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Limites, fronteiras e interfaces do espaço urbano

Dimensión pública y
ordenamiento del territorio
informal

Introdução Segundo Sobreira (2007), nos enclaves informais


urbanos, as fronteiras que separam as distintas
A produção do espaço urbano nos assentamen- estruturas sociais também definem diferenças
tos informais não é simplesmente o produto da morfológicas e podem ser definidas como fron-
concentração da pobreza urbana, gerando uma teiras atrativas ou não-atrativas. No primeiro
LPLWDª¦RLQFRPSOHWDHGHéFLHQWHGDVHVWUXWXUDV caso temos as estruturas urbanas que conectam
urbanas tradicionais. Esses espaços, ainda que se a favela à cidade formal, ou seja, avenidas e
autodenominem “comunidades” - numa tentativa ruas que atuam como vias de acesso ao encla-
de enfatizar a convivência entre iguais e a pro- ve, permitindo um fluxo intenso de relações
dução de um espaço, dito, cooperativo - abrigam econômicas, sociais e humanas. Já as fronteiras
um espaço heterogêneo, com fortes tensões inter- não-atrativas são os limites mais ou menos
nas e externas que produzem em seus moradores, intransponíveis que não permitem esta comuni-
e naqueles do entorno direto, diversas possibilida- cação fluida entre os distintos espaços, ou seja,
des de apropriação e pertencimento. linhas férreas, acidentes geográficos, limites de
Tales Lobosco propriedades privadas, etc.
tales@lobosco.com.br Os efeitos territoriais que o pertencimento identitário
às favelas promove no espaço da cidade, estabelece a (VWHVGRLVSDGU¸HVGHOLPLWHVGHéQHPGLVWLQWDV
formação de fronteiras simbólicas e físicas que po- relações com o entorno imediato, e, ainda que a
LAGEAR - Escola de Arquitetura - UFMG -
GHPLUDO¬PGRVOLPLWHVWUDGLFLRQDOPHQWHLGHQWLéFD- proximidade com a pobreza, a violência e a infor-
Belo Horizonte, MG - Brasil
dos com os contornos das ocupações informais. PDOLGDGHGDIDYHODVHMDPVHPSUHLGHQWLéFDGDV
www.ufmg.br - (31) 3409-8801

Palabras clave
FAVELA, TERRITÓRIO, FRONTEIRA, VIOLÊNCIA, ESFERA PÚBLICA

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como fatores negativos, pelas populações de renda
mais elevada, os efeitos desta proximidade podem
variar muito de acordo com o tipo de fronteira
H[LVWHQWHHQWUHHOHV(P/RERVFR  LGHQWLé-
camos, através dos dados censitários de 2000, os
efeitos perceptíveis dos diferentes tipos de proxi-
midade que as populações dos bairros do Leme e
Botafogo experimentavam em relação as favelas
da Babilônia e Santa Marta, situadas na Zona sul
do Rio de Janeiro.

