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A Era Vargas: Uma Análise Marxista do Trabalhismo Brasileiro

Introdução – Em Defesa de uma Análise Materialista


Em meados da Crise da Bolsa de Valores, em 1929, que abalou as estruturas do
capitalismo mundial, surgem, sobretudo na América Latina, governos de caráter
nacionalista, altamente populares, com um projeto de desenvolvimento baseado na
substituição de importações (como forma de estimular o mercado consumidor interno),
que apareceram como uma contraposição tanto ao capitalismo liberal, quanto ao
socialismo soviético.
Dentre tais governos, se destacam Lázaro Cárdenas no México (1934-1940), Juan
Domingo Perón na Argentina (1946-1955) e Getúlio Vargas no Brasil (1930-
1945/1951-1954), chamados erroneamente (como deixaremos claro em breve) de
populistas. Por anos, historiadores, jornalistas e militantes, buscaram analisar e
compreender o caráter de tais regimes, utilizando-se muitas vezes, de compreensões
equivocadas para tal.
O presente artigo, escrito pelos moderadores da página O Lado Vermelho da História,
busca fornecer uma análise marxista de tais regimes, para determinar o seu papel na
história. Devido a quantidade de materiais disponíveis em nossa língua, iremos nos
concentrar no governo getulista, apenas citando os outros dois para comparação, mas já
adiantamos que essa análise irá responder por ambos os regimes.
Dentre as análises simplistas padrões, advindas das forças progressistas de nosso país,
(não nos encarregaremos de abordar e refutar as visões das forças conservadoras e
reacionárias sobre o assunto, devido a tamanha estupidez teórica presente em tais
análises) tanto em partidos políticos quanto por historiadores, estão no que chamaremos
da “esquerda udenista” e “esquerda getulista”: os primeiros, argumentam que o papel de
Getúlio na história do Brasil foi, na maior parte, de todo o mau, visto se tratar de um
ditador fascista, de extrema direita, que reprimiu milhares de pessoas em sua ditadura
estado novista, perseguiu os comunistas, e portanto, se encontra na lata de lixo da
história. A esquerda getulista, como o nome sugere, defende o legado de Getúlio: se
trata sobretudo de um “pai dos pobres”, um líder louvável que deu direitos aos
trabalhadores e que fez de tudo pelo seu povo, se suicidando e adiando um golpe
fascista, que iria ocorrer 10 anos depois.
O motivo de chamarmos tais análises de “udenista” e “getulista”, é justamente, por
ambas serem na verdade, meras propagandas de tais entidades referidas. A primeira,
repete a propaganda utilizada pela UDN, Carlos Lacerda, Globo, e vários órgãos
antigetulistas. A segunda, beira a propaganda do Estado Novo, ufanista e romântica,
usada para consagrar a imagem de Getúlio como “pai do povo brasileiro”. Descartamos
ambas as análises. Como marxistas, devemos analisar a Era Vargas sob o prisma do
materialismo dialético. E de que forma fazer isso? Um conjunto de documentos,
produzidos pelo professor Fausto Arruda e publicado no Jornal A Nova Democracia,
chamado “Getúlio ou a consolidação do capitalismo burocrático no Brasil”, sobretudo
sua parte VI “o lugar de Getúlio Vargas na história”, avança em muito nessa análise –
apesar de discordarmos veementemente da conclusão que ele oferece.
O autor parte do pressuposto de que, para analisar o caráter e o papel de Getúlio Vargas
na história, é necessário analisar a qual classe servia: Afinal, Getúlio estaria ao lado da
revolução ou da contrarrevolução? E ainda mais, foi Getúlio o responsável por
consolidar em nosso país o que se chama de capitalismo burocrático - um capitalismo
empurrado pelo imperialismo, que mantém as relações de produção dependentes e
alinhadas ao latifúndio e ao capital externo - ou Getúlio teria combatido tal sistema, e
tentado construir um capitalismo independente do imperialismo e aliado aos setores
progressistas do país? Essas são perguntas cruciais para uma análise materialista do
regime getulista, que serão respondidas ao longo do texto.
Um último adendo, antes de iniciar. Gostaríamos de deixar claro que rejeitamos o
termo, cunhado historicamente, por “populismo”. Tal termo, geralmente utilizado por
historiadores liberais, serve apenas a uma campanha de difamação e propaganda, tal
qual o conceito “totalitarismo”, que foi criado unicamente para comparar a Alemanha
nazista a União Soviética (uma comparação que deixa os mais cuidadosos
desconfiados). Em um curso de introdução ao pensamento marxista, o professor José
Paulo Netto, ao criticar a suposta “ciência política” que cunhou o termo “totalitarismo”,
discorre um pouco sobre o “populismo”: “essa mesma ciência política que cunhou o
conceito de populismo, que explica Franco, Videla, Perón, Vargas, Garotinho, Brizola.
Suspeitem por favor desse tipo de clichê, que não significa nada. São pérolas do
cretinismo sociológico.”
Dito isto, vamos ao artigo.
Uma Breve Análise de Classes da Sociedade Brasileira – Quem são os nossos
inimigos? Quem são os nossos amigos?
Para determinar qual classe social Getúlio Vargas representou, precisamos, antes de
tudo, fazer uma análise de classes da sociedade brasileira, e assim, identificar quais
classes são inerentemente reacionárias e potencialmente revolucionárias. De acordo com
o teórico marxista Mao Tse-tung:
“Quem são os nossos inimigos? Quem são os nossos amigos? Esse
problema é de importância primordial para a revolução. A razão básica
por que as anteriores lutas revolucionárias na China obtiveram tão fracos
resultados está no facto de não se ter sabido fazer a união com os
verdadeiros amigos para atacar os verdadeiros inimigos. O partido
revolucionário é o guia das massas, não podendo, portanto, a revolução
alcançar a vitória se este as conduz por uma via errada. Para não
dirigirmos as massas pela falsa via, para estarmos seguros de alcançar
definitivamente a vitória na revolução, devemos prestar atenção à
unidade com os nossos verdadeiros amigos para atacar os nossos
verdadeiros inimigos. Para distinguir os verdadeiros amigos dos
verdadeiros inimigos, impõe-se proceder a uma análise geral da situação
económica das distintas classes da sociedade chinesa, bem como da
atitude que estas tomam frente à revolução.” (ZEDONG, 1926)
Devido ao caráter didático que pretendemos dar a esse artigo, não iremos fazer uma
grande análise pautada em argumentos históricos. Podemos dizer, sumariamente, que
entre as classes sociais brasileiras, estão principalmente: o proletariado, o campesinato,
a pequena burguesia, a média burguesia (ou burguesia genuinamente nacional) e a
grande burguesia, ou burguesia burocrática e exportadora. A partir disso, devemos
determinar, como Mao corretamente afirmou, quem são nossos inimigos e quem são
nossos amigos.
