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' ÂVALIAÇÂOQUALIJATJVA DECRJANÇAS(!f]M
QUEIXAS FSCOLARE5: COMRIBUJÇÕFS DA
PSICOLOGIA EDUCACIONAL

fa!Jejrq, M [; Silva, S. M C; Ribeiro, E E T.


UniversidadeFederalde Uberlândia

Resumo: Este trabalho propõeum modelo qualitativo de investigação psico-edu-


cacional que visa avaliar crianças encaminhadas a serviços de Psicologia com quei-
xas escolares no inkio do pl'QCCSSO de escolarização, de maneira a contextualizar a
criança, não comparativamente, no campo de suas relações famUiares, sociais e
·escolares, entendendo que as condições concretas de vida, passadas e atuais, de-
terminam o seu psiquismo. Os procedimentos utilizados no processo avaliativo
são descritos, destacando-se a importância da observação cuid.adosa de aspectos
gerais da criança, relacionados a seu desenvolvimento flsico, motor, afetivo, cogni- '
tivo e social. As entrevistas devolutivas com a criança, afamília e a escola; realiza-
das ao término'rlo processo, são discutidas como forma de obter a participação e
mobilização frente à queixa inicial, na busca de sua superação. O modelo aqui pro-
posto considera variáveis intra e interpsfquicas da criança avaliada. Discutem-se
aspectos da formação, linguagem e do papel problematizador do psicólogo, procu-
rando evitar estereotipias e cristalizações de explicações, fomentando o questiona-
mento dos pais, da criança e da escola.
Palavras-<:have:investigação psicoeducacional, avaliação qualitativa, problemas de
aprendizagem, psicologia educacional, fracasso escolar.

A pesar dos avanços da Psicologia da Educação, ainda é co-


mum a utilização de processo psicodiagnóstico tradicional,
que l\usca, basicamente nos testes psicológicos, respóstas para o enca-
ininhlimento de crianças a atendimentos psicológicos, independente-
mente do tipo de queixas ou do agente do encaminhamento (Freller, in
Machado & Souza, 1997). Sabemos que muitos desses testes são antk
quados e/ ou padronizados para populações muito diferentes qaque:
las com as quais nos defrontamos, informando-nos pouco sobre a cri-
ança. Ademais, quando as queixas são escolares, esse procedimento
tradicional não oferece subsídios para a compreensão de aspectos tais

INTERAÇÕfi - V,OL J N" 5 - JAN/JUN 1998 - 75 -


' como o processo de ensino e aprendizagem, a insetção da criança em
seu meio escolar, suas concepções sobre leitura, escrita e número, tra-
zendo poucos elementos informativos para a finaliza~ão do processo
avaliativo e as possíveis providências.
Este trabalho propõe um modelo qualitativo de investigação psi-
co-educacional que visa avaliar crianças encaminhadas a serviços de
Psicologia com queixas escolares no inicio do processo de escolariza-
ção, de maneira a contextualizar a criança, não comparativamente, no
campo de suas relações sociais e escolares~ Aorganização deste mode-
lo surgiu a partir da altíssima demanda de crianças encaminhadas para
serviços públicos do municf pio de Uberlândia - M.G. - com expec-
tativas de serem atendidas em dificuldades relacionadas ao desempe-
nho escolar de maneira geral.
Aclínica-escola do curso de Psicologia da Universidade Federal
de Uberlândia recebe uma expressiva clientela, proveniente de bairros
próximos ao campus universitário, que, inicialmente, é submetida a
uma triagem, para posterior encaminhamento aos diversos serviços
oferecidos.
Um grupo de docentes da área de Psicologia Escolar/ Educacio-
nal desta Universidade implantou um destes serviços, como extensão
universitária, visando o atendimento de parte dessa clientela e tendo
como objetivos centrais o ensino - estágio profissionalizante - e a
pesquisa. Esse serviço denomina-se Grupos de Desenvolvimento e
Aprendizagem (GOA), atende crianças de 7 a 12 anos, com história de
repetência escolar e se propõe a desenvolver atividades que incidam
sobre aspectos cognitivos e afetivos das mesmas, buscando promover
o desenvolvimento através de experiências de aprendizagem.
A partir da triagem realizada por psicólogos da clínic\i-escola, as
crianças são encaminhadas para uma avaliação que possibilite urna
investigação da adequação da queixa em relação ao atendimento e/ ou
encaminhamentos que se fizerem necessários.
Essa avaliação é de caráter exclusivamente qualitativo. Foi orga-
nizada com base em literatura disponível e na experiência dos profis-
sionais envolvidos neste projeto. Procuramos analisar a criança dentro
do contexto em que se insere e onde a queixa se manifesta, entendendo