No escopo deste trabalho buscamos aprofundar


esta compreensão, incorporando as possíveis
transformações destas relações estabelecidas
através da implantação das Unidades de Polícia
3DFLéFDGRUDÖ833VQDVGXDVIDYHODV(VWDQRYD
abordagem nos permite vislumbrar, através das
Fig. 1 – Fronteiras espaciais entre a Babilônia e o Leme. Fonte: a partir de LOBOSCO, 2012.
QRYDVUHODª¸HVSRVWDVHPSU¤WLFDDLQêX­QFLDGRV
diferentes fatores como violência, relações sociais
ou relações espaciais, nesta interação. Para este sociais, que, à primeira vista, poderiam ser consi- GHLQêXHQFLDURVLQGLFDGRUHVVRFLRHFRQ·PLFRVGRV
éPLQFRUSRUDPRVRVGDGRVFHQVLW¤ULRVGH deradas invisíveis no espaço. EDLUURVYL]LQKRVHFRPRHVVDLQêX­QFLD¬GHSHQ-
destes espaços, na busca de indícios dos efeitos dente do tipo de fronteira entre os espaços.
destas novas relações que nos permitam trazer Os dados censitários de 2000, nos permitiram
novos dados para a análise destas interações. LGHQWLéFDUQ¦RDSHQDVDPDUFDQWHGLIHUHQFLDª¦R Infelizmente, o tratamento hegemônico dado às
socioeconômica que coexiste lado a lado, entre favelas, pelo IBGE, nos impediu – e impede ainda
Este artigo busca compreender os processos de cidade formal e favela, mas também, os efeitos - de ir mais a fundo e nos debruçar sobre a relação
LQWHUDª¦RHQWUHRVGLVWLQWRVHVSDªRVHDLQêX­QFLD GHVWDSUR[LPLGDGHQRSHUéOGHRFXSDª¦RGRHVSDªR inversa, ou seja, os efeitos da proximidade com a
dos diferentes tipos de barreiras e limites, sejam dos bairros de Botafogo e Leme, no Rio de Janeiro. FLGDGHIRUPDOQRSHUéOVRFLRHFRQ·PLFRGRVPRUD-
elas fronteiras físicas ou simbólicas, econômicas e Ou seja, como a proximidade com a favela é capaz dores das favelas, algo que nossos contatos preli-

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minares e entrevistas indicavam como potencial-
mente existente e perceptíveis através das nítidas
relações de hierarquização existentes na materia-
lidade do espaço construído, nas dimensões e con-
dições de acabamento das moradias e na situação
WRSRJU¤éFDGRWHUUHQRRFXSDGRÛ7RGRVHVVHVID-
tores apontam para uma condição ascendente ao
se aproximar das zonas de contato com a cidade e
descendente em direção às extremidades da ocu-
pação” (LOBOSCO, 2012, p.29).

Limites e interações espaciais

O modo de estruturação das formas de contato


entre os espaços está vinculado ao processo de
produção das favelas nas metrópoles brasileiras e Fig. 2 – Fronteiras espaciais entre o Santa Marta e Botafogo. Fonte: a partir de LOBOSCO, 2012.
fortemente conectado com as estratégias de so-
brevivência postas em prática por estes espaços.
De modo geral, as táticas de sobrevivência das
ocupações informais fazem com que elas surjam
de modo mais esparso e difuso, nem sempre visual Esses processos levam à produção de diferentes tipos mas não existe um caminho ou via conectando-os,
ou diretamente ligados à cidade formal, e confor- de limites e fronteiras entre os espaços formais e in- formando o que Sobreira (2007) chamou de “fron-
PHJDQKDPGLPHQV¦RHVROLGLéFDPVXDPDWHULD- formais na cidade, nos quais as complexas questões teira não-atrativa”. E o contato por continuidade de
lização, tendem a migrar em direção às zonas de VRFLRHVSDFLDLVHQYROYHPQ¦RDSHQDVGLéFXOGDGHV traçado - quando os espaços se conectam por meio
contato direto com a cidade formal1. HVSDFLDLVHJHRJU¤éFDVPDVVRFLDLVHKLVW¶ULFDVQD de uma via de acesso, gerando internamente à favela
sua construção. Assim, dentre as múltiplas formas de uma “fronteira atrativa” e, externamente a ela, uma
1 A este respeito ver em Lobosco, 2011, o processo de condensação das interação e contato, ressaltamos mais marcadamen- “zona de transição” que são espaços da cidade formal
ocupações e “migração” em direção das linhas de contato com a cidade,
dinâmica que é responsável pela formação das situações expostas neste
te o contato apenas visual: quando os espaços pos- bastante transformados no longo e intenso processo
artigo. suem grande proximidade exposição visual mútua, de interação estabelecido (Figs. 1 e 2).

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As fronteiras e a percepção do “outro”

Ainda que as “fronteiras” e linhas divisórias da


sociedade se inscrevam fortemente no território, o
processo de produção do espaço urbano é bastante
dinâmico, e as relações de proximidade e contato
exercem forças entre estes espaços, que podem
transformas fronteiras nítidas em territórios mais
complexos.

