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FABIO

A QUESTÃO ANCESTI\AL

AFRICA NEGRA

Casa:dasÁfricas
Capítulo 17
A dimensão ancestral da comunidade

A sociedadeSenufo é organizadaespacialmenteem unidades comunitárias auto-suâcien-


tes, asaldeias.Tratando-se de característica básica dessecomplexo civihzatório, torna-se
\necessário verificar quais instâncias ancestrais integram essasformações e qual a concretu-
de delasna conÊguração de sua estrutura e dinâmica.
Não existe um consenso estabelecido entre os estudiosos da civilização Senu6o
quanto à época do aparecimento dasaldeias,mas há concordância de que seriam os pri-
meiros ocupantes do atual território. Holas (i957) nega que soam autóctones e situa sua
chegadaà região de Korhogo no anal dó século xvi. Rougerie acredita, como vimos,
que essesvoltaicos começaram a ocupar tal área ''no primeiro milênio de nossa era''
(i977: 77), à qual teriam chegado por vagas.Coulibaly (i978) adota a tese de serem os
primeiros habitantesdo território, nele se fixando apósmovimentos migratórios ocorri-
dos em uma etapa da época da colete e caça.Ouattara (1979) considera-os como os pri-
meiros habitantes da região, oferecendo alguns dados para depender essaidéia, dos quais
consideramos os mais tangíveis a ausênciade relatos ligados à conquista da terra pela
corça e a referência contínua, e mesmo ritual, aos ancestrais-filndadores ligados à criação
dos primeiros núcleos.
De qualquer maneira, autóctones ou não, a antigüidade dos Senuâoem seu territó-
rio atual é reconhecida pelos autores,l e o aparecimento das aldeias parece ter suas raízes
históricas no processo de passagemà sedentarização e da opção pela agricultura como
modo de produção.

Alguns etnólogos pensam que essasformas são posteriores à civilização paleonegrítica.


Mas no caso que nos concerne, parece que a emergência das formas de aldeias Senu6o
estáligada à adição da agricultura, se nos referirmos àsmodalidadesde criação de uma
aldeia Senuâo.(Ouattara,1979)

De fato, como vimos, a fundação de um núcleo, dando origem à aldeia, ocorre


basicamentequando uma eàmíliaocupa determinada áreaapóseâetivaçãode um pacto ce-
lebrado com a terra -- devido à naturezadivina desta-- pelo patriarca-fundador, chefe da
Êamíhaentão instalada.Sem essepacto não existe possibilidade de aliança com asdivinda-
des protetoras do local e a ocupação não é legitima. O pacto estabeleceos direitos e
deveresde ocupação,gerando a primazia da exploração da terra e a possibilidade de ces-
são de algumas de suaspartes, sem que sejam desvinculadas da área total abrangida pela
aliança.Dessaforma, o aparecimento de uma aldeia Senu6otem por baseas relaçõesesta-

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belecidaspor uma família com a terra, íator de produção e elemento da autonomia da co-
munidade. Por outro lado, os demais agentes sociais -- mesmo outras famílias -- integrados
na aldeia fiindada pela família pactuante,ligam-se a esta também pela terra, na medida em
que podem obter daquela sub-áreas para exploração. Nessa relação estabelecida entre a
família pactuante e a terra sãoencontrados fundamentos decisivosda conâguração da al-
deia,que se confunde com a problemática da ocupaçãoda terra e dos conseqüentespro-
cessosde produção.Trata-se de uma relação vital existente entre a terra e o homem, nas-
cida da sacralização estabelecida pelo pacto-2
Assim,o fato de o aparecimento da aldeia emergir de um pacto seladocom a terra
parececonfirmar que a sedentarizaçãocorrespondeuà opção pela agricultura como modo
de produção entre os Senu6o.
TH opção da sociedade Senu6o-- uma civilização agrária -- permite identiâcar cer-
tas instâncias ancestraise alguns aspectosnão negligenciáveis da organização social desses
voltaicos. Essasinstâncias, no aspecto eleito para os fins deste trabalho, são essencialmente
a família e a fundaçãoda aldeia,com a manutenção e continuidade de ambasno tempo e
no espaço
Vimos anteriormente que nos processosde aparecimento dasaldeias-- Eatoresbási-
cos da organização da sociedade em núcleos auto-suâcientes, que envolvem a sedentari-
zaçãoe o modo agrícola de produção -- a família é um de seuscomponentesmais decisi-
vos.Vejamos agora sua dimensão ancestral.
A célula básica da sociedade SenuÉo é a Ner@baa(Eàmíhaextensa, descendência em
sentido amplo), composta 6sicamente pela eàmília-matriz(a família do chefe da NerÜbaa),
e pelas íàmíhas conjugais -- Kpaa(casa, habitação) --, todas ligadas pelo sangue.A Ner@baa,
em termos de sua estrutura, engloba o chefe da família extensa (Nerjgba(®/o)-- patriarca
mais velho da Nerlgbacz e representante do ancestral-fiindador --, sua esposa,ou esposas,e
filhos; irmãos, mulheres e filhos destes;irmãs, tias e sobrinhas, solteiras ou viúvas, assim
como os filhos destas últimas. Cada Kpa.z é formada pelo esposo (Kpac@/o),esposaou es-
posas e respectivos alhos.
O elemento constitutivo que mais caracteriza a Neregbaaem suasrelaçõesde paren-
tesco é aquele formulado pelos laços uterinos de sangue. A organização da sociedade Se-
nu6o,sob esseaspecto,é matrihnear. O estabelecimentodessainstituição parece decorrer
da necessidadehistórica da plena configuração de um grupo social segundo asproposições
de seusindivíduos acerca da legitimidade de parentesco; supõe-se que tenha ocorrido em
época longínqua, não identi6cada, provavelmente em períodos de adaptaçãoa novos ter-
ritórios, sedentarizaçãoe constituição de agrupamentos,quando nasceramasprimeiras al-
deias.Assim,

