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A sociedade do risco global e o meio ambiente como um

direito personalíssimo intergeracional

A SOCIEDADE DO RISCO GLOBAL E O MEIO AMBIENTE COMO UM


DIREITO PERSONALÍSSIMO INTERGERACIONAL
Revista de Direito Ambiental | vol. 52/2008 | p. 27 - 36 | Out - Dez / 2008
Doutrinas Essenciais de Direitos Humanos | vol. 3 | p. 1287 - 1298 | Ago / 2011
DTR\2008\586

Délton Winter de Carvalho


Mestre em Direito Público. Doutor em Direito Unisinos. Coordenador e Professor na
Especialização em Direito Ambiental da FEEVALE. Professor de Direito Ambiental na
graduação e Pós-Graduação na Unisinos e no Centro Universitário FEEVALE. Advogado

Área do Direito: Ambiental


Resumo: Os direitos da personalidade consistem em direitos essenciais à pessoa humana
bem como em sua relação com a Sociedade. As alterações estruturais havidas na
Sociedade nos últimos séculos provocam ressonâncias na percepção, condição e limites
ao exercício destes direitos primários à condição humana. O presente artigo propõe uma
reflexão acerca da consolidação dos direitos personalíssimos nos contextos da Sociedade
Industrial e na Sociedade de Risco. Desta maneira, os direitos da personalidade
encontram sua concretização diretamente vinculada e condicionada à tutela do direito ao
meio ambiente, como garantia da dignidade da pessoa humana e da qualidade de vida.
Finalmente, na Sociedade de Risco, o surgimento de novas e ameaçadoras faces do risco
ambiental impõe-nos a reflexão sobre, não apenas os direitos personalíssimos das
presentes gerações, mas, outrossim, a relevância de se tomar em consideração, no
presente, dos direitos ou interesses (personalíssimos) intergeracionais.

Palavras-chave: Direitos da personalidade - Direito ambiental - Sociedade de risco


Abstract: The personality rights are essential human person rights as well as to the
relation between them and Society. The structural changes have been taking place in the
last centuries in Society produced resonances in the perception, condition and limits of
the adjudication of these primary rights to human condition. This article brings a
reflection over the consolidation of personality rights under the context of Industrial
Society and Risk Society. Thus, the personality rights find its concretization linked with
and conditioned to the environmental protection, as a guarantee of the human person
dignity and quality of life. Finally, in Risk Society the appearance of new and threatening
faces of environmental risks urges us to reflect over not only the present generation
personality rights but also about the importance to take into consideration, in the
present, the intergenerational (personal) rights or interests.

Keywords: Personality rights - Environmental law - Risk society


Sumário:

- 1. Os direitos personalíssimos na matriz jurídica da Sociedade Industrial - 2. Os direitos


da personalidade na Sociedade do Risco Global - 3. Considerações finais - 4. Referências
bibliográficas

Introdução

O presente trabalho propõe reflexões acerca do atual contexto dos direitos


personalíssimos frente aos desafios impostos pela Sociedade de Risco, além daqueles já
enfrentados pelo Direito durante uma primeira modernidade (Sociedade Industrial).

Para tanto, faz-se necessário uma primeira configuração textual sobre a consolidação
dos direitos personalíssimos no Direito (re)produzido nas estruturas da Sociedade
Industrial. Neste momento histórico, tais direitos passaram a uma categoria de direitos
fundamentais de primeira geração, assegurando uma certa disseminação global. Em
seguida, a produção de relações sociais massificadas desloca a reflexão dos direitos
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personalíssimos de uma base meramente privatista para uma percepção dos elementos
globais e coletivos que limitam e condicionam o exercício da titularidade destes.

