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Caderno de introdução ao Direito

Direito (Universidade do Porto)

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Baixado por Catarina Fernandes (scatarinabarbosa12@gmail.com)
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Caderno de Introdução ao Direito

INTRODUÇÃO AO DIREITO
CAPÍTULO I

Quid iuris - Questões de Direito


Quid ius - Problemas do Direito
Direito subjectivo - Caracteriza-se por um poder de imposição a outrem
Direito objectivo - São as manifestações específicas por serem realidades delimitadas

O objectivo desta Introdução ao Direito é o de compreender o


sentido civilizacional do Direito, partindo das seguintes premissas:

A civilização europeia ocidental é uma civilização de Direito, sendo o direito


nesta civilização um autêntico produto cultural, que surge como exigência da natureza
inacabada do homem, capaz de o ordenar socialmente.
Segundo Castanheira Neves, o Direito é “norma de dever ser social” e
“princípio constitutivo da nossa acção”;
O Direito assume-se como dimensão autónoma da nossa prática social,
distinguindo-se da moral, da religião, da ética, da cortesia, do amor e da amizade. Daqui
resulta que, na diversidade de relações que, enquanto seres dotados de natureza social,
estabelecemos com os outros. Ao Direito apenas interessam as chamadas relações inter-
subjectivas e já não as puramente pessoais. As relações inter-subjectivas são aquelas
em que os sujeitos se encontram envolvidos numa teia de direitos e deveres
correspectivos. Daqui resulta que, enquanto nas relações puramente pessoais, o outro é
sempre visto como um absoluto irrepetível, nas relações jurídicas as características dos
sujeitos é de serem sujeitos fungíveis (constitui objecto de relações jurídicas), isto
porque, atenta as circunstâncias de cada caso concreto, o sujeito que hoje figura numa
relação jurídica com o estatuto de credor, pode amanhã surgir com estatuto de devedor.
Ainda que não regulamente toda a diversidade de relações que, em sociedade,
estabelecemos com os outros, o Direito atinge-nos profunda e extensamente. Assim,
antes de nascermos, isto é, enquanto nascituros (gerado mais ainda não nascido)
podemos já ser beneficiados em testamentos, art. 2033o do C.C. Com o nascimento
completo e com vida, adquirimos personalidade jurídica e capacidade de gozo de
direitos, art. 66º e do C.C. E, mesmo após a nossa morte, o direito continua a tutelar, por
exemplo, os nossos Direitos de personalidade, art. 71º do C. C.

O ponto de partida que se adopta para alcançar o objectivo referido é, o de


mobilizar a experiência que todos temos do que seja o Direito, e essa primeira e imediata
experiência, é nos dada pela controvérsia (questão) juridicamente relevante. A
controvérsia juridicamente relevante assume-se como um verdadeiro litígio e não um
mero diferendo porque, quer os sujeitos nela envolvidos, quer o 3º imparcial (o Juiz) que é
chamado a resolve-la, partilham de um sistema de referências comum:

Exemplo:
O senhor A é proprietário de um prédio rústico que por não ter nenhum acesso à via
pública, a não ser através do prédio vizinho da propriedade do senhor B, constituindo um
prédio encravado. Aos proprietários de prédios encravados, de acordo com o disposto nos
artigo 1550º do C.C., é reconhecido o direito potestativo de constituição de uma

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servidão de passagem sobre o prédio vizinho, sucede porém que o senhor B não
considera o prédio do senhor A como sendo um prédio encravado e, em consequência,
não lhe permite a constituição da referida servidão de passagem. Entre os referidos
sujeitos gera-se um litígio para a resolução do mesmo, no qual é chamado a intervir o
terceiro imparcial, que o juiz representa, e que é um litígio juridicamente relevante porque
embora o senhor A e o senhor B adoptam quanto à mesma situação posições
divergentes fazem-no com base no conjunto de normas e critérios plasmados (criados)
no nosso Código Civil. Da mesma forma, o juiz na resolução que der a este litígio
fundamentar-se-á nesse mesmo conjunto de normas e critérios.
Em conclusão, a controvérsia é juridicamente relevante, sempre que, as
posições dos sujeitos nela envolvidos e do terceiro imparcial, que a pretende resolver, se
sustentarem num sistema de referência comum a todos eles.

Esse sistema de referência comum, que surge como um conjunto ordenado de


normas, critérios e fundamentos é a Ordem Jurídica (ordena os aspectos mais
importantes da convivência social – visa a justiça). As suas normas são necessariamente
critérios de decisão e a generalidade, desempenha ainda, a função orientadora das
condutas. Assim sendo, a Ordem Jurídica é assim “o factum” imediato da experiência que
todos temos do Direito e é partindo da análise dessa Ordem Jurídica que se procurará
entender o sentido civilizacional do Direito.

A exigência de uma Ordem Jurídica encontra-se claramente relacionada com a


problemática da partilha do mundo. Com efeito, sendo o mundo um só, e nós muitos, a
sua partilha faz-se necessariamente através da intervenção dos outros. Essa mediação
pode ser positiva ou negativa. No 1o caso os outros são um meio para a utilização que
pretendemos fazer do mundo e no 2o caso são já um obstáculo a essa utilização. Como
exemplos do que se acaba de dizer, para o 1o caso refira--se as diversas associações
de caracter cultural ou recreativo e para o 2o caso refira-se a situação de titularidade do
Direito de propriedade sobre um bem por parte de um sujeito, sendo que, devido à
eficácia erga omnes (atinge toda a gente) do Direito de propriedade. Qualquer utilização
desse bem por alguém que não seja o seu proprietário só pode realizar-se mediante
autorização do proprietário;
3.4 – Dada a incontornável natureza social do homem e a exigência de que a vida em
sociedade consubstancia (concretizar, consolidar) uma convivência pacífica, existem um
conjunto de normas sociais que têm por função integrar ordenadamente o individual no
comunitário. Um tipo dessas referidas normas, é as normas jurídicas, que constituem um
dos elementos integrantes da Ordem Jurídica;

A análise da Ordem Jurídica desenvolver-se-á por referência aos seguintes


aspectos da mesma:
1. A sua estrutura;
2. As suas funções;
3. As suas notas caraterizadoras;
4. Os eus efeitos práticos.

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ESTRUTURA DA ORDEM JURÍDICA

Linha de base
Direito Privado
Aqui estão as relações juridicamente relevantes que
estabelecemos uns com os outros, na veste de sujeitos de direito
privado, em que todos pretendemos actuar, a nossa autonomia para
realizar interesses. Somos então, particulares e relacionamo-nos em termos de paridade,
isto é, num plano e numa intenção de igualdade jurídico-social.
Nesta linha avultam 2 valores: liberdade relativa (culpa e responsabilidade)
e igualdade (todos podem realizar os seus interesses).
O Direito privado é o domínio da liberdade (autonomia) e da igualdade
(paridade) numa intenção à justiça cumulativa (recíproca).

Exemplo:
Contrato de compra e venda entre 2 sujeitos (Direito Civil).

Linha ascendente
Direito público
Relações entre cada um e a sociedade tomada no seu todo. Aqui a sociedade
emerge como sujeito das relações que estabelecemos com ela. A sociedade tem
valores e interesses a garantir e se os violarmos temos responsabilidades.

Exemplo:
Quando há uma agressão e a comunidade vai intervir. (Direito Penal) - Direito
Constitucional; Direito fiscal e Direito militar.

Linha descendente
Direito Público
A sociedade é considerada como uma entidade atuante para atingir os
objectivos que se propõe. Estes objectivos podem ser favoráveis, mas podem também
visar o benefício da própria sociedade. O Direito aparece aqui como um estatuto de
actuação mas também de limitação, pelo que respeita os valores da liberdade
(aproximação da igualdade pelas desigualdades) e solidariedade (correcção das
desigualdades). Quanto à modalidade de justiça é uma justiça distributiva.

Exemplo:
O princípio dos pagamentos proporcionais e progressivos dos rendimentos de
impostos - Direito Fiscal; Direito Administrativo; Direito do Ambiente; Direito
Constitucional.

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FUNÇÕES DA ORDEM JURÍDICA

Função Primária ou Prescritiva


“O Direito como princípio de acção”

Sendo a Ordem Jurídica um sistema organizado de critérios, normas,


fundamentos e princípios, que constituem o sistema de referências comum capaz de
ordenar a vida em sociedade e de permitir a integração do individual no comunitário, ela
activa de forma imediata ao prescrever mediante a construção de critérios da mais diversa
natureza, quais os nossos comportamentos lícitos ou ilícitos, válidos ou inválidos. Esta
função primária ou prescritiva da Ordem Jurídica é uma consequência directa do facto do
direito ser principalmente constitutivo da nossa acção social, ou seja, ordena em termos
explícitos o que se há-de fazer. Através desta sua função prescritiva, a Ordem Jurídica
actua sobre os sujeitos, definindo os seus direitos subjectivos e as suas
responsabilidades, ao qualificar segundo o binómio lícito/ ilícito ou válido/ inválido dos
nossos comportamentos.

Sendo um produto cultural ou uma criação do homem que é um ser social, o direito
tem uma natureza societária e os problemas jurídicos possuem uma especificidade
mundanal social porque pressupõem como elemento constitutivo um certo contexto. Esse
contexto é o mundo que deve entender-se com a seguinte complexidade - quer enquanto
o mundo natural, isto é, o meio em que decorre a existência humana - quer enquanto o
mundo dos artefactos e das obras produzidas pelo próprio homem - quer ainda como o
mundo dos sentidos e dos referentes culturais criados também pelo homem numa
intenção de comunicação “referimo-nos aqui por exemplo à linguagem”. Este mundo,
sendo embora complexo, é único, pelo que se coloca de imediato o problema da sua
partilha por todos nós. A partilha do mundo faz-se sempre através da mediação dos
outros, sendo que esses outros podem assumir a qualidade de mediadores positivos ou
de mediadores negativos.
Na primeira hipótese (mediadores positivos), o outro é um meio para que eu
possa usufruir do mundo, como exemplo podemos citar as várias associações de carácter
recreativo ou os condomínios.
Na segunda hipótese (mediadores negativos), o outro é um obstáculo à minha
intenção de usufruir no mundo. O que sucede sempre que esse outro é titular do Direito
de propriedade sobre uma coisa, vedando-nos, assim, todo e qualquer acesso a essa
coisa sem que exista o prévio consentimento dele. Ora, o mundo tal como referido, é o
pano de fundo de todas as relações jurídicas que estabelecemos uns com os outros,
mas também, de todo aquele outro conjunto de relações não tendo relevância jurídica,
são aqui denominadas de puramente pessoais.

Na diversidade de relações, que enquanto seres sociais, estabelecemos uns


com os outros, dentro desta problemática da partilha do mundo, existem aqueles que
por terem a nota da inter-subjectividade a caracterizá-la, constituem objecto do Direito.
A inter-subjectividade, que é própria das relações sociais, com relevância jurídica,
equivale à correspetividade de direitos e obrigações ou direitos e deveres, em que os sujeitos
mergulham quando são de uma relação jurídica. Significando isto que as relações jurídicas
são regidas pela bilateridade atributiva, diferentemente as relações que se classificam como
puramente pessoais e que constituem o objecto da moral, são relações onde a nota
caraterizadora é a exclusividade da categoria do dever, significando isto que, o princípio da
moral está nos deveres, enquanto que o princípio do direito está nos

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direitos (no ponto de vista do eu) e nos deveres (no ponto de vista do outro que comigo
interage), este confronto direito/ moral é tão mais importante quando se coloca hoje como
particular equidade (igualdade) do problema da autonomia do direito face às demais
dimensões integrantes da nossa prática social.

A necessidade de institucionalização de meios capazes de garantir a efectividade


do direito, coloca-nos perante o problema da sanção. Existem sanções positivas ou
promocionais e sanções negativas ou repressivas.
As sanções positivas consistem sempre na consagração de uma nova realidade,
emergente de toda a relação inter-subjectiva e das consequências dessa nova realidade,
ou seja, uma particular consagração da intenção jurídico-normativa em adequados
efeitos práticos favorecedores do próprio destinatário (isenções fiscais).

Exemplo:
Se o sujeito A celebra com o sujeito B, validamente, um contrato de compra
e venda relativo a um imóvel.

Desta relação inter-subjectiva nasce uma nova realidade, com as


seguintes consequências:

1. Opera-se a transferência do direito de propriedade sobre o imóvel, objecto do contrato


referido, da esfera jurídica do sujeito vendedor para o sujeito comprador;

2. No património do sujeito vendedor assiste-se à entrada do preço da coisa, na medida


em que o contrato em causa foi celebrado, validamente por ambas as partes, então o
direito consagra a criação dos referidos efeitos na esfera jurídica desses sujeitos, o
que significa que se mobilizou, nesta hipótese, uma sanção positiva. Da mesma
forma, sempre que o sujeito devido ao seu comportamento lícito ou válido é
destinatário de um benefício fiscal, observa-se, também a mobilização de uma sanção
positiva de natureza promocional.

As sanções negativas ou repressivas são uma reacção à não observação das


prescrições normativas (como resposta à violação). Estas são posteriores à prática de um
determinado facto e impõem sempre algo desagradável a quem as sofre (multas, penas
de prisão, etc.) e que podem surgir associadas à coação. No caso de surgirem
associados à coacção denomina-se de sanções coativas e a sua nota caraterizadora é a
utilização da força. Pensa-se a este propósito nas penas de prisão que são exemplo
perfeitos de sanções coativas. Estas atingem directamente as pessoas.
Pode porém suceder que a sanção negativa não seja uma sanção coativa,
como acontece, por exemplo, com a sanção da inexistência prevista no art. 1628º do
C.C. relativo a casamentos inexistentes.

Pode ainda suceder que não se encontre directa e imediatamente associada à


coação, e por isso não podendo classificar juridicamente como sendo uma sanção de
natureza contributiva, a sanção negativa tenha subjacente a si um potencial de coação
ou coercibilidade, que estando latente, acaba por se manifestar se a situação de ilicitude
se mantiver até ao último momento:

Exemplo:
De acordo com o disposto no art. 1341º do C.C., todo aquele que de má-

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-fé construir ou plantar algo em terreno alheio, estará a cometer um acto ilícito que faz
nascer na esfera jurídica do proprietário desse terreno, o Direito de exigir que a obra
ou plantação seja desfeita à custa do autor dela.
Significa que este direito tem como dever a obrigação que, na esfera jurídica do
que realizou a obra ou construção nasce de a desfazer, restituindo assim, o terreno ao
seu primitivo estado, isto é, colocando as coisas tal como elas se encontravam antes da
ocorrência do ilícito (aqui existe um afloramento expresso do princípio da restituição
natural que orienta o nosso Direito, no domínio das “indemnizações” que são
reconhecidas à parte lesada).

Exemplo:
Se o sujeito A, proprietário de um terreno rústico onde produz laranjas de má fé por
tem pleno e consciente conhecimento de que a obra que está a realizar está a sê-lo em
terreno alheio, construir um pequeno armazém para os depósitos das suas laranjas nesse
terreno vizinho, então estará adoptar um comportamento ilícito que faz nascer na esfera
jurídica do proprietário desse terreno, o direito a exigir desse sujeito a demolição da obra.
Se o sujeito não demolir voluntariamente a obra em causa, ao proprietário do
terreno alheio assiste a faculdade de exigir judicialmente o cumprimento desse dever.
A intervenção do terceiro imparcial, o Juiz, para dirimir esta controvérsia, opera-se
num primeiro momento, a emanação de uma sentença condenatória que, entre outras,
tem função de declarar a existência do direito que assiste ao proprietário desse terreno
onde a obra foi construída, a que esta seja demolida e do dever correspectivo que
impende sobre aquele que construiu a referida obra.

Até ao momento, existe associada à prática de um ilícito, uma sanção negativa


mas que não tem, até ao momento, natureza coativa. Contudo, se o sujeito autor da
construção insistir no incumprimento não cumprindo com o que está disposto na
sentença, passar-se-á à fase executiva da mesma na qual o Juiz ordenará às
autoridades competentes que, utilizando a força para tal necessária, procedam elas
mesmas à demolição da obra. Neste momento da execução da sentença, a coação que
sempre existiu desde o início, ainda que de forma latente, é utilizada expressamente para
que se consagre a consequência que o Direito faz associar às construções de má-fé em
terreno alheio, ou seja, a coação surge directamente associada à sanção.
Em conclusão: o direito mobiliza, portanto, diferentes meios sancionatórios mas
compreende-se que a sanção e a coacção não se confundam e que apenas a primeira se
apresente como predicativa do Direito.