Assim, nas situações de fronteiras não-atrativas,


onde o contato visual pode ser intenso, mas não Fig. 3 - Indicadores de renda, evidenciando os tipos de fronteiras e interações existentes entre o bairro formal e a favela. Fonte: Censo IBGE, 2000.

existe um acesso físico conectando os espaços, a


caracterização como favela ou cidade formal per- tante do processo descrito por Elias (2003) como a àqueles do grupo forasteiro se soma ao temor de um
manece clara e distinta, enquanto nas fronteiras relação entre “estabelecidos e outsiders”. contato mais estreito possa contaminá-los, assim se
atrativas, a continuidade do traçado parece ter estabelece um padrão comportamental de evitação
sido palco de forte interação social e econômica Os membros dos grupos mais fortes, em termos de do contato social com membros do grupo estigma-
se desenvolvendo ao longo do período de coexis- SRGHUVHLGHQWLéFDPFRPXPDHVS¬FLHGHYLUWXGH tizado. “O grupo estabelecido se vê impelido a re-
tência, capazes de transformar ambos os espaços, compartida por seus elementos (que os outros não pudiar todo aquele que percebe como uma ameaça
criando uma transição complexa e com limites possuem) e, se amparam em uma relação forjada tanto à sua superioridade de poder [...] quanto a sua
êXLGRVHLPSUHFLVRV entre seus elementos, a partir de um conjunto de superioridade humana” (ELIAS, 2003, p.247).
normas e princípios básicos partilhados para a ma-
Nestas situações de maior interação, o evidente des- nutenção da ordem estabelecida. Assim, o temor em 1HVWDVVLWXDª¸HVDEXVFDSRUXPDGHéQLª¦RRXD
equilíbrio de poder, somado às tensões que lhe são relação às favelas, se soma ao questionamento do repulsa aos marcadores dos territórios ou das popu-
inerentes pela convivência próxima, em um traçado “direito” de ocupação daquele espaço que parece lações informais parece se acentuar, mas, ao mesmo
contínuo, agravados pela suavização dos marcadores ameaçado pela expansão da ocupação informal. WHPSRDIDOWDGHXPDGHéQLª¦RFODUDVREUHRSHU-
de pertencimento a um, ou outro, lado, percebemos Assim, a aversão, desdém ou ódio sentido pelos tencimento desta população, parece impulsionar
o surgimento de relações que se aproximam bas- membros de um grupo estabelecido em relação essas áreas em direção ao grupo estigmatizado.

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tuto jurídico e situação fundiária serem claramente
determinados e diferenciados (LOBOSCO, 2012).

Paralelamente, nas situações em que tínhamos


grande proximidade física, e contato visual intenso,
mas através de fronteiras não-atrativas, ou seja, sem
acesso físico direto entre os espaços, percebemos que
RVHVSDªRVQ¦RVHLQêXHQFLDYDPDSRQWRGHDOWHUDUR
SHUéOVRFLRHFRQ·PLFRVGDVSRSXODª¸HVOLQGHLUDV )LJ
6). Aparentemente a situação de clareza quanto ao
pertencimento territorial impediu, ou limitou forte-
PHQWHDVLQêX­QFLDVP½WXDVHQWUHRVGRLVHVSDªRV

)LJH5XDQDÛ]RQDGHWUDQVLª¦RÜHQWUH%RWDIRJRHR6DQWD0DUWDPRVWUDQGRRVVLQDLVGHLQIRUPDOLGDGHTXHVHLQWHQVLéFDP£PHGLGDTXHQRV A proximidade intensa acaba, portanto, não produzindo uma


