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A Oratória Forense e a Tribuna do Júri(*)

Meus amigos, boa noite!


Estou perante Advogados, por isso peço licença para falar-vos
em pé.

I– É honra que tenho pela maior poder estar novamente convosco,


neste aprazível cenáculo de cultura jurídica e literária, para discorrer
da Oratória Forense na Tribuna do Júri.
À inexcedível (e já proverbial) generosidade de vosso Presidente,
o insigne advogado Dr. Othon Zanoide de Moraes, e da Coordenadora
da Comissão do Júri, Dra. Eleonora Vieira, é que devo minha presença
aqui.
Em boa verdade, talvez devesse ter-me escusado de aceitar o
gentil convite, alegando com os ingentes encargos do ofício — acabo
de chegar da colenda 15a. Câmara Criminal do Tacrim, onde foram
julgados hoje para mais de 150 processos… — e com a possível
temeridade (e até insensatez) de usar da palavra em presença de
advogados tão notáveis.
Mas, é tão grande a dívida em que estamos todos para com a
intrépida Classe dos Advogados, que recusar-se alguém a atendê-los,
quando pedem coisas nobres e razoáveis, não importava menos que
faltar gravemente a um preceito de ordem natural.
Entendi, pois, de meu dever retornar ao vosso convívio; e o
dever é um dogma, diante do qual todos, respeitosamente, curvamos a
fronte!
Além de que, é muito benéfico para a alma de um pobre juiz
poder privar de novo com os mais distintos colegas de sua antiga
profissão. Isto não apenas lhe servirá para retemperar as forças, senão
também lhe será refrigério e bálsamo com que aplacar a dor da
saudade. Sabeis que “não há dor maior do que lembrar-se alguém dos tempos

(*) Palestra na OAB (Subsecção de Penha de França), em 29.11.2001.


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felizes na adversidade”(1)! Ou, por invocar a cláusula predileta dos


saudosistas, “era feliz e não sabia”!

II – Vamos ao ponto; entremos, sem mais salvas nem rodeios, a


tratar da Oratória Forense.
Que a palavra seja a arma, por excelência, do advogado não há
quem o conteste nem ignore. A todos serve de veículo precioso para a
comunicação humana; apenas do Advogado é também o instrumento
imprescindível ao exercício da profissão.
“A palavra, dom de Deus, é o mais nobre dos atributos do homem”(2).
Não admira, pois, que o mais nobre dos atributos do homem
seja também a insígnia da mais bela das profissões: a Advocacia.
Catão, romano ilustríssimo, ao traçar o perfil moral do
advogado, não lhe chamou senão “vir bonus dicendi peritus”, ou em
linguagem, “homem de bem, perito na arte de dizer”.
É próprio do advogado falar; do bom advogado, falar bem.
Que coisa é falar bem?
Latino Coelho, castiço escritor português — a quem se deve a
erudita e primorosa tradução para o nosso vernáculo da Oração da
Coroa (de Demóstenes) —, afirmou, com bem de razão, que, “de todas
as artes, a mais expressiva, a mais difícil, é sem dúvida a arte da palavra”(3).
Não nos desalentemos, porém. As dificuldades surgem para ser
superadas. Contra a força de vontade não há obstáculo na vida. Nunca
houve brocardo mais verdadeiro: querer é poder!
“Poeta nascitur, orator fit”, recitavam os antigos: o poeta nasce, o
orador se faz.
Conheceis, acaso, o edificante exemplo de Demóstenes? Merece
reproduzido. Narra Plutarco, historiador grego e autor das célebres
Vidas Paralelas, que Demóstenes era tartamudo, ou gago de nascença.
Para corrigir esse defeito de articulação de palavras, que fez? Tomou
sobre si a árdua tarefa de exercitar-se, diariamente, declamando em
voz alta, com seixos ou pedrinhas na boca, nas praias do mar Egeu, ao
3

mesmo tempo que lia com avidez os grandes mestres. Ao cabo de


longo tirocínio e severa disciplina, conquistou o primado da Oratória
e recebeu a coroa de ouro.
Passa por símbolo e paradigma vivo do que é capaz a vontade
humana. É o Pai da Eloquência e seu eterno modelo.
Tudo vence o esforço, meus amigos! O sacrifício é o pedestal da
vitória!