em uma época de semi-itinerância, âoi absolutamente indispensável encontrar um crité-


rio que permitisse reconhecer os seus [. . .] o mais seguro dos critérios âoi aquele da con-
sangüinidade,da descendênciaem linha matrilinear. A oportunidade da adoção de um

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tal critêrio pode explicar-se também pelo fato de que, constituindo-se a mulher em um
capital genético, tornava-se necessárioencontrar uma regra intangível, ligando de ma-
neira indefectível sua progenitura à sua célula social original. (Coulibaly, i978: lz3)

Essaregra intangível, encontrada para instituir o parentesco uterino, decorre do fato


de que para os Senu6o toda criança ''qualquer que sda, tem obrigatoriamente sangue de
sua mãe em suas veias.Ao contrário, nada prova de que ela o tenha de seu pai" (Coulibdy,
i978: lz3). Ou seja,nenhum homem pode provar que alguém sejaseufilho.sTH princípio
\leu origem às descendências femininas -- Ner@a -- encontradas no interior da Ner@bÍza.
A famUia extensa SenuÉoformula-se e legitima-se pelos laços uterinos de sangue, e
em suabaseencontra-se uma ancestral-mu//zer,
aquela iniciadora das descendênciasfemini-
nas de uma Nêrjg6aa,mesmo quando, eventualmente, nenhuma de suas61hase 6]hos tives-
semsido geradospor seu esposo-Ela é a conte primeira do património genético que defi-
ne o grupo, aparecendoassimcomo elemento legidmador da família extensa,englobando
a Nerigbaa ''todos os descendentes de uma ancestral comum'' (Coulibaly, 1978: iz2).
Essaformulação da NerÜbaa tendeu, entretanto, a modiâcar-se, sendo acrescida de
outros elementos humanos. Antigos deslocamentos, decorrentes de pressõesexternas,dizi-
mações em tempos de guerra, dissidências no interior de famílias, são fatores históricos
que provocaram a necessidadedo estabelecimento de novas alianças,a âm de fortalecer as
basessociais das comunidades com o aumento da força de trabalho. De acordo com
Ouattara (l98i), a Ner@baapode constituir-se, além dos descendentesde uma ancestral-
mulher comum -- fator que mantêm os princípios matrihnearesda organizaçãoda íamíha
extensa -- dos indivíduos pertencentes a outras descendências, dos descendentes de cativos
e de pessoaspertencentes a outros complexos civHizatórios, filiados a uma aldeia em busca
de cessãode terra para cultivo.4
Assim, a NerÜbaa soÊeu alterações substanciais, ganhando uma dinâmica diversa de
sua 6ormülação clássica. Seu alargamento permitiu a emergência de núcleos sociais mais
amplos, portadores de maior corça de trabalho. Essamutação, entretanto, ocorreu segundo
regras precisas que submetem as pessoasintegradas às normativas ancestrais regentes das
relações e instituições estruturadoras do núcleo receptor: sqa qual âor o número de pessoas

integradas à NerÜbaa,somente a família pactuante detém os direitos de administração da


terra e, assim,o de cedê-la,em parte,para a exploração de terceiros, garantindo o caráter
de inapropriabihdade e indivisibilidade da terra estabelecidopela aliançacelebradapelo
ancestral-fundador.
Dessa maneira, face à sua estruturação básica e à dinâmica estabelecida pela sua pos-
sibilidade de expansão, a Nerlgbcza-- que no sentido mais abarcante transcende o espaço fí-
sicos -- pode ser considerada como a própria aldeia, isto ê, cada aldeia Senu6o é o espaço
físico onde reside a família extensa,com sua organização matrilinear, parentescode sangue
e desdobramentos, detentora de todos os favores de produção, de sua vida material e espi-
ritual. E nessesentido sintetizante e dinâmico que chamamosa Nêrlgbaadelamílf.z-a/afia.