É a partir dos efeitos adversos provenientes do modus operandi da Sociedade Industrial


que se observa uma crescente vinculação da proteção e da qualidade ambiental para a
consolidação de uma dignidade da pessoa humana, a partir dos direitos da
personalidade, verdadeira medula da personalidade, humana e individualmente
considerada. Cada vez mais, o fio condutor das lesões e do comprometimento das
condições humanas individuais e coletivas passa a ser a degradação ambiental.

No entanto, as novas gerações de problemas ambientais e ecológicos apontam para um


modelo de decisão jurídica centrado não apenas nos atores e na ponderação de
interesses individuais e coletivos, mas, sobretudo, numa matriz que permita a produção
e a formação de vínculos obrigacionais com o futuro. Assim, os direitos personalíssimos
devem ser pensados numa matriz de racionalidade jurídica capaz de incluir as
necessidades das futuras gerações e a gestão dos riscos ambientais pelo Direito
Ambiental, a fim de garantir, na Sociedade Pós-Industrial, direitos personalíssimos num
cenário de riscos ambientais globais e de comprometimento do futuro.

1. Os direitos personalíssimos na matriz jurídica da Sociedade Industrial

Os direitos personalíssimos nascem de uma tradição fundada na subjetivação dos


direitos, tendo estes uma perspectiva individualista, de garantização generalizada de
direitos individuais mínimos ou primários da pessoa. Previstos normativamente na
CF/1988 (LGL\1988\3), no art. 5.º, e no CC/2002 (LGL\2002\400), do art. 11 ao 21,
apresentam-se orientados ao pleno desenvolvimento humano e a resguardar a dignidade
da pessoa, primordialmente, em sua esfera privada. Consistem, a partir de tal
perspectiva, em direitos subjetivos pessoais.

Os direitos da personalidade são entendidos como os direitos essenciais da pessoa,


formando o núcleo da personalidade. São direitos próprios da pessoa em si, existentes
por natureza, a partir do ente humano, ou ainda, os direitos referentes às projeções da
pessoa para o mundo exterior, em seu relacionamento com a sociedade. Trata-se, pois,
de direito concebido para ser exercitado apenas pelo seu titular (individualmente
concebido), não se transmitindo porquanto se extingue com a morte da pessoa natural,
consoante expressamente previsto no art. 11 do CC/2002 (LGL\2002\400).

Tais direitos foram constitucionalizados, na condição de direitos humanos de primeira


geração, tendo como "proposição que todas as pessoas, por natureza, são igualmente
livres e independentes e possuem direitos inatos determinados, ou seja, direito à vida e
liberdade, direito de adquirir e conservar propriedade e a possibilidade de aspirar e obter
1
fortuna e segurança".

Sob a influência das mudanças estruturais da Sociedade nos últimos séculos, as


gerações subseqüentes de direitos humanos (segunda e terceira) trouxeram um
redimensionamento aos direitos individuais frente às necessidades sociais e aos
interesses transindividuais.

A superação do individualismo reinante na estrutura interpretativa do Código Civil de


1916 (LGL\1916\1) é consolidada no surgimento dos direitos fundamentais de terceira
geração, descritos como direitos de solidariedade, tendo como destinatário de tutela o
gênero humano, genericamente concebido (humanidade). Processo evolutivo este que
teve como resultado a instituição de uma nova estrutura interpretativa trazida à tona
pela socialidade que marca o Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 na regulação do
Direito Privado.

Assim, os direitos da personalidade, tendo como exemplos o direito à vida, direito à


liberdade, à privacidade, à imagem, à integridade física, dentre outros, passam, num
segundo momento, a se formarem sobre a base conceitual e teleológica do Princípio da
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dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, CF/1988 (LGL\1988\3)) o que lhes possibilita
uma superação da perspectiva apenas centrada no individualismo/exclusivista.

Dentre os "efeitos colaterais" do êxito da Sociedade de Industrial encontra-se a crise de


sustentabilidade ambiental, que, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, é
capaz de demonstrar a relevância das condições ambientais essenciais para a
concretização dos direitos à vida, à propriedade e à saúde.