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que as condições concretas de vida da criança, passadas e atuais, de-
terminam oseu psiquismo. Dessa maneira, procuramos conhecer a cri-
ança nas suas relações na escola, na família e em situações propostas
pelo psicólogo no decorrer do processo avaliativo. A seguir, relatare-
mos os procedimentos que temos utilizado.

Observação da aiançana escola


O objetivo desta observação é investigar a interação da criança
no ambiente escolar, no cóhtato com seus pares e com a professora..É
fundamental conhecermos a qualida4~ das experiências pedagógicâs
oferecidas pela escola e como a criança se posiciona frente às mesmas.
Davis & Oliveira (1993) e Bassedas (1996) oferecem indicadores preci-
osos para nortear a observação neste contexto.

Obseivaçãoemsala de aula

São realizadas três observações em sala de aula, em horários e


dias alternados, com a duração de sessenta minutos cada, onde os se- ·
guintes aspectos são registrados:
• Distribuição dos alunos na sala ..
• Condições físicas e ambientais do prédio escolar
• Interação entre professor e alunos e entre alunos (contato físico
e verbal)
■ Linguagem empregada pelo professor na comunicação com os
alunos e destes entre si
■ Conteúdos abordados
■ Recursos didáticos utilizados pelo professor
■ Sistema de avaliação
• Interesse dos alunos pelo tema abordado (envolvimento com a
tarefa proposta)

INTERAÇV5- VOL.3 N"S- JAN/JUN1998 - 77-


Posicionamento da criança (empfoéesso de avaliação) em relà-
ção aos pontos acima indicados.

Observação da criança em outroscontextos


Observa-se a criança em outros contextos: durante o recreio, au-
las de Educação Física e demais atividades que façam parte do cotidi-
ano escolar da mesma. O foco do nosso olhar recai sobre âs interações
qtie a criança estabelece fora da sala de aula, como. se relaciona com
outros professores é com outras crianças sem a mediação do.adulto.
Busca-se verificar como a criànça circula 'no ambiente escolar como tilil
todo.

Análisedomalerialesco/ar ·

Pede-se ao professor que apresente o material usãdo pela criàn-


ça na escola, a. fim de conhec;ermos a forma pela qual os conteúdos
foram registrados. Podemos verificar as formas de organização do
material escolar, os desenhos, a escrita, os números,.as possíveis cor-
reções feitas pelo professor e indícios de colaboração da fam(lia nas
atividades acadêmicas da criança.

Entrevista. com oprofessor


. Realizamos UD]a ou duas entrevistas semi-0irigidàs com o pro-
fessor, para coletarmos informações a respeito de sua percepção sobre
a criança. Outros professores e técnicos da escola_~?,-~n~~YÍ!!~~Q~.de.
acordo com a necessidade. Procuramos detectar nos discursos as con-
cepções de desenvolvimento e aprendizagem que norteiam os seus tra-
balhos, as expectativas que nutrem em relação à população com que
trabalham e em relação à criança-avaliada, assim como possíveis expli-
cações preconceituosas ou "profecias" acerca do desempenho escolar
de seus alunos (Collares &Moysés, 1997; R~senthal &Jacobson, in Patto,
1981). Seguimos, com certa flexibilidade, oseguinte roteiro:

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■ Qu.al a sua percepção sobre a criança? (como você vê ... ?)
■ Em que áreas a criança apresenta facilidades? (obtém sucesso?)
■ Em que áreas a criança apresenta dificuldades?
■ Quando você começou a notar as dificuldades dela? Oá sabia
antes do "início do ano escolar?
. ■ Como é o relacionamento com a professora e com os colegas?
■ Que atividades você desenvolveu e a criança respondeu bem?
■ Em quais ela não se envolveu?