34t
Na basedesseprocessoencontra-se o núcleo fundador da comunidade,que a legitima e
é legitimado pela descendênciamatriJinear portadora dos direitos e devereslegadospe-
los ancestrais, dos quais decorrem todos os outros. É por corça do critério sanguíneo que
o sistemaorganizatório sintetizado na Nerlgbaase concretiza, estando semprereferido à
ancestral-mulher que originou uma de suas instâncias decisivas.
Essaancestral-mulher é a matriz geradora da família tal como concebida pela so-
ciedade,ligada à formulação do parentesco uterino originador da organizaçãomatrilinear,
único eatormaterialaceitopelos SenuÉoparadeânir asdescendências. Estátambémma-
terialmente referida ao próprio aparecimento da comunidade quando se trata da ances-
tral-mulher da família instalada em uma determinada área após a celebraçãodo pacto
com a terra, e nessecaso,é personagem integrante dos processosde passagemdos SenuÉo
à sedentarização e à condição de civilização agrária.
TH conjunto de fatores históricos explicam o grande respeito e a sacralizaçãodos
princípios orientadoresda organizaçãomatrilinear dos Senuâo,assimcomo o papel social
da mulher, princípios essessintetizados,em grandeparte, na figura dasancestrais-mulhe-
res.Essasacrahzação
do elemento feminino exterioriza-se concretamentena mulher mais
idosa da Nerlgbaa, conhecida e chamada por Kaf7e/eo ou Z7e/eo(mulher idosa, tia), sobre
quem Ouattaraafirma:

O Chefe da família a consulta da mesma forma que a seusirmãos e sobrinhos. Na


maioria dasvezesé o seuparecerque prevalece.Por conseqüência,
elaé muito ouvida
e respeitada.Exerce funções especí6casno seio da fâmí]ia; ocupa-se da educação moral,
social e religiosa dos membros da família; tem o dever de encontrar esposasou esposos
para os membros da família; ela transmite a história social e religiosa da família.
(Ouattara,
l98i : 4i)

E, em outro escrito: "Em poucas palavras, ela tem por dever principal a conserva-
ção da Narigboa. Ela é o chefe espiritual'' (Ouattara, i979).'
Essavenerávelâgura simboliza os princípios matrihnearesque definem a família e
as descendências, representa o início e a continuidade, sintetiza a dimensão ancestral da
comunidade na instância dos laços uterinos de parentesco,institui a principal célula da
sociedade Senuâo,a Nerlgb.zcz,
vitalmente ligada à terra pelo pacto e, portanto, aos proces-
sos de produção.As NerÜb.zcz-- com suasancestrais-mulheres, das quais as Kaf7e/eodas al-
deiassão as representantesvisíveis e símbolos de suasestruturações e dinâmicas -- consti-
tuem-se em instâncias que integram vitalmente a organização social dos Senuâo,sem as
quais essasociedade não poderia manifestar-se tal como existe. Essasinstâncias são mate-
rialmente e historicamente ancestrais.
Uma outra dimensãoancestral que deõne a noção Senu6ode comunidade é dada
pela fundaçãoda aldeia,sua manutençãoe continuidade ao longo da história. Para
apreciar quais fatores ancestrais integram essadimensão, torna-se necessário abordar ainda

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uma vez a conâguração da Nerlgbaaem suasrelações com a terra e a administração da fa-
mília-aldeia.
Vimos que as Nêregbaa,num de seus aspectos mais Fundamentais, apresentam uma
dimensão ancestral estruturada pelos laços uterinos de sangue, estabelecidos a partir de
ancestrais-mulheresoriginadoras de descendênciasque concretizam a família extensa e
permitem sua continuidade. Mas asNerjgba'zaparecem também, em sua condição de ele-
mentos estruturadores de uma civilização agrária, como núcleos humanos pactuados com
a terra. Como já âoi indicado seguidamente, a terra, devido à sua natureza sagrada,não po-
\ de ser ocupada e usuâuída sem estabelecimentode um pacto com as divindades respec
uvas,sendo asNerjgbczaas detentoras da aliança e, em conseqüência, dos direitos e deveres
decorrentes.
As Nêrlgbacz
pactuadasconâguram -- concomitantemente com suasformulações de
matrizes geradorasde descendências-- nídadesbâfcízsdeprodtlção,cujas origens remontam
ao seu próprio aparecimento e a sua fusão com a terra. Nesse processo, emerge a figura do
afzcesfra/:fundador,
aquele patriarca-chefe de uma família, que selou uma aliança com a
terra,permitindo o aparecimentoda Ner@ba'z
como núcleo humano que ocupa um espa-
ço físico e detêm os fatores da produção. O ancestral-fundador sintetiza pois uma outra
dimensão ancestral da família-aldeia, aquela do início e continuidade material da comu-
nidade. Estabelecedor do pacto, está na origem das normas regentes da ocupação e explo-
ração da terra, transmitindo-as àssucessivas
gerações.Por tratar-se de uma civilização agrá-
ria, compreende-se que esseherói -- suâcientemente poderoso para descobre uma áreade
terra viável, enÊ.enteras corçasmágicasportetoras da natureza e coloca-lasa favor da co-
munidade -- tenha ganho uma condição semi-divina e altamente sacralizadano interior
dasociedade.
Nós pudemos observar diretamente as manifestações materiais dessasacralização no
âmbito da comunidade. Paraa apresentaçãodos dadosque então conseguimos,é preciso
voltar à aldeia de Penyakahae àspedras-seresque nela descobrimos e àsquaisjá fizemos
referência. A descoberta dessaspedras-seres7nos proporcionou a obtenção de dados que
consideramos de extrema importância para a compreensão de pelo menos duasdimensões
da realidade Senu6o:aquela relacionadacom a noção de pessoae de vitalidade, ou corça
vital, integrante dos seres-- já indicada --, e outra relativa ao ancestral-fundador e sua
dimensão histórico-sagrada, síntesede instância precisa da configuração da comunidade.
Havíamos obtido uma inÊormação8segundo a qual o ancestral-fiindador de uma al-
deia seria representadopor uma pedra.9A importância atribuída a esseelemento seria tão
grande que existiriam pequenas comunidades que bem poderiam se filiar a outras, mais
viáveis do ponto de vista económico, para melhorar assuascondições existenciais,mas que
não o faziam para não mudar a pedra do local originário ou não ter de abandona-la.Essa
informação nos parecia de importância para nosso trabalho, mas as várias tentativas de
descobrir a pedra e, portanto, achar uma.prova empírica, revelaram-sein6utí6eras: obti-
vemos negação formal de sua existência,alegaçõesde desconhecimento a respeito ou