Podemos afirmar, a partir de uma análise materialista, que a classe do proletariado, do
campesinato e das pequena e média burguesias, tem uma tendência progressista a servir
a revolução democrática, contra o imperialismo e a grande burguesia burocrática (aqui
ainda não falamos de uma revolução socialista, e sim da revolução democrática que
precede a revolução socialista, importante salientar). Mas o leitor pode se perguntar: por
que a burguesia nacional se juntaria a revolução, sendo esta reacionária? Isso é
facilmente explicado a partir da análise das contradições da sociedade: em nosso país,
devido ao caráter semifeudal e semicolonial das relações de produção, a principal
contradição existente é entre os elementos nacionais e progressistas x o imperialismo e
seus lacaios. O líder soviético Joseph Stalin disserta sobre isso em seu histórico artigo
“Sobre o Problema da China”:
“Consiste em estabelecer uma rigorosa diferença entre a revolução nos
países imperialistas, nos países que oprimem outros povos, e a revolução
nos países coloniais e dependentes, nos países que suportam a opressão
imperialista de outros Estados. A revolução nos países imperialistas é
uma coisa: neles, a burguesia é a opressora de outros povos; neles, a
burguesia é contrarrevolucionária em todas as etapas da revolução; neles,
falta o fator nacional como fator da luta emancipadora. A revolução nos
países coloniais e dependentes é outra coisa: neles, a opressão
imperialista de outros Estados é um aos fatores da revolução; neles, essa
opressão não pode deixar de afetar também a burguesia nacional; neles,
em determinada etapa e durante determinado período, a burguesia
nacional pode apoiar o movimento revolucionário de seu país contra o
imperialismo; neles, o fator nacional, como fator da luta pela
emancipação, é um fator da revolução. Não fazer essa distinção, não
compreender essa diferença, identificar a revolução nos países
imperialistas com a revolução nos países coloniais, tudo isso significa
desviar-se do caminho marxista, do caminho leninista, e situar-se no dos
partidos da II Internacional.” (STALIN, 1927)
Dessa forma, é necessário, como afirmado por Stalin, diferenciar a grande burguesia
burocrática da burguesia genuinamente nacional. Segue uma citação do artigo “A
mistificação burguesa do campo e a atualidade da revolução agrária”, também escrito
pelo Jornal A Nova Democracia:
“Chamamos atenção para a conceituação distintiva de burguesia
burocrática e burguesia nacional. A primeira grande burguesia brasileira
atada ao latifúndio e ao imperialismo, composta de duas frações básicas,
a burocrática propriamente dita e a compradora. A segunda, que é média
burguesia ou burguesia genuinamente nacional. Burguesia nacional ou
média burguesia, cujo duplo caráter determinado por sua condição de
oprimida pela grande burguesia lacaia e pelo imperialismo de um lado, e
por outro, pelo temor à classe operária e à revolução, a faz uma classe
vacilante, inconsequente e totalmente incapaz de encabeçar a revolução
democrático-nacional inconclusa e pendente.” (AND, 2002)
A partir desta breve análise das classes brasileiras, podemos voltar a pergunta
introdutória: afinal, Getúlio esteve ao lado da revolução, junto a ascendente burguesia
nacional, ao proletariado e ao campesinato, ou ao lado da contrarrevolução, junto
burguesia rentista e burocrática, e do latifúndio?
Para o professor Fausto Arruda, Getúlio Vargas serviu a classe burocrática e rentista,
serviu ao latifúndio e ao imperialismo, e consequentemente consolidando o capitalismo
burocrático no Brasil. Como já dito, nós discordamos dessa análise, e iremos discorrer,
baseado em documentos históricos do período, uma outra possível análise do que foi, de
fato, a Era Vargas.
A Formação Ideológica de Getúlio – Um Fascista Reacionário ou Positivista
Progressista?
Para iniciar uma análise da classe social a qual Getúlio Vargas servia, é interessante
constatarmos quais eram suas ideias: o que defendia Getúlio, e de que forma isso pode
ser relacionado a suas políticas posteriores? Uma abordagem inicial sobre a formação
política e ideológica de Getúlio Vargas, desde seus anos de formação até sua
consolidação como chefe de estado, não é difícil de ser analisada. O gaúcho era
influenciado por uma corrente muito popular na época chamada Castilhismo – fundada
pelo político Júlio de Castilhos, adotada pelo Partido Republicano Rio-Grandense. Não
iremos nos estender explicando cada ponto dessa ideologia, mas nos limitaremos a dizer
que é uma adaptação do positivismo, mesclada com o trabalhismo, à realidade
brasileira.
A partir disso, muitos afirmam, como prova material, que Getúlio Vargas era
reacionário. Afinal, o que há de mais reacionário que um positivista, que faria qualquer
coisa em nome da manutenção da “ordem”, incluindo a repressão de operários em nome
das oligarquias? Esse tipo de análise, entretanto, ignora que uma determinada ideologia,
pode se manifestar de diferentes formas em determinadas realidades. É sabido que, na
França e em boa parte do mundo, o positivismo se manifestou de forma abertamente
reacionária, reprimindo as aspirações revolucionarias do proletariado internacional.
Entretanto, como nos mostra o historiador marxista Eric Hobsbawm, em sua obra “A
Era dos Impérios”, apesar do positivismo ter se degenerado em aberração reacionária
nos países europeus, em países em desenvolvimento – sobretudo Turquia, México e
Brasil – o positivismo se manifestou de forma revolucionária, responsável por
impulsionar a abolição da escravatura (vale lembrar que, antes da Lei Áurea, Júlio de
Castilhos já havia libertado 90% dos escravos de Rio Grande sem indenização aos
escravistas); a fundação da República Federativa do Brasil, derrubando a velha
monarquia; e posteriormente, com a Revolução de 30 (apesar de Hobsbawm não citar,
poderíamos elencar aqui o Tenentismo, cuja maior parte dos militares envolvidos
tinham alta influência positivista). Ainda poderíamos acrescentar os avanços
conquistados por certos presidentes de influência castilhista da República Velha (como
Borges de Medeiros, no Rio Grande) que buscaram ampliar a questão trabalhista no país
e até manifestaram apoio a Greve de 1917. (RIBEIRO, 2002)
Poderíamos discutir aqui ainda sobre os próprios posicionamentos progressistas de
Comte, fundador do positivismo, que sempre admirou e manifestou apoio aos
movimentos socialistas de sua época, mas isso é irrelevante para o presente artigo.
