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Sentido e valor actuais da Monarquia: uma perspectiva teórico-constitucional1

Pedro Velez, Professor Universitário (FDUNL e Universidade Europeia)

Os actuais regimes políticos europeus parecem achar-se em crise. Os sinais dos tempos
têm sido sublinhados: um credo individualista-abstrato parece estar a ser imposto, de cima
para baixo, como um horizonte social total – um horizonte de «dissociedade», de pós-
politicidade, de “desencantamento” e de dissolução das comunidades políticas concretas
na sua identidade e eticidade; os sistemas políticos afiguram-se crescentemente como
estruturas de tipo oligárquico-partidocrático e de poder político concentrado; as ordens
políticas não recebem verdadeiro fundamento nem conhecem verdadeiros limites. Cada
vez mais se vai falando em «ditadura do relativismo», «ditadura do politicamente
correcto», «democracia totalitária», «totalitarismo liberal» ou «deriva iliberal do
Liberalismo».
Não surpreende, pois, que as problemáticas clássicas do melhor regime em princípio e do
melhor regime possível no nosso contexto concreto sejam hoje de novo chamadas à
colação no espaço público das ideias. E daí também as buscas (de desigual valor e
profundidade) de potenciais vias de atenuação e/ou correcção da referida crise: atente-se,
por exemplo, em toda uma cresente literatura sobre a existência e o valor dos momentos
“não-liberais” nas ordens liberais-democráticas (Estado-Nação e seus imperativos
autónomos) ou numa linha teórico-política comunitarista de reinterpretação do sentido
das mesmas.
É contra este pano de fundo que convém meditar sobre o sentido e o valor actuais da
Monarquia.
As instituições reais, em si e por si, encarnam uma dimensão de representação
comunitária-tradicional e transcendente; nisso residindo a sua autoridade independente:
Referem-se à/simbolizam a comunidade política como um todo, um todo que é uma
concreta realidade histórico-cultural de tempo longo. A sucessão familiar-hereditária e
sua continuidade no tempo possibilitam a identificação e a directa “fusão de horizontes”
entre uma família e um corpo político (uno e vivo); a base familiar da instituição real
evocando ainda a sociedade como assente na realidade família ou num certo paradigma
do que deva ser a família (assim o notou Álvaro D’Ors).

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Uma primeira versão deste texto foi publicada no semanário O Diabo (14 de Novembro de 2017).
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No e pelo que precede, a realeza significa, desde logo, a “visibilização” do imperativo do


bem comum, horizonte esse que torna/deve tornar presente na vida pública e política
(como tem sustentado o teórico red tory Phillip Blond, nisto aparentemente
acompanhado, noutro quadrante “espiritual”, por um Slavoj Žižek, em comentário sobre
o «potencial emancipatório» do recente e mediático casamento real britânico). Daí
também a régia vocação para realizar a integração da sociedade política e “puxar para
cima” os seus “súbditos” (como assinalou Sabino Fernandez Campo, Ex-Chefe da Casa
do ex-Rei de Espanha), bem como para suster e elevar o moral e o ethos dos “estados que
mantêm o Estado”, os seus “grandes corpos” (como bem sublinhou o académico e político
italiano Domenico Fisichella).
Pela proveniência não electiva do monarca, pela dependência de elementos de ordem
“cósmico-espontânea” (factor familiar, factor tempo), pela sua identificação com a
comunidade política enquanto «corpo místico», pela “promiscuidade” da coroa com a
religião tradicional, se manifesta a referida nota de representação transcendente. Em
certos casos, a dimensão simbólico-numinosa da coroa evocará mesmo a ideia de que a
ordem política se deve achar submetida a uma invariante moral indisponível (monarquias
cristãs/monarquias católicas) [Sobre a dimensão transcendente da monarquia tenha-se
presente o pensamento de um Henrique Barrilaro Ruas. Extramuros, tenha-se em conta,
no tempo presente, os escritos dos juspublicistas Miguel Ayuso e Danilo Castellano].
No nosso tempo de crise constitucional existencial, atrás descrito, as instituições reais,
dadas as suas propriedades intrínsecas, constituem, no mínimo, dispositivos simbólico-
institucionais residuais minorando os estruturais defeitos do “sistema”. Ainda que a esse
título, convirá mantê-las – ou elevá-las a um plano propriamente estatal, num caso como
o português (assim repondo no Estado, coroando-o, a família que o fundou e consolidou).
Mais: justificar-se-á uma sua afirmação renovada e (mais) consciente, designadamente
pelas próprias pessoas reais…
Contrariando dinâmicas de desinstitucionalização que de longe vêm e se fazem ainda
sentir no presente, dir-se-ia mesmo que, tendo em vista uma sã reconstrução ou
refundação da ordem política, conviria dotar as monarquias de uma auctoritas reforçada.
Em contraposição ao presente cenário de degenerescência constitucional, talvez se
pudesse pensar como que em termos de actualização do clássico paradigma do regime
misto (o qual dá um lugar próprio autónomo aos vários princípios em que se pode basear
a ordem política – princípio democrático, princípio aristocrático, princípio monárquico).
A realeza seria susceptível de aí figurar, plenamente, como “sede” da “constituição
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profunda” ou da «constituição essencial» da comunidade política: da comunidade política