III – Perguntei-vos que coisa era falar bem, e ainda esperais pela
resposta.
Falar bem é falar corretamente, sem ofender o pudor da
gramática. Em suma, é expor as ideias com ordem lógica e
observância dos cânones da boa linguagem.
A primeira preocupação, pois, de quem fala ou escreve é
guardar as leis da gramática.
O advogado, portanto, há de estar atento e vigilante, não venha
a cair em erros graves, e pois inadmissíveis, de grafia, pronúncia ou
construção.
Quanto à prosódia, não lhe é lícito, ao advogado, v.g., dizer
“gratuíto” por gratuito nem “interim” por ínterim, ou “rúbrica” em vez
de rubrica.
O rol das pronúncias viciadas ou medonhas é imenso: avaro
(e não “ávaro”), tóxico (cs), e não “tóchico”, frustrar, ruim, exacerbar,
estupro (“estrupo” é crime hediondo também contra a gramática),
meritíssimo (e não “meretíssimo” ou “meretríssimo”), etc.
A despeito de frequentes, devem ser evitadas, porquanto
errôneas, construções deste naipe:
a) “Fazem” 10 min que o orador está falando e já bebeu um copo
d’água”. (Faz 10 min…);
b) “Haviam” mais de 50 advogados na conferência. (Havia mais de
50 advogados na conferência, e todos atentos);
4

c) A Polícia “interviu” e dispersou os torcedores. Interveio e


dispersou os torcedores (do São Paulo Futebol Clube: estavam
exacerbados).

Ainda:
– “Juntou-se” documentos (por juntaram-se documentos);
– Se você “ver” o Dr. Zanoide, cumprimente-o. (Corrija-se a
linguagem: Se você vir o Dr. Zanoide, cumprimente-o pela feliz
gestão na OAB);
– Vossa Excelência “fostes” demasiado rigoroso. (Forma correta:
Vossa Excelência foi. Os pronomes de tratamento obrigam o verbo
à terceira pessoa).

Apoiados à muleta da força de vontade, cada um de vós poderá


satisfazer plenamente ao imperativo profissional de falar bem, que
deve ser a pedra de toque e o apanágio do advogado.
Tende à mão também uma boa gramática e um dicionário. A
gramática pode ser a do renomado Napoleão Mendes de Almeida:
Gramática Metódica da Língua Portuguesa. Quanto ao dicionário, poderá
o advogado consultar, nas dificuldades, o Aurélio, sem menoscabar
os outros: Cândido de Figueiredo, Laudelino Freire, Caldas Aulete,
o velho Morais (Antônio de Morais e Silva) e o benemérito Rafael
Bluteau, que compôs, durante 40 anos, sozinho, seu magnífico
Vocabulário (em 10 vols.).
Não vos esqueçais da leitura dos clássicos da língua,
notadamente de seu período áureo (séc. XVII): Antônio Vieira, Manuel
Bernardes, Luís de Sousa, Francisco Manuel de Melo, etc.
5

Antônio Vieira (1608–1697)


“O imperador da língua portuguesa” (Fernando Pessoa)

E também de Alexandre Herculano e Camilo Castelo Branco


(estes, do séc. XIX).
Dos brasileiros, a leitura das obras de Rui, do genial Rui
Barbosa, deve ser indispensável a todos os que nos preocupamos com
as coisas do espírito, pela excelência das ideias, pela força arrebatadora
do raciocínio lógico e pela clássica e elegante linguagem vernácula
portuguesa. De sua vasta bibliografia constam: Oração aos Moços,
Parecer sobre a Redação do Código Civil, Réplica, Cartas de Inglaterra, Queda do
Império, O Dever do Advogado, Trabalhos Jurídicos, etc.
6

Rui Barbosa (1849–1923)


(“O primeiro talento verbal da nossa raça”)

Esse foi aquele Rui a quem Sílvio Romero deu, com justiça, o
epíteto de “o primeiro talento verbal da nossa raça”(4) e cuja morte a
Imprensa do tempo anunciou por estas solenes e impressionantes
palavras: “Apagou-se o Sol!”(5).

