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NEUROLINGÜÍSTICA

PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

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Todos os direitos desta edição reservados ao autor.
Publicado por Editico Comercial Ltda.
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LETÍCIA LESSA MANSUR
MÁRCIA RADANOVIC

NEUROLINGÜÍSTICA
PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

São Paulo, 2003

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 2003 de Letícia Lessa Mansur e Marcia Radanovic
Título Original em Português:
NeurolingüÍstica, princípios para a prática clínica
Supervisão editorial: Jorge Carlos de Brito Jr.
Revisão: Sandra Garcia Cortes
Capa: Vivian Valli
Editoração Eletrônica: Vivian Valli
Impressão: Vida e Consciência Gráfica e Editora Ltda.

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, copiada, transcrita
ou mesmo transmitida por meios eletrônicos ou gravações, assim como
traduzida, sem a permissão, por escrito do autor. Os infratores serão
punidos pela Lei nº 9.610/98
Impresso no Brasil / Printed in Brazil

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APRESENTAÇÃO

A linguagem e a fala são, certamente, as aquisições mais


notáveis na evolução dos seres vivos. Muitas das características
tipicamente humanas dependem da integridade dos sistemas
anatômicos e funcionais que lhes dão substrato.
Dizer que Letícia Lessa Mansur freqüenta a Enfermaria de
Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo desde muito cedo em sua vida
profissional é muito pouco. Talvez o termo mais adequado fosse
vivenciar essa Enfermaria, intensamente, carinhosamente. Durante
longos anos, vencendo limites externos, barreiras internas e desafios
pessoais, vem acompanhando os procedimentos diagnósticos e
cuidando, no melhor exemplo de associação multidisciplinar, da
recuperação dos pacientes acometidos por distúrbios na fala e na
linguagem internados naquela Enfermaria.
Paralelamente, Márcia Radanovic, ainda jovem neurologista,
concentrou suas atividades em doentes com alterações neurológicas
envolvidas em distúrbios da linguagem, sejam estes resultantes de
doenças cérebro-vasculares, neoplásicas, inflamatórias, degene-
rativas ou desmielinizantes.
Da experiência e do convívio destas duas profissionais, bem
como do profundo conhecimento sobre o assunto, nasceu este livro.

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É fruto da constante dialética teoria-prática, da crítica conceitual e
do confronto com os resultados obtidos não em modelos teóricos,
mas no árduo dia-a-dia de quem cuida da recuperação destes
doentes.
A neurolingüística é certamente um dos campos mais
fascinantes das neurociências. Suas relações anatômicas e funcio-
nais, suas conexões com áreas cognitivas, suas repercussões
sobre aspectos relacionados à consciência e à afetividade fazem
dela, como já fizeram no passado, uma das mais intrigantes e
estimulantes áreas de trabalho. Isto é particularmente verdadeiro
em nossos dias, em que aspectos clínicos podem ser mais bem
explorados por meio de exames de neuroimagem, em especial
pela Ressonância Magnética e particularmente pela Ressonância
Magnética Funcional.
Este livro não é uma edição de textos elaborados por
especialistas em temas restritos. É uma obra completa, criada
por estas duas notáveis profissionais, que escreveram todos os
capítulos. Daí resulta a notável unidade da obra, sua fluidez, seu
ajuste conceitual, sua concisão, sua adequação à finalidade a
que se propõe. Estas características são coroadas pela qualidade
das referências bibliográficas, em que as citações fundamentais
e clássicas são complementadas por aquelas referentes às
publicações mais atuais.
São 16 capítulos que englobam aspectos conceituais refe-
rentes à Neurolingüística e à Fonoaudiologia, aspectos particulares
das afasias e sua semiologia, aspectos mais gerais da avaliação
de distúrbios da linguagem e considerações sobre a atenção e a
terapia fonoaudiológica, especialmente em afasias, demências e
traumatismo craniencefálicos.
É uma obra de interesse multidisciplinar, adequada à
realidade brasileira, de extrema utilidade tanto para cursos de
graduação nas diversas áreas das neurociências quanto para
cursos de pós-graduação, na área específica da Neurolingüística.

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O nascimento desta obra, cuja qualidade e oportunidade há
que registrar e enaltecer, é, sem dúvida, motivo de orgulho para
todos os profissionais em neurociências.

Prof. Dr. Milberto Scaff


Professor Titular do Departamento de Neurologia
da Faculdade de Medicina da USP.

Quando fui convidada a escrever essa apresentação, eu


tinha certeza de que estaria diante de um material de primeira
qualidade: abrangente, sólido e atualizado.
A parceria da fonoaudióloga Letícia Lessa Mansur com
a neurologista Márcia Radanovic resultou numa obra que
seguramente será referência para os interessados nos aspectos
normais e patológicos das questões de linguagem em adultos e
idosos, especialmente em seus aspectos cognitivos e orgânicos.
Depois de vinte anos convivendo com Letícia aprendi
a admirar sua erudição e a forma segura com que ela articula
o trânsito fluído entre as diversas abordagens, numa área tão
complexa como a Neurolingüística, e o extremo rigor científico,
característico de tudo o que ela faz. A Dra. Márcia, por outro
lado, tem se dedicado à docência e pesquisa, exercendo seu
conhecimento na esfera da linguagem e lesão cerebral, de forma
marcante, sensível às necessidades dos alunos e profissionais que
buscam conhecimentos sobre o tema.

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A clareza da apresentação e da organização dos temas, além
da utilização de gráficos e esquemas simples e criativos, torna a
leitura acessível sem ser “básica”.
A organização dos conceitos envolvidos na constituição
da Neurolingüística, realizada no primeiro capítulo, ao mesmo
tempo em que fornece bases sólidas para essa definição, delineia
claramente as relações multidisciplinares estabelecidas, com
um foco especial na Fonoaudiologia, e aponta as mais recentes
tendências das pesquisas na área.
A abordagem das relações entre cérebro e linguagem, no
Capítulo 2, segue na mesma linha da valorização dos conceitos
fundamentais e sua articulação de forma precisa, possibilitando a
clarificação de um tema extremamente complexo.
O foco nos processos de desenvolvimento da linguagem na
adultez e no envelhecimento possibilita a discussão de aspectos
fundamentais e que só recentemente receberam a devida atenção.
Os estudos envolvendo o processamento da linguagem, tanto
no que diz respeito à compreensão quanto à produção, por outro
lado, têm recebido grande atenção nos últimos anos. Poucas vezes,
no entanto, o conhecimento efetivamente disponível é apresentado
de forma clara e precisa. Isso é feito com maestria pelas autoras
nos capítulos 4 e 5.
Evidentemente, a abordagem das afasias merece atenção
especial. A abordagem adotada, no entanto, foge ao óbvio, ao
mesmo tempo em que faz uma relação preciosa entre as bases
do conhecimento e o que há de mais inovador nessa ciência.
As referências bibliográficas desses capítulos representam um
levantamento meticuloso do que é significativo na área.
A segunda metade do livro constitui-se instrumento de
trabalho fundamental para o fonoaudiólogo e uma grande ajuda
para os outros profissionais da área, na medida em que apresenta,
de forma generosamente clara, as bases para a reabilitação, as
características, os elementos fundamentais para a avaliação e

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para a terapia de linguagem nas afasias, nas demências e nos
traumatismo craniencefálicos.
O resultado é uma obra na qual consistência e acessibilidade
estão associadas, representando um material fundamental, tanto
para os profissionais da área, quanto para alunos e professores
envolvidos com o tema.

Profa. Dra. Fernanda Dreux Miranda Fernandes


Professora Livre-Docente do Departamento de Fisioterapia,
Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP
e Coordenadora do Curso de Fonoaudiologia.

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SUMÁRIO

O PORQUÊ DESTA PUBLICAÇÃO .......................................................................13

CAPÍTULO I
NEUROLINGÜÍSTICA E FONOAUDIOLOGIA .........................................................15

CAPÍTULO II
ORGANIZAÇÃO CEREBRAL DA LINGUAGEM.......................................................43

CAPÍTULO III
DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM NO ADULTO E NO IDOSO .........................61

CAPÍTULO IV
PROCESSOS DE COMPREENSÃO DA LINGUAGEM.............................................79

CAPÍTULO V
PROCESSOS DE PRODUÇÃO DA LINGUAGEM ...................................................99

CAPÍTULO VI
AFASIAS.........................................................................................................127

CAPÍTULO VII
AFASIA SUBCORTICAL ....................................................................................145

CAPÍTULO VIII
SEMIOLOGIA DAS AFASIAS.............................................................................173

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CAPÍTULO IX
NEUROPLASTICIDADE E REABILITAÇÃO...........................................................187

CAPÍTULO X
ALTERAÇÕES DA COMUNICAÇÃO NAS LESÕES DE HEMISFÉRIO DIREITO ........211

CAPÍTULO XI
ALTERAÇÕES DE LINGUAGEM NOS TRAUMATISMOS CRANIOENCEFÁLICOS .....223

CAPÍTULO XII
ALTERAÇÕES DE LINGUAGEM NAS DEMÊNCIAS .............................................231

CAPÍTULO XIII
AVALIAÇÃO DA COMUNICAÇÃO NAS DOENÇAS DE ETIOLOGIA NEUROLÓGICA.247

CAPÍTULO XIV
TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA DAS AFASIAS.....................................................277

CAPÍTULO XV
ATENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA NAS DEMÊNCIAS.............................................311

CAPÍTULO XVI
TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA NOS TRAUMATISMOS CRANIOENCEFÁLICOS ......329

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O PORQUÊ DESTA PUBLICAÇÃO

A experiência no trabalho com pacientes que apresentam


problemas de linguagem em ensino e supervisão de alunos
nas disciplinas de Neurolingüística em nível de graduação em
pós-graduação, bem como aulas ministradas aos acadêmicos
de Medicina, residentes de Neurologia, pós-graduandos de
Neuropsicologia, cursos em congressos e reuniões científicas da
área, nos trouxe uma perspectiva da demanda de conhecimentos
sobre os tópicos desenvolvidos no livro. A Neurolingüística vem se
desenvolvendo de forma acentuada nos últimos anos no âmbito da
intersecção de várias disciplinas: Neurologia, Psicologia, Lingüística,
Fonoaudiologia, entre outras. Por outro lado, existe a carência de
literatura em língua portuguesa, que introduza alunos e interessados
no tema, tanto em aspectos teóricos quanto práticos.
O livro atende ao interesse daqueles que buscam informações
essenciais em Neurolingüística: os estudiosos das várias áreas afins
e terapeutas – neurologistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais,
fisioterapeutas interessados em reabilitação e que freqüentemente
se deparam com pacientes portadores de alterações de linguagem
–, e particularmente aos fonoaudiólogos, que encontram, além dos
fundamentos teóricos, indicações para sua prática em diagnóstico
e terapia de linguagem.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Considerando a grande demanda por parte dos vários cursos


de graduação e pós-graduação em Fonoaudiologia, e as áreas
afins já citadas, entendemos que o livro pode preencher a lacuna
atual da falta de edições de livros-texto, em nossa língua, sobre o
assunto.

Letícia Lessa Mansur


Marcia Radanovic

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CAPÍTULO I

NEUROLINGÜÍSTICA E FONOAUDIOLOGIA

NEUROPSICOLOGIA E NEUROLINGÜÍSTICA
A Neuropsicologia fundamenta-se em dois alicerces – nas
ciências biológicas e cognitivas. Seu estudo tem os seguintes
objetivos:

a) reconhecer e explicar as relações entre comportamentos


humanos e substrato neural;
b) definir e explicar as relações mútuas subjacentes entre
comportamentos e processos cognitivos;
c) estabelecer correlações entre bases biológicas e psicoló-
gicas do comportamento humano.

O campo da Neuropsicologia abrange a Neurolingüística, que


por sua vez engloba a Afasiologia, ponto de partida dos estudos
neurolingüísticos. Mas a Neuropsicologia não se interessa somente
pela patologia, ocupando-se também da aquisição, desenvolvimento,
maturação e involução de comportamentos. Reconhece a pertinência
de parâmetros de ordem sociocultural (escolaridade, característica
de línguas faladas e escritas) para o estudo da mente e cérebro,
razão pela qual valoriza a multidisciplinaridade. Reconhece a

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independência dos fundamentos empíricos de sua base biológica e


os de sua base cognitiva, mas valoriza a interação e a possibilidade
de interferência do progresso de uma área em outra.

Relação cérebro e linguagem

A história da Neuropsicologia começou com estudos de


linguagem, embora nessa época não se usasse o termo Neuro-
lingüística. De início priorizou-se o conhecimento neurológico, com
Paul Broca, em 1861, que identificou alterações de linguagem e
relacionou-as com um sítio específico. Os estudiosos dessa época
acreditavam que a análise e interpretação de alterações funcionais
baseavam-se numa Neurologia localizacionista e associacionista,
que considerava o cérebro como “constituído por um mosaico
de centros, cada qual responsável por uma determinada função
complexa” (Nitrini, 1996). Após a primeira guerra mundial, surgiu
a escola semiológica, que enriqueceu a escola neurológica com
conteúdos provenientes da Psicologia da época e métodos de
exame mais rigorosos; foram incorporados, ainda, dados pioneiros
da Fonética experimental, assim como da Lingüística que já havia
obtido progressos na descrição, classificação e interpretação
dos signos. Surgiu o exame da afasia – testes padronizados em
população normal, mostrando os resultados inferiores dos afásicos
– e modelos que interpretavam os diferentes significados de um sinal,
como o de Luria, na década de 1960. Este autor defendeu a idéia
de que o exercício da linguagem apoiava-se em sistemas funcionais
independentes e descreveu diversas formas de tratamento para os
diferentes tipos de afasia, conforme apresentam as revisoras de
suas idéias para a fonoaudiologia, Kagan e Saling (1997).
Ducrot e Todorov (1974) elencaram as interpretações da
Lingüística para a Neuropsicologia, destacando as contribuições
de Roman Jacobson, ainda na década de 1960. Martinet, nessa
mesma época (1967)1, igualmente contribuiu com os estudos

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até hoje considerados representativos da corrente estruturalista


que apoiou as descrições das síndromes afásicas. Os estudos de
indivíduos normais, particularmente de aquisição de linguagem, se
intensificaram, ao mesmo tempo em que rapidamente a Afasiologia
se enriqueceu de termos que foram adaptados à patologia e que,
segundo alguns autores, deram origem ao termo Neurolingüística.
Não mais se fazia referência unicamente às afasias de Broca e
Wernicke, mas a sistemas hierárquicos da linguagem normal,
concebidos de acordo com parâmetros novos. O exame das
patologias considerava quatro tipos principais de unidades de
articulação: traço, fonema, monema, sintaxe, numa organização
estrutural. Enumerava traços distintivos e descritivos, considerando
aspectos paradigmáticos e sintagmáticos.
Na década seguinte, Goodglass (1972)2 estudou a evolução
de sintomas na afasia, dedicando-se particularmente ao estudo do
agramatismo (Goodglass e Menn, 1976). As descrições dos afásicos
ganharam detalhes pouco a pouco (Nespoulous, 1980; Ducarne de
Ribaucourt, 1986), evoluindo os estudos em sintaxe e semântica
(Warrington e McCarthy, 1984; Warrington e McCarthy, 1987;
Hagoort, 1998). No fim da década de 70 e a partir da década de 80
ganharam impulso os estudos sobre discurso e pragmática (Berko-
Gleason, 1980; Prutting, 1982; Ulatowska, 1983, a,b; Nespoulous,
1990), que impulsionaram as investigações sobre o hemisfério
direito (Molloy et al., 1990; Joanette e Goulet, 1990).
Goodglass (1998) cita, entre os avanços mais significativos
da área da Neurolingüística, o desenvolvimento crescente de
pesquisas interdisciplinares. Um exemplo marcante é a participação
de profissionais com formação em alta tecnologia de imagens,
interagindo com os estudiosos de modelos cognitivos específicos
e o resultante acúmulo de conhecimentos sobre relações
anátomo-clínicas. O estudo de pacientes portadores de alterações

1
Reeditado em 1975
2
Reeditado em 1983

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de linguagem engloba, hoje em dia, além dos pacientes com


traumatismo cranioencefálico (população alvo das duas grandes
guerras), aqueles com afecções vasculares, tumores cerebrais,
assim como os com patologias degenerativas.

Fonoaudiologia e Neurolingüística

Não se tem informação precisa de quando a Fonoaudiologia


iniciou o diálogo com as ciências que se interessavam pela
Neurolingüística. Provavelmente isto ocorreu durante o período da
segunda guerra mundial, momento em que se abriu espaço para
profissões consideradas de reabilitação, ou seja, com acentuado
caráter de atividade clínica, com o intuito de atender aos pacientes
com seqüelas de ferimentos de guerra.
O fato de o fonoaudiólogo acompanhar de perto a evolução
dos pacientes afásicos em reabilitação fez que se vislumbrasse seu
papel de pesquisador. Destacam-se entre os temas estudados a
busca de suporte teórico à reabilitação e a verificação de resultados
terapêuticos em termos de eficácia e efetividade. Tal movimento
permitiu:
• sofisticar a descrição dos dados disponíveis para o
estudo da linguagem, cooperando para a construção,
revisão ou negação de modelos, em suma, ampliando a
discussão sobre modelos teóricos de linguagem;
• igualmente contribuir e interagir com a Psicolingüística
na construção, validação e adaptação dos modelos
cognitivos, fornecendo dados para o estudo da norma-
lidade e patologias de linguagem;
• utilizar o modelo de estudo das afasias para a investigação
e atividade clínica em outros quadros como demências e
traumatismos cranioencefálicos;
• contribuir para o estudo de plasticidade neural e apren-
dizagem;

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• cooperar em equipe para o diagnóstico e tratamento dos


pacientes.

CONCEITOS FUNDAMENTAIS EM NEUROLINGÜÍSTICA:


NÍVEIS DE ANÁLISE LINGÜÍSTICA

Linguagem

A American Speech and Hearing Association (ASHA) adota


a seguinte definição: “Linguagem é um complexo e dinâmico
sistema de símbolos convencionais que é utilizado de vários modos
para o pensamento e a comunicação. Visões contemporâneas da
linguagem sustentam que:

a) a linguagem evolve no âmbito de contextos históricos,


sociais e culturais específicos;
b) é um comportamento governado por regras, descrito por
pelo menos cinco parâmetros – fonológico, morfológico,
sintático, semântico e pragmático;
c) o aprendizado da linguagem e seu uso são determinados
pela interação de fatores biológicos, cognitivos, psicos-
sociais e ambientais;
d) o uso efetivo da linguagem para comunicação requer
um largo entendimento da interação humana incluindo
fatores associados, tais como pistas não verbais, moti-
vação e papéis sociais.”

Fonética

Os estudos fonéticos estão dirigidos para aspectos acústico-

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perceptuais e articulatório-motores da fala. Trata-se do estudo de


variações de produção da fala, que se encontram fora do âmbito da
distinção de significados.

Fonologia

A Fonologia pode ser dividida entre os estudos de aspectos


segmentais (dos fonemas) e supra-segmentais (da prosódia). Os
fonemas apresentam as seguintes características:

a) têm função distintiva;


b) não se podem decompor numa sucessão de segmentos,
tendo cada um deles uma função;
c) são definidos apenas pelas características que neles têm
valor distintivo, a que os fonólogos chamam pertinentes.
Os estudos de fonologia preocupam-se com regras
que governam a distribuição e seqüência dos sons
de fala. Incluem a descrição dos traços componentes
(preocupação específica da fonética), as regras de
distribuição, que governam como os sons podem ser
usados em variadas posições nas palavras, e a regras
de seqüência que descrevem quais sons podem ser
combinados. As regras de distribuição são particulares a
cada língua.

Os estudos em Fonologia evoluíram de forma notável nesses


últimos 20 anos. Após o período gerativista, conhecido como o dos
estudos dos Padrões Sonoros do Inglês (Sound Pattern of English)
seguiu-se uma revolução no estudo de regras e representações,
com a adição de elementos da área prosódica. Na verdade, o
componente fonológico foi inteiramente repensado e formalizado
na gramática gerativa, em conseqüência da Fonologia lexical e
prosódica (Paradis, 1993).

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Morfologia

A Morfologia ocupa-se do estudo da evolução histórica das


palavras, bem como de suas formas. Adicionalmente às palavras de
conteúdo, que se referem a objetos, entidades e eventos, existe um
grupo de palavras e inflexões que veiculam significados sutis e servem
para especificar funções gramaticais e pragmáticas. Estes termos têm
sido referidos como morfemas gramaticais, cuja função é modular o
significado. Os estudiosos de morfologia reconhecem um número de
subsistemas de regras ou processos; a aplicação dessas regras e
subsistemas tem por objetivo identificar a fonte dinâmica de diversos
fenômenos, os quais se reagrupam, sob os títulos freqüentemente
empregados: derivação, flexão, composição, etc. Cada um destes
títulos nomeia um subtipo de morfologia. Tradicionalmente, esses
estudos vinham sendo realizados de forma quase indissociada da
sintaxe. Recentemente, a Morfologia conheceu renovação no sentido
de ser reconhecida como área autônoma (Villiard, 1993).

Sintaxe

Refere-se a um sistema de regras que governa a combinação


das palavras em unidades de significado mais complexas (frases,
proposições, sentenças). As regras sintáticas especificam a ordem
das palavras, a organização das sentenças e a relação entre
palavras, classes de palavras e constituintes de sentenças, como
frases nominais e frases verbais. Os trabalhos em sintaxe têm sido
realizados com fundamentos da gramática gerativa e somam um
grande número de publicações realizadas por lingüistas de todo
o mundo. O resultado deste investimento aparece sob várias
subteorias de sintaxe gerativa. Um dado importante na evolução
desses estudos foi a criação da semântica gerativa. As divergências
dessas teorias têm acordo em um ponto central: trabalham com
a idéia de que, em larga medida, as estruturas da frase podem

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ser preditas a partir do sentido do léxico. Pouco importa a teoria


utilizada, dá-se importância primordial ao léxico e à sua estrutura
e existe especial interesse pelos fenômenos sintáticos que não
podem ser explicados pela semântica lexical (Roberge, 1993).

Semântica

É o aspecto da linguagem que governa o significado das


palavras e da combinação de palavras. Alguns autores consideram
a divisão semântica lexical e relacional. A semântica lexical
envolve o significado individual das palavras: trata-se dos “itens
em um dicionário”. A semântica relacional refere-se aos sentidos
depreendidos da relação entre as palavras.
Os estudos na área de Semântica têm merecido considerável
investimento dos pesquisadores na área de Neurolingüística.
Os estudiosos de processos mentais têm como tema central a
recuperação do significado das palavras. Nesta linha, a noção de
léxico mental constitui ponto de partida para muitos estudos sobre
produção e compreensão da linguagem. O léxico mental refere-se ao
conhecimento do usuário a respeito da sua língua. Este conhecimento
especifica não somente padrões sonoros e ortográficos das palavras,
mas também suas propriedades gramaticais (por exemplo: classe
de palavra e gênero), sua estrutura morfológica e seu significado.
Existem evidências, tanto por estudos neuropsicológicos quanto por
estudos de imagem, de que esses diferentes tipos de conhecimento
são largamente representados, de forma distribuída, em áreas do
cérebro. O papel do léxico mental no processamento da linguagem é
mediar a representação garantindo o acesso ao significado.

Pragmática

É o estudo da linguagem em contexto. Preocupa-se especial-

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mente com sua função de comunicação, examinando as intenções


dos usuários e as imposições, restrições e necessidades do
contexto. Os estudos no âmbito da pragmática incluem os que se
ocupam do contexto lingüístico, para-lingüístico e extralingüístico.
Nos primeiros, o contexto é o discurso ou texto, considerado em
sua macroestrutura (a organização geral de sua arquitetura) e
microestrutura (proposições). Um tipo especial de discurso que tem
merecido atenção é a conversação. Estudos na linha de análise
de conversação analisam o saber compartilhado na construção
do tópico, bem como rituais de interação interpessoal, além do
conhecimento prévio entre os interlocutores (Hupet, 1993).

ESTUDO DAS ALTERAÇÕES DA FALA, LINGUAGEM E


COMUNICAÇÃO DOS LESADOS CEREBRAIS

Alterações de fala – nível fonético

As alterações de fala compreendem as disartrias, resultantes


de comprometimentos em vários níveis do sistema nervoso. A
definição clássica refere-se a alterações em pelo menos dois dos
quatro sistemas que participam da produção da linguagem: sistema
respiratório, fonador, articulador e ressoador. O estudo clássico de
Darley (1976) admite cinco tipos de disartrias, conforme o sítio de
lesão.
Quando o comprometimento é no neurônio motor inferior, as
alterações de fala variam conforme o par craniano acometido: V par
(trigêmeo) resulta em alterações no controle mandibular durante
a produção oral; VII par (facial) afeta o controle labial, trazendo
como conseqüências distorções no controle dos fonemas bilabiais
e alterações no controle da pressão intra-oral para a emissão de
plosivas e fricativas; X par (vago) leva a alterações na direção oral

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do ar durante a fonação, resultando em excessiva e inadequada


nasalidade; XII par (hipoglosso) responde pelas desordens dos
movimentos de língua, e, portanto, de todos os fonemas que
envolvem sua movimentação. Darley (op. cit.) denomina este
quadro de disartria flácida. As doenças do neurônio motor inferior
resultam de quadros tumorais, traumáticos, infecciosos, tóxicos,
degenerativos, etc.
Alterações no nível subcortical levam a desvios da produção,
relacionados principalmente ao processo de monitoração de
aspectos segmentais e supra-segmentais da fala: controle de
intensidade, ritmo, prosódia, além das alterações fonéticas. Estas
são classificadas, no modelo de Darley (op. cit.), como disartrias
hipocinéticas e hipercinéticas (lentas e rápidas). Os quadros
mais conhecidos que podem levar a estas disartrias são doenças
degenerativas como a doença de Parkinson e doença de Huntington,
entre outras. Alterações no cerebelo levam igualmente a dificuldade
na regulação dos componentes do movimento durante a produção
dos fonemas: força, direção, duração e alcance. O resultado é
uma fala escandida, com alterações prosódicas. Darley (op. cit.)
denomina este quadro de disartria atáxica. Doenças degenerativas,
vasculares ou tumores extensos dos pares cranianos podem
comprometer o cerebelo.
Lesões no neurônio motor superior podem ocasionar disartrias
que se caracterizam pelo aumento do tônus muscular e liberação
de reflexos do tronco encefálico. Afetam todos os subsistemas
envolvidos na produção oral. São conhecidas como disartrias
espásticas. Doenças vasculares, desmielinizantes, tumorais e
degenerativas podem desencadear esse tipo de disartria.
Darley (op. cit.) admite quadros mistos, em que se notam
sintomas decorrentes de lesões mais difusas: é o caso da esclerose
lateral amiotrófica, onde aparecem sinais de acometimento
de neurônio motor superior e inferior, e da Doença de Wilson,
classificada como atáxica-espástica-hipocinética.

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Alterações de fala: passagem do nível fonológico para o fonético

Darley (op. cit.) admite em seu modelo um nível conceitual-


programador que seria responsável pela tradução dos engramas
motores em movimentos efetivos de produção da linguagem oral.
Alterações nesse nível levam a dificuldades de programar/produzir,
desde movimentos isolados, em casos graves, até a fala encadeada,
na qual as junções e passagens necessitam programação refinada.
O estudo destes aspectos toma como modelo a apraxia de fala,
doença que decorre de afecções vasculares, tumorais, infecciosas
ou tóxicas no sistema nervoso central (SNC), e acomete regiões
corticais frontais e parietais ou mesmo sítios subcorticais.

ALTERAÇÕES DE LINGUAGEM – NÍVEIS FONOLÓGICO,


MORFOLÓGICO, SINTÁTICO, SEMÂNTICO E PRAGMÁTICO

Afasias

Afasia é o distúrbio adquirido da linguagem que se


encontrava plenamente desenvolvida e intacta no indivíduo,
decorrente de uma lesão cerebral focal. Desde as primeiras
descrições clínicas de indivíduos afásicos, realizadas por Paul
Broca (1861) e Karl Wernicke (1874), em meados do século XIX,
observou-se que as alterações de linguagem poderiam apresentar
diversas formas distintas, em decorrência de lesões em sítios
anatômicos diferentes. Na prática clínica, o uso de classificações
toma por base a descrição sindrômica dos sinais encontrados
nos vários quadros afásicos, bem como a sua correlação com a
lesão anatômica correspondente mais provável. A classificação
atualmente compartilhada pelos estudiosos de linguagem é a
de Wernicke-Geschwind (Goodglass, 1983). Podemos dividir, de

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forma bastante genérica, as afasias em anteriores (em relação à


fissura sylviana, portanto em lobo frontal) e posteriores (em lobo
temporal e áreas de associação posteriores). Nas afasias anteriores
predominam os distúrbios de produção oral, com perda da fluência,
anomia, agramatismo, disartria e apraxia de fala. A compreensão
é relativamente preservada. São representadas, na classificação
de Gescwhind pela afasia de Broca, afasia transcortical motora
e afemia. Nas afasias posteriores ocorre um maior prejuízo da
compreensão, com discurso fluente, parafasias semânticas e literais,
dissintaxia e anomia. São representantes deste grupo a afasia de
Wernicke, afasia transcortical sensorial, afasia de condução, afasia
anômica e surdez verbal pura. As afasias globais e transcorticais
mistas combinam elementos das duas categorias.
Afasias devido a lesões subcorticais também ocorrem, sendo
que nas lesões de núcleos da base predominam as alterações
motoras-articulatórias e dificuldades lexicais enquanto nas lesões
acometendo o tálamo podemos observar anomia, alterações
de repetição e de compreensão. (Brunner, 1982; Mega, 1994;
Crosson, 1985, 1998).

Alterações de linguagem em doenças degenerativas

Ao lado das síndromes focais, inúmeras doenças dege-


nerativas do SNC apresentam alterações de linguagem que lhe são
peculiares. Estas doenças também representam um valioso material
para análise das desordens da linguagem e fala. Entre estas,
destacamos a doença de Alzheimer, em que ocorre um processo
de deterioração progressiva de múltiplas funções cognitivas
(demência), que geralmente se inicia por alterações de memória
(episódica e semântica), e culmina em uma inabilidade de realizar
tarefas de autocuidado de forma independente (higiene pessoal,
alimentação, etc.). As alterações de linguagem são precoces,
paralelas ao acometimento da memória.

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Outro grupo de doenças degenerativas é o das afasias


progressivas primárias (APP) fluentes e não fluentes, nas quais
há relativa preservação da maioria das funções cognitivas, ao
menos por dois anos. A forma fluente tem evolução relativamente
rápida e, do ponto de vista da linguagem, os pacientes apresentam
produção abundante, vazia no conteúdo lexical e dificuldades de
compreensão do contexto sintático, predominando alterações
semânticas. APP não fluente tem evolução mais lenta, com
produção oral difícil e telegráfica, longas pausas para resgate lexical
e freqüentes erros fonológicos e gramaticais. Entre as parafasias,
predominam as fonêmicas. A compreensão está preservada para
os aspectos semânticos, havendo dificuldades com a sintaxe.
(Mesulam, 2000).

MODELOS PARA O ESTUDO DA LINGUAGEM

Modelo de lesão

É o mais clássico e antigo modelo científico de estudo


de funções cerebrais conhecido, durante muito tempo o único
disponível, tendo permitido numerosos avanços na compreensão
dos processos fisiopatológicos envolvendo o cérebro e suas
funções. Consiste em estabelecer uma correlação entre uma lesão
circunscrita a uma região cerebral e um padrão de alterações clínicas
em algum aspecto da função cognitiva e / ou comportamental. Em
outras palavras, a partir de uma teoria sobre o funcionamento de
uma rede de circuitos cerebrais, a existência de uma lesão em algum
ponto deste circuito permite verificar a veracidade ou não da teoria
(Damasio, 1997). Iniciado a partir de estudos anatomopatológicos,
o método de lesão passou a ser utilizado também no contexto de
intervenções cirúrgicas, mas ganhou seu impulso definitivo após

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o advento dos modernos métodos de neuroimagem (tomografia


computadorizada e ressonância magnética) e dos estudos de
atividade cerebral funcional através da análise da perfusão cerebral
(tomografia por emissão de fóton único – SPECT, tomografia por
emissão de pósitrons – PET, ressonância magnética funcional). O
método de lesão possui limitações, tais como a impossibilidade de
se “criar” lesões predeterminadas de acordo com a necessidade
do pesquisador (em humanos) e a existência de variações
anatômicas cerebrais individuais, que podem levar a erros de
interpretação quando uma lesão é comparada com um modelo
anatômico padronizado. Além disso, freqüentemente as lesões
cerebrais decorrentes de doenças são extensas, interferindo no
desempenho do indivíduo em diversas funções interligadas, o que
exige do pesquisador um enorme grau de habilidade em manipular
e interpretar os dados obtidos a partir destas observações.

Lesões focais: constituem lesões numa área delimitada do


tecido cerebral, identificável através de um método de imagem,
podendo ser decorrentes de um insulto que se estabelece de forma
aguda e não progressiva, ou por vezes de um modo subagudo e
rapidamente progressivo. Os exemplos mais freqüentes na prática
clínica são os acidentes vasculares cerebrais, os traumatismos
cranioencefálicos, neoplasias intracranianas e alguns tipos de
quadros infecciosos (abscessos cerebrais, granulomas).

Lesões não focais: caracterizam-se por não serem anatomica-


mente delimitadas. São difusas (distribuem-se por todo o tecido
cerebral), embora possam predominar em uma determinada região.
Em geral são associadas a doenças degenerativas, de caráter
progressivo. Na prática clínica predominam as afecções tóxicas,
metabólicas, alguns quadros infecciosos (meningites, encefalites)
e doença de Alzheimer.

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Modelo lingüístico

O modelo lingüístico parte da premissa de que a linguagem é


uma função específica, abstrata, atividade cognitiva governada por
regras. Jacobson (op. cit.) foi um dos precursores da aproximação
entre os estudos lingüísticos e as alterações de linguagem. Lesser e
Milroy (1994) mais recentemente publicaram interessante revisão
das idéias da aplicação dos estudos lingüísticos à Afasiologia. O
referencial lingüístico, como não poderia deixar de ser, constitui a
base descritiva para os estudos de linguagem e comunicação. No
entanto, algumas áreas da Neurolingüística beneficiaram-se em
particular da aproximação com teorias lingüísticas. O campo em
que ocorreu grande número de estudos com base lingüística é o
dos afásicos com dificuldades de processamento sintático.
As dificuldades de compreensão são explicadas por
teorias estruturais de inspiração gerativista, que buscam definir
elementos de estruturas sintáticas cuja ausência poderia levar
a uma dificuldade de compreensão; essa mesma linha entende
que determinados conhecimentos procedimentais implicados nas
operações para a depreensão do significado a partir da sintaxe
estariam perdidos (Grodzinsky, 1986, 1995; Beretta, 1998a, b,
1999).
Estas idéias encontram um ponto em comum nas chamadas
“teorias do movimento”, oriundas da Lingüística Gerativa. Essa
teoria diz que “para compreender uma sentença que sofreu
movimento, o elemento movido tem de ser posto na sua posição
de origem”. Sentenças que sofreram movimento de alguma de suas
partes (nos casos estudados, para uma posição mais à esquerda)
são mais difíceis de processar quando a ordem canônica (padrão)
dos argumentos é alterada; é o caso de orações em voz passiva,
em que a ordem dos participantes na ação é diferente da ordem
padrão. Teorias que consideram o problema como sendo uma
inabilidade de estabelecer a relação entre um elemento deslocado
e uma lacuna (traço) (Grodzinsky, 1986) e teorias que consideram

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o problema no âmbito da necessidade de manter dependências


(Beretta, 1999) explicam os déficits de forma diversa. Em relação
à terapia, as aplicações visam a recuperar a atividade lingüística,
organizando os estímulos de acordo com seu referencial teórico.
Thompson et al., em várias publicações (1994, 1995, 1997),
defendem a idéia de que os programas de tratamento das afasias
deveriam levar em conta as propriedades sintáticas das sentenças.
A idéia é que o paciente extraia o significado estabelecido a partir
das relações da sentença, como por exemplo, o que se depreende
a partir da realização da pergunta “QUEM” para o verbo?
Quanto à produção, a teoria que enuncia as regras de
combinação sintática (Government Binding – GB) parte das pro-
priedades lexicais dos verbos e leva em conta a dificuldade dos
pacientes agramáticos em recuperá-los (maior dificuldade para
verbos em relação a nomes) (Gainotti, 1998). Outro ponto é a
maneira como as propriedades lexicais dos verbos interagem com a
sintaxe, o que, segundo o princípio de projeção, acontece em todos
os níveis de produção da linguagem. Entre estas propriedades, que
são geradas em estrutura profunda, encontra-se a das exigências em
relação a papéis temáticos (agente-tema-objeto) (Shapiro, 1997).
A tendência atual é a de considerar as idéias do modelo
lingüístico interagindo com as do modelo neuropsicológico, como,
por exemplo, o papel da memória operacional na compreensão e
produção de frases.

Modelo neuropsicológico

O enfoque dado pela Neuropsicologia Cognitiva ao estudo


da linguagem enfatiza primariamente sua arquitetura funcional,
construindo modelos, numa abordagem complementar aos
aspectos puramente clínicos e anatômicos. Uma premissa básica
deste método de investigação é a de que as rupturas nas etapas de
processamento da linguagem, observáveis em sujeitos com lesões

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cerebrais, refletem os componentes naturais deste sistema. Assim,


“... o comportamento do paciente com lesão cerebral orgânica reflete
amplamente capacidades que existiam no estado pré-mórbido.
Poderíamos, então, fazer algumas inferências sobre a organização
da função linguagem normal a partir de padrões de preservação e
prejuízo funcional:...” (Marin et al., 1976). Este enfoque permite a
valorização da pureza de um determinado déficit sobre a freqüência
de sua ocorrência numa população de afásicos.

DISTÚRBIOS DO PROCESSAMENTO DA LINGUAGEM

Processamento de palavras

Compreensão: Tais alterações são freqüentes em indivíduos


afásicos, e podem ocorrer em diferentes formas. Desordens do
processamento fonológico (recuperação de unidades reconhecidas
como palavras, em meio aos diversos padrões sonoros que podem ser
produzidos pelo trato vocal humano) podem ser avaliadas por testes
de percepção fonêmica. O tipo de afasia que mais se presta a este
estudo é a surdez verbal pura. Algumas questões que permanecem
altamente controversas na literatura dizem respeito ao prejuízo do
processamento auditivo em nível pré-fonético em contraposição ao
prejuízo específico do manejo (manipulação) fonético.
O processamento lexical diz respeito ao emparelhamento
entre a entrada auditiva e elementos da memória lexical que re-
presentam a forma fonológica da palavra. A perda do acesso à
representação fonológica pode ser avaliada por tarefas de decisão
lexical, através da comparação entre o desempenho a partir da
entrada auditiva e escrita. Outro aspecto que pode estar acometido
neste processo é o acesso ao significado da palavra, testado
através das provas de compreensão auditiva.

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Os déficits de processamento semântico, que envolvem


a perda do significado das palavras, ocorrem com bastante
freqüência, especialmente associados a outros prejuízos (como
na afasia de Wernicke). Existem, no entanto, casos em que esta
desordem ocorre de forma relativamente isolada, como nas afasias
transcorticais sensoriais, em casos de encefalite herpética e nas
demências semânticas, onde aparecem lesões especialmente em
porções médias e inferiores do lobo temporal. Um aspecto que
vem merecendo destaque crescente na literatura é o estudo das
perdas semânticas seletivas ou de “categorias-específicas”, em que
pode predominar o prejuízo do acesso semântico para palavras
abstratas, com preservação do mesmo para palavras concretas, ou
em que aparecem dificuldades em relação a elementos animados
(animais), mas não para elementos inanimados. A existência
destes déficits específicos estimula a discussão sobre a possível
existência de um sistema semântico unitário ou subdividido para
tipos diferentes de conhecimentos.

Produção: Na visão psicolingüística tradicional, a produção


das palavras envolve múltiplas etapas, começando pela concei-
tuação e terminando nos movimentos articulatórios. Os modelos
modernos trabalham com a noção de processamentos simultâneos
nos vários níveis. Neste caso, são amplamente aceitos como
modelos válidos de interpretação dos fenômenos concernentes
a esta tarefa a observação e análise dos erros de produção
efetuados por indivíduos normais (Dell, 1986). Assim, tomando-se
como exemplo um aspecto da produção verbal, a saber, o resgate
das palavras prévio à codificação articulatória, encontramos a
possibilidade de haver erros de substituição de ordem semântica
e fonológica, ou mistos, sendo que a maior diferença entre estes
erros e os encontrados em indivíduos afásicos é a maior freqüência
de ocorrência de não-palavras nos últimos. A questão referente
à interdependência entre os processos de seleção lexical e
codificação fonológica permanece como um campo ainda aberto

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a estudos. Outra variável que também desponta como elemento


integrante do processo de seleção lexical é a classe gramatical.
Diversos pacientes apresentam maior inabilidade na recuperação
de substantivos em comparação a verbos, sendo que as lesões
frontais parecem comprometer principalmente a produção de
verbos, enquanto as lesões temporais afetam principalmente a
produção de substantivos.

Processamento de sentenças

Compreensão: A compreensão de sentenças vai envolver


não apenas os aspectos relativos à apreensão do significado das
palavras isoladamente, como também a capacidade de lidar com
os aspectos sintáticos da linguagem e habilidades não lingüísticas
relacionadas à memória operacional. A afasia de Broca é o modelo
mais adequado à análise da disfunção sintática, mas neste
campo também é de grande valor a observação do desempenho
de indivíduos normais frente a material de diferentes graus de
complexidade sintática. Vários enfoques têm sido desenvolvidos
na literatura a fim de tentar caracterizar qual o problema primário
subjacente à ruptura da organização sintática, entre eles: o prejuízo
no processamento das palavras de classe fechada; a perda do
conhecimento gramatical; a hipótese da “capacidade limitada”,
segundo a qual os processos de análise e interpretação se tornam
mutuamente exclusivos pela falta de capacidade operacional para
se realizar os dois; a “hipótese do mapeamento”, observando que
os pacientes “assintáticos” conseguem analisar as sentenças, mas
não conseguem realizar outras operações, com a transposição da
representação sintática para o plano temático (Linebarger et al.,
1983).
Um aspecto que tem sido valorizado de forma crescente em
relação à compreensão de sentenças é a participação da memória
operacional, especialmente no seu componente fonológico. Dentro

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desta perspectiva, vários estudos têm ressaltado a presença de


alterações de compreensão sintática em pacientes com doença
de Parkinson, sendo tema de interesse crescente na literatura o
papel desempenhado pelas alterações de atenção e memória nesta
disfunção (Lieberman, 1992; Grossman et al., 1992).

Produção: A moderna teoria psicolingüística sustenta que a


produção de sentenças envolve a recuperação de uma estrutura
sintática que determina a ordem das palavras (artigo-substantivo-
verbo-etc.), e que serve como modelo para a inserção das palavras
específicas. Os indivíduos com afasia de Broca parecem apresentar
uma ruptura nesta “estrutura-molde”, levando à redução das
possibilidades de construção sintática.

Modelo conexionista

Os modelos de redes conexionistas, redes neurais ou


PDP (processamento de distribuição paralela) baseiam-se em
modelos computacionais das funções cognitivas. Este método
de estudo é relativamente recente, tendo se iniciado por volta da
década de 1950. O princípio das redes neurais fundamenta-se na
compreensão de suas características básicas, a saber:

• as redes são constituídas por unidades elementares que


se interconectam de forma que cada unidade tem várias
interligações com outras, interferindo com estas a partir
de mecanismos de excitação e inibição;
• as redes podem ser distribuídas em camadas de
funcionamento; todas as unidades geram determinadas
saídas a partir da soma de entradas recebidas, quando
estas ultrapassam um determinado limiar de ação;
• as características e propriedades de funcionamento das
redes são determinadas por um conjunto de regras e

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

algoritmos a elas aplicados a fim de regular a conexão


entre as unidades; pode haver “aprendizado” a partir
de um algoritmo de “propagação retrógrada de erros”
(Eysenck e Keane, 1994).

A partir desta estrutura de funcionamento é possível obter


reações a um padrão de estímulos, e hipóteses teóricas sobre o
funcionamento cognitivo podem ser testadas (figura 1). O modelo
conexionista, entretanto, tem limitações, visto que não existe
ainda uma representação que possa reproduzir a complexidade
do cérebro humano, tanto do ponto de vista da quantidade de
interligações entre os milhões de neurônios de sua rede, como pela
infinidade de entradas que são processadas simultaneamente no
desempenho das funções cognitivas (incluindo motivação, emoção,
etc.), características ainda difíceis de serem reproduzidas num
modelo computacional.

Figura 1 - Adaptação do modelo computacional de espaço de ativação de Hinton e


Shallice (1991) para dislexia profunda, mostrando os atratores para duas palavras.
Após lesão nas unidades semânticas, as correntes de atração mudam das mostradas
em linhas contínuas para aquelas mostradas em linha tracejada, gerando erros.

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O quadro abaixo sintetiza a relação entre os estudos das


neuropatologias da comunicação e os diferentes níveis lingüísticos.

ALTERAÇÃO NÍVEIS DE INVESTIGAÇÃO LINGÜÍSTICA


DE FALA,
DOENÇA
LINGUAGEM E FONÉTICO FONOLÓGICO MORFOSSINTÁTICO SEMÂNTICO PRAGMÁTICO
COMUNICAÇÃO

Doenças vasculares
Doença de Parkinson
Doença de Huntington
disartria
Esclerose lateral
amiotrófica
Doença de Wilson
Doenças vasculares
apraxia de fala
Trauma cranioencefálico

Doenças vasculares
Neoplasias afasia
Doenças infecciosas

alterações
Demência
lingüístico-
cognitivas

Doenças vasculares
alterações da
Neoplasias
comunicação
Doenças infecciosas

Quadro 1 – Relação entre as doenças neurológicas e os níveis de investigação da


linguagem

INTERFACE ENTRE LINGUAGEM E OUTRAS FUNÇÕES CEREBRAIS

Não existe função cognitiva que se realize de forma indepen-


dente de outras funções cerebrais. Algumas vezes esta relação se
dá na forma de complementaridade, outras vezes na forma de
modulação. No caso específico da linguagem, duas outras funções

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

cognitivas se prestam particularmente a este papel de suporte: a


atenção e a memória.
Atenção é a habilidade do indivíduo de focalizar e dar rele-
vância a um estímulo específico, sem distração por outros estímulos
internos ou ambientais (Umilta, 1988). A concentração diz respeito
à capacidade de atenção sustentada por um período de tempo
(Strub e Black, 1993). Alguns exemplos de como alterações de
atenção podem afetar o desempenho do indivíduo em tarefas que
dependam da linguagem podem ser encontrados em pacientes com
lesões frontais (redução da fluência verbal, adinamia, alterações
do discurso), em pacientes com heminegligência (dislexia por
heminegligência) e naqueles com doença de Alzheimer (podendo
levar a alterações da compreensão e erros de produção).
A memória está envolvida em praticamente todos os passos
do processamento lingüístico. Déficits na memória operacional
podem se refletir em alterações da compreensão, na aquisição de
vocabulário e mesmo na produção da fala. Mais uma vez, a doença
de Alzheimer constitui um exemplo de patologia que se presta ao
estudo da influência das desordens de memória na linguagem. A
memória desempenha papel da maior relevância no aprendizado
ou re-aprendizado, em situação de reabilitação.
Uma inter-relação importante que ocorre entre duas funções
cerebrais é aquela existente entre linguagem e emoção. Os
aspectos emocionais são expressos na linguagem especialmente
por intermédio da prosódia. Expressões exclamativas, expletivas,
gírias e provérbios também são formas de tradução do componente
emocional de um discurso (Van Lancker et al., 1998). Alterações
deste aspecto da linguagem podem ser encontrados em pacientes
com lesões hemisféricas focais (especialmente à direita), e em
doentes com demência, nos quais costuma ocorrer uma perda do
caráter afetivo do discurso.

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CAPÍTULO II

ORGANIZAÇÃO CEREBRAL DA LINGUAGEM

LINGUAGEM – ONTOGÊNESE

O desenvolvimento da linguagem, no grau de diferenciação


conseguido pelos seres humanos, permitiu que a espécie
desenvolvesse uma estrutura de organização social sem paralelo
entre as demais. Postula-se que a adoção da postura bípede,
associada a um uso diferenciado das mãos, oponência do
polegar e indicador, maior ênfase no sentido da visão (levando a
alterações crânio-faciais peculiares) foram os fatores que criaram
as condições para que o aparelho fonador pudesse se desenvolver,
permitindo uma gama inédita de sons produzidos por um ser, até
então (Kay et al., 1997). Associada a este fenômeno, a evolução
de todo o cérebro, e, particularmente dos lobos frontais, permitiu
que o homem adquirisse a capacidade de converter idéias
(significados) em símbolos, que podem ser compartilhados com
seus semelhantes.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

LINGUAGEM - AQUISIÇÃO

Teorias atuais favorecem o ponto de vista de que a lingua-


gem é inata, baseada na expressão genética de determinadas
características do sistema nervoso central humano, e subordinada
a fatores biológicos comuns a toda a espécie humana. No entanto,
em fases precoces do desenvolvimento da criança, o potencial
biológico sofre diferenciação e molda-se de acordo com o ambiente
cultural a que o indivíduo pertence. Assim, uma criança nascerá
com um aparato auditivo que lhe permite reconhecer todos os
fonemas que podem ser produzidos em todas as línguas, mas
perderá progressivamente esta capacidade à medida que o tempo
passa, o que explica por que a aquisição de uma segunda língua
torna-se mais trabalhosa, quando aumenta a idade do indivíduo.
Um argumento a favor da determinação biológica da
linguagem é o fato de que seu aprendizado obedece à mesma
série de estágios, independente da cultura, o que provavelmente
reflete o mecanismo de maturação cerebral. Crianças com
aproximadamente seis meses de idade iniciam o balbucio, com
cerca de um ano falam palavras isoladas, aos dois anos passam
a combinar palavras progressivamente, sendo que ao redor dos
quatro anos conseguem formar frases com estrutura sintática
similar à de um adulto. A constatação de que as crianças aprendem
as regras sintáticas por observação da conversação informal reforça
a idéia da existência de um substrato biológico predeterminado, o
qual “conhece”, previamente, os elementos universais da linguagem
(Chomsky, 1972). A partir dos universais, aspectos particulares de
cada língua serão inseridos, de acordo com o ambiente social.
Com algumas semanas de idade, a criança começa a emitir
sons, que, a partir dos seis meses, são constituídos de combinações
entre consoantes e vogais, adquirindo progressivamente pausas,
inflexões e entoações. Até esta etapa, crianças ouvintes e surdas
apresentam desempenhos semelhantes. Sabe-se que ao redor dos

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

três meses, a retroalimentação por via auditiva e a imitação dos sons


produzidos pelos demais indivíduos (especialmente a mãe) passam
a desempenhar um papel importante no acréscimo da gama de sons
que a criança aprende a reconhecer e produzir, havendo a consolidação
de um circuito auditivo-proprioceptivo-motor envolvendo o sistema
nervoso central e a musculatura relacionada à fala. A capacidade de
imitação de sons vai proporcionando uma variedade cada vez mais
complexa de combinações, culminando com a primeira palavra, em
torno dos 12 meses. É oportuno notar que as idades de aquisição
das diversas fases descritas podem variar grandemente entre os
indivíduos, sendo que os dados fornecidos representam uma média
do usualmente observado. As primeiras palavras ditas por uma criança
em geral dizem respeito a pessoas e, posteriormente, a objetos. Isto
reflete a integridade dos circuitos entre a área auditiva (giro temporal
superior esquerdo) e o centro de controle motor da fala (giro frontal
inferior E) para as palavras que são aprendidas ao serem ouvidas e
entre as regiões occipitais e temporal esquerda para o aprendizado
de objetos que são vistos. Gradativamente a criança vai aprendendo
mais nomes, seguidos de verbos e palavras relacionais, sendo que
ela aperfeiçoa o desempenho, usando como referência a linguagem
dos indivíduos próximos. No segundo ano de vida a criança aprende
a combinar palavras (dois ao final dos dois anos, quatro ao final
dos três anos). Do ponto de vista fonológico, é possível que ainda
não consiga pronunciar todos os fonemas da língua até os cinco
anos de idade (na língua portuguesa), especialmente os encontros
consonantais. Aos quatro anos de idade, uma criança conhece um
grande número de palavras e é capaz de combiná-las a ponto de
poder realizar narrativas, e estima-se que aos seis anos de idade
já consiga estabelecer relações espaciais, temporais e causais. Aos
cinco anos, está apta a dominar mais uma habilidade da linguagem,
que é a leitura (Adams et al., 1997).
A leitura é uma atividade que exige associação de moda-
lidades (auditiva e visual), pois implica a capacidade de converter
as imagens auditivas e cinestésicas das palavras aprendidas em

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

símbolos gráficos, o que pressupõe a integridade das conexões entre


o giro temporal superior e áreas de associação parieto-occipitais à
esquerda. Habitualmente, a escrita se segue à aquisição da leitura,
e nesta ocorre a conversão das imagens já citadas em movimentos
peculiares da mão.
A partir do desenvolvimento completo das habilidades acima
descritas, haverá um aperfeiçoamento do uso da linguagem no
sentido de se integrar ao comportamento complexo do indivíduo,
tanto no planejamento de todas as ações, solução de problemas
como no processo extremamente sofisticado de representação
interna, que constitui o pensamento.
É importante que o profissional de saúde conheça o papel
que desempenha cada uma dessas variáveis, pois dessa maneira
terá mais facilidade para compreender o que ocorre nos indivíduos
lesados com alterações de linguagem, em termos de prognóstico e
aplicação de medidas terapêuticas.

FATORES QUE INTERFEREM NA ORGANIZAÇÃO CEREBRAL DA


LINGUAGEM

Dominância Hemisférica e Manual

A prevalência de pessoas que utilizam a mão direita como


preferencial é muito superior ao que se esperaria com base em uma
probabilidade aleatória (50%), o que indica claramente que em
alguma fase do desenvolvimento o cérebro “opta” por efetuar uma
distribuição das funções entre os hemisférios. O correlato anatômico
que explica a singularidade da habilidade lingüística repousa
no conceito de lateralização hemisférica, a assimetria funcional
existente entre os dois hemisférios cerebrais, cuja expressão
mais exuberante e facilmente observável é a preferência manual.

