relativa, ou seja, aquela que pode ser alterada pela vontade das partes, as quais podem alterar
o regime legal caso disponham em contrário através da chamada cláusulas de eleição de foro
(art. 63, NCPC).

41
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CUIDADO: Como já visto, nem sempre o critério territorial implicará em competência


relativa. Quando artigo 47, caput e §2º (ações possessórias) estabelece a competência apenas
no foro da situação da coisa, não deixa opção para as partes, revelando-se excepcionalmente
em um critério absoluto.

COMPETÊNCIA ABSOLUTA COMPETÊNCIA RELATIVA (ART. 63)


(arts. 62, 64, §1º)
1 . Determinada no interesse público; 1. Determinada para atender interesse
particular;
2. Inderrogável pela vontade das partes; 2. Derrogável pela vontade das partes;
3. Pode ser alegada em preliminar de 3. Só pode ser alegada pelo réu em
contestação ou em qualquer tempo e grau de preliminar da contestação, sob pena de
jurisdição; prorrogação da competência;

4. Pode ser conhecida de ofício; 4. Não pode ser conhecida de ofício (Súmula
33, STJ);

Se a alegação de incompetência, absoluta ou relativa, for acolhida, a consequência é a


remessa dos autos ao juízo competente, conservando-se os efeitos das decisões proferidas pelo
juízo incompetente até que outra seja proferida pelo competente (art. 64, §§3º e 4º, NCPC).
OBS: Nos J.E.C’s a conseqüência é a extinção do processo.

4.5 Prorrogação de competência

Ocorre quando se amplia a esfera da competência de um órgão judiciário para


conhecer de certas causas que, ordinariamente, não estariam enquadradas em sua esfera de
atribuição.
Pode ser:
- prorrogação voluntária:
✓ quando as partes estabelecem foro de eleição para determinado negócio jurídico (art. 78, CC) ou
✓ quando o réu não alega a incompetência relativa no prazo da defesa (contestação).

- prorrogação legal ou necessária => decorre da lei que prevê a reunião de ações que tramitam
em juízos diferentes, para julgamento em conjunto perante o juízo prevento (ou seja, no juízo

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onde houve o protocolo ou a distribuição da petição inicial), evitando, com isso, decisões
contrárias, desde que estejam ligadas pela conexão ou continência.
Só é possível a modificação de competência RELATIVA (Art. 54).

a) Conexão (artigo 55)

Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o PEDIDO ou a
CAUSA de pedir.
Como, na prática, é quase que impossível se verificar tal identidade, o §3º do art. 55
entendeu se tratar de conexas também duas ou mais causas que guardam entre si um veículo
de semelhança de tal ordem que justifique a reunião delas num mesmo juízo para evitar
decisões contraditórias e racionalizar o trabalho do judiciário.
EXEMPLO: Alimentos e investigação de paternidade não são, na letra da lei, conexas,
pois não possuem o mesmo pedido ou causa de pedir. [1ª) dever alimentar decorrente da
relação de parentesco e do binômio necessário-possibilidade; 2ª) vinculo de filiação]. Há aqui,
na verdade, uma relação de prejudicialidade (o julgamento de 1 prejudica a da outra).

b) Continência (artigo 56)

Dá-se a continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às
partes e a causa de pedir, mas o PEDIDO de uma, por ser mais amplo, ABRANGE (contém) o
das outras.
EXEMPLO: anular uma cláusula é diferente de anular um contrato (este último é mais
amplo).

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5 AÇÃO

5.1 Conceito e Natureza jurídica

A AÇÃO é o direito pelo qual a jurisdição é provocada, pois que ela é inerte. Mas
qual é a natureza jurídica da ação? É um direito subjetivo, público, autônomo e abstrato.
É direito subjetivo, pois quando o direito objetivo previu o Judiciário como sendo o
único dotado de poder para solucionar os conflitos, em contrapartida, deu ao indivíduo a
prerrogativa de chamar o Estado para tal responsabilidade toda vez em que estivesse
envolvido em algum litígio.
É direito público exatamente porque provoca um dos poderes do Estado – o
Judiciário.
É direito autônomo porque ele é exercido independentemente da existência do direito
material.
E, por fim, é abstrato, pois o direito de ação existe independentemente da efetiva ou
concreta existência do direito alegado, ou seja, ele é exercido em abstração do direito material
litigioso, aludindo o autor a ele hipoteticamente.
Todavia, as características da autonomia e da abstração surgiram ao longo dos anos,
numa crescente evolução do direito de ação desde o Direito Romano até a fase científica dos
processualistas italianos e, principalmente, alemães, tendo surgido várias correntes teóricas,
as quais podem ser assim resumidas:

- teoria civilista ou imanentista (Celso, Ulpiano, Savigny) => para eles, a ação estava atrelada,
imanente ao direito material, só havendo ação se houvesse direito (art. 75, CC/16).
Esqueceram-se, pois, de que o autor poderia lançar mão do direito de ação para buscar, por
exemplo, justamente a declaração de inexistência de uma relação jurídica (ação declaratória
negativa – art. 4º, I, CPC/73; art. 19, I, NCPC). Esqueceram-se também de que o juiz poderia
julgar improcedente o pedido, negando a existência do direito; ou, ainda, simplesmente
decretar a prescrição (perda da pretensão).
Vê-se a fragilidade da teoria, que não vingou, embora ainda hoje, na prática, muitos
profissionais insistem em nomear a ação de acordo com o bem pretendido (v.g. ação de
despejo, de cobrança, de indenização etc).

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

- teoria do direito de ação autônomo (Windscheid e Müther) => a ação não é o direito material
ou substancial em movimento, como queria Savigny; é o direito à solução do conflito pelo
Estado, independentemente se ao autor assiste ou não razão. Como bem ensinou os alemães, é
“direito à tutela jurisdicional”, que pode ser o reconhecimento, a certificação de um direito (ação
de conhecimento); ou a satisfação, a concreção, a realização de um direito já reconhecido ou
certificado num título (ação de execução). Por isso mesmo que a ação é dirigida CONTRA o
Estado, pois só ele pode oferecer tais tutelas, e não o sujeito passivo da relação jurídica
material, que virá a ser o réu do processo.

Entretanto, os autonomistas se subdividiram em outras 3 sub-correntes:

- teoria do direito autônomo e concreto (Oskar Von Bulow e Adolf Wach) => reconheciam a
distinção entre o plano material e o processual, porém condicionaram a EXISTÊNCIA do
direito de ação ao preenchimento de certos requisitos de direito material. Exemplo: a “ação de
cobrança” tinha que ser dirigida em face de quem, concretamente, devia, sob pena de o autor
não ter direito à ação. Nota-se que, apesar de propugnarem pela autonomia do direito de ação,
acabaram por condicioná-lo ou limita-lo à uma sentença favorável ao autor, novamente
associando-o ao direito material.

- teoria do direito autônomo e abstrato (Degenkolb e Plósz) => o direito de ação existe
independentemente da efetiva ou concreta existência do direito alegado, ou seja, em abstração
do direito material litigioso. Assim, para os abstratistas, o direito de ação é absoluto,
semelhante ao direito cívico de petição. Basta ingressar no Judiciário contra quem quer fosse,
alegando qualquer direito, ainda que inexistente qualquer vínculo material, para que
existente a ação.

- teoria eclética (Enrico Tullio Liebman) => em posição intermediária aos concretistas e
abstratistas, defende a idéia de que o direito de ação existe em abstração do direito material,
mas não é absoluto e incondicionado. Na verdade, Liebman tentou achar um meio-termo
entre as teorias concreta e abstrata, não concordando que o direito de ação seria identificável
com o direito à uma sentença favorável, tampouco, concordando com a idéia de que poderia
ser mero direito cívico de petição, consistente na faculdade de que dispõe todo cidadão de
reclamar providências frente ao Estado, em caráter absoluto e incondicionado, por
conseqüência do monopólio da jurisdição pelo mesmo.
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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