Tais aspectos progressistas do positivismo brasileiro não escaparam a Getúlio. O
presidente oligarca Washington Luís, que tratou de reprimir de forma massiva o
proletariado brasileiro, declarara em 1925, no que veio a ser tornar sua mais famosa
frase:
“[...] entre nós, a questão operária é uma questão que interessa mais à
ordem pública que à ordem social” (LUÍS APUD RIBEIRO, 2002)
Tal frase pode ser traduzida da seguinte maneira: a questão social é caso de polícia. Isso
é, de fato, um pensamento extremamente reacionário, que não representava os clamores
do povo brasileiro por melhores condições de trabalho. Na plataforma da Aliança
Liberal em 1930, Getúlio responde a tal estupidez:
“Não se pode negar a existência da questão social no Brasil, como um
dos problemas que terão de ser encarados com seriedade pelos poderes
públicos. O pouco que possuímos em matéria de legislação social não é
aplicado ou só o é em parte mínima, esporadicamente, apesar dos
compromissos que assumimos a respeito, como signatários do Tratado de
Versalhes [...] Se o nosso protecionismo favorece os industriais, em
proveito da fortuna privada, corre-nos também o dever de acudir ao
proletário com medidas que lhe assegurem relativo conforto e
estabilidade e o ampararem tanto nas doenças como na velhice. [...] A
atividade das mulheres e dos menores, nas fábricas e estabelecimentos
comerciais, está, em todas as nações cultas, subordinada a condições
especiais que, entre nós, até agora, infelizmente se desconhecem. [...]
Tanto o proletariado urbano como o rural necessitam de dispositivos
tutelares, aplicáveis a ambos, ressalvadas as respectivas peculiaridades.
Tais medidas devem compreender a instrução, educação, higiene,
alimentação, habitação; a proteção às mulheres, às crianças, à invalidez e
à velhice; o crédito, o salário e até o recreio, como os desportos e a
cultura artística. É tempo de se cogitar da criação de escolas agrárias e
técnico-industriais, da higienização das fábricas e usinas, saneamento dos
campos, construção de vilas operárias, aplicação da lei de férias, lei do
salário mínimo, cooperativas de consumo, etc.” (VARGAS APUD
RIBEIRO, 2002)
Além da questão trabalhista, Getúlio ainda defende a anistia aos militares e civis
integrantes da Coluna Prestes, ressaltando que tal concessão:
“Não é, apenas, esta ou aquela parcialidade partidária que a solicita. É o
país que reclama.” (VARGAS APUD RIBEIRO, 2002)
E também defende a reforma agrária em todo o território nacional:
“É necessário atender à sorte de centenas de milhares de brasileiros que
vivem nos sertões, sem instrução, sem higiene, mal alimentados e
malvestidos, tendo contato com os agentes do poder público apenas
através dos impostos extorsivos que pagam. [...] É preciso grupá-los,
instituindo colônias agrícolas; investi-los da propriedade da terra,
fornecendo-lhes os instrumentos de trabalho, o transporte fácil, para a
venda da produção excedente às necessidades do seu sustento. [...] Em
não poucas das regiões mais próprias para a agricultura, impera ainda o
latifúndio, causa comum do desamparo em que vive geralmente o
proletariado rural, reduzido à condição de escravo da gleba. Nessas
regiões, seria conveniente, para os seus possuidores e para a coletividade,
subdividir a terra, a fim de colonizá-la, fazendo-se concessões de lotes, a
estrangeiros como nacionais, a preços módicos, mediante pagamento a
prestações, além do fornecimento de máquinas agrícolas, mudas,
sementes...” (VARGAS APUD RIBEIRO, 2002)
Vemos aqui que, ao menos em discurso, Getúlio herdou todo o aspecto progressista dos
teóricos que o influenciaram. Não se tratava de um fascista, defensor da ordem acima de
tudo, aliado ao coronelismo e ao imperialismo, indo contra os interesses do povo
brasileiro. Se tratava de um político progressista, que defendia uma forte proteção da
indústria interna, a consolidação de uma legislação trabalhista, a anistia aos grandes
revolucionários que lutaram contra os oligarcas da República Velha, o voto livre e
secreto, e a reforma agrária.
É alegado, afinal, que mesmo com esses posicionamentos, Getúlio era um ferrenho
anticomunista. Ideologicamente, de fato, Getúlio sempre foi anticomunista. Em uma
conversa com sua filha Alzira Vargas, Getúlio disse que tanto o integralismo (leia-se
fascismo brasileiro), quanto o comunismo, eram ideologias estrangeiras, que não
poderiam ajudar a nação, sendo necessário uma ideologia de desenvolvimento própria,
feita por brasileiros, para que se atingisse os objetivos desejados (VARGAS, 1960). Tal
posicionamento de Getúlio, está ligado a uma limitação de classe. Como nacionalista,
não via além dos interesses da pátria, da principal contradição imperialismo e seus
lacaios x progressistas nacionalistas, não podendo avançar com a contradição capital x
trabalho.
Tal limitação não se encontra, curiosamente, em Perón. O argentino sempre foi
simpatizante do marxismo, e apesar das difíceis relações com o Partido Comunista de
seu país, nunca deixou de manifestar apoio ao Movimento Comunista Internacional.