Quais as dificuldades que você tem para lidar com a criança?
(para trabalhar com ela?)
■ Em '111a, .ppinião, essa .criança tem chances de ser aprovada ao
final deste ano? ·
■ Qual é a participação dos pais na escola?
■ ·Quais
os aspectos que você considera necessários pata serem
trabalhados com a criança mas tem impedimentos (de qualquer natu-
reza) para fai.ê-lo?
■ Como está a sua turma, em termos de aprendizagem?
■ Que resultados você espera para sua turma, até o final do ano?
■ Para você, o que é a criança com dificuldades de aprendiza-
gem?

Entrevista comaspais
São realizados dois a três encontros com os pais ou responsáveis,
para con:hecertnos o sentido por estes atribufdo à queixa que apresen-
tam sobre seti filho e coletarmos dados a respeito da história de vida
da criança.
Em um primeiro momento, focalizamos a queixa principal e por
que vias chegaram ao n~ serviço. Procuramos, da forma menos di-

INTERAÇÕES'- VOL.3 N"5 - JAN/IUN 1998 - 79 -


retiva possível, entrar em contato com a maneira pela qual a família
lida com a queixa trazida: se acha realmente que a criança tem um
problema, desde quando, a que atribui a origem do mesmó, como vem
buscando alternativas para solucioná-lo, qual o seu impacto na família
e qual a participação da escola nesse processo. Éinteressante que estas
informações sejam obtidas com pouca interferência do avaliador, de
maneira que os pais sintam-se à vontade para falar livremente.

Em seguida, utilizamos um roteiro para levantarmos informa-
ções relativas à gestação, parto e início da vida, desenvolvimento neu-
ropsicomotor e sócio-afetivo, desenvolvimento da linguagem, alimen-
tação, sono, condições de saúde atuais e pregressas, condições cultu-
rais, alternativas de lazer e entretenimento, relacionamento familiar e
história escolar. Com relação a este aspecto, procuramos obter o máxi~
mo de detalhes sobre as experiências escolares da criança, abordando
as seguintes questões: como foi a entrada da criança na escola; com
que idade a criança iniciou sua escolarização; quais escolas já frequen-
tou; ocorrências escolares importantes - repetências, adaptação à es~
cola, notificações apresentadas pela instituição, encaminhamentos etc.;
participação da família nas tarefas escolares; gosto da criança peia es-
cola, colegas e tarefas escolares; conteúdos em que a criança apresenta
facilidades e dificuldades; interesses gerais da criança; atividades ex-
tra-escolares; se a família percebia qualquer tipo de dificuldade eia cri-
ança antes de ela entrar na escola e se atualmente compadua com a
opinião da escola sobre seu filho.
Estabelece-fe um acordo com os pais onde esclarecemos a natu-
reza do nosso tr~balho, o processo de avaliação a que a criança será
submetida e informamos que, no final desse processo, realizaremos
um ou mais encontros para dialogarmos sobre as nossas percepções a
respeito de seu filho.