Para ele, necessário se faz que o autor atenda algumas condições, as chamadas de
condições da ação, quais sejam, a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a
legitimidade das partes. Ou seja, seria necessário ao autor aludir a um interesse previsto no
ordenamento jurídico, em face de alguém que hipoteticamente fosse o sujeito passivo da
relação material, que deu origem à lide, etc, para que o Estado prestasse a tutela jurisdicional.
Críticas não faltaram à teoria eclética de Liebman, sob o argumento de que, apesar de
a referida teoria considerar o direito de ação abstrato, estabelece o prévio atendimento às
condições da ação que, na verdade, estão intimamente conexas a uma pretensão de direito
material, a uma concreta situação de fato, o que seria um retrocesso.
A crítica procede no sentido de que, para aferir a existência das mesmas, é necessária
a comprovação mediante exame de provas, e não apenas a afirmativa feita pelo autor na
petição inicial. Assim, nesse caso, condições da ação e mérito da causa seriam a mesma coisa,
de forma que, se presentes aquelas, o juiz estaria pronunciando a respeito da própria lide,
julgando não a ação, como queria Liebman, mas o pedido procedente.

Todavia, é bom lembrar que o próprio Liebman, em conferência pronunciada em


1949, teria reconhecido o problema de que padece a sua teoria, admitindo, para efeito de
aferição das condições da ação, a análise meramente hipotética dos fatos afirmados pelo autor,
realizando uma cognição superficial, perfunctória, sem incorrer no erro de adentrar na
situação fática posta em juízo, ou seja, no mérito da causa. A única condição da ação que o
jurista italiano reconheceu ser realmente questão de mérito foi a possibilidade jurídica do
pedido.

Não obstante essa aparente deficiência, a teoria eclética da ação foi a adotada em
nosso diploma processual de 1973 (art. 3º e 295, parágrafo único), que afirma não se encontrar
as condições da ação naquilo que chamamos de mérito, mas sendo antecedente ou
pressuposto lógico de sua apreciação, condicionando não a existência do direito de ação, mas
o seu exercício.

Entretanto, o NCPC aboliu tal categoria, não havendo que se falar mais em condições
da ação. O legislador de 2015, em aparente adoção à teoria abstrata, não condiciona mais o
exercício da ação a qualquer situação, enquadrando o interesse de agir e a legitimidade das
partes naquilo que chamamos de pressupostos processuais, já que a possibilidade jurídica do
pedido passou a figurar definitivamente como questão de mérito.

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5.2 Elementos (identificadores) da ação

A ação se identifica e se difere de outra pela existência e configuração de três


elementos: partes, causa de pedir e pedido.
Quando duas ou mais ações tiverem os mesmos elementos (mesmas partes, mesma
causa de pedir e mesmo pedido) diz-se que ocorreu litispendência (pendência de duas lides
ou causas idênticas), o que autorizará o juiz a extinguir o segundo processo (art. 485, V), já
que o sistema não admite a coexistência de duas ou mais ações idênticas (isso pode gerar a
coexistência de decisões conflitantes sobre a mesma causa, conflitantes, e, por conseqüência,
trazer insegurança jurídica).
A litispendência está conceituada no art. 337, §§1º, 2º e 3º, NCPC.

a) Partes
Quando se fala em partes, fala-se nas pessoas que estão envolvidas no litígio. E só se
envolvem em conflitos, em litígios, pessoas, ou seja, aqueles que são dotados de personalidade
jurídica. Nesse sentido, fala-se em capacidade de ser parte, que corresponde exatamente à
personalidade civil (arts. 1º e 2º do Código Civil). Portanto, podem ser partes autora e ré:
➢ a pessoa natural: seja criança, doente mental ou adulto normal etc;
➢ a pessoa jurídica: de direito privado (empresa, associações, fundações, sociedades de
economia mista e empresas públicas) ou de direito público (União, Estados, DF,
Municípios, Territórios, e suas respectivas autarquias e fundações públicas).
Na prática, muitos profissionais incorrem no erro de figurar como parte órgãos
governamentais ou departamentos, como Secretarias da Saúde, da Educação, Polícia Militar
etc, que, na verdade, não são dotados de personalidade jurídica. Nesse caso, a parte deverá ser
a pessoa jurídica a qual o respectivo órgão se vincula, ou seja, o Município, o Estado etc. Por
se tratar de uma ficção, ou seja, de uma abstração, deverá ser representada legalmente (art.
75).
➢ os entes derpersonalizados: como a massa falida, a herança jacente ou vacante, o
espólio e o condomínio, que a própria lei (art. 75, V, VI, VII, XI, NCPC,
respectivamente) excetuou, permitindo que figurem como partes.
Mas, não basta a capacidade de ser parte. É necessário ter a capacidade de estar em
juízo ou processual, o que não é privilégio para todos que se envolvem em litígios. A capacidade
de estar em juízo corresponde à capacidade civil, prevista no art. 5º do CC/02. Portanto,