enquanto comunidade política, da comunidade política na sua unidade, continuidade e
“tradicionalidade” (tradicionalidade essa de radicação, em última instância, religiosa, e
desejavelmente aberta a uma dimensão ética extra e supra-política,). Neste sentido, o Rei
(ou a Rainha…) seria «a constituição viva» ou a «constituição com figura humana» (como
entre nós já se teorizou, de uma perspectiva neo-tomista).
Recentes reflexões político-constitucionais parecem encaminhar-se na referida direcção.
Pensamos, por exemplo, em contributos dos pensadores anglo-católicos John Milbank e
Adrian Pabst (máxime no livro The Politics of Virtue: Post-Liberalism and the Human
Future, dado à estampa em 2016), sugerindo um reforço da “voice” da coroa na
constituição britânica, num plano essencialmente moral-simbólico, é certo, mas também
evolvendo uma sua mais activa intervenção na esfera pública (porventura, já, de algum
modo, ensaiada pelo príncipe Carlos) e passando por uma certa expressão institucional
(reformulação e acentuação do papel do chamado Privy Council do monarca). Num
sentido de reforço da autoridade da coroa, se colocam outras propostas que, com
originalidade, têm sido formuladas no pensamento político português hodierno.
Pensamos, por exemplo, na ideia – em tempos sugerida por António de Sampayo e Mello,
saudoso Doutrinador da Monarquia – de o chefe de Estado real poder não apor assinatura
aos actos que julgue particularmente lesivos do bem comum, recusando-lhes a caução da
autoridade independente que exprime a tradição nacional, emprestando-lhes, ao invés, a
carga negativa desta privação (“estigmatização” que persistirá mesmo que a ausência da
assinatura régia possa ser suprida pela assinatura de um outro órgão do Estado). Temos
também em mente a hipótese de a monarquia poder ser “naturalmente” associada a um
enriquecimento dos esquemas disponíveis de representação política, no sentido desta
poder abranger não só a multiplicidade dos indivíduos-cidadãos (um homem, um voto),
mas também (numa segunda câmara, porventura) a pluralidade social, feita de “corpos
sociais livres” (e de elites sociais, afinal), como sindicatos, Universidades (como sugeriu
o chefe da Casa Real em O Passado de Portugal no seu Futuro, Conversas com o Duque
de Bragança, livro de 1995).
Num tal quadro-maior, e especulando sobre possíveis tópicos de (re)edificação
constitucional, poder-se-ia ainda perguntar: porque não ligar, pelo menos em parte, à
instituição real os órgãos de defesa e garantia da ordem constitucional (como um tribunal
constitucional)? Ou mesmo, ainda que a um título mais acidental, a auto-organização de
um poder judicial independente? Seja como for, certas configurações institucionais,
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existentes aqui e ali, seriam susceptíveis de generalização, podendo adquirir um


significado contextual relevante – pense-se, designadamente, na possibilidade de o
monarca e o seu herdeiro presidirem ao conselho de ministros (assim sucede na Noruega
dos dias de hoje), assegurando uma “supervisionante” e “futurante” presença da voz do
tempo longo comunitário.
Mais do que uma pura repetição de proposições, esquemas e fórmulas do passado, talvez
interesse, realmente, deixar a imaginação político-constitucional repensar o potencial
valor constitucional substantivo da monarquia.

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