Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Introdução
Para tanto, faz-se necessário uma primeira configuração textual sobre a consolidação
dos direitos personalíssimos no Direito (re)produzido nas estruturas da Sociedade
Industrial. Neste momento histórico, tais direitos passaram a uma categoria de direitos
fundamentais de primeira geração, assegurando uma certa disseminação global. Em
seguida, a produção de relações sociais massificadas desloca a reflexão dos direitos
Página 1
A sociedade do risco global e o meio ambiente como um
direito personalíssimo intergeracional
personalíssimos de uma base meramente privatista para uma percepção dos elementos
globais e coletivos que limitam e condicionam o exercício da titularidade destes.
dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, CF/1988 (LGL\1988\3)) o que lhes possibilita
uma superação da perspectiva apenas centrada no individualismo/exclusivista.
A relação entre a dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, CF/1988 (LGL\1988\3)) e o
meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CF/1988 (LGL\1988\3)) é
constatado uma vez que este "configura-se como extensão do direito à vida, quer sob o
enfoque da própria existência física e da saúde dos seres humanos, quer quanto ao
4
aspecto da dignidade dessa existência - a qualidade de vida".
O Direito, sob a égide da Sociedade Industrial, permite uma análise jurídica das relações
massificadas (de produção, consumo e seus efeitos colaterais), formando suas
convicções a partir da distinção entre direitos subjetivos e interesses transindividuais.
Isto é, o exercício regulatório do Direito é realizado tendo como ponto de partida a
centralização nos atores sociais e na ponderação entre interesses individuais e coletivos.
O direito ao meio ambiente consiste num direito da personalidade humana (por exemplo,
direito à saúde ou de propriedade), exercido a título individual. As repercussões
ambientais tidas na esfera jurídica individual caracterizam-se como um direito subjetivo
da pessoa, individualmente considerada, seja em sua saúde ou em seu patrimônio. Na
sua dimensão subjetiva, a proteção do meio ambiente como direito fundamental existe
uma posição jurídico-ambiental garantida à pessoa, através de um preceito inserido nas
5
disposições sobre direitos fundamentais na Constituição. O ambiente, como direito
subjetivo da personalidade humana, é disponível e está submetido à prescrição imposta
6
pelo Código Civil (LGL\2002\400), pois apresenta titulares individuais determinados.
Porém, o reconhecimento da existência de um direito subjetivo ao ambiente não deve
ser excludente, bem pelo contrário, à existência de uma dimensão objetiva,
considerando o caráter de bem jurídico unitário de toda a comunidade.
Em sua dimensão objetiva, o direito ao meio ambiente consiste num direito difuso e
coletivo, cujo destinatário final é o gênero humano. Na verdade, trata-se da constatação
de que existe um dever fundamental ecológico à que estão submetidos tanto o Estado
como a Coletividade, para a obtenção de uma justiça ambiental. A proteção
jurídico-ambiental perfaz-se, em sua dimensão objetiva, através da noção do Estado
Democrático Ambiental, tendo o ambiente como tarefa e fim do Estado.
É bem verdade que esta dupla dimensão da natureza do direito ao ambiente como
direito fundamental não consiste na exclusão de uma dimensão por outra, fortalecendo
sim esferas de direitos e interesses diversos. A existência e caracterização do direito ao
meio ambiente como um direito individual não acarreta em qualquer enfraquecimento ou
subversão do ambiente como um bem jurídico coletivo. Em freqüentes eventos há a
conexão e coexistência entre a incidência de lesões ao direito subjetivo ao meio
ambiente (direito individual) e aos interesses difusos ou coletivos envolvidos num dano
ambiental.
Neste sentido, José Joaquim Gomes Canotilho, explica que o direito fundamental ao meio
ambiente apresenta uma "sedimentação geológica" e histórica em problemas ecológicos
e ambientais de uma primeira e segunda geração. Para este, a primeira geração de
direitos fundamentais ao meio ambiente diz respeito à prevenção, ao controle da
12
poluição e à subjetivação do direito ao ambiente como direito fundamental.
Em outras tintas, podemos observar que, no Direito na Sociedade de Risco (de natureza
pós-industrial), há o deslocamento da matriz de solução de conflitos fundada apenas
sobre a perspectiva dos atores para uma matriz comunicacional, que se sedimenta sobre
conflitos entre sistemas e suas comunicações (ecológica, jurídica, econômica, política) e
14
permite, inclusive, a observação e a construção de vínculos com o futuro. Em síntese,
a própria inserção do sentido transindividual das condições e limites da dignidade da
pessoa humana (atores coletivos) ressalta a importância de uma perspectiva mais
15
sistêmica e comunicacional para lidar com problemas tais como riscos ambientais e
direito das futuras gerações (de pessoas humanas).