Gazeta de Notícias, de 2 de março de 1923


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IV – Aquele que aspira à Tribuna do Júri não pode, evidentemente,


limitar-se à leitura dos autores profanos; importa-lhe conversar
também, como é de razão, os que trataram “ex professo” o Direito Penal
(como Nélson Hungria, o Pontífice Máximo do Direito Penal entre
nós; o maior de nossos penalistas, recenseados vivos e mortos; e o
intérprete mais autorizado do Código Penal de 1940, de que foi o
principal elaborador, tendo-lhe escrito ainda magnífica exposição de
motivos, que Francisco Campos (Chico Ciência), Ministro da Justiça de
Getúlio Vargas, apenas assinou.
De Direito Processual Penal merecem particular menção as
obras de José Frederico Marques (Elementos de Direito Processual Penal),
Hélio Tornaghi — “Que homem é suficientemente Deus para julgar outro
homem?” (Curso de Processo Penal, Prefácio) —, Bento de Faria, Damásio E.
de Jesus, Vicente de Azevedo (Vicente de Paulo Vicente de Azevedo, o
Vicentíssimo).
E também as obras especializadas sobre o Júri: Firmino
Whitaker (Júri), Ary Franco, Edgard de Moura Bittencourt, Hermínio
Marques Porto, etc.
E, além disso, a copiosa literatura dos Casos do Júri:

a) Evandro Lins e Silva (A Defesa tem a Palavra);


b) Dante Delmanto (Defesas que fiz no Júri);
c) Alfredo Tranjan (A Beca Surrada);
d) Evaristo de Morais (Reminiscências de um Rábula Criminalista);
e) Henrique Ferri (Discursos de Defesa);
f) Carlos de Araújo Lima (Grandes Processos do Júri);
g) Pedro Paulo Filho (Grandes Advogados, Grandes Julgamentos);
h) E aquele “ao qual entre todos os mortais foi reservada a palma da
humana eloquência”(6): Marco Túlio Cícero (Orações).
8

Cícero (106–43 a.C.)


(Príncipe dos Oradores e Oráculo da Língua Latina)

Não é só. Cumpre estudar bem o processo, dominar a causa e


elaborar a defesa nos moldes clássicos da Arte Oratória:
– Exórdio, Narração, Confirmação e Epílogo (ou Conclusão).

V– Já é tempo de entrarmos, confiantes, no Tribunal do Júri.


No velho Tribunal do Júri da Capital — transformado hoje em
Museu do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo(7) — ninguém
entra sem profundo abalo de ânimo: o ambiente é amplo e austero, o
mobiliário requintado, as pinturas de parede majestosas, o silêncio
eloquente!
Ah! a instabilidade das coisas humanas e os cruéis caprichos da
fortuna! Reina hoje infinito silêncio, onde foi outrora o capitólio de
glórias dos mais soberbos tribunos do Júri!
9

Aí vereis, eternizada no bronze, a efígie de Brasílio Machado,


Marrey Jr., Dante Delmanto, Ibraim Nobre (Promotor de Justiça, o
lendário tribuno da Revolução Constitucionalista de 1932) e o excelso
Antônio Covello, vulto olímpico, o semideus da tribuna do Júri.

Antônio Covello (1886–1942):


Vulto olímpico, o semideus da tribuna do Júri.

Dele fique apenas este episódio: patrocinou a defesa de certa


mãe que matou o próprio filho, com um tiro de revólver, porque
furtara um chapéu. O júri absolveu a ré por 7 votos; ela e seu advogado
foram carregados nos ombros pela plebe entusiástica…
(Humberto de Campos escreveu, ao propósito, uma crônica
sublime, que lerei se me favorecer o tempo e se vós o consentirdes.
Tivessem-na lido os jurados antes do julgamento, e talvez lhe fosse
outro o resultado!).
10

VI – Estamos no plenário do Júri. Tangem as fibras de nossa alma


aquelas palavras grandiloquentes de José Soares de Mello, que foi Juiz-
Presidente do Egrégio Tribunal do Júri da Capital: “Quando o advogado se
alça para falar, na tribuna do júri, ninguém o iguala. É que está em jogo a
liberdade e a vida de um homem”(8).

Modelo de saudação ao Presidente do Tribunal do Júri


[Excelentíssimo Senhor Juiz-Presidente deste Egrégio Primeiro
Tribunal do Júri da Comarca da Capital, Dr. (nomeá-lo):
Na pessoa do Magistrado queriam nossos maiores que
conspirassem três predicados fundamentais: que fosse um homem
fidalgo, prudente e letrado(9). A majestade semidivina do cargo assim o
pedia!
Todas essas qualidades, Dr. (nomeá-lo), nós que vos
conhecemos há assaz de anos, fazemos a justiça de supô-las em Vossa
Excelência. Tendes nobreza e sabedoria nos atos e decisões; vastos são
também vossos cabedais de ciência. E, o que é mais: para honra da
Magistratura paulista, esses dotes Vossa Excelência os possui em grau
assinalável.
Podeis, portanto, manter-vos, com a fronte erguida, no topo
desse honorífico estrado, porque sois digno de ser visto e ouvido por
todos os homens de bem.
Com respeito e estima, saudamos Vossa Excelência.]