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apenas aqueles que são habilitados à prática de todos os atos da vida civil é que podem estar
em juízo (art. 70, NCPC), Do contrário, é preciso que a parte esteja representada, quando se
tratar de absolutamente incapaz; ou assistida, quando relativamente incapaz (art. 71, NCPC).
É por isso que que lê, por exemplo, nas petições de ação de conhecimento com
pedido de investigação de paternidade, ou de alimentos, o seguinte: “FULANINHO DE TAL,
neste ato representado por sua genitora, FULANA DE TAL....”.
Esse assunto voltará a ser tratado no contexto do estudo do Processo,
especificamente quando falarmos em pressupostos processuais subjetivos.

b) Causa de Pedir
Tratam-se das razões fáticas e jurídicas que justificam o pedido.
Segundo a doutrina, a causa de pedir pode ser de duas espécies: remota ou próxima.
A remota diz respeito aos fatos, que podem ser constitutivos (que dão vida à vontade
da lei, ou seja, fazem nascer o direito a que se alega – ex: empréstimo, ato ilícito); extintivos
(fazem cessar uma vontade da lei, extinguindo um direito – ex: pagamento, remissão de
dívida); modificativos (tendem a alterar a constituição de um direito – ex: alegação de
parcelamento de dívida); ou impeditivos (circunstância que impede a constituição de um
direito – ex: incapacidade, simulação, erro etc.).
É importante a diferenciação dos fatos, pois que, segundo o art. 373 do CPC, o autor
tem o ônus de provar apenas os fatos constitutivos, e o réu os demais, mesmo porque,
obviamente, só a ele interessa alegar extinção, modificação ou impedimento à direito.
Normalmente, o autor justifica a declaração, a constituição ou a condenação à prestação de
um direito seu, através dos fatos que o constituem.
Já a causa de pedir próxima diz respeito aos fundamentos jurídicos que embasam o
pedido. Não se quer dizer aqui o fundamento legal, o dispositivo da lei, pois não há
necessidade de indicar ao juiz a norma violada. Segundo a velha máxima romana, “juria novit
cúria”, o juiz conhece o direito. Por conseguinte, os fundamentos jurídicos são as
conseqüências jurídicas que extraem dos fatos. Por exemplo, se o locatário não paga o aluguel,
a conseqüência jurídica é o seu despejo.
No processo civil, adota-se a teoria da substanciação, que exige do autor, na petição
inicial, a indicação dos fatos (causa remota) e dos fundamentos jurídicos (causa próxima),
conforme o inciso III do art. 319. Opõe-se a esta a teoria da individuação, segundo a qual basta
ao autor indicar apenas os fatos OU apenas os fundamentos jurídicos.
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c) Pedido
O pedido pode ser dividido em duas espécies: o imediato e o mediato.
O pedido imediato é o tipo de providência jurisdicional pretendida, que pode ser de
conhecimento ou de execução. Especificamente considerando os efeitos produzidos pela
sentença de conhecimento, o pedido pode consistir em um(a):
=> declaração de existência ou inexistência de uma relação jurídica (ação declaratória, positiva
ou negativa – art. 19, I, NCPC);
=> constituição ou desconstituição de uma relação jurídica (ação constitutiva ou desconstitutiva);
=> condenação do réu a prestar uma obrigação dar quantia (ação condenatória);
=> condenação do réu a prestar uma obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa (diferente de
dinheiro), ordenando-o (coerção indireta) a prestá-la, sob pena de sofrer alguma medida de
efetivação (multas – astreintes; remoção de pessoas ou coisas; desfazimento de obras; busca e
apreensão etc – art. 497, NCPC) e até crime de desobediência (ação mandamental);
=> a condenação do réu a prestar uma obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa (diferente de
dinheiro), determinando a adoção de medidas de sub-rogação (coação direta – há
substituição da vontade do réu pelo Estado), caso o réu não cumpra espontaneamente o
direito reconhecido nesta mesma decisão (executiva lato sensu).