aproximamos da favela. Fonte: foto do autor.
VXDYL]Dª¦RGRVOLPLWHVXUEDQRVPDVDSHQDVXPDLQWHQVLéFDª¦R
$VVLPRSHUéOVRFLRHFRQ·PLFRGDVUHJL¸HVHVWX- porcionada pelas vias de acesso entre os bairros e a das tensões locais pela aguda desigualdade social exposta, face
GDGDVLGHQWLéFDGRDSDUWLUGRVGDGRVFHQVLW¤ULRV IDYHODSDUHFHPHVWLPXODUDVLQWHUDª¸HVHLQêX­QFLDV a face (LOBOSCO, 2012, p.29).
de 20002 (IBGE 2000) nos revela que os diferentes mútuas, produzidas na fronteira “atrativa”, entre
tipos de contato produzem diferentes interações e, estes territórios, gerando um espaço de “transição” Estas áreas se caracterizam por uma grande proxi-
consequentemente, distintas transformações nos com indicadores socioeconômicos intermediários midade física, associada a um contato visual direto
SHUéVVRFLRHFRQ·PLFRGDVSRSXODª¸HVDIHWDGDV HQWUHRVSHUéVGREDLUURHGDIDYHOD )LJ  HLQWHQVRPDVTXHDVOLPLWDª¸HVWRSRJU¤éFDVH
(LOBOSCO, 2012). JHRJU¤éFDVLPSHGHPRGHVORFDPHQWRHRDFHVVR
$IDOWDGHOLPLWHVFODURVGHéQLQGRFDGDWHUULW¶ULR nesta direção, deixando claro os limites de cada
2VJU¤éFRVQRVSHUPLWHPDYHULJXDUDO¬PGDSUHYL- RXVHMDDGLéFXOGDGHGHVHGHWHUPLQDURÛSHUWHQFL- espaço e seu consequente pertencimento social.
sível disparidade socioeconômica entre a favela e o mento” de cada população diante de limites que se Assim, apesar do frequentemente incômodo da
bairro, que as situações de continuidade física pro- WRUQDPêXLGRVSHODJUDQGHLQWHUDª¦RHQWUHDIDYHOD presença do outro, esta condição parece ser su-
e a cidade, acaba criando uma “área de transição”, éFLHQWHSDUDOLPLWDUDLQêX­QFLDGDSUHVHQªDGD
2 As coletas de dados realizadas pelo IBGE, para o Censo 2000, ocorreram através de um gradiente de indicadores socioeconô- IDYHODQRSHUéOVRFLRHFRQ·PLFRGRORFDO
entre 1º de agosto e 30 de novembro do ano 2000. micos entre os espaços (Figs. 4 e 5). Apesar do esta-

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FDPRVLGHQWLéFDUVHHVWDVDOWHUDª¸HVVHWUDGX]HP
em um novo padrão de interação espacial, capaz de
se inscrever no território da cidade.

Diante da explosão, real ou midiática, do crime e da


violência na cidade, a sociedade formal elaborou
sua reação através de uma “demanda crescente por
ordem, baseada no diagnóstico de um insuperável
FRQêLWRVRFLDOHQDLQFDSDFLGDGHLQVWLWXFLRQDOGHOL-
dar com ele” (ZALUAR, 2006, p.215). Assim, a exigên-
FLDGHPDLRUHéFL­QFLDQRFRQWUROHVRFLDODVVRFLDGD
à maior dureza das ações policiais tinham como alvo
imediato as favelas, que eram vistas como abrigo
do crime e como “lugares prenhes de uma violência
descontrolada” (MACHADO DA SILVA, 2008, p.14).