Modelo de saudação ao Promotor de Justiça


[O Ministério Público, esse não tem hoje que invejar à
Magistratura, pois igualmente está muito bem representado.
De vós, Dr. (nomeá-lo), o menos que a verdade manda dizer é
que sois modelo da grande Instituição a que pertenceis.
Tendes o garbo e a têmpera de um legionário, que, empunhando
o estandarte de sua venerável ordem, empreende soberbas cruzadas
em prol da restauração do império da Lei.
11

Essas campanhas, é força que o digamos, nem sempre o


adversário aplaude (exceção que ainda hoje, muito a nosso pesar, não
veremos quebrantada). Porém, a figura do valoroso combatente não
há quem deixe de exaltá-la, sobretudo quando (sendo esse o caso)
reúne em si qualidades de saber e inteligência, de caráter e coração que
dificilmente se encontram exornando uma só individualidade.
Receba V. Exa., Dr. (nomeá-lo), nossa merecida e sincera
homenagem.]

Modelo de saudação aos Jurados


[Senhores Jurados, da importância e sublimidade de vossas
funções não é mister que vos falemos, que outros já o fizeram com
mais arte e propriedade.
Pelo que respeita a vossos méritos pessoais, também escusa
proclamá-los, visto que é a própria lei quem o faz presumir, tendo-vos
escolhido dentre cidadãos dignos da confiança pública pela abalizada
cultura e exemplar teor de vida.
Tais valores e conceitos são inerentes à função de jurado e, por
isso, notórios, e os fatos notórios, dispõe o Direito que dispensam
demonstração, porque a evidência “é a própria prova”(10).
Apenas um ponto quiséramos ponderar a V. Exas. e é que nunca
um jurado se elevou mais aos olhos de seus pares do que quando,
considerando nas mazelas a que estamos sujeitos os mortais, preferiu
a clemência ao castigo e a equidade à justiça, porque aí, mais que um
simples homem, obrou verdadeiramente com o estilo e a onipotência
de um semideus!
Senhores Jurados, cumprimenta-vos afetuosamente a Tribuna
da Defesa;
Distinta guarda pretoriana, braço forte da Justiça;
Dignos e dedicados serventuários do Júri;
Senhoras e Senhores!]
12

Tal saudação já serviria a conciliar o auditório, finalidade do


exórdio, primeira parte do discurso.
Se a Defesa, todavia, quisesse cunhar um preâmbulo que fosse
também a súmula de sua tese jurídica, poderia dizer:
[É próprio do homem aspirar à perfeição. Em todos os seus
atos, persegue-o incessantemente a ideia de que tanto mais dignificará
sua espécie, quanto menor sua carga de erros e desacertos.
Mas, nenhuma obra da natureza é cabalmente perfeita(11).
Frequentes são as quedas e vacilações… e o homem não seria feito de
barro se tal não acontecesse!
Donde a comum preocupação dos espíritos verdadeiramente
superiores de não averbar de erro ou falta grave tudo quanto lhes
pareça contravir à sábia harmonia reinante no Universo.
Não sejamos, meus Senhores, prontos em censurar as ações
humanas, ainda as que se nos afigurem abomináveis, porque poderá
dar-se o caso que o homem, onde menos se mostre digno do epíteto
de Rei da Criação, aí talvez mais justamente o mereça.]
Segundo a doutrina de Fábio Quintiliano (As Instituições
Oratórias), compõe-se o discurso forense do Exórdio, da Narração, da
Confirmação e da Peroração (ou Epílogo).
Para não dilatar além da marca nosso tempo, tratemos da
Peroração. É o remate do discurso. Nesta parte o orador costuma “dar o
último impulso aos corações”(12).