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respostasevasivas.Finalmente, por uma questão de sorte, a pedra 6oi localizada em
Penyakaha e explicada pelos seus inÉormantes.io
Penyakahaé uma pequena aldeia constituída por uma só família do sub-grupo
Nafara. Sua denominação vem de Penda,nome de seu fundador, e de Ka/za,aldeia. Penya-
kaha ê, assim,a aldeia de Penya e sua autonomia é caracterizada por possuir uma econo-
mia auto-suâciente, um cemitêrio, um bosque sagrado e santuários especíâcos.
Pudemos observar ali as pedras-seresjá referidas, espalhadaspela aldeia, colocadas
em dente às entradasdas habitações ou então reunidas em um canteiro, cadauma repre-
sentando uma pessoaviva.Já a pedra do ancestral-fundador encontra-se isolada, em espaço
fortemente diferenciado,público e a céu aberto,mas que pode passarfacilmente des-
percebido ao estrangeiro devido à disposição aparentemente aleatória dashabitações.Essa
pedra constitui um monumento, pois estáescondidaem um cone de terra de cercade 5o
cm de altura, ladeado por uma vasilha de barro e por uma canoa em miniatura esculpida
em madeha. O monumento estálocalizado entre duas pequenascasas,construídasbem no
estilo Senu6o,em forma cibndrica, com paredesde adobe e teço em palha. Essascasasnão
possuem portas, encontram-se separadas por alguns metros e as entradas estão voltadas
uma para a outra.Todos esseselementosformam um só conjunto.Vejamoso seu sig-
niâcado, conforme asinformações obtidas na localidade.
Penyafundou suaaldeia por volta de l75o, após selarum pacto com a terra, o que
permitiu a instalaçãoda família no local. Quando Edeceu,a pedra-serque o representaâoi
colocada onde se encontra até hoje, guardadae cultuada pela comunidade.A vasilha de
barro serve para receber água de chuva, que é apropriada pelas divindades protetoras da
aldeia, as quais ah vêm para se conÊaternizar com o ancestral-fundador. A miniatura de
canoa revela uma particularidade da personalidade e do destino de Penya:ele deveria mor-
rer na água,mas pereceu na guerra.Assim, seusfamiliares vêm colocando nesselocal, ao
longo do tempo, a pequena escultura, para que Penya possa viajar nas águas que, no país
dos ancestrais,são abundantes. As casasque rodeiam o monumento coram construídas
posteriormente para conforto de Penya e de Unamatye:' -- apresentadaa nós como a
principal esposaparticipante da fundação do núcleo --, e sãoconsideradasas habitações
desses ancestrais na aldeia. A habitação de Penya encontrava-se totalmente vazia, mas
localizamos em seu interior restos de maxilares de boi e vestígios mais aparentesdos
sacrifíciosde sanguefeitos periodicamente no local. Na casade Unamatye pudemos
observar alguns objetos, como cabaças,potes e cauris.A um canto, no chão, 6oi construído
um pequeno nicho de terra, elaborado sob a forma de peixe, onde outros objetos similares
estavamcolocados.São os pertences rituais de Unamatye, que também é lembrada,
reverenciadae cultuada pela comunidade, e sobre quem existem alguma legendasíàmosas
na aldeia.i2Nesse conjunto espacial altamente diferenciado, sacrifícios e outros fitos rituais
sãolevados a efeito com regularidade.
A pedra em questão, entretanto, não representa apenas a memória de Penya. Ela é,
de certamaneira,o próprio ancestral,pois contém parte de seuPÍ/e,princípio vital de