Já o pedido mediato é o bem jurídico de direito material que se pretende seja tutelado
pela sentença (o despejo, o pagamento, a nulidade do contrato etc).
Diferem-se na medida em que o pedido imediato tem conteúdo processual, dirigido
contra o Estado (pois só ele pode entregar a tutela jurisdicional), e o mediato tem conteúdo
material, dirigido contra o réu (quem pode entregar o bem de direito pleiteado).
Vê-se, portanto, que a AÇÃO é classificada tomando por base o pedido imediato, já
que ela é o direito à tutela jurisdicional, não levando em conta o pedido mediato, que a ele não
se vincula (autonomia e abstração da ação).

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6 PROCESSO

O processo completa a trilogia processual, pois, provocada a jurisdição pela ação, a


vontade da lei se concretizará mediante o processo, que atua como um instrumento da
jurisdição.

6.1 Natureza Jurídica e Conceito

Diversas teorias se desenvolveram ao longo da história do Processo Civil para explicar


a natureza jurídica do processo.

a) contrato => os romanos concebiam o processo como um contrato, pois as partes travavam
entre si uma espécie de acordo para se submeterem à jurisdição (parecido com a convenção de
arbitragem para se sujeitarem à arbitragem). Com maior poder que o Estado passou a dotar,
atraindo para si o monopólio da jurisdição, ficou ultrapassada essa concepção privatista do
processo.

b) quase- contrato => para seus defensores, embora reconheciam não se tratar o processo de
um contrato, sustentavam se tratar de um quase-contrato, em virtude de as partes possuírem
obrigações no processo. Entretanto, esse entendimento também não prosperou, pois que, no
contrato, as obrigações são recíprocas entre os contratantes, o que não ocorre entre as partes
no processo. Além do mais, as partes não podem dispor, regular entre si quanto aos efeitos do
processo, devendo apenas a ele se sujeitarem.

c) situação jurídica => o processo seria uma situação jurídica que, a depender do empenho das
partes em exercer suas faculdades e de se sujeitarem aos ônus etc, poderia ser alterada ao final
com o provimento jurisdicional, colocando a parte numa situação de vantagem ou de
desvantagem. Enfim, instaurado o processo, surgem essas duas possibilidades de resultado,
essas duas situações, definindo o Estado por uma delas se restar convencido ou não do direito
alegado.

d) relação jurídica => o processo surge como instrumento de que dispõe o Estado-juiz para a
realização direito subjetivo material violado no caso concreto. Como a jurisdição é inerte,
posto que se trata de uma função que se mantém na sua imparcialidade, cumpre ao pretenso
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detentor desse direito provocá-la, impulsioná-la mediante a ação. Como a ação é também um
direito subjetivo (de natureza processual), este se manifestará a através de uma relação
jurídica, agora de natureza processual, que se instaurará. A esta relação jurídica denominamos
de processo.
Portanto, PROCESSO é a relação jurídica processual, por isso de direito público, que
une autor, juiz e réu, e que se exterioriza e se desenvolve pela sequência ordenada de atos,
com vistas a um fim, qual seja, a entrega da tutela jurisdicional justa e efetiva.
Convém esclarecer que não prosperou o entendimento segundo o qual a relação
jurídica processual seria estabelecida somente entre as partes, figurando o juiz como um
estranho a ela, conforma a teoria linear. Muito menos que todas as obrigações, ônus e
atividades das partes convergiriam para o juiz, formando uma relação meramente angular.
Esta relação jurídica é, na verdade, de natureza triangular, pois ao mesmo tempo em
que há vínculo entre as partes e o juiz, há também pontos de contato direto entre as partes
(v.g., quando entram em acordo para suspender o processo; ou quando se conciliam etc).