Desta forma, uma atenta observação acerca do tema demonstra que o deslocamento de
uma perspectiva meramente subjetiva e individual da dignidade da pessoa humana em
direção a uma dimensão coletiva levará, por sua vez, à centralidade dos sistemas sociais
e à análise destes para a ponderação de interesses e a solução de conflitos entre direitos
fundamentais num contexto de diálogos policontexturais (Direito, Economia, Política,
Ecologia).
É, portanto, condição para assegurar a inserção da tutela das futuras gerações e do risco
ambiental, este deslocamento de um sistema de solução de conflitos fundado apenas nas
disputas entre atores individuais e coletivos, para uma dimensão comunicacional
(sistêmica), sedimentada na ponderação dos riscos, interesses futuros e repercussões
Página 5
A sociedade do risco global e o meio ambiente como um
direito personalíssimo intergeracional
Há, assim, uma mutação de uma visão centrada nos atores e na ponderação de
20
interesses individuais ou coletivos, para uma visão sistêmica. Em outras palavras,
este deslocamento demonstra a superação de uma perspectiva jurídica de solução de
conflitos sedimentada em atores (individuais e coletivos) na direção de um sistema
preocupado em lidar com conflitos intersistêmicos, exercendo uma função de integrar os
21
diversos diálogos policontexturais (econômico, político, jurídico etc.) a fim de produzir
22
expectativas normativas para garantir uma dignidade das gerações humanas
23
presentes e futuras. Forma-se, assim, a necessidade de uma eqüidade intergeracional
entre o usufruto das presentes gerações aos direitos personalíssimos (direitos
personalíssimos intrageracionais), sem que isto comprometa os interesses das gerações
futuras (e, conseqüentemente, o exercício destas gerações aos seus direitos
personalíssimos intergeracionais).
3. Considerações finais
A análise dos direitos personalíssimos e sua garantização devem ser feitas com a devida
atenção aos processos evolutivos sociais e suas repercussões junto ao Direito. Num
primeiro momento, pode ser observado que o Direito, reagindo a uma forma Industrial
da Sociedade, estabelece um sistema centrado nos atores e na ponderação entre
interesses individuais e coletivos, onde se polariza a decisão judicial sobre uma matriz de
relativização recíproca entre direitos subjetivos e interesses transindividuais.
4. Referências bibliográficas
______; LEITE, José Rubens Morato. Direito constitucional ambiental brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 2007.
CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco
ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
FARBER, Daniel; HEMMERSBAUGH. The shadow of the future: discount rates, later
generations, and the environment. In: PERCIVAL, Robert V.; ALEVIZATOS, Dorothy C.
(Eds.). Law and environment: a multidisciplinary reader. PHILADELPHIA: TEMPLE
UNIVERSITY PRESS, 1997.
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2004.
new challenges and dimensions. Tokyo: United Nations University Press, 1992.
7. MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT,
2004. p. 880-882.
8. BECK, Ulrich. Risk society: towards a new modernity. London: Sage, 1992.
9. BECK, Ulrich. LA SOCIEDAD DEL RIESGO GLOBAL. Madrid: Siglo Veintiuno de Espanha
Editores, 2002.
11. ROCHA, Leonel Severo. Três matrizes da teoria jurídica. Epistemologia jurídica e
democracia. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2003. p. 93-105.
14. DE GIORGI, Raffaele. Direito, democracia e risco: vínculos com o futuro. Porto
Alegre: Safe, 1993.
15. CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo
risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
16. Neste sentido dispõe o art. 225 da CF (LGL\1988\3): "Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações" (grifos nossos).
17. DONIGER, David. The gospel of risk management: should we be converted? In:
PERCIVAL, Robert V.; ALEVIZATOS, Dorothy C. (Eds.). Law and Environment: a
Página 8
A sociedade do risco global e o meio ambiente como um
direito personalíssimo intergeracional
20. TEUBNER, Günther. O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1989. p. 226.
22. LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.
23. WEISS, Edith Brown. Intergenerational equity: A legal framework for global
environmental change. In: ______ (Ed.) Environmental change and international law:
new challenges and dimensions. Tokyo: United Nations University Press, 1992.
Página 9