Durante seu exílio, e, portanto, não possuía nenhum interesse diplomático, Perón enviou
uma carta ao líder comunista Mao Tse-tung, cujos principais pontos transcrevo aqui:
“A partir deste exílio difícil, aproveito a magnífica oportunidade
oferecida pelos jovens líderes peronistas do MRP, gentilmente
convidados por você, para enviar com a minha saudação mais fraterna e
amigável as expressões de nossa admiração por você, seu governo e seu
Partido; que conseguiram trazer à nação chinesa a conquista de tantas
vitórias importantes, que o mundo capitalista já começou a reconhecer e
a aceitar. Seus pensamentos e palavras de Mestre Revolucionário
penetraram profundamente nas almas dos povos que estão lutando para
serem livres – nós entre eles – que debatemos, nos últimos dez anos, em
marchas e contramarchas próprias dos processos de um povo,
preparamos as condições mais favoráveis, para a luta final. [...] O
exemplo da CHINA POPULAR, hoje a base inabalável da Revolução
Mundial, permite que os homens das novas gerações se preparem para a
longa luta com mais clareza e firme determinação. [...] em essência,
somos coincidentes, e eu expressei isso muitas vezes diante de nossos
colegas, a classe trabalhadora e peronista da Argentina. Permanecem os
aspectos naturais e adequados de nossos países, que fazem suas
condições socioeconômicas, e que modificam de certa forma as táticas de
luta. [...] os companheiros operários poderão explicar nossos pontos de
vista e o grande desejo de que as mais profundas e mais sinceras
amizades se consolidem entre nós.” (PERÓN, 1965)
Podemos concluir, dessa forma, que Getúlio não conseguiu avançar na questão marxista
de classe, ao contrário do presidente argentino. Entretanto, isso em nada tira o
progressismo dos seus pensamentos e ideais. Em nenhum momento Getúlio teve algum
tipo de influência fascista em sua formação ideológica, pelo contrário, até o presente
momento, sempre esteve ao lado das forças democratas da nação. Tal abordagem, é
claro, foi uma análise apenas do discurso, das propostas de Getúlio na Aliança Liberal, e
nos diários e conversas que o mesmo teve. Isso por si só não reflete, ao menos ainda, as
políticas de Getúlio na prática, e na forma que isso se relaciona com a sua classe.
E afinal, Getúlio foi um progressista na prática? Prossigamos.
A Defesa da Indústria Nacional – Getúlio: o Pai dos Pobres e a Mãe dos Ricos (mas
dos Ricos Brasileiros)
Um ponto que raramente é questionado dentro da historiografia, é o nacionalismo
econômico de Getúlio. Vargas foi um dos maiores defensores da indústria nacional que
já esteve na presidência. Isso foi, entretanto, uma necessidade histórica e classista, e não
necessariamente ideológica, ao contrário do que dizem certos getulistas. Após a crise da
Bolsa de Valores de 1929, e a consequente queda do ciclo do café, o Brasil tinha dois
caminhos a seguir: ou permanecer dependente da exportação e produção de café, que
inevitavelmente iria levar o país a falência; ou promover a modernização e o
desenvolvimento das forças produtivas a partir de capital interno. A primeira opção
representava os anseios da classe oligárquica e coronelista que por anos governaram o
Brasil; a segunda, os anseios da pequena e média burguesia urbana (ou burguesia
nacional), em sua inicial ascendência.
A Revolução de 1930, não foi nada mais do que a tentativa da consolidação desses
anseios, com seu auge durante o Estado Novo. Era a burguesia brasileira querendo
consolidar sua revolução e a independência nacional. Isso se deu através da própria
estrutura econômica de substituição de importações, a criação de inúmeras estatais, e
assim por diante. De acordo com o economista Nilson Araújo de Souza:
“Getúlio Vargas, consciente da necessidade do desenvolvimento interno
do setor de meios de produção dentro de uma estratégia de independência
nacional, adotou, em seu segundo governo (1951-54), uma série de
medidas visando à sua produção” (SOUZA, 2005)
Citando ainda Francisco de Oliveira e Frederico Mazzuchelli:
“É deste ponto de vista que se entende o bloco de atividades produtivas,
que se materializaram sob a forma de empreendimentos estatais,
consubstanciados na criação da Petrobrás, na entrada em operação da
Companhia Siderúrgica Nacional, na tentativa de pôr em funcionamento
a Companhia Nacional de Álcalis, na já modesta performance da
Companhia Vale do Rio Doce e no projeto da Eletrobrás, enviado ao
Congresso Nacional e apenas aprovado dez anos após.” (OLIVEIRA &
MAZZUCHELLI APUD SOUZA, 2005)
Citando o historiador marxista Nelson Werneck Sodré, em sua obra magistral
“Formação Histórica do Brasil”:
“Assim, sob o impacto da crise, o país não só impulsionou um produto de
exportação que há muito permanecia em nível baixíssimo como
desenvolveu um parque industrial capaz de suprir a demanda interna. A
produção industrial cresceu, realmente, entre 1929 e 1937, em cerca de
50% e a produção primária para o mercado interno em mais de 40%.
Assim, apesar da depressão, a renda nacional aumentou em 20%, naquele
período, o que significou um incremento de 7% per capita, incremento
significativo, e tanto mais se se levar em conta que, no mesmo período,
aquela renda decresceu. Celso Furtado observou, a respeito dessa reação:
‘Aqueles países de estrutura econômica similar à do Brasil, que seguiram
uma política muito mais ortodoxa nos anos de crise, e ficaram, portanto,
na dependência do impulso externo para recuperar-se, chegaram a 1937
com suas economias ainda em estado de depressão’. Esperar do
mecanismo tradicional o amparo da economia brasileira teria sido uma
fórmula suicida. A importância da crise, para nós, consistiu na resposta
que os novos fatores deram, ante as dificuldades, na dinâmica que o
desenvolvimento brasileiro adquirira. As velhas relações estavam
minadas. [...] Num esquema simplista, a ditadura instaurada por Vargas,
em 1937, correspondia a uma tentativa de realizar a revolução burguesa
sem o proletariado. Sob a camada que lhe dava fisionomia, atrás da
fachada policial, o Estado Novo, realmente, buscaria compor as novas
forças econômicas internas.” (SODRÉ, 1962)
Existe, entretanto, certas controvérsias nesse ponto. É afirmado, geralmente, que boa
parte dessa industrialização foi paga com capital americano. Getúlio realmente fez um
jogo de concessões com o imperialismo em meados do Estado Novo, quando cedeu
bases militares aos EUA para poder bancar a Companhia Siderúrgica Nacional.
Para isso, deve se considerar o contexto da época. O Brasil, ao contrário do que dizem
certos udenistas, nunca teve flertes com o fascismo italiano ou alemão (nazismo).