Função Secundária ou organizatória


A Ordem Jurídica é uma criação do homem e, como tal, a criação humana tende
naturalmente para a desorganização. Na medida em que a desorganização favorece a
anarquia (desordem) e as situações de antinomia (contradição) e, na medida em que a
Ordem Jurídica tem de se apresentar como um conjunto ordenado de critérios,
fundamentos, princípios e normas, é necessário que se realize um esforço de
estabilização. É precisamente da necessidade deste esforço de estabilização que reflecte
uma espécie de auto-reflexão da própria Ordem Jurídica que decorre a sua função
secundária ou organizatória. Nesta função a Ordem Jurídica desenvolve um esforço em
que procura evitar ou dirimir qualquer situação de contradição de forma a organizar-se.
Significa pois tudo isto, que o esforço de auto-organização que a Ordem Jurídica realiza,
nesta função secundária, lhe permite assimilar as naturais antinomias que existem entre
os critérios que resultando das mais diversas fontes de Direito e assumindo, igualmente,
uma natureza diversa, são produzidos pela Ordem Jurídica na sua função primária ou
prescritiva. Assim, por exemplo, se entre duas normas jurídicas de natureza legal, que
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dispõem sob o mesmo assunto, se gerar uma situação de antinomia normativa que não
permita ao sujeito a pré ordenação dos seus comportamentos, é necessário que se
resolva esta situação de antinomia, o que se consegue lançando mão de critérios de
Ordem Jurídica, como é o caso do critério da prioridade cronológica que orienta o critério
da aplicação da Lei no tempo e de acordo com o qual a Lei posterior derroga a anterior.
O mesmo se passa com o critério da hierarquia que permite resolver o problema de
antinomia entre duas normas.

O direito encontra-se dentro da própria história encontrando-se em constante


evolução. Compreende-se assim, que a Ordem Jurídica tenha que realizar um esforço
jurídico para se ajustar ao seu objectivo que é algo mutável (o Direito não é um dado
constituído mas antes um contínuo constituendo sendo que daqui decorrem
imediatamente os seguintes problemas:
a) O das fontes de direito porque se por exemplo no contexto dos direitos
pertencentes à família Germano-Romana é a lei, já no direito anglo-
saxónico esse papel cabe à jurisprudência;
b) O papel da aplicação da lei no tempo, que entre nós encontra um critério
organizatório no art. 12º do C.C. que determina que a lei nova só dispõe
para o futuro;
c) O problema da aplicação da lei no espaço que justifica a criação do conjunto de
normas contidas no C.C. (art. 25º-65º ) designados por normas de conflitos
e constituindo um ramo de direito a que se chama direito internacional
privado.

Dado serem vários os modos de realização do direito, cabe à Ordem Jurídica criar
todo um conjunto de regras ou critérios dirigidos à disciplina da Constituição e da
competência da multiplicidade de órgãos que estão comprometidos com a prática judiciária.
Esses órgãos são, desde logo, os tribunais, os órgãos da administração, as instituições de
polícia e as instituições penitenciárias que terão que ter a sua constituição, as suas
competências e o modo de exercício das mesmas claramente definidos sob pena de não se
organizarem nem se articularem na sua função de organização do direito.

À Ordem Jurídica, cabe também a criação de todo um conjunto de regras


processuais que se apresentam como verdadeira condição adjectiva do juízo decisório e
que no tocante ao chamado processo jurisdicional, quer cível, quer criminal, representam
verdadeira condição para a presunção de justiça que este juízo decisório deve revestir.
Significa tudo isto que, o processo entendido como conjunto ordenado de actos que se
realizam para que se possa emanar o juízo decisório, se apresenta como fundamental,
por permitir racionalizar a acção dos órgãos, tornando-os mais eficientes na prossecução
do seu objectivo e por permitir também controlar o próprio órgão responsável pela
produção do juízo decisório, por definir os termos da sua actuação.
Sendo condição adjectiva da sentença, o processo jurisdicional permite também
em termos normativamente adequados, os fundamentos dessa mesma sentença, desde
logo, por definir as posições das partes e do próprio Juiz em tribunal. Sendo assim o
processo jurisdicional constitui uma relevante garantia da presunção de justeza e de
justiça que deve subjazer a qualquer critério jurisprudencial, na medida em que
racionaliza a decisão envolvida nesse critério e garante às partes uma adequada
participação nessa mesma decisão. Tudo o que acabou de ser dito pode ser
exemplificado pela alusão a três princípios verdadeiramente fundamentais que devem ser
observados no decurso de um processo jurisdicional relativo a uma questão cível ou
criminal, sob pena de a decisão proferida no âmbito desse processo, não se revelar nem
justa nem adequada à situação concreta. Referimo-nos ao princípio do contraditório do
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processo penal, aos princípios “Nulum crime sine lege” e ao princípio “In dubio pro
Reo”, estes princípios como verificaremos quando adiante se estudar o sistema
jurisdicional penal, são de tal forma essenciais na nossa ordem que se classificam de
transpositivos.
Em suma, a Ordem Jurídica não define apenas uma normatividade. Ela auto-
organiza-se também, através da sua função secundária e, esta auto-organização é factor
da sua própria subsistência como ordem. Ora, a especificidade desta função é tão
essencial a um seu funcionamento eficiente que alguns autores sustentam mesmo ser ela
a caraterizadora da Ordem Jurídica.

A ORDEM JURÍDICA E AS SUAS NOTAS CARACTERIZADORAS

A Ordem Jurídica apresenta como primeira característica a exigência, tendo por


finalidade regulamentar a prática social.
A Ordem Jurídica não pode realizar esta sua finalidade se não se apresentar ela
própria como um conjunto ordenado de critérios, normas, princípios e fundamentos.
Sendo uma produção cultural do homem, a Ordem Jurídica representa um esforço
de ordenação dos comportamentos que esta adopta em sociedade. Essa ordenação só é
possível porque a própria Ordem Jurídica incita a si a característica de ordem. Assim, por
exemplo, é neste contexto que se entende a importância da função secundária ou
organizatória da Ordem Jurídica que precisamente tem por finalidade a resolução das
contradições que os critérios primários entre si estabelecem e que é verdadeiramente
essencial para que a Ordem Jurídica subsista como uma ordem.

No plano estrutural, o sentido comunitário da Ordem Jurídica é uma exigência da


sua própria razão de ser, porquanto, visando a Ordem Jurídica regulamentar a prática
social ela existe necessariamente no contexto estrutural dessa prática. Que o mesmo é
dizer, o contexto situacional da Ordem Jurídica é a comunidade que ela visa
regulamentar.
No plano intencional, o sentido comunitário da Ordem Jurídica transporta-nos para
o problema da sua vigência e permite um primeiro pressuposto para a diferenciação da
Ordem Jurídica relativamente às mais ordens sociais.

A Ordem Jurídica só será vigente se os sujeitos, cujas relações ela visa


regulamentar, lhe reconhecerem uma certa legitimidade e o reconhecimento desta
legitimidade resulta necessariamente da assimilação que a Ordem Jurídica faça e
depois reflicta nos critérios que produz das intenções de validade nucleares que esses
mesmos sujeitos reputam como a base estrutural da sociedade a que pertencem. Sendo
assim, a vigência da Ordem Jurídica exige a adesão da comunidade aos seus critérios.
O que só acontecerá se a Ordem Jurídica for o reflexo normativo dos valores essenciais
que os membros dessa comunidade reputam como seus.
A Ordem Jurídica podendo embora por vezes utilizar-se da coação, não pode
nunca encontrar nesta uma nota caraterizadora (com efeito mesma nas situações em
que a coacção é convocada para a realização do Direito, ela representa sempre um uso
legitimo da força).
É uma ordem dotada de sentido comunitário e com uma objectividade
quer institucional, quer dogmática (imune à critica, aquilo que nos impõe).
A objectividade institucional resulta do facto de a Ordem Jurídica se apresentar
perante nós, que somos os seus sujeitos, como uma realidade que existe
independentemente da nossa subjectividade, isto é, independentemente da nossa aceitação
individualmente expressa. Com efeito, a Ordem Jurídica desde que integrada pelas
estruturas dotadas da competência de a produzir, de a aplicar e de sancionar a sua
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violação existe, sem que para tal seja necessário que cada um de nós a ela adira
individualmente, o que significa que ela encerra uma capacidade de auto- subsistência
precisamente porque é dotada de objectividade dogmática. Porém se para existir como
uma realidade a Ordem Jurídica não necessita da nossa adesão individual, vimos já que
para vigorar, ou seja, para prosseguir a sua finalidade de regulamentação da prática
social, ela só necessita da adesão da comunidade à qual se dirige, sendo que também já
se viu que essa adesão só se produz se essa comunidade reconhecer à Ordem Jurídica
a legitimidade que lhe decorre do facto de ela assumir como seus os valores
fundamentais em que essa comunidade se sustenta.
Para além desta objectividade autárquica a Ordem Jurídica apresenta ao nível
do seu conteúdo uma objectividade dogmática, que se prende directamente com o
seguinte:
O direito para se realizar exige o momento da sua produção e o momento da sua
aplicação. No momento da sua aplicação o direito exige necessariamente a tomada de
decisão e por seu turno a decisão pressupõe que o sujeito mobilize entendimento do
mundo que o rodeia e no qual ele se encontra inserido. Com efeito, o juiz, que sabemos
ser um dos elementos polarizadores do momento da aplicação do direito, só pode
emanar o juízo decisório, que se revela essencial para a resolução do litígio, se for capaz
de entender o mundo que representa o contexto em que o próprio litígio ocorre.
Ao mobilizar estes entendimentos do mundo, que são essenciais para a tomada de
decisão, o Juiz convoca dogmas, que aqui não são entendido como verdades irrefutáveis
e insusceptíveis de qualquer critica. E a tomada de decisão é de tal forma nuclear, que a
própria Ordem Jurídica acautela a sua observância ao proibir ao Juiz, no art. 8º do C.C.,
que se abstenha de julgar mesmo na falta da lei, perante a obscuridade da lei ou nas
situações em que considera persistir dúvidas quanto aos factos em litígio. Nenhuma das
referidas hipóteses, sustenta uma legítima recusa do Juiz em tomar a decisão. O que
significa que este, enquanto agente do momento da realização do direito através da sua
aplicação, tem sempre que decidir e portanto tem sempre que recorrer aos
entendimentos do mundo em que está inserido. Tudo isto significa que a produção do
juízo decisório essencial à realização do direito tem na sua base a tomada de uma
decisão que só é possível, porque o juiz convoca dogmas que se apresentam portanto
como condição sine qua none para a própria existência da Ordem Jurídica.

Em conclusão, a prática social e o próprio direito que a visa regulamentar exigem a


decisão das controvertias juridicamente relevante (daí a proibição da pronuncia de – nom
liq consagrada no art. 8º do C.C.

CONCLUSÃO DA ANÁLISE DA ORDEM JURÍDICA

Os efeitos ou resultados práticos da Ordem Jurídica:


1. A Racionalização
É um efeito que a Ordem Jurídica tem, em decorrência da sua função primária ou
prescritiva. Com efeito, pretendendo regulamentar a nossa prática social, a Ordem
Jurídica fornece-nos critérios constitutivos dessa mesma prática através dos quais
determina e qualifica os nossos comportamentos relevantes segundo o binómio válido ou
inválido, lícito ou ilícito. Ao ordenar deste modo a nossa acção, a Ordem Jurídica está a
racionalizá-la.
Posto que, a própria Ordem Jurídica representa um produto cultural do homem,
assume-se enquanto manifestação da segunda natureza que a cultura constitui em
relação ao homem.

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2. A Institucionalização
Este efeito da Ordem Jurídica decorre também da natureza de ser inacabado do
homem, visto que a institucionalização se prende com a criação de instituições e o termo
instituição, derivando da palavra In-Status, significa estabilizar aquilo que já existe de
forma a fornecer ao homem modelos de comportamentos subsistentes, aos quais se
associam determinados valores e sentidos.
Como diz o Dr. Pinto Bronze “Na ausência de instituições, o homem quando
pretende agir sentir-se-ia sempre como se estivesse no primeiro dia do géneses”
Com efeito, a acção pressupõe a convocação de dogmas que aqui se assumem
como entendimentos que o homem tem do mundo. Ora, essa convocação desses dogmas
só é possível na medida em que o agir do homem se sustenta em algo que já pré-existe e
reporta essa sua ação a uma espécie de experiência herdade à qual reconhece uma
presunção de vigência. Esta experiência no qual o homem se sustenta sempre que
pretende agir é dado pelas instituições. Sendo assim, a acção do homem desenvolve-se,
quase toda, dentro dos padrões do que já está institucionalizado.
Em conclusão, ao efeito da institucionalização que a Ordem Jurídica produz,
cumpre uma verdadeira função antropológica porque a criação de instituições é
exigida pela natureza.

3. A Liberdade
Trata-se de um efeito que a Ordem Jurídica produz, em estreita conexão com o da
institucionalização.
Na verdade, se a institucionalização limita a liberdade, também a permite. Limita-a
na medida em que, ao existir instituições, sempre que agimos fazemo-lo nos quadros
definidos por essas instituições e, em consequência, vemos a nossa liberdade, cujo
núcleo essencial é a autonomia e a auto determinação de cada um de nós, limitada pela
existência dessas instituições. Contudo, a existência de instituições é também verdadeira
condição da existência da própria liberdade posto que a liberdade absoluta conduz
necessariamente a um arbítrio (juízo) e em consequência à própria negação da
liberdade.

Do que acaba de se dizer resulta que a liberdade implica duas dimensões


essenciais:
1. A dimensão da autonomia do sujeito;
2. A dimensão da inserção desse sujeito na comunidade.

Sendo assim, para que a autonomia exista é essencial que se afaste, qualquer
manifestação de arbítrio, e tal só se consegue quando aceitamos comportamentos
sociais que desenvolvemos dentro do que está institucionalizado.

4. A segurança
É mais um efeito que a Ordem Jurídica produz em decorrência da sua função
primária ou prescritiva, porque através desta função a Ordem Jurídica elabora critérios
que prescrevem o sujeito, os comportamentos que estes devem adoptar e aqueles que
estes devem evitar.
Ora, ao realizar esta função prescritiva, a Ordem Jurídica permite aos sujeitos, seus
destinatários, a ordenação da sua prática social, bem como a atempada previsão das
consequências associadas a essa prática e, permite ainda, que cada sujeito preveja
também as consequências associadas aos comportamentos adoptados pelos outros
que com ele interagem social e juridicamente.
Neste contexto produz-se a segurança necessária para essa interacção
jurídico-social e a Ordem Jurídica realiza mais um dos seus efeitos práticos
relativamente aos sujeitos seus destinatários.
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5. A Paz
O efeito da paz que a Ordem Jurídica realiza, encontra-se directamente
relacionado com o problema nuclear do direito que é o da partilha do mundo. Com efeito,
sendo o mundo um só e nós muitos, essa partilha e o consequente usufruto que cada
um tem do mundo. Realiza-se sempre encontrando nos outros sujeitos mediadores -
quer os mediadores positivos quer mediadores negativos.
Sendo que, cada um de nós portadores de uma multiplicidade de interesses, que
entre si conflituam, e que conflituam, igualmente, com os interesses dos outros, ao
direito cabe definir uma ordem hierarquizada de valores, fixar os meios para o
cumprimento desses valores e criar os órgãos imparciais para o respeito desses valores.
Sendo assim, a Ordem Jurídica limita o poder, impede o uso da força privada
para a realização dos direitos e permite que a vida em sociedade consubstancie uma
coexistência pacífica.
Sendo entendida pelos sujeitos da sociedade a que pertence como uma ordem
válida porque assimila normativamente os sentidos e os valores que essa sociedade
reputa como relevantes, a Ordem Jurídica pode realizar uma função de prevenção dos
litígios que é verdadeiramente a principal condição da paz. Com efeito, é quando a
Ordem Jurídica realiza esta função de prevenção dos litígios mais do que quando
precede a sua resolução, que nós, sujeitos dessa ordem, assimilamos e orientamos de
forma quase natural o direito, concebendo como princípio constitutivo na nossa acção
social.
Em conclusão, pode pois afirmar-se que o efeito mais relevante da Ordem Jurídica
é o da Paz, quando produzido através desta função de prevenção dos litígios.

CAPÍTULO II

A questão de saber o que é que constitui o direito como instância de validade e a


crítica dos comportamentos sociais - o princípio constitutivo da nossa prática social
assume-se como uma questão de natureza prática e, em consequência, inserida no
próprio processo histórico.
Sendo assim, a resposta a esta questão obter-se-à procurando reconstruir o
sentido específico do direito por referência à realidade jurídica própria do séc. XIX. Ora, o
séc. XIX foi juridicamente o período do positivismo normativista e legalista que, em
termos muito genéricos e simplistas, se caracterizou pela identificação do direito com a lei
e da lei com a norma geral, abstracta e formal.

O Positivismo, assenta na ideia geral de que o direito era posto pelo poder
legislativo. Para os juristas tal como para os restantes cidadãos, o direito era uma dado
pré-suposto de modo que nada mais lhes restava senão submeterem-se a ele. Sendo
assim, o direito perfilhava-se-lhes como um objecto do conhecimento.