(YLGHQWHPHQWHXPDÛSRO°FLDSDFLéFDGRUDÜV¶¬QH-
cessária nas áreas onde não há paz, e é perceptível
Fig. 6 - A grande proximidade visual entre o Leme e a Babilônia não produz sinais evidentes da interação entre os espaços formais e informais. Fonte:
foto do autor. que se volta aos territórios da pobreza: “o resultado
é que as UPPs contêm, na prática, uma dimensão de
reforço à secular dualização da cidade, que deu mar-
A violência e as UPPs Assim, tendo em vista o conjunto de transfor- gem ao título do conhecido livro de Zuenir Ventura,
mações sociais e políticas induzidas pela im- ‘cidade partida’. Em outras palavras, pelo menos em
Além das relações de pertencimento e alteridade, SODQWDª¦RGDV8QLGDGHVGH3RO°FLD3DFLéFDGRUDV parte as UPPs são o oposto do que pretendiam ser”
com as respectivas materializações territoriais for- 833VQHVWDVORFDOLGDGHVEXVFDPRVLGHQWLéFDU (MACHADO DA SILVA, 2010, p.2).
mais e informais, entendemos que a violência, seja e compreender de que forma as transformações
ela real ou midiática, pode ser também um fator TXHRSURFHVVRGHÛSDFLéFDª¦RÜSURGX]LXQHVWDV Se por um lado, as alterações trazidas pelas UPPs
preponderante nas relações estabelecidas nestas RFXSDª¸HVDOWHUDPRVSHUéVVRFLRHFRQ·PLFRVDV parecem ser portadoras de grande efetividade na
fronteiras. relações simbólicas entre os espaços. Ou seja, bus- tarefa do rompimento dessas barreiras simbólicas,

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que se ergueram entre a favela e cidade, por ou- para aquelas consideradas favelas “diferentes das que tinham por estes espaços e se aventurassem
tro lado, a mesma responsabilidade foi por muito outras” (ROCHA, 2013). em eventuais visitas turísticas aos mirantes dos
tempo delegada aos projetos de urbanização e “morros”. Aqui não se opera efetivamente uma
infraestrutura realizados nas favelas. Buscava-se Se a costura social ainda resta a ser comprovada, é aproximação, mas, a transformação do medo em
realizar uma “costura” através de uma ação focada marcante o massivo apoio que a iniciativa encon- curiosidade, se juntando a um movimento que
na estrutura física do espaço. trou na mídia, na qual constantes matérias sobre o explora voyeurísticamente estes espaços como
éPGRWU¤éFRDUPDGRVREUHRVGLUHLWRVHFLGDGDQLD locus de uma pobreza turística, “uma pobreza
Nesta proposta de atuação, acreditava-se que as ampliados e sobre a valorização dos imóveis nas emoldurada, anunciada, vendida e consumida com
intervenções urbanas seriam capazes de estabe- favelas e nos bairros circundantes se debruçam um valor monetário acordado entre promotores
lecer a diluição das fronteiras, físicas e simbóli- sobre a questão, expondo detalhadamente a e consumidores em diferentes partes do mundo”
cas, ao romper com as barreiras de acessibilidade, transformação na vida nas favelas, a recepção da (FREIRE-MEDEIROS, 2010, p.34).
conectando, mesmo que minimamente, as es- população local e os desdobramentos possíveis no
truturas viárias, aparentemente incompatíveis. morro e no asfalto.
Assim, através da incorporação de elementos do A marca das UPPs
urbanismo formal e alguns marcos ordenadores (VWDFREHUWXUDHVWLPXODXPDFRQéDQªDGHVSUR-
seríamos capazes de inscrever alguma regula- vida de maiores questionamentos, ampliando as Ao associar a mistura social com desarmonia
ridade morfológica nas áreas de informalidade, expectativas positivas quanto à segurança a toda a ou desordem a vida coletiva e a esfera pública
acreditando que estas transformações pontuais população da cidade: “o que sustenta o entusiasmo passam a ser evitadas por serem o local do im-
seriam capazes de desenvolver, por si só, um am- acrítico com as UPPs é a esperança de uma cidade previsível, do perigo e da violência. Gerando uma
plo processo de integração urbana e social (MA- calma e serena, que é o outro lado do medo do sociabilidade que busca controlar ou evitar os-
GALHÃES, 2004). vizinho que há décadas nos assola a todos” (MA- tensivamente qualquer possibilidade de interação
CHADO DA SILVA, 2010, p.1). com o outro, e, diante de sua impossibilidade, se
Em um caminho similar, a redução da percepção do enclausura e rejeita a esfera pública (CALDEIRA,
risco e da violência, promovida pela retomada do Se este panorama ainda parece um tanto utó- 1997; KOWARICK, 2009).
controle territorial e pela eliminação da violência pico, principalmente se levarmos em conta o
ostensiva dos grupos armados nas comunidades “desmante” das UPP realizado a partir de 2018, a Com isto, renovam-se os estigmas, cresce a des-
ocupadas, busca alterar a percepção que tradicio- propagada maior “proximidade” entre estes dois FRQéDQªDUHF°SURFDHVHDSURIXQGDPDVGLVW¥QFLDV
nalmente vincula indissociavelmente violência e espaços que faz com que os moradores da cidade VRFLDLVHQéPRVM¤UDURVFRQWDWRVLQWHUXPDQRV
pobreza, se não para todas as favelas, ao menos formal, perdessem temporariamente o temor (SIMMEL, 1976) tornam-se entrincheiramentos, os

