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Ouvi há dias na televisão o Jorge Silva Melo dizer que a literatura portuguesa
tinha desistido da realidade. Para ser exacto, ele não usou o verbo desistir. O que
ele disse foi mais ou menos isto: «A ficção portuguesa tem dificuldade em lidar com
a realidade, mas isso não era assim nos anos 50 ou nos anos 60, quando qualquer
escritor, até um escritor menor como o Fernando Namora, ansiava encontrar-se com
temas presentes.» Antes de concluir, «agora passa-se tudo nas memórias coloniais ou
no D. João V...», deu como exemplo Domingo à Tarde (1961), romance com acção
centrada no Instituto Português de Oncologia, onde Namora, que era médico,
trabalhava. O documentário de João Osório em que Silva Melo fez estas
considerações era sobre o efeito da sida na arte: literatura, poesia, música, bailado,
pintura, fotografia, cinema, teatro.
Trinta anos passados sobre a descoberta do VIH, em Junho de 1981, é revelador
que a representação da sida na literatura portuguesa seja praticamente nula. O
défice de real traduz o quê? Conflito com a realidade? Eugenia corporativa?
Provincianismo?
Sem pretender ser exaustivo, chamaria ainda a atenção para Uma História de
Família (1992), romance de Silviano Santiago, bem como para dois contos de
Bernardo Carvalho inseridos em Aberração (1993).
E nós por cá? Nós por cá escrevemos sobre o sexo dos anjos, um tema sempre
actual, ou, como diz Silva Melo, presente.
by Eduardo Pitta