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Le Français aujourd'hui,
2005/4 n° 151, p. 57-68. DOI: 10.3917/lfa.151.0057
O que é então um ponto de vista? O que há em comum entre uma opinião e um centro
de perspectiva narrativa batizada de focalizações narrativas por Genette, rebatizada
ponto de vista (doravante PDV) em uma ótica lingüística? Nos dois casos, todo objeto
de discurso é representado por uma fonte enunciativa conforme suas intenções
pragmáticas. Mas, essa resposta, apesar de sua clareza, apenas sublinha a imensidade
dos problemas conexos que levanta da problemática do PDV, por exemplo, a relação
entre percepção, discurso indireto ou asserção. Sobre um plano didático, as dificuldades
não são menores, primeiramente, em razão da multiplicidade e complexidade dos
saberes relacionados, em seguida, pelo fato das representações errôneas que perturbam a
reflexão, notavelmente a tentação de estabelecer uma equivalência entre a origem do
PDV (uma subjetividade ou um tema) e sua expressão (subjetivamente): ora, o eu nem
implica um PDV pessoal nem expressão subjetivante – nem tão pouco os PDV em ele
não devem ser objectivantes ou dóxicos.
Quanto a essa aqui, ela é adaptada conforme a idade dos alunos: por exemplo, desde o
primeiro ciclo, os alunos devem ser sensibilizados ao dito e a maneira de dizer, noção
Assim, longe de ser um saco de viagem, o PDV é uma categoria transversal, suscetível
de ser um formidável operador de leitura (não somente de narrativas), de escrita ou de
produções orais (não somente argumentativas)... Com a condição de delimitar os
contornos ou os mecanismos. É por isso que ele é importante, sobre o plano teórico e
prático, avaliar textos e exemplos com esse suporte. Poderemos nos apoiar sobre os
textos literários, mas tendo em conta a nossa tese sobre a transversalidade do PDV,
tendo em conta igualmente nossos numerosos trabalhos anteriores sobre esse corpus,
nós privilegiaremos aqui exemplos não literários, para mostrar que são os mesmos
funcionamentos que são trabalhados, independentemente dos tipos de textos e de
gêneros do discurso.
Chamo “enunciadores” esses seres que são destinados a se exprimir através da enunciação,
sem que para isso lhe atribuíssemos palavras precisas; se eles “falam”, é somente no sentido
que a enunciação é vista como exprimindo seu ponto de vista, sua posição, sua atitude, mas
não mais no sentido material do termo, suas falas. (Ducrot, 1984, p. 204)
A referenciação
(1) A dialética é a arte e a maneira que você tem para sempre se sair de uma
situação difícil!
“Você” era nós: os dirigentes. Mas eu pensava « eles », quando pensava nisso.
(Semprun, 1998, Adieu vive clarté, Paris, Gallimard,p. 85)
É por isso que propomos reagrupar os CP, conforme o conteúdo referencial (todos os
CP tratando do mesmo referente), conforme a fonte enunciativa (todos os CP tendo a
mesma origem enunciativa) e conforme a orientação argumentativa (todos os CP co-
orientados, aos quais se acrescentam CP anti-orientados integrados na linha
argumentativa do enunciador principal). Seria desejável poder modelar essas variáveis
(cuja lista não é exaustiva), mas estamos longe disso: nem sempre eles querem pares, a
liberdade discursiva do locutor confundi qualquer predição. Assim, mesmo se os
diferentes CP de (3) pertençam a referentes diferentes, eles são (“empacotados”) atrás
do PDV do pai, precisamente porque eles têm a mesma fonte enunciativa e a mesma
orientação argumentativa contrária, como indica a reiteração desses “demonstrativos
venenosos”...
Para ter juntado as duas extremidades do canal, é útil dar aos aprendizes uma definição
simplificada do PDV, permitindo manipulações lingüísticas e análise de seus efeitos de
sentido, sem até agora injuriar os fundamentos lingüísticos de sua teorização.
Chamaremos PDV todo o que, na referenciação dos objetos (do discurso) mostra, de um
ponto de vista cognitivo e axiológico, uma fonte enunciativa singular e indica,
explicitamente ou implicitamente, suas representações, e, eventualmente, seus
julgamentos sobre os referentes. Esta definição permite trabalhar na recepção e na
produção com o parentesco entre PDV e discurso segundo de uma parte e sobre as
outras possibilidades de exprimir um mesmo CP, emprestando a voz da afirmação por
outro lado, sem restringir o PDV as percepções, não mais ao texto narrativo.
(5) Compte rendu direto (CRD) da fala: Pierre se aproximou da janela, olhou o cortejo e
disse “o público é grande”.
(6) CRD do pensamento: Pierre se aproximou da janela, olhou o cortejo e disse a si “o
público é grande”.
16. E o que se passaria se (5) fizesse a elipse do verbo da percepção, o leitor devendo
inferir o movimento perceptivo de Pierre nas proposições do particípio passado, e
atribuir o comentário e a percepção no segundo plano a Pierre, apesar da falta de ligação
hipotética (que os dois pontos não foram totalmente substituídos); esta ausência seria
mais forte se os dois pontos fossem substituídos por um ponto. A lógica é idêntica em
(14)-(16). Para uma análise detalhada desses exemplos, cf. Rabatel, 2003c.
(7) CRD de percepção: Pierre se aproximou da janela, olhou o cortejo: o público era
grande.
(8) Compte rendu indireto (CRI) da fala: Pierre se aproximou da janela, olhou o cortejo
e disse que o público era grande.