O marco institucional para o reconhecimento do direito ao ambiente como um direito


humano, dando ênfase à sua vinculação aos direitos personalíssimos, foi a Declaração de
Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano de 1972, que, entre outros, assentou o
princípio de que "o homem tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao
desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe
permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, e tem a solene obrigação de
2
proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras".

A partir da constatação de que a dignidade da pessoa humana encontra no meio


ambiente ecologicamente equilibrado um pressuposto para uma vida saudável,
desloca-se sua percepção fundada apenas sobre a "pessoa" (construção
fundamentalmente decorrente da tradição humanista-individualista) para uma noção
transindividual, consubstanciada no termo qualidade de vida. Ou seja, a dignidade da
pessoa humana encontra-se condicionada à qualidade dos recursos ambientais e
ecológicos, o que, por evidente, permitirá, por exemplo, uma vida humana saudável.
Neste sentido, pode ser assegurada a existência, no art. 225 da CF/1988 (LGL\1988\3),
de "um princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito
3
fundamental da pessoa humana".

A relação entre a dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, CF/1988 (LGL\1988\3)) e o
meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CF/1988 (LGL\1988\3)) é
constatado uma vez que este "configura-se como extensão do direito à vida, quer sob o
enfoque da própria existência física e da saúde dos seres humanos, quer quanto ao
4
aspecto da dignidade dessa existência - a qualidade de vida".

Considerando uma vinculação direta entre o meio ambiente ecologicamente equilibrado e


os direitos à vida, à saúde e à segurança, tem-se uma integração/irritação recíproca
entre estes interesses juridicamente tutelados (individual e transindividual), sob um
status normativo de direito fundamental.

Em outras tintas, os direitos personalíssimos, primeiramente centrados numa concretude


subjetiva pessoal e individual, sofrem um primeiro redimensionamento, a partir de sua
sustentação sobre a base principiológica da dignidade da pessoa humana. Num segundo
momento, o próprio sentido de dignidade da pessoa humana passa por uma
re-significação, pois, a partir da inserção constitucional da expressão "sadia qualidade de
vida" (art. 225, CF/1988 (LGL\1988\3)), os elementos ambientais passam a atuar como
condição e limite para o usufruto dos direitos à vida, liberdade, segurança, propriedade.

Portanto, a comunicação jurídica da dignidade da pessoa humana reveste-se de duas


faces, de um lado a perspectiva individualista, calcada sobre os pilares dos direitos
subjetivos da pessoa (individualmente considerada), enquanto que, em sua outra face,
colocam-se as variáveis ambientais e sua tutela como condição e limites para a
qualidade de vida, em um enquadramento transindividual dos interesses juridicamente
tutelados.

O Direito, sob a égide da Sociedade Industrial, permite uma análise jurídica das relações
massificadas (de produção, consumo e seus efeitos colaterais), formando suas
convicções a partir da distinção entre direitos subjetivos e interesses transindividuais.
Isto é, o exercício regulatório do Direito é realizado tendo como ponto de partida a
centralização nos atores sociais e na ponderação entre interesses individuais e coletivos.

1.1 O meio ambiente como um direito fundamental da personalidade humana


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O direito fundamental ao ambiente acompanha, portanto, estas sedimentações históricas


e sociais, na formação de uma dupla natureza, uma subjetiva e uma objetiva, ou seja,
uma individual e outra transindividual. Como um bem jurídico autônomo e unitário, o
meio ambiente adquire uma relevância simultaneamente de direito fundamental da
personalidade, como direito subjetivo de caráter público, bem como um direito
fundamental de natureza transindividual (difusa ou coletiva).