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aparelhos de segurança passam a ser vistos pelas
classes mais abastadas como verdadeiros dispo-
VLWLYRVGHFRQéQDPHQWRGRVTXDLVQ¦RVHHVSHUD
mais a regulação dos intercâmbios e relações de
classe, mas sim o evitar de encontros entre des-
conhecidos, especialmente o contato entre circui-
tos sociais distintos, por meio de repressão intensa,
cotidiana e generalizada: “em outras palavras,
na atualidade o medo produz expectativas e de-
mandas de segurança contra e não com os outros”
(MACHADO DA SILVA, 2008, p.14).
Fig. 7 - Indicadores de renda, evidenciando os tipos de fronteiras e interações existentes entre o bairro formal e a favela. Fonte: Censo IBGE, 2010.
Diante desta situação, buscamos compreender a in-
êX­QFLDGDYLRO­QFLDUHDORXPLGL¤WLFDQDLQWHUDª¦R
entre estes espaços. Ou melhor, como a redução da Na área de estudo, as UPPs foram instaladas em SURFHVVRVXUEDQRVHPFXUVRQRVSHUéVHFRQ·PLFRV
percepção da violência pode alterar as relações ins- dezembro de 2008 (Santa Marta) e em junho de dos espaços analisados (Fig. 7).
critas, por décadas, no território da cidade ao longo 2009 (Babilônia/Chapéu-Mangueira) e os dados
de fronteiras sociais, econômicas e físicas. censitários de 2010 foram coletados pelo IBGE $DQ¤OLVHGRVJU¤éFRVDSUHVHQWDGRVQRVSHUPLWH
entre 1º de agosto e 30 de outubro de 2010. Cer- perceber, sem nenhuma surpresa, que a relação de
$VVLPEXVFDPRVDFRPSDUDª¦RGDVLQêX­QFLDV tamente, o curto espaço de tempo, entre 23 e 14 distanciamento econômico entre as áreas formais e
socioeconômicas percebidas nestes espaços, no meses, é um grande limitante para a inscrição no informais permanecem inalteradas, demonstrando
intervalo de 10 anos compreendido entre os le- território do efeito destas ações, entretanto po- TXHDVUHODª¸HVKLHU¤UTXLFDVQ¦RIRUDPLQêXHQFLDGDV
vantamentos censitários de 2000 e 2010, período GHPVHUVXéFLHQWHVSDUDDSRQWDUGLUHª¸HVHSHU- e os espaços extremos ainda continuam ocupando
que abarca o processo de “retomada territorial” mitir inferir algumas conclusões preliminares que as mesmas posições relativas no escopo social.
SURPRYLGRSHODSRO°WLFDGHÛSDFLéFDª¦RÜ$DQ¤OLVH permitam direcionar novos estudos a respeito.
EXVFDLGHQWLéFDUDVDOWHUDª¸HVSURPRYLGDVQDHV- Também podemos perceber que os efeitos da
WHLUDGHVWDVWUDQVIRUPDª¸HVTXHVHMDPVLJQLéFD- Para efeitos comparativos, levantamos o mesmo proximidade apenas visual entre os espaços conti-
WLYDVRVXéFLHQWHSDUDTXHSRVVDPWHUVXDVPDUFDV conjunto de dados a partir do censo de 2012, bus- QXDPQ¦RSURGX]LQGRQHQKXPDDOWHUDª¦RVLJQLé-
impressas no território. FDQGRLGHQWLéFDURVHIHLWRVGDVWUDQVIRUPDª¸HVH FDWLYDQRVSHUéVHFRQ·PLFRVGHVWHVHVSDªRV