6.2 Procedimento

Vimos até agora que o processo é uma relação jurídica entre autor, juiz e réu, que se
exterioriza e se desenvolve pela seqüência ordenada de atos com vistas à sentença.
Portanto, o processo apresenta 2 aspectos:
✓ interior ou intrínseco => o processo é a relação jurídica que se instaura e se desenvolve entre
autor, juiz e réu.
✓ exterior ou extrínseco => o processo se revela num conjunto de atos concatenados visando a
sentença, a que denominamos de procedimento.
À título de ilustração, podemos afirmar que enquanto o processo é o instrumento, o
VEÍCULO conduzido pelas partes e pelo juiz rumo à sentença; o procedimento é o
CAMINHO, o CURSO, o ITINERÁRIO pelo qual o processo passa para chegar a esse destino.
Vários são os caminhos ou itinerários, ou seja, procedimentos, estabelecidos pela lei,
para se chegar à solução final da lide, dentre os quais podemos classificar: comum e especial.
O procedimento comum é aquele adotado quando não há para a causa previsão de
procedimento especial, seja no próprio código ou na lei especial (art. 318, NCPC). O rito
comum é, portanto, a regra geral, sendo aplicado subsidiariamente aos demais procedimentos
especiais e ao processo de execução.

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

O Código prevê também os procedimentos especiais, seja de jurisdição contenciosa


(consignação em pagamento, exigir contas, monitória, possessórias, inventário e partilha etc,
que, normalmente, após algumas providências próprias específicas, caem no procedimento
ordinário), seja de jurisdição voluntária (divórcio e separação consensuais, herança jacente;
arrecadação dos bens do ausente; interdição etc) – arts. 539 a 718 e 719 a 770, respectivamente.
Leis especiais também regulam procedimentos especiais, como o do mandado de
segurança (Lei n. 12.016/09), o das causas de competência dos Juizados Especiais (Leis n.
9.099/95; 10.259/01; 12.153/09) etc.

6.3 Pressupostos processuais

São os requisitos necessários de existência e de validade do processo, sem os quais o


processo não se desenvolverá regularmente, podendo ser anulado, ou sequer existirá. É a
primeira categoria onde repousará a cognição do juiz, para que, então, possa analisar o mérito
da causa.

6.3.1 classificação dos pressupostos processuais

✓ pressupostos processuais de existência: necessários para o processo existir. Se subdividem


em:
a) subjetivos => estão ligados ao juiz (jurisdição – pois não existe processo perante oficial de
justiça, professor etc) e às partes (capacidade de ser parte – só quem é dotado de
personalidade jurídica, como pessoas físicas, jurídicas e, excepcionalmente, entes
despersonalizados).
b) objetivo => demanda. Só há processo se houver provocação/exercício do direito de ação, o
qual se dá por meio de um ato processual denominado demanda. Este ato, por sua vez,
materializa-se através de um instrumento denominado petição inicial.

EM SUMA: Só haverá processo se alguém, com capacidade de ser parte,


demandar perante um órgão jurisdicional!!!

✓ pressupostos processuais de validade: dizem respeito ao desenvolvimento regular do


processo, que já existe. Também se subdividem em:
a) subjetivos: também estão ligados:

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a.1) ao juiz: competência - se o juízo for incompetente, o processo estará viciado. Entretanto,
tal vício é corrigível, podendo os autos ser deslocados para o juízo competente. Se tal fato
ocorrer nos Juizados, o processo é extinto; e imparcialidade, pois se o juiz conduzir o
processo quebrando sua imparcialidade ou isenção, maculado estará o processo. O juiz pode
se declarar suspeito ou a parte poderá alegar a suspeição ou o impedimento do juiz dentro do
prazo legal (defesa), sendo ele substituído por outro magistrado na condução do feito.
a.2) às partes: capacidade processual ou de estar em juízo (corresponde à capacidade civil,
prevista no art. 5º do CC/02); capacidade postulatória (para praticar os atos processuais, que
requerem técnica específica, deverá a parte estar representada por um advogado ,
devidamente inscrito nos quadros da OAB, mediante um contrato de mandato, o qual se
instrumentaliza pela procuração); e, por fim, a legitimidade das partes (antes entendida como
condição da ação). Quanto à esta última, merece se fazer algumas observações:
Legitimidade é diferente de capacidade. Nem toda pessoa capaz pode estar
legitimada para a prática de determinado ato jurídico. A legitimação traduz numa capacidade
específica para determinados atos da vida civil. O tutor, por exemplo, embora maior e capaz,
não poderá adquirir bens móveis ou imóveis do tutelado, sendo ilegítimo para tanto. Dois
irmãos, da mesma forma, maiores e capazes, não poderão se casar entre si. Falta-lhes
legitimidade ou capacidade específica para o ato.
A mesma avaliação pode ser feita com relação às partes de um processo. Só serão
capazes especificamente para travarem uma relação jurídica processual aqueles que
hipoteticamente figuraram também na relação jurídica material. É, nos dizeres de Carnelutti,
“a pertinência subjetiva da ação”, ou seja, a pertinência entre as partes processuais e as da lide.
Portanto, numa ação de despejo, serão autor e réu o locador e o locatário,
respectivamente. Aquele que tiver fora da relação de locação, como, por exemplo, o
sublocatário, será considerado terceiro interessado, e não parte legítima.
Quando coincidirem as partes do processo com as da lide, diz-se que a legitimidade é
ordinária.
Entretanto, existem casos em que a lei autoriza outrem, que não titular do direito ou
interesse material, a pleiteá-lo em juízo em seu lugar. Assim, se não houver correspondência
entre os sujeitos do processo e da lide, de modo que quem figura na relação processual não é o
mesmo da relação material, ocorre o que denominamos de legitimidade extraordinária ou
substituição processual, prevista indiretamente no art. 18, NCPC, que diz: “ninguém poderá
pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”.