Apesar de sempre prezar por manter a neutralidade e a as relações econômicas com
todos os lados (não nos esqueçamos que Getúlio estava bancando a industrialização), o
Brasil já havia expulso do território nacional, em 1938, o embaixador alemão Karl
Ritter, após esse declarar apoio aos Partidos Nazistas do sul do Brasil, que estavam
sendo severamente reprimidos pela polícia estado novista. Antes, vejam bem, da
Segunda Guerra. De acordo com as memórias do marechal Cordeiro de Farias:
“Declarei minha guerra à Alemanha em 1938, antes, portanto, do início
da Segunda Guerra Mundial” (FARIAS APUD RIBEIRO, 2002)
Em plena Segunda Guerra Mundial, dois navios brasileiros foram derrubados pelos
nazistas alemães. Novamente, certas frações da esquerda udenista buscam acusar os
americanos pelo ataque, como uma tentativa de pressionar o Brasil na entrada da guerra.
Tais falácias são devidamente refutadas no livro “U-507: O submarino que afundou o
Brasil na Segunda Guerra”, do jornalista Marcelo Monteiro. Haviam motivos de sobra
para mandar as divisões expedicionárias contra o Eixo.
Getúlio sabia, entretanto, que se envolver em uma guerra, traria gastos militares
extensos para a nação. Também sabia que os EUA estavam pressionando o país,
inclusive com um plano de invasão conhecido como “Rubber”. Enfrentar os EUA, à
época, era impossível para a parca força militar brasileira. Getúlio, então, usou um dos
artifícios que mais o acompanhou em sua vida política: a Realpolitik.
Getúlio se aproveitou da necessidade da época de entrar na Segunda Guerra, para bancar
a industrialização do país, cedendo bases militares aos EUA. Essa manobra de mestre
foi bem-sucedida, visto o triunfo da Força Expedicionária Brasileira na Itália, e a
indústria siderúrgica definitivamente consolidada no Brasil. Tal ato, entretanto, será um
dos motivos políticos da queda de Getúlio, como veremos ao final do artigo.
Por fim, as conquistas dessa política nacionalista logo transpareceram. Um exemplo,
geralmente esquecido, foi a educação. Citando o brasilianista Stanley Hilton:
“O número de estudantes por mil habitantes cresceu de 50, em 1929, para
80 dez anos depois. A Revolução encontrou 28 mil escolas primárias em
todo o Brasil; até 1940, conseguiria um acréscimo de 14 mil. A
população que frequentava as escolas primárias aumentara em 75%,
quando do início da guerra, em comparação com a de 1931; e o total de
estudantes inscritos em escolas de nível secundário aumentou de 90 mil
para 227 mil...” (HILTON APUD RIBEIRO, 2002)
Vamos agora para a análise do proletariado urbano na Era Vargas.
A Defesa do Proletariado Urbano – Seria a Legislação Trabalhista inspirada em
Mussolini?
Como se sabe, uma das maiores propagandas do governo estado novista era justamente
sobre a questão operária. Os famosos bordões do tipo “Pai dos Pobres”, ainda
reivindicados pelos getulistas fervorosos, devem ser abandonados absolutamente. Já
vimos acima que as políticas econômicas de Getúlio eram destinadas a classe da
burguesia nacional, não podendo assim, ser um representante da classe operária.
Entretanto, é visível que em certos políticos da burguesia nacional de caráter
progressista, como Leonel Brizola e João Goulart, há a preocupação em auxiliar a classe
trabalhadora. Em parte, pelo próprio caráter conciliatório que os governos nacionalistas
possuem, em desenvolver economicamente e socialmente todas as classes que o
sustentem. Por outro lado, também pelo avanço de certa ideologia progressista dentre
esses políticos, que acabam se tornando um símbolo de luta até pela classe operária
(como por exemplo, Brizola).
Isso se aplica a Getúlio. Abertamente influenciado pelo socialismo industrialista de
Saint Simon (como afirmado diversas vezes em entrevistas), é visível o avanço
progressista que ele dá em relação a classe operária em seu governo.
Já em 26 de novembro de 1930, é criado o Ministério do Trabalho durante o governo
provisório, no qual foram consolidadas as principais leis trabalhistas que o país já teve,
hoje ameaçadas.
Tal fato é de conhecimento geral, afinal, como já afirmado, era um dos pilares da
propaganda getulista. Devemos, então, analisar o caráter de tais leis, se realmente foram
efetivas, ou apenas “pelegas” e fascistas, com destaque para a Lei dos Sindicatos.
Certas frações da esquerda udenista, ainda que defendam a CLT atual, vociferam aos
quatro cantos: “vejam, a prova cabal do fascismo de Getúlio, as leis trabalhistas,
inspiradas na Carta del Lavoro de Mussolini”.
Em verdade, as leis trabalhistas brasileiras foram inspiradas muito mais no Marxismo
do que no fascismo. Isso porque o criador da maior parte destas leis, que forjaram o
governo getulista, foi Joaquim Pimenta: um ácido jornalista, socialista radical, e um dos
ideólogos da futura Aliança Nacional Libertadora. Ele foi convidado por Getúlio para
participar no Ministério do Trabalho e da consolidação das leis trabalhistas, incluindo a
lei dos sindicatos. Citando o jornalista José Augusto Ribeiro:
A segunda lei trabalhista importante, a lei dos sindicatos, de 19 de março
de 1931, é que estigmatizou o primeiro governo Vargas e até hoje tenta
estigmatizar o trabalhismo brasileiro, qualificando toda a sua legislação
social de fascista e inspirada na Carta del Lavoro, o código trabalhista de
Mussolini. Teoricamente, a Lei dos Sindicatos reafirmava apenas o que
estava numa lei do início do século, que reconhecia o direito de os
trabalhadores se organizarem em associações representativas e
incumbidas da defesa de seus interesses coletivos e profissionais. Na
prática, ela ia muito mais longe. Ela estabelecia, por exemplo, o
reconhecimento dos sindicatos pelo Ministério do Trabalho, e previa a
organização dos sindicatos, tanto de trabalhadores quanto de
empregadores, em federações profissionais, regionais ou nacionais, e em
confederações nacionais. [...] Menos de um mês depois da investidura do
governo provisório, o Ministério do Trabalho tinha sido criado e
começava a funcionar. O ministro era o ex-deputado Lindolfo Collor, do
Rio Grande, que se especializara, como jornalista e parlamentar, em
questões econômicas e financeiras. [...] aceitando nomear Lindolfo
Collor, Getúlio tomou a iniciativa – que Collor não rejeitou nem
contestou – de cerca-lo de especialistas na questão do direito do trabalho.