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A especialização funcional do hemisfério esquerdo (HE) para a


linguagem foi admitida por Marc Dax em 1836 e posteriormente
por Bouillaud e Broca, em 1861 (Springer e Deutsch, 1998).
A dominância manual e para a linguagem não está deter-
minada ao nascimento, mas é um processo que se consolida ao
longo de vários anos. Um conjunto de fatores, genéticos e sociais
associados, deve atuar em maior ou menor grau para esse fim:
fatores predeterminados geneticamente, fatores relacionados ao
desenvolvimento e maturação do sistema nervoso central. Pressões
ambientais e culturais assim como interferências danosas, tanto na
embriogênese quanto em doenças, podem contribuir para variações
na dominância de mão e hemisfério não dominantes (Subirana,
1969).
O planum temporale, região do lobo temporal relacionada à
fala e que inclui a área de Wernicke, é maior no lado esquerdo da
maioria dos indivíduos destros (Geschwind e Levitsky, 1968), sendo
que esta diferença anatômica já se manifesta no período gestacional,
em torno da 31.ª semana de vida intra-uterina. Embora esta
assimetria tivesse sido inicialmente interpretada como decorrente
do maior desenvolvimento do planum temporale esquerdo,
Galaburda (1987) propôs que o volume desta região à esquerda
é constante, sendo o plano direito maior em cérebros simétricos.
Assim, temos que o HE, nos indivíduos destros e na maioria dos
canhotos, será o “hemisfério dominante”, concepção derivada das
primeiras observações de lesados cerebrais esquerdos, com graves
disfunções da linguagem e práxicas. Entretanto, pouco tempo se
passou até que se reconhecesse que lesões de hemisfério direito
(HD, “não-dominante” para a maioria dos indivíduos) também
produziam sérias conseqüências do ponto de vista funcional
(Jackson, 1958 apud Springer e Deutsch, 1998).
A idéia da especificidade funcional de cada um dos hemis-
férios ganhou consistência a partir dos estudos de indivíduos
submetidos a comissurotomia (secção do corpo caloso, a principal
estrutura que conecta e permite o tráfego de informação entre

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os dois lados do cérebro). Nessa condição os dois hemisférios


passam a funcionar de forma “independente” tornando-se possível
compreender melhor o papel que cada um desempenha nas funções
mais complexas do comportamento humano. De fato, considera-se
atualmente que as diferenças hemisféricas são de ordem qualitativa
e não quantitativa, refletindo programações genéticas distintas para
maturação cortical. Esta é medida pela mielinogênese (processo
de formação das camadas de mielina do sistema nervoso), que
reflete as possibilidades funcionais do sistema nervoso, para cada
estágio do desenvolvimento humano. Como exemplo, sabemos que
a maturação de fibras que partem do tálamo para o córtex visual
ocorre no final do quarto mês de vida do bebê, enquanto as fibras
que partem do tálamo para o córtex auditivo só estarão plenamente
mielinizadas ao fim do quarto ano de vida, o que é compatível com
o maior tempo necessário para que a criança desenvolva totalmente
suas habilidades lingüísticas. Num nível cortical, este processo de
maturação pode se estender até a idade adulta, por exemplo, em
áreas de associação (Lecours, 1970).
Uma das primeiras assimetrias manifestadas pelos neonatos
se dá no comportamento de virar a cabeça espontaneamente ou
em resposta à estimulação: a maioria das crianças vira a cabeça
mais freqüentemente para o lado direito do que para o esquerdo
(Liederman, 1987). Esta assimetria tem sido relacionada à
dominância manual dos pais (Liederman e Kinsbourne, 1980),
assim como a subseqüentes preferências durante a infância
(Coryell, 1985). Aos quatro meses o bebê manipula por mais
tempo objetos com a mão direita e aos 5-7 meses manifesta
preferência na manipulação unimanual direita. Em torno de um
ano de idade é possível observar uma predominância de uma das
mãos em tarefas bimanuais (Ramsay, 1983). Assimetrias também
podem ser observadas em atividades perceptuais, como audição
dicótica, mostrando superioridade do ouvido direito para detectar
sons relacionados à fala, em bebês com idades de 22 a 140 dias
(Best 1988). Tais estudos, embora empolgantes, devem ser vistos

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com critério, pois envolvem muitas dificuldades metodológicas e,


em alguns casos, as diferenças observadas são discretas.
Um modelo genético que tenta explicar como ocorre a
dominância manual foi proposto por Annett, em 1985. Um gene
dominante (RS+) seria responsável pelo desenvolvimento da lingua-
gem no HE, o que aumentaria as chances de preferência manual
direita. Sua forma recessiva (RS-) determinaria ausência de qualquer
tendência para dominância na linguagem ou uso preferencial da mão.
Supondo que tais genes ocorram em igual freqüência na população,
teríamos a seguinte distribuição das possíveis combinações: 25%
RS+ RS+, 50% RS+ RS- (todos estes serão indivíduos destros, com
dominância hemisférica esquerda para linguagem) e 25% RS- RS-,
onde os fatores ambientais seriam altamente determinantes para a
lateralidade, o que num ambiente não viciado levaria, neste grupo,
à ocorrência de metade de indivíduos destros e metade canhotos.
Este modelo prevê, no geral, um índice de preferência manual
esquerda em torno de 12,5%, o que se aproxima do encontrado
na população em geral e também se harmoniza com as várias
possibilidades de assimetria funcional hemisférica nos canhotos,
para funções cognitivas, incluindo a linguagem. Tendo se consolidado
a especialização hemisférica, no fim da infância, dificilmente essa
programação será alterada, a não ser em casos de patologias.
Em 1971, Oldfield propôs o inventário Edinburgh, o qual
foi subseqüentemente estudado por outros pesquisadores (Ellis
et al., 1988; Brito et al., 1989; Ransil e Schachter, 1994). As
investigações deram consistência a esse método de quantificação
da dominância manual que, a partir daí, foi largamente aplicado
na pesquisa e prática clínica em neurolingüística. A partir do uso
de questionários sobre atividades praticadas na vida cotidiana ou
provas que observam manipulações com objetos reais, determina-
se o quociente de lateralidade, que reflete a preferência manual
do indivíduo. Embora as questões interessantes aventadas nos
primeiros estudos tenham sido reexaminadas, a maioria delas
ainda não dispõe de respostas definitivas.

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Não há diferenças de distribuição de preferência manual


entre os sexos (Ellis et al., 1988). Por outro lado, a verificação de
intensificação da dominância manual direita com a idade (Ellis
et al., 1988) não pode ser interpretada precipitadamente como
relativa ao fator da idade, tomado isoladamente. A análise de
múltiplos fatores poderia dar conta de dados sobre inadaptações
de canhotos, obrigados a viver num mundo construído para destros,
podendo refletir a importância do fator social no estabelecimento
da dominância.
A população brasileira, na avaliação pelo Edinburgh (Brito
et al., 1989), revela dominância em acordo com a população de
outros países. De 956 sujeitos estudados a incidência de canhotos
é de 6,2 (escrita) a 27% (ação de varrer) para os homens e 3,9
(escrita) 21,9% (ação de varrer) para as mulheres.
Atualmente a dominância não é mais considerada em
termos absolutos. Sabe-se que existem indivíduos com acentuada
dominância manual e, portanto, para a linguagem, e outros com
dominância menos acentuada, tanto para o HE quanto para o HD.
Por outro lado, o próprio conceito de dominância para a linguagem
foi questionado, pois os novos conhecimentos de aspectos
prosódicos, semânticos e pragmáticos da linguagem permitiram
verificar a dominância do HD entre os destros, para esses aspectos.
É interessante lidarmos com o conceito de dominância para
determinados aspectos específicos da linguagem, o que não exclui
a participação do outro hemisfério (não dominante) na atividade.

NÍVEL HEMISFERIO DIREITO HEMISFÉRIO ESQUERDO


Prosódia Entoação Ritmo
Fonemas Vogais Consoantes
Sintaxe aspectos semânticos regra de seqüenciação temporal
Semântica interpretação não literal tratamento refinado de conceitos
Quadro 1 - Predomínio dos hemisférios em relação aos níveis de tratamento
lingüístico

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Idade

Sabe-se que a idade traz modificações no substrato


anatômico, incluindo-se aí o da linguagem. No entanto, nem
sempre essas alterações têm expressão funcional. O exemplo mais
evidente é a diminuição de tamanho e atrofia do cérebro idoso,
sem que ocorram alterações cognitivas notáveis. No entanto, várias
fontes mostram que há uma reorganização funcional que ocorre
em paralelo às mudanças neurais. Diferenças ocasionadas pela
idade, em relação à linguagem, não são somente conseqüência
das modificações biológicas do envelhecimento, relacionando-se
também às experiências e doenças.
Transformações relacionadas à senescência não são
exuberantes a ponto de, por longo tempo, se acreditar que a linguagem
permanecia quase intacta com o processo de envelhecimento. No
entanto, quando se examinaram os dados em detalhe, essas
idéias caíram por terra. Notou-se que o envelhecimento alterava
seletivamente alguns aspectos do funcionamento lingüístico. Esses
dados serão examinados com mais detalhe no próximo capítulo. A
compreensão do vocabulário, por exemplo, melhora com a idade,
enquanto aumenta a dificuldade na recuperação ativa das palavras.
As pesquisas psicolingüísticas desses últimos 15 anos confirmaram,
por sua vez, essa conclusão e trouxeram descrições mais precisas
sobre a deterioração de certos aspectos da linguagem.
Em seu estudo da linguagem dos idosos normais, Ryan
(1995) chama a atenção para diferenciações da idade, as quais
parecem estar relacionadas a elementos multifatoriais, como perdas
sensoriais, especialmente auditivas e visuais, e outras cognitivas,
relacionadas ao processamento da informação. Entre essas,
destacam-se dificuldades de atenção e de memória, que são as
que mais diferenciam grupos de jovens e idosos. São constatadas
diferenças entre esses dois grupos no tempo e eficiência geral (Van
der Linden, 1994), sendo que a lentidão no processamento diz
respeito à percepção, à organização da estocagem e da resposta,

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diretamente proporcionais ao esforço solicitado, ou seja, às


condições da tarefa. A evidência de redução de recursos para o
processamento é constatada pelo aumento do tempo de reação e
pela redução da capacidade de dividir a atenção.
A amplitude dos efeitos do envelhecimento sobre as capaci-
dades verbais, então, varia largamente em função das exigências
específicas de cada prova. Essas exigências dizem respeito ao tempo
de apresentação, número de processos solicitados e complexidade
das operações em termos inferenciais e de simultaneidade, entre
outras. Classicamente, observa-se maior dificuldade nas provas ricas
em operações sobre conteúdos léxico semânticos de memória de
longa duração. Dificuldades são maiores para fornecer a definição de
uma palavra na ausência de qualquer índice, do que quando se trata
de reconhecer essa definição entre outras. A prova de fluência é um
exemplo; além disso, exige um tratamento rápido de uma quantidade
maior de informações do que a nomeação (em que se trata um
elemento de cada vez). Do mesmo modo, ocorrem mais dificuldades
nas provas de raciocínio verbal do que nas provas de vocabulário. Em
contrapartida, nota-se boa performance dos idosos em tarefas com
baixa solicitação cognitiva, típicas da vida cotidiana.
Isto reforça a idéia de que o envelhecimento está longe de
trazer uma deterioração generalizada da linguagem, sendo que
ocorrem desvantagens quando se exige tratamento acelerado ou
complexo. Em outras palavras, os idosos perdem flexibilidade,
espontaneidade, raciocínio abstrato e diminuem a iniciativa. As
dificuldades atencionais, de memória operacional e outras, como
solucionar problemas e gerar soluções, estão nessa mesma linha.
Mittenberg et al. (1989) identificam as mudanças cognitivas dos
idosos com aquelas descritas numa síndrome frontal.
As modificações constatadas não chegam a ponto de
expressar diferenciações em dominância hemisférica ao longo da
vida. Atualmente prepondera a evidência de que funções do HE
tendem a permanecer no HE e que as do direito tendem a permanecer
no HD (Hiscock, 1998). Do ponto de vista neurofisiológico, estudos

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

recentes, através de tomografia por emissão de pósitrons (PET)


comprovaram não haver diferenças nos níveis de metabolismo de
glicose, entre HE e HD e em núcleos da base à esquerda e à direita
(Duara, 1984).

Sexo

Usando estudos psicométricos, diversos pesquisadores têm


tentado documentar a existência de diferenças de desempenho em
tarefas cognitivas quando se comparam homens e mulheres e, além
disso, tentado estabelecer uma correlação entre estes resultados e
um possível “padrão de uso” diferente dos dois hemisférios para os
dois sexos, sendo que as mulheres tenderiam a usar o cérebro de
forma mais “global” e “integrada” que os homens.
Este é um assunto altamente controverso na literatura,
especialmente levando-se em consideração a grande variabilidade
individual, tanto em termos de potencial quanto pela dificuldade
em se poder afirmar com certeza, para um sujeito, o quanto cada
hemisfério está efetivamente participando de uma dada tarefa
complexa, pois o mesmo problema pode ser resolvido mediante
diferentes estratégias.
Kimura (1992) publicou interessantes resultados em que
indivíduos do sexo feminino executaram melhor tarefas relacio-
nadas a percepção visual, como identificar pares de figuras
idênticas ou deslocamento de objetos, tarefas de fluência verbal,
precisão manual e cálculos aritméticos. Os homens, por sua vez,
desempenharam de forma melhor tarefas de percepção espacial
(especialmente rotação mental de objetos), tarefas motoras de
atingir alvos e raciocínio matemático. As hipóteses para explicar tais
diferenças tentam buscar respaldo em diferenças anatômicas entre
cérebros de homens e mulheres (Wada, 1975; Alien et al., 1991),
que podem resultar, entre outras coisas, do papel desempenhado
pelos hormônios na diferenciação sexual.

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Multilingüismo

Uma questão que se segue naturalmente a como se


comportam indivíduos com lesão cerebral nas áreas de proces-
samento da linguagem é: como se comportam os indivíduos que
falam mais de uma língua? Uma das questões que ocupou os
estudiosos do tema por muito tempo foi a possível lateralização
diferenciada entre diversas línguas aprendidas: indivíduos que
aprendessem as duas línguas numa idade precoce usariam o
HE da mesma forma para ambas; indivíduos que aprendessem a
segunda língua mais tardiamente apresentariam uma distribuição
mais homogênea entre os dois hemisférios (Vaid, 1983).
Outros autores optaram por enfocar as diferenças entre a
língua materna e línguas aprendidas posteriormente no método de
aquisição. A língua materna em geral é aprendida de modo informal,
em padrões conversacionais, o que leva a uma referência a um
processo de aprendizado implícito. A segunda língua, em geral, é
aprendida através de processos formais, metalingüísticos, lançando
mão de estratégias de aprendizado explícito (Paradis, 1994).
Até o momento os estudos sobre a participação dos diferentes
hemisférios no processamento de várias línguas aprendidas por um
sujeito não trouxeram dados conclusivos. Paradis (1990) defende
a idéia de que a base neurobiológica utilizada na aquisição e uso
das várias línguas é a mesma, localizada no hemisfério dominante.
A aparente relevância do HD na segunda língua provavelmente
residiria no maior uso de estratégias pragmáticas de inferência para
seu desempenho quanto menos competente o indivíduo fosse nesta
língua. Segundo este autor, o processamento cognitivo realizado
pelos unilíngües e bilíngües é essencialmente o mesmo, havendo
paralelismo entre eles: por exemplo, bilíngües permutam línguas,
unilíngües realizam um processo semelhante quando trocam os
registros; bilíngües misturam e tomam emprestadas expressões,
enquanto unilíngües o fazem com os registros; bilíngües traduzem
de uma língua para outra e unilíngües realizam paráfrases (Paradis,

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

1998). É interessante notar que na aquisição precoce de uma


segunda língua (até cerca de sete anos de idade), a capacidade
de processamento automático das palavras de classe fechada será
maior (semelhante às de categoria lexical), enquanto indivíduos
mais velhos tenderão a se apoiar preferencialmente em processos
conscientes, como vocabulário.

Escolaridade

Em 1971, Cameron et al. propuseram a idéia de que a


dominância hemisférica esquerda para a linguagem é atenuada em
analfabetos. Seu argumento baseava-se na observação de afasias
por lesão do HE, que acometiam predominantemente indivíduos
alfabetizados de mesmo grupo racial e social. Outros estudos se
seguiram na tentativa de dar consistência a essas constatações.
Lecours et al. (1988) examinaram 296 sujeitos: 153 homens
e 143 mulheres/ 188 lesados cerebrais e observaram diferenças
em provas de designação e compreensão. Nas primeiras, levados
em conta somente os erros que não poderiam ser atribuídos à
negligência visual, ocorreram diferenças significativas entre os
controle e os lesados de HE alfabetizados e analfabetos; não
foram encontradas diferenças significativas entre os controle e os
lesados à D, tanto alfabetizados quanto analfabetos. Em tarefas de
nomeação, foi possível observar que os lesados cerebrais à direita
analfabetos e os lesados à esquerda significativamente diferiam de
seus controles.
Castro-Caldas (1998) estudou 12 mulheres destras (seis
analfabetas de 65 +/-5anos e seis alfabetizadas de 63 +/- 6
anos), que não poderiam ser incluídas na categoria de analfabetas
funcionais. Utilizou seis listas de 20 estímulos de alta freqüência,
com três sílabas, e listas de não-palavras, construídas com base
nas palavras reais, modificando-se as consoantes. O registro da
ativação cerebral foi feito por tomografia por emissão de pósitrons

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(PET). Seus resultados mostram que a maior diferença de resultados


ocorre na repetição de não-palavras. Essas diferenças dizem
respeito à quantidade de erros (84% de respostas corretas nos
alfabetizados e 33% nos analfabetos) e à qualidade dos mesmos
(léxico-semânticos e fonológicos, tanto no início meio ou fim das
não-palavras). Por outro lado, os analfabetos realizaram bem
rimas, embora tenham apresentado dificuldades na segmentação
em início de palavras ou não-palavras. Os analfabetos tendiam a
transformar não-palavras em palavras reais. O PET mostrou redução
de ativação específica para a análise de palavras e não-palavras.
A escolaridade e, particularmente, o analfabetismo, pode
acarretar conseqüências sobre diversas capacidades cognitivas,
conforme constata Kolinsky (1996). Entre elas, enumera o autor:

a) relacionadas à análise metacognitiva, como, por exemplo,


em tarefas de subtração fonológica em que o indivíduo
examinado deveria omitir o fonema inicial da seqüência
dita pelo examinador (pak Æ ak);
b) relacionadas à compreensão da linguagem falada, como
reconhecimento de palavras, em tarefas de “ilusão
fonológica”, que induzem à fusão; nessa tarefa os
indivíduos são induzidos a ouvir palavras diferentes em
cada ouvido (por exemplo, dia/grama). O tratamento dos
estímulos era realizado por diferentes estratégias, pelos
analfabetos e alfabetizados, sendo que esses últimos
apoiavam-se num processamento paralelo, auditivo e
ortográfico.
c) relacionadas à memória de curta duração, como retenção
de dígitos;
d) relacionadas a capacidades para julgamento gramatical
de frases.

Além das inabilidades relacionadas a aspectos lingüísticos,


outras podem ser observadas:

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

a) dificuldades no tratamento visual da informação (filtrar


informações não pertinentes, orientação, discriminação
e classificação de imagens em espelho, análise
perceptiva de conjuntos, dificuldades com percepção
tridimensional);
b) rebaixamento em testes que realizam medidas globais de
inteligência, como o WAIS (Wechsler’s Adult Intelligence
Scale).

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CAPÍTULO III

DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM NO
ADULTO E NO IDOSO

IDADE, LINGUAGEM E COGNIÇÃO

É importante que entendamos como é a linguagem do adulto


e do idoso para que possamos estudar as doenças que se sobre-
põem e interagem com as características dessas faixas etárias. Os
indivíduos adultos e, particularmente, os idosos que podem se
comunicar eficientemente são percebidos como competentes nos
seus ambientes.
O desenvolvimento da linguagem, embora ocorra de forma
mais notável em determinadas fases do crescimento, pode ser
constatado ao longo da maturação e envelhecimento do indivíduo.
É um processo intrincado e complexo que envolve variáveis nos
domínios físico, sensorial, cognitivo, emocional e social. Esta visão
abrangente e integrada é importante para o entendimento das
alterações da maturidade e senescência.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

A ADULTEZ

A linguagem do adulto raramente é objeto de exame. Em


geral a aquisição de novas habilidades ocorre informalmente, nos
contextos da vida social e profissional. Embora se possam encontrar
descrições na área de sociolingüística, pouco se interpreta sobre o
processo de sua aquisição. Nas bases de dados para consulta
bibliográfica, constam somente quatro títulos referentes a este
tema, nos últimos 40 anos.

Que papel a linguagem desempenha na adultez e


envelhecimento?

Obler (2001) enumera solicitações sociais da vida adulta e


a exigência de exercício de linguagem. São habilidades bastante
refinadas, que diferenciam o indivíduo no exercício social e profissional.
Diferentes ocupações do adulto induzem o desenvolvimento de
habilidades específicas, nos diversos domínios lingüísticos. O caso
mais notável é o do léxico particular a uma determinada área, que
permite a comunicação precisa entre os profissionais, restringindo,
por outro lado, o entendimento a quem não pertence ao grupo.
Muitas vezes o adulto é pressionado a desenvolver habilidades
bastante distantes do que se poderia considerar como “natural”,
como lidar com a linguagem dos computadores. Determinados
formalismos das comunicações científicas mostram como é possível
tornar a linguagem livre de emoções, na perspectiva de obtenção de
neutralidade e imparcialidade. Obler (2001 op. cit.) lembra ainda
os “malabarismos” de um tradutor simultâneo que, diferentemente
da maioria da população, desenvolve a capacidade de falar e ouvir
ao mesmo tempo.
O uso social acrescenta outros aprendizados, de cunho prag-
mático, a esta lista: o adulto desenvolve, quase sem se dar conta, a

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

possibilidade de usar a linguagem para exercer influência e poder,


seduzir e afastar, conforme seus desejos. Um exemplo interessante
é o uso refinado, no adulto, de figuras de linguagem como ironia
e sarcasmo, aprendidas em torno dos seis a oito anos (Creusere,
1999).
Goffman (1972) descreve, ainda, a criação da “face”, termo
definido por ele como “o valor social positivo que alguém reivindica
para si..., a auto-imagem delineada em termos de atributos
sociais aprovados”, a personagem social que pretendemos ser, o
que envolve todo um ritual de usos da linguagem. Pretti (1991)
apóia-se na idéia de Goffman, observando que a preservação
da “face” depende da aceitação do discurso e que os idosos
apresentam estratégias sutis para preservar a face, como valorizar
o passado ou identificando seus valores com os dos ouvintes mais
moços. Na mesma linha, Lubinski (1997) lembra que a linguagem
contribui para o desenvolvimento e fortalecimento do senso de
identidade, pois permite o exercício da autonomia. Ao mesmo
tempo, proporciona a troca afetiva relacionada à interação social e
a recepção de benefícios estéticos e humorísticos do ambiente.

O envelhecimento

O envelhecimento da população foi uma conquista recente,


possível a partir da evolução científico-tecnológica, que garantiu
sobrevida e saúde aos indivíduos, até aos mais frágeis, levando-os
a resistir a doenças e adversidades do meio.
O conhecimento sobre a linguagem dos idosos põe em relevo
uma série de contradições, poucas certezas e muitas interrogações.
Do ponto de vista metodológico, um exemplo de viés diz respeito
aos critérios de medida de diferenças cognitivas. É o caso do tempo
de reação, medida largamente utilizada para estudos de memória
e linguagem (Dirkx e Richard, 1996). O tempo de reação pode
estar relacionado à percepção da situação, à tomada de decisão

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e a parâmetros físicos que conduzem à resposta. Tarefas que


envolvem medidas de tempo geralmente estão prejudicadas pela
idade. No idoso, fatores como a maior lentidão motora e diferenças
de motivação podem limitar o tempo de resposta devendo os
estudiosos se preocupar em subtrair possíveis interferências desta
ordem. Entre as contradições, destacamos as metodológicas,
nas quais fica evidente a diferença de critérios utilizados para se
constituir os grupos de sujeitos idosos, bem como o instrumental
de linguagem, e os delineamentos que ainda privilegiam pesquisas
transversais. Estudos recentes têm revelado o crescente cuidado
dos autores quanto aos critérios de categorização dos idosos,
desde a consideração de problemas gerais de saúde, com possível
impacto no desempenho cognitivo (Ryan, 1995) até queixas “leves”
do ponto de vista cognitivo, num idoso ainda independente e ativo
(Mesulam, 2000).
Que variáveis deveriam ser consideradas quando consti-
tuímos os grupos de idosos para estudo? Sexo, subgrupos de idade
(idosos-jovens, idosos-idosos, muito idosos), problemas de saúde
(considerados somente em relação a desconforto, drogas utilizadas,
hospitalizações), perdas sensoriais, condições de moradia, nível
de escolaridade ou ocupação (considerada em sua solicitação
cognitiva), suporte social?
O estudo de Walker et al. (1981) elege, entre as variáveis
essenciais a serem consideradas, condições de saúde e moradia.
Ryan (1995) adota uma perspectiva denominada sociocognitiva
para o estudo da linguagem, do adulto e do idoso, na qual se
estuda de forma interativa aspectos sociais (história de vida, o
conhecimento prévio sobre a linguagem), circunstanciais (demandas
física, emocional, procedimental, interpessoal do ambiente) e sua
influência no processamento da informação. As características
biográficas (sexo, personalidade), interagindo com a história
individual, são influenciadas pelo ambiente em que o indivíduo
se desenvolve (educação, número de línguas aprendidas, status
socioeconômico, saúde). Para o adulto ativo, o ambiente é sempre

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

estimulador e levemente acima das possibilidades imediatas, o


que induz à melhor performance. Para a autora, estratégias sociais,
como por exemplo, objetivos diferentes de jovens, adultos e idosos,
poderiam responder por estilos peculiares das faixas etárias.
Para o idoso, ganham relevo os objetivos relacionados
às funções de participação no próprio cuidado, autocontrole e
independência, atenuação da solidão, depressão e ansiedade, pos-
sibilidade de reflexão sobre a continuidade do passado, presente
e futuro, e a possibilidade de interagir com estímulos sensoriais e
interpessoais, mantendo redes sociais com indivíduos de própria
escolha (Lubinski, 1997). Estas funções determinam estratégias
que não estariam desvinculadas do aspecto cognitivo, podendo
representar compensações para declínios nesse âmbito.
A natureza interativa dos componentes sociocognitivos pode
ser ilustrada pela atitude de tentar dominar a conversação. Que
interpretações caberiam para essa situação?

• tendência ao egocentrismo?
• perda da habilidade de perceber a perspectiva da comu-
nicação?
• compensação de dificuldades auditivas ou falhas de
memória?

Quem são os idosos?

Uma análise da população americana mostra expectativa de


vida de 71 anos para os homens e 78 anos para as mulheres. Os
idosos têm mais problemas crônicos de saúde (artrite, hipertensão,
cardiopatias, problemas ortopédicos, perdas visuais e auditivas).
Essas condições tendem a ter maior impacto nos idosos acima
de 75 anos e, embora não sejam prejudiciais em curto termo,
contribuem para limitações funcionais e muitas vezes provocam
privações cognitivas nesses indivíduos. As alterações sensoriais,

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particularmente, aumentam com a idade e têm efeitos devastadores


na qualidade de vida dos idosos.
Sobre a população brasileira, sabe-se que o Censo do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, realizado em 2000, identifica
9.935.100 idosos (com idade entre 65 e 100 ou mais anos), o que
corresponde a aproximadamente 5,85% do total de 169.799.170
habitantes. Esses idosos estão concentrados principalmente nas
regiões sul e sudeste do país, que apresentam a maior proporção
de idosos na distribuição populacional e alcançam, em algumas
cidades, taxas de envelhecimento comparáveis às européias (média
de 15,6% de idosos, na cidade de Colinas, e 15,2% em Santa
Tereza, ambas no Rio Grande do Sul).

IDADE E MUDANÇAS NA LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO

As mudanças são sutis, inter-relacionadas e complicadas


pelas condições físicas de saúde, depressão e mudanças no
funcionamento cognitivo. A idade traz alterações no plano físico,
cognitivo, emocional e social que afetam direta ou indiretamente
o desempenho e a competência para o uso da linguagem do
indivíduo.

Mudanças físicas

Mudanças estruturais e morfológicas podem ser detectadas


nos órgãos sensoriais, nos órgãos relacionados à produção da
linguagem, no sistema nervoso periférico e central, no sistema
locomotor, na aparência. De um modo geral o organismo tende a
perder tecidos e a se enrijecer.
No sistema auditivo, a perda é periférica (sistema de trans-
missão e recepção dos sons) e central (transmissão neural pelo VIII

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

nervo craniano e processamento auditivo central, particularmente


em regiões córtico-subcorticais). A potencial coexistência destes
comprometimentos cria um complicado perfil auditivo para os
idosos, que resulta em dificuldades no processamento para com-
preensão da fala, entre outras. No sistema visual, as perdas mais
importantes para a comunicação são a diminuição da capacidade
para enxergar a curta distância e dificuldades para adaptação em
relação à distância ou luminosidade. Numa situação de interação,
os interlocutores devem levar em conta o contexto, incorporando
seus estímulos e restrições. No sistema locomotor, dificuldades
de deambulação podem dificultar o acesso a conteúdos de
comunicação e a busca ativa de interlocutores (Lubinski, 1984). A
aparência desencadeia preconceitos em relação à idade (menos-
valia, improdutividade), que dificultam a análise da situação
comunicativa específica e desconsideram a diversidade de desem-
penho dos idosos.
As alterações físicas não determinam necessariamente dis-
funções a ponto de interferir na atividade comunicativa. A maioria
das transformações que o idoso sadio sofre pode ser compensada,
havendo manutenção da funcionalidade. Embora cada estágio da
vida possa ser visto nesta perspectiva adaptativa, na velhice isto se
caracteriza por uma base reduzida de recursos. Habilidades físicas e
mentais podem estar reduzidas, assim como as cognitivas e sociais.
O número, co-existência, progressão e efeitos dessas mudanças
variam de indivíduo para indivíduo e num mesmo indivíduo.

MUDANÇAS NA COGNIÇÃO E LINGUAGEM

Se distribuíssemos um questionário sobre a linguagem dos


idosos para a população, provavelmente teríamos incluídas as
inabilidades abaixo:

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

• São distraídos
• Não compreendem
• São egocêntricos
• Só falam do passado
• Contam histórias sem fim
• Não percebem o que é importante
• São repetitivos
• São lentos

Esta visão reflete o conhecimento produzido pelos estu-


diosos, o qual enfatizava déficits e doenças. Entre as mais
freqüentemente detectadas estavam dificuldades de nomeação,
diferenças na habilidade de definir conceitos e deficiências de
compreensão. Atualmente, o foco do estudo de linguagem dos
idosos voltou-se para as estratégias utilizadas considerando de
forma mais precisa os níveis de processamento cognitivo. Dessa
forma, pode-se identificar melhor os déficits e valorizar os aspectos
cognitivos preservados.

Aspectos fonológicos

Não ocorrem mudanças substanciais com o aumento da


idade. Mudanças observadas nas línguas não ocorrem numa ge-
ração ou entre gerações. Alguns autores valorizam o bilingüismo
como elemento desencadeador de mudanças.

Aspectos lexicais

Em tarefas de nomeação por confrontação, na qual se


apresenta uma figura para o indivíduo nomear, observou-se que
idosos na faixa dos 70 anos têm desempenho pior do que os
jovens adultos. Nicholas et al., 1985 realizaram vários estudos

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

em que mostram que indivíduos na faixa etária dos 30 anos têm


desempenho pior do que os de 50, ocorrendo um leve declínio aos
60 e um substancial declínio aos 70 anos. Estudo longitudinal dos
mesmos sujeitos indicou declínio importante nos indivíduos com
50 anos e mais idosos, ao longo de sete anos (Au et al., 1995;
Barth et al., 1999). Nomes próprios, de pessoas, mesmo que bem
conhecidos, são particularmente difíceis de serem recuperados
com o avanço da idade (Cohen e Burke, 1993; Brédart, 1994).
Por outro lado, consistentemente tem sido observado que o léxico
passivo permanece disponível para os idosos.
Adultos e idosos não diferem nas estratégias empregadas
em tarefas de nomeação (Nicholas et al. op. cit.). Embora os idosos
tendam a realizar maior número de circunlocuções e comentar
mais a tarefa, os autores concluem que para a maioria dos
indivíduos os “erros” eram termos relacionados (por significado).
Sua interpretação é que a maior ocorrência de circunlocuções se
dá quando a tarefa é mais difícil. Não se notou diferenças entre
as classes de palavras: o mesmo padrão de erro foi verificado para
nomes próprios, verbos e substantivos. O grau de dificuldade parece
estar relacionado à exposição e à experiência de uso da linguagem.
Goulet et al. (1994) argumentam que se desconhece o efeito de
drogas e do declínio do estado geral de saúde na capacidade
de nomeação dos idosos e que um estudo de nomeação deveria
considerar os múltiplos fatores envolvidos.
Em resumo, com a idade, o acesso às palavras para
produção é mais difícil do que para os jovens e pode haver uma leve
deterioração semântica. Condições de pressão, principalmente de
tempo (solicitação de resposta rápida) intensificam a dificuldade.
É possível que a habilidade para aprender novas palavras sofra um
decréscimo com a idade.

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Habilidades de compreensão

Déficits auditivos sensoriais e de processamento central da


informação interagem, no idoso, dificultando a compreensão da
linguagem. Obler (2001 op. cit.) destaca dois aspectos que devem
ser levados em conta quando se estuda a compreensão do idoso:

a) mudanças no substrato do sistema nervoso central em


relação à compreensão;
b) as estratégias que o idoso utiliza para compensar os
déficits.

Diferenças nas estratégias de compreensão entre jovens


e adultos não são bem conhecidas. Em relação aos idosos, não
houve diferenças quando foram comparados com jovens, nem em
relação ao maior uso de estratégias de associação mnemônica,
nem de associações utilizando imagens. Um experimento
conduzido pela autora citada acima mostrou que os idosos se
comportavam da mesma maneira que os jovens em relação ao
uso de pistas semânticas numa tarefa de compreensão e no apoio
na “leitura da face”. Numa tarefa de percepção de fala, em que
deveriam identificar a complementação de sentenças por itens
previsíveis e não previsíveis em condições de ruído, eles também se
comportaram como os jovens. Por outro lado, os idosos apóiam-se
mais do que os jovens na plausibilidade para analisar sentenças e
estórias (Obler et al., 1991; Kahn e Till, 1991).
Até o momento, não há dados conclusivos sobre as dife-
renças de estratégias entre adultos e idosos. Há necessidade de
se identificar diferencialmente as alterações auditivas, de memória
operacional e de interpretação da linguagem, e seu papel nos
déficits de compreensão. Alguns autores apontam que determinadas
construções sintáticas são particularmente difíceis de serem
entendidas pelos idosos, como aquelas topicalizadas. Este resultado
foi verificado em estudo realizado com população brasileira, com

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

indivíduos na faixa de 65 a 85 anos. Este tipo de sentença solicita


a manutenção em memória do início da sentença, para o posterior
tratamento. Não é possível demonstrar, pelos estudos citados, que
os idosos usem estratégias específicas, relacionadas à idade, a não
ser quando o tratamento do material envolve análise de significado,
particularmente solicitando armazenamento em memória.

Aspectos discursivos

A descrição de habilidades discursivas no idoso é freqüen-


temente associada à dificuldade para ser objetivo, sem desvios e
derivações do tópico ou realizar associações enfim.
As habilidades de linguagem parecem estar afetadas de
forma diferente na idade. Algumas se mantêm intactas, en-
quanto outras se deterioram de modo evidente. O quadro abaixo
sintetiza as informações apresentadas até aqui:

HABILIDADES QUE SE PERDEM


HABILIDADES INTACTAS
COM A IDADE
Compreensão de palavras (vocabulário Emprego ativo de vocabulário preciso
passivo) (nomeação, conversação)

Fala e outras atividades automáticas Produção de sintaxe complexa

Compreensão de frases simples Compreensão de sentenças complexas

Tarefas que envolvam discriminação e Tarefas que envolvam organização,


reconhecimento iniciativa, planejamento
Eleição de relevância em narrativas
Capacidade para narrar
espontâneas
Produtividade (taxa de informações) e
Fluência
precisão referencial
Retenção de conteúdos em recordação
imediata e tardia
Quadro 1- Perfil da modificação das habilidades de linguagem em função do
envelhecimento

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As mudanças naturais da idade podem sofrer, potencialmente,


um efeito de problemas secundários, como acidentes vasculares
cerebrais, e doenças crônicas e/ou progressivas (como demência
e depressão). Fragilidade física geral também contribui para
diminuição das habilidades comunicativas. Impedimentos na
comunicação podem ser seqüelas de cada um desses distúrbios e,
assim, complicam a diferenciação do idoso normal e do patológico.
As alterações de linguagem não ocorrem de forma indepen-
dente das desordens de outras funções cognitivas. Interessa-nos
particularmente examinar as alterações da memória no idoso, na
medida em que elas podem afetar diretamente processos lingüís-
ticos de compreensão e produção.

MEMÓRIA E ENVELHECIMENTO

Embora dificuldades de memória estejam entre as queixas


mais freqüentes de idosos, o envelhecimento afeta de forma diversa
os subsistemas e componentes das memórias.
No que tange à memória de longa duração declarativa:

a) em relação à recuperação do material aprendido, temos que


as condições de recuperação livre são as mais difíceis para
os idosos. Por outro lado, são facilitadoras as situações
que envolvem pistas e situações de discriminação (Dirkx,
e Richard, 1996). Craik (1987) resume as dificuldades
dos idosos, atribuindo-as à natureza da tarefa proposta.
As diferenças são mínimas ou inexistentes entre jovens e
idosos quando esses últimos são “guiados” pela tarefa
(por exemplo: de múltipla escolha). Por outro lado, são
importantes as marcas da idade numa situação em que o
indivíduo deve iniciar de forma independente a produção
e organização da resposta.

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b) em relação à codificação, a possibilidade de usar estraté-


gias que envolvem associações ou relações semânticas,
como compor frases para lembrar palavras, por exemplo,
auxilia a codificação do material, embora alguns autores
observem que os idosos usam menos do que os jovens
estratégias semânticas de organização do material (Haut
et al., 1999).
c) quanto à estocagem (tempo entre a codificação e a recu-
peração da informação), não parece haver interferência
do tempo decorrido, no comportamento dos idosos.

Em relação à memória de longa duração implícita, estudos


com pré-ativação mostram que o efeito da apresentação prévia é
levemente menor nos indivíduos idosos do que nos jovens (Chiarello
et al., 1988; Hultsch et al., 1991). Investigações que verificaram o
efeito de treino em tarefas de procedimento, como escrita e leitura
em espelho, mostram que os idosos beneficiam-se deste, embora
exista alguma discordância sobre uma possível leve desvantagem
dos idosos (Harrington e Haaland, 1992).
No que tange à memória de curta duração, quando a
recuperação do material a ser memorizado é imediata, não ocorrem
diferenças entre idosos e jovens. Quanto a diferenças entre jovens
e idosos na recuperação de material após tarefa distratora, não há
consenso entre os autores sobre o efeito da idade (Parkin, e Walter,
1991; Inman e Parkinson, 1983). Por outro lado, a quantidade
de informação retida diminui discretamente com a idade (Maylor
et al., 1999). Estudos sobre a memória de curta duração no
envelhecimento retomam a discussão sobre a interpretação do
predomínio do envelhecimento em lobo frontal (Mittenberg et al.,
1989; Maylor et al., 1999; Haut et al., 1999).
Quanto à memória operacional, vários estudos mostram de
forma consistente grandes diferenças entre jovens e idosos (Dirkx
e Richard, 1996). As interpretações sobre essas diferenças ainda
são matéria de debate. Gathercole e Baddley (1993) consideram

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que as relações entre memória operacional e funções atencionais


são estreitas, sendo o administrador central um sistema de controle
de atenção. Assim, as dificuldades dos idosos para realizar duas
tarefas simultaneamente refletem redução no sistema atencional.
Verhaeghen (1999) valoriza mais a lentidão no processamento
do que o fator simultaneidade como responsável pelas diferenças
entre idosos e jovens.
Nunca é demais sublinhar que, assim como em outros
aspectos cognitivos, existe grande diversidade nas capacidades e
desempenhos em relação aos diferentes sistemas e subsistemas
de memória dos idosos. Fatores como aptidão verbal, nível de
educação e grau de atividade cotidiana podem interferir favorável
ou desfavoravelmente no desempenho.
A maior mudança que a idade acarreta parece residir
na utilização menos eficaz das operações de codificação e
recuperação da informação. Existe tendência a se considerar que
esse menor desempenho deva-se à redução da quantidade de
recursos de tratamento da informação, necessários à memorização
“ideal” (Dirkx, e Richard, 1996). Esta hipótese ainda necessita ser
comprovada, mas satisfaz a necessidade de uma explicação que
possa integrar de modo coerente uma variedade de dados, como é
o caso do envelhecimento.

1 - Para revisão completa sobre o tema, indicamos a leitura do texto de Jacobs-Condit e Ortenzo
(1985).

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

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CAPÍTULO IV

PROCESSOS DE COMPREENSÃO
DA LINGUAGEM

LINGUAGEM ORAL

A compreensão da linguagem é uma das chaves da indepen-


dência do indivíduo. O estudo da compreensão da linguagem é
importante na Neurolingüística, pois esta freqüentemente está
acometida nos quadros afásicos, traumatismos cranioencefálicos,
quadros demenciais. Além disso, existe a crescente tendência de se
estabelecer relações entre os processos envolvidos na compreensão
de indivíduos sadios e aqueles relacionados à produção.
A compreensão da linguagem tornou-se viável a partir da
capacidade do ser humano de distinguir com grande precisão os
sons ambientais, de forma a selecionar, agrupar, manipular e integrar
aqueles que compõem o código conhecido da fala. Isto se deve ao
desenvolvimento de habilidades pertinentes aos lobos temporais,
em especial ao lobo temporal esquerdo. Outra capacidade neces-
sária foi a de organizar estes sons numa seqüência temporal, de
forma a permitir a “montagem” de palavras e frases.
Existem muitas evidências neurofisiológicas de que o lobo
temporal manipula de forma maciça os estímulos auditivos que
recebe das estruturas subcorticais, reagrupando-os, filtrando estí-

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mulos desnecessários, preenchendo lacunas e assim por diante,


de forma que permita a criação de um todo coeso que possa fazer
sentido para quem ouve.

Vias auditivas

O processamento auditivo se inicia a partir da condução das


ondas sonoras através do ouvido externo, alcançando a membrana
timpânica e provocando sua vibração, que por sua vez é transmitida
aos ossículos do ouvido médio e para a cóclea, onde as alterações
de pressão do fluido coclear são convertidas em transmissão
neural. A partir daí, os impulsos seguem através dos axônios do VIII
nervo (porção coclear) até o núcleo coclear, localizado no bulbo, em
seguida para o núcleo olivar superior (ainda no bulbo) e ascendem
para o mesencéfalo através do lemnisco lateral que se conecta
aos colículos inferiores. Estes últimos se projetam aos corpos
geniculados mediais no tálamo, de onde partem conexões para os
lobos temporais. Cada hemisfério recebe informações provindas
de ambas as cócleas, mas há um predomínio das informações
cruzadas, ou seja, o lobo temporal esquerdo recebe mais aferências
do ouvido direito e vice-versa. A organização da via auditiva é
tonotópica, desde a cóclea até o córtex auditivo (Hudspeth, 2000).
Sons de alta freqüência são recebidos nas porções ântero-mediais
e sons de baixa freqüência são encaminhados para as porções
póstero-laterais do lobo temporal superior (Merzenich, 1973).

Processamento auditivo

O processamento auditivo ocorre, na sua maior parte, de


forma inconsciente e é extremamente rápido: indivíduos normais
podem reconhecer palavras faladas em menos de 125 mseg, ou
seja, antes destas serem pronunciadas por completo (Marslen-

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Wilson, 1978; Tyler, 1983). Durante todo o trajeto, os impulsos


transmitidos sofrem um intenso processo de filtragem, ajuste de
amplitude, repetição e até mesmo de rearranjo de sua ordem
temporal, graças a mecanismos de retroalimentação e às inúmeras
interconexões existentes entre as estruturas que compõem as vias
auditivas (Luria 1981, Joseph 1996a). Este mecanismo ocorre
ainda de forma mais intensa e sofisticada no córtex auditivo, onde
os sons podem ser “retidos” por períodos de até um segundo (Luria,
1981) para que sejam mais bem analisadas suas características
de freqüência e tempo. Esta análise temporal dos estímulos deve-
se às interligações do córtex auditivo com o lobo parietal inferior,
envolvido em tarefas de seqüenciamento (Joseph, 1996a). Desta
forma, os sons que interessam ao indivíduo (fala) podem ser
mais bem identificados e selecionados para um tratamento mais
acurado. Estudos com tarefas de audição dicótica demonstram
que o hemisfério esquerdo é mais hábil processar material verbal
(Kimura, 1961; Studdert-Kennedy, 1970). Esse sistema não pode
nunca ser desativado, isto é, em condições normais, uma palavra
não pode deixar de ser reconhecida como tal, uma vez tendo
alcançado o sistema auditivo (Marslen-Wilson, 1987).
O processo de aquisição de uma língua envolve, então, este
ajuste fino da sensibilidade neuronal num cérebro jovem que, atra-
vés do aprendizado (plasticidade), se torna cada vez mais apto a
discernir os sons pertencentes à sua língua nativa, em detrimento
de uma perda progressiva da sensibilidade para sons estranhos a
esta. Assim, temos na criança o potencial para o aprendizado de
qualquer idioma, o qual diminui progressivamente à medida que
o ambiente molda o seu córtex auditivo com estímulos específicos
de sua cultura. Do ponto de vista neurofisiológico, a dificuldade
crescente para a aquisição de uma segunda língua com o avançar
da idade pode decorrer de uma perda neuronal por desuso em
células do córtex auditivo (Joseph, 1996a).
Os sons aprendidos pela criança vão ser então organizados
e reproduzidos com base em regras de processamento têmporo-

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seqüenciais (gramática), que repousam sobre a própria estrutura


do sistema nervoso central. Tal sistema de regras é, portanto, inato,
tendo sido denominado de “gramática universal” por Chomsky
(2000).
Os estudos sobre compreensão da linguagem podem ser
agrupados em três grandes enfoques (Denhière e Baudet, 1992):

a) os que se ocupam da superfície concreta das palavras e


sintaxe;
b) os que se voltam para o significado num nível propo-
sicional (frases);
c) os que capturam o alvo de uma situação descrita por uma
emissão baseando-se para isso em modelos mentais.

COMPREENSÃO DE PALAVRAS

Ao examinar a compreensão de palavras (nível a), é


freqüente o uso de modelos que se iniciam com a percepção
da onda sonora, progredindo até a identificação de unidades no
sistema semântico.

Figura 1 – Etapas do processamento auditivo das palavras

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Segui (1997) resume três linhas distintas para a abordagem


da percepção da palavra falada:

1) a abordagem articulatória, que entende que os gestos


articulatórios têm o valor de fonemas, unidades mínimas
de comunicação;
2) a abordagem auditiva, que considera o tratamento do
sinal acústico da fala no quadro da percepção geral dos
sons;
3) a abordagem psicolingüística, que visa a caracterizar a
natureza dos procedimentos e representações mentais
que permitem ao ouvinte associar ao sinal da fala uma
entidade particular da língua (fonema, sílaba, palavra e
frase).

Sendo a fala um ato contínuo, como explicar o fato de que a


percebemos de forma segmentada e que critérios utilizamos para
essa segmentação? Até uma data recente, admitiu-se que essas
unidades de segmentação correspondiam àquelas propostas pelos
lingüistas, ou seja, os fonemas. Atualmente, cogita-se que essas
unidades tenham natureza diferente dos fonemas e que possam
variar conforme as línguas e ainda conforme a organização rítmica
da língua.
Mehler et al. (1989), numa linha que valoriza a unidade
silábica, constatam que o tempo que o indivíduo leva para
detectar uma mesma seqüência de fonemas varia de acordo
com o valor da sílaba na palavra. Sílabas iniciais em palavras
francesas são percebidas mais rapidamente, assim como sílabas
tônicas. Outras experiências nessa mesma linha mostram que esse
efeito constatado no francês não vale para o inglês. Para alguns
autores, isto se deve ao fato de o inglês não ser estruturado numa
métrica silábica. Alguns segmentos são ambissilábicos, ou seja,
pertencem a mais de uma sílaba, ao mesmo tempo. O interessante
é que sujeitos falantes de francês e de inglês tentam empregar as

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estratégias costumeiras para a análise de suas línguas quando vão


analisar outras línguas, mesmo que essas não sejam eficientes para
essas outras situações.
Os princípios de segmentação seguem os de organização
sonora das línguas. Assim, o português, francês, espanhol e catalão
têm segmentação que parece apoiar-se em base silábica. Isso não
acontece com o japonês que se apóia na unidade chamada “mora”.
Por outro lado, o inglês parece se apoiar na intensidade das unidades,
sendo que a sílaba forte guia os procedimentos de segmentação.
A existência de uma relação estreita entre a natureza rítmica das
línguas e os procedimentos perceptivos de segmentação permitem
a aproximação entre a percepção e produção de linguagem, pois
os gestos articulatórios integrados que sustentam os processos
de produção podem corresponder às unidades de percepção. Os
mecanismos neuropsicológicos exatos subjacentes à compreensão
da linguagem ainda estão longe de ser conhecidos por completo.
Basicamente, podemos considerar duas correntes de pensamento
dentro da Psicolingüística, que tentam explicar o reconhecimento das
palavras através da entrada auditiva: mecanismo serial e interativo.
A teoria do mecanismo serial defende a primazia da
informação sensorial, ou seja, a palavra é reconhecida a partir
da agregação de unidades fonológicas percebidas pelo sistema
auditivo (análise bottom-up), sendo então encaminhada para a
etapa de processamento lexical e semântico. O emparelhamento da
percepção sensorial e das representações lexicais começa quando
o sistema dispõe de um mínimo de informações para delimitar
um conjunto de representações correspondentes às palavras
possíveis de se encaixarem nos indícios percebidos. Um modelo
bastante conhecido que explica esses processos é o modelo de
Cohorte de Marslen-Wilson (1984). Admite que a seleção de um
Cohorte de itens será progressivamente reduzida em função da
compatibilidade de informações “periféricas” e centrais até o ponto
em que existe somente um “candidato” a ocupar o posto, o que não
necessariamente acontece após o término da audição da palavra. O

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modelo de Cohorte não explica de modo convincente um aspecto: a


necessidade de se apoiar nas sílabas iniciais das palavras, as quais
estão bastante indistintas na fala contínua.
Outro modelo, o TRACE (McClelland e Elman, 1986), serve
como alternativa ao modelo de Cohorte. Insere-se entre os modelos
conexionistas interativos. O mecanismo interativo propõe a existência
de processamento paralelo da informação, em que prevalece a
análise de itens selecionados de acordo com a freqüência de
ocorrência na língua (análise top-down) e no grau de conformidade
com o sinal de fala percebido; assim que os primeiros elementos
acústicos da palavra são apresentados, inicia-se um processo de
recrutamento de todas as opções lexicais disponíveis adequadas
àquele estímulo e ativadas segundo critérios lingüísticos. A teoria
postula ainda que os itens “competem” e não “são eliminados”
como pretende a teoria do Cohorte. Embora seja capaz de explicar
inúmeras situações em psicolingüística, é difícil justificar, por essa
teoria, como ocorre a competição entre um número tão grande de
itens permanentemente ativados. Para isso, criou-se a alternativa
da SHORTLIST (Norris, 1994). Nesta proposta, haveria a geração
de um número reduzido de candidatos que competiriam entre si.
A informação de que se vale o modelo para ativar representações
lexicais está baseada não só em elementos segmentais, mas
também supra-segmentais como acentuação ou ênfase. As
evidências para esse modelo encontram suporte na língua inglesa,
em que a informação de estarmos ouvindo uma sílaba forte é um
indício importante do início da palavra.
Uma questão que não pode ser deixada de lado é que o
tratamento da informação acústica prevê o tratamento da palavra
contínua. A explicação da percepção da palavra contínua apóia-se
na admissão de um tratamento infralexical em que se detectariam
índices do tipo: alongamento das vogais iniciais e finais, duração
variada de intervalos no interior das palavras e entre palavras,
acentuação da palavra, entre outros. Em posição contrária a
essa, afirma-se que a segmentação em palavras é o resultado do

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reconhecimento delas e não condição para esse reconhecimento.


Adicionalmente, outra linha de estudos considera que no tratamento
da informação baseamo-nos no contexto fonológico para extrair
ou admitir propriedades como sonorização. Esse fato é bastante
corriqueiro no uso das línguas, chamado de assimilação ou ligação
fonológica, e leva os estudiosos a refletir sobre as limitações de
modelos que consideram os itens isoladamente. O tratamento da
fala contínua deve ser estudado considerando-se outras variáveis,
como a prosódia.

Figura 2 – Representação esquemática da recepção da fala encadeada.

COMPREENSÃO DE SENTENÇAS, DISCURSOS E TEXTOS

Os modelos até o momento descritos procuraram demonstrar


as teorias referentes à compreensão de palavras. A compreensão
de frases, discursos e textos é um processo muito mais complexo,
cujos componentes ainda não foram totalmente decifrados. Sabe-
se que alguns dos elementos envolvidos na compreensão de longos
trechos de informação são a memória de curto e longo prazo, o
domínio das regras gramaticais (que permitem reconhecer extratos
de linguagem plausíveis ou não), o conhecimento prévio de mundo

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e a capacidade de realizar inferências (a partir do contexto ou do


conhecimento próprio armazenado) para preencher as lacunas do
que é dito/escrito de forma ambígua ou daquilo que está ausente.
Um problema interessante que deriva destas constatações é que o
entendimento a posteriori de um discurso/texto sempre estará na
dependência da interpretação particular que o indivíduo já tenha
realizado previamente sobre aquele assunto, e assim por diante.
Recentemente a atenção dos psicolingüistas vem se voltando
para o papel da prosódia enquanto elemento determinante da
compreensão do discurso contínuo, onde as pausas não coincidem
com os limites das palavras. Embora não se encontrem estudos
semelhantes realizados na língua portuguesa, evidências da língua
inglesa mostram que a ênfase (acentuação) silábica desempenha
um papel preponderante na escolha lexical (Cutler e Norris, 1988).
Nesta língua, é muito grande o contingente de palavras cuja sílaba
inicial é tônica, o que leva o ouvinte a uma tendência natural
de segmentar o discurso de acordo com as ênfases percebidas.
Mecanismos de segmentação análogos podem ser inferidos como
ocorrendo de forma particular em cada língua, de acordo com a
relação existente entre os limites das palavras e a acentuação
(Cutler, 1990). Evidentemente, este não é o único mecanismo
utilizado, pois há um número significativo de palavras que se
iniciam por sílabas átonas, o que mostra que o mecanismo de pro-
cessamento engloba outras estratégias, como já descrito.
A prosódia aparece como elemento auxiliador da compreen-
são do discurso também quando relacionada à sintaxe: levando-
se em conta a estreita correlação entre entonação e significado
(reconhecida especialmente em situações de expressão emocional,
ironia, etc.), parece plausível supor que haja uma inter-relação entre
prosódia e sintaxe da mesma forma que entre prosódia e léxico. De
fato, recentes teorias propõem que a segmentação prosódica do
discurso segue de perto a segmentação sintática, ou seja, os limites
das frases prosódicas coincidem com os das sintáticas (Steedman,
1990).

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De maneira análoga ao que ocorre na compreensão


auditiva, mecanismos de inferência contextual, regras de sintaxe,
conhecimento semântico e de mundo também ocorrem na leitura
de textos e apóiam a extração do significado do material escrito. A
possibilidade de tomar notas, sublinhar frases ou “recitar” também
são estratégias que facilitam a compreensão.
O esquema abaixo resume as principais idéias até aqui
expostas:

Figura 3 – Representação esquemática do processo de compreensão de sentenças.

Pesquisas mostram que nossa categorização e identificação


de um segmento fonêmico pode ser afetada por informações
derivadas do léxico interno. Em situações de ambigüidade, temos
percepção indistinta, ao passo que num contexto não ambíguo,
identificamos nitidamente a unidade que dá sentido à palavra. O
debate sobre o momento em que ocorre essa identificação - em
fase “pré” ou “pós” perceptiva – estende-se também à identificação
dos itens lexicais. Embora ainda se tenha muito a investigar sobre
a compreensão de palavras, recentemente tem-se admitido a
importância de estudar a compreensão de sentenças e discurso,
pois o processamento desses segmentos reflete as necessidades
dos ambientes naturais.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Compreensão de sentenças

Muitos modelos elegeram a sentença como unidade de


processamento para compreensão pelo fato de corresponderem,
grosso modo, a blocos de idéias (Dell, 1986; Garrett, 1997).
Existem regras que auxiliam a entender como o significado se
distribui nesses blocos. O conhecimento dessas regras é implícito,
sendo que alguns autores defendem que sua organização se dá
segundo um sistema lógico e rígido, enquanto outros admitem
um sistema mais flexível, não determinista, denominado parsing.
Para esses últimos a busca do significado ocorreria segundo
“estratégias” que auxiliariam a identificar as fronteiras dos conjuntos
de significado. O termo estratégia não é empregado no sentido de
opções conscientes ou intencionalidade. Um exemplo de estratégia
“parsing” seria: “quando você encontrar um morfema gramatical,
um novo constituinte maior do que uma palavra terá início”, como
no caso de “ela gosta de maçãs, mas ... (aqui a previsão é a de
ocorrência, na seqüência, de um constituinte maior do que uma
palavra) hoje está indisposta”.
A recepção e compreensão de sentenças envolvem pro-
cessamento complexo, e apresentam dificuldades de ordem
multifatorial (Delvene, 1998). Assim, modelos de análise devem
considerar: as relações gramaticais que organizam palavras e
frases em torno de um verbo, numa sentença coerente; elementos
semânticos que devem ser processados para estabelecer o
significado da sentença, tais como restrições seletivas que
especificam quem realiza a ação descrita pelo verbo, ou a utilização
do contexto para desfazer ambigüidades. Adicionalmente, leva
em conta componentes cognitivos sensíveis às demandas deste
processamento, tais como: atenção seletiva para aspectos críticos
da sentença e inibição e ativações de padrões de interpretação,
capacidade de reter e manipular a informação da memória de curta
duração e estratégias de coordenação de múltiplos componentes
deste processamento, que operam de forma concorrente. Em re-

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sumo, é possível detectar componentes cognitivos e lingüísticos:


memória, sintaxe e semântica.
A compreensão de sentenças demanda o apoio da memória
de curta duração. É preciso que se realizem operações imediatas
sobre o material para extrair significado. Os modelos de memória
operacional têm sido utilizados para explicar esses processos. A
memória operacional serve para um armazenamento de capacidade
limitada em que processamentos acústicos, sintáticos e algumas
análises semânticas podem ser realizados. Uma vez que o conteúdo
da sentença é detectado, a forma é abandonada e esse conteúdo
é transferido para memória de longa duração. Os subcomponentes
da memória operacional têm diferentes papéis no processamento.
O executivo central presta-se a gerenciar as diferentes entradas
de informação e a alocação de recursos cognitivos para seu
tratamento, enquanto a alça fonológica responderia pela análise
da extensão do estímulo, e verificação de similaridades (Baddeley,
1997).
O indivíduo armazena em memória de curta duração dados
a serem processados sintática e semanticamente. Muitos estudos
citam a complexidade sintática como fator de dificuldade para o
entendimento de frases. Essa complexidade é identificada como
as transformações operadas num padrão de sentença afirmativa
e em ordem canônica, ou seja, organizada de tal forma que a
apresentação dos elementos inicia-se pelo agente, seguido pela
ação e objeto da ação. Transformações do tipo introdução de
sentenças encaixadas, apresentação em negativa ou voz passiva
induzem padrões mais complexos de busca do “mapeamento do
significado”.
Quanto aos aspectos semânticos, sabemos que o verbo
pode determinar os papéis de sujeito e predicado e, deste modo,
facilitar a extração do sentido. Por exemplo, o verbo “comprar” só
permite a construção com agentes animados humanos e, em geral,
admite objetos não humanos. Por outro lado, temos verbos que
permitem livre atribuição de papéis; é o caso do verbo “olhar”, na

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frase “O cão olha o menino”. Nesse caso não há restrição semântica


para “menino” e “cão” ocuparem o papel de sujeito ou objeto, o que
dificulta a identificação.

