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5 Revista

Brasileira de
Folclore

I
Revista
Brasileira de
-- •.. Folclore

Ano Ili N• 5
Janeiro/ Abril 1963

Ministério da Educação e Cultura


Campa11ha de Defesa cio
Folclore Brasileiro

Biblioteca Digital Curt Nimuendajú


http://www.etnolinguistica.org
Mário Ypiranga Monteiro
Alimentos preparados
à base da mandioca

Prêmio Sílvio Romero 1962

Mais fácil seria escrever sôbre os ali- pelos americanos na América como
mentos preparados à base da mandio- pelos africanos na África antes do en-
ca, reunindo uma porção de receitas trevêro de Colombo, 11a forma mais
mais ou menos conhecidas do vulgo, comum e necessária da farinha, que
do ql.l'z atribuir a um trabalho desta constituía a subsistência primária. nos
natureza certo cunho de pesquisa sé- dois continenl•zs e possivelmente em
ria que abrisse ao interessado pers- ilhas mais distantes do Pacífico. Ela
pectiva mais ampla, isto é, h·onesta- seria tão necessária que o govêrno
mente recordando-lhe que muitas das português chegou a pagar funcionários
nossas atuais preocupações dietéticas e trabalhadores com alqueires de fa-
têm sua razão de ser na história da rinha e peixe sêco, ao tempo da colo-
nossa própria cultura maf>zrial. nização e do primeiro império.
Conclui que um trabalho que preten-
desse ser mais ou menos completo, Perspectiva histórica
necessitaria de pelo menos duas coisas:
ampliação da esfera d•z conhecimento A utilidade da mandioca não foi ap·~­
da influência da planta quanto ao as- nas assegurada pelo nome científico
pecto alimentar e movimentação das Manihot utilissima Pohl., depois que o
fontes eruditas de informação, sem o enfático Pedro Martyr de Angleria di-
que, penso, o estudo atual perderia vulgou-a pelo mundo. E antes uma con-
muito de suas propriedades intrínsecas. seqüência natural das informações
Claro que o nosso selvagizm não pode passageiras de Cristóvão Colombo
ser responsabilizado pela numerosa (Viajes, 1922), de Américo Vespúcio
variedade de comidas em que a man- (Vi·ajes, 1922) •z dos comentários ajui-
dioca (amarga e doce) toma parte zados dos cronistas posteriores.
como alimento básico. Algumas são de Mandioca, mandiog, manioc, mani,
origem mais recente, constituindo evi- maniva, mandiba, juca (Haiti), iúca 1,
dt~ntemente complexos. O que não se Clr>zobe, quicharapo, quichere (raiz),
pode negar, com fundamento na his- sem falar nos vários dialetos corren-
tória da agricultura ou da economia tes na América, são outras tantas
brasileiras, é que a ma·ndioca era uma designações que ocorrem em milha-
planta conhecida e utilizada tanto res de páginas, a partir de 1492, e

37
•.;nvolvem várias espécies como a
macaxeira ou aipim, denominados
mandioca doce. Todavia, não é pos-
sível deixar de reconhecer que a
mesma planta já devia de ser conhe-
cida dos europeus antes de 1492,
através informações vagas de mari-
nh•3iros egressos da África ou da ~)'
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Ásia. Lá se produzia a chamada fa· ~~ ~~,.:- ------ _.:·.__- _,_ -- - "!___;_ 't-
rinha de pau 2, a que se referem -__ 4,- ~ - ..,, ...,, - ~--- _J+--
- 1- __ ____:__.- -_--:--__ ·--:·!_;-~· =----; _ .+---=--=--=-...:.
alguns cronistas antigos e explorado-
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res mais r3centes, C·om especial men- ,. 1 -_...,~·:;' :' -- 1.\~- --·----'" -=--"------
·- / 11 - ·, ----:" ---== ·- - -
ção Stanley ( Viaggi, 1880 e Attra- - --
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verso il Continente Nero, 1880), ad- -
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quirida aos negros por troca. Com - ~ ' 1\',. -