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mtortalidade. Essa característica é explicada e legitimada pela proposição já referida, relativa
às qualidades atribuídas a certas instâncias dos componentes vitais do homem Senu6o -- e
também das outras sociedadesestudadas--, que podem se localizar e manifestarem
múltiplas chcunstâncias e locais, não raro ao mesmo tempo. De fato, o ancestral encontra-
se no espaço dos antepassados,em altares,em máscaras,no Bosque Sagrado, reencarnados,
nos momentos de transe e possessãoetc. Em Penyakaha, um dos locais onde se encontra
seu ancestral-fundador ê a pedra que descobrimos. Essapedra é um ser vivo no qual se
fiindem energiasda naturezae do homem.A importância atribuída à pedra-monumento
\de Penyakaha decorre também do fato de que, segundo explicado na ocasião,estqa ainda
ligada à divindade pessoalde Penya,e integre, de certa maneira, sua personalidade
profunda.Ao término da existência visível deste, tornou-se necessário erigir um santuário
especialmentededicado à divindade, em local diverso. Nós tivemos a rara oportunidade
de sermos convidados a penetrar nesseespaço sagrado e fotografar seu interior,í3 onde
sacrifícios são peitos regularmente. Além disso, um dia por semana -- a cada seis dias,
segundo a semana SenuÉo-- a terra não é trabalhada, em honra à divindade.
TH conjunto de íatores explica a sacrahzaçãoda pedra-monumento de Penyakaha.
Ela é símbolo da memória histórica, uma espécie de marco ou pedra fundamental. Mas
suanaturezaé mágica,pois é dotada da vitalidade do ancestral-fundadore essaenergia se
confunde com a própria vitalidade da terra. Essacorçanão é privativa ou particularizante:
localiza-se a céu aberto, em interação com os homens e a natureza; aliada de Penya -- o
herói estabelecedor do pacto -- e da comunidade beneÊciada com a aliança. Pertence à so-
ciedade e liga-se à energia social da própria aldeia como um todo.t4 Dentro do sistema
Senu6ode explicação do mundo, ela é conte de vida coletiva, uma espéciede corçavital
histórica concretizada materialmente na existência da aldeia e na continuidade dessaexis-
tência.A necessidadede renovação constante dessa energia ê obtida pelos sacri6cios perió-
dicos, dos quais, em certo sentido, a coletividade renasce a cada vez.
Tais proposições tornam a ideia de abandonar a pedra-monumento -- o conjunto
de elementos sagradosinterligados nessainstância -- inaceitável para os habitantes de
Penyakaha, pois ela sintetiza, como eles o disseram, a unidade da íamíha e da aldeia, a ga-
rantia de sua sobrevivência e âehcidade.Seu abandono estabeleceria um rompimento irre-
versível entre o ancestral-filndador e os membros da aldeia.Transâeri-la de local seria que-
brar o pacto selado por Penya com as divindades da terra, nutridora da comunidade,
rompendo-se os elos estabelecidos e perdendo-se as corças que a protegem. Em qualquer
dos casos,a ordem histórico-sagrada soÊeria uma ruptura, isto é, geraria um acontecimen-
to de conseqüências imprevisíveis.ts
O ancestral-fundador,herói semi-divino e sacralizado,celebradordo pacto que uniu
a sociedade à terra, é o organizador por excelência. Permitiu a concretização de um amál-
gama histórico-divino que define em grande parte a concepção de aldeia e comunidade,
proJetandono tempo e no espaço,em seusdesdobramentose continuidade, as relaçõese
instituições sociais estabelecidas no interior dessas unidades de produção auto-suficentes.

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O que descobrimos em Penyakaha -- singular e profundamente humana manifestação da
consciência histórica Senu6o parece constituir as provas materiais dessaproposição, a qual
faz emergir outra importante dimensãoda comunidade,possibilitando uma melhor apre-
ensãodos elementos ancestraisque a integram.
Essatrama histórico-ancestral,na baseda qual se encontram o pacto e o ancestral-
fundador, se reproduz na continuidade que propõe: de fato, nos processosde sucessãoda
chefia da eamíha detentora do pacto, assumem o posto os patriarcas mais velhos da família,
aquelesrepresentantesmais legítimos do ancestral-fundador.A legitimação decorrente des-
sesfatos torna os processos de sucessãodas chegas absolutamente naturais: não existem
problemas nas sucessõesde chegas,o patriarca sucessorjá é conhecido da comunidade."
O patriarca-chefe, representante do ancestral-filndador, é o guardião do pacto e dos
princípios ancestraisregentes da administração da família-aldeia. Dentro da organização
ancestral da fa«íha extensa Senuâo (a Nerlgbaa), ele é o Nerjgb.zaÚo/o
(chefe da NerÜbaa), o
ZariÚo/o(guardião da terra), o Ke2udõ/o (chefe da aldeia) e o SlzangqÉo/o
(principal respon-
sável pelo Slzanga, o Bosque Sagrado). Desempenha portanto fiinções administrativas, po-
líticas e espirituais.t7 Gere os bens, é árbitro e mediador de litígios, e responsável pela con-
duta de qualquer dos membros da família que lidera. Seu poder é legitimado pela terra,
com a qual o ancestral-fundadorcelebrou o pacto originário, que possibilitou suaocupa-
ção e exploração dentro de um estatuto sagrado.Representante desseancestral,ele é o
guardião do pacto e,por isso,encontra-se habilitado a praticar a administração da terra
pactuada e a estabelecer cessõesde sub-áreas,não permitindo porém sua divisão, apropria-
ção ou venda.Em suacondição de principal sacerdotedo BosqueSagrado,é figura essen-
cial da instituição que sintetiza as principais proposições da explicação SenuÉodo mundo,
nelas incluídos os processos de socialização. Nestes, buda a dar nascimento ao homem na-
tural-social proposto pela sociedade segundo os padrões ancestrais,transformando-se em
Koufo, a parteira mítica do Bosque Sagrado, para o qual transporta a imagem da aldeia.
Está,portanto, ligado obrigatoriamente à transmissão e observância dos valores mais sig-
niÊcativos da sociedade.Ainda mais: sendo por excelência o representante do ancestral-
fundador, é depositário de conhecimentos e segredosdiferenciais,o que o torna institu-
cionalmente o principal sacerdote dos cultos a ancestrais, a quem cabe a responsabilidade
de ser o mediador mais eficaz entre os vivos e os antepassados.Essadimensão do patriarca-
chefe é também essencialpara explicar suagrande autoridade e o respeito a ele dedicado,
pois os ancestraisse constituem, em última análise,em pontesvitais ligadas à energia social.
As relações entre eles e a sociedade devem, portanto, ser otimizadas.i8
O patriarca-chefe é, assim,elemento uniâcador da família-aldeia e principal man-
datário da administraçãoda comunidade,i9símbolo da legitimidade de suaexistência,con-
ferida pelo pacto, bem como da de suacontinuidade.
Na íamíha e na aldeia, essevenerável personagem é carinhosamente conhecido e
chamado por O/eo ou Sfen/eo(homem idoso, o tio). E aquele que se ocupa do bem-estar
social como um todo. Continuador do ancestral-fundador, é agente da força histórica e