Ao procurar-se entender o positivismo Jurídico desenvolve-se uma análise


estrutural em função de três questões essenciais:
1. Como surge o positivismo Jurídico?
2. Como se caracterizou o Positivismo Jurídico?
3. Como se superou o Positivismo Jurídico?

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Factores determinantes do aparecimento do positivismo Jurídico do séc. XIX

Na época pré-positivista, que identifica o período da antiguidade Grega e Romana


e da Idade medieval, o direito não era considerado um dado, identificava-se antes uma
normatividade que se inferia de múltiplas fontes com prevalência para o costume. Por
outro lado, o direito entendia-se como um problema prático em contínuo processo de
realização sendo que esta realização se operava aquando da resolução dos casos
concretos, ele era um constituindo por mediação dos problemas juridicamente relevantes.
A isto acresce que, existindo um continum entre o direito e ética, o Direito reflectia, de
modo natural, os valores culturais da comunidade concreta em causa e surgia como um
precipitado normativo e dogmático da reflexão sobre o bem e o justo.
Quanto ao pensamento jurídico, era a filosofia prática, no universo da qual, o
direito se encontrava mergulhado em termos ontológicos na Grécia, em Roma e
teológicos na Idade média.
Para o Positivismo, o direito não deriva de especulação ético-cultural, mas é
um objecto para um conhecimento. Com efeito, na época clássica Romana, o direito
entendia-se como uma Iurisprudentia, pois, radicava na resolução dos litígios.
O pensamento jurídico, próprio desta época, era um pensamento casuístico
(minucioso) e o papel do jurista consistia, não em constituir o direito mas sim em o revelar
através da resolução dos casos concretos.

Na época medieval, o Direito mantém-se uma Iurisprudentia, mas radica


fundamentalmente na hermenêutica ou interpretação dos textos sobre tudo do Corpus
Iuris Civilis (Direito Civil) e o Copus Iuris Canonici (Direito Canónico. Essa
hermenêutica (arte de interpretar o sentido das leis) orientava-se pelo método do
escolástico (orientado pela Escola de Direito de Bolonha) que consistia, em primeiro
apresentava-se a questão e em seguida tomava-se uma posição provisória sobre ela,
para depois invocar os argumentos de autoria a favor ou contra essa posição (a chamada
opinião comum dos Doutores) para por fim, através desta dialéctica, tentar chegar a uma
conclusão.

Em ruptura com tudo o que acaba de se afirmar, o período moderno, que se faz
equivaler ao séc. XIX, vem afirmar uma concepção do direito totalmente nova. O direito
passa a entender-se como uma construção feita a partir de uma racionalidade de valores
afirmada. O homem do período moderno iluminista pensa-se a si próprio como o centro
do mundo e recusa compreender-se por referência a uma qualquer ordem que lhe seja
interior ou exterior (como acontecia, por exemplo, no período romano com a ordem da
Civitas) é pois, um homem de imanência (permanência).
Esta rara concepção de homem, vai reflectir-se de modo profundo na compreensão
de todos os valores e também na construção e compreensão do direito.
O grande teorizador desta razão autentista, isto é, desta razão que procura o seu
próprio fundamento em si mesmo, foi Decartes. Para este, esta razão entendia-se como
uma cadeira de razões logicamente construídas e a culminar numa matemática universal.
É neste contexto que surge o positivismo Jurídico do séc. XIX, o qual se
sustentou fundamentalmente nas seguintes premissas:
1. O Direito é uma normatividade que resulta exclusivamente da Lei;
2. A lei, enquanto elemento polarizador no processo de criação do direito, afirma-se
como uma norma que só se constitui como critério jurídico quando apresenta as
características da generalidade, abstracção e formalidade;
3. Ao pensamento jurídico cumpre apenas uma função cognitiva porque o direito surge
como algo constituído que o jurista deve conhecer numa atitude de neutralidade.

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Em conclusão, até à época moderna (inclusive), o direito não se distinguia da


filosofia prática. O positivismo veio afirmar uma concepção inovadora: rompeu com
esta imposição das coisas e imputou a constituição do direito à vontade política do
poder legislativo. Continuou, decerto, a identificar-se o direito com a lei.

Primeiros factores responsáveis do Positivismo Jurídico

O pensamento moderno iluminista que se desdobra no tocante à sua caraterização


e a factores essenciais:

a) Factor antropológico
O homem moderno-iluminista compreendia-se como um ser de autonomia,
actuava a liberdade que se reconhecia através da razão, pretendendo desse modo
construir uma ordem nova a partir de si mesmo.
O homem moderno cortou com todos os referentes situados fora de si e foi esta
exactamente a base do individualismo. Diferentemente, o homem pré-moderno, não era
individualista, pois compreendia-se extrapondo-se (encontrava o seu sentido fora de si).
O homem moderno pretende construir a ordem do mundo, legislando-a.

b) Factor cultural
Como manifestação directa do pensamento do homem surgem-nos no campo
cultural os fenómenos do secularismo e do historicismo. Com efeito, o homem antes da
idade moderna, orientava-se por valores do tempo e da história e reconhecia nestes
valores o seu próprio fundamento, esta atitude denominava-se de secular (secularização).
Com a idade moderna todos esses valores, os chamados valores deste mundo,
deixam de ser entendidos como manifestações divinas para se entenderem como valores
próprios do mundo e da história, pelos quais o homem era totalmente responsável e
podia dispor livremente da sua prática (secularismo). Com isto, o homem moderno-
iluminista rompe com qualquer transcendência e afasta-se de Deus. Acentua-se portanto,
a passagem da transcendência para a imanência e a secularização é substituída pelo
secularismo.

O secularismo, ao radicar na ideia de que o homem é o único responsável por si


mesmo e em consequência que pode dispor livremente da sua prática, vai contribuir para
o positivismo jurídico, porque vai reforçar a importância da lei, considerando-a o
instrumento mais apto para permitir a realização do objectivo do homem de assumir
livremente a sua prática.

No âmbito da história, o período moderno-iluminista caraterizou-se pela afirmação


do historicismo, ou seja, pela compreensão da história como uma sucessão de
acontecimentos que se projectam no tempo. Sendo assim, desapareceu a ideia de inter-
subjectividade que subjazia à historicidade das épocas pré-modernas.

Por último, a concepção do homem, própria do período moderno-iluminista, vai


reflectir-se de modo particular numa nova concepção da razão (racionalismo). Com efeito,
na época pré- moderna a racionalidade era Inter-Legere (lia-se a si própria) posto que
procurava um fundamento para as coisas dentro delas e sem duvidar do seu sentido.
Na época moderna a razão passa a ser uma razão autista porque procura o
fundamento dela própria, nela própria e já não no mundo. A razão do período moderno-
iluminista, é pois, uma razão axiomaticamente formada, porque é antropologicamente
construída. O grande pensador desta razão, Descartes, que a entendeu como uma
cadeia
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de razões logicamente construídas e a culminar na matemática universal. Este


racionalismo corresponde a uma hipertrofia da razão, que leva ao aparecimento
das ciências empírico-científicas, como a matemática e a física, e contribuiu para o
aparecimento do Positivismo jurídico.
Neste contexto de hipertrofia da razão, o direito deixa de se entender como um
conjunto de critérios, visando a resolução de litígios, para se afirmar como uma dimensão da
praxis social. Este direito ideal é o direito natural afirmado pelo jusnaturalismo é a
contribuição para o surgimento do positivismo legalista e normativista, porque ao sustentar
que o direito é uma normatividade dualizada da praxis social, vai privilegiar a lei, como modo
de criação deste direito, porque a lei também se caracteriza pela abstracção.
O Direito era, pois, uma antecipação racional de regulamentação e não
propriamente um conjunto de critérios para a resolução de problemas histórico-concretos.

Surgem na Europa e entre nós os primeiros códigos modernos que, tal como
acontece com a lei, são obras jurídicas que se decretam antes para se aplicarem depois.

Em conclusão, podemos dizer que, o homem moderno-iluminista foi marcado


por várias hipertrofias, fruto do seu racionalismo voluntarista que projectou em
construções superadoras dos velhos paradigmas, substituindo-os por outros pois
afirmou a sua autonomia, mas hipertrofiou-a no individualismo, insistiu na secularização
e cai no secularismo, propôs a racionalização e cedeu ao racionalismo e divorciou a
ciência da sabedoria e inaugurou a era do cientismo e do tecnicismo.

c) O factor social
Também no domínio social, a nova compreensão do homem que caracteriza o
período moderno vai produzir as suas consequências.
O homem moderno-iluminista rompeu com todas as referências ético-religiosas e
ao considerar-se o fundamento de si próprio, vai automatizar a dimensão dos interesses e
dentro dela emancipar os interesses económicos.
Com esta emancipação, dá-se no plano social, o aparecimento do capitalismo que
desenvolveu de forma notável os estudos económicos (por isso, de pode afirmar que
antes de Adam Smith não existiram propriamente economistas).

Ao homem moderno-iluminista, que se afirma como, um homem do individualismo,


e que nega a existência de qualquer homem que lhe seja exterior, colocava-se o problema
de saber como resolver a questão da convivência social. Na verdade, embora o
individualismo negue a existência do outro, o certo é que o outro existe e mesmo como
individualista tem de resolver o problema da sua convivência social.
A resolução deste problema, que o mesmo é dizer, a resolução da questão relativa
à construção da sociedade, foi pensada, pelo homem moderno-iluminista por recurso
que figura do bom trato social criando um modelo para por em prática.
Assim, todos os grandes pensadores deste período partiam de um mesmo
pressuposto, o de que o homem começa por existir num estado da natureza mas depois
tem de transitar para o estado da sociedade. Esta transição realiza-se pelo contrato social:
pensou a sociedade como se todos fizessem um acordo na base de um contrato.
O recurso à figura jurídica desse contrato justifica-se na medida em que o contrato
assenta num acordo livre de vontades. Nesse contrato transacionam-se interesses e
afirma-se a liberdade e igualdade das suas partes.
Como homem moderno-iluminista, entende-se essencialmente como um homem
livre pelo que se considerava que o mais natural é que todos os homens, enquanto seres
livres, elaborem um modelo de construção da sociedade, que assente num acordo
dessas liberdades que traduza um vínculo mútuo das realidades mas para afirmação
desses
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liberdades. Esse acordo era um contrato social. O contrato social identificava uma
vinculação das liberdades, por afirmação das próprias liberdades.
É em Rousseau que se encontra, de modo exemplar, traduzido este problema
visto que para este o contrato social é a resposta para a questão da construção da
sociedade entendida como uma forma de associação que visa defender a pessoa e
os bens de cada associado, que se constitui como base na liberdade e cuja finalidade
é a protecção dessa mesma liberdade.

O contrato social é pois a origem de todas as regras de convivência entre os


homens e portanto também das regras de Direito.

d) O factor político
O recurso à figura do contrato para basear a construção da sociedade durante o
séc. XIX, traduziu a recuperação de um modelo antigo ainda que com um novo sentido.
Os gregos já tinham utilizado a ideia de Pactum, mas tinham-no feito com vista a
legitimar em termos de homologação racionalizante a ordem política comunitária que a
Polis representava. Isto significa que na cultura grega, o pacto social era um pacto
homologador. Diferentemente na época moderna recorre-se novamente à ideia de pacto
mas entende-se este como um pacto constituinte.
A este pacto constituinte chamava-se Pactum Unionis e atribui-se-lhe a função de
constituição do cosmos social. Sendo que, porque toda a ordem social exige uma ordem
politica, ao Pactum Unionis sucede o Pactum Subjectionis que por seu termo constitui o
poder politico ou o Estado. Este Estado do período moderno terá na sua base duas grandes
ideologias – a democracia – com vista à prossecução e igualdade e o liberalismo
– com vista à liberdade. Chama-se a este Estado demo-liberal e como veremos a
sua constituição representou mais uma das condições dominantes do aparecimento
do Positivismo do séc. XIX.

Segundos factores determinantes do Positivismo jurídico do séc. XIX

Durante o séc. XIX, as leis eram entendidas como regras que visavam coordenar as
liberdades para que cada um pudesse realizar os seus interesses. Tratava-se apenas de
coordenadas e já não de definir os contratos das liberdades, pelo que essas leis não
pretendiam orientar o exercício concreto das liberdades, mas apenas coordena-las.
A concepção própria de Lei, do período que corresponde ao séc. XIX, foi mais uma
das condições determinantes para o aparecimento do positivismo normativo e legalista
do séc. XIX.

A nova concepção de Lei

1. Uma norma imputada exclusivamente ao Poder Legislativo


2. Uma norma que só se constituía como um critério jurídico se assimilasse nesse texto
uma determinada estrutura formal e:

Hipótese normativa é o elemento estruturante da norma legal onde se faz


referência a um certo acontecimento da realidade social atendendo às suas caraterísticas
essenciais mas abstraindo-se do particular e do contingente de modo a construir um tipo
ou categoria jurídica abstracta.
A esse elemento estrutural da norma corresponde a preposição “SE”. Assim, por
exemplo, a norma contida no art. 1550º do C.C. determina que se alguém for
proprietário

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de um prédio que não tenha comunicação com a via pública (1º requisito), nem condições
que permitam estabelecer sem incomodo ou dispêndio (2º requisito) “ENTÃO” terá a
faculdade de exigir a constituição de uma servidão de passagem sobre o prédio rústico
vizinho.
O 2º requisito é a chamada estatuição ou consequência jurídica que
corresponde à preposição então, e que corresponde à situação concreta. Significa
pois, que a norma, para se constituir como uma verdadeira lei, tem de obedecer à
estrutura formal de “SE ENTÃO”

A generalidade é a universalidade ao nível dos sujeitos, ou seja, as leis tinham


que ser iguais para todos. Com efeito, as leis do séc. XIX eram entendidas como “Atos
de todo o povo, e para todo o povo” - Rousseau. Estas visavam afastar a ideia de
diferença social criando os conceitos de cidadãos e de iguais e deste modo assegurar a
igualdade perante a lei, desaparecendo a ideia de diferença social. Não havia mais
nobres de uma lado e plebeus do outro, apenas cidadãos, ou seja, iguais.
Até ao período em questão eram muito frequentes as leis sobretudo no domínio da
tributação fiscal que distinguiam entre os sujeitos onerando uns e privilegiando outros.
Na época moderna em que os homens se afirmam como seres livres e iguais, a
exigência da generalidade visa prosseguir a realidade da igualdade. Esta igualdade
perante a Lei era tão só uma igualdade formal.
A característica da abstracção prende-se já com a universalidade ao nível dos casos.
A nova concepção de lei, própria do período em questão, abstrai-se do particular e do
contingente, que subjazem aos casos concretos e individualizados, para construir um tipo
jurídico, isto é, uma categoria abstracta de acontecimentos da realidade social permitindo,
assim, a segurança e a certeza do direito desde logo porque, sendo abstracta, a lei pode
aplicar-se a todos os casos que ocorram depois do momento da sua feitura.

Em suma, as Leis do contratualismo iluminista constituíam desenvolvimentos


normativos autorizados pelo contrato social que as fundamentava.
Tinham por única função coordenar estruturalmente as liberdades para possibilitar
a cada um a realização dos seus próprios interesses e eram basicamente caraterizadas
pelas notas de generalidade (ao serem iguais para todos), da abstracção (ao irrelevarem
a individualidade e a especificidade das situações para poderem aplicar-se lógico-
dedutivamente) e da formalidade (ao limitarem-se a definir as regras do jogo da actuação
dos interesses sem nele se envolverem) pois só assim se garantiam os valores da certeza
do direito e da igualdade perante a lei.
Para a compreensão da lei como norma geral e abstracta, contribuiu decisivamente
Rousseau, na medida em que, para este a sociedade entende-se como uma forma de
associação pela qual cada um ao unir-se ao outro permaneça tão livre e igual quanto
antes e portanto não obedeça verdadeiramente se não a si mesmo. Isto justifica-se uma
vez que, se no status naturalis, o homem se afirma essencialmente como um ser livre e
igual no status civilis de se manter essa liberdade.
Rousseau defende uma ordem social e política que tem por fundamento
e finalidade a liberdade.

O problema do Direito em Rousseau surge do seguinte modo:


Esta sociedade que se afirma como uma forma de associação de cidadãos livres e
iguais tem de se expressar, que o mesmo é dizer tem de manifestar a sua vontade.

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Para responder à questão de saber como esta vontade se manifesta, Rousseau


parte de uma construção teórica, onde distingue três tipos de vontades:
1. Vontade particular;
2. Vontade de todos;
3. Vontade geral.