respeito ao Brasil as informações mais - -- ;•, '~\ --
sedutoras que se conhecem são as de
. . - - _....:~j1Íf ,.:\\:-::-- - -- -
Pero Magalhães Gandavo (História,
1576), Gabriel Soares d3 Sousa (Tra-
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tado, 1587), Fernão Cardim (Trata-
dos, 1591) , Ambrósio Ferandes
-:;- - _- _ _ "~_L_-- - ~ .. 0~1 .. itu
Brandão (Diálogos, 1518/1618) para
só referirmos aqui êstes. Todavia ou- -- -- -- ·- -- - ·- ·---- --:-

tros autores menos prolixos e talvez


menos observadores, ou cientistas, se A mandioca (Manihot utilissima Pohl.)
preocuparam aqui e ali com o alimen- vista em dois planos.
to básico dos povos indígenas; m.;sser
Pigafetta ( Primer Viaje, 1519), Pedro
de Cieza de león (Crónica, 1553 J,
Jean de léry (Viagem, 1556), André der, nem esperar outra alguma con-
Thevet ( Fra·nça Antártica, 1558), vi~niêncio, nem no passadio dos lavra-
Hans Staden (Meu Cativeiro, 1557), dores e dos suas famílias, e dos índios
Anthony Knivet ( Váritt Fortuna, que êles têm à soldada, nem nos la-
1591), padre Cristóvão de Acuõa vouras dos gêneros, nem na colheita
( Nuevo Descubrimien~o, 1647 J, todos dos d·o sertão. Os índios porém nas
de reputação firmado e de ampla di- ocasiões das fomes, e quando andam
vulgação no Brasil. Entretanto, praz- desertados, suprem a falta dela, com
nos transcrever aqui a douta opinião alguns frutos ou mansos ou silvestres,
do doutor Alexandre Rodrigues Ferrei· comendo uns do mesmo modo qll'~
ra (Viagem Filosófica, 1785), porque '
todos nós comemos os nossos pomos,
êle, mais do que ninguém, foi um e bebendo a substância de outros de-
cientista devotado ao problema da pois de desfeitos em água fria ou
cultura amazônica e nacional: «Sando quente, sem desperdiçarem os caroços
a farinha de mandioca o pão usual porque também os consomem assa-
em quase todo o Brasil, por ela é que dos.» (Op. cit., 111 /14)
devo principiar, visto que sem ela, em Não seria possíYal referirmos aqui to-
razão de pão, se não pode empreen- dos os longos ou breves comentários,

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ou simples referências, que se fizeram como filhós mouriscas, que se fazem
ano após ano sôbre as excelências de massa de trigo, mas ficam tão
da mandioca em ser e dos seus de- iguais como obreias, as quais se co-
rivados. Mas insistamos em que Ga- :•.:..:m neste alguidar até que ficam mui-
briel Soa1•~s de Sousa e Fernão Cai- to sêcas e torradas>>. ( p. 189). / <<fa·
dim fcran1 além da simpies referên- zem mais desta mesma massa tapio-
cia nominal, excedendo-se e alcan- cas, as quais são grossas como tilhós
çando a verdadeira posição de l1is- de palme e moles, e fazem-se no mes-
toriadores dos costumes do povo. Por mo alguidar como os beijus, mas não
isso seus tratados 3 constituem revo- são ele tão boa digestão, nem tão
lucionários processos de técnica infor- sadios; e querem-se comidas quen:•~s,
mativa para a época. O primeiro dê- com lc;te i·em muita graça; e com
les é tão ,_;xcedente quando discorre açúcar clarificado também>>. ( pp. 189
sôbre a mandioca quanto o alemão /90)
Staden o é concretivamente. São oito Falando do carimã diz êle que quan-
páginas apenas, refertas de noticiá- do doentes os índios fazem do <<pó
rio que pelo sabor de atualidade de- cJe carimã uns caldinhos 110 fogo ( co-
monstra a índole propensa ao deta- mo os de po•.:jos) que bebem, com
lhe, o espírito informativo •..: metódi- que se acham mui bem por ser muito
co amparados pelo conhecimento e leve, e o mesmo usam os brancos no
experiência. Neste particular tanto mato lançando-lhe mel ou açúcar,
Gabriel Soares de Sousa como Fernão com o que se acham bem>>. {p.
Cordim devem de ser considerados 193) 10 Logo mais, no capítulo XLII
entre os pioneiros da antropologia fala na farinha de guerra, mas não
cultural brasileira, como disse o co- nos pãe3 de guerra: «Desta farinha
mentarista do primeiro. Sobretudo é de gv~rra usam os portuguêses que
mais especulador, quando discorre não têm roças, e os que estão fora
acêrca do tubérculo: <<Há uma costa delas na cidade, com que sustentam
de mandioca, que se diz manipoca- seus criados e escravos, e nos enge-
mirim4, e outra que se chama manai- nhos se provêem dela para susten-
buçu5, qu1.; se quer comesta de ano tarem a gente -.:m tempo de neces-
e meio por diante; e há outras cas- sidade, e os navios, que vêm do Bra-
tas, que chamam taiaçu6 e manaibo- sil para êstes reinos, não têm outro
ru7, que se querem comestes de um remédio de matalotagem, para se
ano por diante, e duram estas raízes sustentar a gente até Portugal, se-
debaixo da terra sem apod1•.:-cerem, não o da farinha de guerra; e um
três, quatro anos. / Há outros cas- alqueire C.:•.:-la da medido da Bahia,
tos, que se dizem manaitingaB e pa- que tem dois de Portugal, se dá de
rati9 se quer plantada em terras regra a cada homem para um mês,
frescas e de areia>. ( pp. 187 188) a qual farinha de guerra é muito sa-
Com respeito aos derivados, alude à dia e desenfastiada, e molhada no
familia das farinhas e dos beijus no caldo da carr.•J ou do peixe fica bran-
sa.;guinte passo: «fazem mais desta· da e tão saborosa como cuscus. /
massa, depois de espremido, umas fi- Desta carimã e pó dela bem penei·
lh6s, a que cha.mam beijus, esten- rodo fazem os portuguêses muito bom
dendÔ""a no alguidar sôbre o fogo, pão, e bolos amassados com leite e
de maneira que ficam tão delgadas gema de ovos, desta mesma massa fo-