Compreensão de discurso

A compreensão do discurso está acima da compreensão de


sentenças. A maioria dos modelos de compreensão de discurso
estabelece um nível de proposições (microestrutura) e um nível
de organização global (macroestrutura). O reconhecimento da
proposição como unidade básica de tratamento do discurso tem
sido consistente na literatura. Por outro lado, não se sustenta a idéia
de decomposição semântica intraproposições como obrigatória
para a busca do significado.
Para a compreensão do discurso é necessário que se rea-
lizem inferências: a identificação do tema, a macroestrutura, é
realizada através desse processo. Dado que, na linguagem oral, o
falante geralmente não provê o ouvinte com todas as informações,
estas são “preenchidas” pela construção de implicaturas ou
pelo estabelecimento de relações entre proposições. Estes
procedimentos permitem a reconstrução da “trama” discursiva
através da recuperação da coerência global e estabelecimento da
continuidade de idéias (coesão), que permitem identificar o tema
e sua orientação em relação a um ponto de vista. Argumentos
em comum (que se repetem) permitem que identifiquemos laços
referenciais. Coesão e coerência facilitam a compreensão e memo-
rização de discursos.
Na compreensão do discurso falado, o contexto desempenha
importante papel no preenchimento de informações, assim como
o conhecimento compartilhado entre falante e ouvinte, tanto para
indivíduos normais quanto lesados cerebrais. Idéias organizadas
em “esquemas” refletem a maneira como indivíduos de uma de-
terminada cultura costumam lidar com rotinas relacionadas ao

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tema. Esses esquemas organizadores de discursos determinam


expectativas que “dirigem” a compreensão. Em geral, tendemos
a prestar atenção em fatos novos ou que “ferem” os esquemas
habituais.

Leitura

É provável que a habilidade de representar graficamente os


sons tenha se originado, no ser humano, como uma combinação
entre o refinamento das habilidades manuais (possibilidade de
representação pictórica) e a comunicação gestual. Inicialmente, a
representação continha um caráter concreto ou literal (cenas do
cotidiano, avisos). Posteriormente, um caráter abstrato e simbólico
passou a emergir, culminando na possibilidade de combinar sinais
visuais e auditivos: os sinais gráficos se tornam palavras, significam
algo, e podemos ter acesso ao significado pelo seu som. A evolução
do lobo parietal inferior na nossa espécie foi um elemento decisivo
para a aquisição desta capacidade (Joseph, 1996b).
A possibilidade de compreender e interpretar símbolos
gráficos depende da integridade das vias de conexão entre o sis-
tema visual e as áreas da linguagem, configurando uma associação
multimodal (visual-auditiva) entre o córtex temporal e áreas parieto-
occipitais adjacentes. O córtex visual é composto por sub-regiões
especializadas em certos padrões de reconhecimento visual (cores,
formas, movimento, etc.), em função especialmente do número
crescente de camadas neuronais ativadas pelos estímulos. Existem
áreas especializadas no reconhecimento de palavras e similares,
próximas à área para reconhecimento de faces e objetos (áreas 37,
19 e 20 de Brodmann), especulando-se que possam ter derivado
de populações neuronais adaptadas para o processamento destes
últimos (Nobre et al., 1994, Petersen et al., 1988, Puce et al.,
1996). O lobo temporal medial recebe aferências do córtex estriado
(área primária visual, no lobo occipital) e córtex de associação

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visual, projetando-se para o lobo temporal inferior e córtex parieto-


occipital ipsilateral, e para o lobo temporal medial contralateral.
A leitura compreende dois componentes: decodificação
(reconhecimento da palavra) e compreensão do material escrito. Do
ponto de vista da psicologia cognitiva, especula-se que a leitura se
faça a partir de uma hierarquia de fenômenos que variam de acordo
com a habilidade do leitor e com o tipo de estímulo apresentado
(palavras de alta versus baixa freqüência, palavras versus não-
palavras). Em um nível mais elementar, ocorre o reconhecimento
visual das características das letras; num nível intermediário, há o
reconhecimento da letra como um todo e, num nível superior, o reco-
nhecimento da palavra. Cada etapa do reconhecimento está sujeita
a mecanismos bottom-up e top-down, sendo um exemplo deste
último o fato de ser mais fácil recordar, em tarefas experimentais,
a posição de letras inseridas em palavras do que em não-palavras.
Processos bottom–up serão mais ativados na leitura de palavras
isoladas e descontextualizadas, enquanto processos top-down
estarão mais presentes na leitura em nível discursivo ou quando
parte do material é ilegível (por exemplo, letra cursiva “ruim”).
O estudo de indivíduos disléxicos, isto é, que perderam a
capacidade de ler adequadamente após uma lesão cerebral espe-
cífica, possibilitou a concepção teórica dos mecanismos de leitura
numa abordagem da Neuropsicologia Cognitiva (Ellis e Young,
1988). Esta reconhece três estratégias distintas para a leitura de
palavras:

1. conversão grafema-fonema: processo de atribuição direta


em que um símbolo escrito é relacionado a um som, de
acordo com regras conhecidas previamente pelo indivíduo
(“de pronúncia”). Corresponde ao primeiro estágio de
aprendizado da leitura na criança e pode ser utilizada por
indivíduos em qualquer estágio do desenvolvimento, na
leitura de palavras não conhecidas ou de não-palavras.
2. leitura lexical: a palavra visualmente apresentada ativa

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o sistema de armazenamento lexical, que reconhece a


palavra, e acessa o seu significado no sistema semântico.
É a rota mais usada por leitores hábeis. Representa o
estágio subseqüente do aprendizado da leitura em
crianças; a partir do aperfeiçoamento deste estágio, os
processos de decodificação se tornam cada vez mais
automáticos, permitindo que o indivíduo concentre
progressivamente sua atenção no significado do que está
lendo.
3. leitura lexical sem acesso ao significado: a palavra é
reconhecida no sistema lexical, porém não há acesso
sistema semântico.

A estratégia utilizada para a leitura de palavras familiares,


não-familiares e não-palavras difere, e disfunções em cada uma
delas dão origem a um tipo particular de dislexia.

Figura 4 – Representação esquemática do processo de leitura de palavras. Cinza: via


peri-lexical; pontilhado: via lexical.

Existem algumas diferenças básicas entre a linguagem oral


e a escrita: a linguagem oral apresenta seqüência temporal, é
efêmera, não existe na ausência de “alguém que fale” e é totalmente
subordinada, na sua forma, a este; é uma atividade compartilhada
entre indivíduos, dinâmica, acompanhada de comunicação gestual

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e contextual que facilitam o entendimento: qualquer mal enten-


dido pode ser esclarecido mediante reformulação imediata. A
linguagem escrita, por outro lado, repousa mais numa essência
espacial, é durável (pode ser relida tanto quanto necessário para
sua compreensão); tanto a leitura quanto a escrita são, em geral,
atividades solitárias, onde não há intercâmbio imediato entre o
emissor e o receptor; o texto escrito não pode ser reformulado com
a mesma facilidade que a fala, não conta com as pistas contextuais
e gestuais, daí a necessidade de maior precisão e cuidado na sua
formulação. A leitura mais freqüentemente leva à reflexão, sendo,
por este motivo, conceituada como “pensamento guiado pela letra”
(Kamhi e Catts, 1989).
As diferenças entre a compreensão do texto escrito e a
linguagem falada são mais marcantes nas fases iniciais do proces-
samento, devido a particularidades das modalidades de entrada do
estímulo. Uma vez atingido o significado, o processamento ulterior
de ambos apóia-se na realização de inferências, na utilização do
conhecimento de esquemas, roteiros e quadros, e da gramática da
estória, para atingir níveis mais complexos de interpretação.

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CAPÍTULO V

PROCESSOS DE PRODUÇÃO DA LINGUAGEM

A FALA

Os processos de produção da fala englobam atividades


distintas do córtex cerebral. Estas atividades se iniciam na concep-
ção do que se pretende dizer e culminam no plano articulatório
para sua pronúncia. Este processamento é altamente preciso:
mesmo produzindo uma média de três palavras por segundo, num
discurso normal, o índice de erro de seleção é de uma por milhão
(extraídas de um dicionário mental composto por milhares de
palavras) e os erros de pronúncia também perfazem apenas um
em um milhão (Levelt, 1989). As etapas de produção da fala não
devem ser entendidas como um simples “reverso” dos mecanismos
de compreensão. Existem algumas similaridades e pontos em
comum entre os dois processos, mas em muitos aspectos as
dessemelhanças são igualmente significativas, cada um apresen-
tando suas particularidades.
Uma parte significativa da atividade cortical envolvida na
produção é realizada no lobo frontal. O lobo frontal é o maior lobo
cerebral, e realiza boa parte das funções “exclusivas” dos seres
humanos, sendo o principal coordenador das atividades volitivas

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humanas. Lesões no lobo frontal modificam grandemente aquilo


que conhecemos como personalidade do indivíduo e afetam o
comportamento normal. Muitas destas alterações irão se projetar
em aspectos relativos à linguagem e com eles se entrelaçar. O
desenvolvimento filogenético deste lobo e sua especialização para
controle de movimentos finos permitiram a emergência dos padrões
de movimentos refinados necessários à articulação da fala.
A seguir exporemos, de forma resumida, aspectos anátomo-
fisiológicos relacionados à produção da linguagem1. Os lobos
frontais podem ser subdivididos em regiões funcionais: as áreas
motoras compreendem a área motora primária (giro pré-central),
área pré-motora e área motora suplementar (AMS), esta última
localizada medialmente; estas se relacionam ao controle voluntário
dos atos motores. A área de Broca localiza-se na porção póstero-
inferior (terceira circunvolução) do lobo frontal esquerdo (áreas 44
e 45 de Brodmann). As regiões órbito-frontais estão relacionadas
à vigília e atenção, bem como à motivação emocional e iniciativa,
graças às suas intensas conexões com o sistema límbico. Alterações
em qualquer destes aspectos levarão a manifestações relacionadas
à produção da linguagem.
A área de Broca recebe aferências das áreas visuais, auditivas
e somestésicas, permitindo uma integração multimodal; através do
fascículo arqueado, recebe informações da área de Wernicke e do
lobo parietal inferior. Assim sendo, reúne os atributos necessários
para sediar os processos de formulação da fala. Uma vez que
a informação que se pretende transmitir tenha sido gerada nas
porções posteriores da área da linguagem, esta é transferida para o
lobo frontal, local anatômico onde se dá a montagem final (sintática
e motora) da fala. A área motora relacionada à articulação é então
ativada e os impulsos são levados através dos tratos córtico-bulbares,
que trafegam de forma descendente até o tronco cerebral, para os
nervos cranianos correspondentes (VII, IX, X, XII) à musculatura facial,
oral, faríngea e laríngea.
A articulação da fala é um processo sujeito a uma dimensão

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temporal, isto é, não possuímos um tempo “indefinido” para


pronunciar uma resposta ou inserir um comentário numa conver-
sação, sob pena de sermos negligenciados. Assim, a produção
motora da fala deve obedecer a princípios de otimização do tempo.
Estudos integrando dados sobre o padrão de erro em normais com
conhecimentos da Neuroanatomia e Neurofisiologia (com algumas
extrapolações a partir dos mecanismos de controle do movimento
dos membros em primatas) parecem apontar para uma solução
que consegue satisfazer a necessidade de automação (rapidez)
com a flexibilidade no decorrer da produção da fala. Assim, existem
evidências experimentais de que a articulação de um determinado
fonema pode ser obtida, com o mesmo efeito sonoro, a partir de
variadas combinações de músculos, ou seja, para se produzir um
determinado som da fala não são contraídos necessariamente
os mesmos músculos em todas as ocasiões: fatores locais,
interferências inesperadas no trato vocal no momento da emissão
e a própria combinação entre os diversos fonemas podem
colocar em atividade grupos musculares (e, conseqüentemente,
padrões de movimento) distintos para que se obtenha o mesmo
resultado sonoro. Estes achados coadunam-se com o princípio da
equivalência motora (Hebb, 1949 apud Keller, 1987), segundo o
qual uma série de comandos é aprendida, selecionada e ajustada
a fim de se obter um determinado objetivo. Com a experiência,
aprendemos uma variedade de combinações de grupos musculares
que atendem a um determinado objetivo sonoro, e estes padrões
se tornam automatizados, com base na freqüência com que os
sons são utilizados numa língua. Palavras de classe fechada são
um exemplo de expressões que podem estar contidas dentro de
um “pacote automático” (inseridas na frase já em fase de final
de processamento motor), enquanto as de classe aberta estarão
sujeitas a uma elaboração mais refinada (cognitiva) e com maiores
possibilidades de sofrer modificações circunstanciais.
Deste modo, podemos contar com um número de seqüências
motoras estocadas para uso em condições “padrão”, associando-

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se a possibilidade de “modificações de última hora” em função


de perturbações ou necessidades que ocorram no momento da
emissão. Em situações habituais, estes “pacotes motores” parecem
atuar sem a necessidade de um mecanismo de retroalimentação
para ajuste da produção; no entanto, há situações em que esta
mesma retroalimentação se torna um elemento fundamental, como
nos estágios de aprendizado da língua materna pelas crianças,
no aprendizado de uma segunda língua, ou quando ocorrem
anormalidades de qualquer natureza no sistema de produção da
linguagem.
Quando comparado ao controle motor dos membros, é
notório que o controle da musculatura articulatória é realizado
de forma mais direta pelo próprio córtex cerebral. Cerca de 30%
do córtex motor primário humano está relacionado à musculatura
responsável pela vocalização. Estudos de estimulação cortical
cirúrgica mostram que a ativação das áreas motoras primárias
bilateralmente (embora de forma mais consistente à E) produz
vocalizações e imprecisão da fala (Penfield e Roberts, 1959 apud
Keller, 1987), enquanto a estimulação do córtex motor secundário
à esquerda leva a repetição de sílabas e distorções da pronúncia,
bem como a distúrbios da mímica para movimentos oro-faciais
seqüenciais (Ojemann, 1980 apud Keller, 1987). Estes achados
parecem sugerir que o córtex primário está envolvido no comando
muscular mais elementar (unidades musculares sinérgicas
controlando movimentos de laringe, línguo-palatais, labiais, etc.),
enquanto o córtex secundário comanda movimentos agregados
e mais organizados fonologicamente (produzindo fonemas ou
sílabas). O córtex primário pode ser a sede dos movimentos em
forma mais “padronizada”, e o córtex secundário permite um maior
grau de programação prévia à execução motora. Estes dados são
extensamente apresentados por Keller (1987).
Do ponto de vista neurolingüístico, a produção da fala pode
ser entendida nas seguintes etapas:

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

1. No nível da palavra:
• ativação da palavra a partir dos conceitos (acesso lexical):
pressupõe integridade dos aspectos semânticos;
• conversão da representação sonora da palavra em
sua forma de produção articulatória (planejamento
articulatório)
• articulação.
2. No nível da sentença:
• construção da estrutura sintática;
• produção dos papéis temáticos.

Embora os resultados dos estudos funcionais ainda sejam


conflitantes em vários aspectos, podemos assumir que tanto o
léxico quanto as funções de interação léxico-semântica ocorrem
em grande parte no córtex perisylviano (fronto-temporal esquerdo),
e que as regiões corticais mais posteriores estejam relacionadas
principalmente ao acesso semântico (Warburton, 1996; Cappa,
1998; Perani, 1999).

TEORIAS PSICOLINGÜÍSTICAS DA PRODUÇÃO DA LINGUAGEM

Os processos de produção da linguagem são inferidos


especialmente pela observação das falhas deste processamento,
tanto em lesados cerebrais quanto em indivíduos normais. Assim,
através da análise dos erros é possível teorizar a respeito dos
diversos mecanismos e subcomponentes da produção lingüística.
Dois enfoques teóricos merecem particular atenção: o de Garret
(1976, 1984 apud Eysenck, 1994) e o de Dell (1986). Estes dois
teóricos partem do pressuposto que a fala é sempre precedida de
um planejamento mental.
De acordo com Garret, a produção da fala é realizada em
quatro níveis, como se segue:

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• nível da mensagem: onde é concebida a idéia essencial


(significado) que se deseja comunicar (o que será dito);
• nível funcional: onde é elaborado o “esboço” do que
será dito, em termos de estrutura gramatical, como a
posição dos elementos na frase, presença de palavras
modificadoras (adjetivos), etc.;
• nível posicional: seleção das seqüências de sons e
fonemas que representem adequadamente o que foi
planejado nas etapas anteriores. Esta seleção se dá
em forma de composição morfema-raiz mais inflexão.
Representa a transição do abstrato para elementos mais
concretos.
• nível fonético-articulatório: moldagem final da fala.

O modelo busca, em caráter seqüencial, pôr em evidência


o processo desencadeado pela concepção do ato comunicativo
de fala (vagamente colocado no modelo) até a produção oral.
Ao longo dessas etapas – da concepção até a produção – podem
ocorrer desvios da “intenção semiótica” inicial que determinam os
processos de correção. Tais reformulações têm então como “norte” a
representação da mensagem gerada pelos processos inferenciais.

Figura 1 – Representação esquemática do modelo de produção da fala.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Algumas críticas podem ser feitas a esse modelo: talvez a


mais importante seja o seu caráter serial que admite a idéia de um
plano inicial, “uma concepção” prévia da atividade de produção,
quando a análise da atividade formulativa sugere seu caráter
provisório e dinâmico, com múltiplas possibilidades de ajuste em
face da imprevisibilidade da interação comunicativa. Outro ponto
de crítica é que Garrett não explica determinados desvios da
produção e também não esclarece o papel da retroalimentação na
correção e produção de fala. Numa situação interativa, como a que
propomos em nosso estudo, essa retroalimentação abarcaria todos
os indicadores externos ao sujeito (da pergunta, do interlocutor, do
ambiente) e aqueles internos ao sujeito (motivações, necessidades
e percepções). A estas críticas, somam-se outras, relativas ao foco
do modelo, que não dá conta de níveis de produção de maior
extensão do que a frase, como o discurso, e de menor extensão,
como a sílaba (Nespoulous, 1987).
Embora tenha deixado de lado a preocupação com unidades
maiores (de nível discursivo), o modelo de Garrett serviu de partida
para muitas propostas de estudo da produção oral. Interessam-nos
particularmente três: a de Dell (1986), a de Mitchum, e Berndt
(1992), e a de Patel e Satz (1994). Exporemos a seguir essas três
propostas, realizadas a partir de aspectos específicos da teoria de
Garrett (op. cit.).

A adaptação de Dell

A teoria de Dell (op. cit.) é conhecida como teoria da


“ativação-propagação”. O autor considera níveis lingüísticos
distintos na produção oral:

• nível semântico, que diz respeito ao que vai ser dito e não
merece explicações detalhadas do autor;

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

• nível sintático, que diz respeito à estrutura sintática das


frases;
• nível morfológico, que diz respeito a unidades mínimas de
significado do plano;
• nível fonológico diz respeito a fonemas ou unidades
mínimas do som que comporão a produção.

Aproximações podem ser estabelecidas entre seu modelo e


o de Garrett (1976). São elas:

• existem regras de categorização em cada um desses níveis,


que delimitam categorias dos itens e as combinações das
categorias de acordo com o grau de aceitabilidade para a
construção das representações;
• podem ser estabelecidas analogias entre os níveis
funcional (Garrett) e sintático (Dell), entre o posicional
(Garrett) e o morfológico (Dell), e entre o articulatório
(Garrett) e o fonológico (Dell).

Na medida em que existe considerável planejamento da


fala, os níveis relacionados à concepção do significado seriam
ativados prioritariamente. A respeito das regras de categorização,
Dell admite um dicionário, em forma de rede e com nós para
conceitos, palavras, morfemas e fonemas. A ativação de um nó gera
a propagação a todos os que a ele estão relacionados. Considera,
ainda, regras de inserção que selecionam os itens a serem incluídos
na representação de cada nível, segundo critérios que se baseiam
no nível de ativação atingido pelo item.
Dell previu, em sua teoria, uma série de “tipos de erros”,
encontrados nas pessoas normais. Alguns deles (spoonerismos)
também foram estudados por Garrett (op. cit.):

• a maioria dos erros pertence à categoria apropriada;


• devem ocorrer muitos erros de antecipação;

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

• as trocas de palavras devem referir-se a itens existentes


na língua;
• as trocas resultam da ativação de múltiplos níveis
ao mesmo tempo (nessa situação teríamos erros
concomitantemente fonológicos e semânticos, por
exemplo)

Entre os erros de fala de pessoas normais, Dell aponta:

• o fenômeno da “ponta da língua”, situação em que é pos-


sível ao sujeito adivinhar a primeira letra, o número de
sílabas ou outra característica identificatória da palavra
(o nível presumido é o posicional);
• erros de trocas de palavras, no qual duas palavras
numa frase trocam de posição (o nível do erro seria o
funcional);
• erros de trocas de morfemas, no qual são trocadas raízes
de duas palavras;
• spoonerismo ou erro de trocas de fonemas entre duas
palavras pertencentes à mesma oração (está relacionado
a seleções no nível posicional da produção e, na teoria de
Dell, no nível fonológico);
• hesitações e pausas, que fornecem informações
importantes sobre os processos de produção, na medida
em que são usadas durante o planejamento, e a revisão.

Garrett estudou “erros” de sujeitos que sofreram lesões


cerebrais e que dão respaldo à sua teoria. São eles:

• as anomias, ou seja, as dificuldades que envolvem a


expressão verbal da palavra, de diversas naturezas. No
caso de envolvimento do sistema semântico, a “falha”
estaria entre os níveis da mensagem e os demais níveis
funcionais, nesse caso o sujeito não daria mostras de

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

reconhecer a palavra e não evidenciaria os fenômenos


de “ponta-de-língua”. Nesse último caso, em que existem
informações residuais da palavra na memória, a “falha”
estaria entre os níveis funcional e posicional.
• problemas sintáticos, que levam a erros para formular
esboços gramaticais ou sintáticos apropriados no nível
funcional.

As idéias de Van Dijk e Kintsch

Já em 1983, Van Dijk e Kintsch tentam chegar a componentes


discursivos, na produção da linguagem, a partir do detalhamento de
dados de memória (os autores sugerem, aqui, a referência a dados
de memória semântica e episódica, dados do contexto situacional
e restrições discursivas).
A abordagem desses componentes do nível “pré-mensagem”
traz a necessidade de referência ao universo de conceitos relacio-
nados à composição discursiva, mais particularmente àqueles que
são pré-requisitos para que se estabeleça a coerência do texto.
Neste ponto, faz-se necessária a menção a alguns conceitos, que
dizem respeito a questões discursivas e a processos cognitivos:

Conhecimento de mundo: refere-se ao conhecimento socio-


cultural geral, que está subjacente à interpretação e produção de
qualquer discurso. A representação desse conhecimento pode ser
previsível em determinadas situa-ções que se repetem. Os estudos
sobre a organização da estocagem deste conhecimento derivam
de modelos da Inteligência Artificial. Duas maneiras de arquivar
esse conhecimento são freqüentemente consideradas: aquelas
relacionadas aos frames e scripts.
Frames: a teoria dos frames foi proposta por Minsky (apud
Baddeley, 1998), que se preocuparam principalmente com a
organização dos dados percebidos no mundo. Para esses autores,

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

os frames contém slots preenchidos por expressões, fillers (que


podem se constituir em outros frames). Uma situação particular é
tratada como instance. O termo é usado em sentido bem genérico
como quadro de referência.
Script: é uma noção usada por Schank e Abelson (apud
Baddeley, 1998), em analogia à teoria dos frames. Diz respeito
a um aspecto dinâmico das representações, as seqüências de
eventos.
Cenário: envolve um “extenso domínio de referência” para a
interpretação de um texto.
Esquemas: são o mais alto e complexo nível de estruturas
de conhecimentoe funcionam como “esqueletos de idéias” na
organização e interpretação da experiência. Os esquemas são
considerados como determinantes para predispor a interpretação
da experiência, em formas fixas (por exemplo, expectativas
relacionadas a determinados grupos culturais).
Processamento top-down e bottom-up: diretamente relaciona-
das à compreensão dos textos, as noções de processamento top-
down e bottom-up também são oriundas da Inteligência Artificial.
O processamento bottom-up é realizado passo a passo, e começa
com a detecção do estímulo auditivo. Já o processamento top-down
enfatiza a importância dos “arquivos” de memória na forma de
frames, scripts, cenários e esquemas. Diante de uma situação nova,
a tendência é que predomine o reconhecimento bottom-up e, frente
a uma situação habitual, a tendência é que se utilizem recursos
conhecidos de frames, scripts, esquemas e cenários.

A adaptação Patel e Satz

Outra adaptação proposta ao modelo de Garrett (op. cit.)


diz respeito à relação memória-linguagem. Foi feita por Patel e Satz
(1994) e consiste em admitir distintamente os processamentos
fonológicos e sintáticos e os processamentos semânticos e, além

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

disso, admitir que a complexa interação entre os níveis de Garrett


depende da memória operacional. A representação do modelo é a
seguinte:

Figura 2 - Adaptação do modelo de Garrett (baseado em Patel e Satz)

Questões adicionais sobre os modelos:

1- O funcionamento em série ou em paralelo:


Feyereisen et al. (1991) fazem observações interessantes
a respeito da proposta de Garrett em relação à produção oral e
ao debate que se criou a seu respeito. Consideram, no contexto
das discussões, posições concordantes com a interpretação de
funcionamento dos níveis em série e outras visões que a refutam.
Se, por um lado, a produção oral e a detecção dos erros falam em
favor de um processamento em paralelo com nós em conexão, a
autocorreção, por outro lado, fala em favor de um plano ou guia
para a correção serialmente organizado. Os estudos provenientes
das falhas de produção trouxeram muitos elementos para se admitir
o funcionamento em paralelo. Os erros do tipo “ponta da língua”,

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

em que são ativados os níveis fonológico e lexical simultaneamente


e os erros do nível posicional, que se projetam no nível funcional de
organização da mensagem são alguns exemplos. Ficam aí evidentes
ativações de múltiplos níveis do modelo durante a produção oral,
com diferentes níveis de processamento, representados por redes
paralelas de nós em conexão, os quais trocam informações.

2- Sobre o momento da monitoração:


Levelt (1983) e Schlenck et al. (1987) consideraram,
além das falhas de produção, “preparações” que poderiam ser
interpretadas como “buscas”, antes da ocorrência do erro. A
constatação desses mecanismos levou os autores a sugerirem que
a monitoração pode ocorrer antes do momento da articulação.
A observação desses casos serviu de base à sugestão de Levelt,
de que esse processo de monitoração prévia estava baseado em
mecanismos de compreensão. A tendência atual é admitir-se as
reformulações na “encruzilhada” entre a produção e a compreensão
(Patry e Nespoulus, 1990).

3- A formulação no texto conversacional - perspectiva


lingüística:
Hilgert (1989) baseia-se nas noções da teoria dos atos
de fala para explicar a formulação da linguagem. A análise dos
atos de linguagem, em situações concretas, revela a sutileza dos
mecanismos interpretativos que entram em jogo na comunicação
mais corriqueira. A interpretação do significado é examinada segundo
três perspectivas: 1) do conteúdo semântico em enunciados; 2) das
relações entre o enunciado e o falante; 3) o efeito comunicativo dos
enunciados, de acordo com as combinações de diferentes valores
das duas categorias precedentes.
Quanto à natureza da formulação, é compreendida como
intrinsecamente vinculada ao ato de produzir, no qual estão embu-
tidos os sentidos de representação e construção. Nesse ensaio de
produzir inserem-se as atividades de composição textual, numa

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

busca ativa de pistas e sugestões para que o enunciatário chegue


a bom termo de entendimento do enunciado. O enunciador se vale
de procedimentos como: acentuação, complementação, correção,
exemplificação, explicação, paráfrase, precisão, repetição e
resumo. Tal “fazer” supõe, por um lado, a negação de um processo
seqüencial de planejamento seguido de realização, conteúdo
seguido de forma, ou intenção seguida de enunciação e, por outro,
a rejeição de esquemas apriorísticos de “soluções de formulação”
baseados em noções estáticas como “repertório de alternativas
prontas” às quais o falante recorreria.
Estes procedimentos são desencadeados por uma “situação-
problema”, no que se refere à compreensão do enunciador em
relação ao enunciatário e várias são as estratégias admitidas
para resolvê-los. Nessas soluções ocorrem manutenções das
equivalências semânticas, no caso de paráfrases e repetições, ou
anulações parciais, ou restrições da abrangência semântica, ou,
ainda, ampliações das mesmas, no caso das correções. A produção
textual e a reformulação confundem-se enquanto atividade.

4- Problemas de formulação
Koch et al. (1990) estudam a reformulação na perspectiva do
processamento do fluxo da informação, relacionado-a à progressão
do tema no discurso oral dialogado. São casos de descontinuidade,
que configuram rupturas com importantes funções pragmático-
interativas. Para os autores, inserem-se entre os processos de
reconstrução do texto nas repetições com variação, que por sua vez
comportam os reparos e as paráfrases.
Todas as atividades de reformulação textual, paráfrases,
correções e repetições pressupõem a presença de um enunciado de
origem (problema) e um enunciado reformulador (solução). Admite-
se ainda um terceiro elemento: os marcadores de reformulação,
indicadores do processo, antecedendo, em geral, o enunciado
reformulador; e também um quarto elemento: os ratificadores da
reformulação.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

No caso das repetições, em que ocorre a invariância tanto do


enunciado a ser reformulado quanto do reformulador, os índices de
reformulação se dão por traços supra-segmentais. Existem diversas
propostas para se considerar as atividades de reformulação; estas
atividades se distinguem pela relação semântica que existe entre
o enunciado reformulado e o reformulador. Podemos admitir, num
extremo, a equivalência total, como é o caso das repetições, e no
outro, a modificação total do significado, ditada pelas correções.
Em situação intermediária, as paráfrases admitiriam relativa equi-
valência.
Hilgert considera as repetições como casos extremos de
paráfrases, mas com feições próprias e com várias funções: ratificar
uma afirmação anterior, formalizar uma resposta afirmativa, dar
força estilística à formulação, pedir confirmação de uma afirmação
anterior, assegurar o turno, introduzir a resposta a uma pergunta do
interlocutor, recontextualizar uma formulação, reiniciar um enunciado
interrompido, demarcar um núcleo ou subnúcleo temático.
Nas reformulações por correção, a anulação do enunciador
em relação ao enunciado-fonte é total ou parcial, o que distingue
dois tipos de correção: a infirmação, em que o enunciado
reformulador (correção) simplesmente substitui o enunciado de
origem (enunciado corrigido) e a retificação, em que na formulação
do enunciado fonte não ocorre anulação, mas somente uma
correção parcial. Os marcadores da atividade de reformulação são
de natureza verbal e não verbal.
Hilgert (1990) nota que a ocorrência de marcadores de
reformulação fortes nas relações parafrásticas e de correção é
inversamente proporcional ao grau de equivalência ou de contraste
semânticos entre os enunciados dessas relações: quanto mais
evidente for a equivalência e o contraste semânticos, respectiva-
mente, nas relações de paráfrase e de correção, menos necessidade
terá o enunciador de explicitar, por marcadores de reformulação
forte, essa equivalência ou esse contraste.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

A Correção

A correção refere-se a um segmento produzido e considerado


inadequado (“errado”) por um dos participantes da conversação. O
termo “erro” refere-se ao desvio do planejamento psicolingüístico e
à necessidade de ajuste a uma concepção inicial, ou mesmo a um
ajuste acidental.
Exemplo de correção:
E- hum . a sua diversão é essa?
EFA- é ... i a tarde a gente dor ... descansa um pouco depois a
gente pega um cine:ma ... u: ... ah inventa qualqué coisa ... vai
fazê uma visi:ta né?
O “erro” pode desencadear atitudes diversas nos interlocu-
tores: pode ser simplesmente assinalado sem correção posterior;
assinalado e corrigido por qualquer dos interlocutores, em diferentes
momentos, mediante diferentes estratégias e com diferentes finali-
dades. Barros e Zapparoli Castro Melo (1990) salientam que “a
competência do falante para produzir textos, principalmente orais, e
do ouvinte para compreendê-los, dependem, em larga medida, do
conhecimento das estratégias de correção” (p. 17).

A iniciativa e a autoria da correção

A iniciativa da correção pode ser tomada por qualquer um


dos “sujeitos envolvidos na interação verbal” (Barros e Zapparoli
Castro Melo, 1990). Denominamos autocorreção quando é o
próprio autor do “erro” que realiza a reformulação e heterocorreção
quando é o seu parceiro que “resolve o problema”. As autocorreções
são muito mais freqüentes no corpus de indivíduos sadios. Quando
é o autor do erro que inicia o processo, dizemos que houve
uma autocorreção autoiniciada; quando é desencadeada pelo
interlocutor, heteroiniciada.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

O momento da correção

A garantia da boa interação determina não só a iniciativa e


resolução do processo, mas também o momento da correção, em
que se marca a preferência pela sinalização e resolução no próprio
turno “fonte do erro”, realizada pelo próprio autor do equívoco. De
modo geral, os participantes da conversação, sempre no intuito de
garantir o bom entendimento, não deixam passar as situações de
correção sem fazê-lo. Assim, a distância entre o enunciado-fonte do
erro e o enunciado-resolução tende a ser a menor possível.

O objeto da correção

O objeto da correção é assim considerado segundo o jul-


gamento dos participantes, podendo dizer respeito a qualquer
aspecto da forma ou conteúdo do texto. Barros e Zapparoli Castro
Melo reconhecem três “blocos de erros”: fonético-fonológicos,
morfossintáticos e semântico-pragmáticos.

As estratégias da correção

Os rituais ou modos recorrentes pelos quais os falantes


assinalam o erro e sua reformulação envolvem marcadores que
podem ser não verbais (curva entoativa, acentuação do elemento
corretor) ou verbais, compostos por expressões estereotipadas ou
não. Podem ainda ser fortes ou fracos, em relação inversamente
proporcional à necessidade de evidenciar relações semânticas
fracas (marcadores fortes) ou claramente opostas (marcadores
pouco específicos). Examinando o elenco de marcadores de
correção expostos por Barros e Zapparoli Castro Melo, vemos os
seguintes elementos: pausa, prolongamento de vogais, repetição,
truncamento ou interrupção, expressões verbais estereotipadas,

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

mudança de curva de entoação, aceleração do ritmo. Além desses


outros marcadores como certas expressões verbais estereotipadas
(advérbios, conjunções e interjeições). O não é o marcador mais
característico da correção. De todos esses, a preferência é pelo uso
de pausa seguida de reedição do texto.
Tais dados evidenciam: 1) que a tendência é pela corre-
ção entre oposições semânticas fortes (já que o elemento pausa
é fraco, pouco marcado), em outras palavras, corrige-se preferen-
cialmente aquilo que levaria ao entendimento numa direção
oposta à pretendida; 2) o movimento na direção da garantia da
intercompreensão determina rituais idênticos nas línguas estudadas
pelos autores da presente exposição (português, alemão e inglês).

As funções da correção

Quanto às funções da correção, as autoras citadas adotaram


acima a seguinte tipologia: função cognitivo-informativa (põe em
evidência as necessidades de intercompreensão que dependem do
texto, considerado objetivamente), pragmática ou enunciativa (leva
à compreensão do falante, suas opiniões e sentimentos e seu papel
social), ou interacional (leva ao reconhecimento das intenções do
falante, no que toca às relações intersubjetivas e aos envolvimentos
emocionais).

As paráfrases

As paráfrases são identificadas a partir de unidades de


informação ou de conversação definidas pela unidade e completude
de sentido e pelos marcadores verbais ou prosódicos que delimitam
o enunciado em questão.
Exemplo de paráfrase:
E - que bom... então... e qual que é a sua atividade agora?

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

O- não faço nada


E- agora nada?... e o senhor lê:... jornal... assiste televisão...
O - televisão... eu num: tolero muito aqueles programas...
de.. negócio de nove:la e tal... mas jornal da da televisão
assisto todos os dias...

A autoria e iniciativa de reformulação parafrástica

Assim como nas correções, as paráfrases, do ponto de


vista da autoria, podem ser classificadas em autoparáfrases e as
heteroparáfrases: as primeiras, realizadas pelo próprio enunciador
do “erro”, e as segundas, realizadas pelo parceiro. Do ponto de
vista da iniciativa, as auto-iniciadas são aquelas produzidas pelo
mesmo enunciador da matriz e as heteroiniciadas produzidas por
um enunciador diverso daquele que emitiu a matriz. Em termos
gerais, a preferência dos participantes de uma interação é pela
autoparáfrase auto-iniciada. Esta escolha é a única que não conta
com a participação dos dois interlocutores, de forma explícita.

O momento de realização das paráfrases

Enquanto os erros a serem corrigidos parecem ter caráter de


solução urgente, não há menção no trabalho de Hilgert a respeito da
necessidade de “pressa na resolução” quando se trata de realizar
uma paráfrase. Deduz-se, do exposto pelo autor, que a preferência
é pela situação adjacente, nos limites da garantia do entendimento
a respeito do termo a que se refere a paráfrase.

O objeto das paráfrases

Assim como nas correções, não há restrições à aplicação

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

do procedimento de parafrasear, tanto do ponto de vista da forma


quanto do conteúdo. Embora haja menor número de paráfrases
relativas a aspectos formais, elas também ocorrem nesse plano.

Extensão e complexidade

As unidades conversacionais determinam paráfrases simples,


que têm a dimensão de uma unidade conversacional; paráfrases
segmentais, que constituem um segmento de uma unidade
conversacional; paráfrases complexas, formadas por mais de uma
unidade conversacional. Por sua vez, as matrizes dessas paráfrases
podem estar constituídas por construções com formas simples,
segmentais e complexas, limites esses determinados também pela
unidade conversacional. São inúmeras as possibilidades combi-
natórias, em termos formais, de matrizes e paráfrases: temos, por
exemplo, matrizes simples combinadas com paráfrases complexas,
matrizes segmentais combinadas com paráfrases simples e com-
plexas etc.
As reformulações internas ao enunciado parafrástico em
geral tendem a não ocorrer nas frases simples, o que não signi-
fica a ausência de problemas, mas sim que estes são do tipo
“não verbalizado”. Mas, a par dessa tendência geral, ocorrem pro-
blemas de formulação solucionados por repetições, paráfrases ou
correções.

As estratégias de realização das paráfrases

Nas paráfrases segmentais, a tendência é apresentar a


reformulação em paralelismo formal (mesma categoria gramatical
entre matriz e paráfrase, ao menos nos núcleos). Em unidades
conversacionais sintaticamente complexas, estabelecem-se relações
parafrásticas por meio do emprego de sintagmas oracionais.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Do ponto de vista semântico, as paráfrases são organizadas


através de processos de decomposição e recomposição semêmicas,
que se textualizam respectivamente na expansão e condensação
sintático-lexical. Em síntese, tem-se que a condensação parafrástica
denomina uma definição e resume uma explicitação. A expansão,
por outro lado, define uma denominação e explicita (ou exemplifica)
um resumo. Na variação temos a mesma extensão da matriz e a
mesma composição semêmica.

Os marcadores parafrásticos

Citam-se entre os não segmentais formas do tipo “ah, eh, éh,


ahn, ehn, uhn, mh”, que se constituem como recursos fáticos ou de
hesitação. Além dessas formas são marcadores não segmentais:
pausas, alongamentos vocálicos, hesitações, paralelismos morfo-
lógicos e sintáticos, enunciações fáticas traduzidas em tom mais
baixo ou enunciações mais rápidas ou mais lentas. Os marcadores
não-segmentais (prosódicos) são marcadores parafrásticos
fracos, isto é, não bastam por si só para caracterizar determinado
enunciado como parafrástico. Além disso, eles não são marcadores
exclusivos de relações parafrásticas e nem mesmo de atividades de
reformulação. Sua alta ocorrência justificaria estudos mais extensos
e dirigidos especificamente para eles. A posição dos marcadores é
ocorrer, pela ordem, preferencialmente, no início da paráfrase, no
meio do enunciado e, mais raramente, no final deste.

Funções das paráfrases

a) lingüístico-discursiva, quando promovem a condução e o


desdobramento temático;
b) interacional, quando, instaurando a solidariedade conver-
sacional, conferem dinâmica e continuidade à interação;

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

c) função organizacional, quando, na evolução do texto,


definem atividades lingüísticas dominantes e subsi-
diárias, garantem a unidade temática de um tópico e, no
desenvolvimento deste, assinalam a conclusão.

A ESCRITA

De acordo com Hayes e Flower (1986), a escrita acontece


a partir de três processos principais: planejamento, geração de
frases e revisão, cada qual apresentando subprocessos específicos.
Escritores com diferentes graus de habilidade utilizam estratégias
diferentes para formular um texto escrito, tendo em vista seus
objetivos. Pode incluir a realização de um esboço ou plano de
tópicos, e em geral é sempre finalizado com uma revisão e eventual
correção do que foi escrito, segundo uma tendência natural de
simplificação, enquanto não se trate de produção de cunho literário,
onde as metas do escritor se expandem além da simples tentativa
de transmitir uma informação de forma clara e objetiva.
Planejamento: diz respeito à produção das idéias e sua
organização em um plano de escrita, envolvendo a geração,
organização e estabelecimento de metas e submetas, lançando mão
da memória de longo prazo. Nesta etapa, o conhecimento sobre o
assunto desempenha um papel crítico, embora apenas domínio
sobre um assunto não garanta um texto bem escrito, sendo este
também dependente de uma adequada estratégia de organização
dos tópicos num todo coeso e coerente (conhecimento estratégico).
Muitos indivíduos não desenvolvem esta última habilidade, persis-
tindo num padrão de produção escrita característico de uma fase
do desenvolvimento da criança, onde o que é conhecido sobre um
assunto é apenas agrupado numa seqüência de informações não
trabalhadas para formar um conjunto. Em contrapartida, escritores

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

habilidosos em geral reformulam constantemente o que escrevem


em função de metas que vão emergindo no decorrer da produção,
como simplificar o texto, enfatizar ou destacar uma idéia, integrar a
informação com opinião pessoal, etc.
Geração de frases: é o processo de transformação do conhe-
cimento em proposições. Nesta etapa é efetuada a tradução das
idéias em linguagem e sua conformação em termos sintáticos,
ortográficos, etc.
Revisão: tem por objetivo a correção e melhoria do texto.
Escritores habilidosos costumam enfocar, nesta etapa, aspectos
estruturais e de compreensibilidade do texto, enquanto escritores
menos hábeis concentram-se em correções gramaticais e ortográ-
ficas.

PROCESSOS DA ESCRITA

A escrita é um processo de conversão onde ocorre a transfor-


mação de um som em um símbolo gráfico traduzido em ato motor.
Tal processo pode ser executado de diversas maneiras e no esquema
a seguir descreveremos a proposição de Ellis e Young (1988). Tal
esquema teórico foi postulado após diversas observações clínicas
de lesados cerebrais, onde ocorrem, em muitos casos, dissociações
entre habilidades de fala e de leitura e escrita.
Primeiramente, a palavra que se quer escrever, se for familiar,
terá acesso ao léxico de saída grafêmico, onde estão armazenadas
as formas escritas das palavras conhecidas. Este acesso pode ser
obtido através do sistema semântico ou do léxico de saída da fala
(onde estão as formas verbalizadas das palavras), sendo as duas
rotas utilizadas em conjunto pelos indivíduos normais. Palavras
desconhecidas (ou não-palavras) são escritas através da conversão
direta entre fonema e grafema, baseadas em suas formas acústicas.
Nesta rota de conversão, serão seguidas as regras preestabelecidas

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pela língua; isto pode levar, eventualmente a erros de regularização


na grafia de palavras irregulares (figura 2). Devemos lembrar
também que a escrita pode partir de uma entrada visual, como no
caso da cópia, ou originar-se diretamente do sistema semântico-
lexical, quando escrevemos a partir de nossas próprias idéias e
pensamentos.

Figura 3 - Representação esquemática dos processos de escrita, adaptado de Ellis e


Young (1988).

1 - Para um estudo mais detalhado deste tópico, sugerimos os textos de Brodal (1984) e
Joseph (1996).

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

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CAPÍTULO VI

AFASIAS

Afasia é o prejuízo da compreensão e formulação da


linguagem, causado por uma disfunção em regiões específicas
do cérebro (Damasio, 1992). Os aspectos considerados na
definição de afasia referem-se mais especificamente às funções
da linguagem (corretamente adquirida e previamente intacta)
gerenciadas pelo hemisfério dominante, ou seja, os aspectos
fonológicos, morfológicos, léxico-semânticos e sintáticos.
O estudo das afasias, iniciado há mais de 100 anos, baseou-
se desde o início na identificação de sinais relativamente “indepen-
dentes” (mas que de fato eram apenas proeminentes em cada tipo
de afasia considerado) e sua correlação com a lesão anatômica
em sistema nervoso central. Tal método de correlação anátomo-
clínica deu origem à classificação sindrômica das afasias. Alguns
dos problemas que emergem desta forma de classificação são os
seguintes:

• baseia-se numa forma dicotômica de apresentação do


sintoma, ou seja, “existe” ou “não existe” alteração de
compreensão, o que dificilmente corresponde à realidade
clínica, em que há um espectro de acometimento de
menor / maior intensidade.

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• não leva em conta a fisiopatologia subjacente ao sinal.


Alterações de repetição, por exemplo, podem ser devidas
a problemas de discriminação auditiva ou memória de
curto prazo.
• o quadro sindrômico não é estável, num mesmo paciente
ou entre pacientes diferentes, mesmo que o local de
lesão seja.
• a classificação de síndromes se baseia num conjunto de
sinais, mas nem todos estão presentes num determinado
paciente.

Embora apresente estas dificuldades, a classificação é de


grande utilidade no uso prático, na medida em que permite uma
troca de informações padronizadas entre os profissionais que
cuidam do paciente ou estudam o assunto, sobre o quadro clínico,
provável localização anatômica e evolução do déficit.
Uma das vantagens desta classificação é a facilidade de
correlação anátomo-clínica, como se segue: as lesões anteriores
à fissura sylviana correspondem às afasias não-fluentes, nas quais
ocorre especialmente prejuízo da expressão. Lesões posteriores
à fissura sylviana dão origem às afasias fluentes, em que ocorre
predominantemente alteração da compreensão. As lesões de região
perisylviana provocam as afasias com prejuízo da repetição e as
lesões que poupam a área perisylviana cursam com quadros em
que não há alteração da repetição (figura 1).
Podemos considerar a existência de três sistemas comple-
mentares interagindo para a percepção e produção da linguagem
(Dronkers et al., 2000):

• sistema de implementação: composto pelas áreas de


Broca e Wernicke, córtex insular e núcleos da base. Este
sistema analisa os estímulos auditivos para posterior
ativação do sistema conceitual, realiza a construção
gramatical, fonêmica e controle motor articulatório.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

• sistema de mediação: composto por diversas regiões dos


córtices de associação frontal, temporal e parietal, como
o nome indica, realiza a mediação entre o sistema de
implementação e o sistema conceitual.
• sistema conceitual: composto por áreas extensas e
difusas de córtices de associação uni e heteromodal,
onde se distribui o conhecimento semântico.

Figura 1 – Visão lateral do cérebro – áreas corticais relacionadas à linguagem: B – área


de Broca; W – área de Wernicke; SM – giro supramarginal; A – giro angular.

A pesquisa semiológica das alterações de linguagem inclui


o exame dos seguintes itens (uma exposição mais detalhada sobre
semiologia encontra-se no capítulo IX):

• fala espontânea: avaliação da fluência em entrevista


informal, prova funcional (entrevista dirigida) e testes
específicos: ver quadro 1.
• compreensão oral e escrita: através da apresentação de
material por entrada auditiva e visual, com complexidade
crescente (fonema/grafema/palavra/frase/texto)

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

• repetição / leitura oral: também testados em ordem


crescente de complexidade
• nomeação: esta função está sempre alterada nas afasias,
já que esta se trata de uma disfunção do código simbólico.
As formas mais freqüentes de realizar esta avaliação são
a nomeação por confrontação visual (o indivíduo nomeia
objetos que lhe são mostrados) e a nomeação responsiva
(o indivíduo nomeia o objeto com base na descrição de
sua função, fornecida pelo examinador).
• escrita: são aqui avaliados a cópia (escrita mecânica),
escrita sob ditado e expressão escrita
• sintomas associados, auxiliares para localização ana-
tômica da lesão: hemiparesias, hipoestesias, apraxias,
hemianopsias, agnosias.

O exame pode ser realizado através de questões elaboradas


pelo examinador de forma livre, apenas respeitando os vários
passos a serem avaliados, ou através de protocolos específicos
de avaliação da linguagem, como o Boston Diagnostic Aphasia
Examination (BDAE – Goodglass e Kaplan, 1972, 1983), Western
Aphasia Battery (WAB – Kertesz, 1982), protocolo BETA (Nespoulous
et al., 1986), Token Test (De Renzi e Vignolo, 1962).

CARACTERÍSTICAS TIPO
DA FALA FLUENTE NÃO FLUENTE
Número de palavras 100 a 200 < 50
Prosódia normal disprosódia
Articulação normal disartria
Esforço inicial normal grande
Extensão das frases 5 a 8 palavras curta (1)
Conteúdo das palavras faltam substantivos faltam palavras funcionais
Parafasias freqüentes raras
Quadro 1 – Caracterização da fala espontânea

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Partindo-se das etapas de processamento da compreensão e


produção da linguagem já discutidas em capítulos prévios, podemos
entender como o local da lesão vai repercutir na sintomatologia do
paciente. Assim, descreveremos a seguir as características clínicas
das afasias, salientando os pontos em comum e as diferenças entre
síndromes cujas lesões correspondentes compartilham proximidade
anatômica.

SINTOMA / AFASIA BROCA TRANSCORTICAL MOTORA

Fluência não fluente não fluente


simplificação gramatical
agramatismo (fala e
Característica típica ecolalia, dificuldade de
escrita)
iniciação da fala
compreensão boa (oral e
variável (oral e escrita) escrita), podendo haver
Compreensão em função do grau de prejuízo em função de perdas
agramatismo cognitivas relativas à lesão
frontal
Repetição ruim boa
prejudicada (parafasias,
Nomeação ruim (erros semânticos)
perseverações)
Escrita proporcional à fala proporcional à fala
frontal dorso-lateral
frontal dorso-lateral + SBPV
Local da lesão (sempre + substância branca
área motora suplementar
hemisfério dominante) periventricular (SBPV)
frontal mesial
frontal + núcleos da base
hemiparesia D, apraxia hemiparesia D, grasping,
Sinais associados
oro-facial, depressão apraxia oro-facial
rede fronto-estriatal: déficit gerativo e da iniciação
produção complexa da fala (ativação frontal
Fisiopatologia
(sintaxe e discurso por vias ascendentes
narrativo) dopaminérgicas)
afemia (alteração
Síndromes fracionadas residual da articulação e
prosódia)
Quadro 2 – Lesões anteriores (frontais) e sintomatologia:

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

TRANSCORTICAL
SINTOMA / AFASIA WERNICKE CONDUÇÃO
SENSORIAL
fluente, porém
Fluência vazia (parafasias, fluente fluente
circunlóquios)
jargonafasia parafasias semânticas
Característica típica parafasias fonêmicas
dissintaxia circunlóquios
ruim (oral e escrita),
desde o nível de
Compreensão discriminação de ruim (oral e escrita) boa (oral e escrita)
palavras a material
complexo
desproporcionalmente
Repetição ruim boa
ruim
ruim (parafasias,
prejudicada de forma
Nomeação circunlóquios, prejudicada
variável
ausência de resposta)
pior que a fala,
Escrita proporcional à fala proporcional à fala podendo ocorrer
alexia com agrafia
giro temporal superior giro temporal médio e
Local da lesão
área têmporo-parieto- inferior, área têmporo- giro supramarginal
(sempre hemisfério
occipital: predomina parieto-occipital: (parietal inferior)
dominante)
alexia predomina alexia

hemianopsia D, hipoestesia D,
Sinais associados agnosias
anosognosia, agitação quadrantanopsia

desordem do
desordem do processamento
processamento fonológico (vias
Fisiopatologia semântico (interface curtas de associação
linguagem / memória têmporo-parietais)
semântica) alteração da memória
verbal de curto prazo

surdez verbal pura


Síndromes (agnosia auditiva para
fracionadas palavras) em geral,
lesões bilaterais

Quadro 3 – Lesões posteriores (temporais / parietais) e sintomatologia:

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

TRANSCORTICAL
SINTOMA / AFASIA GLOBAL ANOMIA
MISTA
Fluência não fluente não fluente fluente
circunlóquios
e palavras de
Característica enchimento
estereotipias ecolalia
típica em geral quadro
residual de outras
afasias
Compreensão ruim (oral e escrita) ruim (oral e escrita) boa
Repetição ausente boa boa
Nomeação ausente prejudicada ruim
escrita e leitura variável com o grau de
Escrita ausente
reduzidas anomia
fronto-parieto-
temporal extensa área TCM + área TCS
Local da lesão córtico-subcortical com preservação da quando quadro
(sempre hemisfério frontal córtico- região perisylviana primário: área TCM ou
dominante) subcortical frontal área TCS
temporal + SBPV tálamo anterior
frontal

lesões anteriores:
hemiplegia D,
disartria, hemiparesia
hipoestesia D, hemiparesia D,
D, apraxia oro-facial
Sinais associados apraxia oro-facial grasping, apraxia
lesões posteriores:
e de membros, oro-facial
hemianopsia D e
hemianopsia D
alexia
destruição da área
recuperação lexical
da linguagem,
Fisiopatologia a partir do sistema
desconexão fronto-
semântico
temporal
evolução freqüente
Síndromes evolução freqüente
para transcortical
fracionadas para afasia de Broca
motora
Quadro 4 – Lesões combinadas (fronto-parieto-temporais) e sintomatologia

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Ao lado da classificação clínica, pode-se lançar mão dos


conhecimentos da Psicolingüística para o estudo das alterações
de linguagem. Esta abordagem (cognitiva) enfatiza o sintoma
numa tentativa de estabelecer modelos do funcionamento mental
normal a partir das perdas que ocorrem no indivíduo lesado. Na
abordagem cognitiva não existe a preocupação de “classificar”
o paciente, antes de identificar o mecanismo subjacente ao
sintoma (por exemplo, desordem da conversão grafema-fonema,
do planejamento articulatório, e assim por diante). Nesta linha,
Westbury e Bub (1998) propuseram o uso de diagramas para
representação dos déficits neurolingüísticos, a fim de especificar
o sintoma em função do modelo de processamento lingüístico.
Neste diagrama, construído a partir de dados obtidos através de
testes psicolingüísticos (PAL, Caplan e Bub, 1990), descreve-se a
disfunção encontrada, especificando-se também associações e
dissociações encontradas em testes de contra-prova. A título de
ilustração, imagine-se um paciente cuja notação apareça como a
seguir:

A sigla PFA indica tratar-se da notação para emparelhamento


palavra-figura por entrada auditiva. O círculo negro grande repre-
senta que o paciente obteve pontuação abaixo da nota de corte
neste quesito, e o número em seu interior indica quantos desvio-

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

padrão abaixo da média foi este desempenho. Pontuações acima


da nota de corte são representadas por círculos cinza. Os braços
que derivam dos círculos relacionam-se a efeitos de interesse
e possíveis dissociações: no caso em questão, compara-se alta
freqüência (AF) x baixa freqüência (BF), palavras longas (L) x curtas
(C), orgânicos (OR) x inorgânicos (IN), objetos (OB) x animais
(AN), animais x frutas e vegetais (FV). As dissociações positivas
são representadas em preto e as inexistentes em cinza. Neste
exemplo, temos que o paciente obteve desempenho global de cinco
desvios-padrão abaixo da média, apresentando dissociação entre
elementos orgânicos x inorgânicos (privilegiando OR) e nestes, com
dissociação entre objetos x frutas e vegetais (privilegiando FV, como
indicado pelo número negativo no interior do círculo). As outras
dissociações possíveis não ocorreram.
Para análise dos erros qualitativos, adota-se a seguinte
notação:

Assim, temos a representação de oito erros semânticos:


um na leitura (LEIT), um em nomeação escrita (NOM E), dois em
nomeação oral (NOM O) e quatro na repetição (REP).
Os esquemas a seguir estabelecem uma relação entre
as síndromes afásicas clássicas e as respectivas disfunções do
processamento psicolingüístico.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Figura 2 – Processamento da palavra. Em cinza-claro: comprometimento na afasia de


Wernicke; em cinza-escuro: afasia de Broca; em preto: ambas.