Sessão üvrecom aaiança


Depois das apresentações iniciais, informam-se ài:riança os ob-
jetivos da sessão e o tempo de duração da mesma. Nesse encontro, são
oferecidos diversos materiais, desde os tipicamente escolares _- papel

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sulfite, lápis preto e de cor, canetas hidrográficas e esferográficas, bor-
racha, tesoura, papéis coloridos de diversas texturas, cola, barbante,
lousa, giz - como também alguns jogos: pega-varetas, damas, ludo,
dominó. Espera-se conhecer como a criança explora os recursos dispo-
níveis, numa situação nova, que não seja rigidamente estruturada. Au-
toras como Ocampo (1979) e Pain (1992) fornecem indicadores que en-
riquecem a leitura acerca do que ocorre neste momento da avaliação.
Aspectos corno aproximação e exploração dos materiais, escolha e or-
ganização da atividade que a criança se proponha a fazer, possibilida-
. de de simbolização, temas escolhidos e criatividade são fundamentais
para se conhecer a criança e também seu processo de aprendizagem.
Pain (1992) descreve que uma criança que aprende realÍ1.a, nô que a.
autora denomina de "hora do jogo", oinvenlárfo,,J_:OQ;~~a
aprendizagell\ propriamenre tti~ sàbendo discrimlnàr a realidadeda --
fantasia. Consideramos que o contato estabelecido com o avaliador é·
.um dado considerável no processo avaliativo: como e se a criança o
inclui nas atividades, através de solicitações de ajuda ou participação
nas brincadeiras. Podemos também observar os comportamentos e re-
ações da criança frente a uma situação nova, como ansiedade, inibição,
agitação, aceitação de limites e tolerância à frustração (Ocampo, 1979).

Entrevista com acriança edesenho


·Nesta entrevista, conversa~se com a criança, apresentando-lhe a
queixa trazida pela escola e perguntando o que ela pensa a respeito,
investigando-se suas impressões sobre a escola, sobre si mesma e sua
própria produção escolar. Para completar a entrevista, pede-se que: a)
ela faça um desenho; b) desenhe uma pessoa; c) desenhe uma escola.
Oferece-se como material: papel sulfite, lápis preto nº 2, lápis de cor,
.borracha e apontador. Objetiva-se, com estes desenhos, verificar como
ela lida coma rep,resentaçãogt.íficara.riqueza~ou não),de,detalhes; os
temas abordados, utilização da folha, emprego de éores e seu posicio-
namento frente a esse tipo de atividade. Silva (1993) discute questões
relativas ao desenho infantil que ampliam,as possibilidades do olhar.
sobre este tema. Aautora refere-se às condições sociais da constituição
do desenho e como as vivências da çriança determinam a sua produ-
,.
• in

INTERAÇÕES- VOL .3 N" 5 - )AN/JUN 1998 - 81 -


ção: riqueza de detalhes, temas apresentados, distribuição do desenho
na folha, cores empregadas, tamanho das figuras, representação de
movimento e nattatividad!;!, isto é, o quanto o desenho em si conta
uma história, através de personagens, cenários e sua articulação. Veri-
ficam-se também as possibilidades de expressão gráfica da criança, no
sentido de ela mostrar-se à vontade ou inibida frente a essa atividade.

Avalíação da leitura, da escrita e do número
Esclarece-se à criança que, neste momento, queremos conhecer o
que ela sabe sobre número, leitura e escrita, sem a preocupação de
"certo e errado", num contexto diferente do escolar. Propõem-se as
seguintes atividades (inspiradas em Ferreiro&: Teberosky, 1985; Góes,
1984; Smolka, 1988):

Leitura do mundo
Objetiva-se conhecer o que a criança pensa a respeito das funções
da escrita, detectando se há ou não inibições, iniciativas de exploração
ecuriosidade frente à escrita, bem como observar se ela extrai elemen-
tos da grafia para a dedução do significado das palavras e que pistas
são utilizadas nas tentativas de leitura. ·
1.1. Sugestão de material: embalagens (chá-mate, sabonete e pas-
ta de dentes).
Procedim~to: apresentar as embalagens e observar a postura
da criança. Investiga, explora? Tenta ler? Como reage quando é solici-
tada a ler?
1.2. Material: rótulos (Coca-Cola, Carrefour e Maizena)
Proce~!m.imt9: a qiançaidentifica-os nomes e;critos hôs tófülos?
1.3. Material: cartões com os nomes dos rótulos (utilizados no
item anterior) escritos com o mesmo tipo de letra que ocorre nos rótu-
los, porém já descontextualizados.
Procedimento: a criança identifica os nomes escritos nos cartões?