Perante os Jurados discursará deste feitio:


[Honrados Juízes, de todas as máximas que já ouvistes nesta
gloriosa academia de ciência jurídica, que é o Tribunal do Júri, não há
mais importante nem sagrada que esta: condenação exige certeza. Esta
é a regra de ouro de todo o julgador!
Sem prova plena e incontroversa da autoria da infração penal,
ninguém pode ser condenado.
13

Ora, no caso, não ficou demonstrada a participação do réu no


crime de homicídio. Sua absolvição, portanto, será a única decisão
compatível com os ditames da Justiça.
Lembrai-vos das palavras de Nélson Hungria, que mereciam
gravadas em lâmina de ouro: “Condenar um possível delinquente é condenar
um possível inocente” (Comentários ao Código Penal, 6a. ed., vol. V, p. 65).
Quando, na sala secreta, vos propuser o MM. Juiz-Presidente a
votação dos quesitos, devereis responder não àquele relativo à autoria,
porque o réu, como provamos, não concorreu para a prática do crime.
Noutros casos, fora só Justiça; aqui será também piedade afastar
dos lábios do réu a taça amarga de uma condenação injusta!

VII – Além da cultura humanística, deve o advogado abalizar-se nas


virtudes.
A trilogia de Justiniano, nas Institutas, ou os preceitos de
Direito são: “Vivere honeste” (viver honestamente); “neminem laedere”
(não prejudicar a ninguém); “suum cuique tribuere” (dar a cada um o que
é seu).
A grande força do Advogado e dos cultores do Direito é a força
moral.
Para vencer na vida profissional, deve o advogado ser
trabalhador, estudioso e honesto!
Não é utopia, mas a realização do verdadeiro ideal do
Advogado: com os pés firmes e resoluto, pisar a terra e, com as mãos,
tentar alcançar as estrelas do céu!
Muito obrigado!
14

Nótula
A respeito do famoso drama judiciário de que foi protagonista
certa mãe, acusada de homicídio — matara o próprio filho, no dia 24
de abril de 1931, por haver furtado um chapéu(13) — e, afinal, julgada
e absolvida pelo júri, em veredicto unânime, tendo-se encarregado
de sua defesa o renomado criminalista Antônio Covello (Antônio
Augusto de Covello Jr.), escreveu Humberto de Campos uma página
imortal. Não posso menos de reproduzi-la aqui (adaptado o texto à
ortografia oficial), numa como simples e justa homenagem a esses
dois supremos artistas da palavra.

Mãe
O Tribunal do Júri absolveu ontem, por unanimidade, em São
Paulo, uma senhora que matou, com um tiro de revólver, o próprio
filho. Aglomerado à porta do templo da Justiça humana, o povo
prestou uma grande e ruidosa homenagem à criminosa, conduzindo-a
pelas ruas da cidade, entre aclamações entusiásticas. O assassinado era
menor, e havia furtado um chapéu num clube de regatas. A mãe,
temendo que seu filho se tornasse, pela vida adiante, um ladrão, correu
a uma casa de armas, comprou uma “Smith & Wesson”, e meteu-lhe
uma bala na cabeça. Presa e julgada, foi absolvida. Absolvida, foi
ovacionada, carregada em charola, glorificada pela multidão.
Eu não sei se, entre as pessoas que percorreram as ruas
paulistas, justificando publicamente essa criminosa, havia mulheres, e
se, entre as mulheres que lhe batiam palmas, havia alguma que fosse
mãe. As noções da honra e da probidade devem ser profundas, na
alma da mulher. Mais profundo deve ser, porém, no seu coração, o
amor a seu filho. A mãe de Pausânias, correndo a auxiliar os éforos
que muravam as portas do templo de Minerva, em Esparta, no qual se
refugiara o famoso capitão acusado de traição à pátria, pode parecer
admirável aos olhos dos historiadores e dos poetas antigos. Mais
sublime é, porém, Níobe, tornada em rochedo, petrificada de dor,
chorando surdamente os pedaços do coração que os deuses lhe
tinham levado.
15