Figura 3 – Processamento lingüístico na compreensão de sentenças. Em cinza-claro:


comprometimento na afasia de Wernicke; em preto: afasia de Wernicke e Broca.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Figura 4 – Processamento lingüístico na produção de sentenças. Em cinza-claro: compro-


metimento na afasia de Wernicke; em cinza-escuro: afasia de Broca; em preto: ambas.

INTERDEPENDÊNCIA ENTRE A LINGUAGEM E OUTRAS FUNÇÕES


COGNITIVAS

Alterações de linguagem e prejuízo da capacidade de comu-


nicação podem ocorrer em pacientes nos quais, aparentemente,
o processamento lingüístico básico não se encontra muito
comprometido. Isto decorre do fato de que o processamento da
linguagem se apóia em outras funções do cérebro, cuja integridade
é necessária para um bom desempenho lingüístico. Entre estas,

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

destacamos os mecanismos de atenção, a memória operacional e


o sistema executivo central.

Atenção: O termo atenção diz respeito à capacidade


do SNC em estabelecer um foco delimitado para onde direciona
suas atividades perceptuais e de processamento. Este sistema é
composto de subfunções específicas, como se segue (Mirsky et al.,
1991):

• foco-execução: capacidade de atender e responder


seletivamente a um estímulo. A rede cognitiva envolvida
engloba o córtex parietal inferior, temporal superior e
estriado.
• troca: capacidade de alterar o foco de um estímulo para
outro em função da demanda da tarefa que está sendo
executada. Envolve integridade das regiões pré-frontais.
• manutenção: capacidade de sustentar a vigilância, fun-
ção desempenhada pelo mesencéfalo.
• codificação: habilidade de registrar, manipular e recordar
informações, com grande participação da amígdala e
hipocampo.

Outra abordagem do sistema de atenção, feita por Posner


et al. (1990), descreve a atenção em termos de orientação ao
estímulo (contém elementos presentes na foco-execução e troca no
modelo de Mirsky), detecção (contida na codificação de Mirsky) e
manutenção do alerta.
Os mecanismos de atenção afetam a ordem com que os
estímulos são processados a partir do sistema sensorial. Aqueles
estímulos para os quais o sistema está voltado são processados
em primeiro lugar e com maior riqueza de representação, pois
este tem a capacidade de “amplificar” os estímulos de interesse e
inibir os competidores, além de servir como filtro para informações
irrelevantes ao contexto considerado. Estes mecanismos atuam

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

de forma importante no processamento auditivo (reconhecimento


de palavras), na produção da fala (seleção lexical) e na leitura
(movimentos sacádicos e de varredura do olhar).
Exemplos de doenças em que os mecanismos de atenção
estão prejudicados incluem a doença de Alzheimer, a dislexia
por negligência (o indivíduo não consegue dirigir a atenção para
o hemicampo esquerdo, sendo então incapaz de ler a metade
esquerda de textos, sentenças e palavras) e a desordem de
atenção-hiperatividade em crianças (Eviatar, 1998).

Memória: Memória é o termo utilizado para designar o


processo mental que permite ao indivíduo guardar informação
para recuperá-la mais tarde (Squire e Butters, 1984), estando
intimamente relacionada ao aprendizado. A formação da memória
obedece a um mecanismo composto de várias etapas: registro da
informação, estocagem de curto prazo (memória de curto prazo/
operacional), consolidação, estocagem de longo prazo (depende
de repetição e/ou integração com outras informações adquiridas)
e recuperação (lembrança). Do ponto de vista da neuropsicologia
cognitiva, admitem-se os seguintes tipos de memória:

• memória de curta duração / operacional: representa o


arquivamento temporário de uma quantidade limitada de
informação, que se destina à execução de uma tarefa
(Baddeley, 1992). O substrato anatômico admitido é o
córtex parietal e pré-frontal. A fronteira entre atenção e
memórias imediata e de curta duração é tênue. Muitos
modelos consideram, por exemplo, que o subcomponente
executivo central, do modelo de memória operacional,
está vinculado à atenção.
• memória declarativa (explícita): o indivíduo tem consciên-
cia de sua aquisição e recuperação, engloba a memória
para fatos / eventos (pessoal) e semântica (geral) (Squire
e Zola, 1996). Seu substrato anatômico é o sistema

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

límbico, especialmente o complexo hipocampo-entorrinal


(Moscovitch, 1992).
• memória não-declarativa (implícita ou processual): o
indivíduo não tem consciência de como adquiriu o conhe-
cimento, ou mesmo de que o possui. Inclui o aprendizado
não associativo (vias reflexas), o condicionamento clás-
sico e operante, aprendizado de habilidades e hábitos e
a pré-ativação (recuperação induzida mediante associa-
ção entre dois estímulos) (Squire e Zola, 1996). O sítio
anatômico ainda é desconhecido, com exceção do condi-
cionamento com respostas emocionais, mediado pela
amígdala (Rogan et al., 1997), estando possivelmente
relacionada a regiões neocorticais, núcleos da base e
cerebelo (Knowlton et al., 1996; Molinari et al., 1997).
Estas informações estão resumidas no quadro abaixo:

SUBSTRATO
TIPO CARACTERÍSTICAS SUBCATEGORIAS
ANATÔMICO
arquivamento
temporário de
informação em • alça fonológica córtex pré-frontal e
operacional
quantidade limitada • alça visuo-espacial parietal
para execução de
uma tarefa
o indivíduo tem • eventos / fatos
sistema límbico
declarativa consciência de (pessoal)
(complexo hipocampo-
(explícita) sua aquisição e • semântica
entorrinal)
recuperação (conhecimento geral)

pouco conhecido,
• aprendizado não-
possivelmente
não- associativo (vias reflexas)
o processo de neocórtex, núcleos da
declarativa • condicionamento
aquisição não é base e cerebelo
(implícita, clássico e operante
consciente (para condicionamento
processual) • habilidades e hábitos
com respostas
• pré-ativação
emocionais: amígdala)

Quadro 5 – Tipos de memória

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

A memória operacional possui dois subcomponentes: a alça


fonológica e a alça visuoespacial. A alça fonológica ocupa-se da
estocagem e recuperação de material verbal. A alça visuoespacial
é especializada na estocagem de imagens visuais, usada no
planejamento do movimento e recuperação de material visual
(Baddeley, 1992).
Déficits na alça fonológica levam a distúrbios da recordação
imediata de seqüências de letras e palavras, bem como a
alterações da compreensão auditiva, através do prejuízo da análise
sintática inicial da sentença. Este prejuízo é mais evidente nas
sentenças em que a ordem das palavras tem importância para sua
compreensão, isto é, em sentenças sintaticamente mais complexas
(Van der Linden, 1998). Outro aspecto que pode estar bastante
comprometido nas disfunções de alça fonológica é a aquisição de
vocabulário (Baddeley et al., 1988).

Sistema Executivo Central: A área pré-frontal desempenha,


entre outras, a função de supervisionar a alocação dos recursos
do sistema de atenção e da memória operacional. A isto
denominamos de função executiva central: sistema de controle
de atenção responsável pela seleção de estratégias e pelo
controle e coordenação dos processos envolvidos na estocagem
de curto prazo e nas tarefas de processamento. As lesões frontais
freqüentemente levam a uma ruptura neste sistema. Muitas
alterações de linguagem encontradas em quadros psicóticos, como
em pacientes esquizofrênicos ou maníacos, parecem ter sua origem
mais em disfunções da memória operacional/executivo central do
que em problemas primários do processamento lingüístico (Harvey
e Serper, 1990; Barr, 1989).
De maneira inversa, a afasia compromete o desempenho do
indivíduo na maior parte dos exames neuropsicológicos, já que a
linguagem é uma das funções básicas necessárias para o desen-
volvimento de habilidades intelectuais superiores (julgamento,
raciocínio lógico, abstração, entre outras). Grande parte do processo

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

de pensamento se constrói a partir da internalização do discurso


egocêntrico da criança, no decorrer do seu amadurecimento
(Joseph, 1982). Existem evidências de que distúrbios da linguagem
podem comprometer inclusive tarefas sustentadas por estratégias
perceptuais (Cohen e Kelter, 1979). Além disso, boa parte dos testes
requer entrada e raciocínio sobre material apresentado verbalmente,
no mínimo em forma de instruções para sua realização, quando
não para a própria execução. Embora existam baterias de testes
que privilegiam o trabalho sobre material não-verbal, os déficits de
compreensão em especial tornam bastante limitada a possibilidade
de execução e interpretação do exame neuropsicológico.

1 - Memória operacional é um conceito mais recente, proposto por Baddeley (1992) e que é
utilizado muitas vezes como sinônimo de memória de curta duração.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

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CAPÍTULO VII

AFASIA SUBCORTICAL

Muito tem sido discutido na literatura a respeito do papel das


estruturas subcorticais na linguagem e fala. Parece claro papel das
estruturas dos núcleos da base nos processos puramente motores,
incluindo articulação, e do tálamo em funções da linguagem que
envolvam diretamente a memória, porém a existência de um papel
mais específico de estruturas subcorticais na linguagem é objeto de
controvérsia na literatura. Alguns autores, como Nadeau e Crosson
(1997), negam que as estruturas subcorticais exerçam um papel
direto na linguagem, à exceção do tálamo. Outros autores advogam
a existência de “afasias subcorticais” como entidades clínicas
distintas, com características próprias que as diferenciam das
afasias corticais, embora todos sejam unânimes em admitir que
ainda não existe uma compreensão muito clara dos fenômenos
fisiopatológicos e neuropsicológicos subjacentes aos achados
clínicos. A ausência de consenso na literatura e a complexidade
em termos de quantidade de estruturas acometidas levou à
dicotomização do conceito de afasia subcortical em “afasias
talâmicas” e “ afasias não-talâmicas” (que englobam as lesões de
núcleos da base e vias de substância branca).
Há mais de um século já se discute o papel das estruturas
subcorticais na linguagem. Broadbent (1872 apud Crosson, 1995)

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

já defendia a idéia de que os núcleos da base “geravam” as


palavras da mesma forma que os atos motores, embora tal idéia
não fosse amplamente aceita. Kussmaul (1877 apud Crosson,
1998) atribuiu um papel puramente motor aos núcleos da base.
Carl Wernicke (1874 apud Wallesch et al., 1983) e Lichtheim
(1885 apud Wallesch et al., 1983) argumentavam que as lesões
subcorticais provocariam alterações de linguagem apenas quando
houvesse interrupção das vias de conexão entre os centros corticais
da linguagem, excluindo uma participação direta dos núcleos
profundos (núcleos da base e tálamo) em qualquer função nervosa
superior. Grande parte do estudo dos distúrbios de linguagem
causados pelas lesões subcorticais é baseado nas teorias de Pierre
Marie (1906 apud Wallesch et al., 1983) sobre alterações de fala
secundárias a lesões no núcleo caudado, putâmen, cápsula interna
e tálamo, às quais denominou de anartria. Com relação ao tálamo,
Penfield e Roberts (1959 apud Wallesch et al., 1983) sugeriram
que o mesmo desempenhava um papel integrativo na linguagem.
Schuell et al. (1965 apud Crosson, 1984) especularam que o
tálamo estaria envolvido na retroalimentação pré-verbal sobre a
adequação de respostas formuladas.
Estudos efetuados em pacientes submetidos a cirurgias
estereotáxicas para doença de Parkinson levaram a uma revisão
conceitual dos modelos clássicos de localização das áreas
relacionadas à linguagem, pela observação de que a lesão e
estimulação do tálamo ou globo pálido provocavam alterações de
linguagem durante e após o ato cirúrgico.
O grande avanço no estudo das lesões subcorticais aparece
após o surgimento da tomografia computadorizada de crânio (TC),
visto que, até então, a determinação do sítio lesional subcortical era
conseguida primariamente através de estudo anatomopatológico,
o que dificultava a observação de um número muito grande
de casos por estudo. A TC de crânio e, mais recentemente, a
ressonância magnética de encéfalo (RM), facilitaram grandemente
a observação de lesões localizadas em regiões profundas do

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

encéfalo. Ficou então mais evidente a relação entre determinados


sítios lesionais subcorticais e diversas alterações neuropsicológicas
decorrentes, entre elas os distúrbios afásicos, nas lesões de
hemisfério dominante. Um número cada vez maior de estudos tem
sido publicado, especialmente nos últimos quinze anos, utilizando
variadas técnicas de investigação, como a tomografia por emissão
de pósitrons (PET) e métodos em eletrofisiologia (potenciais
evocados corticais), o que tem aumentado o nosso conhecimento
sobre o papel das estruturas subcorticais na linguagem.

As afasias não-talâmicas

Neuroanatomia dos núcleos da base: o sistema fronto-


estriatal e o striatum (constituído pelo núcleo caudado e putâmen)
recebe aferências maciças provenientes de todo o córtex cerebral.
O sistema frontal-estriatal compreende pelo menos cinco circuitos,
cada um envolvendo diferentes regiões anatômicas do córtex, do
striatum e também diferentes núcleos talâmicos, a saber: circuito
motor, oculomotor, pré-frontal dorsolateral, orbitofrontal lateral
e anterior do cíngulo (Alexander et al., 1986). Entretanto, para
propósitos funcionais, podemos agrupá-los em duas divisões
principais: o circuito motor está envolvido particularmente em
funções motoras de alta complexidade, como iniciação, manuten-
ção e seqüência de movimentos complexos. Este circuito inicia-se
no córtex sensorimotor primário e de associação, incluindo área
motora suplementar, projeta-se sobre o putâmen, daí conectando-
se ao globo pálido e, em seguida, ao tálamo (núcleo lateral e
ventral-anterior), de onde retorna ao córtex pré-motor, fechando
assim o circuito córtico-estriato-pálido-tálamo-cortical. O circuito
cognitivo ou associativo relaciona-se a funções cognitivas su-
periores, especialmente executivas. Sua origem compreende o
córtex orbital, aspecto dorsolateral do córtex pré-frontal, áreas de
associação do córtex temporal e parietal, amígdala, hipocampo e

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

cíngulo, que se conectam mais maciçamente com o núcleo caudado


e striatum ventral (núcleo accumbens), daí para o pálido ventral e
substância negra (pars reticulata), de onde seguem para o tálamo
medial e ventral anterior, o qual se projeta de volta ao córtex pré-
frontal. (figura 2). Os principais neurotransmissores envolvidos nas
vias de projeção dos núcleos da base são: sistemas colinérgicos,
abundantes no striatum (especialmente em seus interneurônios);
sistemas dopaminérgicos, presentes nas vias mesostriatais e
mesolímbicas; sistemas gabaérgicos, densamente encontrados no
striatum, substância negra e globo pálido (Mello e Villares, 1997).

Figura 1 –Anatomia das estruturas subcorticais. F – frontal; TP – temporal; C – núcleo


caudado; G - globo pálido; T – tálamo; P – putâmen; CI – cápsula interna.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Figura 2 – Principais vias de conexão dos núcleos da base. As setas em preto indicam
o circuito motor e as setas brancas indicam o circuito cognitivo. Leg.: i- segmento
interno; r- pars reticulata.

Numerosos estudos nas décadas de 60, 70 e 80 implicaram


os núcleos da base na linguagem, sendo que as primeiras
tentativas de explicar seu papel em mecanismos de fala e
linguagem baseavam-se nos modelos de função motora retirados
da neurofisiologia, os quais enfatizavam a participação desses
núcleos na geração de programas motores seqüenciais precisos.
As inúmeras conexões dos núcleos da base com quase todas as
áreas corticais também faziam parecer provável que tais estruturas
tivessem participação nas funções cognitivas.
Os mecanismos que tentam explicar a participação das
estruturas subcorticais não-talâmicas nas afasias podem ser
agrupados em quatro categorias principais: 1) síndrome de des-
conexão das estruturas corticais; 2) disfunção de estruturas a
distância da área lesada, por fenômeno de deaferentação (diás-
quise); 3) lesão direta de estruturas subcorticais envolvidas
primariamente na função linguagem; 4) defeito na regulação da
liberação de segmentos da linguagem formulados em nível cortical.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Discutiremos mais detalhadamente cada um destes mecanismos e


seus principais defensores na literatura.

1) síndrome da desconexão entre as áreas corticais envol-


vidas na linguagem: O primeiro modelo de participação de estruturas
subcorticais na patogênese da afasia previa um papel indireto destas
estruturas: um mecanismo de interrupção das vias de conexão entre
as áreas clássicas da linguagem (áreas de Wernicke e Broca), sendo
defendido por Wernicke (1874) e Lichtheim (1885). Sob este ponto
de vista, os núcleos da base não desempenhariam nenhum papel
primário em funções da linguagem. Recentemente este conceito foi
retomado por Alexander, Naeser e Palumbo (1987) num estudo em
19 pacientes com lesões subcorticais não-talâmicas. Neste estudo,
os autores observaram que as lesões circunscritas ao striatum ou
cápsula interna (braço anterior) não produziam sintomas afásicos
ou, quando muito, levavam a discretos distúrbios de nomeação
e hesitações. No entanto, as lesões maiores, que acometiam
adicionalmente a substância branca periventricular (anterior ou
posteriormente), istmo temporal, ínsula ou cápsula externa, em
diversas combinações, levavam a alterações de fala e linguagem
num padrão bem mais consistente, sugerindo que as vias de
conexão de substância branca são as estruturas críticas cuja lesão
produz sintomas afásicos. A interrupção de vias de conexão entre
o corpo geniculado medial e lobo temporal no istmo temporal e
das vias de associação auditivas calosas na substância branca
periventricular posterior explicam as alterações de compreensão
dos pacientes com lesões nestas localizações. Lesões na cápsula
externa, cápsula extrema e fascículo arqueado parecem críticas para
o surgimento de alterações da repetição e parafasias fonêmicas. As
alterações de fala são mais freqüentemente observadas em lesões
de substância branca periventricular superior e joelho da cápsula
interna, onde se encontram fibras corticobulbares descendentes.
Lesões na substância branca periventricular ântero-superior
provoca interrupção das vias entre a área motora suplementar a

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

área de Broca, levando a afasia transcortical motora. Além disso,


várias vias calosas anteriores podem ser comprometidas quando há
envolvimento da substância branca frontal, joelho do corpo caloso e
substância branca periventricular superior.
Naeser et al. (1989) também enfatizaram o papel do com-
prometimento de substância branca como fator determinante
da gravidade da disfluência, especialmente por interrupção das
conexões relativas aos aspectos de iniciação e preparação dos
movimentos da fala e seus aspectos límbicos (lesão do fascículo
longitudinal medial), além de prejudicar a execução motora e a
retroalimentação sensorial para a área cortical da boca (lesão da
substância branca periventricular adjacente ao corpo do ventrículo
lateral, abaixo do córtex sensorimotor correspondente à boca).
Um argumento adicional que leva à ênfase de alguns autores
sobre a lesão de substância branca como elemento crucial para a
presença de afasia é o fato de que outras doenças degenerativas
que acometem estruturas estriatais (doença de Parkinson, doença
de Huntington) produzem desordens predominantemente motoras
da fala (disartria, hipofonia, alterações do ritmo) (Critchley, 1981),
embora também ocorram deficiências de compreensão sintática
complexa na doença de Parkinson (Grossman et al., 1992;
Lieberman et al., 1992). Além disso, estudos com uso de PET
demonstram que as lesões de substância branca são mais efetivas
em provocar áreas de hipometabolismo à distância do que as
lesões nos núcleos da base propriamente, o que leva à conclusão
de que o efeito de prejuízo funcional por deaferentação é mais
importante nas primeiras (Kushner et al., 1984).

2) mecanismo de diásquise: As técnicas de estudo de perfu-


são cerebral, como a infusão intracarotídea de Xenônio radioativo,
tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT)
e PET permitiram a identificação de anormalidades funcionais em
áreas onde muitas vezes não se evidenciava lesão estrutural pelos
métodos de imagem. Assim, aparecem diversos estudos na literatura

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

enfatizando a existência das lesões à distância, por deaferentação


funcional de uma região a partir de um foco de lesão original com
a qual esta se conecta. Tal consideração leva alguns autores a
defender a idéia de que a lesão cortical continua a ser, em última
instância, o principal mecanismo fisiopatológico nos distúrbios
de linguagem, mesmo quando a lesão original (estrutural) situa-
se em região subcortical. Estudos com SPECT têm relacionado a
persistência de sintomas neuropsicológicos (afasia ou negligência)
ao grau de hipoperfusão cortical associado às lesões subcorticais,
mesmo quando os exames de TC ou RM não mostram lesão cortical
(Perani et al., 1987, Vallar et al., 1988).

3) lesão de estruturas subcorticais diretamente envolvidas


na linguagem: O estudo de lesões puras acometendo uma pequena
porção das estruturas subcorticais (ou mesmo uma estrutura
isoladamente) é difícil de ser conseguido na prática clínica, em
parte devido ao pequeno tamanho das estruturas consideradas
(onde poucos milímetros significam uma grande diferença em
termos de localização anatômica), em parte pelas peculiaridades de
vascularização da região, que torna improvável a lesão de territórios
vasculares seletivos o suficiente para permitir uma individualização.
Com a possível exceção dos infartos lacunares, sempre existe um
acometimento variado de sítios anatômicos. Mesmo assim, alguns
autores propuseram-se a estudar a possível participação dos
núcleos da base na gênese da afasia, circunscrevendo as lesões
tanto quanto possível.
Damasio et al. (1982) descreveram nove pacientes com
infartos acometendo a cabeça do núcleo caudado, putâmen e braço
anterior da cápsula interna no hemisfério dominante. Nos seus
resultados, observaram como características compartilhadas pela
maioria dos pacientes a presença de disartria e disprosódia, afasia
não-fluente (apenas um caso apresentava quadro semelhante
a afasia de Wernicke) e recuperação rápida dos sintomas. Os
autores postulam que a lesão estriatal, prejudicando sua função

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

de programação do movimento e organização da percepção,


facilmente explica sintomas como disartria e disprosódia, bem
como pode levar a distúrbios da compreensão auditiva. A lesão
de braço anterior da cápsula interna, por sua vez, interromperia
algumas vias de importância nos processos de produção lingüística,
como projeções do córtex frontal para a ponte, projeções do córtex
auditivo à cabeça do núcleo caudado, projeções do tálamo para
o córtex motor e projeções do tálamo dorsomedial ao córtex pré-
frontal, também contribuindo para a presença de disartria, produção
de parafasias e alterações da compreensão auditiva.
Naeser et al. (1982) propuseram a descrição de três síndro-
mes afásicas após lesões acometendo o putâmen e cápsula
interna, como se segue:

a) lesão putamino-capsular com extensão ântero-superior


(a extensão diz respeito ao acometimento adjacente da
substância branca periventricular) – os pacientes aprese-
ntaram predominantemente alterações articulatórias, com
alguma deficiência de nomeação e boa compreensão
semântica; a lesão de substância branca periventricular
foi considerada pelos autores o elemento essencial para o
quadro encontrado.
b) lesão putamino-capsular com extensão posterior – os
pacientes apresentaram um quadro caracterizado por
discurso fluente e parafásico e grande prejuízo da
compreensão; neste caso, a lesão se estendia em direção
às radiações auditivas no istmo temporal, bem como para
partes do globo pálido, núcleo caudado, cápsula externa,
cápsula extrema, claustrum e ínsula.
c) lesão putamino-capsular com extensão ântero-superior
e posterior, resultando numa afasia global. A extensão
da lesão acometia globo pálido, substância branca
periventricular profunda à área de Broca e istmo temporal,
levando ao isolamento da área de Broca.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Esta tentativa de estabelecer uma correlação entre lesões


anteriores (putâmen e braço anterior da cápsula interna) com uma
apresentação clínica de afasia não-fluente e de lesões posteriores
(putâmen e braço posterior da cápsula interna) com quadros de
afasia fluentes também foi realizada por Cappa et al., em 1983.
Em um trabalho publicado em 1982, Brunner et al. definiram
a existência de lesão subcortical como fator determinante para a
ocorrência de automatismos e expressões recorrentes, na análise
de 40 pacientes com lesão subcortical. Destes, apenas oito
apresentavam lesão exclusivamente subcortical e, nestes casos,
o achado mais consistente foi de uma afasia com características
semelhantes à afasia transcortical motora.
Mega e Alexander (1994) tentaram definir o padrão de afasia
encontrado em lesões estriato-capsulares, enfatizando em seus
achados a presença de prejuízo da linguagem produtiva (fluência
verbal, discurso), com anomia, sendo a compreensão e repetição
preservadas, sugerindo uma deficiência restrita de seleção lexical.
O acometimento de sistemas fronto-estriatais seria a base dos
distúrbios encontrados, podendo ocorrer nas regiões dorso-laterais
do córtex frontal ou do striatum, bem como em suas conexões na
substância branca frontal.

4) defeito na regulação da liberação de segmentos da


linguagem formulados a nível cortical: Crosson (1985) propôs o
seguinte circuito para explicar o mecanismo das lesões subcorticais
na linguagem: os núcleos da base influenciariam o tônus das áreas
anteriores da linguagem regulando o fluxo de impulsos excitatórios
provenientes do núcleo ventral anterior do tálamo. Assim, as afasias
fluentes seriam o resultado da ausência de inibição do globo pálido
sobre o tálamo, liberando a ativação cortical; as afasias não-fluentes
seriam o resultado da lesão do núcleo caudado, cuja função em
circunstâncias normais seria a de inibir o globo pálido: a lesão
provocaria então uma superinibição do globo pálido sobre o tálamo,
levando a redução da atividade cortical. Além disso, segmentos de

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

linguagem seriam inicialmente formulados e então “armazenados”


até que pudessem ser verificados semanticamente por mecanismos
posteriores (temporoparietais) usados na decodificação da
linguagem. O papel dos núcleos da base seria prover um sinal
iniciando a liberação do segmento de linguagem formulado para a
programação motora, uma vez que houvesse sido semanticamente
verificado, utilizando o circuito talâmico acima descrito. Esta teoria
não atribui aos núcleos da base nenhuma função de processamento
lingüístico, apenas disparam a liberação de segmentos de linguagem
para a programação motora. Wallesch e Papagno (1988) sugeriram
que os núcleos da base estariam envolvidos na monitorização de
alternativas lexicais múltiplas geradas no córtex a fim de selecionar a
que melhor se adequa às exigências semânticas e motivacionais.

Figura 3 – Representação esquemática da interação córtico-subcortical nos mecanis-


mos de processamento da linguagem, conforme proposto por Crosson (1985). O sinal
+ indica estimulação e o sinal – indica inibição.

PERSPECTIVA ATUAL SOBRE O PROBLEMA DAS AFASIAS


SUBCORTICAIS NÃO-TALÂMICAS: O FATOR HEMODINÂMICO

Uma série de estudos de investigadores em doença cere-


brovascular, especialmente Weiller et al. (1993) ofereceu uma

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

explicação fisiopatológica alternativa para a origem das afasias


subcorticais envolvendo núcleos da base e vias de substância
branca adjacentes. Partindo do princípio que lesões estriato-
capsulares são causadas por oclusão do segmento inicial da
artéria cerebral média dominante, ou ocasionalmente por oclusão
da artéria carótida interna, a presença de afasia significante após
lesão dos núcleos da base seria determinada por dois fatores:
precocidade da recanalização da ACM e adequação da circu-
lação anastomótica, ocorrendo principalmente nos casos de
recanalização tardia e circulação por anastomose leptomeníngea
pobre. Assim, a dinâmica circulatória desempenha um papel
crucial na manifestação dos sintomas de linguagem e no grau de
recuperação após lesões dos núcleos da base, os quais seriam
determinados pelo grau de perda neuronal cortical após oclusão
prolongada da artéria cerebral média.
Nadeau e Crosson (1997) retomaram esta teoria em maio-
res detalhes, apontando que os infartos estriato-capsulares são
causados primariamente por oclusão do segmento inicial da artéria
cerebral média ou da artéria carótida interna, o que leva a um
risco de toda a circulação da ACM. Esta circulação inclui o córtex
perisylviano, essencial para as funções da linguagem. Mesmo em
presença de circulação anastomótica adequada, a posição da
oclusão freqüentemente não permite que a circulação colateral
supra o território subcortical infartado. Assim, teremos uma situação
em que a circulação cortical é parcialmente restabelecida, o que
impede o estabelecimento de um infarto maciço, porém podendo
ocorrer disfunção neuronal transitória, suficiente para provocar
sintomas de alteração de linguagem, embora sem lesão estrutural
visível pelos métodos de neuroimagem. Nos casos de infartos
acometendo braço posterior da cápsula interna com extensão
temporal, em que o território acometido é o da artéria coroidéia
anterior, os autores sustentam que as alterações de linguagem
encontradas devem-se, aqui, a uma desconexão entre o tálamo e o
córtex, levando a achados de afasia talâmica.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Nas hemorragias de núcleos da base, os autores também


notaram alterações circulatórias que afetaram o córtex e, portanto,
desempenharam um papel nos sintomas apresentados (disfunção
cortical induzida por pressão adjacente). Sua conclusão é de que
qualquer papel dos núcleos da base dominantes sobre a linguagem
é, no mínimo, obscurecido pela disfunção cortical associada, sendo
mínimo ou não existente.
Outros pesquisadores chegaram a conclusões similares. Por
exemplo, Bhatia e Marsden (1994) reviram 240 casos de lesões
em núcleos da base. Nos casos em que as lesões eram confinadas
a uma única estrutura, alterações de fala e linguagem eram muito
infreqüentes para o núcleo caudado (dois casos em 43), putâmen
(um caso em 20) ou globo pálido (um caso em 17). Assim, as
evidências mais recentes sugerem que os núcleos da base não
desempenham nenhum papel direto nos processos de linguagem.

As afasias talâmicas

A idéia de uma participação do tálamo como elemento


integrante dos circuitos relacionados à linguagem parece surgir a
partir da descrição de Fisher (1959), de afasia como achado clínico
em casos de hemorragia talâmica no hemisfério dominante. Também
em 1959, Penfield e Roberts apud Wallesch (1983) sugeriram que o
tálamo pudesse desempenhar um papel de integração das funções
de linguagem. Schuell (1965) apud Crosson (1984) defendia a
participação do tálamo em processos complexos de retroalimentação
entre sistemas lingüísticos e não-lingüísticos. Geschwind (1967),
no entanto, não concordava que o tálamo exercesse qualquer
papel na gênese de afasias verdadeiras, mas de distúrbios de fala,
com diminuição de sua produção, podendo chegar ao mutismo.
Também Luria (1977) e Benson (1979 apud Crosson, 1985)
questionavam a existência de uma entidade definida que pudesse
ser denominada afasia talâmica. No entanto, com base em inúmeros

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

trabalhos publicados, tanto em pacientes com lesões (vasculares ou


cirúrgicas), como de estudos com estimulação elétrica em tálamo
dominante, tornou-se possível identificar um padrão de alterações de
linguagem razoavelmente consistente, que se assemelham às afasias
transcorticais. Este padrão inclui dois tipos de distúrbios: no primeiro,
ocorre uma afasia com diminuição da fluência (embora ainda
fluente), anomia, com numerosas parafasias (podendo deteriorar
em jargão), compreensão menos afetada do que a produção, e
ausência de distúrbio de repetição (ou acometimento mínimo), e
está presente principalmente em casos de lesão dos núcleos ventral
lateral e ventral anterior. No segundo tipo, ocorre uma afasia fluente,
com presença de neologismos, e ocorre especialmente em lesões
acometendo pulvinar e núcleo póstero-lateral. Do ponto de vista da
anatomia vascular, os quadros afásicos são mais freqüentemente
encontrados com lesões das artérias tuberotalâmica (polar) e
interpeduncular profunda (paramediana talâmica) dominantes e,
por se tratarem de lesões predominantemente de pequenos vasos,
é pouco provável que haja alguma implicação de disfunção cortical
associada (Crosson, 1998).

Anatomia do tálamo e suas conexões

O tálamo localiza-se profundamente nas porções medianas


e centrais dos hemisférios cerebrais, sendo dividido em tálamo
direito e esquerdo pelo terceiro ventrículo. Lateralmente ao tálamo
encontramos o putâmen e o globo pálido, que são separados deste
pelo braço posterior da cápsula interna (figura 1). Outras estruturas
dos núcleos da base que se relacionam com o tálamo são a cabeça
do núcleo caudado, situada anteriormente, e sua cauda, localizada
posteriormente. Juntamente com o hipotálamo, a glândula pineal e
o núcleo subtalâmico formam o diencéfalo, assim chamado por sua
posição entre os hemisférios cerebrais e o tronco cerebral (Kelly,
1985).

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

O tálamo pode ser dividido em três porções principais:


núcleo anterior, núcleo dorsomedial e complexo nuclear lateral,
separados entre si pela lâmina medular interna. O complexo nuclear
lateral é formado pelos núcleos ventral anterior, ventral lateral,
ventral posterior, lateral dorsal, lateral posterior e pulvinar, além dos
corpos geniculados medial e lateral. Além disso, compõem o tálamo
o núcleo intralaminar (localizado na intimidade da lâmina interna
medular) e o núcleo reticular, que se assemelha a uma concha
envolvendo grande porção do tálamo, com eferências inibitórias
(gabaérgicos) para a maioria dos seus núcleos. Esta estrutura
desempenha inúmeras funções, entre as quais podemos destacar
a de relê dos sistemas sensoriais e movimento voluntário e seu
papel crucial nos mecanismos de atenção e memória. Para executar
todas estas funções, é evidente que o tálamo apresenta um número
grande de conexões aferentes que provêm das mais diversas áreas
corticais, subcorticais e do tronco cerebral, bem como se projeta de
forma maciça para estas mesmas áreas. Nossa exposição neste
texto se limitará às principais conexões do tálamo que podem
interessar no processo de linguagem.
Estudos de estimulação elétrica e lesões cirúrgicas com
efeito sobre a linguagem parecem apontar para a participação do
núcleo ventral lateral (Samra et al., 1969), o pulvinar e o núcleo
ventral anterior. Estas estruturas recebem aferências do córtex
motor, pré-motor e temporoparietal, respectivamente. Além disso, o
núcleo ventral anterior recebe uma grande quantidade de aferentes
da formação reticular, o que pode explicar o papel do tálamo nos
mecanismos de alerta e atenção, os quais foram implicados como
fatores contribuintes para os distúrbios afásicos (ou “quase afásicos”,
na concepção de Luria em 1977) encontrados em lesões talâmicas.
As conexões do tálamo com os núcleos da base já foram discutidas
sumariamente em seção anterior deste trabalho (figura 2).

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ENFOQUES TEÓRICOS SOBRE A FUNÇÃO DO TÁLAMO NA


LINGUAGEM:

1) teoria da participação não-específica do tálamo: Este


enfoque pressupunha um papel ativo do tálamo na linguagem,
porém sem especificar em que funções especificamente este
estaria envolvido, muitas vezes enfatizando apenas as inúmeras
conexões tálamo-corticais como explicação suficiente para que a
lesão talâmica simplesmente interrompesse o fluxo de informações
ascendentes para o córtex, provocando assim distúrbios na lin-
guagem.

2) teoria da ativação: Esta teoria apóia-se na função do


tálamo no alerta e ativação cortical. Entre seus principais defensores
destacamos Luria, que em 1977 descreve o caso de um paciente
com malformação aneurismática em tálamo à E, submetido a
cirurgia para remoção da mesma, evoluindo com um distúrbio de
linguagem que compreendia um discurso marcadamente parafásico
e com perseverações, com flutuações na compreensão e repetição
altamente prejudicada. Luria mostrou-se mais propenso a concluir
que as alterações encontradas deviam-se a um prejuízo parcial da
vigilância, interferindo com a especificidade do processo de fala,
não considerando o distúrbio como uma afasia verdadeira. Riklan
e Cooper (1975) encontraram disfluência numa série de pacientes
submetidos a lesão cirúrgica estereotáxica em núcleo ventral lateral
e pulvinar do tálamo, porém com boa recuperação subseqüente;
estes autores argumentam em seu trabalho que o processamento
da informação lingüística provavelmente requer maior “energia de
ativação” cortical para sua elaboração, o mesmo se aplicando em
relação à ativação das áreas corticais sensorimotoras, relacionadas
aos aspectos da fala como fluência e articulação.
McFarling et al. (1982) descrevem dois casos de infarto
talâmico à esquerda: um paciente apresentou afasia transcortical

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

motora e o outro, transcortical mista. Os autores concluem que


a função de alerta específico exercida pelo núcleo ventral lateral
esquerdo, lesado nos casos em questão, levando a um distúrbio de
alerta cortical e atenção (com conseqüente prejuízo da memória
verbal de curto prazo, como proposto por Ojemann em 1976), seria
o mecanismo suficiente para explicar seus achados clínicos.
Em 1991, Lazzarino et al. também evocam um distúrbio
parcial da atenção envolvendo processos verbais em sua descrição
de dois pacientes com infarto tálamo-mesencefálico, acometendo
núcleo paramediano do tálamo no hemisfério dominante; um
paciente apresentava quadro semiológico compatível com afasia
transcortical motora e o outro uma afasia fluente, porém com
numerosas parafasias. Além disso, os autores chamam a atenção
para o envolvimento do núcleo dorsomediano nos dois casos, o
qual por suas conexões com as áreas de Wernicke e Broca poderia
ser responsável por alguns dos achados clínicos encontrados.

3) teorias do papel de integração do tálamo: monitorização


semântica da produção verbal: Deve-se a Penfield e Roberts (1959)
apud Wallesch et al. (1983) o início do conceito de função integrativa
exercida pelo tálamo na linguagem. Estes autores, estudando
a linguagem no pré e pós-operatório de pacientes com crises
epilépticas que foram submetidos a ressecções de lobo temporal
(com maior ou menor retirada de massa subcortical associada),
concluíram que as estruturas subcorticais tinham o papel de
coordenar e integrar as funções corticais, através de suas fibras de
projeção. Este conceito era também aprovado por Ojemann et al.
(1968), ao descrever anormalidades na memória verbal de curto
prazo após estimulação elétrica do pulvinar à esquerda. Schuell
(1965) apud Crosson (1984) acreditava que o tálamo realizaria
um papel de monitorização da linguagem formulada, através de um
mecanismo de retroalimentação via sistema auditivo, antes que
se efetuasse a expressão verbal. Darley et al. (1975) encontraram
alterações de linguagem em 23% de 123 pacientes submetidos

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

a talamotomia para alívio de sintomas da doença de Parkinson,


especialmente quando em combinação com palidotomia.
Posteriormente, outros autores teorizaram sobre circuitos
de integração envolvendo o córtex, o tálamo e tronco cerebral,
especialmente a substância reticular ativadora, porém considerando
que tal papel integrativo se realizaria de alguma forma com a
participação da memória, e mais especificamente, memória verbal
(Metter, 1983). Reynolds et al. (1979), por exemplo, postularam um
mecanismo atencional controlando o armazenamento e resgate da
memória verbal. Já Cappa e Vignolo, em 1979, atribuíram ao tálamo
o manejo de palavras enquanto unidades semânticas, excluindo
sua participação em processos fonêmicos, o que explicaria a pouca
alteração da repetição em indivíduos com afasia talâmica.
Esta idéia de distinção fonêmica-semântica também foi
sustentada por Crosson (1981, 1984), com sua hipótese de que
o tálamo estaria implicado no processo de seleção de palavras
(ou checagem da acurácia semântica) prévio à expressão verbal,
através de uma alça entre as áreas de formulação (frontal) e
decodificação (temporoparietal) da linguagem. Goodglass e Kaplan
(1983) também defendem este conceito propondo que o tálamo
dominante é o centro do mecanismo que permite que os centros de
linguagem posteriores (temporoparietais) realizem a monitorização
da produção verbal. Tal conceito implica na utilização do circuito
envolvendo as áreas anteriores da linguagem-núcleo ventral
anterior-lâmina medular interna-pulvinar-córtex temporoparietal.
Em 1985, Crosson acrescentou mais um conceito à sua
teoria de monitorização semântica: o tálamo também exerceria
um papel de regulador da liberação de segmentos de linguagem
formulados (após sua verificação semântica) para as áreas de
programação motora da fala. Neste processo, existe participação
conjunta dos núcleos da base, conforme já discutido anteriormente
(figura 4).

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Envolvimento seletivo dos mecanismos corticais como um papel


para os núcleos talâmicos na linguagem

Em 1977, Yingling e Skinner formularam a hipótese de que


haja um circuito envolvendo os lobos frontais – pedúnculo talâmico
inferior – nucleus reticularis – núcleo centromediano (sistema
mediotalâmico-frontocortical), cuja função seria a de exercer um
controle sobre as reações de orientação por inibição seletiva de
impulsos sensoriais ascendentes considerados irrelevantes. Em
outras palavras, este circuito regularia a atenção voluntária, con-
trapondo-se à formação reticular mesencefálica, que estaria mais
relacionada aos aspectos gerais de alerta e atenção reflexa. A
partir deste modelo, Nadeau e Crosson (1997) sugeriram que este
mesmo circuito poderia participar, de forma similar, de um processo
de ativação de sistemas corticais seletivos necessários para a
realização de diversas funções cognitivas. No caso da linguagem,
este princípio se manifestaria em termos de controle dos processos
de seleção lexical, de tal modo que, na ausência deste mecanismo,
não haveria diferença de ativação entre um determinado item lexical
e outros semanticamente correlatos, levando a erros de seleção,
traduzidos clinicamente pelos erros de nomeação e parafasias
semânticas.
Alguns autores consideram que as afasias talâmicas podem
ser o resultado da associação de alguns dos fatores acima men-
cionados: para Samra et al. (1969) e Cooper et al. (1968) os
processos de ativação e integração estavam interligados, sendo
a ativação dos núcleos talâmicos um fator necessário para a
modulação e integração da linguagem. Ojemann (1983) sugeriu
que os processos de alerta talâmicos ativam seletivamente
as áreas corticais específicas (mosaicos) apropriados para o
processamento lingüistico, à semelhança do que ocorre com
relação aos processos motores (“resposta de alerta específico”).
Gorelick et al. (1984), numa descrição de caso de infarto de tálamo
dominante, encontrando alterações como diminuição do volume

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de voz, fala não-fluente com parafasias verbais e fonêmicas,


contaminações, alteração da compreensão, perseveração e
flutuações no desempenho à fala, dividiram os achados em quatro
categorias: alterações extrapiramidais (diminuição do volume de
voz), por interrupção das aferências pálido-nigrais ao tálamo;
alterações de acesso lexical (disfluência), por desconexão entre
o córtex frontal-núcleo ventral anterior do tálamo; distúrbio do
alerta (intrusões, contaminações, neologismos); alterações da
compreensão, por interrupção das conexões tálamo-córtex frontal-
fascículo longitudinal superior-área de Wernicke.
No esquema de Wallesch e Papagno (1988), o papel do
tálamo na linguagem estava primariamente relacionado a sua
posição nas alças córtico-estriato-pálido-tálamo-cortical (figura 3).

CEREBELO

O cerebelo sempre foi considerado como uma estrutura


primariamente relacionada ao controle e coordenação do movi-
mento voluntário, tendo em vista que a lesão cerebelar repercute
de forma importante na execução do ato motor, levando a
sinais neurológicos como incoordenação da marcha, dismetria
e decomposição do movimento em olhos e membros, alterações
do equilíbrio e disartria (fala escandida). No entanto, os estudos
anatômicos e neurofisiológicos progressivamente colocaram em
evidência a complexidade e sofisticação estrutural do cerebelo,
e, mais ainda, suas numerosas conexões recíprocas com todo
córtex de associação e paralímbico (Schmahmann e Pandya,
1992, 1993, 1997). Isto levantou a discussão em torno do papel
do “cerebelo cognitivo”, composto pelos hemisférios cerebelares
laterais e núcleos denteado e emboliforme, que mantêm ligações
com as áreas descritas acima (Schmahmann e Pandya, 1987;
Schmahmann, 1991) e, como subproduto desta questão, sua

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função na linguagem (Leiner et al.,1989). Dados adicionais


foram incorporados a partir de publicações de casos clínicos,
especialmente de crianças com tumores cerebelares apresentando
desde demora na aquisição da linguagem e dificuldades de
iniciação da fala, até mutismo (Levisohn et al., 2000). Alterações
já descritas na literatura incluem principalmente dificuldades na
produção da fala, como: respostas curtas, falta de elaboração,
dificuldades em iniciar conversação (mesmo em crianças com
escores normais em testes verbais), longas latências para resposta
e dificuldades para encontrar palavras (Bracke-Tolkmitt et al., 1989;
Akshoomoff et al., 1992; Appolonio et al., 1993; Schmahmann e
Sherman, 1998; Silveri et al.,1998).
Além disso, estudos funcionais usando PET e RM mostram
ativação cerebelar, especialmente em duas regiões: lóbulo VI do
hemisfério cerebelar direito e lóbulos IV a VIIA da região vermiana
(Petersen et al., 1989; Petersen e Fiez, 1989, Raichle et al. 1994,
Desmond et al 1997, Ackermann et al., 1998, Buckner et al. 1995,
Price et al. 1996) em indivíduos executando tarefas de linguagem.
No entanto, como estas tarefas são muito variadas nos diversos
trabalhos (geração de nomes, leitura, repetição silenciosa e
completar palavras), o papel exato do cerebelo no processamento
lingüístico ainda não está estabelecido. As intensas conexões desta
estrutura com o córtex pré-frontal e striatum fazem pressupor que
sua contribuição possa estar ligada a processos de seleção e
monitorização da adequação de respostas (Desmond et al., 1998).
Com relação à atividade motora, atribui-se ao cerebelo a
função de regular sua força, ritmo e acurácia, permitindo que o
resultado desta atividade seja harmonioso. A função cerebelar
preservada garante um ajuste contínuo, detectando, prevenindo
e corrigindo diferenças entre a atividade pretendida (estratégia)
e a realizada (comportamento frente ao ambiente). E, embora
complexa, a microestrutura do cerebelo é bastante homogênea
e repetitiva, o que torna pouco plausível que apresente muitas
modalidades diferentes de processamento, como o córtex cerebral.

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Assim, de forma análoga ao seu papel na atividade motora, pode-


se imaginar que o cerebelo realize funções de modulação das
atividades cognitivas, entre elas a linguagem, regulando velocidade,
capacidade, consistência e propriedade destas, também detectando
e corrigindo “erros do pensamento” (Ito, 1993).

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CAPÍTULO VIII

SEMIOLOGIA DAS AFASIAS

Há mais de um século o modelo clássico de “áreas de


linguagem” (Wernicke e Broca) e suas interligações têm sido a
base do raciocínio sobre fisiopatologia em estudos de afasia. Mais
recentemente, o modelo de Wernicke-Geschwind (Dronkers et al.,
2000) (figura 1) sedimentou esta forma de raciocínio clínico e
as baterias de exame de linguagem têm, em geral, o objetivo de
permitir a identificação e classificação dos sintomas de forma que
preencham os critérios de enquadramento nas síndromes clássicas.
No entanto, o acúmulo de evidências clínicas tem de-
monstrado que muitos pacientes desafiam uma possibilidade de
enquadramento nestas síndromes. Segundo Dronkers (2000),
apenas 50 a 60% dos pacientes com lesão na área de Broca
possuem uma afasia de Broca persistente e 30% dos pacientes
com lesão na área de Wernicke são afásicos de Wernicke crônicos.
Em contrapartida, 15% dos pacientes com afasia de Broca crônica
não têm lesão na área de Broca, o mesmo acontecendo em 35%
dos pacientes com afasia de Wernicke. Pacientes com afasia de
condução mais freqüentemente apresentam lesão no lobo parietal
inferior do que no fascículo arqueado.
Um fato freqüentemente negligenciado é que os pacientes
afásicos nos quais Broca e Wernicke se basearam para suas

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

descrições estão longe de se constituir em casos modelo para


os nossos padrões atuais: os dois pacientes autopsiados nos
quais Paul Broca baseou sua descrição da afasia de expressão
apresentavam, respectivamente, múltiplos infartos e demência.
Nos dois principais casos de Wernicke, observamos que um não
foi submetido a autópsia e o outro também apresentava demência
(Dronkers, 2000). Assim, não é difícil concluir que muitas das
observações clínicas subseqüentes não se encaixem no modelo
criado com tantas limitações.

Figura 1 - Modelo de Wernicke-Geschwind das áreas de linguagem. FA – fascículo


arqueado 1

Os métodos mais recentes de investigação clínica (neuro-


imagem estrutural e funcional), bem como os avanços teóricos nos
campos da Neurologia Cognitiva, Psicolingüística e Neurofisiologia
nos convidam a reformular nossa concepção das relações lesão-
sintoma em linguagem. Assim, ao se considerar os circuitos
neuronais (extensa e amplamente distribuída entre diversas áreas e

1 - Imagem de ressonância magnética gentilmente cedida pelo Dr. Luiz Antonio Pezzi Portella.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

estruturas cerebrais) responsáveis pela linguagem, a lesão em uma


das partes destes circuitos tenderá a afetar a função como um todo,
embora em graus e formas variados.

EFEITOS DAS LESÕES CORTICAIS NA LINGUAGEM

Lobo frontal

A área de Broca recebe projeções das áreas auditiva, visual


e somestésica, bem como maciças projeções do lobo parietal
inferior e área de Wernicke, via fascículo arqueado. Recebe também
projeções da amígdala e giro do cíngulo anterior, integrantes do
sistema límbico. É a região responsável pela “montagem final” do
pensamento na forma sintática e gramatical, a fim de ser organizado
e expresso em seqüências motoras de articulação ordenadas
temporalmente (fala). Permite a transmissão dos impulsos
provenientes das áreas posteriores da linguagem para os neurônios
motores primários que coordenam a atividade oro-facial (lábios,
língua, mandíbula). Assim, lesões nesta área originam alterações
de articulação, fluência verbal, capacidade de processar estruturas
gramaticais e prejudicam todas as modalidades de produção oral
(nomeação, repetição, leitura em voz alta).
Lesão da convexidade frontal esquerda (área de Exner) leva
a uma dificuldade na implantação dos atos motores necessários
para a execução da escrita, traduzindo-se numa anormalidade do
controle motor dos grafemas. Os mesmos tornam-se mal-formados,
sendo em geral a escrita cursiva mais afetada que a letra de
imprensa. Podem ocorrer alterações da seleção dos grafemas, como
omissões, substituições e adições. A área de Exner possivelmente
recebe as informações da área de Broca (que por sua vez as
recebe das áreas posteriores da linguagem) e retransmite para
as áreas motoras primárias e secundárias, também localizadas

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

nos lobos frontais (Lesser, et al. 1984). Micro e macrografia estão


relacionadas à lesão de lobos frontais, especialmente à direita.
Lesões frontais à direita alteram a linha melódica / emo-
cional da fala. Quando profundas (associadas a lesões do cíngulo
e gânglios da base), alteram a prosódia, e o paciente adquire um
certo “sotaque”. Lesões frontais à esquerda produzem alterações
de prosódia mais graves, podendo levar à “síndrome do sotaque
estrangeiro”, onde ocorre distorção especialmente na produção
de vogais (Graff-Radford, 1986, Blumstein, 1987). Lesões frontais
à direita, ou bilaterais, podem produzir também sintomas como
tangencialidade (em que as proposições são conectadas por
similaridade sonora ou por alguma associação semântica pouco
óbvia para o ouvinte) e confabulação, em que o paciente faz
associações irrelevantes, apresenta tendências perseverativas, com
dificuldades em mudar o cenário (set) ou manter um raciocínio
coerente, podendo ocorrer discurso com conteúdo bizarro e
fantástico. Tais alterações ocorrem dentro do contexto da síndrome
de desinibição frontal (Joseph, 1996).

Lobo parietal

Noções visuo-espaciais, temporais, cálculo, imagem corporal


e gerenciamento da movimentação das mãos na exploração do
espaço são as funções principais executadas pelos lobos parietais.
Os lobos parietais inferiores representam áreas de confluência
de informações provenientes de todo o córtex e subcórtex, sen-
do importantes áreas de associação. Assim, lesões dos giros
angular e supramarginal (parietal inferior esquerdo) prejudicam
gravemente a nomeação. O giro supramarginal é também um
relê de comunicação entre as áreas de Wernicke e Broca, e sua
lesão provoca uma síndrome de desconexão na forma de afasia
de condução, onde há prejuízo da capacidade de repetir, ler em
voz alta e escrever sob ditado. A lesão em que ocorre perda da

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

ligação com o córtex visual provoca alexia, pois os impulsos visuais


não conseguem ser transmitidos à área de Wernicke. Acredita-se
que os engramas sensório-motores necessários para a produção
e percepção da escrita localizam-se no lobo parietal esquerdo
(Strub e Geschwind, 1983), já que esta região é responsável por
guiar e observar o movimento das mãos. Sua lesão pode provocar
agrafia, com omissões, distorções ou inversões das letras. Em
geral este distúrbio é acompanhado de alexia e, eventualmente,
de alexia / agnosia para números. Alexia e agrafia para números,
acompanhadas de acalculia podem ser encontradas em lesões do
giro angular (Benson, 1972). Pacientes com lesão parietal esquerda
também apresentam dificuldades com relações gramaticais, devido
ao prejuízo das funções seqüenciais temporais gerenciadas por
esta região (Luria, 1980).

Lobo temporal

O lobo temporal executa a organização temporal dos sons


percebidos, além de realizar a “sintonia fina” do sistema auditivo
que permite a formação da representação auditiva dos fonemas
(Joseph, 1996). Lesões de lobo temporal provocam uma ina-
bilidade no processamento das características de seqüência
temporal dos sons. A desconexão entre o córtex auditivo primário
e a área de Wernicke, por exemplo, provoca uma incapacidade de
reconhecimento dos sons lingüísticos conhecida como surdez verbal
pura (lesões à esquerda ou bilaterais). A inabilidade de processar
os sons de forma seqüenciada no tempo leva a dificuldades graves
na compreensão verbal (déficit na separação temporal entre
as palavras), bem como a hiperfluência, parafasias e produção
de não-palavras. As porções medial e inferior do lobo temporal
recebem conexões das áreas de associação parietais, sendo que a
porção inferior está particularmente relacionada ao reconhecimento
visual de formas. Assim, lesões nestas áreas levam a distúrbios da

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

nomeação, particularmente em confrontação visual, e também da


memória verbal (Joseph, 1996; Luria, 1980).

Lobo occipital

O lobo occipital relaciona-se primordialmente ao processa-


mento visual. Lesões desta região interferem com habilidades de
leitura e escrita ao provocar déficits de campo visual (hemianopsias,
quadrantanopsias) ou mesmo cegueira cortical. Alexia sem agrafia
(agnosia visual para palavras) pode ocorrer nas lesões de lobo
occipital esquerdo associadas a lesão de corpo caloso (Geschwind,
1965). Neste caso, estando o lobo parietal inferioresquerdintacto,
o paciente tem a capacidade de escrever preservada. Anomia para
cores (desconexão entre a área occipital de reconhecimento para
cores e área de Wernicke) também é uma rara síndrome clínica
associada a lesão occipital.