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Entretanto, a leitura dos dados relativos às “zonas de WUHDVGXDVFROHWDVGHGDGRVWHUHPRVXPDLQêDª¦R social, econômica e simbolicamente de maneira
transição” nos mostra uma situação diferente. No le- média entre 89 e 124%3, ao mesmo tempo que o bastante díspar. Assim a contiguidade territorial é
vantamento inicial, a partir dos dados do censo 2000, salário mínimo sofreu um aumento de 238%. percebida pela cidade formal como uma proximi-
RVJU¤éFRVFRUUHVSRQGHQWHVDRVSHUéVVRFLRHFRQ·- dade perigosa, através da qual se manifestariam os
micos das “zonas de transição”, embora se encon- Assim, os dados preliminares indicam que a intensa riscos de “contaminação”, fruto do contato intenso
trassem em uma posição intermediária entre os dois exposição midiática de uma “nova realidade” nos entre eles, ou de uma violência prestes a “transbor-
espaços, apresentavam uma conformação bastante HVSDªRVGDVIDYHODVOLYUHVGRFRQWUROHGRWU¤éFR dar sobre a cidade”. Desta forma, a cidade formal
próxima daquela apresentada pelo bairro formal. não foi capaz de suplantar o processo de interação demonstra seu desconforto diante de tais vizinhos e
espacial em curso, através do qual o forte contato se esforça em prol de uma diferenciação clara, atra-
Já no levantamento do censo 2010, essas curvas, com a população favelada promove uma suavi- vés da ativação de processos de controle social e de
ainda que mantenham uma condição intermediária ]Dª¦RGDVIURQWHLUDVHXPDVLWXDª¦RGHLQGHéQLª¦R regulação dos contatos, buscando impedir a perda
entre as áreas formais e informais, apresenta um que é percebida pela cidade formal como muito do seu poder relativo (ELIAS, 2003).
SHUéOPXLWRPDLVSU¶[LPR£TXHOHHQFRQWUDGRQDV próxima à da favela.
áreas informais. A análise dos dados encontrados e principalmente
VXDHYROXª¦RGLDQWHGDWHQWDWLYDGHUHVVLJQLé-
Esta situação indica que o processo de “suavi- &RQVLGHUDª¸HVéQDLV cação imagética da favela, buscando a quebra do
zação” do estigma através do controle da violência, vínculo permanente entre favela e violência, nos
HDUHGXª¦RGRPHGRTXHDÛSDFLéFDª¦RÜSRGHULD A continuidade do traçado viário promove a facili- indica que os estigmas, associados à pobreza e
promover, não surtiu o efeito esperado de aproxi- dade de acesso e mantém ativos os canais de arti- informalidade urbanas são rigidamente enraiza-
PDª¦RFRPRSHUéOGDFLGDGHSULQFLSDOPHQWHVH culação entre estes espaços, situados nos extremos das no imaginário e no corpo social da população
levarmos em conta que o estatuto jurídico e fun- opostos da esfera social, e permite à população da e não se pautam apenas no temor da violência ou
diário destas áreas é o mesmo da cidade formal. favela se utilizar do capital localizacional criado a na disparidade da infraestrutura urbana. O abis-
partir de sua implantação em uma área com boa mo social continua produzindo sólidas barreiras
Adicionalmente é possível perceber uma alteração LQIUDHVWUXWXUDHVLJQLéFDWLYDSUHVHQªDGHVHUYLªRVH sociais e simbólicas ao redor da população infor-
JOREDOQRVJU¤éFRVFRPXPDSDUHQWHGHVORFDPHQ- oferta de emprego. Mas, ao mesmo tempo obriga à malmente estabelecida da cidade.
to em direção aos valores de menor renda, mas coexistência de populações que se percebem como
devemos levar em consideração que os levanta- Novamente, assim como as intervenções na in-
mentos econômicos do IBGE são elaborados em re- 3 $LQêDª¦RPHGLGDQRSHU°RGRIRLGHVHJXQGRR,3&$VH-
fraestrutura e urbanização das favelas produziram
ferência ao salário mínimo, e que no intervalo en- gundo o INPC e 124,62% segundo IGPM. HIHLWRVPHQRVVLJQLéFDWLYRVTXHRHVSHUDGRWDQWR