O direito ao meio ambiente consiste num direito da personalidade humana (por exemplo,
direito à saúde ou de propriedade), exercido a título individual. As repercussões
ambientais tidas na esfera jurídica individual caracterizam-se como um direito subjetivo
da pessoa, individualmente considerada, seja em sua saúde ou em seu patrimônio. Na
sua dimensão subjetiva, a proteção do meio ambiente como direito fundamental existe
uma posição jurídico-ambiental garantida à pessoa, através de um preceito inserido nas
5
disposições sobre direitos fundamentais na Constituição. O ambiente, como direito
subjetivo da personalidade humana, é disponível e está submetido à prescrição imposta
6
pelo Código Civil (LGL\2002\400), pois apresenta titulares individuais determinados.
Porém, o reconhecimento da existência de um direito subjetivo ao ambiente não deve
ser excludente, bem pelo contrário, à existência de uma dimensão objetiva,
considerando o caráter de bem jurídico unitário de toda a comunidade.

Em sua dimensão objetiva, o direito ao meio ambiente consiste num direito difuso e
coletivo, cujo destinatário final é o gênero humano. Na verdade, trata-se da constatação
de que existe um dever fundamental ecológico à que estão submetidos tanto o Estado
como a Coletividade, para a obtenção de uma justiça ambiental. A proteção
jurídico-ambiental perfaz-se, em sua dimensão objetiva, através da noção do Estado
Democrático Ambiental, tendo o ambiente como tarefa e fim do Estado.

Diante desta natureza transindividual do ambiente, configura-se este como um direito ou


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interesse indisponível e imprescritível, tanto das presentes como das futuras gerações.
A caracterização da dimensão objetiva do meio ambiente como um direito fundamental
(difuso ou coletivo) vincula-se à própria proteção do meio ambiente como macrobem,
isto é, do ambiente como um todo, integrado, vislumbrado em seu conjunto global e
compreendendo a interação dos elementos diversos da natureza.

É bem verdade que esta dupla dimensão da natureza do direito ao ambiente como
direito fundamental não consiste na exclusão de uma dimensão por outra, fortalecendo
sim esferas de direitos e interesses diversos. A existência e caracterização do direito ao
meio ambiente como um direito individual não acarreta em qualquer enfraquecimento ou
subversão do ambiente como um bem jurídico coletivo. Em freqüentes eventos há a
conexão e coexistência entre a incidência de lesões ao direito subjetivo ao meio
ambiente (direito individual) e aos interesses difusos ou coletivos envolvidos num dano
ambiental.

2. Os direitos da personalidade na Sociedade do Risco Global


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A Sociedade de Risco, como sociedade produtora de riscos globais, redimensiona a
posição da dignidade da pessoa humana no Direito e, conseqüentemente, os direitos
personalíssimos, face às dimensões globais e intergeracionais dos riscos ambientais por
esta produzidos e distribuídos. Assim, o Direito passa de uma matriz apenas centrada
nos atores envolvidos e na ponderação de interesses (individuais e coletivos) para uma
matriz sistêmica, comunicacionalmente constituída.

Desta forma, há uma transcendência da dimensão meramente individualista e


subjetivamente orientada da dignidade da pessoa humana em direção a um sentido
transindividual, policêntrico e comunicacionalmente orientado. Este deslocamento das
observações e descrições dos direitos da personalidade de uma primeira construção,
fundada no sujeito (individual ou coletivo), para uma orientação comunicacional
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pós-metafísica, acompanha a linguistic turn (viragem lingüística) na superação das
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construções sujeito-objeto em direção a uma formação sistêmica do sentido.
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A dupla racionalidade que permeia o sentido da dignidade da pessoa humana e dos


direitos personalíssimos, orientada sob uma perspectiva subjetiva dos atores sociais e
numa perspectiva fundada comunicacionalmente nos conflitos entre sistemas sociais,
exerce reflexos nas descrições jurídicas do direito fundamental ao meio ambiente.