Se a vontade particular e a vontade de todos são vontades reais e que se


exprimem empiricamente, já a vontade geral é uma construção racional que permite
explicar como é que a forma de associação, que a sociedade representa, se expressa.
Para Rousseau, os cidadãos livres e iguais exprimiam a sua vontade geral através
de atos de todo o Povo para todo o povo e sobre uma matéria comum. Estes atos eram
as leis sendo que, ao se considerem como atos de todo o povo, tinham a caraterística da
generalidade. Visto que a generalidade é a universalidade ao nível dos sujeitos, por outro
lado, ao se definirem como atos sobre uma matéria comum tinham a caraterística da
abstracção visto que abstracção é a universalidade ao nível dos casos.
Para além de Rousseau, também Kant contribuiu decisivamente para esta nova
concepção da lei. Se bem que Kant não acentuou as caraterísticas da generalidade e
abstracção, mas sim a exigência da formalidade, isto é, da forma como a lei se deve
dirigir aos cidadãos.
Quando Kant considera o problema do direito, entende que esse mesmo direito
não deve impor à ação social um qualquer conteúdo, posto que é este conteúdo, dever-
ser, estabelecido pelo autodeterminação que se reconhece a cada homem.
Ao direito cabe apenas articular os diversos arbítrios de modo a permitir a
passagem do plano do arbítrio que é o plano do particular, para o plano da liberdade
que é o plano geral.
O direito é, para Kant, apenas uma ordem que permite, através da sua articulação,
a existência dos vários arbítrios individuais.

Ao privilegiar a razão, Kant contribuirá decisivamente para a passagem do


direito natural para o direito racional. O mesmo é dizer, para a passagem do
Jusnaturalismo próprio dos finais do séc. XVIII para o Jusracionalis iluminista próprio
dos princípios do séc. XIX.

Terceiro factor determinante do positivismo jurídico do séc. XIX

O Estado demo-liberal tem na sua base ideologias da democracia e do liberalismo. O


homem do séc. XIX, versando qualquer ordem que lhe seja anterior ou exterior, pensa-se
a si mesmo como o responsável pela criação de uma nova ordem social, política
e jurídica.

Na base da constituição da sociedade do Estado e do direito, encontra-se o


contrato social, ou seja, o acordo de vontades livres e iguais. A criação da sociedade
com base neste contrato coloca de imediato o seguinte problema: o da constituição de
um novo poder político, ou seja, de um estado que resultasse da liberdade e fosse para
ela legitimado.

Foi sobretudo devido ao pensamento de Rousseau e Locke, que surgiu o


Estado do Sec XIX.
Rousseau defendeu a ideologia própria da democracia ao afirmar o valor da
igualdade e a ideia da vontade da maioria e Locke foi o grande defensor da ideologia

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liberal defendendo o valor da liberdade e a ideia dos direitos fundamentais do


homem como direitos inalienáveis, que ao Estado cabia reconhecer e garantir.
Estas duas ideologias acabaram por se sintetizar originando o Estado demo-
liberal e fundamentando a exigência política de que a vida em sociedade fosse
definida por normas gerais, abstractas e formais.
É neste sentido que as ideologias democráticas e liberais contribuíram para a
identificação do direito como a lei e em consequência para o positivismo legalista e
normativista do séc. XIX.

COORDENADAS CARACTERIZADORAS DO POSITIVISMO JURÍDICO

Coordenada Política
O Positivismo jurídico apresenta como postulado básico o da identificação do
direito com a lei fazendo depender a jurisdicidade da prescrição das normas legais por
instâncias politicamente legitimadas e por respeitos de critérios fundamentais mas numa
atitude de radical separação quanto às exigências materiais relativo ao conteúdo dessa
lei. Por isso, o positivismo afirmou a separação absoluta entre o direito-lei e as
exigências de dever-ser social.
No plano político, o positivismo afirmou uma compreensão do Estado como
Estado de direito de legalidade formal, ou seja, o Estado criado pelo contratualismo e
com base nas ideologias democrática e liberal.
Como princípios estruturantes de Estado encontramos o princípio da
separação de poderes, o da legalidade e o da independência judicial.

O princípio da separação de poderes foi enunciado por Montesquieu na sua obra


“De l’esprit dês lois”. Os poderes repartidos compensar-se-iam reciprocamente e
controlar-se-iam uns aos outros pondo-se termo ao Estado absoluto anterior.

Ora, com base nesta ideia, Montesquieu defendeu uma repartição do poder
absoluto do soberano, que caracterizou o antigo regime em 3 poderes essenciais:
a) O Poder executivo;
b) O Poder legislativo;
c) c) O Poder judicial.

Montesquieu considerava estes três poderes como politico-socialmente


autónomos, porque defendia que cada um destes poderes representava um certo
estrato social.
Assim, o poder executivo representava o Rei, o poder legislativo representava o
povo e a aristocracia, e o poder judicial não representava nenhum estrato social em
particular, sendo composto por elementos de toda a sociedade.
Esta compreensão do poder judicial conduziu ao início da sua secularização,
porque Montesquieu defendia que os juízes da nação eram apenas, a boca que
pronunciava as palavras da lei.

Os poderes dividiam-se para se fiscalizarem mutuamente originando um equilíbrio


tido como verdadeiramente essencial para a própria estrutura funcional do Estado e
garantindo o valor da liberdade.
O princípio da separação de poderes, tal como entendido pela ideologia
democrática (Rousseau) veio, contudo, fragilizar este equilíbrio ao afirmar o poder
legislativo como poder supremo (principal).
Com efeito, considerando que o poder legislativo se encontrava na Assembleia
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Representativa e que este órgão traduzia a vontade geral, então afirmava-se que todos
os demais poderes actuavam no quadro definido pelo poder legislativo. O que significa
que a ideia de poderes políticos socialmente autónomos, defendida por Montesquieu, se
perde agora nesta compreensão do princípio de separação de poderes, próprio da
ideologia democrática.

O princípio da legalidade afirmava-se que, sendo a lei o estatuto geral, abstracto


e formal, de toda a prática política e de toda a acção social concreta.

O poder executivo e judicial tinham de actuar cumprindo rigorosamente com o que


a lei prescrevia. Isto significa que, se o princípio de separação de poderes afirmava que a lei
era o quadro dos demais poderes, o princípio da legalidade veio afirmar que a lei é o
fundamento dos demais poderes consolidando a supremacia do poder legislativo.

Por ultimo, o princípio da independência judicial, afirma a independência do juiz


mas por referência à obediência à lei, isto é, a finalidade desta independência judicial é
assegurar que os tribunais não recebam ordens de ninguém, sobretudo do poder
executivo e que apenas se encontrem sujeitos à lei porque só assim, quando resolve um
caso concreto, o juiz limita-se a uma aplicação lógico-dedutiva da lei, enquanto norma
geral, abstracta e formal e, em consequência, a sentença surge tão neutra, tão
impessoal e tão objectiva como a própria lógica.
Este princípio também contribuiu para a supremacia do poder legislativo, porque
a independência jurídica define-se como uma obediência do juiz à Lei.

Coordenada jurídica
Esta identificação opera-se durante o séc. XIX porque na base da constituição do
direito se incita o contratualismo individualista.
O homem do séc. XIX, ao negar qualquer ordem pela qual ele próprio não
fosse responsável, vai considerar que o direito é apenas aquele que nasce de um acto
de vontade racional de homens livres e iguais.
É na Assembleia Representativa que se criam as regras a que depois os vários
associados se submetem para a regulamentação da vida em sociedade. Estas regras
tinham por base a liberdade e a igualdade e tinham por função garantir através de um
vínculo recíproco os direitos e liberdades dos cidadãos sendo que, para tal, eram
entendidos como atos de todo o povo, para todo o povo e sobre uma matéria comum.

Coordenada Axiológica
A Axiologia própria do positivismo jurídico tinha um carácter meramente formal
porque se apresentava como totalmente indiferente ao conteúdo da lei.
Durante o séc. XIX defendia-se que se as leis fossem gerais, abstractas e formais,
assegurariam a igualdade de todos perante a lei, e ainda, a certeza e segurança jurídicas.
O positivismo jurídico operou uma radical separação entre o direito e as
exigências de dever-ser social, deixando de existir qualquer tipo de preocupação com o
conteúdo material das leis.

Coordenada funcional
Antes do Positivismo jurídico, o direito entendia-se como um problema prático que
se ia realizando mediante a resolução dos litígios concretos e considerava- se que na
sua base se encontrava inúmeras fontes com prevalência para o Costume.
O direito reflectia de modo natural os valores essenciais da comunidade social
porque se encontrava mergulhado no universo da filosofia prática. Sendo assim, o
pensamento jurídico era uma Iurisprudentia e entre o direito e este pensamento não
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existia, a nível intencional, uma qualquer distinção, porque ambos visavam a


realização do justo.

Com o Positivismo jurídico do séc. XIX, opera-se uma visão dualizante entre o
direito e o pensamento jurídico, porquanto ao considerar-se o direito como identificado
com a lei, vai-se entender que o jurista encontra na lei como totalmente constituído e
deve ter perante ele uma atitude puramente cognitiva. Isto significa que, com o
positivismo, o direito começa a entender-se como um mero objecto de conhecimento pelo
que a função do jurista era apenas a de conhecer o direito que se lhe apresentava como
totalmente constituído pelo poder legislativo, nada tendo o pensamento jurídico a ver com
a determinação do respectivo conteúdo. Isto significa que o pensamento jurídico do séc.
XIX, tem uma intenção puramente cognitiva, caracterizada por um desinteresse quanto ao
conteúdo material do Direito. Doravante, o jurista não mais se preocupara em saber se o
direito é válido ou inválido, justo ou injusto, competindo-lhe apenas conhecer o direito de
modo objectivo e neutral e depois aplica-lo lógico dedutivamente.

Esta atitude que caracteriza o pensamento jurídico do Sec. XIX, ficou essencialmente a
dever-se a dois factores:
1) É de natureza politico-ideológica;
2) Tem um carácter cultural

O factor de natureza politico-ideológica reporta-se à identificação do direito


com a lei e ao não reconhecimento, ao jurista, de uma qualquer legitimidade para intervir
no problema da criação do direito, que se entende como sendo exclusivo do poder
legislativo.

O factor de natureza cultural diz respeito à ruptura que o positivismo realizou


relativamente à anterior radicação do Direito na filosofia prática. Sendo que, esta ruptura
se justificou pelo cientismo próprio deste período e pela pretensão de compreender o
próprio Direito como uma ciência.

Em conclusão, o jurista do positivismo do séc. XIX, preocupou-se apenas em


conhecer o direito que se encontrava nas leis. Que o mesmo é dizer, preocupou-se
apenas com a questão da interpretação da lei e esqueceu a questão da realização
do direito no momento da elaboração do juízo decisório.
A nível metodológico, isto é, no domínio do método jurídico, sendo o direito a lei
e, sendo esta, uma norma texto, ao jurista apenas cabia interpretar a Lei de acordo
com os cânones da pura exegese textual, isto é, circunscrevendo-se nessa
interpretação no sentido que resultava da própria letra da lei.

AS MAIS IMPORTANTES CONDIÇÕES DO POSITIVISMO


JURÍDICO DO SEC. XIX

A superação do Positivismo jurídico no âmbito do Direito privado

Nos finais do séc. XIX, o positivismo jurídico legalista entra em crise e dessa crise
resulta uma tentativa de superação dos “pressupostos” que baseavam a mesma crise. Hoje
em dia não existe um paradigma dominante no “mundo do Direito” e, além disso, o

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positivismo ainda está presente nesse mundo actual que se caracteriza por uma
grande diversidade das suas características.

Sintomas da crise do Positivismo jurídico legalista

O problema do caso concreto da decisão judicial.


O juiz tinha um papel lógico-dedutivo, uma actuação técnica sendo o direito
um sistema de normas.
Nessa altura partia-se da premissa maior (a lei) e da premissa menor (declaração
pelo Juiz).
A solução do caso é a que a norma prevê na sua estatuição.

Como se obtém a norma? Qual o critério para esse acto de vontade?


Um caso concreto é um acontecimento com muitas dimensões, é um caso da
vida com especificidades singulares.

Quais as dimensões que são importantes para avaliar os contornos do caso concreto? O
método lógico-dedutivo não contempla essas singularidades do caso concreto.

O Legislador era o cientista que sintetizava a norma, o juiz era um técnico que
tinha que se submeter ao que era postulado na lei enunciada pelo legislador. Este método
falhou porque paralisava o Juiz.

O pensamento do Positivismo normativista legalista é um pensamento formal


porque tem à ver com fins.
O direito deveria ser livre, abstrair-se dos fins, isto é, deveria ser teleológico.

Que é o pensamento formal do Direito?


Significa que o direito se deve abster de julgar, avaliar o modo de uso dos direitos
adquiridos pelo individualismo. É uma visão literal. O direito deve limitar-se a proporcionar
estabilidade de uso dos direitos.

Ruptura com algumas ideias da concepção moderno-iluminista


A questão, agora, é a de pegar no direito como uma tarefa prática inserido
ao máximo na vida.
O próprio pensamento jurídico deve atender a todas as dimensões e ser
orientado por valores = teleologismo.
O direito estará comprometido com os fins (finalidade).

Outro sintoma de crise


Muitos casos concretos não tinham solução plasmada na lei e esses problemas
também tinham relevância jurídica, isto é, as normas legais têm graves lacunas ao
nível da sua extensão.
A norma é geral e abstracta enquanto que o caso é concreto e por isso o julgador
tem que mobilizar valores práticos, não contidos na lei.

No 3º Reich haviam leis que, sendo terrivelmente injustas eram leis. Ora, a
jurisdicidade tenta colocar um travão à lei elaborada pelo legislador. Há a necessidade
de separação entre Direito e Lei.

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As transformações politico-institucionais
No contexto do séc. XIX, é um corolário da expressão da lei, o poder legislativo é
o único que pode criar o direito. Este era um poder de soberania. Hoje a separação de
poderes transvaza cada vez mais para o poder executivo.

A legislação está comprometida com a política pois tem cada vez mais acentuada
índole política.

Se a evolução do sentido da lei é forçosa, ela própria convoca um contrapeso, um


poder chamado a garantir o respeito pelos valores fundamentais da ordem jurídica e do
direito (função jurisdicional).
As funções legislativas e jurisdicionais, no actual sistema jurídico-político, não
só continuam a não ser análogas, como voltam a ser contrárias.

O ESTADO-PROVIDÊNCIA

Nova imagem do homem convertida em projecto da sociedade e do Estado. O


interesse pela qualidade de vida e do bem-estar.

Este Estado define fins e o seu meio de intervenção no domínio da prática – é a


lei, isto é, a intervenção do Estado determinada por uma planificação seletiva dos fins,
que não o é menos a de uma previsão cientificamente informada dos efeitos e das
diversas alternativas que lhes correspondem, e por uma conceção holística da realidade
social, ou seja, descobre a sociedade como uma espécie de sujeito individual
macroscópico, a seleccionar as necessidades-fins e a mobilizar os meios e as
alternativas de decisão eficientes.

A superação do conceito jurídico iluminista de lei-norma, uma nova lei que deixa de
querer ser o mero estatuto formal, e que renuncia à generalidade e à abstracção, mas
também à permanência - As leis plano e leis medida.

Leis plano: é uma lei aberta, imprecisa que autoriza o Legislador a ser impreciso para
haver uma adaptação às circunstâncias.

Leis medida: leis que se vincula a um fenómeno concreto, uma situação real de
necessidade perfeitamente definido no tempo e no espaço com um campo de ação,
portanto, é temporária e particular, porque se dirige a destinatários próprios. Não
pretendendo constituir um “ato de todo o povo, para todo o povo”. Tem grande contraste
com as leis moderno-iluministas.

A crise do Estado-providência, que é, desde logo, a da sua eficiência mas que não
é menos a da sua matriz ideológica pelo modo como esta pretendeu traduzir as
exigências de igualdade e solidariedade e as diversas propostas de solução a abrir
outras tantas portas à recompreensão da legalidade, ou seja, o excesso compromisso
social instaurado pelo Estado-providência, que ao perder de vista a pessoalidade do
homem, ao mesmo tempo revelou incompreender o prático-normativamente adequado
sentido, tanto da justiça material como da consideração em concreto dos problemas que
entretecem uma praxis de rosto humano que propusera.
O seu fracasso surge ao diminuir a responsabilidade da pessoa, propondo-se
saciar todas as carências e resolver todos os problemas do homem. O que aconteceu foi
que o homem colocou uma fé excessiva no sistema social, esquecendo-se que a uma

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aspiração realizada e a uma ambição satisfeita se segue sempre outra e outra, e assim
sucessivamente.

O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE

A boa-fé implica o cumprimento dos deveres laterais que decorrem do contrato.


Estes deveres não estão explícitos, mas sim implícitos e decorrem do princípio da boa-fé
No domínio do direito privado, o processo de superação do positivismo jurídico teve como
principais consequências, um novo sentido dado ao princípio da autonomia da vontade e
o surgimento do instituto do abuso do direito.
Sendo o direito privado o campo por excelência das relações jurídicas que se
estabelecem entre sujeitos situados a um nível de paridade, compreende-se que o
princípio da autonomia da vontade encontre uma particular expressão no âmbito do deste
com destaque para o domínio dos contratos.