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zem mil invenções de l:.·~ilhósl 1, mais ca amargo, a verdadeira lMa·nihot
saborosos que de farinha de trigo, utilíssimaJ; mandioca-a·s:u ( Hum1rian-
com os mesmos materiais, e pelas fes- thero rupestris, Ducke), mandioca do-
tas fazem as frutas doces com a mossa ce ou macaxeira {Manihot palmata
desta carimã, em lugar da farinha de Muell. Arg. = Manihot aypi Pohl.),
trigo, e se a que vai à Bahia do rei- manicaua ou maniçoba (Manihot gla-
no não é muito alva 'ª fresca, querem ziovii Muell Arg.); maniva d 0 campo
1

as mulheres antes a farinha de cori- ( Manihot sp ...... ) ; maniva dos ín-


mã, que é alvíssima e lavra-se melhor, dios {Mainihot ...... ) ; moniva de
com a qual fazem tudo mu.ito primo». veado {Manihot ...... } 15. Além des-
(p. 195) ta classificação científica, o caboclo
No capitulo XLIII declara a qualidade distingue as seguintes castas ou pelo
dos aipins: <<Dá-se nesta terra 12 ou- men-os as conhece por denominaçõ~s
tra casta de mandioca, a que o gentio várias, por exemplo: barão ou barâ·O·
chama aipins, cujas raízes são da fei- zinho (mandioca amarelo J, carumé,
ção da mesma mandioca, a rama e a imiri, mandioca branca, sendo que a
fôlha são da mesma maneira, sem ha- j.miri é ainda mais branca do que a
ver nenhuma diferença, e planta-se carumé; mandipalha, puri gra·nde e
de mistura com a mesma mandioca, e la1ndi {urandi} pequena; boniata, co·
para se recolherem estas raízes as co- zé ou cachite·; huacamote; e mais trin-
nhecem os f.ndios pela côr dos ra- trinta e cinco abonadas pelo dr. Ale·
mos, no qU'~ atinam poucos portuguê- xandre Rodrigl.l'as Ferreira: <<uiriqui,
sesl 3. E estas rct'zes d·os aipins são al- daua.roi, uguigi, aca·iui, adauqui,
víssimas; como estã·o cruas sabem às mauocui, messade, mepadequi, suru-
castanhas cruas de Espanha; assadas qu-i, mioca1bé, muca1uabé, meta·qui, ma-
são muito doces, e têm o mesmo sa- quia,cá, CXl'ricauaqui, rua:buqui, uaiqui,
bor das castanhas assadas, e de van- ma·ia,nabé, mamaruca, portira-í, CO·IJICli-
tagem, as quais se comem também co- bé, peuiriqu.i, auatil 6, aruqui, ata.ru-
zidas, e são muito saborosasl4; e de baqui, uruma·i, uapoí, caoauabé, uiua-
uma maneira e da outra são ventosas qui, uerexi, dauaqui, pepuiriquiqui, ma·
como as castanhas. Dêstes aipins !.'~ cubi, lia·boq ui, un·ori, ipari·bé, etc.»
1