– Lembrai-vos de Abraão, senhora, dizia um sacerdote a uma


piedosa dama genovesa que tinha nos braços o seu filho morto. Deus
ordenou que ele matasse a Isaac pequenino, e a sua mão não tremeu
ao erguer o punhal sobre o coração do inocente.
– Sim! respondeu a dama, inconsolável. Mas Deus deu essa
ordem a Abraão, que era pai; não deu a Sara, que era mãe, porque
sabia que não seria obedecido!
A senhora paulista que matou o filho, unicamente por temer
que ele, furtando agora um chapéu, viesse a assaltar, mais tarde, uma
chapelaria, foi, positivamente, precipitada no seu gesto e desumana na
sua justiça. Nem sempre a criança, e mesmo o adolescente, leva para a
idade adulta os hábitos maus de que se ressente. As virtudes definitivas
nascem com as noções da responsabilidade. Um mau menino pode vir
a ser um varão virtuoso. Uma criança exemplar degenera, muitas
vezes, num indivíduo nocivo à sociedade. Assim como se não pode
dizer, olhando um ovo, a cor do pinto que ele envolve, é temerário
prever, pelas falhas morais de um adolescente, reminiscência de
características vulgares da criança, o cidadão que ele será. Entre os
catorze e os vinte e dois anos operam-se revoluções profundas na
alma humana. O rio misterioso, que veio das nascentes correndo entre
pedras, só então se precipita do alto da montanha nativa buscando o
seu leito definitivo. Matasse toda mãe, ou todo pai, o filho jovem
acusado de faltas que são crimes na maturidade, e a população do
globo estaria reduzida, hoje, à quarta parte. Eu próprio não estaria
aqui, escrevendo estas cousas justas, em linguagem serena, mas
partidas de uma alma indignada. Considero-me um homem honesto e
nutro pela propriedade alheia um respeito religioso. Fui, entretanto,
quando menino, a vergonha de minha mãe. Furtei brinquedos, furtei
latas de leite condensado, e cheguei a furtar, pouco a pouco, mais de
setenta mil réis, que me tomaram depois. E eu abençoo, hoje, todas
essas tristes lições da vida e do destino, porque aprendi, na prática do
crime, que era ainda apenas pecado, a ter por ele uma instintiva
repulsão. É pelo conhecimento do erro que se consegue, muitas vezes,
distinguir e venerar conscientemente a virtude.
16

Recolham-se, pois, as mãos que se ergueram, limpas ou suadas,


para aplaudir aquela que derramou o sangue do seu sangue. Um dia,
em Viena, alguns forçados varriam as ruas, quando um rapaz de boa
aparência desceu de um carro e correu a beijar a mão de um deles.
– Que é isso? Beijas, assim, em público, a mão a um criminoso?
— diz-lhe o comandante da escolta.
– E por que não, se esse criminoso é meu pai? — respondeu-lhe
o moço.
A senhora paulista agora absolvida parece grande aos olhos dos
homens. Eu creio, porém, que ela se tornaria maior, gigantesca
mesmo, aos olhos das outras mulheres, se, realizado o pensamento
que a tornou criminosa, fosse procurar todos os dias no cárcere o
condenado, e dissesse a quem estranhasse vendo-a visitar um ladrão:
– E por que não, se esse ladrão é meu filho?!(14)

Notas

(1) “Nessun maggior dolore che ricordarsi del tempo felice nella miseria”
(Dante Alighieri, Inferno, canto V, v. 121);
(2) Júlio de Castilho, Os Dois Plínios, p. 195;
(3) In A Oração da Coroa, de Demóstenes, 1877, p. IX;
(4) Sílvio Romero, História da Literatura Brasileira, 1949, t. V, p. 448;
(5) Gazeta de Notícias, 2.3.23 (cf. Revista de Língua Portuguesa, nº 23,
p. 7);
(6) Heitor Pinto, Imagem da Vida Cristã, vol. I, p. 31;
(7) Do Museu do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
é Coordenador o eminente Des. Emeric Lévay, jurista e
historiador de nobre estirpe, a quem muito deve a cultura
paulista. (O autor deve-lhe também a gentileza da foto que
ilustra esta página);
(8) J. Soares de Mello, O Júri, 1941, p. 17;
(9) Ordenações, liv. I, tít. 1º;
17

(10) Cf. Bento de Faria, Código de Processo Penal, 1960, vol. I, p. 253;
(11) Cícero: “Nihil ex omni parte perfectum natura expolivit” (apud Bluteau,
Vocabulário, 1720, t. VI, p. 420);
(12) A. Cardoso Borges Figueiredo, Retórica, 1875, p. 67;
(13) Cf. Pedro Paulo Filho, Grandes Advogados, Grandes Julgamentos,
1989, p. 153;
(14) Humberto de Campos, Os Párias, 1939, 8a. ed., pp. 128-131;
Livraria José Olympio Editora.

Carlos Biasotti
Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

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