(9) CRI de pensamento: Pierre se aproximou da janela, olhou o cortejo e disse a si que
o público era grande.
(10) CRI de percepção: Pierre se aproximou da janela, olhou o cortejo e observou que o
público era grande.
(11) Compte rendu indireto livre (CRIL) da fala: Pierre se aproximou da janela, olhou o
cortejo. Ele chamou a atenção de Jean. O público era grande!
(12) CRIL do pensamento: Pierre se aproximou da janela, olhou o cortejo.
A multidão era numerosa!
(13) CRIL de percepção: Pierre se aproximou da janela, olhou o cortejo. O público era
realmente grande!
(14) Compte rendu direto livre (CRDL) da fala: Pierre se aproximou da janela, olhou o
cortejo.
Como o público é grande! Esta observação foi acompanha de um sorriso.
(15) CRDL do pensamento: Pierre se aproximou da janela, olhou o cortejo.
o público é grande. Este pensamento fugaz o reconfortou.
(16) CRDL de percepção: Pierre se aproximou da janela e olhou o cortejo:
Público grande, em média duzentas pessoas/ Pierre se aproximou da janela e olhou o
cortejo. Espetáculo reconfortante um público grande, em média duzentas pessoas.
(17) Compte rendu narrativizado da fala (CRN) (= discurso narrativizado): Pierre
discutiu uma hora com Charles.
(18) CRN do pensamento (= psico-narrativa): Pierre imaginou as boas razões que
Charles alegaria.
(19) CRN de percepção (= PDV embrionário): Pierre se divertiu ao ver um Charles
hesitando antes de falar.
Mas não devemos jamais perder de vista seu parentesco e trabalhar sobre os efeitos
esperados jogando sobre sua diversidade e seu complemento na expressão do
mimetismo e da refletividade, sem esquecer que o dialogismo do PDV transborda o
quadro do DR, já que toda asserção exprime, de uma maneira ou de outra, PDV de
enunciação principal ou de enunciadores intratextuais, como vimos em (4), quando
L1/E1 utilizava a expressão “audaciosas amálgamas” para enfraquecer a tese de
influência das mídias sobre os comportamentos. Os termos nem sempre revelam
abertamente que “amálgama” o PDV de L1/E1. Assim, ainda em (4), L1/E1 não disse
que as observações dos pesquisadores estavam sem fundamento, mas ele deixa entender
ao escrever que eles “devem se contentar com as observações empíricas”, o que lhe
permite negar qualquer entrada política a suas análises, relativamente a interdição de X:
aqui, o verbo “ se contentar” possui uma orientação negativa, relatado pelos próprios
pesquisadores, o que atenua a responsabilidade de L1/E1. Igualmente, invocar as
“observações empíricas” não é propriamente um falar negativo, mas se torna por
antítese in absentia com “teoria”, dirá com um “grande número de observações
concordantes” que faz imaginar as correlações (ou casualidades).
PDV e asserção
Ler/escrever o PDV
As análises dos elementos precedentes permitiram perceber todo o interesse (ao menos
esperamos) da abordagem comunicativa do PDV, para todos os tipos de texto e gêneros
do discurso. Tais atividades de descoberta lingüística e de interpretação ganham ao
serem articulados com atividades de escrita, em uma ótica deliberadamente pragmática.
Não tivemos muito espaço para desenvolver esta questão, indicamos algumas pistas de
escrita de imitação/invenção, a partir de um texto suporte, explorado em uma recente
obra (Rabatel, 2004a). É produtivo perguntar aos alunos, desde o final do terceiro ciclo
da escola elementar (qualquer que seja seu nível escolar, mas, adaptando os textos e as
instruções), depois de ter situado o maior número de marcas variadas dos PDV
representados, contados e afirmados, de lhe propor reescrever um texto mudando a
forma dos PDV; adotar o PDV referente a personagens diferentes; modificar as
características materiais da focalização; apresentar dois PDV distintos sobre um mesmo
objeto; jogar com os efeitos argumentativos da denominação, da designação (para o
enunciador ou os objetos focalizados); fazer sentir as evoluções do sujeito através das
evoluções da descrição do objeto percebido, eventualmente integrando a problemática
dos referentes evolutivos; juntar conforme sua pertinência enunciativa os conectores
lógicos ou os marcadores temporais indicando um PDV; reescrever cenas ou
argumentos em função do PDV do personagem (depois do narrador), com a base de
medidas objectivantes ou subjetivantes; articular ethos (preliminar, pré-discursivo) e
PDV representados; encenar um conflito de valores nos PDV afirmados jogando com o
dialogismo interlocutório; construir um diálogo levando em conta dois PDV dialógicos;
jogar com os estereótipos formais e lingüísticos, sobre o modo da dissonância, depois da
consonância, etc.
Esses exercícios não são somente pertinentes pela escrita ficcional, eles também servem
a construção de uma argumentação ou de uma explicação. Eles misturam as “belezas
gramaticais da língua” e os cálculos interpretativos do locutor e de seu co-enunciador,
referindo-se ao léxico do discurso (Paveau, 2000, p. 27-28), a sintaxe ou sobre a
organização geral dos discursos, em ligação com a dimensão pragmática da linguagem.
Desenvolver as competências em matéria de elaboração e de expressão do PDV permite
aos aprendizes adquirir habilidades de todo tipo, linguageiras, literárias, enciclopédias,
que são tanto instrumentos de compreensão, de problematização do real, e mesmo
tomadas efetivas sobre uma realidade complexa a se transformar.
Alain RABATEL