aproveitam nas povoações novas, por· Muita gente pode suspeitar de que as
que como são de cinco meses se co- inf·ormações oferecidas por Gabriel
meçam a comer assados, e como pas- Soares de Souza a respeito da produ·
sam de seis meses, fazem-se duros, e ção de farinha de macaxeira não se·
não se assam bem; mas ser\1.om então jam coerentes, uma vez que é comum
para beijus e para farinha fresca, que obtê-la da mandiocáua. No entanto,
é mais doce que a da mandioca, as se bem que nã·o comum antigamen·
quais rcizes duram pouco debaixo da te, a fécula da maniva doce produz
terra, e como passam de oit-0 meses tão boa fari,nha alimentícia - como a
apodrecem». ( pp. 195/96) outra, pelo menos na Amazónia, em
Como disco·rresse a resp.;ito das cas- Manaus. Por isso elencamos as espé·
tas de mandioca, urge que se diga, a cies e castos, levando em considera-
bem da verdade, que elas existem e ção ser algumas delas .inaproveitáveis
diferençadas na côr e formato das para a fabricação de farinha ali-
fôlhas. A ciência destaca pelo menos mentícia, no entanto que os fôlhas o
as 9.;guintes: 11tandtocáua ou mondio- são para condimento, a exemplo da

40
fôlha da maniçáua ou maniçoba, que vernadorl 7 que, furioso, mandou-me à
fornec.e o prato do mesmo 1n·ome. prisão, onde fui tratado como um ani-
Nem todos os cronistas cP~ quatro- mal, pelo espaço de quin~~ dias; dei-
centos sessenta e dois anos tiveram tava-me no chão, e davam-me apenas
oportunidade de conhecer os deriva- farinha de caçabe e água>>. ( p. 52 J
dos dêsse tubérculo de fama univer- Na página seguinte a mesma jeremía-
sal, cuja área de cultura se estende da, e na 89 se refere sômenl•z ao <<ca-
do México à Argentina, pela África çabe, milho, batatas, bananas>>, etc.
e ilhas do Pac:fico. Poderíamos abrir As notícias mais alargadas a iuca man-
praça para o número considerável dos sa e a um certo pão guardado a que
que não só referiram o alimento co- nos referiremos mais tarde, podem ser
mo o experimentaram em várias opor- encontradas em frei Cristóvão de
tunidades e circunstâncias ou depen- Acuiia: <<Estas lslas de menor porte,
deram dêle. Dizia por ex•zmplo Hans y á vezes las mayores, ó mucha parte
Staden, lastimando-se da confinação dellas, vaiia todos los aiios el Rio,
sofrida entre os Tupinambás: <<partiu ferti!izándolas de suerte con sus la-
para lá com vários companheiros, le- mas, que no pueden jamás alegar t:-
vando a farinha de mandioca destina- tulo de estériles, aunque por muchos
da à festa do meu devoramento>> ( p. ai'íos continuad·os, se les pida el or-
132). «Defr·onte à minha cabana fica- dinario fruto, qu•z es el maiz, y la yuca,
va a do morubixaba Tatamiri (fogui- ó mandioca, comun sustent-o de todos,
nho). este chefe deu uma ftzsta; man- y de que tienen mucha abundancia».
dou preparar o cauim, como era c-0s- ( pp. 44/ 45 J. / «Cogen la yuca, que
tume, e forneceu o assado: a carne de son unas rayces, de que se haze el
Jorge Ferreira, filho do capitão portu- cazabe, pan ordinario en todas aque-
guês. Os convidados beberam, come- llas Costas dei Brasil18, y cabendo en
ram e cantaram numa grande alegria. la tierra unas cuevas, ó filos hondos,
No dia r.izguinte requentaram de nôvo las sepultan en ellos, dexándolos muy
o resto do moquém e repetiram o ban- bien tapados todo el tiempo que du-
quete. ;' A carne de Jerônimo ficou ren las crecientes19, las quales posa·
por mais de três semanas em uma das, las sacan y benefician para su
cesta, pen.durada ao fumeiro da minha sustento, sin que por eso pierdan un
cabana; estava tão sêca que parecia punf>o de su valor>>. ( p. 45). Na pá-
pau. O dono dela, Paraguá, tinha gina 48 êle volta a falar na yuca
saído etn busca de raízes de mandio- mansa, de uma forma tão habilidoso
ca para preparar a bebida. Isso re- que satisfaz plenamen:1z a quantos pe-
tardou minha ida para o navio, pois regrinam por essas páginas clássicas
os selvagens não queriam sair antes atrás de subs.:dios: <<Tienen tambien
da fest<.1 em tôrno da carne de Jerô- rayces de mucho sustento, como son
nimo». Staden também faz referên- batatas, yuca mansa, que llaman los
cia à farinha de carimã: <<Do mesmo Portugueses, Macachera, Carás, cria·
modo sonhou comigo um tercziro mo- dillas de tierra, y otras que asadas,
rubixaba de outra cabana, Karimã- ó cocidas, no S·Olo son tan gustosas,
kui (farinha de carimã)». (p. 137) sino sustanciales».
Outro infeliz cuja sorte estêve depen- Vejamos agora o que diz o perleúdo
dendo da mandioca foi Anthony Kni- padre Fernão Cardim, para encerrar
vet: «fui levado à presença do go- esta ronda de informações que cons-