Figura 2 – Efeito das lesões corticais nas habilidades da linguagem. Fonte: Adaptado
de Hécaen e Angelergues, in de Reuck & O’Connor, CIBA Foundation Symposium on the
Disorders of Language, 1964, Churchill Press, 222-256.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

O esquema acima mostra que as alterações encontradas


nos quadros afásicos não são exclusivas; o que diferencia estes
quadros é a combinatória desses sintomas e a intensidade com
que se manifestam. Adicionalmente, a natureza da alteração
do processamento pode ser diversa nos diferentes quadros. Por
exemplo, um déficit de compreensão pode refletir processos
tão diferentes quanto discriminação auditiva einabilidades de
decodificação sintática ou semântica.
A avaliação da linguagem através de testes padronizados
presta-se a alguns propósitos, como podemos enumerar (Neils-
Strunjas, 1998):

• determinar se o indivíduo é normal


• estabelecer um diagnóstico diferencial
• estabelecer quais habilidades lingüísticas estão preservadas
e quais os déficits presentes (aqui se incluem a classificação
da afasia e a determinação de sua gravidade)
• determinar a habilidade residual do paciente em comu-
nicar-se (aspecto funcional)

Embora existam numerosos testes padronizados, estes em


geral têm em comum a avaliação de alguns elementos básicos:
compreensão auditiva, produção da fala, escrita e leitura, além de
habilidades visuais e práxicas. Testes para habilidades específicas
(compreensão sintática, nomeação, fluência verbal, etc.) podem ser
utilizados para aprofundar a caracterização do déficit lingüístico.
A estrutura geral dos testes de avaliação global da linguagem é
organizada de forma a contemplar fundamentalmente os seguintes
aspectos do processamento lingüístico:

I - COMPREENSÃO ORAL: verifica a possibilidade de utilizar


a “entrada auditiva” para acessar o sistema semântico,
trabalhando várias categorias semânticas e com

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

crescente complexidade dos estímulos (palavras, frases


simples e complexas).
II - EXPRESSÃO ORAL: abrange aspectos de linguagem não
proposicionada e outros mais voluntários. Permite a
caracterização associada de quadros de disartria, apraxia
de fala. Provas de repetição e leitura oral envolvem a
transcodificação audiofonatória, o que acontece com ou
sem o acesso ao significado. A leitura oral de sentenças,
além de solicitar a habilidade de realizar esta transco-
dificação audiofonatória, põe em cheque a capacidade de
lidar com as conexões sintáticas previstas na organização
seqüencial do material.
III – NOMEAÇÃO: avaliação do léxico, que pode ser realizada
por estímulo auditivo ou visual, esta última permitindo a
análise dos múltiplos componentes do processamento da
nomeação, desde a percepção do objeto até a emissão
de seu nome. Provas adicionais de fluência por categorias
testam o conhecimento da categoria semântica, bem
como de suas subclassificações, o que permite criar
estratégias de evocação e busca.
IV - COMPREENSÃO ESCRITA: envolve a discriminação
visual e reconhecimento de material gráfico, capacidade
de estabelecer a relação entre “som e forma gráfica”
(conversão fonema-grafema), memória operacional e
funções executivas, associações e extração de significado
de material complexo.
V - EXPRESSÃO ESCRITA: abrange desde aspectos mecâ-
nicos (motores) até a construção de significado em
níveis maiores de complexidade. Verifica a integração e
transcodificação visual e audiográfica, compondo-se em
geral de uma parte realizada sob a forma de ditados e
outra de formulação escrita dirigida. Os estímulos também
são apresentados de forma que permitam a avaliação da

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

capacidade de realizar construções gramaticais mais


complexas.

O modelo abaixo ilustra as provas do Teste Boston para


Diagnóstico da Afasia (Goodglass e Kaplan, 1972, 1983), de
acordo com a modalidade de entrada do estímulo e de saída da
resposta.

Figura 3 – Representação esquemática do Teste Boston para Diagnóstico da Afasia.

ASPECTOS PSICOLINGÜÍSTICOS DA SEMIOLOGIA DAS AFASIAS

Nível fonológico

Os estágios da codificação fonológica são acesso, plane-


jamento e implementação. Erros de processamento podem ocorrer
em qualquer dos estágios, resultando em diferentes sintomas. Erros
no estágio 1 (acesso às representações subjacentes) dão origem

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

às dificuldades de discriminação auditiva e parafasias literais,


encontradas nas lesões temporais (exemplos clínicos são afasia de
Wernicke e surdez verbal pura). Quando os erros ocorrem no estágio
de planejamento ou construção das representações fonêmicas
(estágio 2), temos os sintomas presentes na afasia de condução,
onde ocorre a conduta de aproximação (tentativa de correção
sistemática com gradual aproximação do alvo). Erros na etapa de
implementação (estágio 3) serão encontrados na afasia de Broca
(erros fonéticos). Os erros que ocorrem nos estágios 1 e 2 tendem
a comprometer mais a produção de consoantes.
Alterações da prosódia, tanto de produção quanto percepção,
são encontradas em lesões de hemisfério esquerdo (embora não
exclusivamente), abrangendo os aspectos relacionados ao acento
lexical, frasal, enfático e entonação. Uma das síndromes clínicas em
que a produção prosódica se encontra grandemente comprometida
é a síndrome do sotaque estrangeiro.

Alterações da fluência

Diminuição da fluência verbal pode ser tanto o resultado


de dificuldades articulatórias, morfológicas e de mecanismos de
iniciação da fala, quanto de empobrecimento semântico. Essas
funções organizam-se nos lobos frontais, temporais e parietais.
Lesões nas áreas motoras produzem disartria e apraxia de fala.
Anormalidades do processamento morfológico representam
a incapacidade de manejar elementos formativos gramaticais,
tanto na sua forma livre (auxiliares, determinantes, pronomes,
preposições) quanto os acoplados (afixos inflexionais). Indivíduos
com prejuízo neste nível do processamento geralmente apresentam
um mau desempenho lingüístico quando lidam com elementos de
classe fechada, com relativa preservação do desempenho quanto
aos elementos de classe aberta (categorias lexicais). As alterações
morfológicas constituem parte dos sintomas encontrados no

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

agramatismo. Em geral as alterações morfológicas se traduzem


como omissão ou substituição de afixos, porém respeitando algu-
mas regras, tais como:

• as alterações são específicas para cada língua consi-


derada;
• não são produzidas não-palavras (tanto nas omissões
quanto nas substituições);
• as alterações produzem elementos relacionados morfolo-
gicamente a um núcleo (ou “família morfológica”);
• os elementos produzidos por omissão são fonológica e
morfologicamente bem formados.

Nível sintático

Dificuldades adicionais de construção das proposições,


presentes no agramatismo, refletem prejuízo do processamento
sintático. Atualmente admite-se que os indivíduos com este
prejuízo passam a apresentar déficits em diferentes níveis do
processamento: desde a dificuldade para recuperar a estrutura
sintática e a informação léxico-semântica até integrar as duas
informações (Delvenne, 1997). Essas operações envolvem
atividades de cunho lingüístico (Grodizinsky, 1986) e não lingüístico
(Daneman e Carpenter, 1980; Caplan, 1995).

Nível léxico-semântico – alterações da nomeação

Dificuldades de nomeação ou de “achar palavras” podem


representar dois tipos de processo: prejuízo ao acesso lexical ou
uma degradação real da representação da palavra no sistema
semântico. No primeiro caso, o fornecimento de pistas fonêmicas
ou semânticas deve facilitar a retomada da palavra pretendida.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Pacientes com dificuldades neste nível do processamento


apresentam parafasias semânticas (a palavra produzida guarda
similaridade semântica com a palavra pretendida). Exemplos de
déficits semânticos relativamente puros são a afasia transcortical
sensorial e a demência semântica.
Existe nos afásicos, em geral, maior dificuldade no emprego
de palavras abstratas quando comparadas com concretas. Isto
pode ser explicado pela combinação dos seguintes fatores:
palavras concretas apresentam um código duplo, verbal e não-
verbal (imagem), ao contrário das abstratas que apresentam
apenas o código verbal; palavras concretas são representadas por
um maior número de características semânticas; além do mais,
estão inseridas num contexto perceptual maior, apresentando uma
gama de atributos sensório-motores que facilitam sua retomada.
Outra dissociação já descrita na observação clínica é aquela
existente entre as categorias animados (animais, frutas e vegetais)
versus inanimados (instrumentos e móveis), que podem estar
seletivamente prejudicados em um paciente.
Um modelo diferente de prejuízo do processamento léxico-
semântico pode ser encontrado nas dislexias. Na dislexia profunda,
ocorrem erros de leitura em base sensorial; pode haver substituições
semânticas (gato / cachorro), visuais (gato / rato / goto) e também
aqui palavras concretas induzem a um melhor desempenho. Na
dislexia de superfície, por outro lado, não ocorrem associações
de significado, pois o sujeito é capaz de realizar mecanismos
superficiais de conversão grafema-fonema.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

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CAPÍTULO IX

NEUROPLASTICIDADE E REABILITAÇÃO

O Sistema Nervoso Central (SNC), adquirido mais recen-


temente na escala filogenética, permite ao animal a modulação de
seu comportamento. Sabemos que uma série de comportamentos
(que visam à interação do animal com o meio ambiente,
possibilitando sua sobrevivência) é instintiva e considerada inata,
isto é, geneticamente determinada para uma dada espécie. Os
comportamentos instintivos, por mais estereotipados que sejam,
podem sofrer alguma espécie de modificação de acordo com a
pressão do meio ambiente. O aprendizado, por sua vez, implica
na mudança de um comportamento através da experiência e
exige como pré-requisitos a aquisição de conhecimento a respeito
do mundo e a memória, para codificar, estocar e acessar este
conhecimento.
Para os profissionais que lidam com reabilitação, apren-
dizagem é uma palavra-chave. Como o homem desenvolve suas
capacidades para atingir uma relação equilibrada com seu meio
ambiente? Daí surgem três outros termos importantes: “desen-
volvimento”, “capacidade” e “relação equilibrada com o meio”.
Todos eles dizem respeito à mudança, transformação e capacidade
adaptativa do indivíduo e às possibilidades do sistema nervoso e
podem ser entendidos no tema da PLASTICIDADE.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Nesta linha, algumas questões pedem espaço para discussão:

• os comportamentos humanos são herdados ou apren-


didos?
• a prioridade de aspectos genéticos/ ambientais
• o papel do papel ativo do indivíduo no processo

E ainda:

• Como é possível a aprendizagem?


• Como o indivíduo em condições de lesão aprende?
• Como o terapeuta de pacientes com lesão cerebral lida
com a questão da aprendizagem?

O indivíduo aprende a se comportar levando em conta o


equilíbrio com o meio ambiente. Sobrevivência e otimização do
desempenho determinam o grau de participação de mecanismos
genéticos ou ambientais. Exemplificando, programas predetermi-
nados geneticamente garantem a atividade muscular relacionada à
alimentação. Tal condição “pré-programada” pode ser alterada, pois
mesmo os padrões de alimentação podem ser variados conforme
as diversas culturas: comportamentos sociais relacionados ao
ato de ingerir os alimentos e consistência dos mesmos levam o
sistema nervoso a se adaptar a essas necessidades. Por outro
lado, a linguagem, a mais plástica das atividades mentais está
aberta e dependente da interação com o meio ambiente, mas
nesta também se pode reconhecer mecanismos geneticamente
determinados. Essa razão de utilidade aplica-se a mecanismos
micro e macroestruturais de organização do sistema nervoso
e segue marcha de desenvolvimento tal que inicialmente esse
equilíbrio indivíduo/meio ocorre seguindo programas fortemente
determinados pela genética. Gradativamente o indivíduo “conhece”
o seu meio e aprende a reagir a ele e isso ocorre porque seu
sistema nervoso tem capacidade adaptativa, é plástico.

188

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Examinando-se os significados do termo APRENDIZAGEM


no dicionário, temos que se define como “conduta adquirida,
pois torna-se possível através de exercício que a sedimenta e
aperfeiçoa”. Depreende-se daí a noção de estabilidade e possibi-
lidade refinamento e o papel ativo entre o aprendiz e o objeto a ser
aprendido.
Outros significados de aprendizagem podem ser encontrados
no dicionário: agir, tomar, apoderar-se de, torná-lo próprio, o que
reforça a idéia de um processo sensoriomotor, em primeira instância,
sendo a percepção seu ponto de partida. Daí a vizinhança dos termos:
aprender, prender e apreender (= tomar com as mãos). Em resumo,
temos que a aprendizagem é um processo de captura ou apropriação,
de base inicialmente perceptual, que conduz a uma capacitação.
Na última década os conceitos a respeito da plasticidade
neuronal vêm sofrendo extensas modificações. Durante muitas
décadas considerou-se que apenas o sistema nervoso imaturo ou
em desenvolvimento era capaz de sofrer influências externas que
permitissem uma reorganização estrutural a nível celular para com-
pensar uma lesão. A recuperação do sistema nervoso após uma
lesão era considerada um evento restrito ao período de infância
e pré-adolescência, não sendo teoricamente possível num cérebro
“maduro”, a não ser dentro de limites bastante estreitos. Atualmente
este conceito vem sendo gradativamente mudado através de
diversos experimentos e observações que têm demonstrado um
potencial neuronal de regeneração antes não imaginado.

DESENVOLVIMENTO, PERÍODOS CRÍTICOS E A EMERGÊNCIA DO


COMPORTAMENTO

Durante o período embrionário inicia-se a cadeia de pro-


cessos que vai culminar no que conhecemos como diferenciação

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e especialização celular. No caso das células nervosas, este


processo implica na capacidade de sintetizar neurotransmissores
e enzimas, desenvolver receptores protéicos e formar conexões
específicas com outras células na sua periferia e a distância. Numa
fase muito precoce da formação do embrião, suas células, ainda
indiferenciadas, organizam-se em três camadas denominadas
endoderma (a mais interna), mesoderma e ectoderma (a mais
externa). Cada uma destas camadas dará origem a determinados
tecidos do organismo. As células nervosas (neurônios e células
gliais) formam-se a partir de uma estrutura embrionária denominada
placa neural, derivada da camada ectodérmica.
Resumidamente, podemos dizer que a seqüência de even-
tos que levam uma célula indiferenciada a se transformar em um
neurônio inclui a determinação (“separação” de um grupo de células
que vai se expressar geneticamente como neurônios e sua disposição
em regiões específicas do embrião) e diferenciação (engloba a
proliferação e formação de neurônios, sua migração para os locais
adequados e desenvolvimento de suas interconexões). Já que todas
as células de um indivíduo contêm a totalidade da informação
genética, a diferenciação (o que permite que um neurônio seja
diferente de uma célula da parede intestinal, por exemplo) ocorre
como resultado da expressão de genes específicos para cada tipo
de célula, com inibição de outros. Este processo é regulado através
de substâncias químicas denominadas fatores de indução, que são
liberadas por células adjacentes do microambiente embrionário.
Estes fatores de indução, ao se ligarem a receptores específicos
nas membranas de suas células-alvo desencadeiam uma cadeia
de eventos intracelulares que culminam na expressão dos genes
que codificam as proteínas responsáveis pela função específica
daquela célula, completando-se assim o processo de diferenciação.
A partir deste momento a célula passará a executar algumas
funções exclusivas de sua linhagem, porém não será capaz de
realizar aquelas para as quais a expressão genética não foi ativada
(especialização) (Jessell, 2000). Cada evento ocorrido desencadeia

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

uma seqüência de outros eventos, e assim sucessivamente, numa


cadeia interdependente. O último estágio deste processo, a formação
de interconexões entre os neurônios, inicia-se neste período, porém
só vai se completar na fase pós-embrionária, através da influência
adequada de fatores ambientais.
A formação das sinapses: As sinapses constituem a estrutura
através da qual as células nervosas intercambiam informações e
substâncias nutricionais e tróficas. Uma célula nervosa deprivada de
suas interconexões com outras células sofre degeneração e morre,
por ausência destes fatores, o que representa um mecanismo de
amplificação de lesão. A comunicação entre neurônios se faz
através dos chamados neurotransmissores, substâncias que têm a
propriedade de excitar ou inibir a membrana do neurônio seguinte,
assim permitindo a transmissão ou bloqueio de uma informação.
A sinapse é composta pelo neurônio pré-sináptico (que libera os
neurotransmissores e demais substâncias), fenda sináptica (espaço
onde são liberadas as substâncias) e neurônio pós-sináptico (que
recebe a informação).

Figura 1 – Representação esquemática de uma sinapse

O mecanismo de formação de sinapses entre as células


nervosas é altamente complexo, pois exige que um número imenso
de células “encontre” seus alvos adequados a fim de formar os
diferentes tratos e regiões cerebrais, para constituir finalmente todo
o sistema nervoso central e periférico. É um processo delicado e
de alta precisão, cujos fenômenos ainda não são completamente
compreendidos. De maneira simplificada podemos entender
que um grupo de células nervosas “sabe” qual o seu destino

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através do reconhecimento de marcadores moleculares (guias)


presentes em sua constituição que devem “casar-se” com os do
local alvo. Os marcadores guias permitem que um determinado
axônio “reconheça” todo o trajeto até o seu destino final. Através
da completa combinação de marcadores, como uma “senha”,
estabelece-se a conexão entre as células. Após o estabelecimento
inicial destas conexões, ocorrem modificações adicionais levando
à moldagem da massa de células, com aumento da diferenciação,
retirada da população excedente (em geral por deprivação de
fatores de crescimento e nutricionais) e remodelação das sinapses.
Finalmente, haverá um ajuste mais fino, sendo que neste último
e mais sofisticado processo o aprendizado passa a ter um papel
crucial. Todas estas etapas de interação celular são altamente
complexas e, portanto, são etapas críticas para um correto desen-
volvimento de toda a futura rede neuronal. Erros de migração celular
levam a uma série de outras aberrações no processo, que culminam
com as chamadas malformações congênitas de sistema nervoso.
Estas podem ser induzidas, por exemplo, pelo uso de drogas
durante o período crítico de diferenciação celular (primeiro trimestre
da gestação).
Temos então, a partir de um certo estágio do desenvol-
vimento, o aumento da importância do fator ambiental na expressão
da maturação do sistema nervoso. A experiência e o aprendizado
passarão a desempenhar um papel fundamental para a integração
das regiões cerebrais, e para promover alterações estruturais
celulares no sentido de especialização crescente.
Também nesta fase temos os chamados “períodos críticos”, em
que a criança deverá se exposta a determinados fatores ambientais
a fim de permitir o adequado desenvolvimento de suas habilidades
perceptuais, motoras, cognitivas e sociais. Vários experimentos em
animais e observações em bebês humanos têm demonstrado a
importância de manter um nível de estimulação sensorial e motora,
associado a interação social adequada para permitir que o sistema
nervoso complete a sua maturação. Bebês deprivados de contato

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

físico e estimulação ambiental própria (crianças hospitalizadas por


longo tempo, por exemplo) apresentam desempenhos cognitivos e
sociais bem abaixo do normal, com atraso na aquisição da marcha,
linguagem e sua interação com outras crianças e adultos torna-se
deficitária. Outro exemplo que ilustra bem o papel da estimulação
ambiental como determinante da fase final de maturação do sistema
nervoso pode ser inferido a partir da seguinte observação: crianças
com estrabismo congênito, não sendo capaz de fixar os dois olhos
no mesmo foco pela presença de desvio em um deles, favorecem um
dos olhos, e podem perder parte da visão no olho não favorecido,
por privação sensorial. O reconhecimento deste fato permitiu
que os oftalmologistas passassem a intervir mais cedo, mesmo
cirurgicamente, para a correção do estrabismo, a fim de preservar a
acuidade visual normal e permitir a restauração da visão binocular.

NATUREZA DA APRENDIZAGEM (EM TERMOS FISIOLÓGICOS)

As Neurociências – entre as quais se incluem múltiplas


áreas do conhecimento, desde as que se preocupam com aspectos
estruturais do substrato neural até aquelas voltadas para aspectos
mais abstratos das representações – vêm buscando conhecer os
processos de organização da experiência e o modo pelo qual ela é
retida e transformada.

Aprendizagem e memória

Sobre o processo de constituição de arquivos sabe-se que


características específicas das habilidades determinam distintos
tipos de codificação. A memória processual ou procedimental,
a do “como fazer”, tem como resultado o aprendizado implícito,
que ocorre durante a realização. O conhecimento estocado não

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tem acesso à consciência e dificilmente pode ser verbalizado; é


o aprendizado perceptual, de habilidades, procedimentos e regras.
A memória declarativa, ou de “o que” fazer tem como resultado
o aprendizado explícito de fatos ou eventos (Xavier, 1996). É
composta pela memória episódica (de eventos ou autobiográfica) e
memória semântica (para fatos). Nesta memória, o conhecimento
pode ser acessado por esforço consciente (lembrado), facilitado a
partir de pistas, pois o conhecimento se encontra distribuído em
diversas áreas de representação corticais e pode ser ativado por
diversos canais, como pistas visuais, verbais, odores, etc.
Uma diferença importante entre os dois sistemas é o tempo
gasto para aprender: a memória processual é lenta e requer muitas
repetições (sessões de treino), enquanto a declarativa pode ser
muito rápida e ocorrer após um simples evento. Outra diferença é
a especificidade do aprendizado: o sistema declarativo responde
por um sistema de conhecimento mais flexível, que pode ser mais
facilmente generalizado e aplicado a novas situações; o sistema
processual é mais dependente dos indicadores específicos da
situação de treino.
Uma última diferença diz respeito ao Substrato neuroana-
tômico: estudos de Brenda Milner (1966 apud Kandel et al.,
2000; 1968 apud Squire e Kandel, 1999) sobre dupla dissociação
em paciente amnésico (H.M.) e estudos com animais nos
quais foi danificado o sistema límbico sugerem que a memória
declarativa em vertebrados, especialmente em humanos dependa
da integridade do lobo temporal medial (hipocampo, córtex
entorrinal, perirrinal e parahipocampal) e estruturas relacionadas
do diencéfalo, cruciais para que as informações adquiridas sejam
convertidas em memórias de longo prazo, as quais são estocadas
em diferentes regiões do córtex de associação. O aprendizado
processual ocorre independentemente do processamento nessas
áreas cerebrais; seu substrato neural envolve estruturas do sistema
límbico (especialmente amígdala), striatum, cerebelo e sistema
sensorial e motor de acordo com a tarefa aprendida.

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Um tipo particular de aprendizado implícito é conhecido


como pré-ativação (priming). Neste caso, a exposição prévia do
indivíduo a uma lista de palavras ou objetos provoca uma facilitação
da chamada espontânea destes elementos à memória, mesmo que
o indivíduo não tenha a lembrança de ter sido exposto previamente
àqueles elementos. Isto se torna nítido especialmente quando o
indivíduo é exposto conscientemente a fragmentos do estímulo (por
exemplo, a sílaba inicial das palavras apresentadas).
Resumidamente, temos a seguinte classificação para os
vários tipos de memória e seus correlatos anatômicos:

• memória explícita (declarativa): para fatos (semântica)


e eventos (autobiográfica); lobo temporal medial para
codificação e consolidação, córtex de associação para
estocagem
• memória implícita (não-declarativa):
pré-ativação (priming): neocórtex
procedimentos (habilidades e hábitos): striatum
aprendizado associativo (condicionamento clássico e
operante)
com resposta emocional: amígdala
com resposta motora: cerebelo
aprendizado não-associativo (habituação e sensibilização):
vias reflexas

Paradigmas de aprendizado levam em conta a forma de


codificação e a recuperação da informação. Os estudos sobre apren-
dizagem consideram dois tipos de paradigmas para o entendimento
da relação do aprendiz com o meio: associativo e não associativo.
O paradigma não-associativo diz respeito à aprendizagem de dados
elementares não envolvendo o estabelecimento de relações. O
animal aprende a respeito das propriedades de um único estímulo.
Refere-se a tarefas repetitivas que muitas vezes são básicas para a
aprendizagem de outras mais complexas.

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O aprendizado, em qualquer de suas formas, apresenta


um substrato neurofisiológico que vem sendo progressivamente
desvendado em seus aspectos moleculares. Há mais de um século,
desde os estudos neuroanatômicos descritivos de Ramon y Cajál,
já se acreditava que o aprendizado pressupunha uma capaci-
dade de “mudança” no arcabouço do sistema nervoso, a fim de
permitir a incorporação de novos padrões de comportamento
baseados em experiências prévias (Squire e Kandel, 1999). Hoje
sabemos que as sinapses são estruturas bastante plásticas,
e que a neurotransmissão é um processo capaz de comportar
variações; assim, o que conhecemos como aprendizado é um
conjunto de alterações moleculares e bioquímicas que ocorrem
em nível sináptico, e que denominamos facilitação e fortalecimento
sináptico.
As formas mais comuns de aprendizagem não-associativa
são a habituação e a sensibilização. A habituação pressupõe
uma diminuição na resposta comportamental a um dado estímulo
repetitivo, não nóxico, como, por exemplo, deixar de se assustar
com o barulho de rojões que sejam disparados repetidamente no
decorrer de um jogo de futebol. O que ocorre nestes casos, em nível
molecular, é uma diminuição da quantidade de neurotransmissores
liberada na fenda sináptica pelo neurônio sensitivo que recebe
o estímulo, depois de o mesmo ter sido repetido algumas vezes,
o que provoca uma diminuição de disparos do neurônio motor,
responsável pela resposta.
A sensibilização é um aumento da resposta reflexa do
indivíduo a uma variedade de estímulos após ter sido submetido a um
estímulo nóxico; por exemplo, um animal apresentará uma resposta
de retirada vigorosa a um estímulo tátil inócuo após ter recebido
uma série de leves choques elétricos. Neste tipo de aprendizagem,
há um aumento da liberação de neurotransmissores na fenda
sináptica após uma série repetida de estímulos semelhantes.
Ocorre um fenômeno de facilitação pré-sináptica, da seguinte
forma: os neurônios sensitivos (que recebem o choque) encontram-

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se conectados a neurônios motores (que comandam a retirada do


membro afetado) e a neurônios intermediários (interneurônios),
que, por sua vez, também se comunicam com outros neurônios
sensitivos (que recebem estímulos táteis simples), excitando-os.
Estimulações repetidas (choques) do neurônio sensitivo levam a
um aumento da atividade dos interneurônios, com conseqüente
aumento da estimulação dos neurônios sensitivos táteis, facilitando
o disparo de uma resposta motora mesmo a um estímulo tátil não
nocivo (Kandel, 2000). A aprendizagem não-associativa também
está presente nos processos de aprendizagem sensorial (formação
do registro de uma experiência sensorial) e até na linguagem,
através do processo de imitação. Também devemos notar que as
alterações que ocorrem até aqui são transitórias, cessando algum
tempo após a interrupção da estimulação. Por outro lado, pode
haver uma interação entre estes fenômenos, como no caso de
um novo estímulo sensibilizante provocar uma desabituação (um
indivíduo já habituado a um padrão de disparos de rojão pode se
assustar novamente se houver uma súbita mudança na freqüência
ou intensidade dos sons).
O paradigma associativo, por sua vez, prevê o estabeleci-
mento de relações entre dois estímulos (condicionamento clássico)
ou entre um comportamento e suas conseqüências (condicio-
namento operante). No condicionamento clássico, estabelece-se
uma relação entre determinados eventos no meio ambiente,
enfatizando-se assim que o aprendizado envolve associação de
idéias. Por exemplo, se uma luz é acesa (estímulo condicionado)
sempre imediatamente antes do oferecimento de carne a um
cão (estímulo não-condicionado), após algumas repetições, este
passará a apresentar as respostas fisiológicas (salivação) sempre
que a luz for acesa, mesmo antes de receber a carne. Isto ilustra
a capacidade do cérebro de estabelecer relações causais entre
os eventos exteriores. Um pré-requisito fundamental para que se
estabeleça esta relação causal entre os estímulos condicionado e
não-condicionado é que haja um intervalo máximo de tempo entre

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suas apresentações (experimentalmente 0,5 segundo), o que se


denomina facilitação atividade-dependente. Neste caso, de forma
semelhante ao mecanismo da sensibilização, ocorre uma facilitação
pré-sináptica mediada por interneurônios excitatórios. No entanto,
esta relação temporal (contigüidade) não é, por si só, suficiente
para que se estabeleça este tipo de aprendizado; é necessária
uma relação de contingência. Em outras palavras: tão importante
quanto a relação temporal entre os estímulos é que não haja
muitas dissociações no pareamento entre eles (especialmente do
tipo estímulo condicionado positivo / estímulo não condicionado
negativo). Isto é importante para que o animal aprenda a diferenciar
eventos que realmente têm correlação daqueles que ocorrem
aleatoriamente, permitindo maior capacidade de previsão e ade-
quação de respostas.

Figura 2 – Representação esquemática do fenômeno de sensibilização e condicio-


namento clássico. Na sensibilização: o neurônio sensitivo 1, ao ser estimulado, gera
uma resposta motora e, ao mesmo tempo, ativa o neurônio sensitivo 2, através de um
interneurônio, deixando-o num estado de pré-ativação. Após algumas repetições, um
estímulo no neurônio sensitivo 2 causará a mesma resposta comportamental que o
neurônio sensitivo 1 causaria. No condicionamento clássico, a relação de contiguidade
temporal (pareamento) entre o estímulo ao neurônio sensitivo 2 (condicionado - luz)
e ao neurônio sensitivo 1 (não-condicionado – visão da carne) faz com que após
algumas repetições (treino) o disparo do neurônio motor siga-se automaticamente ao
do neurônio sensitivo 2.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

No caso do condicionamento operante ou aprendizado por


tentativa e erro, o animal aprende a associar um comportamento
(que inicialmente pode ter ocorrido ao acaso) com uma certa
conseqüência: a partir daí, tenderá a procurar ou evitar este
comportamento caso a conseqüência tenha sido prazerosa
(recompensa) ou desagradável (punitiva). Esta tendência de com-
portamento é conhecida como “lei do efeito” e é considerada
por muitos psicólogos experimentais como o elemento básico
do comportamento voluntário. Neste caso também é importante
que haja uma relação temporal entre o comportamento e a sua
conseqüência, para que a relação se estabeleça.
Recentes estudos mostram que a melhora de desempenho
obtida pelo treino e repetição provoca modificações no substrato
neural: “O ganho na performance reflete e é auxiliado por uma
mudança no processamento neural, que é obtida pela prática”
(Karni, 1997). Essas mudanças neurais podem ser duradouras,
assim como habilidades adquiridas são retidas por longo intervalo
de tempo. As investigações sobre mudanças no substrato neuronal
no cérebro, quando uma nova habilidade é adquirida pela prática,
têm proporcionado uma série de respostas a questões levantadas
pelos terapeutas reabilitadores, clínicos e profissionais envolvidos
com o conhecimento do desenvolvimento humano. Para que o
aprendizado adquira um caráter definitivo, menos vulnerável à perda,
é necessário que a memória de curto prazo se converta em memória
de longo prazo (consolidação). No caso do aprendizado implícito, a
liberação aumentada de serotonina pelos interneurônios excitatórios
em decorrência da repetição do estímulo (treino) leva a alterações na
expressão genética, que por sua vez induzem a síntese de proteínas
e crescimento de novas conexões sinápticas que fortalecem e
solidificam as ligações entre os neurônios – estabelece-se uma via
neuronal que corresponde à representação de um conhecimento.
No caso da memória declarativa, o mecanismo neurofisiológico
responsável pela consolidação é a potenciação de longo termo, um
aumento de amplitude de potenciais excitatórios pós-sinápticos em

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neurônios do hipocampo, desencadeado pelo estímulo repetido em


suas vias sinápticas (treino). Da mesma forma que no aprendizado
implícito, ocorre a partir daí uma alteração da expressão genéti-
ca dos neurônios envolvidos, com síntese protéica e brotamento
sináptico. Assim, através das extensas ligações do córtex temporal
medial com o córtex de associação heteromodal, a consolidação e
a estocagem do conhecimento tornam-se possíveis.
Embora os dois paradigmas sejam utilizados na atividade
clínica, é importante que o profissional de reabilitação esteja
consciente de suas possibilidades e especificidades enquanto
proposta terapêutica. Seria absurdo, por exemplo, o ensino de
aspectos semânticos da linguagem através de atividades que
envolvessem condicionamento. Por outro lado, pode-se utilizar o
princípio de habituação para o tratamento de algumas desordens
psiquiátricas, como as fobias, em que a exposição sistemática e
gradativa ao estímulo que originalmente provoca medo, torna o
indivíduo mais tolerante e indiferente a este estímulo, sendo a base
da terapia comportamental para algumas desordens de ansiedade.
Isto também se aplica a algumas habilidades pragmáticas de
conversação que devem ser reaprendidas pós-lesão, como se
sentir à vontade numa situação em que há maior demanda de
tempo para encontrar as palavras e terminar a frase. Deve-se
levar em conta ainda que, em geral, tarefas complexas exigem a
participação concomitante e em graus variados de diferentes tipos
de aprendizagem.
Um conceito biológico importante com referência ao
aprendizado associativo é que o mesmo se encontra restrito a
algumas regras de funcionamento do SNC. A primeira delas diz
que este aprendizado não se dá de forma aleatória e arbitrária,
mas que deve haver algum propósito para o estabelecimento de
relações entre estímulos. Por exemplo, se um animal ingerir uma
substância tóxica acidentalmente e sentir náuseas e dor abdominal
após algum tempo, evitará expor-se novamente ao alimento que
provocou sua doença. No entanto, se um animal de laboratório ficar

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

nauseado após receber um estímulo auditivo, não desenvolverá


aversão a este, pois o sistema nervoso não está programado para
relacionar “som” com “envenenamento alimentar” e a relação entre
os dois eventos terá grande chance de ser interpretada como não
ameaçadora à integridade do indivíduo.
Outra importante regra diz respeito aos aspectos motiva-
cionais: o aprendizado é facilitado pelo interesse da informação
em termos adaptativos biológicos, e será tanto mais efetivo
quanto mais a nova informação for associada e integrada de
forma significativa ao conhecimento preexistente, de forma a “fazer
sentido”. Neste ponto torna-se importante ressaltar a importância
do sistema límbico no aprendizado. Estímulos capazes de provocar
medo e reações de evitação são altamente eficazes na indução
de comportamentos condicionados, estando inclusive implicados
na gênese de comportamentos disfuncionais, como os transtornos
de ansiedade e fobias. A construção de memórias com alto valor
emocional depende especialmente de circuitos límbicos envolvendo
a amígdala. Toda a circuitaria do lobo temporal medial que se
ocupa da codificação e consolidação da memória (estágio prévio
para a estocagem definitiva) tem íntimas e recíprocas conexões
com as estruturas do sistema límbico. Considerando-se que uma
informação será tanto mais bem lembrada quanto mais sólidos
forem os mecanismos iniciais de codificação e consolidação, a
relevância dos aspectos motivacionais no aprendizado e retenção
do conhecimento tornam-se evidentes.
O domínio desse conhecimento tem importantes implicações
para a atividade clínica. O fonoaudiólogo às voltas com o ensino da
produção oral da linguagem deve levar em conta as características
desse tipo de codificação (rotinas, encadeamento de engramas
articulatórios) e proporcionar condições que favoreçam sua me-
morização. Do mesmo modo, o ensino de aspectos semânticos
será beneficiado com o reconhecimento e prática em condições
favorecedoras para sua apropriação (atividades que favoreçam o
tratamento de relações, abstrações, entre outras). Se a aquisição

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de habilidades ocorre em bases específicas de codificação, sabe-


se que o refinamento e o aperfeiçoamento dessas habilidades
ocorre no sentido de otimização do desempenho. A economia de
utilização de recursos é alterada em situações de lesão.

A LESÃO NEURONAL E SUA REPERCUSSÃO CLÍNICA

Vamos considerar inicialmente os fenômenos que ocorrem no


nível estrutural, do ponto de vista microscópico. De modo resumido,
após uma lesão axonal, ocorre uma interrupção no transporte de
substâncias sintetizadas no corpo do neurônio para os terminais
axônicos (fluxo axoplasmático), levando a uma degeneração distal
por privação das substâncias necessárias ao metabolismo desta
porção celular. Como este fluxo também se realiza em direção
retrógrada, o mesmo fenômeno ocorre em relação à porção
proximal do neurônio, podendo resultar em morte do corpo celular.
Além disso, existe em condições normais uma troca de substâncias
nutricionais entre um neurônio e seus vizinhos, através das sinapses.
A lesão de um determinado neurônio levará então a uma perda
desta troca, resultando em lesões degenerativas dos neurônios
ao seu redor, e desta forma a lesão se amplia em rede. Isto
explica o fato de que uma lesão numa determinada área cerebral
freqüentemente leva a disfunção em regiões a distância, porém
interconectadas. Finalmente, ocorre uma reação de proliferação de
astrócitos (células de sustentação do tecido nervoso) e micróglia
(células que agem realizando a fagocitose ou “limpeza” dos restos
celulares), formando-se ao final deste processo uma cicatriz fibrosa,
que vem a constituir uma barreira adicional à reconstituição das
conexões neuronais.
No entanto, como já exposto anteriormente, existe um
potencial de regeneração mesmo em células altamente especiali-
zadas como os neurônios. Dependendo do tipo de lesão, o segmento

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proximal (próximo ao corpo celular neuronal) de um axônio pode se


regenerar e reconectar aos seus locais antigos de sinapse, desde
que não tenha havido morte do corpo celular. Vários experimentos
com animais e células em cultura têm demonstrado a capacidade
de “brotamento” de novas terminações pré e pós-sinápticas, bem
como reorganização das redes sinápticas já existentes (Wang,
1991; Heidemann, 1996, Ramirez, 1997).
Muitas substâncias neurotrópicas têm sido descritas,
constituindo-se de peptídeos e proteínas necessárias ao desen-
volvimento e sobrevivência dos neurônios normais. Atualmente
uma grande ênfase tem sido dada a estas substâncias como
potenciais promovedores de regeneração das células nervosas.
Entre elas, destacam-se o “brain-derived neurotrophic factor”
(BDNF), implicado na aceleração do crescimento de células nigrais
mesencefálicas fetais em cultura, o fator de crescimento neuronal
(“nerve growth factor” ou NGF), estudado como possível fator de
melhora em casos de neuropatia diabética, e o “insulin growth
factor-1” (IGF-1), em estudo para o tratamento da esclerose lateral
amiotrófica (Lindholm, 1997; Goldman, 1997).
O último tabu científico a ser quebrado com respeito à
possibilidade de regeneração do sistema nervoso diz respeito à
possibilidade de geração de novas células, ou, em outras palavras,
de multiplicação celular. Um conceito clássico da fisiologia celular
é o de que a especialização celular é inversamente proporcional
à capacidade de reprodução da célula, portanto quanto mais
diferenciada e especializada é uma célula em sua função, menor
a sua capacidade de multiplicação. O neurônio é a célula mais
altamente sofisticada e especializada dos organismos vivos, o que
levava a uma crença de que seu potencial de reprodução era nulo,
uma vez tendo atingido seu estágio de diferenciação total. Porém,
experimentos recentes têm mudado rapidamente este conceito,
uma vez que já foram observadas células nervosas de mamíferos
que retêm sua capacidade de gerar novas células. Em humanos,
células progenitoras da zona subventricular do lobo temporal

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podem ser cultivadas in vitro e induzidas a produzir novos neurônios


e células gliais (Muller, 1997; Ramirez, 1997; Goldman, 1997).
Resta, no entanto, discutir como a recuperação do sistema
nervoso se manifesta do ponto de vista clínico. A compreensão
dos fenômenos subjacentes à regeneração em nível celular é de
suma importância na tentativa de se desenvolver modalidades
terapêuticas eficazes, mas a maioria das descobertas experimentais
ainda não apresenta uma aplicação clínica bem definida.
Na prática clínica, podemos lidar apenas com evidências
indiretas de que esteja ocorrendo algum grau de recuperação
estrutural, através da observação da recuperação funcional do
indivíduo que sofre uma lesão. Assim, tentamos inferir os processos
que provavelmente estão acontecendo, com base no conhecimento
da fisiologia. Os métodos existentes para estudo clínico do sistema
nervoso são ainda bastante grosseiros, não permitindo uma
individualização adequada de pequenas áreas cerebrais, tanto
em termos de neuroimagem como os estudos neurofiosiológicos,
como eletroneuromiografia, potenciais evocados cerebrais, etc.
Some-se a isso o nosso relativo desconhecimento sobre a fisiologia
das funções corticais e teremos um panorama da dificuldade em
se avaliar os “comos” e “porquês” e “como podemos ajudar?”
referentes ao processo de restauração de uma função perdida ou
prejudicada, para nós clínicos traduzido na palavra “prognóstico”
do paciente.
Descreveremos algumas situações clínicas que exemplificam
o processo recuperação, pelo menos parcial, de uma função. Os
mecanismos básicos envolvidos na recuperação funcional podem
ser englobados, com variações para cada função considerada, em
tipos principais: restauração e substituição. Para Blomert (1998),
estes termos são centrais tanto para as teorias neurobiológicas
como para as cognitivas.

a) Reativação: existe algum grau de melhora após a lesão,


pela resolução de todo processo inflamatório associado. É um

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processo rápido, sendo evidenciado em alguns dias. Aplica-se


a lesões pequenas, mas não a lesões extensas e talvez esteja
restrita aos tecidos adjacentes. Existe a expectativa de que o
comportamento original seja totalmente recuperado. A recuperação
através da reativação talvez seja mais bem justificada pela
redundância de neurônios num sistema do cérebro (Lesser, 1993).
Quanto à evolução qualitativamente diferenciada de sintomas num
período de tempo, não dispomos de explicações convincentes.
Ainda predomina o desconhecimento quando se trata de explicar
os mecanismos subjacentes à recuperação de um quadro afásico
(Cappa, 1998). A reativação direta pode ser obtida por tratamento
farmacológico para certos tipos de afasia (transcorticais motoras);
investigações sugerem que a bromocriptina auxilia o início da
fala através da atuação em mecanismos subcorticais (Albert,
1988). No caso da lesão de áreas que participam da atividade
lingüística, considera-se que a reativação é a via mais plausível de
recuperação de aspectos léxico-semânticos, ou seja, compreensão
do vocabulário, pois essa representação está largamente distribuída
no cérebro. Existe reserva suficiente de tecido neural para prover
as bases da recuperação original desta função. Parece ocorrer
precocemente e bem, em pacientes que não têm lesões bilaterais
extensas.

b) Reorganização funcional: é o deslocamento de funções


para áreas adjacentes ou homotópicas no hemisfério cerebral
contralateral. Lesser (1993) reconhece que neste processo a
função deva ser realizada através de áreas que anteriormente não
estavam ativamente envolvidas, talvez porque estivessem inibidas
por neurônios que, depois da lesão, foram excluídos da atividade.
Nos adultos, a função recuperada pode não ser totalmente idêntica
à que foi perdida. Na reorganização de afásicos adultos destros,
com alterações da sintaxe (como no agramatismo), outras áreas
do próprio hemisfério esquerdo podem participar da recuperação. A
reabilitação compreende programas que usam treinos sintáticos para

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pacientes com restrições crônicas de sintaxe (Healm-Estabrooks,


1981). Partem do pressuposto de que o substrato neural para a
produção sintática está no hemisfério esquerdo (já que o mesmo se
ocupa de atividades seqüenciadas temporalmente).

c) Compensação: aperfeiçoamento ou substituição de


uma função por outra não afetada, com intuito compensatório.
Por exemplo, a recuperação que conta com a participação do
hemisfério direito para compensação de lesões de hemisfério
esquerdo em indivíduos destros. O caso extremo é o de crianças
que parecem ser capazes de compensar a perda da linguagem
mesmo quando o hemicórtex esquerdo foi removido. Nestes
casos, a função recuperada não é idêntica à original, embora
o nível de recuperação seja bastante satisfatório. Estratégias
espontâneas de compensação funcional podem ser identificadas
entre as adaptações feitas por pacientes com alterações do tipo
agramatismo. Estes pacientes tendem a utilizar elementos de
preenchimento de turno, estereótipos verbais, repetição de palavras
para substituir ou intensificar advérbios.

d) Substituição: baseia-se numa expectativa menos otimista


de que o cérebro não vai adquirir a função nem pela ativação nem
pela reorganização, mas existem meios alternativos que podem ser
buscados para alcançar o objetivo. No caso da comunicação, é
possível a utilização de estruturas cerebrais intactas, que servem
também a outros propósitos. Um dos exemplos mais marcantes
é a utilização de leitura de posições da boca e face no caso de
surdez central. Na substituição por próteses temos a utilização
de computadores, nas propostas conhecidas como Comunicação
Alternativa (Ducarne de Ribacourt, 1997; Garrett e Yorkston,
1997).

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CONCLUSÃO

O cérebro humano desenvolve habilidades e se especializa


ao longo da vida, não só na infância e adolescência, mas também
na velhice em condições normais e patológicas (Hiscock, 1998).
Este é o maior argumento para a apresentação de propostas
terapêuticas. O sucesso da terapia depende da reorganização
possível da estrutura lesada e da solicitação de realização da
função no meio ambiente. Somente o reconhecimento da natureza
da demanda cognitiva determinará, por exemplo, a duração das
sessões terapêuticas, a prática global ou analítica, a prática mental,
a ênfase no ritmo e na precisão do treino, instruções dirigidas ou
“soluções de problemas”, tipos de pistas, independência e a
eleição dos métodos para reorganização de representações e uso
do conhecimento.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

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CAPÍTULO X

ALTERAÇÕES DA COMUNICAÇÃO NAS LESÕES


DE HEMISFÉRIO DIREITO

Na Afasiologia, a linguagem foi enfaticamente estudada em


seus aspectos sintáticos (estrutura gramatical), lexicais (significado
das palavras) e morfológicos, sendo de longa data conhecido o
papel do hemisfério cerebral dominante (hemisfério esquerdo
na maior parte dos indivíduos) nestes processos. No entanto,
há outros componentes, relacionados a aspectos pragmáticos,
que são essenciais para que se realize a comunicação efetiva.
Consideraremos neste capítulo as repercussões das lesões de
hemisfério direito (HD), não dominante para a linguagem na
maior parte da população, na comunicação. Uma das primeiras
controvérsias neste tema é se o conjunto de sintomas produzidos
pelas lesões de HD deve ser chamado de afasia. Considerando-se
a definição de afasia enquanto alteração da linguagem adquirida
e secundária a lesão cerebral, há autores que defendem o seu
uso para lesões em ambos os hemisférios. No entanto, esta não
é a prática usual na literatura especializada, em que as alterações
secundárias a lesões são denominadas de forma mais genérica,
como “alterações da comunicação verbal”, em parte pela própria
dificuldade em se determinar de forma precisa qual o distúrbio
subjacente aos sintomas observados. O estudo da narrativa e dos
aspectos pragmáticos da linguagem é relativamente recente em

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

comparação às descrições das afasias, datando da década de 70


(Patry, 1990).
Para se compreender os efeitos da lesão de HD na comu-
nicação, é importante ter em mente duas funções para as quais
este hemisfério apresenta alta especialização: a atenção e
habilidades visuo-espaciais. É possível que muitas das alterações
que os lesados de HD apresentam sejam decorrentes dos impactos
do prejuízo destas duas funções cognitivas sobre a linguagem
(Glosser e Goodglass, 1990). De fato, os estudos sobre os efeitos
da lesão de HD em algumas funções lingüísticas (discriminação
auditiva, nomeação, fluência verbal, compreensão, etc.) são
contraditórios em diversos estudos, e, o que é mais importante,
parecem apontar para um resultado negativo quando as tarefas são
manipuladas de forma que minimizem a interferência de déficits
de atenção (negligência) e espaciais. Por exemplo, indivíduos com
dificuldades no reconhecimento de formas podem ter um baixo
desempenho no Teste Token (DeRenzi e Vignolo, 1962), ou aqueles
com negligência podem apresentar prejuízo da leitura, sem que
isto reflita um distúrbio lingüístico primário. Por outro lado, estudos
com ressonância magnética funcional dão suporte à idéia da inter-
relação entre funções lingüísticas e espaciais na compreensão de
sentenças (Carpenter, 1999).
Na prática clínica, o mais habitual é que o paciente com lesão
de HD não se dê conta de que suas habilidades de comunicação
encontram-se comprometidas. Muitas destas alterações podem até
ser confundidas com problemas de comportamento (inadequação
social, indiferença) ou, então, os familiares podem se queixar de que
o paciente “fala” em “quantidade normal”, mas sua comunicação
não é efetiva. O desempenho destes indivíduos encontra-se
particularmente comprometido no que diz respeito à decodificação
das intenções, significados implícitos e caráter emocional do
discurso. Gestos, linguagem corporal, expressão facial, prosódia,
relações entre personagens e papéis dos interlocutores, nuances

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

de humor e ironia e apreensão do tema central de uma conversa ou


narrativa são aspectos da comunicação em que os lesados de HD
encontram maior dificuldade.

Aspectos léxico-semânticos

Os pacientes com lesão em HD podem apresentar dificul-


dades para completar frases, dar a definição de uma palavra ou
realizar associações palavra-imagem (Joanette, 1993). Manifestam
também dificuldade em lidar com relações de antonímia (Gardner,
1978), embora não de sinonímia (Goulet, 1988) e em gerar listas
de categorias semânticas incomuns (por exemplo, objetos que
são usados em uma pescaria) (Hough, 1994). Os fatores que
determinam a natureza destes distúrbios ainda não se encontram
plenamente esclarecidos, podendo englobar os já citados distúr-
bios visuo-espaciais, atencionais ou presença concomitante de
síndrome frontal (déficit na flexibilidade mental) (Joanette, 1993).
Estudos mais recentes têm especulado que a função do HD no
processamento léxico-semântico é subestimada. A avaliação do
desempenho de indivíduos normais e lesados em tarefas de decisão
lexical através de métodos funcionais (PET, ressonância magnética
funcional), aponta para uma distribuição maior do que a antes
imaginada para estas funções entre os dois hemisférios, sendo que
a maior ou menor ativação de um hemisfério específico estará em
grande parte condicionada ao tipo de palavra-estímulo, por exemplo,
em termos de imageabilidade (processamento de palavras abstratas
provoca maior ativação do HD) ou de quais outras tarefas cognitivas
estão sendo solicitadas concomitantemente (efeito de “saturação”
de um hemisfério) (Kiehl, 1999; Querné, 2000). A classe gramatical
também parece influenciar a maior ou menor participação de cada
hemisfério, sendo que verbos parecem ser menos eficientemente
processados pelo HD (Nieto, 1999; Sereno, 2000).

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Aspectos textuais e pragmáticos

A lesão em HD interfere com a habilidade de organizar uma


narrativa (Joanette, 1986), contar uma história ou uma piada,
escrever uma carta. Há um prejuízo também na apreciação de
histórias narradas ou compreensão de piadas, bem como de
fornecer a síntese ou moral de uma história a partir das informações
implícitas ou explícitas contidas no texto. Estes indivíduos são
especialmente deficitários em lidar com textos cuja compreensão
envolva fortemente o contexto, tais como humor, sarcasmo ou
ironia. Tal dificuldade pode ser devida em parte a outra inabilidade
muito freqüente nestes pacientes, que é a dificuldade de rejeitar
informações incongruentes ou pouco plausíveis, mais do que um
déficit de tratamento do próprio material irônico ou humorístico em
si (Gardner, 1983).
Uma das teorias que tentam explicar a função do HD na
comunicação verbal é a capacidade de executar inferências (Myers,
1994). Uma inferência é uma hipótese ou crença formulada a
partir de informações sensoriais. Inferir pressupõe a capacidade de
perceber pistas (atenção), selecionar as mais relevantes, integrar
estes dados entre si e com a experiência prévia (conhecimento de
mundo). Mais ainda, pressupõe a habilidade de rever as hipóteses,
reformulá-las em face de novas informações contextuais oferecidas
e gerar significados alternativos quando o óbvio não é satisfatório.
Desta forma, cria-se um significado que está além do mero
reconhecimento literal ou referencial da informação (significado
implícito). Parece também ser função do HD a capacidade de
detectar conteúdos absurdos e reintegrá-los à informação prévia
(base do entendimento do humor e da ironia).
A lesão de HD provoca uma incapacidade na produção do
conteúdo informativo. O paciente usualmente parece apresentar
um discurso com muitas digressões, recheado de detalhes pouco
integrados num contexto e, muitas vezes, irrelevantes para fornecer
a idéia pretendida ou solicitada, tangencialidade, e até mesmo

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

confabulação (Sherrat, 1990; Roman, 1987; Tompkins, 1985), esta


última especialmente nas lesões mais anteriores. A confabulação
pode estar presente especialmente em situações onde, diante de
narrativas com finais surpreendentes ou sem sentido (por exemplo,
piadas), o indivíduo tenta “dar um sentido” mais convencional à
história. Não há um prejuízo na quantidade de material produzido
(em número de palavras), mas na qualidade da informação que
é transmitida. A inabilidade com inferências parece até mesmo
interferir com a capacidade do indivíduo de julgar o que está sendo
“pretendido” pelo interlocutor durante uma conversa.
A elaboração da macroestrutura do discurso é tarefa difí-
cil para pacientes com lesão em HD. Considerar o significado
das sentenças, descartar as informações irrelevantes, integrar o
significado apreendido dentro de um todo coerente, gerando uma
narrativa organizada são habilidades prejudicadas nestes indivíduos.
Ao contrário, apresentam uma tendência de se ater a listas de
elementos individuais ou pouco importantes, não realizando uma
conexão entre estes elementos para formar um todo (Brownell, 1988;
Joanette, 1986). Por exemplo, na conhecida prancha do “Roubo dos
Biscoitos” do Teste Boston para o Diagnóstico da Afasia (Goodglass
e Kaplan, 1983), o indivíduo pode descrever exaustivamente o
cenário (uma mulher lavando louças, duas crianças, uma sobre
um banco, etc.) ou mesmo concentrar-se sobre detalhes do jardim,
número de pratos, e assim por diante, sem integrar estes dados
na composição de uma cena de “roubo”. Evidentemente, podemos
considerar que os já citados aspectos de atenção e habilidades
visuo-espaciais têm um papel subjacente neste comportamento. A
compreensão do discurso coerente, em estudos funcionais, provoca
maior ativação no lobo frontal D do que a leitura de sentenças não
relacionadas (Robertson, 2000; Kircher, 2001).
Estes pacientes têm dificuldade em compreender a linguagem
indireta (por exemplo: “Você poderia abrir a janela?” – pressupõe-
se não ser uma referência à competência de alguém para o ato,
mas um pedido) (Weylman, 1989), revelando uma inabilidade

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

em lidar com o sentido não literal do discurso (Stemmer, 1994).


São afetados também na sua compreensão de textos metafóricos,
optando em geral por atribuir-lhes um sentido literal. Outra
característica observada nestes pacientes é o comprometimento da
capacidade de trabalhar com o sentido conotativo ou metafórico
das palavras, aparentando uma maior atração e habilidade em
lidar com seu sentido literal. Tais alterações, entretanto, são mais
evidentes quando os indivíduos são submetidos a tarefas que
envolvam uma atuação voluntária e controlada, mais do que em
tarefas automáticas, podendo refletir um déficit predominante da
ativação proposicional da informação semântica, antes de um
comprometimento da representação semântica em si.
De uma maneira mais genérica, poderíamos conceituar este
déficit como prejuízo na geração de significados alternativos (Myers,
1981; Winner, 1977), o qual pode estar presente já na interpretação
de palavras isoladas, onde o sentido denotativo terá prioridade sobre
o conotativo. A interpretação literal, estatisticamente mais provável
(possivelmente uma atribuição do hemisfério esquerdo), será mais
facilmente acessada, com prejuízo dos sentidos alternativos e
menos prováveis (Faust, 1998; Coney, 2000). Isto torna difícil a
compreensão de metáforas, expressões idiomáticas, provérbios,
pedidos indiretos e piadas. A lesão de HD provoca uma dificuldade
de re-interpretação e revisão do significado, a qual exige acesso
ao conhecimento e experiência prévios, com posterior integração
da nova informação recebida a este conhecimento (Myers, 1994;
Hagoort, 1996; Kiefer, 1998). Tal déficit interfere de forma importante
com o entendimento de situações de humor, em que os elementos
surpresa e incongruência requerem uma revisão das expectativas
originais quanto ao desenrolar da narrativa e a necessidade de
buscar uma nova forma de coerência com base na experiência prévia.
A percepção de uma tirada sarcástica ou irônica e o reconhecimento
de uma mentira ou brincadeira também exigem o mesmo processo
de retomada e readaptação. Ainda aqui pode estar subjacente
um déficit de rejeição das informações incongruentes ou pouco

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

plausíveis. As evidências em favor da habilidade do HD em gerar


significados alternativos têm importantes implicações também no
estudo das habilidades de raciocínio e pensamento, pois parecem
apontar para um papel de destaque deste hemisfério no pensamento
criativo e solução de problemas (Goel, 2000; Seger, 2000).

