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NOTAS SOBRE VILIPÊNDIO A CADÁVER

CARLOS FREDERICO MANICA RIZZI CATTANI1

O sentimento que o homem tem por seus pares, após sua morte, é observado nos rituais
fúnebres, no luto, na despedida derradeira, naquele último momento frente a um ente estimado,
assim como no cultivo de sua memória, integridade, imagem e história. Esse valor de respeito,
que transcende a história da pessoa enquanto ser vivo, conserva uma valoração com sua morte.
E estes valores estão aquém do cadáver, considerando a comiseração daqueles que ficam em
vida. Assim, impôs o legislador um dever de resguardar o morto, ou, em outras palavras,
criminalizar as condutas contrárias à preservação do de cujos e do sentimento daqueles que lhe
foram próximos.

Neste âmbito em que se encontram, o sentimento religioso e o respeito aos mortos, tem-
se que são valores ético-sociais que se assemelham2 que, com maestria, Heleno Fragoso
encontra seus antecedentes históricos. O jurista retrata que a intima ligação da religião com o
Estado, desde povos antigos, apontando como exemplo a Republica de Roma, em que o culto
religioso era função do Estado; outra ilustração compilada retrata o iluminismo e a Revolução
Francesa, proclamando liberdade aos cultos e incriminando a perturbação ou ofensa os objetos e
ministros do culto; demonstra o jurista o interesse do governante para o qual “as ofensas à
religião e ao objeto do culto eram crimes contra o Estado3”. Merece ser observado:

Sempre foi o cadáver considerado coisa sagrada, inquietante, perigosa.


Desde as mais primitivas formas de religião, venerava-se o totem
como antepassado corporal e espírito protetor do clã [...] e os túmulos
eram os templos dessas divindades. Por toda a parte são ainda
venerados e respeitados os mortos 4.

Assim, o Título V do Código Penal traz em seu conteúdo os crimes contra o sentimento
religioso e contra o respeito aos mortos. Neste último, o Código Penal brasileiro traz em seu
artigo 212 a seguinte redação: “vilipendiar cadáver ou suas cinzas”, e comina pena de detenção
de um a três anos, além de multa. A proteção deste bem jurídico era desconhecida das
ordenações do Reino e o Código Criminal de 1830, que não disciplinaram o crime de vilipêndio
ao cadáver, sendo que a criminalização das condutas de destruir, subtrair ou ocultar cadáver
somente veio a ocorrer com o surgimento do Código Penal de 1940.

Conforme se desprende, o bem jurídico tutelado é o sentimento de respeito aos mortos,


“tutela-se, em outros termos, o sentimento dos parentes e amigos do morto e não o próprio de
cujos, que não é titular de direito"5. Por isso, o respeito aos mortos é um interesse coletivo de
valor ético-social em si mesmo, protegendo-se penalmente o sentimento de veneração e piedade
que os mortos suscitam e que é análogo ao sentimento religioso 6.

Nelson Hungria destacava que o vilipendio a cadáver é a derradeira modalidade de


crime contra o respeito aos mortos. 7 Nesta esteira, surge para alguns doutrinadores uma ideia de
haver um liame de sentimento entre o de cujos e os vivos para haver o crime, em outras
palavras, é necessário que se verifique, nos casos pontuais e principalmente de cadáveres em
estado avançado de decomposição (esqueleto), se ainda suscitam o sentimento de respeito dos
vivos para com esses, pois deve ser atentado que “o fim colimado por este dispositivo não é
proteger o cadáver, o esqueleto em si8”.

Neste contexto, o vilipendio poderá ocorrer somente após o óbito, ainda que este seja
relacionado com uma conduta antecedente do mesmo agente (por exemplo, homicídio); ou
tenha sobrevindo naturalmente a causa da morte; ou, ainda, provocada por um terceiro. O que
importa é a ação que ocorre após a morte, isto, pois, o vilipendio é fruto de uma ação nova e de
independente motivação do agente (animus) frente aquele que já não tem mais vida. Por isso,
em casos como o homicídio, se após a morte da vítima houver um ato de ultraje contra o
cadáver, haverá crime de vilipêndio, não se tratando somente o ante factum como crime punível.

Logo, se para causar a morte o agente necessita desfigurar o cadáver, ou buscando


humilhar aquele que ainda tem vida o envolve em dejetos fétidos, mesmo que sobrevenha a
morte da vítima e esta permaneça em estado lastimoso, não há que se falar do crime em
comento, pois o ato vilipendioso é anterior, e não sobre um cadáver.

Merece ser evidenciada uma confusão corriqueira em nossos tribunais com o crime de
destruir cadáver, previsto no artigo 211, o qual tem previsão mais ofensiva por prever reclusão,
enquanto o vilipêndio prevê a detenção. Por este a ideia motriz não é ultrajar, mas normalmente
por fim a evidencias, evitar qualquer elo que possa comunicar o agente com o crime cometido,
tanto assim que se encontra no mesmo artigo que trata dos crimes de ocultação e subtração de
cadáver.