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1.4. Material: cartões com os nomes dos rótulos (utilizados nos 2
itens anteriores) escritos em letra de imprensa. ·

.
Procedimento: a criança identifica os nomes escritos nos cartões?

Portadores de texto
se
Busca-6e verificar a criança· estabelece correlações entre os di-
versos estilos de textos e seus vekulos ..
2.1. Material: notícia de jornal, receita, gibi e bilhete.
Procedimento: colocar sobre a mesa esses quatro tipos de porta-
.dores de.texto. EscondendO-OS com um anteparo, ler cada Ulil deles.
Ao término, pedir que a criança identifique onde está es<;rito o que foi
lido. . . . .

2.2. Aproveitando o gibi, abri-lo na última página (escolhendo-se


uma história em apenas três quadrinhos, sem escrita), mostrar para a
criançá e pedir que ela conte o que está acontecendo. Observar as es-
tratégias que ela usa para cumprir a tarefa.

Dil11.do
Essa tarefa, inspirada nos escritos de Ferreiro &:Teberosky (1985),
permite investigar as hipóteses da criança sobre o sistema de represen-
tação da linguagem. Não se tem a preocupação de catalogar a criança
nos niveis propostos.pela autora, e sim conhecer o que a criança tem
formulado sobre o sistema de leitura e escrita.
•3.1. Material: folhas em branco, lápis e borracha.
Procedimento: ªEu vou ditar algum~ palavras e gostaria que
você escrevesse do seu jeito, d~jeito que você acha 4!1~ ~t~ffi. .~1?.[~Q: ~.
cupar se estáêenô ôuettado". j~in ~guida, ditar e pedir para a criança
ler cada palavra apontando com o dedo.
Galo - Girafa - Boi - Rinoceronte - Cão
Eu fui passear no Parque do Sabiá

INTERAÇÕ/3'- VOU N" S- JAN/JUN 1998 - 83 -


Leitura
Procura-se investigar 'aspectos tomó! ,diferenciação ,ehtr~ dêse-
as
ilho e escritá, palavras efrases (meta-.iingúagem), espaço ei;ttre_ p~la-
vras, identificação do início e do final do texto, compree11$ão e interés-
. se pela história; mantendo-se uma postura bastante interativa com a
·criança.
4.1. Material: livro de histórias
Procedimento: apresenta-se um livro~de histórias para a criança
e pede-se que ela leia do seu jeito. Usualmente, lê-se junto com a crian-
ça alternadamente, discute-se sobre o texto, propõe-se a invenção de
.outros desfechos para a história, questiona-se sobre personagens ou
situações relatadas. · ·

5. Jogo; de palitos
ó objetivo desta atividade é conhecer como.a criança participa de
uma situação envolvendo uma. terininólogia matemática e a sua de-:
senvoltura diante de pequenos cálculos. Sabemos que as crianças às
vezes fracassam na matemática por não compreenderem a enunciação
de problemas, por se sentirem inibidas diante de uma área considera-
da dificil, desvinculada do cotidiano e· universo infantis. Sabemos que
apenas por esse jogo não conheceremos como a criança compreende o
número, mas podemos obter indicadores interessantes a respeito de
Sêu radodnio lógico-matemático.
5.1. Materi' jogo de palitos, papel e lápis.
Procedimento: oferecer o jogo à criança e conversar com ela~ in-
dagando se conhece o material, como se joga, quais as regras que co-
nhe_ce ele. Convida-se a ~esma para participar~~~..~~!.f~,!P.~!h~!}~f. ,.,....
tnuitos~dff8R6elto,fe1m,~p-ott~t'âõ ser mvest1gados. Pro-
cura-se obter dados para avaliação organizando a tarefa de modo a
parecer uma brincadeira. O avaliador participa ativamente do jogo,
fornecendo pista.se incentivando a criança, tendo em mente que o que
a criança faz em colaboração com o outf9 também é indicador de seu
desenvolvimento (Vygotsky_, 1988). Observam-se os seguintes pontos:

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Como a criança fonnula as regras para jogar? Corihéce o valor
pré-estabelecido para cada cor de palitos? Cria regras próprias para o
jogo?
Utiliza algum critério para separar os palitos? Quais?
Sabe contar? Sabe escrever os números?
Sabe faz.er pequenos cálculos? Sabe tpmscrevê-los? Realizá con-
tas de adição e subtração mentalmente e/ ou utilizando lápis e papel?
Tem noção de tennos mais que "menos que"; "o mesmo tan-
H H'

to", quem fez mais ou menos pontos, quantos a mais ou a menos, o que
é preciso faz.er para que o jogo empate etc.?
Durante a atividade, pode« observar outros aspectos, como o
conhecimento de cores, respeito às regras; tolerância à frustração .

.Aspectos gerais a serem observados durante


todo o processo de avaliação
Considerando que uma avaliação exaustiva de todas as áreas a
serem exploradas num processo avaliativo acaba inviabilizando-se em
um serviço público, a observação cuidadosa do sujeito torna-se funda-
mental em todas as situações propostas nesse trabalho. A observação
permite que se extraiam dados relacionados ao desenvolvimento físi-
co, motor, afetivo, cognitivo e social presentes nos diversos conlextos
em que se encontrará a criança. Qualquer suspeita de alguma dificul-
dade da criança nas áreas acima relacionadas deve ser investigada mais
profundamente, recorrendo-se a outros profissionais quando necessá-
rio. Sugerimos alguns itens que auxiliam o olhar sobre estes aspectos:
■ Evolução do contato pessoal da criança: pennite aproximação
física de outras pessoas, olha diretamente os outros? Mantém o olhar?
Agride fisícâ'mêftte· 8 si - Iriesmà ou. a" ôúfféirt? Eiff qüê-forilextos·issó
ocorre?
■Audição: é necessário repetir o que se está falando? Fala alto?
Ouve bem quando está de costas para o interlocutor? Entende as ins-
truções apenas quando se altera o tom de voz?

INTERAÇÜ.5 - VOL.3 t-r 5 - JAN/)UN 1998 - 85 -


.■ Visão: olha de frente para dmaterial? Vira a cabeça pata enxér~
gar? Consegue copiar do quadro? Aproxima.:Se muito do material para
enxergá-lo? Seus olhos apresentam vettnelhidão, lacrimejamehto ou
secreção constante? Queixa-se de dores de cabeça?

Fala: gagueja? Troca sílabas? Pronuncia todos os elementos que
compõem uma frase? Como é a dicção? Ea fluência verbal? Fala de
forma infantilizada?
■Motricidade: derruba objetos, esbarra nos móveis ou nas pes-
SC>as7 Como é o desempenho em atividades motoras finas? Como é a
destreza da criança? Com<? é o andar da criança, seu deslocamento ~m
geral? É exl'eSSivamente -desajeitada;,? Apresenta tiques? Como é a
concentração daaiança nas diversas atividades observadas?
■ Disposição geral: a criança mostra-se sonolenta? .É animada .
para realizar as atividades ou brincadeiras.em situações não estrutura-
das1 .