Os dois primeiros foram Joaquim Pimenta e o também professor Evaristo
de Morais, igualmente socialista. Aos dois juntaram-se dois outros
socialistas, ainda mais radicais, Carlos Cavaco e Agripino Nazaré [...] Eis
o balanço que Joaquim Pimenta fez da ação do Ministério do Trabalho
nos três anos do governo provisório, de novembro de 1930 até a
instalação da Assembleia Nacional Constituinte, em novembro de 1933:
‘- Basta ... considerar que, em três anos de governo provisório, atingimos,
nos domínios do Direito do Trabalho, o mesmo nível de legislação de
qualquer dos países europeus ou americanos, culturalmente mais
avançados ou mais antigos que o Brasil. O fato é tanto mais digno de
apreço, porque, até 1930 ... estávamos nós em um humilhante posto de
retaguarda, ao lado, se não abaixo de nações que não ofereciam o mesmo
nível de progresso industrial, nem tão pouco as condições materiais de
existência de que já dispunha o povo brasileiro.’ Essas primeiras leis
trabalhistas, especialmente a dos sindicatos, foram todas elaboradas por
Joaquim Pimenta, que, na lei dos sindicatos, contou com a colaboração
de Evaristo de Morais. Como seriam fascistas leis elaboradas por
Joaquim Pimenta e Evaristo de Morais?” (RIBEIRO, 2002)
Para encerrar de vez a alegação de que as leis trabalhistas eram fascistas, cito aqui
Mario Pedrosa, um dos maiores trotskistas que o Brasil já teve, e grande opositor do
getulismo (inclusive, este integrou a UDN):
“Nós, da esquerda, queríamos sindicatos livres da tutela do Estado e
combatíamos a nova lei. Mas não há dúvida de que existia um ponto
positivo – ela garantia os sindicatos contra invasões policiais, frequentes
e comuns na época... Todas diziam que a nova lei era fascista, mas no
interior, se os sindicatos não recebessem as garantias que ela oferecia,
não teriam condições de sobrevivência.” (PEDROSA APUD RIBEIRO,
2002)
Vamos agora, para a Questão Agrária, um dos pontos mais controversos da Era Vargas.
A Defesa do Campesinato – Coroné Getúlio, pero no mucho...
Já vimos, que o discurso de Getúlio, enquanto um progressista, falava abertamente da
necessidade da reforma agrária e da melhora das relações de produção no campo.
Entretanto, é convencionalmente aceito que Getúlio, ao passo que se importou com o
trabalhador urbano, negligenciou o trabalhador rural, favoreceu o latifúndio, e etc. Tal
tese é aceita, inclusive, por renomados autores, como Boris Fausto. Comenta sobre isto,
o historiador Clifford Andrew Welch:
“Talvez o autor original da ‘tese básica vigente’ que condenava o
governo Vargas por excluir os camponeses dos direitos sociais seja
Fernando Antônio Azevedo. Num livro baseado em sua dissertação de
mestrado, o sociólogo defendeu a tese da existência de uma ‘paz agrária’
entre o Estado e os ‘grandes proprietários’, a qual ‘baseou-se na exclusão
política e social dos camponeses e dos trabalhadores rurais’ (Azevedo,
1982, p.37). A evidência que Azevedo usou para apoiar sua tese foi
essencialmente teórica. A mesma ausência de provas faz do renomeado
sociólogo José de Souza Martins o mais prolífico dos propagandistas da
‘tese básica’. No livro O poder do atraso, Martins escreveu: ‘Vargas
estabeleceu com os ‘coronéis’ ... uma espécie de pacto político tácito ...
O governo não interferiu diretamente nem decisivamente nas relações de
trabalho rural. Não as regulamentou, indiferente ao seu atraso histórico...’
(Martins, 1994, p.32).” (WELCH, 2015)
Entretanto, Clifford contesta essa tese convencional, evidenciando a enorme atenção
que o governo getulista deu aos trabalhadores rurais, dando vários exemplos disso. Não
queríamos fazer citações tão extensas, deixando o texto com caráter mais
argumentativo, mas vale a pena ressaltar todos estes exemplos:
“De fato, existe bastante evidência para mostrar como o regime Vargas
procurou ‘organizar a vida rural’ desde os primeiros meses de seu
governo provisório, nos anos 1930, até seus últimos meses de governo,
em 1945. Nos anos 1980, a renovação do movimento camponês já havia
chamado a atenção dos cientistas sociais do Brasil. Estudos realizados
com camponeses a partir desse período demonstraram como eles
lembravam o ‘tempo de Getúlio’ como um ‘tempo de fartura’. ‘Ele
deixou aquelas leis, que pobre não era cachorro, que não podia mandar
camarada embora, que tinha que pagar indenização’, relatou para a
antropóloga Verena Stolcke (1986, p.308, 327) uma trabalhadora rural
chamada Dona Maria. [...] Para as centenas de milhares de brasileiros que
viviam no campo, longe das disputas políticas, a nova legislação social
seria o instrumento que os motivaria a aumentar a produtividade. Essa
possibilidade fez Vargas antecipar a promulgação de um código para
todos os trabalhadores. ‘Tanto o proletário urbano como o rural
necessitam de dispositivos tutelares, aplicáveis a ambos, ressalvadas as
respectivas peculiaridades’ (Vargas, 1938, p.28). [...] No início de 1931,
o novo ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, articulou a filosofia
sindicalista do governo quando anunciou a organização social do campo.
