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EMPRESARIAL
Às vezes parece que quanto mais se estuda este campo, menos se o compreende,
pois maior é a capilaridade percebida. Ainda sim, deve se buscar cada vez mais
dominar o tema para poder disseminá-lo e articulá-lo com outras áreas, uma vez que
muito se agrega à discussão. Pelo fato da ergologia se construir através do diálogo
pluridisciplinar, o movimento de buscar novas interfaces se faz essencial, assim
como revisar interfaces anteriormente estabelecidas. O objetivo deste texto é
discorrer brevemente sobre a complexidade inerente ao estudo da ergologia através
da discussão dos seus conceitos principais, articulando-os com aspectos da gestão
com pessoas nas empresas.
Neste sentido, a gestão com pessoas pode se tornar muito mais dinâmica e
autêntica, respeitando as circunstâncias do momento mas sem deixar de se
desenvolver. Ainda, o desconforto intelectual enfatiza a importância da
pluridisciplinaridade e fortalece minorias de poderes como os empregados, pois
evidencia que todos detém uma sabedoria singular, insubstituível e essencial para
executar o trabalho, seja o trabalhador como sujeito ou como sua categoria
profissional.
Através da compreensão do conceito de desconforto intelectual é possível perceber
que assumir uma postura ergológica como gestor em uma empresa é uma tarefa
árdua. Seu desafio se apresenta na intermediação constante de duas concepções
não muito fáceis de dialogar entre si: a compreensão do trabalhador como produto e
produtor de história se encontra de um lado. De outro, está a necessidade inerente
ao sistema econômico das empresas obterem lucro e resultados, independente do
desgaste ou “custo humano” utilizado. Torna-se fatigante articular essas duas
realidades para o “gestor ergológico” pois a cultura de gestão empresarial na
sociedade atual é de exploração, eufemizada como gestão de recursos humanos.
Essa visão predominante da relação com o funcionário nas empresas vai contra a
compreensão do trabalhador na ergologia que deixa de ser recurso e passa a ser
elemento ativo de produção de saberes.
Este elemento ativo é melhor explicado com a noção de corpo-si. De acordo com
Schwartz (2014), para abarcar a multiplicidade de aspectos inerentes à atividade de
trabalho, foi necessário elaborar uma definição que permitisse transitar por esse
novo ângulo de visão. O corpo-si transgride as fronteiras entre o biológico e o
histórico ao associar o corpo e o organismo humano, que operam as situações de
trabalho, com a história pessoal, social e cultural que o sujeito detentor deste corpo
vivenciou/vivencia e produziu/produz. Assim, ao contrapor essas duas âncoras,
cria-se uma terceira: a do singular, que é a característica dessas articulações
biológicas e históricas que são construídas na experiência de vida de cada um
(SCHWARTZ, 2014). Apesar do organismo humano representar uma espécie inteira,
ele se diferencia de indivíduo para indivíduo tanto a nível biológico como subjetivo e
é justamente nessa diferenciação que reside a definição do corpo-si. Este é um
conceito complexo pois abrange instâncias abstratas e profundas e ainda por cima
perpassa outras categorias que, por sua vez, também são abstratas e profundas,
como a noção ergológica de atividade, que será explicada mais à frente.
Ao interagir com a sua realidade, o corpo-si passa por “debates de normas” pois
precisa lidar com suas condições (normas) pessoais diante das normas externas,
sejam elas explícitas ou implícitas. “Temos de agir num mundo que não criamos,
saturado portanto por inúmeras normas antecedentes de diversos níveis e graus de
proximidade com as exigências do presente” (SCHWARTZ, 2014, p. 264). Por conta
disso, é necessário estar o tempo inteiro renormatizando e ressingularizando o
momento atual, para poder lidar com ele, respeitando (ou não) as normas pessoais,
assim como as normas externas. Nesse contexto, identificamos a concepção
ergológica da atividade: “trabalho de ressingularizações permanentes, encontradas
no coração dessas situações laboriosas, no coração das sociedades modernas,
entre as normas antecedentes e as renormalizações possíveis” (CUNHA, 2013, p.
30). Assim, a definição de “atividade” na ergologia atinge uma condição quase que
etérea pois perpassa e permeia o trabalho stricto sensu. “E, por seus contornos
indistintos, por ela ser transgressora e mediadora entre as dimensões macro/micro,
corpo/espírito, público/privado –, ela não poderia ser objeto de nenhuma disciplina
isoladamente” (CUNHA, 2013).
Mesmo com toda essa abrangência e profundidade, Cunha (2013) demonstra que o
conceito de atividade não substitui o conceito de trabalho, na realidade ele enfatiza a
complexidade da atividade humana requerida pela experiência de trabalho. No
entanto, evidencia a impossibilidade de definir claramente o significado de trabalho
na ergologia, colocando-o inclusive como uma unidade enigmática, geradora de
desconforto intelectual e produtora de saberes.