Entrevistas devolutivas ('.om a criança/ a


fam.iia ea escola
As entrevistas devolutivas são realizadas, ao final da avaliação~
com todos os envolvidos na mesma, buscànd<Hle integrar os diversos
dados obtidos ao longo da avaliação. O-objetivo dessas entrevistas não
é apresentar um -1aúdo" ou um ,;veredicto". Adevolução de informa:.
ções deve serfuita-visando-se u~ ampliação da.compreensão da quei:.
xa, situandO:.a n~ processo onde todos os envolvidos possam perce-;
ber sua participação e mobilizar-se frente à mesma, de acordo com as
suas possibilidades. ·
A entrevista devolutiva com a criança ~ breve, realizada em !!,l!,1.; ..
ó.nico dia. lnicialmeq~~~ffllbta,se.oo~ât\tà-lõdõ1tproêesso
avalialifô", õsmôtfvõs pelos quais ela foi trazida e a presente situação,
finali:zando nosso trabalho. Aseguir, vão sendo confrontados aspectos
·da queixa inicial com os dados obtidos na avaliação, averiguando sua
congruência, sempre_ dialogando com a criança: damos nossa opinião
e. perguntamos a dela. São discutidas todas as etapas da avaliação1

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destacando suas competênc:ias e procurando levá-lá a pensar sobre ôs
determinantes internos e externos de suas possíveis dificuldades, as:..
sim como alternativas para superá-ias. Não se pode subéstimar a capa-
cidade de compreensão da·criariça_ein relação aos aspectos a serem
abordados, desde que de".idamenle explicitados, em lingúagefu ·àces-
sfvel. ·
. Com a famma da criança são realizadas de uma à três entrevis~.
Sugere-se que os aspectos menos ·ansiógenos sejam abordados rtum
primeiro momento, enfocando-se depois as questões mais áridas, em
geral relacionadas às crenças mais enraizadas·nas.pessoàs e _que lhes
têm permitido conviver coto a queixa trazida, m~mo que. isso lhes
traga bastante desconfo~o. Éinteressante apontar que este momento é
necessariamente mobilizador, poís os pais (ou responsáveis) v~-se .
obriga<los a repensar o lugar destinado à queixa:na dinâmica familiar;
assim como os elementos ideológicos/culturais impregnados na for-
:ma como vivencia_[Il-na e explicam-na.
O professor (e evertrual~ente outros profissionais da escola), por
sua ·vez, também tem a possibilidade de receber infonnaçoes qtie pos-
sam contribuir para o ensino e aprendii.agem, não apenas em relação à
criança avaliada, mas aos alunos de forma geral. Ele é·chamado a re- ,
fletir sobre suas explicações acerca da queixa, suas possíveis contribui- :·
ções na constituição da mesma e o seu ~pel na superação desta.
A participação do professor desde a primeira etapa da avaliação .
- por meio da visita à sua-sala de auia, observação de materiais didá-
ticos gerais e da criança, além das entrevista(s) inicial e devolutiva(s)
-produz seu envolvimento no processo, evitando uma transferência
de responsabilidade profissional qi.lanto às "dificuldades escolares"
.atribuídas à criança - um •1avar de mãos" - , sensibilizando-<> para a
necessidade de estudo e reflexão constante que sua atuação exige.
Esseenvolviment&o{at-teflelir-em wa~crfnnd~~" ,,.,
desenvolvimento da criança e dos demais alunos porque, além da dis-
cussão de um"caso isolado", ocorre a dis~o de questões educacio-
nais mais abrangentes. F.ste momento deve ser vivenciado como o esta-
belecimento de uma parceria profissional com o professor. Devemos
pontuar que, frequentemente, trabalhos desta natureza facilitam a en-
..
comunicação entre o psicólogo e familiares/ professores é, muitas ve-
zes, eivada de termos técnicos ("lúperativo", "imaturo", "disléxico"
etc.) que acabam por se transform?r em diagnósticos estanques. Pàdi-
lha (1994) apont, que:" •..oobservador vê, numa característica, o sinto-
.ma, e o toma ~mo signo da def.iciência". Vygotsky (1989) já alertava
sobre a importância de se valorizar as habilidades e "pontos fortes"
das crianças, ó que permite uma compreensão mais completa, e uma
utilização de suas possibilidades na superação de sitas defiçiêndas~
A maioria das crianças avaliadas prescindem de encaminhamen-
to para atendimentos clínicos, respondendó bem quando as condições
de ensino sãq _satisfatórias, propiciando-lhes uma inelhor ap_rertdiza-
gem. Problemas de ordem pedagógica, social e poUtica não são.passf-
veis_de serem resoividos clinicamente: faz parte das competências ne-
cessárias ao exercido do magistério saber.lidar; na prá~ca, com a d,i-
versidàde de características dos alunos. "Ptoblemas emocionais" são
inerentes à.condição humana, porém não impedem, na grande maio-
ria dos casos, a aprendizagem escolar, énão são explicativos de nossos
altíssimos fndices_de "problemas de aprendizagem".
O modelo aqui proposto considera as variáveis intra e interpsf-
quicas da criança avaliada. Isto requer, por parte do avaliador, uma
formação que contemple conhecimento teórico e iima certa convivên-
cia com crianças, suas famOias e com instituições ·escolares. É impor-:
lante que essa formação seja crítica o bastante para se escapar das ar~
madilhas ideológica!! de explicações psicolqgit.antes do fracasso esco-
lar, bem coino da negação do processo de elaboração pessoal do sujei-
to, da fatrulia·e dos professores (envolvendo inclusive aspectos incons-
cientes) acerca do fracasso escolar:
As várias situações propostas nessa avaliação só terã'.o vaíor se
ancoradas em teorias que permitam extrair análises dos dados e por
isso indicamos, nos diversos procedimentos, autores que oferecem con-
tribuições .vaiiosas e fuD(lam.entais.piJra. esseJim.sConsidemmos•<JUe
os escores obpdós nas avaliações quantitativas. têm um valor muito
limitado. O importante é podermos pensar o que o sujeito nos diz em
cada-resposta, quais processos cognitivos, afetivos e sociais estão en-
volvidos nas respostas emitidas, recuperando sua singularidade, sem
·preocupaç?es_de enquadramento em critérios de normalidade. Desta