Neste sentido, José Joaquim Gomes Canotilho, explica que o direito fundamental ao meio
ambiente apresenta uma "sedimentação geológica" e histórica em problemas ecológicos
e ambientais de uma primeira e segunda geração. Para este, a primeira geração de
direitos fundamentais ao meio ambiente diz respeito à prevenção, ao controle da
12
poluição e à subjetivação do direito ao ambiente como direito fundamental.

Já uma segunda geração de direitos ambientais consiste numa reação a problemas


decorrentes dos "efeitos combinados" de várias fontes de contaminação e das suas
implicações globais e duradouras. Esta segunda geração demonstra uma maior
"sensibilização ecológica", mais sistêmica e cientificamente ancorada, fazendo-se
especialmente relevante os aspectos globais e intergeracionais do direito ao meio
13
ambiente.

Em outras tintas, podemos observar que, no Direito na Sociedade de Risco (de natureza
pós-industrial), há o deslocamento da matriz de solução de conflitos fundada apenas
sobre a perspectiva dos atores para uma matriz comunicacional, que se sedimenta sobre
conflitos entre sistemas e suas comunicações (ecológica, jurídica, econômica, política) e
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permite, inclusive, a observação e a construção de vínculos com o futuro. Em síntese,
a própria inserção do sentido transindividual das condições e limites da dignidade da
pessoa humana (atores coletivos) ressalta a importância de uma perspectiva mais
15
sistêmica e comunicacional para lidar com problemas tais como riscos ambientais e
direito das futuras gerações (de pessoas humanas).

Desta forma, uma atenta observação acerca do tema demonstra que o deslocamento de
uma perspectiva meramente subjetiva e individual da dignidade da pessoa humana em
direção a uma dimensão coletiva levará, por sua vez, à centralidade dos sistemas sociais
e à análise destes para a ponderação de interesses e a solução de conflitos entre direitos
fundamentais num contexto de diálogos policontexturais (Direito, Economia, Política,
Ecologia).

O surgimento da Sociedade de Risco emana, face à invisibilidade, à globalidade e à


irreversibilidade de seus riscos, a atribuição de profunda relevância aos interesses das
futuras gerações e sua tutela. Assim, os direitos à vida, ao usufruto da propriedade e à
saúde, em suas condições pessoais e ambientais, devem ser assegurados não apenas às
gerações presentes (como direitos personalíssimos intrageracionais), mas também às
futuras gerações de pessoas humanas (direitos personalíssimos intergeracionais). Esta
equação exige que os direitos personalíssimos das gerações atuais sejam usufruídos de
16
forma compatível com as necessidades das futuras gerações.

Ora, o controle e a atribuição de relevância do comportamento das presentes gerações


para assegurar os interesses das futuras gerações são possíveis somente a partir do
deslocamento do sistema de solução de conflitos fundado apenas em atores para um
sistema centrado comunicacionalmente, formando uma comunicação de risco para a
solução de conflitos intersistêmicos. Neste sentido, dever-se-á, por exemplo, assumir os
limites do exercício dos direitos personalíssimos frente às condições ambientais e aos
interesses das futuras gerações. Em outras palavras, estar-se-á diante da necessidade
de atribuir análises de riscos ambientais, o que, ao seu turno, envolverá a análise dos
custos econômicos presentes e relação aos benefícios ambientais futuros de uma
17 18
atividade, naquilo de que denominamos de intolerabilidade dos riscos ambientais.

É, portanto, condição para assegurar a inserção da tutela das futuras gerações e do risco
ambiental, este deslocamento de um sistema de solução de conflitos fundado apenas nas
disputas entre atores individuais e coletivos, para uma dimensão comunicacional
(sistêmica), sedimentada na ponderação dos riscos, interesses futuros e repercussões
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globais de atividades e tecnologias. Assim, atinge-se uma reflexão comunicacional


fundada na globalidade e, simultaneamente, na diferenciação funcional produzida pelos
sistemas sociais (economia sustentável, direito ambiental, política ambiental).