Os contratos são a principal fonte das obrigações jurídicas e são a figura


jurídica por excelência, que traduz o acordo entre vontades livre e iguais.
No âmbito do direito dos contratos o princípio da autonomia da vontade tem
expressão no chamado princípio da liberdade contratual tal como, plasmado no art.
405º do C.C.
Assim, reconhece-se às partes a faculdade de fixarem livremente o conteúdo dos
contratos celebrarem contratos diferentes dos previstos no Código Civil e incluírem nos
contratos as cláusulas contratuais que entenderem.
Esta liberdade contratual encontra, no entanto, o seu principal limite na chamada
ordem pública, bem como nos bons costumes. Com efeito, nos termos dos art. 280º e
281º do C.C., é nulo o negócio jurídico contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons
costumes. Por outro lado, o princípio da liberdade contratual tem de ser articulado com o
que se dispõe no art. 406º, 1 - primeira parte e que constitui uma expressão do princípio
Pacta Sunt Servanda.
Este princípio, que foi elaborado com vista a incorporar o direito dos tratados
significa que este deve ser cumprido literalmente.
Do princípio Pacta sunt servanda decorrem algumas consequências que hoje
podem considerar-se afastadas devido à indução neste domínio da cláusula geral da
boa-fé.
Nos termos, por exemplo do art. 227º C.C., quem celebra com outrem um contrato
tem de agir, quer nos preliminares, quer na formação do mesmo, segundo os princípios da
boa-fé.

Para compreender a importância e o alcance desta cláusula geral, no domínio


da resolução de litígios emergentes dos contratos, atendamos ao seguinte exemplo:

Se A e B, em 1995, celebram um contrato de compra e venda relativo a um


determinado terreno rústico fixando, dentro da liberdade contratual, que o direito lhe
reconhece que só em 1997 haveria a entrega da coisa e, consequentemente, o
pagamento do preço, nos termos do princípio Pacta Sunt Servanda, ser cumprido tal
como ficou estabelecido no ano da sua celebração. Porém, se entre o ano da
celebração do contrato e o ano convencionado para o cumprimento das prestações
ocorrer uma inflação anormal que nenhuma das partes podia ter previsto ou antecipado,
e se a parte que se considerar lesada por essa inflação não cumprir com a sua
prestação no contexto do positivismo jurídico dentro da sua axiologia puramente formal,
o juiz consideraria que as partes estavam vinculadas ao princípio Pacta Sunt Servanda,
pelo que, se uma das
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partes não cumprisse com a sua obrigação que para ela decorreria do contrato, o
Juiz decretaria um incumprimento contratual e as respectivas consequências.

No contexto actual de superação do Positivismo jurídico o juiz apelaria nesta


hipótese aos princípios gerais da boa-fé e a juízos de equidade e resolve-la-ia com base
num dos institutos consagrados no art. 437º ou art. 473º. Com efeito, poderia o Juiz
permitir à parte lesada a resolução ou a modificação do contexto com base na ocorrência
de uma circunstância que alterou o contexto em que as partes fundaram a sua decisão de
contratar bem como poderia utilizar o instituto chamado do enriquecimento sem causa e
determinar que a parte que enriqueceu sem causa justificativa à custa de outra lhe
restitua aquilo com que indevidamente se completou.
Por último, a utilização da cláusula geral da boa-fé no domínio do direito dos
contratos, ao substituir os valores de segurança e certeza jurídicas pelo da justiça veio
afastar a axiologia puramente formal do positivismo jurídico e introduzir preocupações
de conteúdo material no âmbito do direito.

No domínio dos contratos, a cláusula geral da boa-fé fez nascer os chamados


deveres laterais que não decorrem do próprio contrato em si mas nasceu sim, desta
subordinação dos sujeitos na formação, na celebração e no cumprimento dos contratos
aos princípios da boa-fé.
Assim sendo, por exemplo:

Se A e B celebram entre si um contrato de compra e venda relativo a queijos


frescos que A produz na sua quinta e que B pretende vender no seu estabelecimento
comercial do contrato entre ambos celebrado, resulta apenas para A a obrigação da
entrega da coisa no tempo e lugar acordados e para B o pagamento do preço.
Contudo, da cláusula geral da boa-fé resulta claramente para A um dever lateral
que consiste em transportar a coisa da sua quinta até ao estabelecimento comercial de B
num veiculo equipado para subtrair esta mercadoria à deteriorações que esta possa
sofrer por força das alterações climatéricas ou da influência do frio ou do calor.

Os contratos são negócios jurídicos bilaterais constituídos por duas ou mais


declarações de vontade com direcções opostas mas convergentes que tendem à
produção de um resultado jurídico comum ainda que com um significado distinto para
cada uma das partes.

Princípio da liberdade contratual


Art. 405º do C.C. - A liberdade contratual é o princípio fundamental para o princípio
da autonomia da vontade.
No contexto do positivismo há a liberdade de contratar de forma ampla: Não me
posso abster de contratar por imposição da Lei. Posso sempre recusar a contratar.
- A liberdade de determinar o conteúdo do contrato
- A liberdade de modelar os contratos – pode-se sempre recorrer e alterar os tipos de
contratos tipificados na Lei, introduzindo-lhe cláusulas.
Para o Positivismo, desde que fossem respeitadas as exigências
procedimentais formalmente prescritas, o Direito admitia qualquer conteúdo.

No contexto actual as vivências ligadas ao Estado-providência, por


exemplo, ressaltam várias ideias diferentes, ou seja, na liberdade de contratar.

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Restrições à liberdade de contratar e liberdade de modelação do conteúdo


do contrato:
1. Liberdade de contratar
Esta liberdade traduz-se na seguinte exigência: a ninguém podem ser impostos
contratos contra a sua vontade ou aplicadas sanções por força de uma recusa de
contratar nem a ninguém pode ser imposta a abstenção de contratar.

2. Liberdade de modelação do conteúdo do contrato – (art. 405º, 1 e 2)


A possibilidade de realizar contratos com as características dos contratos previstos
e regulados na lei para desencadear a produção dos respectivos efeitos e indicar a
respectiva venda ou arrendamento sem necessidade de convencionar a regulamentação
correspondente - contratos típicos ou nominados;
A possibilidade de celebrar contratos típicos, aos quais se acrescentam as
cláusulas que lhes aprouver, eventualmente conjugando-se dois contratos diferentes -
contratos mistos;
A possibilidade de concluir contratos diferentes dos contratos expressamente
disciplinados na lei - contratos atípicos ou inominados.

Outro tipo de limitações da vontade

Contratos normativos
São contratos que constroem, em termos gerais e abstractos, uma autêntica
disciplina à qual se vão submeter todas as futuras relações contratuais que se celebrem
no âmbito correspondente.
São contratos normativos os que vão vincular, no futuro, sujeitos privados que não
participaram de todo no contrato não tendo, portanto, qualquer possibilidade de modelar o
seu contexto individual. Também aqui, há uma restrição da autonomia da vontade e da
liberdade.

No Positivismo, o contrato de trabalho era instituído entre as partes de forma


completamente livre. Essa liberdade era apenas formar, pois materialmente, a
liberdade estava só do lado do empregador, pois a vida era dura para o proletariado.
Isto foi muito importante no contexto do direito do trabalho.
No contrato de adesão não há possibilidade de modelar o contrato, isto é, ou se
adere ou não. Aqui a liberdade também esta restringida. A formação do contrato (nas
fases de negociação e decisão) e a execução deste (enquanto exercício dos direitos e
cumprimento das obrigações que dele derivam) também tem de se submeter ao princípio
da boa-fé. (ver art. 227º, 1; 239º; 397º; 400º, 1; 762º, 2)

Deveres acessórios
Deveres complementares para além do dever principal. Não cumpre apenas
obedecer aos deveres principais para satisfazer uma plena integração no comunitário.
art. 406º do C.C. (eficácia dos contratos)

Princípio da estabilidade e da força vinculativa dos contratos

Este princípio foi muito hiperbolizado no contexto do positivismo legalista.


O contrato tinha que ser cumprido religiosamente.
Com a concordância prática entre as exigências dos princípios da força vinculativa e
da estabilidade do contrato e as exigências do princípio da imprevisão torna-se possível

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alterar ou extinguir o contrato se ocorrem eventos imprevistos (confrontar art.406º,1;


837º e 763º com Arto. 437º do C.C.).

Como interpretaremos as declarações de vontade?


No séc. XIX haviam dois princípios que por muito tempo dominaram
indiscutidos neste domínio da autonomia negocial: o princípio da mais estrita vinculação
negocial (princípio pacta sunt servanda) e o dogma da vontade, a prescreverem,
respectivamente, que os negócios jurídicos ou os contratos livre e validamente celebrados
devem ser rigorosa e pontualmente cumpridos e que a vontade dos intervenientes
negociais deve ser tido já como o fundamento imediato e a fonte do negócio já como o
critério dominante do seu conteúdo, isto é, o negócio jurídico imputado à vontade seria
validamente vinculante se pudesse considerar-se a manifestação de uma vontade livre e
consciente e o seu conteúdo normativo determinar-se-ia pelo real ou hipoteticamente
querido.
O maior dinamismo negocial com as consequências de uma maior celeridade e de
uma maior e mais extensa interdependência no comercio jurídico, determinaria a
superação do “dogma da vontade” não apenas pelo princípio da declaração mas pelo
princípio da confiança, isto é, o fundamento imediato da validade ou da vinculação do
negócio jurídico tende a deixar de ser uma vontade real a que o negócio se imputasse
para ser antes a situação objectiva de confiança que responsavelmente se tenha criado
nos outros, quanto a ter-se constituído uma relação ou obrigação negocial juridicamente
vinculante.

O abuso do Direito

Direito subjectivo
Faculdade de exigir de outro sujeito um determinado comportamento que pode
ser uma acção ou omissão (comportamento positivo ou negativo). Poder de imposição a
outros.

Direito objectivo
Direito utilizado como estatuto normativo, uma ordem, conjunto de princípios e
normas.

Abuso do Direito
Desempenho abusivo de uma faculdade que lhe foi conferida (Direito subjectivo)

Exemplo:
No Sec. XIX, o Sr. A tem uma casa com vista para o rio e o vizinho, Sr. B,
zangado com A decidiu fazer uma chaminé legal mas que passou a inviabilizar as vistas
para o rio que o Sr. A tinha antes.
O Sr. A recorreu ao Tribunal. No entanto, o Sr. B fez tudo legalmente pelo que
juridicamente o Sr. A não tem qualquer direito a ser-lhe reconhecido um direito apesar
de, moralmente, lhe ser dada razão (O exercício de direito de propriedade é absoluto).

Neste caso, em 1850, o Tribunal em França foi pioneiro contra o pensamento


dominante e o juiz decidia proteger os interesses do Sr. A, alegando a intenção de
prejudicar do Sr. B. Não se podia, disse o juiz, aliar-se da influência que a ação individual
legítima pode suscitar nos outros.

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O problema do abuso do Direito subjectivo

Este problema não se colocava no contexto do positivismo jurídico. Com efeito,


dado o seu jurisdicismo e a sua axiologia puramente formais, o positivismo caracterizou-
se por operar uma cisão dualizante entre o direito identificado com a lei e as exigências
de dever-ser. Neste contexto bastava que o sujeito fosse titular do direito subjectivo e
tivesse capacidade para o seu exercício, para que pudesse fazer desse direito o uso que
bem entendesse.

Assim, por exemplo,

Se A, proprietário de um terreno vizinho de B, decide com o intuito deliberado e


consciente de tapar as vistas ao seu vizinho construiu na casa uma chaminé, que
nunca utilizará, esta situação no contexto do positivismo jurídico não configurava um
uso juridicamente abusivo por parte de A do seu Direito subjectivo de propriedade.

O problema do chamado abuso do direito subjectivo é equacionado pela primeira


vez pela jurisprudência francesa ao considerar que sempre que o titular de um direito faça
dele um uso ilegítimo, estaremos perante uma situação possível de uma das seguintes
sanções:
1. Da determinação da nulidade do acto em causa;
2. Do dever de indemnização que sobre o sujeito, agente impede relativamente aos
danos causados.

Posteriormente constrói para explicitar este problema o critério do “abuso do Direito”


que foi escolhido por quase todos os legisladores modernos. Entre nós, o Legislador do
Código Civil de 1966 consagrou este critério no srt. 334º do C.C. que inicia o conjunto das
disposições gerais relativas ao exercício e tutela dos Direitos subjectivos. Nos termos deste
artigo, sempre que o titular do direito subjectivo o exerça excedendo manifestamente os
limites impostos pela boa-fé, bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito,
tal traduzirá num ilegitimidade no exercício do referido direito.
Do disposto neste artigo decorre claramente que no contexto actual, e ao
contrário do que sucedia no séc. XIX, o exercício de um direito pelo seu titular, não se
basta apenas com o respeito pela estrutura formal desse direito tendo que assimilar e
corrigir a intenção normativa material que fundamenta esse direito. Ora, essa intenção
normativa material remete-nos para a inserção comunitário do direito em causa, isto é,
para a ideia de que o exercício dos direitos subjectivos pelos seus titulares têm de
realizar-se na dialéctica entre sujeito e o outro que com ele interage socialmente.
O exercício do abuso do direito tem que ser no exercício do caso concreto não
pode ser em abstracto.
O Direito tinha que dar resposta a estes casos concretos, deixando de ser
tão formal para passar a ser interferente, participativo.

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Normas ambíguas ou equivocas


A norma contida no srt. 387º, 2 do C.C. é um exemplo claro de uma
norma ambígua ou equivoca.
Legislador desta norma determina que para a apreciação da culpa do autor da
lesão e consequentemente fixação da sua responsabilidade civil e da sua obrigação de
indemnizar o lesado. O juiz utiliza como critério “a diligência de um bom pai de família em
face das circunstâncias de cada caso” este critério é claramente um critério vago e
ambíguo. Contudo, esta ambiguidade foi deliberada porque ao usar este critério o
legislador aumentou a capacidade de actuação do juiz quanto à aplicação desta norma.
Com efeito, face às normas dotadas deste tipo de ambiguidades, exige-se ao juiz que
convoque o caso concreto em apreciação atendendo à sua específica relevância jurídico-
material. Significa isto que, a utilização de critérios deste tipo permitem uma remissão
deliberada para o caso concreto e para a sua especificidade. Hoje sabe-se que o ponto de
partida, isto é, o prius para a realização do direito não é a lei mas o caso concreto.

Normas vagas
A questão da vaguidade de uma norma contende com a sua própria extensão, ou
seja, com a definição do seu campo de aplicação. Trata-se, portanto de definir quais os
casos concretos que são ou não subsumíveis na previsão da norma e, em
consequência, são ou não resolvidos por ela.
Um dos exemplos de uma norma vaga é a contida no art. 1550º do C.C. relativa à
constituição de uma servidão de passagem. Com efeito, ao usar neste art. expressões
como “prédio encravado” ou “excessivo incomodo ou dispêndio” o legislador não permite
que a norma defina o seu campo de aplicação. O que acaba de dizer-se pode
comprovar-se por recurso aos seguintes dois exemplos:

Exemplo 1:

O Sr. A é proprietário de um prédio rústico que não tem comunicação com a via
pública pelo que apresenta em Tribunal um pedido de constituição de uma servidão de
passagem sobre o prédio do seu vizinho, Sr. B. Tal como definido, este caso parece
caber na previsão do art. 1550º, que o mesmo é dizer, pertencer ao campo de aplicação
dessa norma e, em consequência, dever ser por ela resolvido.

Exemplo 2:

Suponha-se agora que entre o prédio que o Sr. A é proprietário e a via pública
existe um rio. Pelo que o juiz, ao apreciar o pedido do Sr. A, nesta hipótese tem que
considerar a existência desse rio e de imediato responder a várias questões
essenciais como por exemplo, a de saber se esse rio é navegável e a de saber se
estabelece, através desse rio, comunicação com a via pública. Implica para o Sr. A um
excessivo incómodo ou dispêndio.
A resposta afirmativa a estas questões permitirá concluir que esta hipótese
premissa do art. 1550º mas, pelo contrário, a resposta negativa já incluirá esta
hipótese do campo de aplicação da norma em questão.

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Normas porosas
A porosidade das normas jurídicas é uma vaguidade potencial, isto é, é um
problema que diz respeito à extensão da norma, ou à determinação do seu campo de
aplicação. Trata-se de uma vaguidade potencial porque a porosidade é um problema
que coloca em evidência o seguinte: o direito é um produto cultural do homem pelo que
tal como o próprio homem encontra-se dentro da história e tem de se confrontar com o
carácter mutável desta.
Com efeito, o direito emerge de uma sociedade mas volta a ela para a
regulamentar e essa sociedade não é sempre a mesma. O dever social coloca ao direito
um conjunto imenso de problemas que não podem ser tomadas em linha de conta pelo
legislador no momento em que este elabora a norma desde logo porque o legislador
não é Deus e a norma é um critério formal e abstracto.