INfERAÇVE."S- VOL.3 N"S -JAN/IUN1998 -89-


• maneira, apenas a formação do psicólogo é que garante um uso rico e
adequado deste (como de qualquer outro) modelo de avaliação.
Considerando que o principal material de trabalho do psicólogo
são às interações, e a maneira como são.construidas social e historica-
mente, cabe a este profissional problematizar essas interações em to-
dos os âmbitos, evitando estereotipias nos papéis assumidos pela cri-
ança e cristalizações de explicações, fomentando o questionamento dos
pais, da criança e da escola. Segundo Souza (1997, p. 37), "...ao invés
de perguntar por que a Escola Pública produz alunos especiais, ou por
que aqueles alunos não aprendem, deve-se perguntar como as rela-
ções de aprendizagem e as relações diagnósticas fabricam esses alu-
nos. Deve-se buscar o funcionamento, devolvendo-se com isso à histó-
ria aquilo cuja existência 'natuializ.amos'."
Na presente p~~t~ ~~ JtValiação, em que são envolvidos a fa-
mília e· os profissionais da, ~la;. buscando entender a queixa como
oriunda de uma redê de relações, pr;oniovemos a reflexão sobre o lu-
gar que essa queixa ocupa para cada um, o movimento no sentido de
ressignificá-la e as possibilidades de participação no processo de bus-
ca de soluções. ·

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Maria José Ribeiro. Mestra em Educação.pela Unicamp.


Professora de Psicologia da Aprendizagem e Psicologia Escolar e Problemaf
de Aprendiugem e Supervisora de Estágio em Psicologia Educacional, n.
Universidade Federal de Uberlândia.

Sílvia Maria Cintra Silva. Mestra em Educação pela Unicamp e doutoranclé


em Supervisão e Currículo na mesma Universidade.
Professora de Psicologia Escolar e Problel:tias de Aprendizagem eSuperv~or;
de Estágio em Psicologia Educacional, na· Universidade Federal d1
Uberlândia. ·'._
Departamento de Psicologia Social·e Educacional - DPSOE, UFU.
Av. Pará, 1720. Campus Umuarama.
38405-320- Uberlândia - MG. Telefax - (034) 218-2182

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