Portanto, constata-se que, "para ter uma dimensão fundante e fundamentadora


tendencialmente universal, a dignidade da pessoa humana apela a uma referência
cultural e social mas esta referência cultural deve ser relativizada em nome de uma
19
dignidade humana na sociedade-mundo".

Há, assim, uma mutação de uma visão centrada nos atores e na ponderação de
20
interesses individuais ou coletivos, para uma visão sistêmica. Em outras palavras,
este deslocamento demonstra a superação de uma perspectiva jurídica de solução de
conflitos sedimentada em atores (individuais e coletivos) na direção de um sistema
preocupado em lidar com conflitos intersistêmicos, exercendo uma função de integrar os
21
diversos diálogos policontexturais (econômico, político, jurídico etc.) a fim de produzir
22
expectativas normativas para garantir uma dignidade das gerações humanas
23
presentes e futuras. Forma-se, assim, a necessidade de uma eqüidade intergeracional
entre o usufruto das presentes gerações aos direitos personalíssimos (direitos
personalíssimos intrageracionais), sem que isto comprometa os interesses das gerações
futuras (e, conseqüentemente, o exercício destas gerações aos seus direitos
personalíssimos intergeracionais).

3. Considerações finais

O processo histórico de consolidação dos direitos da personalidade, sob a orientação de


garantia da dignidade da pessoa humana, deve servir de fio condutor para a presente
análise acerca das condições, limites e necessidades destes na Sociedade de Risco
Global. Nesta estrutura social, paradoxalmente, o êxito tecnológico da Sociedade lhe
coloca, globalmente, sob constante risco de comprometimento (futuro) das condições
ambientais mínimas para a vida no planeta.

A análise dos direitos personalíssimos e sua garantização devem ser feitas com a devida
atenção aos processos evolutivos sociais e suas repercussões junto ao Direito. Num
primeiro momento, pode ser observado que o Direito, reagindo a uma forma Industrial
da Sociedade, estabelece um sistema centrado nos atores e na ponderação entre
interesses individuais e coletivos, onde se polariza a decisão judicial sobre uma matriz de
relativização recíproca entre direitos subjetivos e interesses transindividuais.

Os direitos personalíssimos são, portanto, trazidos a era da Sociedade Industrial e de


suas relações massificadas, a partir da noção e da orientação principiológica
constitucional de dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, CF/1988 (LGL\1988\3)) e
da sadia qualidade de vida (art. 225, CF/1988 (LGL\1988\3)). Esta última consiste num
importante elemento de desvelamento da relevância das variáveis ambientais para a
garantia e limitação ao exercício dos direitos da personalidade (vida, propriedade,
saúde).

Em face do surgimento de uma nova geração de problemas ambientais, o Direito é


forçado a se ajustar à Sociedade de Risco e às suas demandas, cada vez mais globais e
ameaçadoras. Ancorada em uma matriz sistêmica e cientifica, o Direito Ambiental
provoca o sistema jurídico a deslocar-se de uma matriz fundada nos conflitos entre
atores para um modelo centrado nas interferências intersistêmicas (Direito, Economia,
Política) e na análise, avaliação e gerenciamento dos riscos ambientais. Portanto, os
direitos personalíssimos passam a condicionar e serem condicionados não apenas pelo
comprometimento de seu exercício individual com os interesses transindividuais (meio
ambiente), mas, também, pela necessidade destes serem restringidos e garantidos a um
destinatário futuro (futuras gerações).

Nesta linha de pensamento, os direitos personalíssimos garantidos às gerações


presentes devem ser compatíveis, em seu usufruto, com a sua transferência às futuras
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gerações, o que, em outras palavras, significará a institucionalização de direitos


personalíssimos não apenas intra, mas também, intergeracionais.

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15. CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo
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16. Neste sentido dispõe o art. 225 da CF (LGL\1988\3): "Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações" (grifos nossos).

17. DONIGER, David. The gospel of risk management: should we be converted? In:
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