A porosidade é, em conclusão, a vaguidade da norma quando pensada em


relação ao futuro.

Para entender o alcance deste problema pode citar-se o seguinte exemplo:

O Tribunal alemão foi confrontado coma seguinte problemática:


Um determinado sujeito andava fraudulentamente a desviar através de um cabo energia
eléctrica do fio condutor central. Este sujeito encontrava-se, portanto, a praticar uma
conduta ilícita e foi por este motivo presente ao Tribunal. Sucede porém, que o Código
Penal alemão define o crime de furto como “aquele pelo qual alguém subtrai a outrem
uma coisa alheia com o intuito de ilicitamente se apropriar dela” baseado neste princípio
“Nullum Crime sine legem”, o Tribunal sabia que o comportamento do sujeito em causa
para ser sancionado como crime tinha de ter as características tipificadas na definição
legal de crime de furto. Ora a energia eléctrica não é, no direito alemão, qualificada como
uma coisa e por este motivo o Tribunal considerou-se impedido de qualificar e punir
como furto o desvio não autorizado da energia eléctrica por parte do sujeito em causa.

Um conceito indeterminado é aquele cujo conteúdo e extensão são em larga


medida incertos. Se a fórmula ou enunciado em causa não permite obter uma resposta
determinativa remetendo-nos antes para um fundamento ou critério normativo de
apreciação.

CONSCIÊNCIA JURÍDICA GERAL

A consciência jurídica geral enquanto objectivação histórico-comunitária do


princípio normativo do direito, ou seja, a síntese de todos os valores e fundamentos
que nessa comunidade dão sentido ao direito como direito.

Há 3 objectivações intencionais desta síntese axiológico-jurídica:

1º Nível
A codeterminação contextual de uma espécie de consensus omnium, no qual a
realidade histórico-social, através das suas intenções normativo-culturais (valores,
princípios éticos, exigências morais, intenções ético culturais, concepções sociais sobre o
válido e o inválido, que informam o ethos de uma determinada comunidade num certo
tempo) se revela a informar a normatividade jurídica e a ser assimilada por esta.
O exemplo do compromisso prático dos “bons costumes” originariamente vinculado
a um acervo de padrões pré-jurídicos e não obstante contínua e constitutivamente

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submetido a uma assimilação-transformação jurídica. Numa espécie de continuum sem


soluções que assimila e confunde as experiências distintas de uma pressuposição-
condicionamento material e de uma auto-transcendência fundamentante.
O confronto entre a experiência de uma sociedade “tendencialmente integrada
e estabilizada” e de uma sociedade “plural e conflituante” na qual esta diferenciação se
torna simultaneamente vulnerável e indispensável sob pena de termos que renunciar à
autonomia intencional do jurídico.

Uma alteração profunda na vivência dos diversos objectos do social, isso


reflecte-se na consciência jurídica geral. No entanto, cabe perguntar se após essa
ruptura na sociedade, será que nada subsiste da anterior consciência jurídica geral.

Princípios que são manifestamente contingentes


Se a Constituição é um instrumento da política, as suas normas são uma grande
contingência política. Neste caso, no plano material, essa Constituição será fortemente
influenciada por essa ordem social da época.

Exemplo:

- Contraposto dos art. 13º e 36º da CRP face ao art. 1966º do C.C.;
- Casamento;
- Filhos legítimos e ilegítimos

2º nível
A determinação do sentido do direito pelos princípios fundamentais e esta como
experiência histórica de uma aquisição “humana autenticamente reveladora” que, em
cada ciclo, se justifica e assume como universal
Há certas exigências e compromissos do comunitário que são
verdadeiras aquisições e necessariamente persistem para além das rupturas.

Quais são essas aquisições?


São os princípios e estão no plano menos contingente que as normas
constitucionais, princípios esses que nos remetem agora ao nível da intenção essencial
do direito, ou seja, no nível daquela intenção axiológico-normativa que constitui o
direito como direito.
Mesmo que não estejam objectivados em nenhum texto, eles podem
ser convocados o que não significa que estes princípios são imunes à história.

Todos os princípios, exigências e postulados normativos foram


decerto, manifestando-se com base numa histórica experiência jurídica.

Exemplo:

Direito criminal – Nullum Crimen sine legem.

Isto significa que, quer a punição quer a prescrição da conduta, têm de ser anterior
ao caso concreto em análise num dado momento. De contrário, seria uma barbárie.
Não obedecer a isto seria um direito criminal que não estaria sustentado em termos
de legalidade criminal.

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Princípio do legalismo criminal


Aquilo que resulta num excelente método de perseguir os cidadãos. Hoje é um
Direito transpositivo, apesar de estar positivado na Constituição e no Código Penal.

Há certos princípios, sendo fundamentais, que são transpositivos e são essenciais


à sociedade/

comunidade. Exemplo:

- Princípio do contraditório, mesmo que não esteja plasmado em qualquer código, tem
validade, é forte integrante da consciência jurídica geral;
- In dúbio pró réu;
- Direito de acesso aos Tribunais;
- Princípio da independência dos Tribunais.

O que está na base disto tudo é a conceção do homem que está às matrizes
greco-romanas e judaico-cristã, na sua ideia de pessoa, na dignidade humana. Já nos
romanos e face à incompletude do homem, era necessário regulamentar a ordem social
– visão antropológica da vivência social.

3º Nível
A Dialéctica SUMM Integração comunitária COMMUNE

A categoria dos deveres e das responsabilidades


O positivismo hipertrofiou a categoria dos direitos face à categoria dos deveres.
Aqui, a própria sociedade era um artefacto construído pelo homem para resolver o
problema da convivência, daí o contrato.
Toda a dimensão da integração no comunitário passou para segundo plano. Logo,
a abuso do direito resulta da tentativa de recuperação do comunitário.

A dimensão da pessoa ao nível do Summ (eu pessoal)


A pessoa não pode ser objecto do arbítrio do poder. A dimensão pessoal postula o
valor da pessoa humana e exige o respeito incondicional da sua dignidade. Por outras
palavras, o sujeito portador do valor absoluto não é a comunidade mas o homem pessoal
embora inserido na comunidade. Se a igualdade se pode dizer a condição social da
liberdade, a liberdade é uma possibilidade pessoal que só será universal se todos nela se
reconhecerem iguais. Só que a liberdade significa sobretudo o assumir-se o homem a si
próprio, no originário de si mesmo. Enquanto que a igualdade exprime antes de mais a
não dependência do arbítrio de outrem. O que significa que a liberdade, como valor, não
é a mera condição empírica e negativa da ausência de impedimentos.

Implicação axiológica-normativa negativa


Um modo negativo que constitui determinandos limites ou proibições dirigidas aos
outros e à comunidade como um todo.
O respeito incondicional da dignidade da pessoa traduzido numa exigência
normativa de autonomia. Aqui e agora reconhecida em termos negativos, se não
passivos.

Implicação axiológica-normativa positiva


O espaço de reserva jurídica da pessoa: os direitos subjectivos e os
direitos fundamentais ou direitos do homem.
O direito subjectivo não é outra coisa, se não a afirmação da autonomia individual e
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essa autonomia não pode mais pensar-se fora do contexto comunitário, mas apenas no
seu seio sendo que a comunidade não o será verdadeiramente se o não for de pessoas,
com a específica autonomia que a estas compete por essência. O que temos que
reconhecer é que há uma dialéctica entre a pessoa e a comunidade que nos põe
perante um problema cuja solução normativa constitui justamente o direito.

Relação entre os Direitos fundamentais e os princípios


Os Direitos manifestam uma social ou comunitariamente força desagregadora e
desintegradora e os princípios afirmam uma tendência à integração, à justiça. As
possibilidades de realização da pessoa enquanto mobilização dinâmica da sua reserva de
direitos subjectivos e de direitos fundamentais traduz-se em dois compromissos práticos:
o princípio da autonomia na sua dimensão positiva e o princípio da participação de tal
modo que a autodeterminação do próprio garantida normativamente pelo primeiro se
projecte e desenvolva na concorrência constitutiva com os outros justificada pelo segundo

A dimensão da pessoa ao nível do Commune


O mundo circunstante e quotidiano da vida em que estamos mergulhados a
nossa actuação e comunicação e o seu meio-ambiente.
A comunidade não é apenas o meio de suprir necessidades. Esta é também um
património que define, à priori, a questão da comunidade: a linguagem. Os cambiantes
de linguagem, na diversidade das sociedades, condicionam o ambiente em que estamos
inseridos dadas as regras, valores, comportamentos ou padrões e que são nosso
património.
Na prática do quotidiano descobre-se constantemente esse património da
comunidade. Esse património não é imutável mas antes pela prática comunitária é
recriado e alterado na realização das exigências.

Nós somos responsáveis e temos a capacidade de colocarmos exigências a nós


mesmos.
Determinamos exigências que são importantes realizar e preservar.

Implicação axiológica-normativa negativa


Um modo negativo que se cumpre impondo limites às exigências comunitárias ou às
proibições que estas introduzem, ou seja, tem que ter limites porque senão existe o perigo
da comunidade sacrificar toda a autonomia do indivíduo em prol do comunitário.

Limite dos limites que é assumido em dois planos e se projecta e dois


outros princípios:
No plano material temos o princípio do mínimo e apenas aqueles que se
reconheçam e justifiquem como condições comunitariamente indispensáveis para a
realização pessoal de cada um, ou seja, toda a imposição da comunidade tem que
ser feita ao mínimo, isto é, aquelas imposições ou exigências que sejam
absolutamente indispensáveis para preservar a própria comunidade.

Exemplo:

Direito criminal - limites reduzidos ao mínimo, senão o direito criminal seria


um instrumento de terror.

Assim, as expectativas nunca são concretizadas, mergulhando-nos num terror de


responsabilidades pelo que, é necessário este instituto pelo princípio da formalização.

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No plano formal, temos o princípio de formalização, a exigência de determinar


um esquema objectivo capaz de controlar a realização dos limites materialmente
intencionados em obediência ao princípio mínimo, ou seja, estes limites não podem ser
limites vagos, pelo que têm de ser formalizados num esquema claro e inteligível. Uma
formalização dos impedimentos - princípio da legalidade criminal.

IMPLICAÇÃO AXIOLÓGICA-NORMATIVA POSITIVA

1. A responsabilidade perante as condições gerais da existência comunitária


Enquanto pessoas integrantes de uma sociedade, somos responsáveis pelas
condições comunitárias (valores comunitários, que a nossa prática assimila), pelo
património, bens comuns que têm que ser preservados porque têm uma dignidade
essencial. Todos somos co-responsáveis por esses valores.
a) A responsabilidade negativa ou de preservação traduzida no princípio
da corresponsabilidade.

b) A responsabilidade positiva ou de contribuição traduzida no princípio


da solidariedade expresso pelos deveres fiscais.

2. A responsabilidade por reciprocidade (Direito Civil)


Nas relações normativas singulares resultantes dos compromissos e vínculos
assumidos numa concreta instituição de pretensões e obrigações, temos uma
corresponsabilidade comutativa.

3. Responsabilidade pelo equilíbrio da integração


Na perturbação da ordem alguém tem que ser responsabilizado.
Por exemplo
Um dano, um prejuízo - responsabilidade criminal ou responsabilidade
civil independentemente da culpa.
Nota: ver art. 339º, 483º, 506º e 509º do Código. Civil.

As três condições de emergência do Direito e o problema das


alternativas que resultam da abstracção da terceira condição
O direito emerge, enquanto uma dimensão específica da realidade humana, com o
sentido e a intencionalidade que resulta da síntese constitutiva de três condições:

1. Uma condição mundano-social


A primeira condição da exigência e constituição do direito manifesta-se pela
pluralidade humana na unicidade do mundo. Partilhamos através das relações
sociais.

2. Uma condição humano-existêncial


Uma vez que aquela relacionação através da social mediação do mundo o é de
seres, nós os homens, que existem como tais, naquela dialéctica de personalidade e
de comunidade, de autonomia pessoal e convergência comunitária.

3. Uma condição ética


Condição cujo reconhecimento é verdadeiramente especificante do direito como
direito a postular que nas mundanais relações sociais e na ordem e institucionalização
que dêem critério a essas relações pela solução do problema humano da necessária
integração comunitária, se reconheça a cada homem a dignidade de sujeito ético, a
dignidade de pessoa.

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CAPÍTULO llI

O SISTEMA JURÍDICO
O direito vigente, do ponto de vista formal, este surge-nos organizado numa
ordem jurídica.
Ao pensarmos sobre o ponto de vista material, surge-nos objectivado no sistema
jurídico.

O sistema jurídico é pois o modo de objectivação, unitário e ordenado


da normatividade, isto é, do direito vigente.
Ao definirmos o sistema jurídico utilizamos os objectivos unitários e ordenados.
Com efeito, o sistema, qualquer que ele seja implica de modo indissociável a ideia de
harmonia.

Segundo C.W. Canaris, “o sistema jurídico é uma unidade ordenada,


constituída por uma multiplicidade de elementos articulados sobre uma certa ideia, ou
segundo determinados princípios”.

No domínio do direito o sistema jurídico surge pela necessidade de possibilitar pela


via da articulação os dois pólos essenciais do direito: ordem e problema.
O direito surge enquanto produto cultural do homem com a função de permitir a
integração do particular no comunitário que o mesmo é dizer, a função de converter a
vivência em sociedade numa coexistência pacífica. Como se compreenderá o direito
só pode realizar esta função com êxito se ele próprio comportar a nota caraterizadora
de ordem ou cosmos, ou seja, o direito é ordem porque só como tal se revela capaz de
resolver o incontornável problema que o justifica, isto é, a integração comunitária.

Porém, o direito não se basta com prescrição de modelos comportamentais aos


sujeitos. Ele ajuíza do mérito da validade e da licitude desses modelos, o que significa
que o direito comporta também a nota de problema a resolver.
Estes 2 pólos essenciais do direito que claramente se encontram em tensão
entre si, harmonizam-se quando o direito vigente surge sob forma de sistema jurídico.
Assim entendido, o sistema jurídico pode apresentar-se por vários tipos ou modelos.
Centrando-nos num sistema de legislação que é próprio do nosso direito no qual
sempre incluindo o direito Português, sabemos já que hoje, numa atitude clara
superação dos postulados positivistas, o prius não é uma norma legal pré-escrita mas
sim um caso concreto. Este exige uma decisão jurídica que sob pena de se converter
num arbítrio tem de se apresentar materialmente fundamentada e é nesta exigência da
fundamentação decisória jurídica que surge o juízo decisório.

Para Castanheira Neves, o juízo “é a actuação que medeia entre a norma e a


decisão e que simultaneamente transforma a norma em decisão e reconduz a decisão à
sua fundamentação necessária”. Ora, para que o juízo reconduza a decisão jurídica à
sua fundamentação evitando que esta se converta num arbítrio e beneficie da presunção
de justeza e de justiça convoca o sistema jurídico.
Em suma, podemos dizer que o sistema jurídico é o horizonte onde o caso
concreto se coloca e é o referente mobilizado para que esse caso seja resolvido mediante
numa decisão materialmente fundamentada.

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A pluridimensionalidade do sistema jurídico actual em contraposição


à unidimensionalidade do sistema jurídico do Positivismo

No contexto do positivismo normativista e legalista do séc. XIX, a identificação do


direito com a lei implicava a consequência de que o sistema jurídico enquanto modo de
objectivação do direito vigente fosse todo ele composto por um só nível ou dimensão - o
das normas legais pré-escritas. Assim sendo, o sistema jurídico do próprio positivismo
caracteriza-se pela sua unidimensionalidade como unidade fechada.
Ao contrário do que acaba de se afirmar, o sistema jurídico actual caracteriza-se
pela pluridimensionalidade o que se compreende visto que rejeitamos claramente o
postulado básico do positivismo segundo o qual o direito se identifica com a lei e
entendemos o direito como uma normatividade composta por uma multiplicidade de
elementos provenientes das mais diversas fontes do direito.

Porquê um sistema?
Porque se coloca o problema da unidade da pluralidade na sua convivência com
um “todo”, sendo que, este sistema é de realização continua, sistema aberto.

Estratos do sistema jurídico

Os princípios normativos
Quando falamos de princípios normativos referimo-nos aos princípios normativos
próprio sensu, isto é, as intenções axiológico-normativas ou aos valores que o direito deve
assumir e realizar.
Sendo intenções axiológico-normativos, estes princípios constituem um estrato do
sistema jurídico e fundamentam a sua validade mas também são do direito vigente - IUS.
Assim, por exemplo, o princípio da igualdade, o da boa-fé, o Nullum crimem sine legem e
da legalidade da separação de poderes são claramente princípios que transportam
intenções ou valores que o direito tem de assumir e realizar.

Os princípios normativos não são normas. Estes enunciam uma intenção, um


fundamento e sentido geral de orientação na solução dos concretos problemas
normativos, mas não oferecem um critério formalmente acabado, a imediata
solução desses problemas.