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mágicaintegrante da comunidade,que inexistiria, tal como concebida,em casode rom-
pimento do pacto ou ofensagrave às normas por ele estabelecidase asquais Ihe cumpre
fazer observar.Dominando a possibilidade de desordem, O/eo é símbolo e eator da vida
social.20
As instituições nele sintetizadasdefinem outra signlâcativa instânciada explicação
dos elementos constitutivos da família-aldeia. Essainstância também é, em nosso entender,
rigorosamente material e ancestral.

No interior da família-aldeia,detentora do pacto e conâguradora da comunidade agrária


auto-su6lciente, característicabásicada organização social dos Senu6o,existem duasdi-
mensões representativas de instâncias ancestrais organizadoras das práticas históricas: as czH-
cesfrnfs-m /bares,deânidoras e legitimadoras da família, tal como concebida pela sociedade,
e suas descendências, representadas por Kaf7e/eo; e os ízfzcesfraís:fundadores,
responsáveis pelo
aparecimento da comunidade e daspráticas materiais que a integram, representadaspor
O/eo.São duas dimensõescomplementares e inseparáveis,definindo a validade dasins-
tituições que originaram.TH conjunto de Êatoresé projetado no tempo e sintetizado ma-
terialmente em Kafye/eoe O/eo,detentoresdos pressupostosancestraisque mantêm viva a
eaínília-aldeia.

Notas

l Ouattara e Coulibaly situam em i3zo a chega de Korhogo espécie de capital do ter-


ritório Senufo -- por parte de Nanguem Soro. Os números apresentadospara chegar a
essadata indicam, entretanto, que existiram antes de Nanguem Soro no mínimo oito
chefiase no máxuno 33, estabelecendoum período de cerca de quatro a catorze séculos
antes de t3zo. Esseperíodo âoi calculado pela mêdia de duração de cada chefia, estimada
em quarenta anos cada.

2 Esse caráter semi-divino da aldeia e a sua sacralização é con6rmado ainda pelo fato de
que uma aldeia somente é considerada como tal - isto é, unidade autónoma, desvincu-
ladajuridicamente de uma aldeia-matriz --, quando é chamada de Ka;za(aldeia)e não de
1,{yo("acampamento"). Para tanto, é necessário que sda também dotada de um Bosque
Sagradodevidamente sacralizado,de um panteão e de um cemitério, conforme indica
Ouattára (1979). Esseselementos estão,de fato, ligados concretamente à explicação da
noção de aldeia e integram a organizaçãosocial dos Senu6o.Ouattara consideraque o

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Poro-- instrumento regulador dessasociedade,enquanto corpo de normas doutrinárias
' emergiu juntamente com a criação das primeiras comunidades Senufo devido à ne-
cessidadede har ''uma prática comum estabelecendo os direitos e os deveres de cada
um dos habitantes da aldeia" (Ouattara, 1979).Ora, o Poro é inseparável do Bosque Sa-
grado e dasdemais instituições sociais Senueo,sendo a autonomia de um núcleo depen-
dente da sacralizaçãode seu Bosque Sagrado.Enquanto isso não ocorrer, o Porolocal es-
tá vinculado a outro Bosque Sagrado. O mesmo ocorre com relação aos panteões e
cemitérios. Registre-se, a propósito da figura institucional dos cemitérios que, segundo
um depoimento obtido deTidiane Dem (Korhogo, i979), quando um anciãofHece cora
da localidade de origem de sua Eamíha,o cadáver deve ser transportado até o cemitério
respectivoe atravésdos caminhos habitualmente trilhados pela pessoaídecida, não
obstante os percalços que o percurso possa oferecer. Na maior parte das aldeias visitadas,
a interação entre elas e seus cemitérios era extremamente evidente.

3 TH regra, nascida da origem duvidosa da paternidade, estabeleceu uma outra: o esposo


de uma mulher é sempre considerado o pai de seus 61hosnascidos durante a união,
cabendo-lheinclusive proceder àscerimónias funerárias em casode morte daquelese
providenciando o enterro em suaprópria aldeia,ainda que a esposaestejavivendo com
outra pessoa.

4 Entre os Senu6oregistra-seuma corte presençados Dioula, pertencentesao complexo


civihzatório Mandenka, que abrange também, sob essenome, os Bambara e os Malinke.

5 Tratando-se de descendênciasanguínea,e considerando os desdobramentos possíveisda


Camíha,membros de uma Nerlgbaa podem residir em outras aldeias.