‘Já que os sindicatos de trabalhadores agrários praticamente não existem,
será indispensável promover a formação de alguns deles em vários
estados’ (Collor, 1931). Em reunião com fazendeiros, Collor explicou
que a sindicalização seria o meio para que as duas classes (eles, os
empregadores, e seus empregados, os camponeses) poderiam ajudar a
traçar a política agrícola do Brasil. Em março, 4 meses depois da
revolução, Vargas emitiu o Decreto 19.770 que explicou como o
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio de Collor assumiria a
responsabilidade pela regulação das condições de trabalho nos setores
agrícola, comercial e industrial, registrando as associações de
empregador e empregado nas escalas local, estadual e nacional como
agências consultivas e técnicos do governo. [...] Mais uma vez, o governo
Vargas revelava sua intenção de promover a formação de sindicatos
rurais, agora na Carta corporativista de 1937. A Carta persistia em reunir
sob a lei os trabalhadores agrícolas e todos os outros trabalhadores. Em
seu capítulo sobre a economia nacional (Art. 57 a 63), deixou espaço
para investigar as condições de trabalho na agricultura e para
‘racionalizar a organização e administração’ do setor. Quando uma nova
lei de sindicalização foi decretada (Lei 1.402, de 5 de julho de 1939), ela
especificamente excluiu o setor agrário em seu artigo 58, determinando
no artigo 25, seção 4, que ‘as associações sindicais de grau superior da
agricultura e da pecuária serão organizadas na conformidade do que
dispuser a lei que regular a sindicalização dessas profissões’ [...] O
debate sobre a organização da vida rural iniciada na Era Vargas acentuou
a nova disposição do Brasil para ‘racionalizar’ ou ‘modernizar’ os
diversos setores de sua economia. Para espelhar a moderna sociedade
industrial, a sociedade agrícola teve de se organizar. Vargas manteve as
mudanças, e ninguém depois dele pôde negar as consequências. As
atividades econômicas do campo se desenvolveram em todos os sentidos
com a formação de 8 mil sindicatos de trabalhadores rurais [...] assim, o
governo Vargas nem excluiu nem ignorou o campo, mas gerou uma série
de estudos, ideias, leis e instituições para a organização da vida rural que
se mostrou parte permanente de seu legado.” (WELCH, 2015)
Conclui assim, Clifford:
“Certo ou errado, para muitos camponeses, ‘Getúlio era bom pros
pobres’ (Stolcke, 1986, p.327).” (WELCH, 2015)
Foi também durante a Era Vargas que se teve a primeira experiência de reforma agrária
no país, com o Estatuto da Lavoura Canavieira (BRASIL, 1941). Mais tarde, esse
projeto de reforma agrária seria retomado por João Goulart, e devido a isso, sofreu o
lembrado golpe de 1964.
Um ponto, que geralmente é dito sobre isso, é que Getúlio teria garantido a manutenção,
e até feito um pacto de classe com os coronéis e latifundiários da República Velha. Tal
ponto é embasado, geralmente, na famosa compra do café paulista, feita pelo governo
federal à época, para garantir que a produção de café fosse mantida. Entretanto, se
Getúlio não houvesse “salvado” os barões do café na época, como defendia Washington
Luís, o colapso econômico do país não afetaria tanto em si os coronéis – mas sobretudo,
o proletariado paulista, que estava tendo seu salário reduzido ao máximo, antes da
legislação trabalhista se concretizar. Getúlio em nada simpatizava com os latifundiários
paulistas, mas a medida foi necessária. Comenta sobre isso o jornalista José Augusto
Ribeiro:
“O café era a riqueza e, nesse momento, o desespero das elites, não ainda
dos trabalhadores industriais da cidade. No início da crise do café, essas
elites tentaram safar-se levando o governo do Estado a tomar novos
empréstimos estrangeiros para custear a política de valorização dos
preços [...] Em 1929, porém, com a dificuldade cada vez maior na
tomada de empréstimos, surgem iniciativas alternativas: ‘Outra
providência que a oligarquia toma em sua defesa – diz Vavy Pacheco
Borges – é a baixa dos salários dos trabalhadores. Desde a crise de 1929,
os fazendeiros reduzem de 35 a 40% a remuneração do trabalho
agrícola... Em compensação permitem que esses empregados plantem
cereais entre as ruas dos cafezais...’. Até para preservar a simpatia e o
apoio dos trabalhadores de São Paulo, Getúlio precisava salvar as elites
de São Paulo antes que a crise do café atingisse mais profundamente a
cidade e suas indústrias e levasse a elas a redução dos salários – que a
ainda não tinham qualquer proteção legal – e de quebra aumentasse os
índices já perigosamente altos do desemprego [...] Decidido a agir
rapidamente, já em 1o de fevereiro de 1931 Getúlio assina o decreto que
permite a compra de estoques de café pelo governo federal. Era o que se
pedia a Washington Luís e ele recusara até o fim. Getúlio, porém, não se
limita aos desejos dos barões do café, aos quais Washington Luís
recomendara um ‘salve-se quem puder!’, sem considerar que a merecida
ruína deles teria como consequência uma crise econômica e social
devastadora. Os barões do café estavam acostumados a nada ceder.
Agora, porém, o governo não é controlado por eles e impõe,
compensando a permissão para a compra dos estoques encalhados, uma
taxa sobre cada pé de café, a proibição de novas lavouras e a retenção de
20% de todo o café exportado.” (RIBEIRO, 2002)
Ainda contra os latifundiários, o governo federal tomou várias outras medidas. Uma
delas, identificadas no clássico “Cangaceiros e Fanáticos” do grande jornalista e
comunista Rui Facó, foi o desarmamento forçado dos latifundiários brasileiros, o que
reduziu em muito (pelo menos até o final da Era Vargas) os conflitos agrários:
“O PRINCIPAL GOLPE CONTRA O PODER político dos grandes
latifundiários, sobretudo nordestinos, em cujos domínios mais
solidamente subsistiam os restos feudais, foi desferido pelo movimento
revolucionário de 1930. As armas não tinham sido depostas, e, por todo o
Nordeste, os ânimos ainda acendidos, eram desarmados os coronéis. A
medida generalizou-se. Na Bahia, o próprio chefe de polícia comanda a
ação a diferentes municípios do interior, detém coronéis, submete-os a
interrogatórios, vareja-lhes as fazendas, arrecada-lhes as armas. Os
coronéis, como que haviam pressentido a tendência acentuadamente
burguesa do movimento de 30, a luta da burguesia brasileira por uma
maior parcela no Poder. Desde a primeira hora haviam lutado contra os
revolucionários da Aliança Liberal.” (FACÓ, 1963)
Por fim, é necessário questionar: se Getúlio fez tantas políticas pelo campesinato, e
igualmente prejudicou a classe latifundiária, porque não realizou uma reforma agrária
geral, por todo território nacional? Aparentemente, pela limitação da classe burguesa
enquanto ascendente na época. A burguesia, apesar de sepultar a República Velha, não
teve força para consolidar uma legítima reforma agrária por todo o território, apesar dos
casos isolados já citados. Diferente foi o homólogo de Vargas no México, Cárdenas,
que consolidou uma reforma agrária muito mais ampla, inspirada nos princípios
zapatistas, o que abrangeu boa parte do território mexicano (ainda que não todo).