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Exemplos: 1) o Ministério Público quando, pela natureza da lide ou qualidade da


parte, houver interesse público na causa (ação civil pública, ação de
improbidade administrativa etc) – art. 177, NCPC;
2) o sindicato, na defesa dos interesses da categoria – art. 8º, III, CF/88;
3) o condomínio, na defesa dos interesses comuns – art. 1348, III, CC.
A legitimidade extraordinária, portanto, só é admitida excepcionalmente, quando
houver previsão legal, o que faz dela a exceção e não a regra.

b) objetivos: subdividem em intrínsecos e extrínsecos:


b.1) intrínseco => deve-se respeitar o procedimento (por exemplo, a comunicação dos atos
processuais – citação /art. 239).
b.2) extrínsecos => positivo (está de fora do processo e deve existir para que o processo seja
válido) ou negativos (não podem existir para que o processo seja válido).
É considerado pressuposto extrínseco positivo a então condição da ação interesse de
agir, pois que é fato que deve existir para que a instauração do processo se dê validamente. Se
faltar interesse de agir, o pedido não será analisado.
Consiste na utilidade de obter um proveito, um resultado mediante o provimento
jurisdicional, bem como na necessidade de se recorrer ao Judiciário para obter este proveito.
Está previsto no art. 17, NCPC. Ex: ação de cobrança => expor o crédito e a impossibilidade de
obtê-lo diante da recusa de cumprimento espontâneo do devedor; ou ação monitória quando
se tem um documento sem força executiva; inventário judicial quando há herdeiros menores.
O réu tem também interesse, mas de reagir, embora não precisa demonstrá-lo, pois
decorre do próprio fato de haver sido citado para a ação.
Por outro lado, são considerados pressupostos extrínsecos negativos:
- litispendência: quando se repete a ação que está em curso (coexistência de duas ou mais
ações idênticas, ou seja, que tenham as mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo
pedido) – art. 337, §3º, NCPC.
- coisa julgada: quando se repete a ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado –
art. 337, §4º, NCPC.
- perempção: é a perda da faculdade de demandar contra o réu, pelo mesmo objeto, quando o
autor já deu causa, em outras três oportunidades, à extinção do processo por abandono da
causa – art. 486, §3º, NCPC.
- convenção de arbitragem: acordo prévio feito pelas partes de abrirem mão da jurisdição
estatal e optarem pela arbitragem como meio de solução de seus conflitos.
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6.4 Sujeitos do Processo

São sujeitos do processo (a relação jurídica processual é triangular):