Exemplo:

Princípio da autonomia da vontade, guia-nos na celebração de contratos mas não


nos dá a solução.

Distinção entre fundamentos (princípios) e critérios


Na medida em que os princípios normativos não fornecem de imediato a solução
jurídica para a questão controvertida, antes apontam essa solução, eles apresentam-se
numa natureza de fundamento.
Por contra-posição aos fundamentos surgem os critérios que são os operadores
técnicos que o julgador convoca para obter, de imediato, a solução da controvérsia
jurídica. Neste contexto, compreende-se que se os princípios normativos são
classificados como fundamentos já as normas legais têm a natureza de critérios.
Um verdadeiro princípio jurídico é a intenção prática que se deve reconhecer
como fundamento normativo e momento constitutivo do direito.

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Exemplo

Princípios do contraditório da defesa, da confiança, da boa-fé, da culpa, etc. logo


percebemos que estamos perante exigências que exprimem as intenções, os valores, ou
os compromissos práticos que o direito deve assumir e realizar.

Enquanto as normas pretendem dar, de modo directo, a solução para os casos que
prevêem, os princípios normativos apontam tão-somente o caminho para essa mesma
solução na medida em que indicam o sentido prático que as soluções jurídicas devem
assumir.

Os princípios são fundamentos intencionalmente abertos a várias soluções


possíveis, enquanto que as normas se pretendem critérios acabados, fechados e bem
mais próximos da solução que visam orientar.
Os princípios são os referentes em que se baseiam as decisões concretas, as
normas perfilam-se antes como modelos pré-dispostos.

A distinção de princípios normativos e princípios gerais


Os princípios normativos distinguem-se claramente dos princípios gerais do direito
que são afirmados pelas várias correntes de pensamento, comprometidos com o
positivismo.
Com efeito, os princípios gerais do direito são meras inferências lógicas das
normas legais pré-escritas e que significa que são autênticas normas só que com um grau
de generalidade e abstracção maior.
Ao não excederem as normas legais estes princípios gerais do direito integram
com elas todo o sistema jurídico compondo-o como um sistema unidimensional.

Posição que os princípios ocupam na consciência jurídica geral:


- Dos princípios mais contingentes ou vulneráveis - 1º nível da consciência Jurídica geral;
- Aos princípios que exprimem directamente a intenção última do direito - 2º nível
da consciência jurídica geral;
- Passando pelas aquisições culturais irrenunciáveis que constituem o património dos
princípios jurídicos fundamentais - 3º nível da consciência jurídica geral.

Classificação dos princípios segundo a posição que ocupam no sistema


jurídico

Princípios positivos
Os que estão positivados, ou seja, são princípios que estão de uma forma mais ou
menos explicita no direito positivo (direito vigente) é todo o direito que influencia os
comportamentos.
Há certos princípios que têm necessariamente de ser enunciados através das leis

Exemplos

I. Filhos legítimos e ilegítimos - é a expressão negativa do princípio da


igualdade; II. Princípio da consensualidade - art. 219º do C.C.;
III. Princípio da liberdade contratual – art. 405º do C.C.;
IV. Princípio “numerus clausus”em matéria de direitos reais – art.1306º do C.C.;
V. Princípio transpositivos;
VI. Princípios Suprapositivos.
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Princípios transpositivos
São princípios essenciais na medida em que estruturam, quanto às intenções de
validade, os diversos domínios jurídicos, justificando-os.
Não precisam de estar objectivados através da lei para serem vigentes

Exemplo

I. Princípio do contraditório

Exemplos no domínio do Direito Constitucional

I. Princípio da separação de poderes;


II. Princípio da apreciação jurisdicional dos actos de poder;
III. Princípio da legalidade da acção executiva, entre outros.

Exemplos no domínio do Direito Penal

I. Princípio Nullum Crime sine legem

Exemplos no domínio do Direito Privado

I. Princípio da autonomia privada;


II. Princípio do reconhecimento da personalidade. Exemplos

no domínio do Direito Processual Civil e Criminal

I. Princípio do contraditório;
II. Princípio do caso julgado;
III. Princípio da imparcialidade dos juízes, entre outros

Exemplos no domínio do Direito Fiscal

- Princípio da legalidade e tipicidade dos crimes fiscais

Exemplos no domínio do Direito do Ambiente

I. Princípio do poluidor pagador;


II. Princípios suprapositivos.

Para que as imposições que a Commune impõe ao Summ sejam também elas
limitadas, servem como garantias do indivíduo face à comunidade, ou seja, expressão
imediata das exigências de igualdade e da responsabilidade e que assim constituem
o reconhecimento do homem-pessoa.

Classificação dos princípios quanto ao modo de objectivação

No contexto desta classificação coloca-se um problema essencialíssimo que é o


relativo à juricidade dos princípios normativos. No domínio deste problema, fala-se de
princípio de direito e princípios do direito.

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O que nos permite dizer que os princípios são princípios de direito?


A consonância (concordância) de fundamentação, ou seja, ter um
sentido conforme à ideia do Direito na comunidade em causa.
A consonância de função, ou seja, o princípio normativo ao ser convocado pelo
legislador realiza a função de fundamento da função jurídica, para o qual foi convocado, ou
ainda, as exigências do princípio têm que se adequar ou que responder, em termos
materiais, a um problema de fruição intersubjectiva do mundo a um problema que se possa
dizer inconfundivelmente jurídico ou a exigir uma resposta do direito.

Intersubjectividade: trata dos problemas do Direito porque os indivíduos têm direitos e


deveres.

O que nos permite dizer que os princípios são princípios do direito?


Quando um princípio é pelo próprio sistema jurídico afirmado como vigente, isto
é, como válido e eficaz para realizar a sua função fundamentante da decisão jurídica.

A vinculação dos princípios - vinculam através da norma.

Os princípios são o fundamento de todo o direito vigente. Estes têm que ter
uma validade comunitária pelo que não podemos falar de princípios autónomos.

Os princípios têm prevalência sobre a norma.

Classificação dos princípios quanto à intencionalidade normativa

Princípios em forma de norma


São princípios que o julgador pode convocar para obter a solução jurídica
porque eles encontram-se sob a forma de normas.

Exemplo:
I. Princípio da consensualidade;
II. Princípio da liberdade contratual.

A propósito do princípio da consensualidade se, por exemplo, num litígio


submetido a sua apreciação relativo à validade de um negócio jurídico o juiz se colocar a
questão de saber se esse negócio é válido quanto à forma, pode convocar o princípio da
consensualidade que se encontra em forma de norma no art. 219º para obter de imediato
a solução para essa questão

Princípios abertos
Colocam a problemática da sua justiciabilidade, porque não estando escritos
em normas, pergunta-se até que ponto possuem dimensão pragmática que permita ao
julgador convoca-los para obter a decisão jurídica.

Classificação dos princípios quanto à origem normativa

Princípios que são expressões imediatas da ideia de Direito como por exemplo, o
princípio da igualdade e o princípio do reconhecimento da personalidade.

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Princípios que assimilam padrões e valores ético-sociais, como por exemplo, o


princípio da boa-fé e o princípio dos bons costumem.

Princípios que são originariamente jurídicos, onde poderíamos citar muitos, como
por exemplo, o do contraditório e o da não retroactividade das leis.

A problemática relativa à antinomia (contradição) entre os


princípios normativos e as normas legais

Este problema, se fosse colocado num contexto de Jusnaturalismo, resolver-se-ia


pela prevalência dos princípios normativos e se fosse colocado num contexto positivista
pela prevalência das normas legais. Contudo, na medida em que na actualidade
rejeitamos estes postulados e consideramos que o caso concreto é o ponto de partida,
cumpre abordar esta problemática, atendendo ao seguinte:
Para prevenir estas antinomias, são vários os autores que propõem alguns
cânones ou regras, como por exemplo o da interpretação das normas em
conformidade com os princípios.
De acordo com esta regra, o julgador deverá preferir o sentido interpretativo da
lei que melhor se harmonize com o princípio normativo em causa.

Porém, caso estas antinomias ocorram, conduziram às seguintes situações:

Se a lei se apresentar em conflito insanável com um princípio suprapositivo essa lei


deverá considerar-se injusta e a solução será a de resolver esta antinomia pela
prevalência do princípio. Da mesma forma, se a lei se encontrar em contradição com um
princípio transpositivo, deverá declarar-se a sua invalidade e mais uma vez resolver a
antinomia pela prevalência dada ao princípio normativo.

As normas como critérios


As normas são mais densas que os princípios normativos porque levam no seu
conteúdo significativo uma qualquer assimilação jurídica da realidade social.

A sua Estrutura:
A norma representa uma determinada situação objectiva a que liga certas
consequências práticas, aqueles particulares efeitos que prescreve, ou seja, a previsão
e a estatuição.

A índole normativa reconstituída numa dupla face


Norma como critério jurídico ou norma como imperativo.
A norma é uma regra, uma prescrição que se tem por vinculante, não porque tenha
sido decretada por uma autoridade pessoal mas porque o seu conteúdo é compreendido pela
consciência ética como axiologicamente valido e portanto entendemos ser nosso dever
cumpri-la enquanto que imperativo é a prescrição que se reconhece vinculante não porque
relativamente ao conteúdo seja justa mas porque é imposta pela vontade de uma autoridade
reconhecida, isto é, de uma pessoa à qual se é obrigado a obedecer.
A norma não é o prius, mas o resultado. É a solução de um certo e concreto
problema normativo que tem num princípio o seu fundamento e numa determinada
realidade o seu objecto intencional.

Os critérios não dão solução, apenas propõem um esquema de soluções num


plano geral e abstracto.

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O princípio manifesta uma exigência. O critério já considera o problema no sentido


de norma geral e abstracta, dirigindo-se a um universo de indivíduos mas em abstracto.
A norma tem que ser sempre vista como uma norma problema ou como uma
norma juízo de valor, ou seja, a norma deve ser compreendida como um esquema de
valor.

A Ratio Legis e a Ratio Iuris


Ratio Legis - Imperativa, decisão de poder
É necessário saber os fins usados na base do legislador; os efeitos que
pretende ter na realidade social.

Ratio Iuris - Fundamentos, critérios jurídicos


Quando se confronta o programa de fins da norma com os princípios. Esta
não pode violar os princípios.

Para compreender uma norma tem que se compreender a decisão que está por
detrás dela e na sua base encontra-se uma estratégia.

A norma pretende produzir efeitos na comunidade.

Se os princípios vinculam pela validade, a norma vincula pela autoridade. Pode


haver conflito entre a Ratio Legis e a Ratio Iuris, que se resolve do seguinte modo:

1. Ler a norma na perspectiva dos princípios;


2. Corrigir a norma na perspectiva do princípio

Mas há situações que isso não é possível. Quando isso acontece, a solução é
escolher a Ratio Iuris à Ratio Legis, ou seja, dar preferência à Ratio Iuris justificando
que há uma violação de um princípio.

As decisões jurídicas têm de ser fundamentadas nos


princípios As normas são um instrumento de uso.

Classificação das normas na perspectiva da estrutura

Norma autónoma
Quanto à perspectiva da estrutura (Se .... Então)
Normas autónomas, são normas que tem por si um sentido completo.
Há normas que não são autónomas (normas remissivas ou proposições
normativas)
Normas não autónomas, são normas que por si só, não têm um sentido completo
(falta-lhe toda ou parte da hipótese, toda ou parte da estatuição), só o obtendo por
remissão a outras normas.

Critérios normativos que não são autónomos


Remissivas explícitas
O sentido completo só se obtém através do exame de outra regra.
- art. 999º, 2 - o problema em causa é o do contrato de sociedade. É uma norma que
remete para uma outra norma.

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Remissivas implícitas
Remete implicitamente porque o que se vai deparar são os problemas.
- art. 805º (mora do devedor). Tem que haver uma interpelação judicial para determinar
a constituição do devedor em mora, ou se houver contrato e não for cumprido.

a) Ficção
Trata-se de remissões implícitas que em vez de expressamente remeterem
para normas determinadas que regulam determinados factos ou situações, o legislador
estabelece que o facto ou situação a regular é ou se considera igual àquele facto ou
situação para que já se acha estabelecido um regime na lei. Trata-se da assimilação
fictícia de realidades factuais diferentes.
- art. 805º, 2. Trata-se de, partindo de um acontecimento, uma equiparação
dos problemas. É como se tivesse acontecido e não aconteceu.

b) Presunções legais
Tratam-se de ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para
afirmar uma facto desconhecido
- art. 349º (noção de presunção);
- art. 1826º, 1.
Quando é posta em causa terá de ser provada, por quem a puser em causa.

1) Presunção elidível
- art. 1254º (presunção).
A presunção é um critério jurídico.

Proposições não normativas


Estas não chegam a ser verdadeiras normas, disposições que se destinam a
integrar as hipóteses globais de outras normas ou a definir conceitos normativos por estas
utilizados.
- art.1185º.

É um elemento de orientação.

Por si só arrumas a matéria legal e não estabelecem um dever ser, ou seja,


estabelece pressupostos classificativos
- art. 203º.

Regras meramente qualificativas


Elementos base indispensáveis para compreender o código. A articulação das
normas, relações que estabelecem uma com as outras - art. 68º e seguintes.

Classificação das normas na perspectiva da articulação ou da


coerência sistemática

Normas gerais ou comuns


São normas que estabelecem o regime-regra para o sector das relações que
regulam.

Normas especiais
Normas que no Código Civil, tratam em geral do contrato de sociedade.

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Normas excepcionais
Significa falar de normas gerais ao nível da solução que propõe, é material porque
tem a ver com o conteúdo
Art. 219º - Consagra através da norma um princípio e traduz uma norma geral
abrindo uma excepção à norma excepcional e afasta-se deste regime/regra (liberdade da
forma)

Classificação das normas na perspectiva do vinculo lógico com a acção


articulação

Normas imperativas, injuntivas ou cogenses


Quando não dependem da vontade do sujeito, ou seja, aplicam-se haja ou não
declaração de vontade do sujeito nesse sentido
I. Preceptivas - impõem-nos uma conduta - art. 483º, 1;
II. Proibitivas – proíbem determinadas condutas - normas penais

Normas permissivas ou dispositivas


Não impõem comportamentos mas permitem-nos - art. 1779º, norma que atribui
um direito.
I. Facultativas ou concessivas ou atributivas
São normas de autorização, através das quais a ordem jurídica permite ou autoriza
certos comportamentos, concedendo positivamente poderes ou faculdades;
II. Interpretativas
Determinam ou alcance e o sentido imputáveis a certas expressões ou a certas
condutas declarativas ou actos das partes, em caso de dúvida - art. 2226º;
III. Supletivas
Destinam-se a suprir a falta de manifestação da vontade das partes sobre
determinados pontos do negócio que carecem de regulamentação – art. 1717º

Classificação das normas na perspectiva da Sanção

Há determinados critérios, cuja violação implica simultaneamente critérios no plano


civil e também responsabilidade jurídica penal – art. 2190º.

a) Leges plus quam perfectae


Normas cuja violação importa ao mesmo tempo a nulidade do acto e uma pena;
b) Leges perfectae
Normas cuja violação importa a nulidade do acto mas sem pena ;
c) Leges minus quam pervectae
Normas cuja violação importa uma pena, mas não a nulidade do acto;
d) Leges imperfectae
Normas cuja violação não importa qualquer espécie de sanção.

Classificação das normas na perspectiva da relação material com o sistema


das normas
a) Normas inovadoras
Na generalidade as normas são inovadoras
b) Normas interpretativas
Interpretação que é cumprida pelo próprio legislador.

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Jurisprudência judicial

A jurisprudência judicial actua resolvendo questões - as decisões judiciais.

Os critérios da Jurisprudência Judicial levados a sério como soluções normativas


(Juízos decisórios, sentenças) que assimilam autonomamente a validade de direito.
Trata-se de convocar a solução da controvérsia concreta, ou seja, do caso concreto
anterior, assumindo-a como um exemplo para soluções futuras, isto é, envolve
experiências anteriores para resolver casos futuros.
Estes prejuízos (juízo anterior, uma solução anterior) beneficiam sempre de uma
autêntica presunção de justeza uma vez que as soluções a que os juízes chegaram nos
casos anteriores, obtiveram a melhor solução possível. De tal modo que o juiz pode e
deve convocar esses prejuízos como modelos sem ter que justificar a convocação desses
modelos bastando-se com a pressuposição implícita de um princípio de inércia
argumentativa, ou seja, o juiz está a mobilizar a sua experiência.
Quando a solução não é adequada ao caso concreto e o juiz tem de se afastar
desses modelos este terá que justificar esse afastamento através de um infirmante ónus
de contra-argumentação, ou seja, tem que mostrar que aquele caso concreto merece
uma solução diferente do caso anterior. Por outras palavras, tem que fundamentar a sua
decisão mostrando a especificidade do seu caso concreto e, com isso, justificando o
afastamento do juízo anterior.