Conclusão – O Legado de Getúlio e a Consolidação do Capitalismo Burocrático
Após toda a análise feita, podemos concluir o seguinte: Getúlio Vargas foi o maior
representante político que a nossa burguesia nacional já teve. Por meio de um sistema
de conciliação com as classes progressistas (pequena/média burguesia, proletariado e
campesinato), combateu as velhas oligarquias e classes parasitárias, aliadas ao
imperialismo, que até hoje assolam o país. Promoveu o desenvolvimento das forças
produtivas, a consolidação das leis trabalhistas para auxiliarem tanto o trabalhador rural
quanto urbano, e a industrialização pesada do Brasil, melhorando em muito a qualidade
de vida da população. Lutou até o último dia de sua vida pela implantação de um
capitalismo independente, livre do imperialismo e do latifúndio, e ao se confrontar com
os interesses do império (sobretudo em seu segundo governo), pagou com sua vida,
adiando por dez anos o golpe militar que aprofundaria o processo de capitulação ao
imperialismo e as oligarquias, anteriormente derrubadas.
Sendo um representante da burguesia nacional, de sua fração progressistas, deve ser
visto de forma positiva pelos setores da atual esquerda brasileira – rejeitando tanto as
mentiras udenistas quanto as exaltações getulistas. Ele esteve, afinal, ao lado da
revolução (com todos os entraves e limitações que todos nós conhecemos).
Agora, uma questão fundamental: se não Getúlio, quem consolidou o capitalismo
burocrático (ou seja, empurrado pelo capital estrangeiro e com a manutenção das
oligarquias) no Brasil? Bem, após o suicídio de Getúlio e a ascensão de Juscelino
Kubistchek à presidência, esse tentou ampliar a industrialização de forma mais rápida e
“eficiente”, ao seu ver. Para isso, abriu o país para as multinacionais e ao capital
internacional, acumulando uma enorme dívida externa, abandonando definitivamente o
projeto getulista.
Esse processo tentou ser revertido, em parte, pelo sucessor de Getúlio, João Goulart. E
como sabemos, após sua deposição e a instauração do regime militar, nosso país se
afundou completamente na dependência econômica de outrora. Infelizmente, pelo já
dito caráter didático do artigo, não abordamos várias outras questões que são
importantes para tal análise, como a repressão estado novista aos comunistas, a ditadura
Vargas, a tentativa de assassinato de Carlos Lacerda, e etc. Citamos então o economista
Adriano Benayon, que aborda esses e mais outros aspectos da Era Vargas:
“A soberania do País nunca foi plenamente exercida, mas, se houve
governante que tomou iniciativas para alcançá-la, esse foi Getúlio
Vargas. Exatamente por isso, a oligarquia imperial anglo-americana
sempre conspirou contra ele, com a ajuda de pseudo-elites e de agentes
locais da política e da mídia, em geral recrutados por meio de corrupção.
[...] Vargas fora forçado, durante a Segunda Guerra Mundial, a ceder
bases militares no Nordeste aos EUA, e cometeu o erro de insistir em
enviar a Força Expedicionária Brasileira à Itália. A FEB foi equipada e
armada pelos EUA e combateu sob comando norte-americano. Daí se
criaram laços entre os comandantes e oficiais de ligação estadunidenses e
os oficiais brasileiros que conspiraram nos quatro golpes pró-EUA (1945,
1954, 1961 e 1964.). Quando Vargas, eleito em 1950, voltou à
presidência, nos braços do povo, já estava em marcha a desestabilização
de seu governo, a qual culminou com o crime da rua Toneleros, já em
agosto de 1954. O crime foi dirigido pelo chefe da delegacia de ordem
política e social (DOPS), famosa por seus métodos desumanos de
repressão aos comunistas, desde a época do Estado Novo, instituído por
golpe militar, em 1937. Esse golpe proveio de oficiais do exército, que
colocaram Filinto Muller na chefia da polícia. Vargas, presidente
constitucional desde 1934, permaneceu à frente do governo, mas não teve
poder e/ou vontade suficiente para limitar significativamente as
violências. Ele sempre foi contemporizador, negociava com pessoas de
diferentes tendências e, por vezes, as colocava ou mantinha no governo.
Ao voltar Vargas, em 1951, continuou na DOPS o filonazista Cecil
Borer, que vinha da administração do marechal Dutra. Como tantos pró-
nazistas, mundo afora, movido pelo anticomunismo, Dutra subordinou-se
aos interesses dos EUA. Apesar de seus erros, Vargas merece lugar de
honra na história do Brasil, por ter dado o indispensável apoio do Estado
ao desenvolvimento industrial, que despontava desde o início do século
XX e ganhou força, de 1914 a 1945, graças também à redução dos
vínculos comerciais e financeiros com os centros mundiais, propiciada
pelas duas guerras e a longa depressão dos anos 30. [...] Foi, assim,
inviabilizado o desenvolvimento de tecnologias nacionais, a não ser por
grandes empresas estatais ou apenas em nichos menores, no caso de
indústrias privadas nacionais, ainda assim, fadadas a ser
desnacionalizadas. Tanto o golpe de 1964, que instituiu os governos
militares, como a falsa democratização, a partir de 1985, intensificaram
as políticas pró-capital estrangeiro em detrimento do País. Os governos
de 1954-1955 e 1956-1960 (JK) foram motores da desnacionalização da
economia. Os de Collor e FHC os mais monoliticamente entreguistas.
Nenhum operou reversões nessa marcha infeliz. A herança hoje é a
desindustrialização e a colossal dívida pública, tendo a União já gastado
nela, desde 1988, quase 20 trilhões de reais.” (BENAYON, 2014)
Por fim, não precisamos de mais um “Getúlio”, que venha tentar reverter esse sistema
atual. A burguesia nacional provou ser incapaz de encabeçar a revolução democrática,
consolidando de forma quase profética as palavras de Stalin, de cem anos atrás.
Precisamos de um Partido Comunista de Novo Tipo, que conduza de fato uma
Revolução Democrática, e posteriormente, uma Revolução Proletária.
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