6 Nízrlgboa:o mesmo que ]Verlgbaa

7 A bibliograâa que conhecemos sobre os Senu6onão registra a existência dessaspedras e


suasrelações com a visão de mundo Senu6o.

8 Informação fornecida porTidiane Dem, abril de 1979.Nunca agradeceremoso suâ


ciente a esse venerável in6ormante por nos ter colocado na pista dessas pedras-seres.

9 Existem outros símbolos relativos aosancestrais-fundadores.Uma modalidade é dada


pelas estatuetas que os representam, geralmente colocadas no Bosque Sagrado. Repro-
duzem figuras de um homem portando machado, faca e amuletos, símbolos de poder e
corça. Às vezes as cabeças são ornamentadas por um ''disco" que contém animais pri-
mordiais esculpidos.Esseelemento simboliza o poder e a corça.

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10 Isso ocorreu em agostode 1979.Estávamosem território Senufo há vários dias,e a
questão daspedras-serescontinuava a nos preocupar, pois antevíamos a importância des-
se fator para melhor explicação da figura do ancestral-fundador e de suasrelaçõescom
a conâguração da comunidade. Entretanto, como acontecera em abril do mesmo ano,
não pudéramos confirmar o dado e chegamos àspedras-serese à pedra do ancestral-fun-
dador por mero acaso.Aindaem território Senu6o,empreendimos a viagem de retorno
a Abidjan, evitando a estradaprincipal a âm de percorrer,aindauma vez,aspequenas
rotas secundárias que possibilitam passarpelas inesquecíveis aldeias localizadas no per-
\
curso.Ao observarmosem uma delas,Penyakaha,a existência de um cemitério na mais
estreita interação com a aldeia -- um dos túmulos encostava-sena parede dos fundos de
uma casae sobre ele um homem dormia, rádio de pilhas ao lado, transmitindo --, resol-
vemos parar.Após várias horas passadasno local, explicados os motivos gerais de nossa
presença,consideramosque havia um mínimo de condições para colocar o delicado
problema da pedra do ancestral-fundador. Surpreendentemente, não houve necessidade
de deliberações formais, e logo a seguir tivemos acessoao assunto de nosso interesse e
suasmanifestaçõesempíricas.Deixamos registrado aqui nossosmais profundos agradeci-
mentos aos in6ormantesde Penyakahaque, além da extrema cordialidade,nos
permitiram acessoa dados que consideramos do maior signi6lcado para este trabalho,
talvez os mais importantes de todos.

ii Não temos como escreveressenome, a não ser da forma que mais se aproxima daquilo
que ouvimos.

12 A legenda mais longa que nos 6oi relatada sobre Unamatye conta que há cerca de 45
anos um cavalo desconhecido apareceu na aldeia. Embora rechaçado, sempre voltava ao
anoitecer.Aldeiascoramconsultadas,masnenhuma reclamou a possedo animal.Tratava-
se,portanto, de uma manifestaçãomágica.Feitos osjogos divinatórios, ficou constatado
que se tratavade um cavalosagrado,enviado pelasdivindades em honra de Unamatye,
embora estajá houvessefalecido há muito tempo. O cavalo deveria serbem alimentado
e tratado, e não podia ser cavalgado nem utilizado para qualquer serviço. Assim viveu
esse cavalo em Penyakaha durante cerca de vinte anos, rodeado de respeito, sem nunca
mais deixar a aldeia. Quando morreu, 6oi enterrado no cemitério, junto à pequena
construção que nele se encontra, abrigo das corçasprotetoras que velam pela entrada da
aldeia que passapor esselocal. Ficou-nos a dúvida se Unamatye era esposade Penya,ou
a iniciadora das descendênciasmatrihneares da localidade, a primeira ancestral-mulher.
As respostas, nesse caso, foram limitadas e evasivas.

i3 Nesse aposento somente podem penetrar homens com mais de vinte anos que se
encontrem em processode iniciação.

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i4 O caráter de interação homem-natureza e a dimensão eminentemente histórica da
pedra-monumento, parece revelado, embora sua natureza estqa dotada de corçasvitais,
pela sua instalação ao ar livre. O aspecto sagrado de que se reveste o conjunto, que
remete a instâncias de cultos e rituais diferenciais e reservados,parece manifestar-se no
fato de que uma de suaspartes está]oca]izadano santuário em questão,ao qual somente
certos iniciados têm acesso.

i5 A quebra da ordem ancestral provoca as mais variadas conseqüências negativas. Calami-


dades,pragas,ausênciaou excesso de chuva, colheitas insuficientes, doença e morte, são
Estoresque podem se ligar diretamente a essachcunstância.Trata-sede uma dimensão es-
pecífica do pensamento negro-aõicano.

i6 SegundoGon Coulibaly, em Korhogo, i979

i7 Essadimensão sintetizante do patriarca-chefe corresponde à configuração originária da