Prejuízos – vinculam-nos, mas não nos termos em que a Lei nos vincula (Lei =
vinculação de autoridade)

A dogmática ou jurisprudência doutrinal


Cumpre à dogmática descrever articuladamente o direito vigente, mas não
menos propor modelos de solução para muitos problemas juridicamente relevantes que
vão inovadoramente emergindo. Cabe a esta reflectir sobre todo o sistema. Reflecte na
própria experiência do direito, mas não resolve os casos concretos.
O direito não se nos manifestaria na sua unidade histórico-sistemática sem um
continua reelaboração jurídico-racional através de um pensamento dirigido
expressamente à explicitação do sistema jurídico - o que ele realizará analisando e
desenvolvendo a intencionalidade jurídico-normativa das normas e elaborando as
soluções jurídicas solicitadas pelas realidade social que se não encontrem de algum
modo preparadas pelas normas disponíveis.

A dogmática manifesta-se através da crítica, ou seja, comentário de uma outra


experiência - anotações casuísticas, mas também podem ser anotações às normas –
os códigos anotados.
A dogmática é o verdadeiro ponto de encontro do normativo e do real, porquanto, por
um lado, é aí que o pensamento jurídico é chamado a preparar e a orientar critico-
constitutivamente essa realização e, por outro lado, porque é a esse nível que se determina e
define por objectivação racional a própria realidade jurídica da ordem jurídica.
A dogmática é uma autêntica presunção de racionalidade.

As funções da dogmática
1. A invenção autónoma de fundamentos e critérios específicos, também chamada
função heurística;
2. A reelaboração reconstitutiva do sistema ou função estabilizadora, isto é,
actua propondo soluções inovadoras;

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3. O desempenho desonerador, na medida em que o apoio que disponibiliza libertam


o jurista de uma problematização sem fim;
4. A função de controle, viabilizadora de uma mais fácil racionalização das decisões
judicativas que institucionalmente se vão impondo.

Também aqui o juiz tem que justificar o seu afastamento como no caso
da jurisprudência judicial.
A intenção da doutrina deve ser uma intenção prática. Esta transforma o problema
num critério ao qual a jurisprudência judicial depois utiliza como critério doutrinal. Aí o
juiz não convoca experiências anteriores mas sim esses critérios doutrinais.

A realidade jurídica
A realidade jurídica em que as controvérsias se manifestam e o direito se
realiza como estrato do sistema.
Na realidade do direito temos de distinguir a realidade jurídica da aplicação, isto é,
a sua dimensão dinâmica da realidade jurídica de institucionalização, isto é, a dimensão
estática.
O direito só cumpre a sua função e mesmo só existe verdadeiramente se
conformar a realidade social nos termos do seu projecto normativo. Um dos modos
porque continuamente se verifica essa conformação é decerto a aplicação concreta do
direito aos casos singulares e individualizados da vida social que solicitam uma decisão
jurídica. Para além desta, há a realização que se estabiliza e adquire corpo social que se
identifica na realidade social como estrutura e dimensão dessa realidade ou mesmo
mediante específicas entidades jurídico-sociais.

CAPÍTULO IV

FONTES DO DIREITO

O problema das fontes de direito traduz-se, fundamentalmente, em saber de


que modo se constitui e manifesta o direito positivamente vigente numa determinada
comunidade histórica, ou seja, de que modo o direito se objectiva aí como direito.

O direito consiste, ou a sua jurisdicidade haverá de pensar-se como um válido


dever-ser que é. Se não há direito sem uma vinculante normatividade, sem uma
normativa vinculação ou obrigatoriedade, e esta não será reconhecida como tal sem um
fundamento de validade, sem um fundamento dessa sua vinculação e que
constitutivamente a justifique também só estaremos perante o direito se a sua
normatividade incarnar histórico-socialmente logrando obter aquela especifica existência
ou aquele especifico modo-de-ser normativo que é a vigência - se vigorar não apenas
intencionalmente mas como dimensão constitutiva da prática social e por esta
efectivamente assumida.

Podemos concluir que o problema das fontes de direito é de saber de que modo,
forma ou processo o direito se constitui e manifesta como vinculante normatividade
vigente. Que tanto é dizer como se constitui e se manifesta a sua vinculante
normatividade positiva pois positividade exprime no plano objectivo o que a vigência
exprime no plano normativo. E neste sentido “as fontes do direito são fontes do
positivação”, ou seja, os modos pelos quais uma normatividade se torna direito positivo,
isto é, o normativo juridicamente vinculante de uma certa comunidade.

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A exigência de superar uma exploração semântica mas também de denunciar uma


perspectiva político-constitucional, ou seja, o direito seria o que um poder para tanto
politicamente legitimado, criasse como tal a jurisdicidade seria a normatividade prescrita
por esse poder. O constituinte do direito tê-lo-iamos no poder e as fontes não seriam mais
do que as formas ou os modos como este se manifestaria.
O sentido de uma abordagem fenomenológico-normativa preocupada com os
modos ou processos de constituição e manifestação do direito como normatividade
vinculante, ou seja, pela qual se constitui e objectiva o direito como direito.

Os tipos fundamentais da experiência constituinte do Direito


Para haver uma experiência tem que haver uma realidade histórica tem que haver
modos de construção de uma normatividade (conjunto de normas, princípios) e que se
objectiva numa vigência normativa. Assim podemos distinguir os tipos de experiência
jurídica consuetudinária, legislativa e jurisdicional, consoante o direito tenha a sua base
constitutiva na tradição, na legislação ou na jurisdição.

A experiência jurídica consuetudinária


Não é uma experiência polarizadora, nuclear, uma vez que não deriva de
prescrições legais, mas sim de uma prática social repetidos, constantes e estabilizados.
É uma prática repetida, isto é, porque se repete como se essa prática fosse
vinculante, ou seja, vai ser critério de si própria. Essa prática tem um carácter obrigatório, ou
seja, assume que se deve actuar daquela forma, porque se actuou sempre assim.
A sua positivação está na própria prática (direito não escrito).
Não há qualquer instituição pois esta manifesta-se na acção, razão pela qual tem
carácter anónimo e impessoal pois que a cria somos nós próprios através da prática
social. Prática essa constante, repetida e estabilizadora. O costume jurídico manifesta-se
enquanto se cumpre sem a ideia de que há uma criação. Está na natureza das coisas.
Sociedades que admitem uma consciência consuetudinária são sociedades
consensuais em que todos praticam os mesmos valores sem os esquematizar. O
tempo do costume é o passado.

A experiência jurídica legislativa


Na actualidade desempenha uma função nuclear, polarizadora.
Aqui a legislação ou a sua expressão formal – a lei, desempenha a
função normativo-juridicamente especifica.
A legislação afirma-se, desde logo, como um modo deliberado e racional de
produção do direito já que actua mediante a prescrição de regras ou normas, numa
intenção de regulamentação relativamente à realidade social, que é o seu
objectivo.
Prescrição através da qual as normas ou regras se enunciam previamente e
separadas formalmente, no abstracto e no geral dos casos concretos que prevêem, ou
para que pretendem aplicação no futuro, que o mesmo é dizer que são elaboradas
segundo um esquema metódico que distingue e temporalmente a criação do direito da
sua aplicação.
A legislação é sempre uma decidida e estratégica prescrição teleológica, ou seja,
é uma decisão orientada pelo objectivo de se atingirem certos fins.
Uma diferença da experiência anterior é que a legislação manifesta-se de
forma escrita, isto é, a lei é o “direito escrito”).

Acresce que, a decisória prescrição normativa formalmente imposta numa norma


como regra antecipada à acção e para a regulamentar, remete-nos a um poder
legitimado para tal - O poder político, ou seja, a experiência legislativa tem uma índole
estatal e política.
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É deste modo que o sireito, através da legislação, se torna hoje cada vez mais num
instrumento de planificada intervenção política e os Estados acabam por governar com as
leis.
Actualmente a legislação desempenha a função de núcleo polarizador. Na
legislação o tempo está voltado para o futuro, isto é, a prescrição legislativa é
programática e visa uma aplicação futura e o direito é para ela regra se conduta, isto
é, uma planificada ordenação social do comportamento como objecto).
A experiência legislativa esgota-se no momento que se produz direito -
critérios gerais e abstractos.

A experiência jurídica Jurisdicional


Na actualidade desempenha uma função nuclear, polarizadora.
Trata-se de uma experiência jurídica que podemos dizer que ocupa uma lugar
intermédio entre as outras duas, ou seja, esta experiência vai aparecer como um
resultado de uma particular mediação normativa uma vez que na experiência jurídica
consuetudinária o direito se constitui e manifesta enquanto de cumpre e na experiência
jurídica legislativa se constitui e se manifesta quanto se proclama na experiência jurídica
jurisdicional constitui-se e manifesta-se enquanto se realiza.
Assim, podemos dizer que a experiência jurídica jurisdicional nos remete para o
caso concreto, ou seja, a decisão em concreto, razão pela qual tem uma índole
prudencial.
É um tratamento da controvérsia que tem que ser solucionada e é através dessa
solução que esta experiência realiza o direito pois os juízes ao decidirem essa decisão
está sustentada numa autoridade, num poder.

À jurisdição cabe um papel muito importante que é assegurar a autonomia do


jurídico. Os juízes quando resolvem o caso concreto têm que ser um mediador entre o
sistema jurídico e o caso concreto, porque vai ter que solucionar a controvérsia mas
como um terceiro imparcial. Ele é um garante da autonomia do direito pois vai ter que
converter uma indeterminação pela determinação.

Em conclusão, enquanto que a índole da experiência jurídica consuetudinária é


tradicional e a sua dimensão de tempo é o passado e o direito é ele próprio, ou seja, o
comportamento social, a experiência jurídica legislativa é de índole estadual e a sua
dimensão de tempo é o futuro, a experiência jurídica jurisdicional é de índole
essencialmente prudencial e a sua dimensão de tempo é o presente.

Existem na actualidade dois tipos de soluções de fixação da jurisprudência que


excepcionalmente funcionam como precedentes vinculantes em que por força de
recurso é possível estabelecer uma fixação da jurisprudência.

Com a abolição dos assentos, o Código Processo Penal substituiu estes pelo
recurso extraordinário “da fixação de jurisprudência”, com a intenção de eliminar a colisão
de acórdãos relativamente à mesma questão de direito. De acordo com o regime
instituído, a decisão proferida no âmbito do mencionado recurso extraordinário apenas vai
constituir jurisprudência obrigatória para os Tribunais judiciais.
Por seu turno, o Código Processo Civil, eliminando também os
assentos, substituindo-os pelo “julgamento ampliado de revista para
uniformização da jurisprudência”

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Exemplo
Quando o problema, aparentemente, parece da mesma índole, de uma caso
anteriormente julgado, e consequentemente aparecem dois acórdãos diferentes (STJ),
e uma vez que o primeiro caso já está resolvido e o segundo ainda está a ser resolvido,
existe uma possibilidade de recorrer e o Tribunal vai decidir novamente o segundo caso.
Esta decisão vai valer como jurisprudência obrigatória para todos os outros casos.

A importância da legislação
Concorrem para isso factores de 3 ordens distintas, a determinarem não só a
sua predominância como modo constituinte, mas inclusivamente a sua actual
importância jurídica.

Factores:
1. Factor Político
A organização do poder; Controlo do poder político através do Direito; A
legislação é a manifestação política

2. Factor Sociológico
Factores implicados na índole (carácter) e na estrutura das sociedades do nosso
tempo. Pois se são elas sociedades dinâmicas, plurais e de conflito, menos vinculadas
às validades tradicionais, necessitam de uma racionalização, ou seja medidas
legislativas para as regular.
T ratam-se de sociedades industriais, de capitalismo avançado e muito complexas
que necessitam de um esforço de simplificação, propondo-se para tal, os critérios.

3. Factor Funcional
Há certas funções que só a legislação está apta a desempenhar:
a) Função de ordenação político-social
Apenas à Lei cabe a definição jurídica do programa social, isto é, decidir
programaticamente das opções gerais da ordem jurídico- sociais.

b) Função planificadora
Somente a Lei tem plena capacidade institucionalizadora e organizatória, criando
órgãos a que imputa poderes e competências, além de que também apenas à Lei
cumpre a normatividade que seja a expressão directa da planificadora função
regulamentar dos Estado, enquanto condição jurídica do exercício do seu poder político.
Pode-se mesmo dizer, que esta função é uma complementar da 1a.

c) Função jurídica da integração


A forma jurídica mais adequada para impor uma qualquer solução jurídica, geral
e pacificadora, ao pluralismo social.

Há certos problemas cuja relevância exige uma solução. Problemas jurídicos


relevantes cuja resposta desencadeia opções diversas que suscitam problemas quanto
à solução. Exemplo: O aborto e a eutanásia

São problemas que ainda não há consenso comunitário estabilizado mesmo não
havendo consenso tem que haver resposta do direito que só se pode cumprir através da
instancia legislativa de integração quando não há uma integração social, ou seja, na
falta de consenso quanto ao justo, esta prescreve, pelo menos, o que é licito.

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d) Função jurídica de garantia


A objectividade e certeza asseguradas pela lei justificariam que nela se veja a forma
de manifestação do direito que melhor permite o seu conhecimento e preserva a sua
segurança, ou seja, a lei desempenha um papel fundamental de garantia e de segurança
para impedir o abuso do poder. Podemos assim considerar que, as duas primeiras funções
são funções políticas e as duas últimas são funções jurídicas. Por estes factores políticos,
sociológicos e funcionais teremos explicado tanto a importância como a preponderância da lei
no quadro dos modos constituintes das ordens jurídicas actuais.

O reconhecimento da importância da lei não deixa de ter limites. Limites esses que
lhe negam a possibilidade de uma constituição exclusiva da normatividade jurídica e que
podem ser funcionais e normativos.

Funcionais: localizam como que na vertical do sistema a demarcar todo o campo do


jurídico que não pode ser constitutivamente atingido pela legislação dada a sua índole
normativa, o seu processo preventivo e a sua função jurídica e que haverá, por isso, de
ser constituído por outros já institucionalmente sociais.

Exemplo: Os negócios jurídicos bilaterais.

Normativos: limites da lei no domínio de vigência a que ela pertence. A lei tem de ser
realizada em concreto, nos seus planos:

a) Objectivos ou no plano da extensão


Há problemas que exigem uma resposta do direito e que não estão considerados
em nenhuma norma legal, ou seja, o juiz não encontra na lei nenhuma norma que
corresponda ao seu caso concreto, mas ao qual terá que responder jurídico-
normativamente, isto é, reconhecemos e a própria dinâmica social o torna evidente que o
sistema jurídico é um sistema aberto e assim a necessidade, para além mesmo da
integração das lacunas no sentido tradicional do autónomo desenvolvimento
jurisprudencial do Direito, isto é, a solução terá que ser encontrada mesmo sem ter
fundamento numa norma.
A Lei não responde a todos os problemas, razão pela qual é um sistema aberto.

b) Intencionais
Embora a realização do direito utilize como seu critério a norma legal, esta terá
que ser adequada ao caso concreto como normativamente fundada em referência aos
fundamentos axiológico-normativos que dão sentido normativo material ao próprio direito.
A insuficiência que sempre se verifica nos disponíveis critérios que se utilizam obriga a ir
normativamente para além destes convocando os fundamentos normativos que dêem
sentido à sua jurisdicidade e possa, assim, orientar constitutivamente a problemática
concretização. Que os mesmo é dizer que a norma é uma norma geral e abstracta e vai
ser convocada para um caso concreto. A norma é sempre limitada perante os casos
concretos. O juiz não se baseia só na norma mas também em princípios na jurisprudência
e na doutrina.

c) Temporais
As normas mantêm a sua vigência até serem revogadas. O limite temporal tem a
ver com normas que são formalmente vigentes e que experimentadas em concreto chega-
se à conclusão que essas mesmas normas estão temporalmente desactualizadas, ou
seja, isto acontece quando as normas deixam de ter razão de ser.

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1) Normas obsoletas
Norma formalmente vigente mas está limitada pela realidade, ou seja,
ultrapassada pelos fundamentos normativos que a devem sustentar a qual deixará de ter
sentido a sua aplicação.

2) Normas caducas
A norma continua formalmente vigente mas com a evolução cultural e
social, poderá dar-se uma alteração decisiva nos princípios fundamentais do sistema e
com isso elas caducam automaticamente

d) Validade
À medida que o sistema normativo histórico ou a ordem jurídica se vai manifestando
com os seus elementos normativos, manifesta-se também o seu fundamental sentido
axiológico-normativo e vemos desse modo a adquirir um determinado conteúdo intencional
nos valores, princípios e critérios normativos decisivos.
É então perante esta intencionalidade jurídica fundamental em que o sistema
jurídico e o direito cobram o seu verdadeiro sentido. Pois essa dita intencionalidade
com ser fundamental é, igualmente, fundamentante e em referência a ela é não só
possível mas licito ajuizar e controlar o conteúdo normativo-jurídico das normas
prescritivas legislativamente.

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