DIFICULDADES NA COMPREENSÃO E EXPRESSÃO DA EMOÇÃO

Aspectos prosódicos

O processamento do componente afetivo do discurso (pro-


sódia e linguagem gestual) é em grande parte uma atribuição do
HD. Pacientes com lesão no HD apresentam com grande freqüência
uma inabilidade cognitiva em reconhecer e classificar estímulos
afetivos, além de uma dificuldade de discriminação perceptual
das entonações afetivas do discurso, expressas em parte através
da prosódia, a variação da inflexão da voz, acento e melodia do
discurso que permitem uma atribuição de significado às palavras
e frases muito além de sua definição precisa pelo dicionário.
Modulações na prosódia (melodia, tom, altura e tempo) podem
interferir significativamente no resultado final de um discurso.
O termo prosódia lingüística refere-se à utilização de varia-
ções da entonação para realizar o acento lexical, enfático e de
modalidade (por exemplo, interrogação vs. afirmação); a prosódia
emocional, por outro lado, refere-se à expressão do estado emocional
do indivíduo. Esta é a que se encontra mais comprometida nos
pacientes com lesão em HD (Weintraub, 1981; Heilman, 1984). Tal
acometimento ocorre tanto na percepção do componente afetivo
da fala (em tarefas que envolvam a apresentação auditiva ou visual
das palavras com conteúdo emocional), quanto na capacidade de
expressar o conteúdo emocional do discurso, resultando numa fala
monótona, aprosódica.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Ross, em 1981, propôs uma classificação das alterações da


prosódia obedecendo aos mesmos critérios taxonômicos utiliza-
dos para a classificação das afasias. No entanto, tal classificação
apresenta alguns problemas, entre eles a dificuldade metodológicas
concernentes à avaliação da prosódia emocional, e a própria impre-
cisão dos critérios taxonômicos, do mesmo modo que ocorre nas
afasias.
O defeito neuropsicológico subjacente às alterações obser-
vadas ainda não está totalmente estabelecido. O distúrbio descrito
pode refletir um aspecto particular das várias modificações
no comportamento emocional que acompanham as lesões de
HD. Freqüentemente os lesados de HD apresentam prejuízo no
reconhecimento de expressões faciais, podendo concorrer para
isto tanto um distúrbio afetivo mais global (indiferença?), as já
descritas dificuldades perceptuais vísuo-espaciais (interpretação
da posição dos olhos, boca, sobrancelhas, etc. que compõem a
face alegre, triste e assim por diante) (Kosslyn, 1987) ou ainda o
déficit de atenção (Schlanger, 1976). No entanto, estes pacientes
apresentam prejuízo não apenas no componente afetivo da
prosódia, mas também no componente lingüístico, e indivíduos
com lesão em hemisfério esquerdo também mostram desempenho
abaixo do normal em tarefas que envolvam aspectos prosódicos do
discurso.
No entanto, nenhum dos déficits aqui descritos foi com-
provado de modo satisfatório como específico das lesões de
hemisfério não dominante, havendo sobreposição de sintomas
em alguns pacientes que apresentam lesão apenas no hemisfério
esquerdo. É possível que nas lesões de hemisfério esquerdo,
a afasia decorrente impeça a detecção de desordens de outra
natureza. A maior dificuldade metodológica para que se identifiquem
com precisão as funções do HD está na complexidade das tarefas
exigidas. Tome-se como exemplo uma tarefa que pretende testar
habilidades de compreensão da prosódia emocional: neste caso,
é necessário que a informação lingüística oferecida ao paciente

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

seja dissociada da apresentação prosódica (do contrário, o mes-


mo pode resolver a tarefa apenas com a informação lingüística
executada pelo hemisfério esquerdo) e isto exige do paciente o
processamento de uma dupla tarefa, o que pode sobrecarregar um
sistema atencional e executivo já deficiente.
Finalizando as considerações aqui expostas, devemos citar
o papel do HD como provável fonte dos automatismos lingüísticos
residuais nos indivíduos com afasia global. É bastante plausível
também que funções controladas por este hemisfério sirvam como
suporte no processo de recuperação de pacientes com afasia grave
após destruição das áreas da linguagem no hemisfério esquerdo.
Devemos também lembrar que lesões de HD podem provocar afasia
em indivíduos destros, uma condição rara denominada “afasia
cruzada”.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

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CAPÍTULO XI

ALTERAÇÕES DE LINGUAGEM NOS


TRAUMATISMOS CRANIOENCEFÁLICOS

Dentre as seqüelas cognitivas resultantes do traumatismo


cranioencefálico (TCE), afasia não é considerada um sintoma
freqüente, embora não haja estatísticas brasileiras referentes
a este dado. Sua incidência é estimada entre dois e 30% em
adultos (Arseni, 1970; Heilman, 1971; Sarno, 1988), sendo
mais prevalente a afasia anômica. No entanto, um complexo de
alterações cognitivas e comportamentais pode ocorrer após o
TCE, e alterações da comunicação verbal estão inseridas neste
contexto. Classicamente, temos que as alterações de memória e de
comportamento (desordens de ansiedade, depressão, transtornos
de personalidade) estão entre as seqüelas mais habitualmente
referidas.
Nos casos de lesões focais (por exemplo, hematomas sub-
durais e intraparenquimatosos e contusões intraparenquimatosas),
a ocorrência de afasia vai estar condicionada ao local da lesão,
podendo ser relativamente mais freqüente entre as contusões,
já que nestas o local predominam as lesões fronto-mediais e
temporais (pois o mecanismo de aceleração-desaceleração do
crânio favorece o choque destas regiões contra a caixa óssea).
Nas lesões difusas (lesão axonal difusa e swelling), afasia não
será um achado freqüente, mas alterações de comunicação

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

poderão ocorrer em função das múltiplas lesões distribuídas pelo


cérebro, ou secundariamente aos transtornos de memória, atenção
e funções executivas. A importância deste tema deve-se ao fato
de que a população mais acometida pelo TCE é jovem, em idade
produtiva, e em geral saudável; os distúrbios da comunicação são
um fator adicional à dificuldade de reintegração destes indivíduos
no ambiente social e profissional pré-mórbido.
Quando submetidos a testes formais, muitos destes pacien-
tes apresentam alterações na nomeação por confrontação, fluência
verbal e discriminação auditiva (como no Teste Token) (Levin,
1976; Sarno, 1988). Nem sempre estes achados se traduzem em
queixas do paciente ou da família, podendo ser encarados como
“subclínicos”. De fato, na prática clínica, o mais comum é que as
queixas se restrinjam a uma certa “ineficácia da comunicação”; o
paciente é muitas vezes descrito pelos familiares como confuso, “não
conversa direito”, “está com a cabeça ruim” ou pouco comunicativo.
Pela heterogeneidade dos mecanismos de lesão no TCE,
bem como pelo seu caráter muitas vezes difuso e multifocal, a
diversidade de achados clínicos é grande. Na literatura há uma
grande variedade de descrições das alterações de comunicação
pós-TCE, e muitas são conflitantes. Há escassez de estudos com
grandes casuísticas de lesões semelhantes, o que dificulta a
possibilidade de se extrair conclusões que sejam aplicáveis de
forma mais genérica.
Em geral, existem três variedades principais de alterações da
comunicação que podem ser encontradas:

• pacientes que falam bastante, porém apresentando


grande quantidade de informação irrelevante e tangencial,
mudando de tópico para tópico de forma desordenada
(Snow, 1998; Hartley, 1992).
• pacientes que falam pouco, tanto em quantidade quanto
em variedade de informação, com pausas longas e res-
postas incompletas (Chapman, 1992; Thomsen, 1975).

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

• pacientes cujo discurso é confuso e desorganizado,


muitas vezes com caráter confabulatório (Hartley, 1992).

Do ponto de vista lingüístico podemos considerar estas


alterações de linguagem ocorrendo principalmente em um dos três
níveis:

A) Discursivo: Em estudos utilizando como tarefas o discurso


narrativo e de procedimento, foi observado que pacientes pós-TCE
em geral usam menos palavras significativas, suas unidades de
informação são mais curtas, produzem menos informações por
minuto e usam menos proposições ambíguas. Além disso, falam
mais lentamente, o que muitas vezes pode ser devido à disartria
associada, ou eventualmente às dificuldades já descritas em
testes de fluência verbal e nomeação (Hartley, 1991). A análise de
coerência do discurso mostra que estes indivíduos usam menos
palavras de coesão, ou o fazem de forma diferente dos controles,
realizam menos interpretações. Seu pior desempenho se dá na
formulação de estórias (quando comparada à simples recontagem),
onde têm uma tendência maior de produzir episódios incompletos.
No discurso de procedimento, observa-se que estes pacientes
tendem a dar poucos detalhes (muitas vezes omitindo informações
essenciais), são repetitivos, invertem prioridades, cometem erros
de seqüência e fornecem uma grande quantidade de informação
irrelevante (Liles, 1989; Hartley, 1991; McDonald, 1993; Coelho,
1995; Turkstra, 1995).

B) Pragmático: A realização de inferências também se


encontra prejudicada, sendo que o desempenho de indivíduos pós-
TCE é inferior ao de normais em tarefas que exijam a compreensão
de significados alternativos, pedidos indiretos e expressões irônicas
ou sarcásticas (McDonald, 1992, McDonald e van Sommers, 1993;
Pearce, 1995). De forma similar, têm maior dificuldade em formular
atos de fala indiretos e pedidos complexos (envolvendo algum

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

grau de argumentação para “convencer” o interlocutor) (McDonald,


1993).

C) Conversação: Muitos pacientes pós-TCE apresentam


importantes dificuldades na conversação, o que constitui o
aspecto mais disfuncional no complexo de alterações que podem
apresentar. Várias descrições clínicas relatam prejuízo na iniciativa
e manutenção de tópicos, às vezes com mudanças de tópico
para tópico feitas de forma incoerente e sem sinalização de que
esta será realizada. Em discussões de problemas, apresentam
respostas inábeis, referencial egocêntrico e provocam altas taxas de
comportamento facilitador no interlocutor. Também produzem menos
informações novas e são deficientes em envolver o interlocutor na
conversa através de perguntas ou reforçadores verbais (Ehrlich,
1989; Spence, 1993; Flanagan, 1995; Godfrey, 1991).

Mais recentemente tem havido uma tentativa de se organizar


o conhecimento a respeito do comportamento de indivíduos com
alterações de linguagem pós-TCE, buscando modelos cognitivos que
possam justificar a variedade de apresentações clínicas encontradas.
É muito fácil perceber, por exemplo, a similaridade entre o quadro
apresentado por estes pacientes e aqueles com lesão de hemisfério
direito ou indivíduos com lesão em lobos frontais. De fato, muitas
vezes estas regiões estão comprometidas, especialmente as regiões
fronto-mediais, como já citado. Devemos lembrar que as alterações
de atenção e memória, associadas a lentidão no processamento de
informações (altamente prevalentes em indivíduos com TCE) podem
ser fatores que contribuem para o estabelecimento das deficiências
descritas, embora aparentemente as alterações de memória
episódica interfiram muito menos do que as de funções executivas
e memória operacional (Alexander, 1989, Hartley, 1991; McDonald,
1993; Coelho, 1995). A alteração da atenção leva a um prejuízo da
compreensão e da capacidade de manter um fluxo organizado de
conversação; a lentidão no processamento de informações também

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

compromete a compreensão (mesmo com vocabulário adequado)


em função da taxa, quantidade e complexidade da linguagem a
ser processada; alterações de memória (codificação, estocagem
ou recuperação) podem ter seus correlatos em tarefas verbais
(Ylvisaker, 1985).
O quadro abaixo tenta correlacionar os diversos déficits
cognitivos e comportamentais encontrados na síndrome frontal
com algumas das alterações presentes em pacientes pós-TCE. Esta
tentativa é baseada na comparação entre desempenho lingüístico
e testes neuropsicológicos, representando um exercício teórico,
que necessita de comprovação empírica com maior número de
sujeitos.

REPERCUSSÃO NA HABILIDADE DE
ALTERAÇÃO FRONTAL
COMUNICAÇÃO

pensamento concreto e dificuldade de


redução das inferências
abstração
deficiência de planejamento e da dificuldade com a macroestrutura do
monitorização do comportamento discurso
perseveração discurso com episódios incompletos
discurso tangencial e desorganizado
desinibição dificuldade com pedidos indiretos
(“descolar-se” da intenção real)
apatia, inércia discurso repetitivo
deficiência de coesão e da realização de
prejuízo da memória operacional
inferências
dificuldade na compreensão de
prejuízo na formação de conceitos inferências, pedidos indiretos e
sarcasmo
Quadro 1 – Correlação entre as alterações frontais e desordens da comunicação

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CAPÍTULO XII

ALTERAÇÕES DE LINGUAGEM NAS


DEMÊNCIAS

Conceitua-se como demência a deterioração crônica e


progressiva das funções intelectuais e do comportamento que
ocasionem prejuízo das atividades rotineiras do indivíduo (na
ausência de alterações motoras, sensoriais ou do alerta que possam
justificar essa perda), secundária a lesão cerebral (Mesulam, 2000).
Neste conceito não estão incluídos os casos de retardo ou não
aquisição de habilidades cognitivas. Pelos critérios do Diagnostic
and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM – IV), a síndrome
demencial é caracterizada pela alteração de memória associada a
declínio de qualquer outra função cognitiva. As causas de demência
são variadas e incluem doenças degenerativas primárias do SNC,
doenças vasculares, distúrbios metabólicos (como hipotireodismo),
alcoolismo, doenças infecciosas (como neurolues), neoplasia
de SNC e TCE. Do ponto de vista epidemiológico, os quadros
demenciais ocorrem principalmente em idosos.
Entre as doenças degenerativas primárias de SNC destacam-
se a doença de Alzheimer (DA) e a demência fronto-temporal (DFT)
como exemplos de demências corticais, ou seja, onde a degeneração
privilegia neurônios do córtex cerebral. Na DFT, o comprometimento
do comportamento do indivíduo é precoce (síndrome frontal).
A doença de Parkinson, doença de Huntington e Paralisia

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Supranuclear Progressiva (PSP) são exemplos das chamadas


demências subcorticais, em que ocorre acometimento importante
e precoce de estruturas subcorticais como núcleos da base, tálamo
e substância branca. Nestas, em geral, o acometimento motor
(disartria, hipofonia) é mais evidente. As demências vasculares
são secundárias a lesões vasculares (AVC) múltiplas, e seu quadro
clínico varia de acordo com as combinações dos locais de lesão;
também aqui as alterações motoras, incluindo apraxias, são muito
freqüentes. Depressão também é um diagnóstico que deve ser
lembrado em idosos com declínio cognitivo, especialmente quando
a investigação através de exames subsidiários não revela nenhuma
causa que possa justificá-lo.
Pela sua maior prevalência e aumento relativo de incidência
em função do progressivo envelhecimento da população, especi-
almente nos países desenvolvidos, a DA é relativamente mais
estudada, em comparação com outras etiologias de demência. Por
este motivo, destacaremos as alterações de linguagem descritas na
DA (Caramelli, Mansur e Nitrini, 1998).

COMPREENSÃO

Com relação à compreensão, parece haver consenso na


literatura quanto ao fato de que a performance é estreitamente
dependente da complexidade da tarefa. Muitas avaliações de
compreensão de linguagem envolvem solicitações complexas
de realização da resposta (dificuldades pós-interpretativas). No
entanto, algumas controvérsias ainda persistem. Com relação
ao processamento de sentenças, Kempler (1995) constata que
embora a maioria das descrições de alterações de linguagem nas
DA admita que as habilidades sintáticas permanecem intactas,
poucas investigações foram realizadas sobre o tema. A idéia de
que sintaxe é resistente à degeneração apóia-se principalmente

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

no fato de os pacientes realizarem correções sintáticas ignorando


erros semânticos em frases. No que diz respeito à compreensão,
desde a década de 70 os estudos constatam alterações (Schwartz
et al., 1979). O fato de os estudos constatarem sua habilidade
para corrigir sentenças do ponto de vista sintático corrobora o fato
de que eles têm possibilidades de utilizar dados do sistema de
memória implícito, pois a correção apóia-se em regras. As principais
dificuldades descritas são:

• sentenças complexas, envolvendo inferências, compara-


ções e relações causais (Appel et al., 1982; Cummings et
al., 1985)
• processamento de “mapping atípicos” (mapeamentos a
partir da sintaxe, quando não expressos) relacionados
com a apreciação de restrições semânticas associadas
ao verbo da sentença (Grossman, 1998). É o caso em
que o simples exame do sujeito e do objeto não permite
inferir quem praticou e quem recebeu a ação (por
exemplo, verbo jurar: “Maria jura que sua mãe ...” Quem
jura? Maria ou a mãe?).

Por outro lado são capazes de realizar julgamento de


anomalias sintáticas, por exemplo, falta de concordância entre
sujeito e predicado (Grossman et al., 1996).

PRODUÇÃO ORAL

Níveis fonético-fonológico e sintático

A maioria dos pacientes não apresenta dificuldades no


aspecto fonético-fonológico da produção até estágios muito avan-
çados (Bayles et al. 1993), porém existe controvérsia quanto à

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

preservação da sintaxe. Kempler et al. (1987) estudaram a fluência


de indivíduos com DA e constataram que a complexidade estrutural
era bem menor nestes indivíduos em relação aos indivíduos-controle.
É possível que a sintaxe correta seja mero reflexo estereotipado,
limitado a contextos rotineiros, e situações de produção mais
voluntária poderiam evidenciar dificuldades (Patel e Satz,1994).

Nível lexical - processamento léxico-semântico:

A presença de dificuldades léxico-semânticas nos indivíduos


com demência é bem estabelecida, restando discussão a respeito
da natureza desses déficits. Duas hipóteses são defendidas na
literatura, a primeira considerando que ocorre deterioração na
“bagagem semântica”, ou seja, na representação conceitual
(Chertkow, 1990; Martin, 1983; Huff et al., 1986), e outra admitindo
apenas dificuldades de acesso ao estoque semântico (Nebes,
1988; Ryan, 1995). Existem alguns dados indicadores de que existe
conservação do estoque semântico (Ryan, 1995), como o fato de
que nas tarefas de nomeação por confrontação os pacientes com
DA freqüentemente podem emitir um nome relacionado ou um
circunlóquio; além disso, a compreensão das palavras é superior
à produção das mesmas palavras, indicando que o nome não
pode ser gerado ou recuperado voluntariamente; os pacientes com
DA podem se valer de pistas fonêmicas para auxiliar a recuperar
palavras e freqüentemente usam gestos para indicar a função de
um objeto que não pode ser nomeado. A tendência é de que se
aceite uma progressiva deterioração da informação semântica,
desencadeada a partir da perda de atributos periféricos ao
estímulo (processamento bottom-up). Esses atributos “periféricos”
referem-se ao tratamento semântico circunstancial. O desempenho
na nomeação em pacientes com DA está relacionado a variáveis
como freqüência, imageabilidade, categoria e razão entre atributos
funcionais e perceptuais.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Os erros mais freqüentemente cometidos por pacientes


com DA em provas de denominação são de categoria coordenada
(martelo – chave de fenda), supra-ordenação (cão – animal), uso de
termos associados (pão – manteiga), erros por similaridade visual
(cinto – cobra) ou respostas não relacionadas (gato – lâmpada).

Nível discursivo

Estudos baseados em esquemas para produção de narrativas


em pacientes em estágio leve de DA (Ska e Guenard, 1993)
mostraram que estes produziram menor número de componentes
textuais do que os sujeitos controle nas três situações, erraram
mais no relato de seqüência de eventos e produziram maior número
de proposições irrelevantes, mesmo quando dispunham do apoio
de imagens, situação em que se excluía a variável memória.
Em situação de diálogo, pacientes com DA têm dificuldade
para introduzir e mudar de tópicos de maneira coerente e ativa
(Garcia, 1991; Mentis et al., 1995), apresentam freqüência
maior de troca de turnos e menor número de enunciados, o que
significa pobreza de elaboração do tópico discursivo (Garcia, op.
cit.), e freqüentemente se referem ao insucesso das correções,
produzindo segmentos irrelevantes para a comunicação (Marcie et
al., 1994). Na produção de atos de fala, sujeitos com DA em grau
leve e moderado apresentaram as piores respostas em situações
complexas, enquanto atos que envolviam situações de alta
freqüência, como convenções sociais, permaneceram relativamente
preservados (Fromm e Holland, 1989).

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

PERFIL DA LINGUAGEM NOS DIFERENTES ESTÁGIOS DA


DOENÇA (Cardebat, 1991; Bayles, 1994)

A- Estágios iniciais (a comunicação já está comprometida):


• dificuldade para iniciar e acompanhar conversações em
situação complexa (em grupo, por exemplo);
• tendência à digressão e ser repetitivo;
• situações que envolvem o entendimento de humor,
sarcasmo, analogias verbais e atos de fala indiretos
trazem dificuldades;
• anomia, é dado marcante, tanto em situações estrutu-
radas quanto espontâneas, evidenciada pelo uso de
circunlóquios e raras parafasias;
• a expressão oral mostra-se reduzida, com omissão de
itens e uso de termos genéricos e imprecisos;
• aspectos fonológicos e sintáticos estão preservados;
• a compreensão da leitura e a escrita apresentam sinais
de comprometimento, bem como a geração espontânea
da escrita (apesar da integridade dos mecanismos de
produção da leitura e escrita);
• a compreensão auditiva está relativamente preservada,
exceto para novas informações e situações que
demandem abstração, assim como preservam-se a
repetição e a leitura em voz alta.

B - Estágio mais avançado:


• as habilidades semântico-pragmáticas estão gravemente
comprometidas;
• ferem os princípios conversacionais;
• têm dificuldades para inibir e corrigir os próprios erros;
• têm dificuldades compreender enunciados com sentido
não literal;

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

• apresentam repetições freqüentes;


• a estabilidade de habilidades fonéticas e fonológicas é
ainda evidente;
• no nível sintático, a produção de fala é fragmentada;
• automatismos são usados como estratégias compen-
satórias;
• anomia torna-se mais freqüente;
• ocorrem parafasias verbais e semânticas, ocasionalmente
concomitantes a não-palavras;
• há perda das habilidades para ler e escrever e para a
compreensão auditiva, especialmente para situações
complexas;
• a repetição e a leitura em voz alta estão relativamente
preservadas.

C - Estágio final:
• todas as funções lingüísticas estão comprometidas;
• há acentuada redução da expressão oral;
• ocorrem graves problemas de compreensão;
• persistem alguns automatismos e perseverações;
• em alguns pacientes a repetição é ainda possível.

Um tema ainda em debate na literatura diz respeito a quadros


em que o acometimento de linguagem é relativamente isolado e
antecipa-se à síndrome demencial por um espaço de vários anos.
Esta síndrome foi descrita por Mesulam em 1982, recebendo
o nome de Afasia Progressiva Primária (APP) e, para este autor,
engloba tanto os casos em que o maior prejuízo é na produção
(forma não-fluente), quanto aqueles em que a compreensão é
acometida, com menor prejuízo da produção (forma fluente).
No entanto, alguns autores consideram que pacientes em que o
déficit de compreensão é muito intenso desde o início da doença
devem ser considerados como pertencentes a outra entidade

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

clínica denominada demência semântica (Snowden, 1989, Hodges,


1992). O quadro 1 ilustra as características clínicas mais relevantes
da APP e demência semântica em comparação à DA.

AFASIA PROGRESSIVA DOENÇA DE


CARACTERÍSTICAS DEMÊNCIA SEMÂNTICA
PRIMÁRIA ALZHEIMER
Idade do início geralmente < 65 anos geralmente < 65 anos geralmente > 65 anos
Progressão geralmente rápida lenta variável
difícil, telegráfica,
fluente e correta longas pausas para
Linguagem
(gramática), mas vazia resgate lexical, fluente
espontânea
no conteúdo lexical erros fonológicos e
gramaticais
semânticas ao
Parafasias semânticas fonológicas início, fonológicas
posteriormente
Compreensão de
comprometida preservada inicialmente intacta
palavras isoladas
Compreensão da inicialmente
preservada comprometida
sintaxe preservada
normal para palavras
Repetição erros fonêmicos geralmente preservada
isoladas
gravemente
preservada para
Memória episódica preservada comprometida já ao
eventos recentes
início da doença
provavelmente
Função executiva preservada preservada
comprometida
Habilidades freqüentemente
vísuo-espaciais e preservadas preservadas comprometidas desde
perceptuais o início da doença
apropriado ao início
apropriado até estágios normal ao início /
Comportamento / síndrome frontal na
tardios alterado tardiamente
evolução
apraxia buco-facial +
Achados normal até os últimos
não encontrados sinais unilaterais em
neurológicos estágios
membros
atrofia temporal, maior atrofia perisylviana
Neuroimagem atrofia do hipocampo
à esquerda esquerda
Quadro 1 – Comparação dos dados de linguagem na Demência Semântica, Afasia Progressiva
Primária e Doença de Alzheimer

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

DEMÊNCIA VASCULAR (DV)

A demência vascular apresenta um quadro clínico mais


heterogêneo, em função da variedade de locais de lesão. No
entanto, de modo geral, podemos sintetizar as alterações de
linguagem mais típicas como: fluência verbal reduzida, problemas de
acesso lexical ou anomia semântica com inabilidade de identificar
o significado das palavras, preservações na fala, compreensão
alterada, repetição comprometida, leitura e escrita com déficits
sutis no reconhecimento de palavra e freqüente associação de
quadros motores (disartria, apraxia) (Cherrier et al., 1998; Bowler e
Hachinski, 1997).

ALTERAÇÕES MOTORAS NAS DEMÊNCIAS

Nas demências progressivas do tipo cortical não ocorrem


disartrias, ao menos nos estágios iniciais. Vários quadros motores
ocorrem nos estágios finais, se o paciente sobreviver por período
extenso. As demências subcorticais, em geral, estão associadas
com distúrbios do movimento e, nestas, as alterações motoras
não são rapidamente identificáveis nos padrões das classificações
usualmente aceitas: são mistas e alteram-se à medida que a
doença progride e maior número de estruturas está envolvido
(Campbell-Taylor, 1995).
A identificação da disartria tem valor de diagnóstico
diferencial. Os traços da fala podem ser tão importantes quanto
medidas de tônus muscular, força e alterações do movimento
levando a descrições sobre a natureza do processo da doença.
Darley (1975) descreveu os quadros de disartria associando-os de
acordo com traços distintivos, relacionados a patologias. Conhecem-
se as disartrias do Parkinson, da Esclerose Lateral Amiotrófica, etc.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Por outro lado, desconhecem-se as disartrias das demências, pelo


fato de estes quadros não serem puros.
No início do quadro demencial, se a voz ou a fala são anor-
mais, isto é, muito fracas, muito intensas, monótonas, levemente
indistintas, o paciente deve ser examinado por um otorrinola-
ringologista, audiologista ou fonoaudiólogo. Apraxia de fala não
é encontrada em estágios iniciais de demências corticais como
DA tampouco em demências não corticais porque os locais da
lesão não são focais, nem confinados ao córtex frontal esquerdo.
Disfluência adquirida é encontrada nas demências envolvendo os
gânglios da base, presumindo-se que seja causada por disfunção
frontal, resultando da íntima relação entre gânglios da base e lobos
frontais. Quando ocorre numa demência cortical como DFT é devido
a lesão do córtex pré-frontal.
Alguns tipos de demência que podem causar disartrias são:
doença de Creutzfeldt-Jakob, doença de Parkinson, degeneração
corticodentatonigral, demência e parkinsonismo com placas
amilóides (não Alzheimer), doença de Huntington, paralisia supra-
nuclear progressiva (PSP), complexo Esclerose Lateral Amiotrófica
(ELA) – demência – Parkinson.

LOCAL DE LESÃO NAS DISARTRIAS DAS DEMÊNCIAS

Apresentaremos a seguir uma síntese da correlação entre


local da lesão e alterações da fala nos quadros demenciais.1

• Sistema ativador reticular ascendente (SARA), sistema


límbico e sistema neocortical: podem resultar em pos-
turas fixas e impedimentos para movimentos finos; o
envolvimento grave resulta em mutismo acinético.

1 - Para informações mais detalhadas sugerimos a leitura de Campbell-Taylor, 1995.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

• Neocórtex: produzem apraxia de fala e/ou disartria.


• Cápsula interna: afasia e disartria.
• Cerebelo: disartria atáxica (fala lenta, com sílabas de
igual duração e pitch mais variável do que o normal).
• Vias corticobulbares ou corticoespinais: disartria pseu-
dobulbar (neurônio motor superior) com labilidade
associada pelo envolvimento do sistema límbico.
• Núcleos dos nervos cranianos: lesão afetando os pares V,
VII, XI, XII pode produzir fala que é perceptivelmente lenta,
hipernasal e com pitch e intensidade com características
soprosas e de reduzida variação (disartria flácida). Uma
vez que essas doenças progridem em diferentes ritmos,
lesões do hipoglosso tanto podem levar a espasticidade
quanto à flacidez.
• Lesões extrapiramidais: nos parkinsonianos, o
envolvimento laríngeo ocorre em 90% dos casos. A
alteração no sistema de articulação da fala acontece
à medida que a doença evolui. Nos estágios iniciais, a
articulação é raramente afetada, mas o paciente é menos
falante, com perceptível redução na variação do pitch,
produzindo fala monótona, característica da doença. Os
músculos da língua e mandíbula também são afetados,
e a hipomimia. do paciente implica no comprometimento
da musculatura perioral, pela rigidez, o que, por sua
vez, afeta a articulação. Quando a rigidez predomina,
ocorre um tipo de disartria com rapidez e indistinção da
articulação; quando a bradicinesia predomina, ocorre fala
lentificada, sendo freqüente a combinação dos dois tipos,
acompanhada por baixa intensidade vocal. As principais
marcas da disartria extrapiramidal são monotonia inicial
e contínua com redução dos níveis de intensidade e
fraseado inapropriado.
• Lesões focais: provocam alterações da melodia da
fala. As lesões de hemisfério direito produzem disartria

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muito semelhante à produzida por lesão extrapiramidal.


Demência por múltiplos infartos pode produzir disartrias,
dependendo do local da lesão: quando é somente cortical,
produz disartria do tipo “neurônio motor superior”; se for
mista (cortical e subcortical), a alteração de fala será
correspondente ao local da lesão.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

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CAPÍTULO XIII

AVALIAÇÃO DA COMUNICAÇÃO NAS DOENÇAS


DE ETIOLOGIA NEUROLÓGICA

A avaliação das alterações de linguagem e comunicação


nos quadros neurológicos pode assumir várias perspectivas: a de
atender às necessidades da clínica, detectando e diagnosticando
as alterações da comunicação decorrentes de doença neurológica
e fornecendo elementos para o clínico decidir a orientação
terapêutica dos problemas; e a de responder a questões, para o
pesquisador, num primeiro momento teóricas, sobre como o cére-
bro e linguagem se relacionam.
Espera-se que o fonoaudiólogo, na prática clínica, identifi-
que:

• a presença da anormalidade
• o tipo de anormalidade
• possíveis relações com outros diagnósticos

Posteriormente, complementar suas investigações com a


identificação dos vários componentes e níveis da desordem, e,
finalmente, dispor dos elementos para planejar a terapia fonoau-
diológica e verificar resultados.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

AVALIAÇÃO DE LINGUAGEM

A aplicação de testes nas avaliações de linguagem não é


um ponto pacífico, embora seja óbvio que devemos avaliar nossos
pacientes. Sobre os testes, a polêmica gira em torno de várias
questões, entre as quais:

• o teste verifica aquilo que pretende medir a linguagem?


• o que o teste entende por linguagem e comunicação?
• o que o teste entende por afasia e sua inter-relação com
outros processos cognitivos?
• é preciso classificar as síndromes?
• como o teste pode auxiliar o encaminhamento da terapia
fonoaudiológica e como pode verificar os efeitos da
intervenção?

Em relação à sua aplicação, podemos ainda nos perguntar


se o teste aplicado numa grande instituição é o mesmo que o
fonoaudiólogo aplicaria em seu consultório. Buscaremos discutir
brevemente algumas dessas questões nos modelos de avaliação
de linguagem.

Modalidades de Linguagem

Qualquer que seja nossa visão a respeito de avaliação de


linguagem, todos concordamos que é importante obter, a partir
dela, uma noção sobre os processos envolvidos na compreensão
e produção da linguagem (compreensão auditiva, leitura, expressão
oral e expressão escrita). Isto é possível quando avaliamos um
processo com o mínimo de interferência dos demais e de outros
aspectos não lingüísticos.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Variações Intra e Entre Pacientes

Embora as dimensões que definem as síndromes afásicas


sejam reconhecidas (fluência, compreensão, repetição), sabemos
que elas variam em sua apresentação nos pacientes, e somente
combinação e intensidade dos sinais nos dão uma direção para a
classificação do quadro. Por outro lado, os quadros evoluem com
o passar do tempo, sendo bastante diversas as apresentações em
fase aguda e crônica. Na fase aguda, freqüentemente o paciente
apresenta-se confuso, com alterações de compreensão que muitas
vezes se atenuam ao longo da evolução do quadro. O mutismo
também é mais freqüente na fase aguda. Outras manifestações,
como o agramatismo, ocorrem após algum tempo de instalação da
doença.

Administração e Interpretação do Teste

Administrar um teste de linguagem não é uma tarefa


complicada. É importante levar em conta algumas condições, espe-
cialmente entre pacientes pouco escolarizados e idosos: falta de
hábito, ansiedade, familiaridade com o terapeuta e com a situação.
A interpretação dos testes, ao contrário, demanda conhecimentos
de áreas diversas como a Neurologia, Lingüística e Psicolingüística,
que permitirão identificar déficits primários e combinação destes,
bem como constatar pontos fortes e fracos relativos à forma,
conteúdo e uso da linguagem.
O teste fornece informações ao profissional que o aplica e é
ele quem dá significado aos dados obtidos.

Caracterização de Déficits

Na análise da natureza do déficit deve-se tomar em consi-

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

deração os componentes do processamento da compreensão e


expressão da linguagem. Na compreensão auditiva, o conjunto
de “passos” inclui desde a percepção dos sons da fala até a
constituição do significado, interagindo com processos de memória
de curta e longa duração. Na expressão, desde o acesso lexical
até a formulação sintática e discursiva. Em um processamento
alterado deve-se identificar elementos desencadeadores primários
(subjacentes) e secundários.

Dados Biográficos

Na interpretação do quadro afásico, assim como na


determinação de seu prognóstico, devemos considerar variáveis
biológicas que interferem na organização da linguagem (vide
capítulo 2), como dominância manual prévia e atual, idade e
sexo, e variáveis sociais, como escolaridade e aprendizado de
outras línguas. O estado civil prévio e atual, condição ocupacional,
comunicabilidade, inteligência pré-mórbida, línguas usadas,
ambiente pré-mórbido e presente são importantes para se avaliar o
grau de estimulação a que o paciente está exposto. Estas variáveis
interagem com os dados clínicos e neurológicos.

Dados Médicos

O diagnóstico neurológico baseia-se na determinação do local


da lesão, sua extensão, duração e repercussão funcional, assim como
a coexistência de acidentes vasculares cerebrais prévios, traumas,
tumores e outras doenças neurológicas. A história médica, bem
como exames para-clínicos complementares (eletroencefalograma,
tomografia computadorizada – TC, ressonância magnética – RM, e
exames funcionais, como tomografia computadorizada por emissão
de fóton único – SPECT) fornecem esses dados. Outras doenças

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

importantes coexistentes, como hipertensão arterial sistêmica,


diabetes, alcoolismo, problemas cardíacos e respiratórios (entre
estes, enfisema pulmonar e pneumonia), não são raras; devem
ser pesquisadas, pois necessitam ser prevenidas ou tratadas, em
razão da influência direta no estado geral do paciente e no quadro
de linguagem. Déficits visuais e auditivos podem intensificar difi-
culdades de compreensão, e alterações motoras do tipo disartrias
e apraxias comprometem a expressão da linguagem. Especialmente
em idosos, a medicação deve ser considerada, na medida em que
interfere principalmente nos processos atencionais.

Exame Neuropsicológico

O exame de funções cognitivas permite identificar e medir


déficits, além de fornecer a descrição detalhada das habilidades
cognitivas e verificar sua inter-relação com a linguagem. Tradicio-
nalmente, conceituam-se os componentes psicológicos do compor-
tamento num esquema tripartido: 1) funções cognitivas (envolvendo
as habilidades intelectuais); 2) motivações e emoções e 3) funções
executivas relacionadas às capacidades de iniciativa, manutenção,
direcionamento, monitoração e regulação da atividade.
Em geral, a avaliação neuropsicológica abrange exames
do nível de consciência e atenção, linguagem, memória, praxias
e gnosias. Algumas baterias incluem habilidades abstratas como
interpretação de provérbios, cálculo, insight e julgamento.
O nível de consciência refere-se ao grau de alerta e à
capacidade do paciente de reagir a estímulos do meio ambiente.
A atenção diz respeito à capacidade de selecionar estímulos ou de
lidar, de forma eficiente, com estímulos simultâneos.
Memória é a capacidade de codificar, armazenar e recuperar
a informação. Três tipos de memória são usualmente avaliados: a
memória imediata, que envolve a repetição de pequenas séries de
itens (como números), imediatamente após o seu fornecimento;

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

memória de curta-duração, que envolve a repetição dos estímulos


após curto intervalo de tempo, durante o qual o indivíduo é distraído;
memória remota, que se refere à recuperação de informações
estocadas há muitos anos, tais como nomes de amigos de infância,
eventos históricos, entre outros.
Recentemente, incluiu-se nos modelos de memória de
curta duração o conceito de memória operacional, que explica
como alguém pode lidar com estímulos simultâneos. Esse modelo
foi descrito no capítulo VI. O fonoaudiólogo está particularmente
envolvido com a avaliação da alça fonológica e, para isto, utiliza
testes que solicitam retenção e processamento verbal de estímulos
com e sem significado.
Praxias (capacidade de programar e realizar adequadamente
atos motores voluntários) são avaliadas pedindo-se ao paciente
que realize um gesto, imite o examinador ou ainda que manipule
um objeto. Praxia construtiva refere-se à habilidade de reproduzir
(desenhar ou construir) desenhos impressos em duas e três
dimensões. É importante notar que o diagnóstico de apraxia só
pode ser realizado quando não há evidência de outro impedimento
para a realização do ato motor, como paresia, ataxia, perda de
sensibilidade, etc.
Gnosias (capacidade de realizar uma síntese altamente
elaborada dos diferentes impulsos sensoriais, com resultante
reconhecimento global do estímulo) podem ser examinadas ao
se solicitar que o paciente perceba e identifique objetos em
modalidades sensoriais variadas (visual, tátil, auditiva, multimodal).
O exame pode incluir ainda a verificação de agnosias específicas
para cores e faces (a última denominando-se prosopagnosia).
A constatação de uma agnosia também pressupõe que o canal
sensorial avaliado esteja intacto (por exemplo, agnosia visual não
pode ser diagnosticada em um indivíduo amaurótico).
Os testes de linguagem podem estar incluídos em baterias
neuropsicológicas. Com o desenvolvimento dos estudos em áreas
da linguagem, essas avaliações têm sido desenvolvidas e realizadas

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

por profissionais especializados. Na prática clínica, em nosso país,


fonoaudiólogos são os profissionais que avaliam, com o intuito de
diagnosticar e reabilitar, os distúrbios de comunicação.

ESCALAS DE AVALIAÇÃO

Escalas de avaliação cujo conteúdo não é exatamente


lingüístico podem fornecer indicadores de habilidades cognitivas
globais. Algumas delas usualmente são utilizadas para estabelecer
relações entre a linguagem e o déficit global. É o caso da escala
“Rancho Los Amigos” (Hagen, 1981), instrumento aplicado a
pacientes com traumatismo cranioencefálico (TCE) e da escala
GDS (Global Deterioration Scale) (Reisberg et al., 1982) utilizada
para inferências sobre a relação entre linguagem e habilidades
cognitivas nas demências.

Escala Rancho Los Amigos

Nível I - Ausência de resposta.


Nível II - Resposta genérica – o paciente reage de forma
inconsistente e inespecífica ao estímulo.
Nível III - Resposta específica ao estímulo, porém inconsis-
tente e com latência.
Nível IV - Resposta confusa e agitada, não discrimina
pessoas ou objetos. Não coopera com o tratamento. Ocorrem
manifestações de linguagem, porém são incoerentes ou
impróprias em relação ao ambiente, podendo haver confabu-
lação. A atenção é lábil e não seletiva.
Nível V - Resposta confusa, imprópria e não agitada. É
capaz de responder a ordens simples de forma consistente.
Tem dificuldades com estímulos complexos, ou quando a

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

solicitação cognitiva ocorre em situações não estruturadas.


Nessas condições, fornece respostas aleatórias ou frag-
mentadas. Distrai-se com facilidade, mas pode ser capaz de
conversar num nível automático, por curtos períodos. Pode
apresentar confabulações e desvios em relação ao tema.
Tem dificuldade de aprender novas informações, embora
possa lidar com conteúdos previamente aprendidos.
Nível VI - Resposta confusa e apropriada. É dependente do
estímulo externo para direcionar seu comportamento. Segue
ordens simples consistentemente e lida com informações
sobre tarefas já aprendidas, mas tem dificuldades com
tarefas novas. Freqüentemente as respostas são adequadas
à situação.
Nível VII - Resposta imediata e apropriada. Mostra conduta
apropriada, está orientado dentro do hospital e ambientes
domésticos e desempenha tarefas do dia-a-dia automa-
ticamente. É pouco flexível. Seu comportamento não é
confuso e recorda as atividades. Lida com informações para
novos aprendizados, mas num ritmo menor. É capaz de iniciar
atividades sociais e recreativas. A capacidade de julgamento
está comprometida.
Nível VIII - Resposta com objetivo e apropriada - É capaz de
recordar e integrar eventos recentes e do passado, responde
ao ambiente. Lida com informação para novos aprendizados,
alcançando independência. Em relação à sua condição
pré-mórbida, pode-se notar diferenças na capacidade de
raciocínio abstrato, tolerância ao estresse e julgamento em
emergências ou circunstâncias não usuais.

Escala GDS

A escala GDS mostra o impacto da demência na alteração


de linguagem. Até o nível III da escala, o paciente não apresenta

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

problemas exuberantes e perceptíveis de linguagem, no padrão


clássico de demência.

Nível I - Não existem queixas de declínio cognitivo; tampouco


se podem observar alterações na entrevista clínica.
Nível II – Os déficits de memória são objeto de queixa do
paciente, nem sempre confirmado objetivamente ou refe-
rendado pelos familiares. Freqüentemente há menção a
esquecimentos sobre “lugar em que foi guardado objeto
familiar” e nomes anteriormente bem conhecidos.
Nível III - O paciente esquece o que vai dizer, apresenta
dificuldades no acesso aos nomes.
Nível IV - O paciente apresenta boa leitura, boa compreensão
auditiva, esquece rapidamente a informação, tem dificuldades
na recuperação dos nomes.
Nível V - Ocorre diminuição da fala espontânea e limitação de
vocabulário, com menor relação entre sentenças. Responde
a questões sim/não e de múltipla escolha. Pode manter
conversações simples.
Nível VI - Notam-se dificuldades óbvias de linguagem e
memória. O conteúdo da linguagem é muito afetado. A
linguagem espontânea é limitada, embora possa emitir frases
(em geral, convencionais) com forma sintática intacta, sem
conteúdo, em meio a outras com características bizarras. A
compreensão auditiva e escrita é pobre. É notável a influência
do déficit de memória sobre a linguagem com dificuldades
em recuperar eventos vividos. Neste nível, podem ocorrer
problemas de personalidade e mudanças emocionais, como
comportamentos ansiosos, obsessivos ou delirantes.
Nível VII - Tanto a forma quanto o conteúdo estão gravemente
afetados.
Nível VIII - Somente capacidades residuais podem ser obser-
vadas.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

TESTES DE LINGUAGEM

Habilidades Metalingüísticas

Os primeiros testes para avaliação de linguagem de afásicos


datam de 1935 e foram criados por Weisenburg e Mac Bride
(Ducarne, 1997). Atualmente, as baterias mais conhecidas são:
Boston Diagnostic Aphasia Examination (BDAE - Goodglass e
Caplan, 1983), Minnesota Test for Differential Diagnosis of Aphasia
(MTDDA – Schuell, 19731), Porch Index of Communicative Ability
(PICA – Porch, 1967), Western Aphasia Battery (WAB - Kerstez,
1982) e o teste Token (DeRenzi e Vignolo, 1962). Todos estes testes
ocupam-se principalmente de habilidades metalingüísticas, sendo
destinados à “varredura” global das alterações de linguagem.

Teste Boston para o Diagnóstico da Afasia (BDAE)

Esta bateria, embora se insira entre os testes de habilidades


metalingüísticas, conta com algumas provas que envolvem o uso
próximo ao de contextos naturais da linguagem. É o caso da entrevista
inicial que permite pontuar características relacionadas à fluência,
entonação e taxa de informação, entre outras. Adicionalmente,
pode-se verificar transformações fonéticas, fonêmicas, a ocorrência
de parafasias verbais e sintagmáticas, dissintaxias e agramatismos,
além de anomias. Estudo na língua portuguesa realizado por
Radanovic e Mansur (2002) fornece valores de referência a serem
considerados para a população brasileira (ver tabelas 1 e 2).

Avaliação da compreensão oral

Para verificar alterações de compreensão, é solicitada a

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

identificação de figuras, com estímulos de distintas categorias


semânticas e classes de palavras, e a identificação de partes do
corpo, em diversos graus de complexidade e detalhe. Os itens
ordens e material ideacional complexo abrangem a compreensão
de frases e pequenos parágrafos.

Avaliação da produção oral

Esta seção pretende verificar, além dos distúrbios na lin-


guagem oral, se existem alterações motoras do tipo disartrias
e apraxias, acompanhando a afasia. Para isso, são realizadas
provas de agilidade oral, (verbal e não verbal), envolvendo itens de
crescente complexidade e extensão. A observação da capacidade
para entoar uma melodia, imitar ritmos, recitar e realizar seqüências
automáticas tem, segundo os autores, o objetivo de trazer dados
para a estimativa sobre habilidades preservadas do hemisfério não
dominante sem lesão, para uma possível utilização como recurso
terapêutico.
As provas específicas de linguagem envolvem repetição e
leitura em voz alta de palavras e frases, denominação responsiva e
com estímulo visual, e fluência. Estas provas permitem a análise de
transformações fonéticas, fonêmicas, parafasias verbais e sintag-
máticas, anomias e a observação da ocorrência de agramatismos e
dissintaxias, os últimos nas tarefas que envolvem repetição e leitura
de frases. Paralexias fonêmicas, verbais e sintagmáticas podem ser
verificadas nas provas de leitura em voz alta.

Avaliação da compreensão escrita

Uma vez que o reconhecimento visual de grafemas é pré-


requisito para a leitura com significado, a bateria propõe um
subteste de emparelhamento com múltipla escolha, de grafemas e

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

palavras simples em diferentes estilos de escrita, a discriminação


de símbolos e palavras. A associação fonética é avaliada pelo
reconhecimento de palavras e compreensão da soletração oral
que permitirão verificar a capacidade de transcodificação do canal
auditivo para o visual. No subteste emparelhamento de palavras e
figuras ocorre o envolvimento do significado na leitura, embora num
nível simples. A leitura de sentenças e parágrafos, numa tarefa de
múltipla escolha, solicita tratamento lingüístico mais complexo da
informação.

Avaliação da produção escrita

A mecânica da escrita é pontuada a partir da observação


da assinatura do nome, escrita do endereço, cópia da frase “A
esperta raposa marrom pulou sobre o cão preguiçoso”, ditado e
nomeação escrita por confrontação, além da narrativa escrita. O
reconhecimento e a evocação de símbolos escritos são avaliados
através da escrita seriada (alfabeto, números de 1 a 21) e do ditado
de primeiro nível (escrita de números, letras e palavras simples).
Nestes subtestes não se pressupõe o tratamento do significado e a
compreensão. O acesso lexical na escrita é avaliado na soletração
para ditado, na qual o indivíduo é solicitado a escrever sob ditado
uma lista de 10 palavras e na nomeação escrita por confrontação
em que os itens lexicais são nomeados pela escrita.
Na formulação da escrita, a prova de narrativa verifica
a habilidade de empregar itens corretos, formular sentenças, e
veicular informação relevante em idéias encadeadas e organizadas.
Alguns pacientes não conseguem produzir livremente uma narrativa
embora possam escrever sentenças sob ditado. As sentenças
propostas para a prova são graduadas em dificuldade. Nas provas
de produção da linguagem escrita podemos observar se existem
alterações do grafismo, cópia servil, disortografias, paragrafias
verbais e sintagmáticas.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

O teste de nomeação Boston (Boston Naming Test – BNT


Goodglass e Kaplan, 1983) complementa a bateria e é destinado ao
estudo quali-quantitativo da capacidade de nomeação. É composto
de 60 figuras-estímulo, graduadas em ordem de dificuldade de
acordo com a freqüência na língua (20 estímulos de alta, 20 de
média e 20 de baixa freqüência). A análise das respostas é feita
segundo o acerto: sem pistas, quando há necessidade de pistas
semânticas ou fonêmicas e a sensibilidade do paciente a estas
pistas (o que caracteriza a preservação da informação semântica).
A aplicação da bateria completa é feita em aproximadamente
duas horas. É possível reduzi-la segundo nosso propósito. No caso
em que nosso objetivo é classificar a afasia, por exemplo, as provas
de linguagem oral são suficientes. Nesse mesmo caso, pode-se
abolir as categorias semânticas relativas a formas, letras e números
nas provas de compreensão auditiva, nomeação e repetição. No
caso de indivíduos com mais de quatro anos de escolaridade, em
que se verificou capacidade de leitura com compreensão preservada
para itens, pode-se utilizar somente os três últimos subtestes de
compreensão de parágrafos, pois os anteriores destinam-se aos
menos escolarizados. Quando o indivíduo tem grave problema
de produção da linguagem e é necessário detectar concomitante
alteração de praxias buco-faciais, a prova de agilidade não verbal
é interessante, assim como nos casos de disartria. Se na entrevista
inicial essas alterações foram excluídas, as provas citadas não têm
utilidade.
As provas de canto e ritmo foram incluídas para a verificação
de habilidades relativas a “hemisfério direito” (Goodglass, 1983).
É importante observar que a performance no teste não prediz
exatamente os “bons candidatos à terapia melódica”, pois a
falta de hábito e as restrições do teste muitas vezes levam a
desempenho insatisfatório. Por outro lado, a própria linha de Terapia
Melódica propõe desenvolver estas habilidades em seus primeiros
passos, elegendo como critério para sua indicação somente a boa
compreensão e a dificuldade de produção da linguagem. Cabe

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

ainda mencionar o questionamento a respeito da “responsabilidade


do hemisfério direito” pretendida pelos autores que tem sido revista
à luz de modernas técnicas de imagem.

NOTA DE
DESVIO
SUBTESTE MÉDIA IC 95% VARIAÇÃO CORTE
PADRÃO
SUGERIDA

Compreensão Oral
Discriminação Auditiva 70,4 4 69,3 a 71,5 48 a 72 62
Identificação Partes do
19,2 1,4 18,9 a 19,6 14,5 a 20 16
Corpo
Ordens 10,8 0,7 10,6 a 11 7 a 11 9
Material Ideacional
10,9 1,4 10,6 a 11,3 5 a 12 8
Complexo
Agilidade Oral
Agilidade Não Verbal 9,2 2,3 8,6 a 9,8 4 a 12 4
Agilidade Verbal 12,6 1,9 12,1 a 13,1 7 a 14 8
Seqüências
7,8 0,4 7,8 a 8 6a8 7
Automatizadas
Recitação 1,9 0,4 1,8 a 2 0a2 1
Canto 1,9 0,4 1,8 a 2 0a2 1
Ritmo 1,8 0,4 1,7 a 2 0a2 1
Repetição
Palavras 9,9 0,1 9,9 a 10 9 a 10 9
Frases Alta Probabilidade 7,8 0,4 7,7 a 7,9 6a8 7
Frases Baixa
7,8 0,5 7,7 a 7,9 6a8 6
Probabilidade
Nomeação
Responsiva 26,7 0,7 26,5 a 26,9 24 a 27 25
Confrontação Visual 112 4,7 110,8 a 113,3 86 a 114 102
Fluência de Animais 20,3 6,1 18,5 a 22,1 11 a 36 8
Leitura Oral
Palavras 29,6 1,2 29,3 a 30 22 a 30 27
Sentenças 9,8 0,6 9,7 a 10 6 a 10 8

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

NOTA DE
DESVIO
SUBTESTE MÉDIA IC 95% VARIAÇÃO CORTE
PADRÃO
SUGERIDA

Compreensão da Leitura
Discriminação de
9,8 0,4 9,8 a 10 8 a 10 9
Símbolos
Reconhecimento de
7,9 0,5 7,8 a 8 5a8 7
Palavras
Soletração Oral 6,7 1,9 6,2 a 7,2 1a8 3
Emparelhamento
9,7 1,3 9,3 a 10 1 a 10 7
Palavra/Figura
Parágrafos e Sentenças 9,5 0,8 9,3 a 9,8 5 a 10 7
Escrita
Mecânica 4,8 0,4 4,7 a 5 3a5 4
Seriada 44 3,9 43 a 45 20 a 45 36
Ditado de Primeiro Nível 14,5 1,3 14,2 a 14,9 7 a 15 12
Soletração para Ditado 9,4 1,5 9 a 9,8 2 a 10 6
Denominação por
9,8 0,6 9,7 a 10 6 a 10 8
Confrontação
Narração 4,5 0,8 4,3 a 4,8 2a5 3
Ditado de Sentenças 11,7 0,9 11,5 a 12 6 a 12 10
Tabela 1 – Desempenho de amostra de população brasileira (n= 60) no Teste de Boston
para Diagnóstico da Afasia (Radanovic e Mansur, 2002).

PERCENTIL
SUBTESTE
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Compreensão Oral
Discriminação Auditiva 66,5 70 72
Identificação Partes do Corpo 18 18,5 19,5 20
Ordens 11 11
Material Ideacional Complexo 9 10 11 12
Agilidade Oral
Agilidade Não Verbal 6 7 8 8,5 10 11 12
Agilidade Verbal 10 11 12 13 14
Seqüências Automatizadas 7 8

261

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

PERCENTIL
SUBTESTE
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Recitação 2
Canto 2
Ritmo 1 2
Repetição
Palavras 10
Frases Alta Probabilidade 7 8
Frases Baixa Probabilidade 7 8
Nomeação
Responsiva 26 27
Confrontação Visual 108 111 113 114
Fluência de Animais 14 15 17 19 20 23 25 27 35
Leitura Oral
Palavras 29 30
Sentenças 10
Compreensão da Leitura
Discriminação de Símbolos 10
Reconhecimento de Palavras 8
Soletração Oral 5 6 7 8
Emparelhamento Palavra/
10
Figura
Parágrafos e Sentenças 9 10
Escrita
Mecânica 4 5
Seriada 44 45
Ditado de Primeiro Nível 14 15
Soletração para Ditado 9 10
Denominação por
10
Confrontação
Narração 4 5
Ditado de Sentenças 12
Tabela 2 – Desempenho de amostra de população brasileira (n= 60) no Teste Boston para
Diagnóstico da Afasia em percentis (Radanovic e Mansur, 2002).

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Teste Token

Este teste destina-se à verificação da compreensão da lingua-


gem. Examina o léxico e frases com extensão variada de atributos
e complexidade lingüística diferenciada. Utiliza formas geométricas
(quadrados, retângulos e círculos) de tamanho e cores diferentes,
que devem ser selecionadas, manipuladas e postas em relação. Os
blocos envolvem graus crescentes de solicitação (pegue o retângulo
amarelo; pegue o retângulo branco e o círculo branco; pegue o
círculo azul pequeno e o retângulo branco grande; coloque o círculo
vermelho no retângulo verde; se existe um círculo preto, pegue o
retângulo vermelho).
Embora os autores afirmem que o teste diferencia a interfe-
rência de alterações de memória de curta duração na compreensão,
a exigência de resposta manipulando os estímulos e envolvendo a
análise de relações entre os conteúdos põe em evidência o intrincado
complexo entre memória operacional e linguagem. Outra limitação
está no fato de que não é estrita a correlação entre a compreensão
de frases e textos, sendo impossível realizar inferências para a
atividade funcional da compreensão a partir do teste.