- AUTOR: que ocupa o pólo ativo, pois foi quem procurou a jurisdição pelo exercício da ação.
- RÉU: que ocupa o pólo passivo e que vai responder pela ação.
- JUIZ: que está numa posição soberana, porém eqüidistante das partes, pelo fato de exercer a
jurisdição.
Os dois primeiros sujeitos -autor e réu - são conhecidos como PARTES. Logo,
concluímos haver no processo apenas duas partes a ATIVA e a PASSIVA.
O conceito de partes é importante na medida em que determina os efeitos da sentença,
os quais, regra geral, só alcançam elas, e também porque as diferenciam do chamando terceiro.
Aliás, essa é a inteligência do artigo 506 do NCPC, in verbis: “A sentença faz coisa julgada às partes
entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.
Entretanto, quando a lei autoriza é possível ao terceiro ingressar, intervir no processo
como parte. Nesse caso, o terceiro interveniente deixará de ser mero terceiro, adquirindo
regra geral a condição de parte, o que incluir o fato de ser alcançado pelos efeitos da sentença.
São espécies de intervenção de terceiros previstos no NCPC: a assistência (arts. 119 a 124); a
denunciação da lide (arts. 125 a 129); o chamamento ao processo (arts. 130 a 132); o incidente
de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 a 137); e o amicus curiae (art. 138), os
quais serão estudados separadamente no próximo semestre.
O MP também pode figurar como parte quando atuar na defesa de interesse coletivo.
Nesse caso, a sua atuação dar-se-á como substituto processual, posto que a sua legitimidade é
extraordinária (artigo 177 do NCPC).
Coisa diversa é quando o MP atua como fiscal da ordem jurídica (custos legis) quando a
causa versar interesse de menor questão de estado ou interesse público (artigo 178 do NCPC).
Ele o fará não na condição de parquet ou de terceiro, mas atuará como uma espécie de amicus
curiae (amigo da corte).
Advogados, peritos, assistentes técnicos, oficial de justiça, etc, JAMAIS poderão ser
entendidos como partes. O primeiro é figura indispensável à administração da justiça e os
últimos, auxiliares da justiça.

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6.4.1 Pluralidade de Partes (ou Litisconsórcio)

a) conceito e cabimento
É o fenômeno processual consistente na pluralidade de partes litigantes no mesmo
pólo da relação processual. Segundo o art. 113 do NCPC, é possível ocorrer quando:

I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigação relativamente à lide => aqui é o
direito material, que lhes são comuns que vai permitir a formação do litisconsórcio. Ex:
solidariedade ativa ou passiva, vários credores solidários acionam do mesmo devedor, ou
vários devedores solidários sendo acionados pelo credor comum.
II) entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de pedir => basta a coincidência
com o objeto ou com a causa de pedir. Isso para evitar decisões contraditórias e também por
razão de economia processual. Ex. vítimas de um mesmo acidente automobilístico
demandando contra o responsável por perdas e danos.

III) ocorrer afinidade de questão por um ponto comum de fato ou de direito => não se trata do
mesmo fato, mas de fatos semelhantes, análogos. Ex: Ações de cobrança movida pelo síndico
de condomínio em face de dois ou mais condôminos.

b) Espécies de litisconsórcio:
b.1) quanto ao número de litigantes: ativo (mais de um litigante no pólo ativo); passivo (mais de
um litigante no pólo passivo); ou misto (mais de um litigante em ambos os pólos do
processo).

b.2) quanto ao momento em que se forma: inicial (concomitante com o processo - é a regra); ou
ulterior (se forma no curso do processo. Ex: aquele que ocorre quando falece uma parte e se
habitam vários herdeiros).

b.3) quanto à uniformidade da decisão para os litigantes: unitário (decisão uniforme para todos os
litisconsortes por participarem da mesma relação jurídica material cujo objeto seja indivisível.
Ex: dois proprietários de uma vaca; ação reivindicatória por pessoas casadas em regime de
comunhão) ou simples (quando a decisão não tenha que ser uniforme para todos os co-
litigantes).

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b.4) quanto à obrigatoriedade de sua formação: necessário (quando somente se pode formar
validamente o processo com a presença de todos os litisconsortes no feito; segundo o art. 114
do NCPC, isso ocorrerá quando a lei prever ou quando a relação jurídica controvertida assim
exigir) ou facultativo (aquele cuja formação não é obrigatória; é determinado pelas partes por
razões de economia processual; mas nada obsta ao autor litigar sozinho ou demandar contra
cada réu separadamente em ação distintas)
Vale registrar que não existe litisconsórcio necessário ATIVO, mas só passivo, pois
ninguém é obrigado a ir a juízo juntamente com o outro, sob pena de violação ao princípio
constitucional do acesso ao Judiciário.
Isso significa que ao contrário de litisconsórcio necessário, que será sempre passivo, o
litisconsórcio simples poderá ser ativo ou passivo.

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