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na costura do espaço social urbano, o projeto de Outro ponto importante a ser observado é que, Sociológicas, 104 (03), 219-251.
controle territorial experimenta a mesma situação. paralelamente à implantação das UPPs, um grupo
de ações urbanísticas e de acessibilidade foi posto Freire-Medeiros, B. (2010) Entre tapas e beijos: A favela turística
Evidentemente devemos levar em conta o curto em prática em ambas ocupações, promovendo na perspectiva de seus moradores. Revista Sociedade e Estado,
espaço de tempo para que os efeitos possam ser XPDVLJQLéFDWLYDPHOKRUDGDLQIUDHVWUXWXUDXU- 25 (1), 33-51.
SHUFHELGRVQRVLQGLFDGRUHVVRFLDLVDéQDO¬QH- bana em alguns pontos da favela. Soma-se assim,
cessário superar um estranhamento forjado por uma condição de percepção de segurança a uma ,%*(  &HQVR'HPRJU¤éFR5LRGH-DQHLUR,%*(
décadas a partir do “medo do outro” e da violência melhoria das condições de habitabilidade, provo-
simbólica. Adicionalmente é necessário lidar com cando um forte aumento da atratividade interna ,%*(  &HQVR'HPRJU¤éFR5LRGH-DQHLUR,%*(
DGHVFRQéDQªDIUHQWHDVDª¸HVGR(VWDGRH[SHUL- dos espaços das favelas analisada. Deste modo,
mentada nas áreas informais, seja pelo entendi- embora não abordado no escopo deste trabalho, Kowarick, L. (2009) Viver em risco: sobre a vulnerabilidade so-
mento dos reais motivos pelos quais as ações são GXUDQWHDVSHVTXLVDVSXGHPRVYHULéFDULQG°FLRVGH cioeconômica e civil. São Paulo: Editora 34.
postas em prática, como pelo tradicional abandono um aumento na pressão por espaços de moradia,
das ações após algum período de tempo, o que pa- o que parece provocar no Santa Marta o início de Lobosco, T. (2013) Muros Físicos e Simbólicos: Fronteiras e Terri-
rece se repetir, com a forte decadência do projeto um processo de expulsão branca e na Babilônia um torialidade no Espaço Urbano Informal. Cadernos PPG-AU, 11(1),
GDV833VSHUFHELGRDSDUWLUGRéQDOGH forte adensamento (LOBOSCO, 2011), através da 29-46.
ocupação dos poucos espaços livres ainda dispo-
Também poderíamos considerar a intensiva pu- Q°YHLVHVVHSURFHVVRSRGHVHUYHULéFDGRSHODIRUWH Lobosco, T. (2012). Territórios e Fronteiras na Ocupação Informal
blicidade em torno das favelas, que podem ter variação na população do espaço, que, segundo o do Espaço Urbano. Cadernos do Proarq, 1 (18), 17-38.
FRQWULEX°GRSDUDTXHéFDVVHPPDLVÛYLV°YHLVÜQR IBGE (2000 e 2010) quase dobrou no período.
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pautaram a produção destes espaços, seja pelas
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