Bateria Arizona

A Bateria Arizona (“Arizona Battery for Communication


Disorders of Dementia” – ABCD) foi proposta por Bayles e Tomoeda
em 1994. Ocupa-se da avaliação da interface memória-linguagem,
buscando caracterizar a alteração da comunicação no contexto
dos déficits cognitivos. Foi concebida para fornecer instrumento
de avaliação de indivíduos internados em instituições para idosos.
É uma bateria de média extensão, não podendo ser caracterizada
como avaliação exaustiva. A aplicação do teste requer entre 45 a
90 minutos. Contém cinco áreas com 17 subtestes, os quais podem
ser administrados isoladamente:

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Estado mental – envolve questões relativas a dados biográ-


ficos e de orientação.
Memória episódica – avalia a codificação, armazenamento e
recuperação de material verbal, nos subtestes de aprendizado
de palavras e retenção de história.
Compreensão de linguagem – é avaliada pelo emparelhamento
entre sentenças e figuras; as sentenças solicitam a identi-
ficação de papéis temáticos e de informações apresentadas
de forma não canônica. As autoras incluem a repetição entre
as provas de compreensão, sendo controlada nesta prova a
extensão do estímulo (número de sílabas).
Expressão de linguagem – é verificada nas provas de nomea-
ção, fluência verbal, definição de atributos e descrição de
objetos.
Habilidades vísuoespaciais – através de desenhos espon-
tâneos e cópia de figuras.

Embora curto, o teste pode ser abreviado, utilizando-se


somente as provas mais sensíveis para detecção de alterações
demenciais, as de memória episódica verbal.
Problemas de percepção visual (incluindo agnosias),
analfabetismo, depressão, apraxias e déficits de discriminação da
fala são fatores que podem invalidar e tornar incertos os resultados
do ABCD. Para auxiliar a identificação destes fatores, o teste inclui
tarefas preliminares que fornecem elementos para a confiabilidade
dos resultados.

TENDÊNCIAS ATUAIS NA AVALIAÇÃO DE LINGUAGEM

As avaliações de linguagem desenvolveram-se consideravel-


mente a partir dos estudos na linha cognitivista (Psicolingüística,
Neurolingüística e Neuropsicologia) e lingüísticos (na linha pragmá-

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

tica e de análise de discurso). As bases teóricas destas áreas


permitiram esboçar avaliações que dessem conta dos processos
de construção de significado, possibilitando uma visão mais
equilibrada de aspectos preservados e estratégias compensatórias,
por um lado, e maior aprofundamento na natureza dos processos
psicolingüísticos envolvidos na produção e compreensão da
linguagem.

AVALIAÇÕES DE LINGUAGEM EM CONTEXO

1) Contextos Naturais (ou próximos ao natural)

Estas avaliações abrangem desde questionários de obser-


vação de situações naturais (Perfil de Comunicação Funcional
- ASHA-FACS, Fratalli et al., 1995), até o registro de situações de
interação espontâneas ou provocadas (Communicative Abilities in
Daily Living – CADL – Holland,1980), Pragmatic Protocol (Prutting
et al., 1987), Profile of Communicative Appropriateness (PCA
- Penn, 1988), Discourse Abilities Profile (DAP – Terrell e Ripich,
1989), Abilities Profile Pragmatics and Linguistic (APPLS - Strauss,
et al., 1994), Índice de Eficácia na Comunicação, Amostras de
Comunicação (Shewan, 1988).
Dados obtidos pelos observadores (familiares e cuidadores)
trazem a visão da expectativa do ambiente em relação à adaptação
do paciente, enquanto a observação de situações naturais permite
o exame mais específico da linguagem.

Perfil de Comunicação Funcional (PFC)

O primeiro teste que se preocupou com a verificação de


habilidades funcionais foi concebido por Sarno (1965). Trata-se de

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

uma lista para conferência de habilidades como “ser capaz de falar


ao telefone” ou “dar um recado”. As dificuldades são graduadas, o
que permite ter uma idéia aproximada da evolução do paciente.

Communicative Abilities in Daily Living (CADL)

Este instrumento foi inovador, tanto na escolha do conteúdo


a ser avaliado, quanto na maneira de apresentar os estímulos
e pontuá-los. A seqüência inclui interações entre o avaliador e
o paciente, em discursos espontâneos, respostas a estímulos
visuais (pranchas desencadeadoras de cenários) e situações
de role-playing. São 68 itens envolvendo: atos de fala, uso de
contexto, convenções sociais, dêixis, humor/ absurdo, metáforas.
Os contextos eliciados, apesar de interessantes e relevantes, são
pobres para avaliar a iniciativa e capacidade de gerenciamento da
situação de comunicação por parte do paciente.

Índice de Eficácia na Comunicação

É uma lista de habilidades de diferentes graus de comple-


xidade, que devem ser examinadas, desde a capacidade de chamar
a atenção, até envolver-se em conversação de grupo e desenvolver
um tópico.

Perfil de Adequação de Comunicação

Pontua 51 parâmetros em seis áreas (resposta ao interlocutor,


controle do conteúdo semântico, coesão, fluência, sensibilidade
sociolingüística e comunicação não-verbal). A interação desenvolve-
se por 20 segundos, sendo o paciente induzido a desenvolver tópicos
sobre narrativa (ocorrência da afasia) e discurso de procedimento

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

(como fazer uma xícara de chá). A pontuação é feita segundo escala


de seis níveis: “muito apropriado” até “não pode ser julgado”.

Perfil de Habilidades Discursivas (DAP)

São consideradas habilidades de conversação, narrativa e


procedimento em discursos induzidos (narrativo e de procedimento).
Estes discursos são pontuados em relação à presença ou ausência
de unidades de conteúdo, enquanto a conversação é pontuada em
relação a 11 traços que medem habilidades: alternância de turnos,
manejo do tópico, revisões e atos de fala.

Roteiros para interação

Roteiros foram elaborados com a mesma finalidade. Um


deles, elaborado por Mansur e Túbero (1996), toma por base
tópicos da escala de atividades de vida diária (Pfeffer, 1982), o
que permite a pontuação da independência, ao mesmo tempo em
que avalia as habilidades lingüísticas e comunicativas. A interação é
induzida pelo examinador, buscando criar situações naturais.

Exemplo:
Corri bastante para chegar até aqui. Pensei que não fosse
chegar na hora! ... Com esse trânsito! ...
1. O que o sr.(a) acha de viver numa cidade grande (como S.
Paulo, R. de Janeiro, B. Horizonte)? Por quê?
Parece que o progresso atrapalha a vida das pessoas... O
que o sr.(a) acha?
2. Já aconteceu alguma coisa desagradável para o sr.(a) aqui
na cidade grande?

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Avaliação do Perfil de Habilidades Lingüístico-pragmáticas (APPLS)

Nesta proposta a interação é livre, observando-se as rup-


turas nos diferentes aspectos (fonológico, morfológico, sintático,
semântico e pragmático), as estratégias de reparação realizadas e
a eficácia alcançada na comunicação.

Functional Assessment of Communication Skills for Adults (ASHA-


FACS)

A avaliação de habilidades de comunicação para adultos


abrange quatro áreas: comunicação social, necessidades básicas,
leitura escrita e conceitos numéricos, e planejamento diário.
Na esfera de Comunicação Social são observadas capa-
cidades diferenciadas de compreensão e produção de linguagem
(“Chama por nomes pessoas familiares?” “Expressa concordância/
discordância?”, “Explica como fazer algo?”, “Entende sentido não
literal e intenções?” “Reconhece/corrige erros de comunicação?”),
ao lado de comunicação de Necessidades Básicas (“Reconhece
faces/vozes familiares”, “Manifesta agrado ou desagrado em
situações extremas”, “Solicita ajuda”) e de Leitura, Escrita e
Conceitos Numéricos (“Entende sinais simples”, “Segue instruções
escritas”, “Entende material impresso”), assim como a capacidade
de planejar a própria vida com base na linguagem (“Diz a hora”,
“Disca números de telefone”, “Mantém compromissos agendados”,
“Usa o calendário”, “Segue um mapa”).
A independência e a eficiência são avaliadas e pontuadas
segundo uma escala que considera a capacidade de realização com
diferentes graus de assistência (7 = Realiza; 6 = Realiza com ajuda
mínima; 5 = Realiza com ajuda mínima a moderada; 4 = Realiza
com ajuda moderada; 3 = Realiza com ajuda moderada a máxima;
2 = Realiza com ajuda máxima; 1 = Não realiza), e associadas a
critérios qualitativos de adequação (freqüência da compreensão

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

do alvo da mensagem, avanço, e desenvolvimento); propriedade


(freqüência de uso relevante da comunicação, em circunstâncias
apropriadas); prontidão (freqüência de respostas sem latência e
de modo eficiente); divisão de responsabilidades na comunicação
(apoio no interlocutor).

2) Avaliações de Habilidades em Contextos Induzidos

Chantraine et al. (1998) apontam que, na área de Neurolin-


güística, o discurso narrativo tem sido considerado principalmente
em seus aspectos formais (relação entre adjetivos e substantivos,
extensão das emissões, complexidade sintática), sendo mais
recente a preocupação com a organização semântica, que constitui
sua essência. Na verdade, as duas posições se completam; clínicos
e pesquisadores necessitam de instrumentos que possam refletir
de modo objetivo as dificuldades de linguagem constatadas pelos
pacientes e seus interlocutores.
Aspectos formais na análise de discursos (em geral induzidos
a partir de estímulo visual):

1) Léxico - número de itens produzidos durante três minutos,


excluídos comentários sobre a circunstância da avaliação,
ambiente tarefa, palavras ininteligíveis e neologismos.
2) Unidades de informação - unidades de informação
relevantes, coerentes e não redundantes, ou inferências
plausíveis, a respeito da figura apresentada. As unidades
variam desde palavras isoladas até frases.
3) Concisão - refere-se ao quociente entre número de
unidades de informação dividido pelo total de palavras,
multiplicado por 100.
4) Comentários - dizem respeito a situações nas quais um
sujeito verbaliza insatisfação ou desânimo.
5) Frases abortadas - são frases incompletas que não foram

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

revisadas dentro de duas sentenças subseqüentes.


Nestas frases incompletas falta um verbo, ou ambos, e
algumas vezes compõem-se por uma única palavra.
6) Reformulações - são procedimentos de re-edição
relacionados tanto a aspectos semânticos quanto
sintáticos, morfológicos ou fonológicos.
7) Repetições de idéias - são retomadas impróprias de
idéias. Uma repetição pode ser expressa usando as
mesmas palavras ou palavras diferentes.

A referência ao discurso de indivíduos sadios constitui difi-


culdade importante quando se avalia os lesados, pois é grande a
variedade de produção incluída na categoria da “normalidade”.
A análise de discursos é talvez a melhor instância para a
verificação dos processos de construção de significado. Neste
sentido, devem ser observados tanto os marcadores que contribuem
direta e sistematicamente para a continuidade semântica do
discurso, assim como outros elementos que remetem à relação
texto-cena contextual e do texto com o mundo. Características
destes contextos determinam processos semântico-pragmáticos.
Discursos de procedimento permitem verificar a compreensão de
planos de execução (passos) de determinadas rotinas (scripts).
Um exemplo desse tipo de avaliação inclui a percepção de “passos
alheios ao plano”, como o passo “comparar preços” num script de
“tomar o metrô”.
As habilidades de compreensão de textos podem ser ainda
verificadas através de narrativas construídas de forma a que se
examinem variáveis que tenham efeito na compreensão e retenção
da informação. Estas variáveis são saliência e explicitação. A
informação pode ser veiculada numa hierarquia de saliência, com
as informações mais importantes no início do texto e os detalhes
ocupando níveis inferiores. As inferências podem ser diretamente
apresentadas, de forma explícita, ou indiretamente, de forma
implícita.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

A organização da informação do texto induz maior ou menor


número de operações, ou apoio em conhecimento de mundo, para
reconstrução do significado. Textos construídos para esta finalidade
incluem os do tipo “piada” e aqueles em que as informações iniciais
devam ser reexaminadas à luz de dados apresentados ao final. Por
exemplo, textos que simulam uma cena ameaçadora, com um
personagem que na verdade estava assistindo à cena na televisão;
ou a queda do avião era um sonho, quando tudo levava a crer que
o personagem corria real perigo de vida.
O exame da organização global do texto contribui para verificar
a construção do significado subjacente à produção e compreensão.
Patry (1990) expõe propriedades fundamentais da macroestrutura:
resumir (recapitular o desenvolvimento global), antecipar (indicar o
desenvolvimento, facilitando a integração dos elementos), explicar
o conteúdo e orientar o tópico desenvolvido no texto.
O texto e discurso são terrenos férteis para avaliar a interação
entre linguagem e cognição, particularmente atenção e memória.

Características do discurso de lesados cerebrais

Afásicos podem apresentar problemas no discurso, conse-


qüentes a dificuldades que ocorrem no nível das proposições
(anomias, parafasias, problemas de sintaxe). Indiretamente, a
organização global do discurso e os aspectos pragmáticos sofrem
as conseqüências dos desvios locais. Por outro lado, indivíduos
com quadros demenciais e TCE apresentam alterações da
macroorganização do discurso.

AVALIAÇÕES DO PROCESSAMENTO DA LINGUAGEM

As avaliações na linha cognitivista têm contribuído para a

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

detecção de déficits específicos, como capacidade de nomeação,


leitura e escrita de palavras, e constituem importante auxiliar para
a análise do déficit e inferências sobre rotas preservadas. Para
alcançar este objetivo, selecionam classes de estímulos de acordo
com sua freqüência na língua, palavras com sentido na gramática,
léxico com maior implicação semântica ou vazios de conteúdo,
palavras regulares e irregulares.
A avaliação da capacidade de nomeação é uma das
principais aplicações do modelo cognitivista (ver capítulo V).
Quando a recuperação de palavras é analisada, representações
semânticas podem ser ativadas por definições, e pistas através
de sentenças ou figuras, embora na fala normal a recuperação do
léxico não esteja sob controle direto de estímulos, sendo dirigida
pelo fluxo de significados na conversação.
Esta avaliação toma por referência os estágios expostos
nestes modelos (sistema semântico, léxico de saída da fala,
representação fonológica e processos de articulatórios e co-
articulatórios).

Anormalidades em Pacientes

Os estudos sobre pacientes, compilados e relatados por


Gainotti et al. (1998), diferenciam duas categorias de problemas
de nomeação:

1) Anomia semântica/ anomia com déficit de compreensão


– de natureza semântica central.
2) Anomia puramente expressiva / anomia para seleção
de palavras – o componente semântico está intacto e o
déficit parece envolver unicamente a seleção das formas
da palavra falada.

É possível verificar a preservação do sistema semântico

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

na anomia pela sensibilidade às pistas (fonêmica ou semântica),


pela natureza do erro do paciente e pela diferença de capacidades
conforme a apresentação em diferentes canais (visual, auditivo ou
tátil).

LESÕES DE
PERSPECTIVA DE ANÁLISE TIPO DE AVALIAÇÃO AFASIA HEMISFÉRIO DEMÊNCIA TCE
DIREITO

Aspectos Fonéticos, Avaliações de


Fonológicos, Morfológicos, habilidades
Semânticos, Sintáticos metalingüísticas

Avaliações que
Aspectos Pragmáticos envolvem contextos
de uso de linguagem

Avaliações de
Modelos de Compreensão
processamentos de
Modelos de Produção
linguagem
Memória verbal episódica
(aprendizagem de palavras,
Avaliações da
recontagem de histórias)
interface linguagem-
Memória verbal semântica
memória
(definição, classificação,
nomeação)
Avaliações da
Scripts frontais, discursos
interface linguagem-
de procedimento
atenção

Quadro 1 – Avaliação das habilidades lingüísticas e metalingüísticas em doenças neurológicas

A avaliação da linguagem em lesados cerebrais pode ser


realizada de inúmeras maneiras, de acordo com diferentes pro-
pósitos, segundo o contexto de diagnóstico. Testes podem auxiliar a
classificar síndromes e estabelecer linguagem comum com outros
especialistas, e quando lidamos com populações de pacientes.
Critérios quantitativos são insuficientes para qualquer interpretação
sobre a linguagem e a comunicação. Critérios qualitativos, conside-
rados isoladamente, não satisfazem a necessidade de se verificar

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

intensidades de alterações de linguagem ou para medir a eficácia


de intervenções. A avaliação equilibrada deve contemplar os dois
aspectos.
O teste pode auxiliar a eleição da terapia fonoaudiológica,
assim como constatar os efeitos da intervenção, pois identifica a
dimensão de déficits, no conjunto do processo de comunicação.
Ao avaliar a linguagem devemos ter em mente que estamos diante
de atividade cognitiva complexa e que muitas vezes nosso exame
abrange uma interação de fatores. O exemplo mais evidente é a
análise da compreensão, em que coexistem as funções atenção,
memória e linguagem. Quanto mais complexa for a habilidade
avaliada, maior essa interação, como no caso da conversação.
Os testes de linguagem deveriam, idealmente, ser interpretados
no contexto de exames neuropsicológicos para elucidar hipóteses
relativas a alterações em outras esferas cognitivas.
O resultado de testes formais de linguagem não nos permite
predizer o desempenho na comunicação da vida diária, embora se
possa realizar inferências a partir do desempenho nos testes. Em
nossa experiência clínica, mesmo com déficits em torno de 50% na
compreensão auditiva de estímulos isolados, os pacientes podem
apresentar bom desempenho em tarefas de comunicação, como
conversação, pois estas atividades fornecem as pistas adicionais
de que necessitam para decodificar a mensagem. Este dado tem
respaldo nas observações de Wilcox e Davis (1978).
Caminhamos para uma era em que é imprescindível mostrar
a eficiência e eficácia da intervenção fonoaudiológica. Neste
sentido, o estabelecimento de parâmetros claros e replicáveis
é obrigatório tanto na avaliação diagnóstica, quanto naquela
realizada no decorrer da terapia fonoaudiológica.

1 - A versão para o português foi feita por Meira, em 1974.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

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CAPÍTULO XIV

TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA DAS AFASIAS

A idéia de se tratar pacientes com alterações de lingua-


gem decorrentes de lesões cerebrais remonta ao início da
Neurolingüística (Ferre, 1895, apud Ducarne du Ribaucourt, 1997).
Nas descrições dos primeiros afásicos pôde-se constatar o esforço
para que o paciente compreendesse ou produzisse linguagem.
Desde essa época, mudanças importantes ocorreram, a começar
pela concepção da reabilitação, até o modo de administrar todo
o processo e variáveis envolvidas e os critérios de verificação de
resultados terapêuticos.
Um breve exame da história nos permite entender as
propostas atuais. As propostas de reabilitação formalizadas, que
surgiram após a segunda guerra devem ser entendidas à luz do seu
tempo, de seus objetivos e recursos disponíveis, tanto do ponto de
vista teórico quanto prático. Não podemos, por exemplo, criticar
métodos da década de 60 a partir de critérios atuais, em que
entendemos o distúrbio de linguagem com base em tecnologias
de ponta (ressonância magnética, SPECT), contamos com suporte
de teorias, como análise de discurso, e dispomos ainda do recurso
de computadores e outras modernas técnicas para a reabilitação.
Outra questão importante a ser considerada é que nem todos os
métodos se preocuparam com todos os aspectos da afasia. Alguns

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

se ocuparam somente de aspectos lingüísticos, outros se ocuparam


predominantemente da repercussão social do distúrbio. Cabe
reconhecer essas especificidades.

ESTIMULAÇÃO
Este método pioneiro foi desenvolvido na Europa na década
de 60, detalhado por Ducarne de Ribaucourt (1986) e Tissot (1986),
e nos Estados Unidos por Wepman (1953) e Schuell (1964, 1976).
Examinando as propostas desses autores constatamos algumas
características comuns, entre as quais se destacam:

• Preocupam-se principalmente com a linguagem, conside-


rando principalmente aspectos metalingüísticos. Alguns
deles propunham um trabalho “pré-terapêutico”, para
inibir ou facilitar comportamentos.
• Organizam a “estimulação”, com base em critério de
“complexidade” que gradua os estímulos da língua em
ordem crescente, em geral ditada por critérios formais, de
extensão do estímulo, por exemplo.
• Valorizam todas as vias de entrada – estimulação
multissensorial.

A consideração de aspectos metalingüísticos da linguagem


está em acordo com o desenvolvimento de teorias lingüísticas da
época em que foram propostos, de cunho fortemente estrutural,
assim como a reflexão sobre componentes médicos, neurológicos e
psicológicos é feita na medida da disponibilidade das informações
das áreas envolvidas.
A par dos pontos em comum, na linha da estimulação encon-
tramos diferenças entre os autores, principalmente no que diz respeito
à concepção da afasia, o que determina posições bastante distintas

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

na proposta terapêutica. Para Schuell (1976), por exemplo, a afasia


é um distúrbio unidimensional, que pode se manifestar em múltiplas
modalidades. Essa visão unitária da afasia leva os estudiosos a
entender a terapia de modo igualmente único. Em outras palavras,
todos os tipos de afasia podem ser tratados segundo a alteração
da dimensão simbólica que é a essência da afasia. As variações
na proposta terapêutica acontecem segundo a combinação de
modalidades atingidas (sensório-motora, visual, nos termos de
Schuell) e a intensidade dela. Schuell (1964, 1976) entende que a
dimensão simbólica desenvolveu-se a partir do canal auditivo, motivo
pelo qual ele deve ser intensa e repetidamente estimulado.
Nos trabalhos mais recentes sobre a estimulação, propostos
pelos seguidores de Schuell (Duffi, 1994), nota-se a incorporação
de idéias da linha pragmática, principalmente em ensaios de
estimulação a partir do texto e do discurso oral.
Outros autores, como Tissot (1986), trabalham de forma
mais direta sintomas específicos, sem discutir aspectos teóricos
da visão da afasia. A proposta de reeducação desta autora, para a
Afasia de Broca, parte da idéia de inibir eventuais estereotipias para
desenvolver posterior e paralelamente a linguagem. Utiliza-se, para
isso, o apoio na compreensão, a busca de meios de facilitação mais
eficazes para promover o retorno de expressão verbal adequada
(esboço oral, contexto, palavra escrita). A leitura e escrita devem ser
associadas a outras tarefas.
Na leitura, os primeiros exercícios são os de associação
entre palavras e imagens correspondentes e vice-versa, ler as
palavras isoladas escritas em letras grandes, e depois frases curtas.
A escrita é desenvolvida a partir da cópia de palavras (em tempo
real e diferido), denominação de palavras isoladas e construção de
frases.
Este trabalho é iniciado a partir de palavras simples ou de
imagens que tenham vínculo entre si, sendo que o paciente deve
compreender essa relação e agrupar as imagens em tarefas de
complexidade crescente. São utilizadas palavras escritas para serem

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

relacionadas às imagens, designação, denominação, cópia e ditado


de palavras e de pares de palavras, servindo-se de facilitações de
esboço oral, pistas escritas e do contexto. A formulação de frases
é induzida por perguntas e, posteriormente, é repetida, escrita com
realces e destaques visuais, e as frases são gravadas para o treino
repetitivo do paciente. Induz-se, então, tarefas mais voluntárias.
Imagens, histórias e diálogos gravados são utilizados como
recursos e, numa fase posterior, exercícios tirados de livros de
gramática tradicional (noções de gênero, número, concordância
dos adjetivos, derivação e conjugação), e, finalmente, exercícios
com material audiovisual e gravador.
Na afasia de Wernicke, com comprometimento fonêmico,
Tissot (op. cit.) propõe: a escolha de um fonema (eixo paradigmático),
o encadeamento correto de cada fonema em relação aos outros
(eixo sintagmático), seleção e discriminação auditivo-verbal (vogais,
consoantes, repetição, silabação, realização, frases para completar,
sucessão controlada dos fonemas consonantais, como p/q: pouca;
q/p: copo), seriação (sucessão de ações-histórias, sem imagens),
ordem de aparição de palavras em enunciados cada vez mais
longos, soletração, leitura em voz alta e escrita sob ditado, narração
e reestruturação de vínculos entre significante e significado.
Na afasia de Wernicke com comprometimento semântico
são realizados exercícios que envolvem esse aspecto do tratamento
da linguagem, com tarefas de agrupamento, classificação, e
busca de relações ou diferenças a partir da abstração de traços
qualificadores (por exemplo: análise de contigüidade de imagens
ou objetos associados aos pares, como “mostre-me o parafuso e a
chave de fenda”; “a linha e a agulha”).
São realizados ainda exercícios de evocação (envolvendo
elementos de uma classe e numa relação de contigüidade),
seriação, descrição, definição, trabalho no interior das classes
(atributos), definição de palavras polissêmicas, explicação de
expressões diversas, sinônimos e antônimos, vocabulário (campos
semânticos/ memorização) e sentido conotativo.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

A ênfase em tarefas mais voluntárias acontece no final do


processo em discursos espontâneos.

MÉTODO LURIANO

Na Rússia, antiga União Soviética, Luria (1963) envolveu-se


com a avaliação e reabilitação de lesados cerebrais, interessando-
se não só pela linguagem, mas também por outras funções
cognitivas. Foi responsável pela revisão teórica de alguns conceitos
básicos para a reabilitação, como localização, função e sistema.
Função, para ele, diz respeito a um sistema funcional. Meca-
nismos variáveis levam a um resultado constante, numa estrutura
complexa, da qual participam sistemas aferentes e eferentes que
realizam o papel de ajustamento. A característica mais importante
é que são passíveis de reorganização. Essa pode ocorrer em bases
intra ou intersistêmicas.
Localização é um conceito relacionado à concepção de
sistemas organizados, zonas de trabalho, localizadas em áreas
diferentes, cada uma com seu papel.
Sintoma deve ser analisado no conjunto de um mesmo siste-
ma funcional e de sistemas funcionais diferentes. Luria valorizou a
análise sindrômica, a qual constituiria a base para a avaliação dos
processos alterados de linguagem nos diferentes quadros afásicos.
Para ele, existiam alterações multidimensionais na afasia,
o que determinou propostas mais específicas para os diferentes
quadros afásicos. Luria criou sua própria classificação das afasias,
nomeando as categorias segundo rótulos nem sempre condizentes
com sua visão dos processos simbólicos (afasia motora aferente,
motora eferente, por exemplo).
Na afasia motora aferente, Luria sugere que a reabilitação
se inicie por movimentos não relacionados à atividade verbal:
morder, soprar, sugar. A partir daí, é feita uma seleção de elementos

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

que permaneceram adequados às situações, por exemplo, soprar


uma vela. A passagem de um movimento involuntário a outro,
voluntário, facilitará a posterior indução ao movimento articulatório
propriamente dito (diferenciação) e o trabalho com fonemas. A
última etapa do trabalho prevê o treino de variações articulatórias
segundo o contexto.
Na afasia semântica, Luria constata dificuldade para
captar a relação de significado em estruturas lógico-gramaticais
da linguagem (“Mário empurrou Pedro, com a mão direita”),
construções comparativas, plurissemia e preposições. A reabilitação
parte de um trabalho extradiscursivo de análise espacial com
ênfase na comparação. São realizadas cópias, a partir de modelos
e práticas envolvendo conceitos: análise de orações através de
pranchas temáticas e inter-relações virtuais entre objetos.
Exemplo: Olhe para o desenho, diga em quantas partes
está dividido, nomeie o objeto que se encontra acima, forme uma
frase com acima, substitua por outra preposição com o mesmo
significado (sobre), incorpore à sua oração o objeto abaixo, faça
um desenho que combine com a oração, nomeie o objeto que
está abaixo, forme uma oração com preposição e anote, faça um
desenho que combine com a oração.

PROPOSTA LINGÜÍSTICA

A proposta lingüística ocupa-se primordialmente de aspec-


tos sintáticos e suas alterações, o agramatismo, dissociações
no acesso a verbos e substantivos. Vários estudos atuais têm
buscado respostas para o entendimento dos processos de
compreensão e produção da sintaxe (Grodzinsky, 1993; Mauner
et al., 1993; Shapiro, 1997; Sproat, 1986). Chomsky e Fillmore
foram os pioneiros nessa área. Chomsky reconhece competências
psicológicas inatas para a gramática (Chomsky, 1981, apud

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Thompson, 1994). Fillmore (1986, apud Thompson, 1994) enfatiza


as propriedades lexicais dos verbos, o centro da construção dos
significados. A representação de verbos no dicionário mental
compreende papéis temáticos que cada verbo idiossincraticamente
seleciona. Por exemplo, o verbo jogar exige objeto direto; o verbo
colocar exige complemento de lugar.
Outras propostas de terapia que enfatizam o acesso a verbos
e aspectos morfológicos, e a melhora da produção de sentenças
também têm forte apoio em teorias lingüísticas, como o programa
de Loverso et al. (1988) para induzir o acesso a verbos, e o de
Thompson (1993) para a terapia de sentenças interrogativas.

TERAPIA MELÓDICA

A terapia melódica também se ocupa de um aspecto especí-


fico da afasia, a produção da linguagem, não sendo recomendada
para pacientes cujos distúrbios de compreensão necessitem ser
abordados. A terapia melódica pode ser utilizada para reabilitação
de apraxias de fala.
É um programa “fechado”, de diversos níveis organizados
hierarquicamente, pontuados visando obter escores para a progres-
são. O primeiro nível inicia-se com batidas rítmicas e murmúrio de
melodia realizados pelo terapeuta e, posteriormente, em conjunto
com o afásico, com progressiva diminuição da participação
daquele.
No segundo nível introduz-se a entoação de uma sentença
acompanhando a melodia e batidas de mão (passo 1), incentivando-
se a independência do afásico nos passo 2 e 3. No passo 4,
introduz-se a forma de diálogo com o terapeuta entoando questões:
“O que você disse?” e provocando a resposta do paciente.
No terceiro nível, o afásico adquiriu a habilidade de repetir as
sentenças entoadas, imediatamente após ouvir o modelo, e então

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

responder à questão. Nesse nível introduz-se a latência (passo 1),


sendo o paciente estimulado a administrar a resposta. Progres-
sivamente, passa-se da voz quase cantada, o que acontece no
último passo (passo 3), para a falada.
No quarto nível, além da latência, a voz “quase cantada”
é inicialmente estimulada, retiram-se as batidas de mão e,
em seguida, a voz falada é introduzida. Neste nível o diálogo é
provocado com perguntas abertas que demandem a organização
do plano do conteúdo.
A pontuação para a progressão deve ser de 90% de acerto
em cada nível. Respostas corretas recebem dois pontos. É permitida
a repetição e o fornecimento de pistas, atribuindo-se nesses casos
um ponto. Nos últimos níveis, são atribuídos três pontos para uma
ou mais respostas a questões de conteúdo associado. As sentenças
utilizadas são inicialmente simples e funcionais, relacionadas ao
cotidiano do paciente (meio-dia, hora de almoçar, prato de sopa,
por exemplo).
É interessante que se busque a melodia que mais se
aproxima da voz falada, ao introduzir a curva melódica. Para facilitar
a produção os autores representam visualmente a relação entre
a altura do segmento musical e as sílabas, como no desenho
abaixo:

Figura 1 – Esquema visual representando a curva melódica na fala

Por outro lado, não recomendam a utilização de figuras


que representem o conceito, pois acreditam que a atenção deve

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

se focalizar nos aspectos específicos da proposta. Sparks et al.


(1994) acreditam que o programa da terapia melódica se esgota
no momento em que o paciente melhora a fluência, e é capaz de
produzir frases agramáticas. Van Eckout (1984) sugere que as
frases agramáticas podem ser trabalhadas pelo método, usando-se
como estratégia adicional a acentuação dos elementos gramaticais,
que pode ser dada pelo destaque da altura e da intensidade.

PRAGMÁTICA

A teoria que fundamenta a linha terapêutica pragmática


surgiu de estudos do filósofo Austin, que criou a teoria dos atos
de fala (Austin, 1962). A pragmática é uma área de estudos de
várias disciplinas: sociologia, antropologia, filosofia, lingüística. A
interação entre a linguagem e os contextos específicos em que ela
ocorre é o objeto de estudo da pragmática. Os estudos da área de
pragmática incluem: contextos lingüísticos (sintático e semântico),
extralingüísticos (gestos, atitudes) e paralingüísticos (prosódia). O
propósito da comunicação é “modulado” por esses contextos.
A reabilitação na linha pragmática tem por objetivo melhorar o
“funcionamento” da linguagem. O tratamento enfatiza o contexto em
que ocorre a interação, o contexto lingüístico (diálogo) e os papéis
desempenhados pelos interlocutores no diálogo. O fonoaudiólogo
gerencia estes três aspectos durante todo o processo terapêutico.
A preocupação com aspectos funcionais é antiga, embora não
tenha sido admitida no âmbito da pragmática. A leitura dos textos
sobre reabilitação de Schuell (1976), por exemplo, mostra o valor
atribuído à “generalização” e à transferência do aprendizado para
a vida cotidiana, em situações funcionais, embora não se discuta
exatamente como alcançar tais objetivos na própria terapia.
A avaliação e tratamento na orientação pragmática têm se
preocupado em verificar e desenvolver a produção e compreensão

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

de palavras e sentenças em ambientes naturais, dirigindo-se a


conteúdos significativos de contextos horizontais (relacionados
ao presente) e verticais (relacionados à biografia do indivíduo).
A prática de regras de conversação e a melhora de habilidades
não verbais são igualmente relevantes. A pragmática preocupa-se
prioritariamente com a inserção social do indivíduo e, portanto, seu
ajuste a ambientes variados, os quais comportam larga variedade
de “problemas de comunicação” relacionados à multiplicidade
de estruturas de discurso, emoções, intenções comunicativas,
interlocutores variados com diferentes graus de intimidade e
afinidades.
Os avanços em nosso conhecimento sobre o uso da linguagem
influenciaram a maneira de conduzir a terapia (determinação de
objetivos, procedimentos, controle de estímulos, etc.). A observação
das habilidades e dificuldades de afásicos na esfera pragmática, por
outro lado, permitiu verificar que a maioria dos déficits neste âmbito
está relacionada às desordens lingüísticas, e não propriamente à
comunicação. Estas podem estar relacionadas ao fato de existirem
situações muito variadas de comunicação na vida diária, com alto
grau de “novidade”, em alguns momentos demandando alto grau
de precisão e especificidade na transmissão da informação. Erros
e desvios são freqüentes na comunicação natural entre pessoas
sadias e não impedem a comunicação. O importante é que o
afásico aprenda a lidar com esses desvios de forma que garanta
o sucesso da comunicação. Na orientação terapêutica pragmática,
busca-se reconhecer as habilidades preservadas do paciente,
assim como seus déficits, para utilização de compensações em
todos os tipos de contextos. Não se desconsidera o tratamento
lingüístico, mas procura-se redimensioná-lo, de acordo com a
situação comunicativa.
Nas atividades de compreensão, o terapeuta conduzirá a
compreensão de palavras em contexto, variando as situações de
uso, modulando a familiaridade em relação ao tópico, saliência,
redundância e previsibilidade da informação, bem como solicitando

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

inferências. Nas atividades de produção, verificará o equilíbrio entre


demandas discursivas e habilidades lingüísticas e comunicativas.
Isto pode ser obtido pelo controle do contexto, da familiaridade
entre os interlocutores (conhecimento partilhado) e em relação
aos tópicos, e a ênfase somente nos componentes essenciais do
discurso ou, pelo contrário, nas habilidades lingüísticas. Desta
maneira, um tratamento de aspectos lexicais, por exemplo, ganha
a dimensão do contexto: a seleção de termos em acordo com a
situação; a seleção e emprego dos itens gramaticais em acordo com
a indicação de informação nova ou antiga ou o estabelecimento de
referências a elementos já citados no texto, entre outros aspectos.
A situação de comunicação será mais próxima do natural
“convencional” na medida em que o paciente puder dominar
habilidades lingüísticas. Por outro lado, a descoberta de canais
adicionais de comunicação permitirá explorá-los ampliando suas
possibilidades e seu uso. A meta-análise da situação comunicativa,
através de audiocassetes e vídeos, permitirá a identificação das
“falhas” lingüísticas e pragmáticas, a observação do comportamento
de pacientes e interlocutores em relação a essas falhas e os
aspectos positivos, preservados, nos quais eles se apóiam. Em
resumo, o tratamento em linha pragmática manipula contextos ou
cria interações que são típicas da conversação natural.

A INCORPORAÇÃO DE SITUAÇÕES NATURAIS AO TRATAMENTO


DE AFÁSICOS

Em 1985, Davis e Wilcox publicaram a técnica conhecida


como PACE (Promoting Aphasics’ Communicative Effectiveness),
que incorpora princípios da estrutura da conversação ao tratamento
de afásicos. São eles:

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

a) O paciente e o terapeuta participam igualmente como


emissores e receptores da informação. Como emissor,
o fonoaudiólogo tem a oportunidade de interferir para
favorecer comportamentos adequados e usar modos de
comunicação que possam ajudar o paciente a ser bem-
sucedido.
b) Existe troca de informações novas entre o paciente e o
terapeuta. Isso capacita o paciente a experimentar falhas
de comunicação e praticar estratégias para superá-las.
c) O emissor pode escolher livremente o modo de comunicação
usado para enviar informação. O fonoaudiólogo não dirige
o paciente para utilizar determinada estratégia.
d) O receptor provê retroalimentação para a mensagem, de
acordo com a veiculação do significado. O sucesso do
paciente é parcialmente dependente da habilidade do
clínico para entender a mensagem.

O uso do PACE no tratamento da afasia foi, principalmente, a


atividade de descrição de figuras entre o paciente e o fonoaudiólogo.
Outros usos sugeridos: descrição de eventos, complementação
de estórias, etc. O PACE pode ser aplicado a todos os tipos de
afásicos, pois todos eles podem comunicar, ao menos aspectos
básicos da mensagem. Ajustes das atividades para a aplicação do
PACE podem ser feitos, levando-se em conta os aspectos abaixo
elencados (Davis e Wilcox, op. cit.):

a) Estímulos conversacionais: tópico (ocupação, família);


modo de representação simbólica (fotografias, gravuras,
escrita); tipo de mensagem representada (abstrata ou
concreta).
b) Critérios de emissão e recepção da mensagem: um
conceito (nome próprio ou de objetos); múltiplos concei-
tos (ator + ação + objeto ou múltiplas sentenças).
c) Canais de comunicação: fala; gesto (apontar para figuras,

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

letras, palavras e objetos); comunicação alternativa; es-


crita; desenhos.
d) Ajustes clínicos: seleção de canais; complexidade comuni-
cativa e lingüística.

Uma escala proposta pelos autores acima citados permite


quantificar a veiculação da mensagem, pontuando o papel de emis-
sor (E) e receptor (R) separadamente:

5 Mensagem veiculada na primeira tentativa.


A primeira tentativa não foi totalmente entendida. O terapeuta necessita
4 fornecer retroalimentação geral. Por exemplo, quando o fonoaudiólogo repete
a tentativa do paciente, com entoação de pergunta.
Há necessidade de retroalimentação específica. O terapeuta assume o papel
de receptor bastante ativo e determinante na veiculação da mensagem:
propõe hipóteses sobre a mensagem (tópico, relações semânticas), sugere
3
outro canal (escreva-me). De acordo com o objetivo da terapia, esse escore
pode ser subdividido em vários subníveis, de forma a se sensibilizar o grau de
precisão sobre o alvo.
O paciente é auxiliado por retroalimentação geral e específica e, mesmo
2
assim, somente parte da mensagem é veiculada.
A mensagem não é veiculada, apesar dos esforços do terapeuta, fornecendo
1
retroalimentação geral e específica.
0 O paciente não tenta transmitir a mensagem.
Interação impossível de ser pontuada, pois foram violados os princípios do
I
PACE.

EXEMPLOS DE PROCEDIMENTOS TERAPÊUTICOS:

1) Dramatização e roteiros

a) o paciente tem a oportunidade de vivenciar a comunicação


de contextos da vida diária, no ambiente clínico;

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b) o fonoaudiólogo pode auxiliar o paciente a desenvolver


e empregar estratégias para serem utilizadas fora do
ambiente terapêutico;
c) a dramatização tem como foco a função comunicativa da
linguagem;
d) pode lidar com situações específicas dependendo do
objetivo eleito.

Numa atividade de dramatização, o fonoaudiólogo e o


paciente podem discutir os roteiros da situação, incluindo os
aspectos específicos da atividade, como tipos de respostas e
formas de comportamentos, de acordo com o objetivo da terapia.
Sempre que possível, a sessão deveria ser gravada em vídeo
ou audiocassete, para que se possa rever e avaliar a interação
comunicativa, tanto na perspectiva do paciente quanto do
fonoaudiólogo, identificando-se aspectos positivos e negativos,
a adequação das mensagens veiculadas e o grau de sucesso da
comunicação.

2) Situações simuladas

Estas podem envolver:

a) Atividades com barreiras que incorporam princípios do


PACE

Consiste na introdução de um anteparo entre os interlocutores,


de tal forma que se minimize ou anule o contexto visual “partilhado”.
Na ilustração abaixo, o indivíduo A tenta descrever uma situação
para o indivíduo B sem dispor do contexto imediato, ou seja, todas
as informações deverão ser verbalizadas, pois o anteparo impede a
visualização dos objetos que A tem diante de si.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Figura 2 – A presença do anteparo entre os indivíduos impede compartilhamento da


informação visual.

Esta atividade pode ser proposta para a melhoria de narra-


tivas, ou mesmo para tarefas específicas de nomeação, definição,
explicitação, argumentação, descrição, entre outras. O princípio da
“novidade” da informação é mantido, pois o receptor desconhece
o alvo escolhido.

b) Tratamento tradicional + atividades de conversação:


enquanto se estimula naturalmente a ocorrência de
variáveis extralingüísticas como ruído de fundo ou outra
pessoa no ambiente.
c) Atos de fala específicos podem ser induzidos em pranchas
que envolvam situações problema, como, por exemplo,
uma criança prestes a se envolver em um acidente, ou
alguém transgredindo uma placa de proibição.
d) Variação de interlocutores podem ser propostas para que
se exercitem diferentes registros. “Personagens”, como
o policial, a autoridade, a senhora boazinha, o senhor
ranzinza, podem induzir diferentes formas de construção
da mensagem.
e) Tópicos a serem introduzidos e mantidos podem ser faci-
litados por lista de indutores a partir de um desencadeante,
como “você vai conversar com alguém que não o conhece
para pedir uma explicação” (seqüência = apresentar-se,

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

usar formas de polidez para fazer um pedido, dizer o que


necessita, agradecer, despedir-se).
f) Estratégias de conversação: envolvem pistas para me-
lhor compreender mensagens ou transmiti-las. Podem
ser verbais ou não-verbais, variando desde o uso de
paráfrases até falar mais lentamente. A discussão de
compensações pela observação de vídeo deve ser
programada, com “pausas” e análise de seções, de
acordo com turnos, tópicos ou proposições.A partir daí,
são introduzidos contextos que solicitam o uso das
estratégias discutidas.
g) O treino de conversação é utilizado para a transferência
de estratégias: o paciente é solicitado a produzir um
pequeno monólogo ou roteiro preparado pelo terapeuta.
Esse roteiro deve conter alguma dificuldade, de tal forma
que o paciente deva empregar algumas das estratégias
treinadas. Após treino, o paciente é encorajado a utilizar
o conteúdo em situações naturais, enquanto é assistido
pelo terapeuta. As sessões são registradas em vídeo.
Essa mesma atividade pode ser utilizada variando-se
os interlocutores e os roteiros, para que se introduzam
elementos complicadores a serem trabalhados.
h) Treino do parceiro de comunicação: o interlocutor deve
receber todas as informações relativas à veiculação da
mensagem; além disso, deve estar consciente dos efeitos
de seu comportamento produtivo ou não, das situações
que podem ser modificadas, e como alcançar a melhora.
Somente a prática das mesmas situações realizadas com
o paciente e interlocutor surtirá mudanças de atitude.

É importante salientar que todos os tipos de afásicos


podem se beneficiar do PACE. Na terapia da afasia de Wernicke,
por exemplo, utilizam-se situações naturais que delimitem o turno,
tomando por base o princípio da alternância de oportunidades

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

entre os interlocutores (como num jogo de cartas). Além disso, a


indução a turnos “não extensos” favorecerá a automonitoração da
produção.
Na afasia de Broca, o contexto visual apresentado em
paralelo pode auxiliar a compreensão de papéis temáticos: ator
e receptor da ação. A exposição prévia ao contexto lingüístico
facilitará a análise e mapeamento desses papéis. Por outro lado,
na produção da linguagem, a técnica do PACE em que se controla o
conhecimento partilhado, pela colocação de anteparo entre os dois
participantes, incentivará a exposição de detalhes e particularidades
de informações.
Mesmo um afásico grave, com afasia global, pode se bene-
ficiar da terapia em linha pragmática. Nesse caso, a utilização de
canais alternativos de comunicação e a indução a gestos podem se
constituir as bases da interação. Davis (op. cit.) cita um caso em que
o PACE foi aplicado na forma da técnica do anteparo numa tarefa
de compreensão, baseada em descrição e posteriormente produção
lexical. Inicialmente, o paciente apontava os alvos, posteriormente
gesticulava, chegando a alcançar a produção de palavras isoladas
combinadas com pistas gestuais na comunicação.

TERAPIA EM LINHA CONGNITIVISTA E NEUROPSICOLOGIA


COGNITIVA

A Neuropsicologia Cognitiva fundamenta-se na teoria do


processamento da informação, que influenciou os estudos na área
da Psicologia Cognitiva. A Psicologia Cognitivista preocupa-se não só
com a linguagem, mas também com sua relação com a percepção,
memória, resolução de problemas e ainda o substrato neural que
dá suporte a essas funções. Outros temas constantes em debates
nessa área são: a relação entre consciência e cognição, e entre
emoção e cognição. A Psicologia Cognitiva progressivamente viu-se

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

envolvida em questões de diagnóstico e reabilitação de distúrbios


cognitivos, entre eles a linguagem.
Dois conceitos são básicos para a Psicologia Cognitiva:
representação e processo. Representações dizem respeito à
“estrutura” e “formato” de conteúdos transitórios ou estáveis, de
diferentes naturezas (o significado de uma palavra, um problema a
ser resolvido, por exemplo). Freqüentemente nos deparamos com o
termo “arquitetura cognitiva” para designar esse tipo de organização,
a qual é geralmente explicitada na forma de modelos.
Processos dizem respeito às hipóteses criadas sobre o
funcionamento de estruturas mentais. Os estudiosos propuseram
uma variedade deles: estratégias, operações, planos, objetivos,
ações, entre outros, e dimensionaram ainda aspectos como o grau
de esforço envolvido, automatismo, prática necessária para sua
realização e a ação conjunta, global ou específica.
Os modelos forneceram bases para a análise de pacientes
que apresentam padrões seletivos de impedimentos na realização
de tarefas. O estudo de dissociações entre pacientes reforça a
estrutura modular de processamento da informação, subjacente
às tarefas particulares, proposta pela Neuropsicologia Cognitiva.
Evidencia ainda fatores não modulares que operam para regular os
sistemas de processamento. Exemplos de fatores não modulares
poderiam ser o ritmo de aprendizagem ou consolidação e o nível
de alerta. Esses estudos auxiliam a reflexão sobre aspectos
teóricos relacionados à confecção dos modelos de processamento.
Impedimentos nos fatores não modulares poderiam influenciar
muitos subsistemas modulares e também influenciar diretamente
a reabilitação.
Os interesses na esfera de diagnóstico e terapia com base em
modelos da Psicologia Cognitiva caracterizaram os estudos na área
da Neuropsicologia Cognitiva; esta tem sido útil para determinar o
locus de deficiência e, além disso, para construir uma teoria para
entendê-lo. Os testes construídos a partir de análises dos pacientes
prestam-se ao delineamento da terapia.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Neuropsicologia Cognitiva e reabilitação

A teoria cognitivista não foi inicialmente concebida para a


reabilitação. Sendo assim, algumas características da abordagem
da Neuropsicologia Cognitiva estão mais próximas à reabilitação do
que outras. A ênfase em testes para ajudar a guiar a interpretação de
déficits de determinado paciente e a possibilidade de atualização,
à medida que a pesquisa progride, são diretamente relevantes para
o estudo da terapia.
A contribuição teórica para a reabilitação vem ocorrendo,
ainda, ao se tornarem mais claras as interações entre processos
modulares e não modulares nos modelos, possibilitando entender
efeitos de terapia que não podem operar em módulos específicos
(Riddoch, e Humphreys, 1994).

Diagnóstico e determinação de terapia

Na linha cognitivista pode-se determinar, a partir do dia-


gnóstico, o tipo de terapia com a indução ao uso de uma rota
preservada do modelo (Coltheart et al., 1994). É o caso da
reabilitação da atividade de transferir grafema para fonema, num
caso em que a leitura não lexical estava impedida, na dislexia
profunda. O tratamento utilizou a leitura de não-palavras, já que o
acesso ao menos parcial ao conhecimento semântico (que ocorre
na leitura de palavras), provavelmente induziria à leitura global,
impedindo as tentativas de estabelecimento da correspondência
entre grafema e fonema.
A terapia pode ser conduzida com um sentido de recuperação
ou reorganização. Na recuperação busca-se tratar “o problema”, o
déficit funcional. Há expectativa de restabelecimento da função nas
mesmas bases existentes antes da lesão. Na reorganização busca-
se oferecer via alternativa que leve à realização da função.
A linha cognitivista tem sido freqüentemente indicada para

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

a resolução de determinadas desordens nos quadros afásicos:


nomeação, problemas de leitura e escrita. Na nomeação, a
referência ao modelo clássico derivado da proposta de Ellis e Young
(1988) permite a identificação dos problemas relacionados aos
diferentes estágios de processamento.

Déficits de nomeação e seu tratamento na linha cognitivista

O modelo de processamento lexical (mostrado abaixo) pode


auxiliar o entendimento da complexa atividade de nomear um
objeto. As funções de cada módulo exibido acima estão na coluna
da direita. O defeito na atividade do módulo levará à perda dessa
função.

Figura 3 – Modelo de processamento lexical

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Os afásicos de Broca geralmente apresentam comprome-


timento na saída lexical para a fala, podendo ocorrer erros também
no nível do fonema e na passagem para a emissão sonora. Essa
dificuldade tem sido considerada no âmbito do “acesso lexical”.
Em geral os erros desses pacientes são inconsistentes e não
apresentam efeitos de categoria específica. Afásicos globais podem
apresentar falhas no conhecimento semântico, uma “deterioração”
das representações do significado.
O tratamento das dificuldades lexicais tem sido exposto
na literatura, buscando-se especificidade de abordagem para os
diferentes tipos de déficit subjacente, no sentido de se alcançar
eficácia. Os procedimentos variam com base na apresentação ou
não de pistas e facilitadores, o uso do contexto e a modalidade de
facilitação.
Howard (1985) reconheceu duas modalidades básicas de
tratamento: em bases semânticas e fonológicas. O tratamento em
bases semânticas previa tarefas do tipo apontar figuras (num grupo
que incluía outras relacionadas semanticamente), emparelhar
palavras escritas com figuras relacionadas semanticamente e
responder a questões do tipo sim/não, envolvendo julgamento
semântico de supra-ordenação. O tratamento em bases fonológicas
envolvia repetição de palavras, fornecimento de pistas fonêmicas e
apresentação de pares rimados /não rimados para reconhecimento.
Os pacientes tratados por esses métodos obtiveram melhora, sendo
mais intenso o efeito do tratamento realizado em bases semânticas,
embora os resultados não tenham sido duradouros.
Thompson et al. (1992) trataram afásicos pelo método
fonológico. Essa autora teve como objetivo estimular de modo
mais específico tarefas que se apoiavam em habilidades comuns.
Verificou algum grau de generalização mesmo em itens não tratados
especificamente além de observar igual benefício em tarefas que
se apoiavam em habilidades fonológicas, como nomeação por
confrontação e leitura.
Um estudo interessante conduzido por Basso et al. (2001)

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

teve por objetivo testar três técnicas freqüentemente empregadas


em terapia de anomia, em casos de dificuldade de acesso lexical:
repetição, leitura em voz alta e pista ortográfica. A autora compara
o aprendizado de palavras inventadas em indivíduos normais e
pacientes. Os resultados obtidos mostraram o efeito mais intenso
da pista ortográfica em relação aos outros dois métodos. A autora
conclui que o esforço e o grau de automatismo envolvidos na
recuperação das palavras, quando era fornecida somente a pista
ortográfica, eram maiores, e contribuíram para um treino ativo de
geração da resposta correta.
Métodos que exploram modalidades de estimulação combi-
nadas, favorecendo saídas verbais e gestuais têm sido expostos
na literatura. De forma consistente, os autores concluem que o
tratamento de modalidades de saída isoladas (gestos ou atividade
verbal) é sempre inferior ao tratamento intermodal, no qual se
combinam as formas de expressão. Le Dorze (1994) discute os
resultados de Howard, acima apresentados, argumentando que
na estimulação semântica sempre é apresentada “embutida” a
forma fonológica ou escrita da figura-alvo, ou seja, pistas formais e
semânticas combinadas. A partir de estudo de sujeito afásico, em
que a autora compara o efeito dessas pistas combinadas com uma
situação em que somente a compreensão do item é estimulada
(técnica puramente semântica), conclui que inclusão das pistas
combinadas é crítica para o efeito de facilitação.
O tratamento em bases semânticas é mais raro na literatura.
Jacobs e Thompson, em 1992 (apud Thompson, 1994), aprese-
ntaram os resultados de seu estudo no qual propõem o tratamento
segundo as seguintes diretrizes: foram selecionadas cinco cate-
gorias, com sete objetos cada uma, sendo desenvolvidas pistas
semânticas genéricas (supra-ordenação) e específicas (função)
para cada item. A compreensão dos itens em relação a distratores
não relacionados, relacionados semanticamente, e a possibilidade
de seleção na mesma categoria foram desenvolvidos. Os resultados
desse tratamento foram mínimos.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Outros estudos recentes tomam por base modelos


conexionistas, que supõem a ativação de seus componentes em
rede, entre a representação conceitual e a forma fonológica, como
no clássico modelo apresentado abaixo (Dell et al., 1997).

Figura 4 - Adaptação do modelo de Dell para o processamento em rede

Saito e Takeda (2001) examinaram pistas semânticas e seu


efeito na recuperação e na produção de palavras em pacientes
afásicos, em situação de nomeação por confrontação. Quatro
tipos de pistas foram utilizados: pistas fonológicas (fonema
inicial), relacionadas semanticamente (não pertencentes à mes-
ma categoria, por exemplo: Egito e pirâmide), membros da mesma
categoria (banana, maçã), condição de base (sem pistas, havendo
somente o incentivo do examinador). Tanto as pistas fonológicas
quanto semanticamente relacionadas provocaram melhora na
performance. Por outro lado, um membro da mesma categoria
oferecido como pista não levou à melhora de respostas. A partir
desses resultados, os autores defendem a idéia de que um modelo
de ativação interativa poderia explicar a produção de palavras.
Palavras da mesma categoria partilham traços semânticos já
ativados pela figura, enquanto termos somente relacionados
fornecem informação adicional através de conexões com o nó
lexical “alvo” quando são apresentadas como pistas.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Déficits de leitura e seu tratamento na linha cognitivista

A avaliação constitui etapa importante na determinação da


terapia e tem por objetivo verificar:

• a integridade das vias translexical (assemântica e


semântica) e perilexical;
• a interferência de características dos estímulos;
• a integridade de memórias específicas.

COMPONENTES DO
ESTÍMULOS APLICAÇÕES CLÍNICAS
PROCESSAMENTO

Palavras irregulares na leitura Verificar erros de regularização


e na escrita, compostas dos Comparar com os erros
grafemas X, E, O. Leitura translexical global da escrita, que favorece a
Palavras estrangeiras de alta observação das alterações
freqüência (diet, coke) nessa via, no português.

Avaliação de disgrafias puras,


Comparação entre disgrafias de superfície,
Palavras irregulares para a
modalidades de leitura e dislexias e disgrafias
escrita
escrita sob ditado concomitantes, porém com
mecanismos diversos.

Não palavras fonologicamente Comparar o desempenho de


Leitura perilexical
legítimas palavras e não palavras.

Transmite informação sobre


a capacidade de relacionar o
Palavras de classe fechada Via translexical assemântica
léxico logográfico e logofônico
sem o saber semântico.