Nerlgbaa,onde ''os aldeõesconstituem coletividades homogêneas,todos os membros es-
tando unidos por laços de parentesco'' (Coulibaly, 1978: lo7). Isso tendeu a modificar-se
com o alargamento da família extensa e outros fatores que impactaram a civilização Se-
nu6o.De fato, eventos históricos provocaram, como vimos, alteraçõessignificativas na es-
trutura da Ner@bacz
e a fixação de novasfamílias em áreasanteriormente ocupadaspelos
núcleos fundadores.EsseEatorâezemergir, em um primeiro momento, lideranças conco-
mitantes (essasnovas famílias possuíam seusrespectivos chefes), embora tenha sido res-
peitada a primazia da guarda da terra, detida pelos primeiros ocupantes.Essasagregações
tenderam a conÊgurar um processo paulatino de pulverização da unidade do poder con-
centrado em uma única pessoa.Segundo Coulibaly (1978), emergiu dos fatos uma nova
figura política, a de chefe de aldeia, paralela à chega da lâmina, naqueles casosonde o nú-
mero de agregados e de seusdescendentes acabou por tornar-se superior ao dos primeiros
habitantes.Com a reunião de várias aldeias,provocada pela necessidadede resistênciaao
inimigo, ocorrida no século xlx, e devido às imposições da dominação colonial, nasceu
o cantão,âgura que deu origem a uma outra liderança política, centralizadora e radical-
mente oposta à concepção ancestral de chefia. O chefe de cantão,possuidor de um apa-
rato militar organizado, manipulador dos agentes da burocracia, detentor de significativa
parcelade poder de decisãopor delegaçãoda potência europeia colonizante, que Ihe ofe-
receu tais meios de constrangimento, sigmíicou a antítese do poder político ancestral,le-
gitimado pelo direito de ocupação da terra nascido dos pactos.Atualmente a departamen-
talização,Êgura ainda mais absorvente e centralizadora, que rege vários cantões,reduziu
mais a dimensão da chega conâgurada pe]os costumes dessacivilização, não ]he cabendo,
em muitos casos,expressãopolítica de maior alcance.Coulibaly considera que no âmbito
da comunidade, da família-aldeia, essanão é a regra geral. O patriarca-chefe continua a
deter as funções de guardião da terra e de administrador. Mesmo em um centro urbano,

35o
como ém Korhogo, o zelador da terra ainda é ouvido em casosem que áreaslivres devem
ser ocupadas.No centro urbano existe a venda de terras, masisso não ocorre no meio
rural, onde os pactos preservam a intangibihdade da terra.

i8 De fato, os ancestraispodem auxiliar a comunidade nos momentos di6ceis, onde sua in-
teúerência é necessáriaparaa manutençãodo equilíbrio. Em contrapartida,podem tam-
bém advertir ou castigar,quando as normas ancestraisnão sãocumpridas de maneira acei-
tável. Para essasinteúerências utilizam suaspróprias Forçase poderes, 6eqüentemente
\
aumentados por estar próximos das instâncias divinas, ou recorrem àspróprias divindades.

i9 Embora o patriarca-chefe reúna uma grande soma de poderes,várias instituições tendem


a moderar e limitar o alcance de suas ações. Uma delas ê o próprio sistema de cessões de

terra, normas estabelecidaspelos pactos,que mantêm sua inapropriabihdade e indivisibi-


lidade.Assim, o patriarca-chefe não pode ir além do estabelecidopor essespactos.No
âmbito da família, seu poder ê moderado por um conselho constituído pelos chefes de
cada íàmíha conjugal (Kpaa),cujos pareceresprecedem obrigatoriamente asdecisões.Co-
mo chefe da aldeia,ouve obrigatoriamente um órgão colegiado,como indica Coulibaly:
''Nenhuma questão de ordem política que interesse à comunidade pode ser resolvida
cora desseConselho.Como se vê, o poder é em realidadecolegial'' (Coulibaly, 1978:
lo7). Interessareter ainda que os parecerese decisões dos órgãos colegiados são baseados
na doutrina e jurisprudência ancestrais,invocando-see examinando-se,ao longo dos
debates, as atitudes tomadas no passado em casos similares.As sessõessão abertas a todos
os membros da família e da comunidade, conforme as instâncias onde ocorrem, e o
julgamento cabe ao conselho respectivo que examina a problemática orientando-se pelas
normas ancestrais.Outra instituição tendente a moderar o poder do patriarca-chefeé a
regra segundo a qual a organizaçãodo trabalho da terra e o controle da estocageme cir-
culação dos produtos são de responsabilidade de terceiros, não podendo o patriarca in-
teúerir em suasações.No primeiro caso,a organização do trabalho é deitapor sexo e
idade, segundo as tarefa a serem desenvolvidas em cadajornada. Para esse6m existe uma
pessoa,Sebe/eo("supervisor dos trabalhos dos campos''), que tem a total responsabilidade
pelo sucesso das atividades, supervisionando, vigiando e organizando o trabalho. No
segundo caso,há o Gbodou@eo("o que penetra nos celeiros"), encarregado dos celeiros,
da estocagem dos produtos coletivos, e cubasdecisões o patriarca-chefe não pode con-
testar.Dessaforma, o patriarca-chefe apareceessencialmentecomo um administrador
cujos poderes são signiÊcativamente moderados por várias instituições.

20 Essadimensão de conte de energia vital da comunidade sintetizada no patriarca-chefe


está simbolizada em Penyakaha, lugar em que há canteiros onde são colocadas as pedras-
seresque representamaspessoasvivas da localidade, mas que somente no canteiro do pa-
triarca-chefe foi permitido plantar uma árvore, manifestação de vida.

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