De volta ao vilipêndio. Nestes crimes o sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa, não
requerendo nenhuma condição particular, tratando-se de crime comum. Assim, inclusive os
parentes do morto, o ministro religioso e o coveiro9 poderão ser sujeitos ativos deste crime. No
entanto, maior debate existe sobre o sujeito passivo, pois o entendimento de alguns autores é
que seria a coletividade10. Advogamos em conjunto a tese de que o sujeito passivo deste crime
“deve estar intimamente vinculado ao bem jurídico tutelado”, sendo assim, só podem ser os
parentes e amigos, pois nenhuma coletividade, “por mais harmônica, integrada e coesa que seja,
sentirá mais a perda de um de seus membros que os próprios familiares, não sendo, portanto,
justo nem sensato que aquela e não estes sejam sujeito passivo do crime." 11 Porém, merece
ressalva a contextualização de Hungria, para o qual:

O crime não é excluído ainda quando tenha sido autorizado pelo de


cujos, em disposição de última vontade, pois está em jogo interesse de
ordem pública, qual a preservação do sentimento de respeito aos
mortos. 12

A ação tipificada pela lei é a do vilipêndio, ou seja, aviltar, ultrajar, ofender,


menoscabar, desprezar, enfim, depreciar, neste caso, o cadáver 13 e suas cinzas14, assim como
incluindo as partes do corpo e o esqueleto. 15 E pode ser praticada de diversas formas, como
palavras, atos e escritos. No entanto, “trata-se de ato que se pratica junto ao cadáver ou a suas
cinzas, e não mediante declarações em público, publicações em jornais, etc." 16 Logo, não haverá
crime se a conduta não se realizar perante os restos mortais, havendo, em tais casos, eventual
crime contra a honra17. O mestre Hungria trazia como exemplos tirar as vestes do cadáver,
escarrar sobre o mesmo, amputar algum membro, derramar líquidos imundos sobre as cinzas,
entre outros.18
Objeto material é o cadáver, que é o corpo inanimado, inclusive do
natimorto [...] o vilipêndio ao cadáver não destaca que as partes deste
também serão protegidas pela norma penal. Tutela-se o cadáver e suas
cinzas, isto é, os menores fragmentos possíveis de um cadáver; assim
sendo, quer-nos parecer que a omissão quis significar a
desnecessidade de sua repetição, além de que cinzas constituem,
teoricamente, as menores porções em que se pode fragmentar alguma
coisa material, como é o caso de um cadáver.19

O elemento subjetivo geral é o dolo, representado pela vontade consciente de


menosprezar cadáver ou suas cinzas. Por isso, o elemento subjetivo especial do tipo é
constituído pelo fim especial de aviltar, vilipendiar, sendo necessário para configuração do
crime a presença do elemento moral, do fim específico, consistente no desejo consciente de
desprezar o corpo sem vida da vítima, com a intenção clara de ultrajá-lo20. Destaque para Greco,
o qual defende não se fazer necessário o elemento subjetivo específico21. Ora, o certo é que
“nem mesmo o cadáver que serve a fim de estudo no anfiteatro de anatomia pode ser
impunemente vilipendiado."22

Fragoso destacava o caso do cadáver utilizado para fins terapêuticos, retratando o


Código Penal de 1969 que mandava punir com as mesmas penas “quem deixava de recompor
dignamente o cadáver, do qual tenha sido retirado órgão, tecido ou parte para fins terapêuticos,
ou, na mesma condição, deixa de fazer a entrega aos responsáveis para o sepultamento”. 23

Atualmente, o crime será consumado no momento do ato ultrajante, quando material, ou


simplesmente com o vilipêndio verbal junto ou sobre o cadáver ou suas cinzas. Em tese, a
depender da forma de execução, é possível a tentativa, salvo quando é praticado oralmente. 24 O
ato daquele que amputa uma parte do corpo do de cujos com a finalidade de lhe causar
humilhação ou deformidade, não caracteriza o crime de destruição, mas sim de vilipêndio em
nosso entender, pois o animus do agente pode ser tido como uma assinatura, um marca, um ato
de desvaler aquele ente frente aos que lhe queriam bem.

A classificação doutrinária caracteriza-o como:

Crime comum com relação ao sujeito ativo, bem como ao sujeito


passivo, pois se cuida de crime vago, no qual não somente a família
do morto figurará como sujeito passivo, mas também a coletividade
como um todo; doloso, material, comissivo (podendo, entretanto, ser
praticado via omissão imprópria, na hipótese de o agente gozar do
status de garantidor); de forma livre; instantâneo; material;
monossubjetivo; plurissubsistente; transeunte ou não transeunte
(dependendo da hipótese concreta).25

A título de ilustração, um julgado do Rio Grande do Sul:


VIOLAÇÃO DE SEPULTURA. VILIPÊNDIO DE CADÁVER.
PROVA CONSISTENTE. TRANSE MEDIÚNICO. 1. Os acusados,
com intuito de realizar "um trabalho", ingressaram, por volta da meia-
noite, no cemitério de Passo Fundo. Uma das co-rés, com a mãe
doente, havia buscado auxílio numa "casa de umbanda". Esta, foi
apanhada em sua residência, em automóvel dos co-réus, e conduzida
ao cemitério. Lá chegando, enquanto a beneficiada pelo trabalho
segurava uma lanterna e era amparada pela co-ré, os dois acusados
removeram as lajes de uma sepultura, onde havia sido, há poucos dias,
enterrado um homem de 87 anos de idade. Após, abriram o caixão,
fizeram uma incisão no abdome do cadáver, sacrificaram uma
cachorro e uma galinha sobre o corpo do enterrado, nele introduzindo
vários papéis. Em seguida, despejaram álcool sobre o cadáver,
atearam fogo e fecharam a sepultura. Tudo foi acompanhado pelo
acendimento de velas, ao lado da sepultura e iluminação de lanterna, à
meia-noite. 2. O alegado "transe mediúnico", eventualmente existente
e ainda que presente, em face da dimensão existencial em que se
labora nos processos, não é excludente de tipicidade, ilicitude e nem
de culpabilidade. 3. Prova consistente nos autos, inclusive pericial e
fotográfica, onde se podem ver, querendo, o ataúde avermelhado, a
galinha vermelha e preta, os restos das velas queimadas, as flores que
adornam o túmulo, a face do morto, enegrecida pelo fogo, bem como
os restos, aos pedaços, dilacerados, do cadáver. No interior do caixão,
também se pode ver um cachorro e uma galinha, ambos mortos e
queimados, junto com o cadáver. Ainda, a completar a cena dantesca e
tétrica, foram encontradas uma garrafa de vodka e outra de plástico,
parcialmente derretida. Condenações mantidas. APELOS
DEFENSIVOS DESPROVIDOS. (Apelação Crime Nº 70014529440,
Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu
José Giacomolli, Julgado em 22/06/2006).

Importa, por último, destacar duas observações compiladas por Prado 26. A primeira
referente ao princípio da consumação, quando não há crime de violação de sepultura quando o
dolo (intuito) é de ultrajar o cadáver, sendo aquela ação necessária para alcançar este fim
último. E a segunda observação é a possibilidade de concurso formal, quando as palavras
vilipendiosas possuem conteúdo calunioso contra o morto (art. 212 combinado com art. 138,
§2º, ambos do C.P.). A ação penal é pública incondicionada. Sendo crime de médio potencial
ofensivo, compatível com a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/1998, art. 89).

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. v. 3. São Paulo:
Saraiva, 2012. 5 v.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte especial. São Paulo: Bushatsky,
1978.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial. v.3. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. 4
v.
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal: arts. 197 a 249, v. 8. Rio de Janeiro:
Forense, 1981.

MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte especial. v. 2. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: Método, 2012. 3 v.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial, art. 121 a 234-B do CP.
v. 2. São Paulo: Atlas, 2012. 3 v.

PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal: jurisprudência; conexões lógicas com
vários ramos do direito. 8ª ed. rev. São Paulo: Editora Revista Tribunais,2013.

1
Sócio da Frederico Cattani Advocacia * Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS (Porto Alegre - RS) *
Especialista em Direito Empresarial pela FSG (Caxias do Sul - RS) * Coordenador de curso de Pós-
Graduação em Direito no Centro Universitário Estácio da Bahia * Professor de Pós-Graduação da
Universidade Salvador (UNIFACS) * Orientador e Professor de Direito Empresarial e Processo Penal do
Centro Universitário Estácio da Bahia * Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal -
IBRASPP.
2
FRAGOSO, 1978. p. 275.
3
FRAGOSO, 1978. p. 276.
4
FRAGOSO, 1978. p. 284.
5
BITENCOURT, 2012, p. 470.
6
FRAGOSO, 1978. P. 284.
7
HUNGRIA, 1981, p. 74.
8
PRADO, 2013, p. 672.
9
PRADO, 2013, p. 672.
10
Neste sentido Mirabete “Sujeito passivo da infração é a coletividade destituída de personalidade
jurídica e formada pelas pessoas da família do falecido” (2012, p. 383), assim como Masson: “o sujeito
passivo principal e imediato é a coletividade (crime vago), pois a moralidade média reclama o respeito
aos mortos.” (2012, p. 795).
11
BITENCOURT, 2012, p. 471.
12
HUNGRIA, 1981, p. 75.
13
Para o conceito de cadáver a doutrina tem entendido como o corpo “que ainda conserva a aparência
humana, e não os restos em completa decomposição.” (MIRABETE, 2012, p. 381).
14
“São os resíduos da cremação ou combustão (autorizadas, casuais ou criminosas) a que foi ele
submetido, ou mesmo frutos do decurso do tempo.” (MASSON, 2012, p. 794).
15
MIRABETE, 2012, p. 383.
16
BITENCOURT, 2012, p. 471.
17
FRAGOSO, 1978. P. 289.
18
HUNGRIA, 1981, p. 74.
19
BITENCOURT, 2012, p. 471
20
BITENCOURT, 2012, p. 471.
21
GRECO, 2012, p. 450.
22
HUNGRIA, 1981, p. 75.
23
FRAGOSO, 1978. P. 290.
24
BITENCOURT, 2012, p. 472.
25
GRECO, 2012, p. 450.
26
PRADO, 2013, p. 672/673.

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