Verificar paralexias
Infinitivos e verbos irregulares Via translexical assemântica morfológicas e associação
entre dislexia e agramatismo
Verificar o emparelhamento
Via literal – alofônicas
Letras isoladas (alofônicas e literal e sua relação com
Via perilexical – não
não alofônicas) os registros fonoliteral e
alofônicas
alfabético de entrada

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

O quadro da página anterior apresenta os procedimentos


para verificar a integridade de vias e a forma de induzir os proces-
samentos específicos com estímulos selecionados (Parente et al.,
1997).
O exame das vias de processamento pode ser comple-
mentado pela análise da interferência, do tipo de estímulo (efeito de
extensão, freqüência, regularidade, imageabilidade) e a verificação
das memórias envolvidas nas diferentes vias de leitura.
A partir da avaliação, são selecionados os estímulos de forma
que proporcionem ao paciente a exposição à situação problema.
Nesses casos os modelos cognitivos têm o papel de guiar a terapia:
remediar uma rota particular de processamento, por exemplo.

PROGRAMAS COMPUTADORIZADOS E RECURSOS PARA


IMPLEMENTAÇÃO DA COMUNICAÇÃO

Estas propostas baseiam-se no reconhecimento de que os


afásicos mantêm capacidades cognitivas que permitem aprender
o manejo de recursos alternativos. Justifica-se sua indicação para
suplementar o tratamento com base nos argumentos de rapidez,
precisão e eficácia em relação às situações de aprendizagem. Os
computadores têm sido utilizados tanto para a avaliação quanto
para terapia de comunicação.
Alguns programas permitem que o paciente tenha um
“ambiente” estruturado, o que garante maior independência na
realização de atividades de linguagem, com maior controle sobre
características dos estímulos, modo de apresentação e possibi-
lidade de registro de respostas. Os programas variam em relação ao
seu conteúdo, complexidade e objetivos, envolvendo desde tarefas
repetitivas até situações interativas relacionadas a aspectos globais
da comunicação.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Métodos alternativos não computadorizados envolvem a re-


presentação pictórica de conceitos (substantivos, ações, adjetivos)
do léxico e da gramática, como é caso do Picture Communication
Symbols (PCS) (Johnson, 1985) e do Picture Communication Re-
sources (Kagan et al., 1996). São interessantes recursos para
auxiliar não só a expressão da linguagem, mas servem ainda
como passo intermediário na construção dos gestos e favorecem a
representação de construções frasais.
Um ponto crucial para o sucesso desses métodos é a parti-
cipação dos interlocutores significativos para assumir seu papel na
comunicação, segundo os padrões alternativos.

Outros componentes envolvidos na terapia da afasia

A definição de linguagem apresentada no capítulo I deste


livro nos mostra pré-requisitos para seu desenvolvimento, a partir
de múltiplos componentes biológicos, emocionais e sociais. Assim
sendo, na reabilitação da afasia, foram propostos alguns métodos
que abordam perspectivas psicossociais, entre elas a aplicação
de técnicas psicoterapêuticas, orientações ao ambiente quanto a
percepções e ajustamento à situação da afasia, e terapia em grupo.
A par da terapia fonoaudiológica, que cria a percepção de
“continência” e suporte, a aplicação de técnicas psicoterapêuticas
obviamente envolve profissional especializado da área atuando
com o fonoaudiólogo, e tem por objetivo o desenvolvimento da
identidade, a reconquista da individualidade, assim como o trabalho
com as reações à perda de identidade (Brumfitt e Clarke, 1989).
A orientação ao ambiente quanto a percepções e ajustes
à situação da afasia vem sendo explorada recentemente. A
aplicação de escalas envolvendo comportamento social irá fornecer
indicadores para a terapia, chamando a atenção para a família ou
outros que estejam significativamente afetados. Outro valor das
escalas de percepção é a monitoração do terapeuta e dos outros

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

membros envolvidos em relação às próprias percepções (Muller e


Code, 1989).
No atendimento de afásicos, o grupo pode assumir diversas
direções: a de suporte social, ambiente de integração, lócus para
a prática de programas estruturados de linguagem e eliciador de
aprendizagem. A escolha preferencial de terapia, individual ou em
grupo, ainda tem pouco suporte na literatura. Embora se vislumbre
as possibilidades de exploração e vantagens do grupo como
elemento terapêutico (Fawcus, 1989), a modalidade individual
tem sido apontada como mais vantajosa para a aquisição de
determinadas habilidades de linguagem (Wertz et al., 1981).
Examinando os métodos propostos constatamos que embora
as propostas de reabilitação tenham sido ensaiadas no início da
Neuropsicologia, somente nos últimos 20 anos ganharam a estatura
de métodos replicáveis e nos quais se pode buscar evidências de
eficácia. A ausência de resultados convincentes sobre a eficácia
de reabilitação permitiu que por muitos anos se desacreditasse do
trabalho terapêutico (Lincoln, 1984).

ESTUDOS SOBRE A EFICÁCIA DO TRATAMENTO PARA AFASIA

A questão óbvia a ser levantada é: o tratamento para afasia


resulta em melhora da linguagem?
Dois estudos (Lincoln et al. 1984; Wertz et al., 1986) com
grandes amostras (201 e 121 sujeitos, respectivamente), e um
(Vignolo, 1964) considerando amostra de tamanho médio (68
sujeitos) compararam indivíduos tratados e não tratados. No pri-
meiro estudo não foram encontradas diferenças significativas entre
os grupos. Porém, este estudo não considerou os componentes
específicos de linguagem que haviam sido tratados, e não detalhou
os métodos empregados. Por outro lado, o grupo de Wertz (op. cit.),
que levou em conta variáveis dos sujeitos e dos métodos, encontrou

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

diferenças significativas favorecendo o grupo tratado, quando


comparou o tratamento tradicional, o tratamento realizado por
voluntários em moldes não tradicionais e pacientes não tratados. A
melhora predominou no grupo tratado, mas não havia diferenças do
tratamento realizado por voluntários e profissionais.
A comparação entre métodos realizada por Hartman e
Landau (1987), Shewan e Kertesz (1984) e Wertz (1981) mos-
trou que tanto pacientes tratados por métodos tradicionais
quanto aqueles que receberam orientações e aconselhamento
apresentaram melhora. Em relação à condução da terapia, Shewan
e Kertesz notaram diferenças significativas quando era realizada
por terapeutas profissionais. Em relação ao tratamento individual e
em grupo, as diferenças no resultado são mínimas, favorecendo o
tratamento individual.
Um estudo sobre avaliação de programas realizado por De
Reuyter e Stein e apresentado no texto de Holland et al. (1996),
considerando número de pacientes que apresentaram melhoras
numa amostra grande, evidenciou que, após terapia fonoaudiológica,
a recepção da linguagem foi o aspecto mais favorecido, seguido
da expressão da linguagem e produção de fala. Considerando
porcentagens, os maiores ganhos foram na recepção da linguagem;
em seguida, da produção de fala e expressão da linguagem oral. Em
relação à linguagem escrita, nota-se maior porcentagem de melhora
na leitura do que na escrita e, considerando-se o número de
pacientes, maior número de pacientes com melhora na escrita do
que na leitura. Os autores discutem a dificuldade de se estabelecer
critérios de pontuação e discutem medidas de observação funcional
da linguagem.
Em relação ao tratamento oferecido precoce ou mais tardia-
mente, os estudos mostram que existe benefício no primeiro caso
(Basso, 1979; Butfield e Zangwill, 1975 e Poeck, 1989).
Holland et al. (1996) enumeram aspectos importantes a
serem respondidos, para que se possa indicar com precisão a
terapia da afasia:

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

• Quem são os bons candidatos à terapia?


• Quando o tratamento é mais benéfico?
• Que tipo de tratamento é mais efetivo?
• Que outras influências podem se considerar no trata-
mento?

Algumas respostas às questões acima podem ser esboçadas.


O critério de consideração do desajuste e desvantagem
social do afásico deve ser considerado em relação a um modelo
como o adotado pela CIDIH (Reséau International CIDIH, 1991). A
eficácia e efetividade da terapia referem-se à adaptação social do
indivíduo ao seu meio.
Sobre o conceito de adaptação, o debate gira em torno de
abordar aspectos gerais da linguagem e comunicação com apoio
em capacidades remanescentes, ou buscar o tratamento específico
para o déficit (Thompson, 2000; Kolk, 2000). Em resumo, devemos
compensar ou remover o problema? Não temos respostas para
essa questão, pois os partidários dos dois pontos de vista têm
justificativas plausíveis. O bom senso indica que, em fase aguda, no
caso de um paciente grave, devem ser abordados aspectos gerais
da comunicação, numa linha pragmática que garanta o mínimo
de compensação de habilidades funcionais para interação com
o meio. Por outro lado, o caso de um paciente com déficit leve e
específico talvez encontre resposta numa linha cognitivista.
Em relação aos bons candidatos à terapia, cabe salientar
que um diagnóstico preciso auxilia a indicação dos candidatos
que melhor terão proveito da proposta terapêutica. Essa afirmação
parece particularmente verdadeira quando se lida com a expressão
da linguagem oral. Os estudos citados acima mostram que a
compreensão da linguagem evolui (ao menos em seus aspectos
funcionais) mesmo quando estimulada por métodos inespecíficos. A
expressão da linguagem e a produção da fala por outro lado, parecem
necessitar de abordagens mais direcionadas e específicas.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Alguns métodos terapêuticos indicam com clareza os


pacientes que podem se beneficiar da intervenção: é o caso da
terapia melódica. Outros, pela sua própria proposta específica,
apontam para o tratamento de determinado aspecto diagnosticado,
como o agramatismo.
Outra discussão importante é sobre o modelo de aprendi-
zagem envolvido na proposta terapêutica. Essa reflexão nos força
a ir além da pergunta “O que queremos ensinar” para outras
questões: “Como vamos ensinar?”, “Como vamos induzir a recupe-
ração da informação?”, “Quais as circunstâncias a serem criadas
para propiciar a aprendizagem?”. Sabemos, por exemplo, que a
codificação, armazenamento e recuperação de conteúdos da lin-
guagem estão vinculados a sistemas de memória com natureza
específica e que devem ser considerados na situação terapêutica.
A codificação de informações sobre regras fonológicas e sintáticas
produzidas em situação de leitura em voz alta e produção de fala
em rezas, por exemplo, está vinculada ao sistema implícito de
memória, enquanto os conteúdos semânticos estão organizados
em memória semântica e episódica (Karni, 1994).
A terapia de afasia envolve múltiplos aspectos. A busca
da especificidade no conhecimento das variáveis envolvendo o
sujeito e a terapia tem sido a meta para que possamos entender
a interação desses fatores, em modelos multifatoriais, tornando
claros os efeitos da intervenção.

1 - A Academia Americana de Neurologia considera os seguintes critérios para evidenciar


eficácia: Classe I - Evidência a partir de um ou mais estudos clínicos prospectivos, randomizados,
controlados; Classe II - Evidência a partir de um ou mais estudos clínicos como estudos de caso,
estudos de coorte e semelhantes; Classe III - Evidência a partir do julgamento de especialistas,
controles não randomizados, retrospectivos ou um ou mais relatos de casos.

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310

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CAPÍTULO XV

ATENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA NAS DEMÊNCIAS

Conforme exposto no capítulo XII, os quadros demenciais


diferem quanto à etiologia, prognóstico e apresentação. Em todos
notamos alterações de linguagem e comunicação, sendo que em
alguns deles existe maior número de estudos sobre o perfil de
linguagem, como no caso da demência de Alzheimer. A abordagem
do fonoaudiólogo deve levar em conta tanto as alterações de
linguagem quanto de memória e outras funções cognitivas e ainda
o caráter degenerativo ou não degenerativo do quadro.
No caso das demências vasculares, diante da possibilidade
de obtenção de condições clínicas estáveis, a condução do
processo terapêutico é semelhante àquela das afasias. Nos quadros
degenerativos, outras variáveis devem ser consideradas:

• relacionadas ao indivíduo: acometimento senil ou pré-


senil;
• relacionadas à doença: interdependência entre a lin-
guagem e outras funções cognitivas (atenção, memória,
habilidades vísuo-espaciais); variáveis quantitativas e
qualitativas (tipo, ritmo de degeneração das habilidades
cognitivas);
• sociais: o cuidador; a família.

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A demência de Alzheimer é a forma de degeneração mais


freqüente e na qual as alterações de linguagem têm sido mais
estudadas, motivo pelo qual a utilizaremos como modelo de
atuação fonoaudiológica. A manifestação da doença de Alzheimer
é mais freqüente na faixa senil. Quando se pensa em reabilitação
de indivíduos idosos, em geral se privilegia sua adaptação social e
afetiva, sendo menos freqüentemente notadas preocupações com
déficits cognitivos específicos. Idosos normais trazem características
de aprendizagem, como alterações da atenção e processamento de
curta duração e perdas na capacidade de manipulação ativa do
material a ser resgatado de memória (conforme foi apresentado no
capítulo III) que podem determinar direções na “terapia”.
Do ponto de vista cognitivo, sabe-se que, no padrão clássico
da doença, a linguagem é uma das primeiras funções a se manifestar
comprometida, sendo precedida por alterações de memória (princi-
palmente memória episódica). No entanto, a ausência de padrões
parece predominar, sendo bastante freqüente apresentação hetero-
gênea de alterações cognitivas (Joanette et al., 1996).
O custo e o impacto das demências, especialmente as
degenerativas, na sociedade, é bastante alto, particularmente
para aqueles indivíduos que assumem a assistência direta a esses
pacientes – a família e os cuidadores. Nos últimos anos a relevância
dada ao cuidador tem sido crescente, sendo inúmeros os trabalhos
que deles se ocupam.
Os ensaios no sentido de se minimizar ou reverter alterações
cognitivas são recentes. O exame dessas propostas nos mostra a
preocupação num âmbito denominado “reabilitação cognitiva”,
podendo-se constatar que vários dos itens dizem respeito à
linguagem e comunicação.
A definição do papel do fonoaudiólogo na atuação junto às
demências está diretamente relacionada à expectativa de mudan-
ças no quadro. Clark e Witte (1995) conceituam efetividade (da
“terapia”) segundo três visões: 1) melhora da comunicação, 2)
manutenção de habilidades comunicativas, e 3) adaptações

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

desencadeadas e mantidas por interlocutores. Estas adaptações


podem ser medidas pelo número e qualidade de estratégias
utilizadas (Frattali, 1995), pelo nível de frustração dos cuidadores
nas tentativas de comunicação com o paciente, e ainda pelo
desgaste e stress do cuidador.
A obtenção de melhora pode parecer sem sentido num
quadro degenerativo, mas é possível nas fases precoces de manifes-
tação da doença. A manutenção de habilidades e adaptações de
ambiente e cuidadores têm sido constantemente salientadas
nas propostas para atendimento a pacientes com demência de
Alzheimer. Por outro lado, melhora e adaptação são dois conceitos
muito inter-relacionados; por exemplo: adaptações na linguagem,
em relação ao déficit do tipo anômico podem levar à melhora na
comunicação.
A abordagem fonoaudiológica visa a garantir, na medida
do possível, qualidade de vida ao indivíduo. Isso significa manter
as funções da linguagem (Lubinski, 1997) que estão diretamente
relacionadas à manutenção do senso de identidade, independência,
autocuidado, equilíbrio emocional e lazer. A efetividade da
abordagem é possível de ser alcançada se o fonoaudiólogo
entender seu papel nos diferentes estágios do problema. Em
termos gerais, o alvo é a obtenção de um ambiente equilibrado e
estruturado que garanta suporte e vá ao encontro das necessidades
do paciente, de seus interlocutores significativos e seu ambiente
(Clark et al., 1995). A par dos medicamentos disponíveis, segundo
indicação médica, as propostas de intervenção têm como objetivos
as adaptações e “terapias” comportamentais (Van der Linden et al.,
1991, Bourgeois, 1990).

Terapias comportamentais

Embora o comprometimento de memória seja a base de


muitas alterações de comunicação, cabe considerar que, em rela-

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ção à melhoria de seu funcionamento, os melhores resultados


são aqueles que buscam otimizar condições de funcionamento
da linguagem, motoras e vísuo-espaciais. Existem comprovadas
vantagens desse tipo de proposta, em relação a um mero treino
(Glisky, 1997). Ao se tratar da memória de longa duração cabe
identificar os subsistemas declarativo (episódico e semântico) e
implícito, e as condições de codificação e recuperação.

1. Análise de condições de codificação: Esta proposta tem


por objetivo acentuar e fornecer pistas, para que os estímulos
desencadeadores de atividades sejam percebidos como relevantes
pelo paciente. Além de alterações no sentido de destacar
propriedades, estabelecem-se relações com vistas a promover
suportes e associações mnemônicas (Nebes et al. 1989). Outras
propostas propõem o envolvimento ativo do paciente na seleção
de dados para codificação (Dick, et al. 1988). Em tarefas de
compreensão de sintaxe, os pacientes parecem se beneficiar
quando o número de proposições é reduzido (Rochon et al., 2000).
Em resumo, nas três situações, leva-se em conta a sensibilidade à
carga semântica da informação, o envolvimento ativo do paciente e
a quantidade de material a ser codificado.

2. Fatores de recuperação: As condições de recuperação


interferem na performance dos pacientes com demência de
Alzheimer. Os estudos vêm demonstrando de forma consistente a
dissociação entre a capacidade de recuperação de forma implícita e
explícita (Koivisto, et al., 1997), com vantagens na primeira situação.
A comparação de escores obtidos em tarefas de reconhecimento e
recuperação ativa da informação mostra o quanto os pacientes têm
dificuldades nas últimas. Esta constatação é verdadeira tanto para
dados de memória episódica quanto semântica: lembrança ativa
versus reconhecimento de episódios (Spinnler e Della Sala, 1988)
e capacidade de nomear versus capacidade de reconhecer itens
lexicais (a partir de pistas) (Degenszajn, 2001).

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Estudos sobre estratégias mnemônicas, que utilizam habili-


dades residuais, podem auxiliar o aprendizado de informações
específicas (Glisky, op. cit.; Thoene, 1995; Wilson, 1982), assim como
a recuperação da informação em intervalos regulares (Glisky, op. cit.)
e aprendizagem sem erro (Wilson, 1996) também podem fornecer
pistas para a orientação de algumas atividades de comunicação.
Wilson (1996 op. cit.) descreve algumas dessas técnicas ao lado
de outras, como terapia de orientação para a realidade, terapia por
reminiscência e adaptações ambientais. Benjamin (1995) propõe
técnicas que considerou eficazes para a orientação de pacientes
graves, que diferem da proposta de Wilson, pois levam o paciente
a manter contato com o ambiente pela confirmação de seu
estado emocional interno, mais do que provocando coerção para
orientações externas.
A comprovação da efetividade de práticas de reabilitação
cognitiva e de comunicação nos pacientes com demência esbarra em
razões éticas e metodológicas e, até o momento, não se pode provar
de forma objetiva o efeito de propostas específicas. Quando se tenta
melhorar as condições de comunicação de um paciente, aplica-se
um conjunto de abordagens e, quando ocorre a melhora, é impossível
saber suas razões exatas. A prática de tarefas de linguagem e
comunicação em atividades envolvendo as memórias operacional,
episódica e semântica, levando em conta princípios de auxílio por
pistas, tempo de exposição a um determinado tópico de conversação,
número de ensaios de correção e reformulação da linguagem, bem
como a re-aprendizagem de algumas habilidades relacionadas à
escrita, justifica-se na constatação dos estudos apresentados acima.

Modificações do ambiente de comunicação

Para o fonoaudiólogo importa entender o ambiente num


sentido amplo, além do ambiente físico, incluindo todo o contexto
de comunicação.

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Lubinsky (1995) valoriza a premissa clássica de que, quan-


to mais acentuado o quadro demencial, mais dependente se
torna o indivíduo de seu ambiente. Por outro lado, alinha-se aos
autores que reconhecem que mudanças no ambiente alteram a
quantidade e qualidade da comunicação, entendendo a importância
do fornecimento de próteses auditivas (Lubinski, 1995; Palmer et
al., 1999) e garantia do conforto e estímulo à interação pessoal,
juntamente com o incentivo à comunicação com diferentes
interlocutores, em situações “problema”. Em outras palavras, o
ambiente pode estimular a participação em situações que provoquem
a tomada de posição, como responder a uma pergunta, ou manifestar
agrado / desagrado frente à constatação de mudanças no ambiente
físico, rotinas, etc. A idéia geral é aumentar as oportunidades de
comunicação e prover maior número de tópicos.

Mudanças no ambiente físico

Lubinski (1995) considera 10 pontos que caracterizam o


ambiente como adequado ou inadequado:

1. Insensibilidade para o valor da comunicação inter-


pessoal.
2. Restrições à comunicação.
3. Ausência de interlocutores para conversar.
4. Falta de razões para conversar.
5. Autopercepção desfavorável, em relação à possibilidade
de contribuir significativamente para o ambiente.
6. Falta de espaço físico que garanta privacidade e conforto.
7. Acesso aos ambientes limitado ou difícil.
8. Estímulos sensoriais confusos ou privação de estímulos.
9. Existência de muitas pessoas com problemas de comu-
nicação no mesmo ambiente, o que o torna socialmente
pouco estimulante.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

10. Falta de suporte para expectativas dos cuidadores, em


relação à comunicação.

O diagnóstico do ambiente permite elaborar objetivos para


desenvolver adaptações em relação a aspectos físicos e em relação
a habilidades e atitudes de cuidadores. Um estudo realizado por
(Orange, 1995) mostra que as famílias percebem com grande
clareza o que acontece com a linguagem dos portadores de
Alzheimer e suas dificuldades nas situações do dia-a-dia:

• Diminuem a iniciativa para a comunicação, não sabem


o que falar quando, de forma inesperada, encontram
alguém.
• Diminuem o número de emissões: tornam-se mais quie-
tos, taciturnos e menos falantes.
• Têm dificuldade em formular pedidos, não conseguem
transformar seus desejos em “linguagem”.
• Repetem idéias e emissões, não são capazes de resolver
suas idéias. Esquecem o que acabaram de falar e
repetem inúmeras vezes a mesma coisa.
• Falam do passado com maior freqüência.
• Falam coisas impróprias.
• São incoerentes.
• Apresentam hesitações e pausas, diante de nomes e
diante da dificuldade de dar continuidade à resolução de
idéias.
• Falam de maneira vaga, usam nomes genéricos do tipo:
“gente”, “coisa”, “negócio”, sem especificações poste-
riores.
• Têm dificuldades para encontrar palavras durante a
conversa. Esta dificuldade diz respeito a nomes próprios,
nomes de pessoas e também a objetos comuns da vida
cotidiana.
• Realizam emissões incompletas. Esquecem as idéias

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

no meio do desenvolvimento. Em muitas situações, é


possível se adivinhar o que o portador queria dizer; em
outras, essas tentativas perdem o sentido comunicativo.
• Não chegam às idéias, realizando rodeios. Muitas vezes,
perdem-se durante o desenvolvimento de um tema.
Quando a dificuldade para resolver idéias manifesta-se
sob a forma de rodeios, embora isso seja sinal de um
problema, temos um aspecto positivo do qual se pode
ainda tirar partido. Afinal, mesmo com rodeios é possível
manter a comunicação.
• Têm dificuldade para formar sentenças. A formação de
sentenças envolve um raciocínio lógico: de quem se fala?
o que se fala? quais as conseqüências desse ato?
• Têm dificuldade para lidar com mudanças. Os roteiros
e rotinas de vida estabelecidas servem de apoio para a
linguagem e pensamento.
• Não entendem instruções simples.
• Necessitam que se repitam muitas vezes as mesmas
idéias. Não é possível aqui estabelecer uma continuidade
dos fatos e a experiência pouco modifica as idéias e a
linguagem.
• Ouvem, mas “desligam”: perdem o sentido entre o que
está sendo ouvido e as experiências reunidas sobre o
assunto.
• Dão respostas que não estão relacionadas com o que foi
perguntado. Interpretam erroneamente, ou de um ponto
de vista diferente daquele da pergunta.
• Têm dificuldades para preencher cheques e anotar
recados. A linguagem escrita pode ser um indicador
sensível das dificuldades de linguagem da demência do
tipo Alzheimer e pode ter conseqüências desastrosas,
no caso do preenchimento de cheques. Frente a déficits
cognitivos e suspeitas de possível quadro demencial,
observar o preenchimento de cheques.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

• A perda da linguagem escrita do portador ocorre


predominantemente em relação ao significado. Na fase
inicial pode ainda ser entendida.
• Enfim, há dificuldade em transformar as idéias em
palavras, redução de informação, com falas vagas, desvios
do assunto e rupturas na coerência. A compreensão é
afetada de forma crescente.

Estas dificuldades se acentuam em determinadas situa-


ções:

• Grupos grandes: quando o portador necessita muita


atenção (e em situações em que esta deve se dividir), é
difícil lidar com muitos estímulos ao mesmo tempo, para
dar um sentido, um significado.
• Pessoas desconhecidas: estas não sabem como se
adaptar ao portador e constituem estresse como qualquer
situação nova.
• Determinados membros da família: especialmente aque-
les que não são sensíveis o suficiente para desenvolver
as adaptações para interagir, os ansiosos e os que não
assumem o papel de liderança no desenvolvimento da
comunicação.
• Pressão para falar: o portador reage melhor a situações
de motivação e incentivo do que pressão para se co-
municar.
• Contato que não seja face a face: a situação de conversa
telefônica, por exemplo, constitui especial dificuldade
porque não se observam as reações do corpo e do rosto
do outro.
• Assuntos não familiares: quando se conhece o assunto,
é possível utilizar todo o conhecimento de mundo
previamente adquirido para o desenvolvimento da
conversa.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

• Estilo de conversa breve: a conversa não deve ser muito


breve a ponto de não dar tempo para a construção e
organização do significado. Por outro lado, conversas
muito longas causam fadiga e são difíceis de serem
mantidas.
• Ambientes ruidosos: estímulos competitivos e ruídos de
fundo atrapalham a focalização da atenção.
• Um ponto central é a ênfase à comunicação, tendo a
pragmática como elemento regulador de todo o sistema
da linguagem, o que significa priorizar a competência
comunicativa ao invés da lingüística e entender que na
situação comunicativa, o envolvimento de memórias
(modalidades e subsistemas) está em jogo.

As estratégias para amenizar as dificuldades de compreensão


são descritas por Marshal, (1981). São procedimentos inicialmente
concebidos para serem utilizados com idosos e afásicos.

• Utilizar comunicação face a face: a conversa face a face


estimula a atenção e a motivação para o entendimento
da mensagem.
• Falar lentamente (não se deve silabar, mas sim fornecer
blocos de idéias).
• Usar pausas nas frases, separando blocos de idéias.
• Acentuar a prosódia da frase.
• Acentuar o termo que transmite a idéia principal. Aqui, é
importante salientar que a lentificação deve estar rela-
cionada ao processamento do significado.
• Simplificar a construção das frases. Evitar frases extensas,
complexas ou de conteúdo excessivamente abstrato.
• Repetir as idéias principais, por exemplo, o tema ou a
pessoa de quem se fala.
• Posicionar o elemento que se quer destacar no final da
emissão.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Para amenizar as dificuldades de expressão, algumas suges-


tões de (Clark e Witte, 1995).

• Trabalhar com idéias e temas, não com palavras ou deta-


lhes da produção de linguagem.
• Incentivar o uso de termos relacionados ao significado
pretendido: as reformulações ou circunlóquios.
• Utilizar a estratégia do script: planejar o que vai dizer a
partir de um tema.
• Utilizar a “experiência de vida”.
• Utilizar a capacidade de exercitar escolhas e opções.

Na fase inicial da doença, a abordagem do paciente tem


como pressuposto sua possibilidade de aprender, incorporar e
transferir ensinamentos. O objetivo é o uso de compensações e
otimização de funções residuais; métodos adicionais, suportes
e alternativos começam a ser introduzidos. A manutenção das
atividades de comunicação deve sempre estar em vista.
A exposição a atividades que destaquem os componentes
pragmáticos e semânticos, como atividades de comunicação, são
interessantes na medida em que podem auxiliar diretamente o
paciente em situações da vida prática. A idéia é fundamentalmente
a exposta por Van der Linden et al. (1991) e Frattali (1995): observar
e avaliar as atividades de comunicação da vida cotidiana do
paciente, analisando-as do ponto de vista da solicitação cognitiva.
As atividades são decompostas em passos e o desempenho do
paciente é observado segundo a necessidade de auxílio, podendo
ser pontuada numa escala. Durante uma conversação, por exemplo,
podemos observar se o paciente compreende o tópico, acompanha
seu desenvolvimento, assume um ponto de vista, é capaz de
fornecer informações e contribuir para o desenvolvimento do tema.
Nota-se ainda se, ao cometer deslizes, é capaz de retomá-los e
reformular sua linguagem no sentido de alcançar a comunicação.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Estes subcomponentes envolvem a utilização de habilidades tanto


de linguagem quanto de memória semântica e episódica.
A compreensão da linguagem depende da capacidade de
estabelecer relações entre conceitos e proposições, conferindo-lhes
relevância de acordo com o contexto. Depende da memória de
curta e longa-duração, além da atenção. A capacidade de perceber
os próprios deslizes e reformulá-los refere-se a todos os níveis da
linguagem, mas principalmente à análise, busca e monitoração
de relações semânticas e formulação de idéias em ensaios que
se organizam direcionados à mensagem-alvo. Na reformulação,
estão implícitas habilidades de definição, nomeação, descrição,
explicação e explicitação. Desenvolvendo esta habilidade, o
paciente aprende a buscar relações de proximidade semântica,
como no caso das paráfrases (também chamadas de circunlóquios
na literatura de neuropsicologia) ou de oposição semântica, como
no caso das correções.

Atenção aos cuidadores

Com o agravamento da doença, ganha destaque o papel


do cuidador. Esta abordagem baseia-se na concepção de que a
comunicação está incluída entre os tradicionais cuidados (asseio,
alimentação) proporcionados ao paciente. A orientação aos
cuidadores inclui informações sobre a demência, o declínio da
linguagem, e desenvolve competências no sentido de identificar
e desenvolver habilidades de comunicação com os doentes. O
cuidador também é habilitado para identificar os estágios da
demência e características da comunicação, incluindo como
avaliá-la e maximizá-la em aspectos verbais e não-verbais, em
cada estágio da doença. O material educativo envolve: manual de
treinamento, guias, formas de avaliação e videoteipes. No programa
elaborado por Ripich (1994) o paciente é abordado através do
cuidador, que aprende os seguintes conteúdos:

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

1) Garantir a atenção do paciente, na comunicação face a


face.
2) Auxiliar a compreensão e dirigir a atenção para deter-
minado tópico, com a utilização das estratégias para
facilitar a compreensão expostas acima (repetições
redundantes, controlando a extensão e o fornecimento
de pistas temporais e lingüísticas, intervalos e destaque
de idéias).
3) Manter o tópico pelo maior tempo possível e, quando for
mudá-lo, preparar cuidadosamente a transição. Para isso,
o cuidador é ensinado a retomar e integrar o conteúdo
constantemente, incentivando o paciente a contribuir
com tomadas de posição ou informações adicionais,
como vivências, por exemplo.
4) Fornecer estratégias para auxiliar o paciente a não desistir
diante de um “erro” e, sim, a buscar apoio em outros
meios ou canais de expressão. O cuidador aprenderá a
identificar a quebra de comunicação e como valorizar os
indícios que permitirão dar continuidade à interação.
5) Reestruturar a emissão, de forma que leve o paciente
a um modo simples de responder, valorizando-se o
reconhecimento e fornecendo-se opções de resposta.
6) Manter a conversação, dentro do possível, com a troca de
turnos, iniciando-a por um “aquecimento” com tópicos
leves, corriqueiros e acessíveis ao paciente.
7) Assumir a responsabilidade da comunicação e entender
seu papel na manutenção da interação, priorizando
aspectos pragmáticos e funcionais, tendo como principio
básico evitar as “rupturas” e saber compensá-las quando
ocorrem. Isso implica a ênfase nas adaptações.

Programas semelhantes foram concebidos por Orange et al.


(1995) e Shadden, (1995).

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Atividades em grupo

Clark e Witte (1995) dedicam-se a propostas de atividades


realizadas em grupo, enumerando princípios relativos à preparação
e agenda das atividades, ambiente físico e gerenciamento de
rupturas emocionais e comportamentais (evitar confrontos, por
exemplo), além de diretrizes para a condução da comunicação.
Estas últimas dizem respeito ao estabelecimento de rotinas de
interação, com explicações prévias das atividades, aquecimento
para a comunicação pela observação de membros da equipe,
priorizando aspectos pragmáticos e não informações precisas,
personalização dos tópicos (incentivo à tomada de posições), uso
de linguagem emocional, valorização de experiências de vida e
favorecimento de pistas multissensoriais.

Comunicação alternativa

O uso de gestos, por si só, não garante melhor comunicação


com os pacientes portadores de demência de Alzheimer, já que
o sistema semântico comum à representação conceitual de
gestos e linguagem verbal está comprometido (Glosser et al.
1998). Do mesmo modo, sistemas alternativos que envolvam
gerenciamento complexo são desaconselhados. No entanto,
tecnologias que auxiliem a atenção, enfatizem a compreensão e
as pistas do interlocutor, assim como jogos, devem ser cogitadas
(Garrett, 1997). É interessante salientar que os pacientes mantêm
habilidades residuais de linguagem e comunicação até estágios
finais da doença. Bayles et al. (2000) realizaram um inventário,
constatando, na maioria de seus sujeitos, capacidades como: dar
resposta apropriada a saudações, responder a um cumprimento
social à chegada e saída do local (como aperto de mão),
reconhecer o próprio nome escrito, reconhecer o telefone e o carro
do examinador. Nota-se que essas habilidades são, em sua maioria,

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

de cunho afetivo, e solicitam reconhecimento mais do que resgate


ativo de informações.
A abordagem fonoaudiológica deve levar em conta as
mudanças cognitivas e lingüísticas do quadro para delinear seus
objetivos. Ao início da doença é possível manter-se a perspectiva
cognitivo-informativa; progressivamente, a comunicação tem função
predominantemente afetiva e é realizada por canais residuais de
comunicação.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

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CAPÍTULO XVI

TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA NOS


TRAUMATISMOS CRANIOENCEFÁLICOS

As propostas de terapia para pacientes com seqüelas de


traumatismo crânioencefálico (TCE) ganharam especificidade na
medida em que se compreenderam as particularidades desse
tipo de lesão, suas conseqüências, e as diferenças em relação às
síndromes afásicas classicamente estudadas no contexto de lesões
vasculares.
Além das alterações de linguagem, os pacientes com TCE
podem exibir outros transtornos neuropsicológicos na esfera da
atenção, memória, alterações visuoperceptivas e vísuo-espaciais,
e de função executiva, a última se refletindo na habilidade de
resolução de problemas e estando relacionada às dificuldades
encontradas na vida cotidiana, nestes pacientes. Além das
conseqüências neuropsicológicas, estes pacientes são afetados
por desordens motoras, emocionais e sociais. Violon (1988) sugere
que a etiologia do traumatismo pode determinar comportamentos
emocionais reativos, sendo mais graves conforme as circunstâncias
do “acidente”, como no caso de lesões decorrentes de arma de
fogo. As desordens da linguagem e comunicação se apresentam
em intrincada interação com os fatores enumerados acima e
a reabilitação deve ser planejada de forma que contemple sua
característica multifatorial.

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

Neste contexto complexo, a síndrome frontal interfere na


linguagem em suas vertentes de inibição ou desinibição, sendo
considerada talvez o traço clássico das alterações encontradas nos
TCE.
As instâncias de atendimento terapêutico do TCE podem ser
consideradas em cinco estágios:

1) Cuidados em serviços de emergência, essencialmente


médicos, e têm por finalidade manter o paciente vivo e
garantir procedimentos que minimizem as seqüelas.
2) Cuidados em unidades de terapia intensiva, na qual o
doente freqüentemente está em estado comatoso. A par
do esforço médico para estabilização do quadro, indica-
se atividades de estimulação sensorial.
3) Programas de reabilitação em enfermarias incluem o
atendimento multidisciplinar, com fisioterapeutas, tera-
peutas ocupacionais, fonoaudiólogos e psicólogos,
somados ao cuidado médico e de enfermagem. Os
objetivos desta fase são a aquisição de integração
sensório-motora básica (controle da postura, controle
de cabeça e tronco, aquisição da marcha e deglutição),
o restabelecimento de cuidados básicos (alimentação,
vestimenta, higiene) e reestabelecimento de habilidades
cognitivas básicas (orientação, atenção, comunicação
expressiva e receptiva).
4) Programas de reabilitação em ambulatório são iniciados
após a alta da enfermaria, quando capacidades básicas
de autocuidado e independência já foram adquiridas. A
equipe multidisciplinar continua, podendo se restringir
aos terapeutas tradicionalmente envolvidos em reabili-
tação: fonoaudiólogos, psicólogos, fisioterapeutas e
terapeutas ocupacionais.
5) Programas de integração à comunidade têm sido adota-
dos com crescente freqüência, diante da constatação de

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

que os indivíduos com seqüelas são jovens, em idade


socialmente produtiva, e que, mesmo que não haja a
perspectiva de reintegração profissional, a reintegração
social é um grande problema a ser solucionado. Os
programas de integração à comunidade, em geral,
acontecem fora do âmbito médico. Alguns países contam
com recursos como centros-dia, ou centros de reabi-
litação com programas em bloco, nos quais se prevê
permanência do paciente de forma a receber cuidados
vocacionais e profissionalizantes, integrados no processo
de reabilitação. No Brasil, esse modelo vem sendo
implantado e implementado em algumas cidades de
grande porte.

A pontuação obtida na Escala Rancho Los Amigos é


freqüentemente utilizada para determinar fases da reabilitação
(Schwartz-Cowley, 1989).

• Fase inicial de recuperação (escore 2-3) - inicia-se


com as primeiras respostas genéricas aos estímulos
do ambiente e termina com o surgimento de respostas
específicas, relacionadas a determinados estímulos, o
uso apropriado de objetos e compreensão de ordens
simples. Nessa fase o paciente, em geral, encontra-se em
Unidades de Cuidados Intensivos.
• Fase intermediária de recuperação (escore 4-6) - inicia-
se com o aumento do nível de alerta e de atividade do
paciente, e termina com a redução da confusão mental.
Neste momento, em geral, o paciente é transferido para
enfermaria e ambulatório.
• Fase final de recuperação (escore 7,8 e acima) - inicia-
se com a orientação, ainda que superficial, do paciente
sobre aspectos importantes da vida, e termina ao se
atingir o último nível de recuperação do paciente, o

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

qual ainda pode ou não apresentar déficits residuais


de cognição e linguagem. Nesta fase, alguns pacientes
são atendidos em programas ambulatoriais e, havendo
progressos, cogita-se os programas de integração social.

A justificativa para a reabilitação dos TCE toma por base a


capacidade de reorganização do sistema nervoso por mecanismos
de regeneração axonal, hipersensibilidade por denervação e
mecanismos funcionais de reorganização e substituição, descritos
em capítulos anteriores. Atualmente existe um número considerável
de abordagens para a reabilitação do paciente com TCE. A maioria
das propostas dirige-se às fases intermediárias e finais da
recuperação.

Tratamento do paciente em fase inicial de recuperação

Estudos na área de plasticidade cerebral, estimulação


sensorial e privação ambiental (Kaplan, 1988; Moore, 1980, apud
Ansell, 1991) justificam o atendimento a esses pacientes na fase
aguda, e mesmo a manutenção do atendimento àqueles que apre-
sentam pouca resposta após algum tempo de estimulação.
Ansell (op. cit.) encoraja os fonoaudiólogos a investir no
atendimento a pacientes que respondem minimamente e de forma
inconsistente três a seis meses após a lesão, denominados “lentos
para se recuperar” (slow-to-recover de forma abreviada, STR),
com base em evidências de que estes podem se beneficiar de
estimulação sensorial. O programa indicado inclui:

• Apresentação de estímulos visuais;


• Orientações ao paciente (o próprio nome grafado, nome
do terapeuta, dia, mês, ano);
• Apresentação multissensorial, para facilitar a compreen-
são auditiva;

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

• Apresentação tátil/gustativa.

Ansell (op. cit.) toma como argumentos para a administração


do programa a constatação de que esses pacientes estão, de certa
forma, privados de seu ambiente natural, rico em ruídos familiares,
música e outros sons das atividades humanas cotidianas. Por outro
lado, alguns estudos mostram que a lesão serve como estímulo
para o crescimento dendrítico e a formação de novas sinapses, do
mesmo modo que o faz a estimulação ambiental. Sendo assim,
os efeitos do ambiente deveriam ser maximizados durante a fase
aguda, em que ocorre intensa atividade de reorganização e no qual
os efeitos da privação sensorial são maiores.
Todos os profissionais envolvidos com reabilitação (enfer-
meiros, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas)
têm algo a oferecer a esses pacientes. No entanto, é importante
lembrar que um traumatismo cerebral em que houve coma de
longa duração e complicações em fase aguda pode deixar seqüelas
importantes como dificuldades de aprendizagem, déficits de
atenção e memória.

Tratamento do paciente em estágio intermediário de recuperação

Confusão, dificuldades de processar a informação e de


regular o comportamento são as principais dificuldades dessa
fase, ao lado de outros obstáculos para o desempenho de
habilidades específicas. A observação da capacidade para novos
aprendizados é crucial para a determinação do sucesso da
abordagem fonoaudiológica. Além disso, outros aspectos cognitivos
devem ser observados e servem como indicadores de prognóstico,
como o nível de atenção e concentração, facilidade para processar
informações (tanto relacionadas à memória operacional quanto de
longa duração), organização, raciocínio, resolução de problemas,
assim como habilidades relacionadas à função executiva (tais

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

como o uso de retroalimentação durante a atividade verbal e não


verbal, e a utilização espontânea de estratégias efetivas).
Ylvisaker e Szekeres (1994) conceberam programas
detalhados para a estimulação nessa fase. A maioria das propostas
para este momento da reabilitação, que apresentamos abaixo,
provém de suas reflexões. A palavra-chave para o tratamento nesse
estágio é estruturação da atividade. A atenuação da formalização
é importante para que o paciente não fique dependente. O
ambiente deve ser altamente previsível e livre de distrações, a fim
de promover comportamentos adaptados e funcionais. O controle
e gradação da dificuldade são realizados de tal forma que não se
exceda a capacidade de processamento de informação. O incentivo
à análise da realização da tarefa, buscando a identificação de erros
e correções, induzirá à automonitoração.
Os autores sugerem o uso de esquemas e roteiros relacio-
nados a objetivos, com questões formuladas para induzir a
monitorização e reflexão sobre a efetividade do esquema. Trata-se
do treino de habilidades metacognitivas, envolvendo tarefas que
solicitam a análise de semelhanças perceptuais, similaridades
semânticas, uso, idéias principais e tópicos, esquemas de
narrativas e roteiros da vida. Os conteúdos da terapia devem
envolver outros aspectos cognitivos, além da linguagem: atenção,
orientação têmporo-espacial, habilidade de processamento de
informações, estabelecimento e monitoramento de estratégias na
direção de objetivos e operações de acesso às memórias episódica
e semântica.
Os objetivos específicos, de linguagem, incluem:

• o aumento da objetividade do discurso e da adequação


da conversação;
• melhora da compreensão de segmentos de linguagem
cada vez mais longos e complexos, na organização do
conhecimento semântico básico e da habilidade de
recuperar elementos da memória.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Estes objetivos poderão ser alcançados através da estru-


turação, ordenação e previsibilidade do ambiente, das tarefas e
das relações com os profissionais. Esta estruturação envolve a
preocupação com o controle do grau de complexidade e dificuldade
crescentes da tarefa, a fim de que o sucesso seja garantido e as
habilidades de processamento possam ser sistematicamente
recuperadas. A intenção é direcionar a atenção do paciente, para
que ele seja capaz de absorver e processar um número cada vez
maior de informações.
Dentro das atividades terapêuticas, os autores Ylvisaker e
Szekeres (op. cit.) classificaram variáveis manipuláveis, a serem
controladas nessa fase:

• Perceptuais: o nível de integração multissensorial, a


quantidade de estímulos competitivos do ambiente e o
tempo de apresentação do estímulo.
• Cognitivas: tempo de sustentação da atenção, familia-
ridade com a atividade, organização seqüencial, planeja-
mento, complexidade da linguagem, memória, marcação
de tempo, flexibilidade cognitiva, tomada de decisões,
resolução de problemas, julgamento de periculosidade e
autocrítica.
• Psicossociais: iniciativa, relações interpessoais e
tolerância à frustração.

As estratégias de terapia que abordam aspectos da lingua-


gem e cognição podem incluir a análise de características relevantes:
esta tarefa exige uma organização do pensamento, o que facilita o
controle voluntário da atenção, recuperação de informações e
nomes, julgamento da relevância e adequação da informação para
o tópico, e formulação de descrições verbais. A mesma informação
apresentada pelo paciente poderá ser utilizada em tarefas de
escrita (descrição e narração), bem como para comparação entre
conceitos e exercícios de resolução de problemas. A escrita induz

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

a atividade proposicionada e voluntária. Várias atividades da vida


cotidiana podem ser incluídas entre os “problemas”. Dessa forma,
o indivíduo será estimulado em contextos naturais, o que facilitará
sua re-inserção social.
A prática de atividades recreativas também deverá ser
abordada. Atividades encadeadas poderão ser desenvolvidas a fim
de auxiliar o paciente a se orientar quanto ao passado recente, bem
como fornecer uma ligação entre os dias. Atividades de coleção
também devem ser incentivadas, uma vez que aumentam a noção
de permanência e fornecem entretenimento, bem como assunto
para conversa.
O tratamento de habilidades cognitivas utilizando programas
de computador, bastante em voga, teve sua indicação questionada,
na medida em que os resultados não se estendiam à vida cotidiana
(Sohlberg, 1989).

Tratamento do paciente em estágio avançado de recuperação

Os pacientes no estágio avançado de recuperação já su-


peraram o estado pós-traumático de confusão mental e estão
adequadamente orientados em seu ambiente. São capazes de ter
um objetivo, fazer opções, dirigir sua ação para esse fim e processar
informações, de forma a evitar comportamentos sociais aberrantes.
Entre os prejuízos residuais geralmente observados em pa-
cientes com TCE encontramos predominantemente alterações de
função executiva (estabelecimento de objetivos, planejamento,
auto-iniciativa, auto-inibição, automonitoramento e autocrítica),
perdas de memória e transtornos de linguagem com desorganização
e dificuldades para resolver situações-problema.
Para minimizar essas dificuldades, o paciente pode tanto
exercitar suas habilidades prejudicadas, a fim de otimizá-las, como
também realizar treinamento funcional integrado em situações
naturais, incorporando ou não treinos compensatórios.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Os pacientes ideais para participarem do treinamento com-


pensatório são aqueles que determinam objetivos específicos, têm
consciência de seu prejuízo e da necessidade de compensá-lo,
apresentam maturidade metacognitiva para “pensar sobre o pensar”
e sobre outros assuntos cognitivos, além de possuírem recursos
atencionais e qualidades neuropsicológicas bem definidas, sobre
as quais serão construídos os procedimentos compensatórios. Para
que a intervenção seja bem-sucedida, o paciente deverá reconhecer
a utilidade da estratégia como instrumento para alcançar seus
objetivos; o modo como o paciente aprende, interage e lida com
problemas é um elemento importante a ser avaliado.
As áreas que deverão ser abordadas durante a intervenção
no estágio avançado de recuperação são:

Memória: incluindo estágios de codificação, armazenamento


e recuperação de informações. Serão desenvolvidas as habilidades
de controlar a entrada de informações, identificar a forma como
esta é organizada e integrada, contextualizar e utilizar apoio externo
(agendas e cadernos de anotações).
A reconstrução do passado, com estratégias que utilizam
linhas cronológicas de eventos importantes da vida do paciente, é
indicada para os que apresentam alterações de memória episódica.
Além da recordação, a tomada de posições auxiliará a integração
dos acontecimentos: opiniões, sentimentos e outras reações a
respeito dos acontecimentos assinalados.
Pacientes que apresentam problemas em memória semântica
deverão ser reeducados através de intervenção, incluindo o ensino
de vocabulário, informações gerais e outros conteúdos acadêmicos.
O paciente pode ser encorajado a recodificar a informação na
modalidade em que possuir maior facilidade, visual ou auditiva.
A memorização pode ainda estar afetada pela dificuldade
de utilização de estratégias, característica do acometimento frontal.
Desta forma, a estratégia deve adaptar-se, tornando-se mais concreta,
e enfocando o resultado da atividade. A memória operacional pode

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

ser otimizada pelo aumento da capacidade funcional através de


agrupamento semântico, sintático ou melódico.

Organização: A maior parte dos pacientes vítimas de TCE


apresentam algum grau de desorganização verbal ou compor-
tamental. O tratamento do paciente, neste último estágio de
recuperação, deve voltar-se para a melhora da organização como um
processo, uma atividade complexa que abrange todo o mecanismo
cognitivo. As atividades devem ir se assemelhando com as tarefas
que serão exigidas do paciente em sua profissão ou vida pessoal.

Resolução de problemas: Dodd e White (1980, apud Ylvisaker


e Szekeres, 1994) descreveram três características de pessoas com
boa capacidade de resolver problemas:

a) procuram compreender o problema antes de tentar


resolvê-lo.
b) procuram relacionar o problema a representações mais
gerais de problemas que possuem na memória, definindo
as informações importantes.
c) desenvolvem um plano para explorar possíveis soluções.

Isto sugere que as tentativas para melhorar a habilidade de


resolver problemas não devem apenas voltar-se para a organização
do processo, mas também guiar os pacientes na avaliação de
problemas específicos em termos mais gerais, considerando as
informações relevantes e pesando as conseqüências. Assim, a
resolução de problemas é um processo que envolve distintas
formas de pensamento:

1. isolamento das idéias principais (identificação do pro-


blema e do objetivo);
2. pensamento divergente (informações relevantes, possíveis
soluções);

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

3. reflexão sobre a relevância e adequação da informação;


4. classificação (classificação do problema, verificação da
relevância de informações);
5. avaliação (avaliação das soluções, monitoramento e
avaliação dos resultados);
6. pensamento analógico (avaliação das soluções);
7. pensamento convergente (identificação dos problemas,
identificação dos objetivos, decisão);
8. execução (identificação do objetivo);
9. planejamento e organização (formulação do plano);
10. monitoramento (monitoração e avaliação dos resultados).

Esse elenco de procedimentos pode servir de guia para a


estruturação de atividades terapêuticas.

Cognição Social: prejuízos na interação social são seqüelas


freqüentes nos pacientes com TCE. Todos os déficits cognitivos
discutidos anteriormente afetam a interação social. São eles:
recuperação inadequada de informações referentes às regras
sociais, pouca atenção às pistas sociais, linguagem e compor-
tamento desorganizados, inabilidade para visualizar diferentes
alternativas e resolução de problemas de forma superficial. Todas
estas características acarretam problemas de comunicação e
comportamento não convencional. Para este déficit, o treinamento
preferencialmente deve ser feito em grupo.
A conversa pode ser considerada um bom modelo para o
treino de dificuldades numa situação-problema. Na recepção, a
complexidade do contexto e o efeito de estímulos competitivos
podem ser elementos complicadores. Durante a conversação, deve-
se observar a compreensão de mensagens com duplo sentido,
a possibilidade de formar novos conceitos, tirar conclusões,
resolver problemas, explorar alternativas, interpretar e utilizar níveis
cognitivos mais elevados em condições de linguagem “abertas” e
não estruturadas. Para os pacientes com seqüelas leves, deve-se

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considerar, ainda, os auxílios externos (de memória, entre outros) e


não ter a expectativa da remissão total dos sintomas.
Ylvisaker e Holland (1978) utilizam a imagem de um
“treinador” que deve ser “internalizado” pelo paciente para
representar o trabalho a ser desenvolvido nessa última fase. Este
modelo ainda pode ser observado em muitas das propostas atuais.
O “treinador” tem por função: dar consciência dos pontos fortes
e fracos; aprender a estabelecer objetivos; planejar as estratégias
para alcançar os objetivos; dar para si mesmo instruções
específicas e apropriadas para conduzir essas estratégias; motivar-
se ou abandonar os planos diante de análise do desenvolvimento
das estratégias; monitorar-se para realizar ajustes em direção ao
sucesso; solucionar problemas.
As modernas propostas de intervenção para pacientes com
transtornos residuais decorrentes de TCE estão direcionadas para
atividades integradas, da vida cotidiana. Essa intervenção tem
o caráter de cooperação, envolvendo parcerias entre a equipe
multiprofissional, entre a equipe e a comunidade (fonoaudiólogo e
escola; fonoaudiólogo e a família; fonoaudiólogo e conselheiro para
integração profissional, por exemplo).
Em relação à escola, em face das dificuldades de apren-
dizagem, há necessidade de avaliação e gerenciamento do am-
biente escolar (Szekeres, 1994). As necessidades do estudante
com TCE devem ser consideradas numa avaliação flexível, para
que se possa fornecer suporte específico, modificando interações,
instruções e até mesmo o currículo, a fim de promover o sucesso
no desempenho escolar. Nesta direção estão incluídas atividades
que utilizem, ao máximo, disciplinas voltadas para atividades
artísticas e linguagem (como teatro, por exemplo), atividades em
grupos pequenos com programas direcionados para a terapia de
linguagem ou outros tópicos, e suporte à família.
Na adaptação ao trabalho, o fonoaudiólogo atua em
estreita colaboração com um conselheiro vocacional (Fraser,
1994). No Brasil, este papel é exercido por psicólogos sociais. A

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

identificação de barreiras que impedem ou dificultam o acesso ao


trabalho é o primeiro passo da atividade conjunta. Essas incluem
déficits cognitivos, de comunicação, emocionais, transtornos de
personalidade pré-mórbidos, dificuldades financeiras, residência,
indecisão e imaturidade vocacional, barreiras físicas, influência
negativa da família e restrições médicas.
Enquanto o conselheiro exerce o papel de “treinador”, acomo-
dando e modificando tarefas ou fornecendo auxílio específico para
determinadas atividades, o fonoaudiólogo pode orientar estratégias
procedimentais relacionadas à organização de memória verbal,
uso da linguagem, auxílios externos, equipamentos adaptativos e
alternativos.
No âmbito das atividades integradas, realizadas em
cooperação, a parceria com as famílias é fundamental. As questões
aí envolvidas muitas vezes excedem o âmbito tradicional da
reabilitação dos TCE. Alguns aspectos freqüentemente vêm à tona
quando se cogita o trabalho em conjunto com as famílias (De
Pompei, 1994):

• Os comportamentos reativos ao trauma


• A eleição da família como foco central das terapias
• A participação ativa da família nas equipes
• A eleição conjunta de objetivos

Resultados e propostas para o futuro

A revisão de propostas de tratamento para indivíduos com


TCE indica a efetividade e sucesso de muitas delas. Os maiores
ganhos referem-se a aspectos cognitivos globais. Nos processos
de recepção, tanto quanto nos de produção da linguagem oral,
notam-se melhoras importantes, sendo menor o resultado para
recuperação de leitura e escrita e produção de fala (Coelho et al.,
1996).

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L ETÍCIA L ESSA M ANSUR E M ÁRCIA R ADANOVIC

A heterogeneidade destes pacientes contra-indica propostas


rígidas e genéricas. Não devem ser desconsiderados os casos
muito graves que necessitam de maiores adaptações e tecnologias
para compensar os déficits; as intervenções precoces não devem
ser negligenciadas. A direção do foco terapêutico para aspectos
cognitivos específicos é importante, porém a terapia voltada para
habilidades sociais integradas deve prevalecer.
A avaliação de linguagem dos pacientes com TCE merece
ser revista contemplando análise do discurso e de outros
aspectos pragmáticos da linguagem (Mentis, 1991). O complexo
linguagem-cognição necessita ser redimensionado, considerando
a especificidade dos casos e sua gravidade, para que possamos
conceber novas propostas de avaliação e terapia (Peach, 1992).
Coelho et al. (op. cit.) resumem alguns pontos a serem levados
em consideração quando se avaliam os resultados de terapia para
os indivíduos com TCE: muitos estudos excluem de sua casuística
os casos “graves” e aqueles com alterações de comportamento; não
se identificaram, ainda, com clareza os subgrupos de TCE e suas
necessidades específicas em reabilitação; os critérios de “sucesso”
na terapia deveriam contemplar indicadores de qualidade de vida,
relações familiares e lazer. A reflexão sobre essas questões pode
fornecer elementos para tornar mais precisa e refinada nossa visão
atual sobre a terapia para estes indivíduos.

1 - Regeneração axonal inclui crescimento de axônios lesados e ramificações laterais; hipersensi-


bilidade por denervação refere-se à condição em que receptores pós-sinápticos não somente
proliferam, mas tornam-se mais sensíveis a agentes neurotransmissores. Mecanismos funcionais
de reorganização e substituição baseiam-se na teoria de Luria.

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N EUROLINGÜISTICA : PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

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