41
tituem a nossa perspectiva histórica. assim como outros mais alimentos na-
Tratando das «ervas que dão fruto e tivos». (p. 163)
se comem» diz. éle com muito juíz.o ser Compreende-se perfeitamento~ que
a mandioca <<mantimento ordinário nem todos os cronistas disseram tudo
desta terra que serve de pão». { p. quanto ocorria em matéria de dieta
60) com base na mandiocáua. Poucos,
Discorre também sôbre a farinha e o muito poucos, se referiram, por exem·
beiju «como filhós, muito alvos, e mi- pio, õs bebidas fermentadas ou a
mosos>>20. Da farinha de guerra dis- otJtros derivados da fécula. Jean
se <<que serve aos índios e portuguê- de Léry, outro que sofreria com a
ses pelo mar, e quando vão à guerra custódia dos Tupinambás, deixou mui·
como biscoito>>. (idem). Não se esque· ta coisa de interessante escrita: <<fa·
c:i.,.;u dos mingaus, <<tão sadios e deli- zem farinha de duas espécies: uma
cados que se dão aos doentes' de fe- muito cozida e dura, a que os selva·
bres em lugar de amido>>, nem da do- gens chamam uhi antom, usada nas
çaria: <.<e da mesma maneira se fa- expedições guerreiras por se con-
zem muitas maneiras de bolos, cosco- servar melhor; outra menos cozida e
rões21, fartes22, empenadilhas23, quei- 1nais tenra. a que chamam uhi pon,
iadinhas de açúcar, &, misturada com 111uito mais agradável do que o pri·
farinha de milho, ou de arroz., se faz n1eira porque dá à bôca a sensação
pão com fermento, e lêvedo qu•,,:) pa- do miolo de pão branco ainda quente.
rece de trigo>>. Informa que a mandio- Ambas, depois de cozidas, mudam de
ca doce ou aipim «não mata crua, e sabor, tornando-se mais agradáveis 13
cozida, ou assada, que é de bom gôs- delicadas. Embora essas farinhas,
to, e dela se faz farinha, e beijus, &.>> principalmente quando frescos, cons-
Termina com uma apologia ao vinho tituam um bom alimento, saboroso e
<<fresco e medicinal» qu•J faziam os fàcilmente digestível não se prestam
índios do aipim24. em absoluto ao fabrico do pão como
Frei André Thevet não teve muitas pa- pude verificar. A massa incha como a
lavras para o mandioca, mas podemos do trigo levedado, e, como •3sta, é
citar os seus passos. Antes de discor- branca e macia; ao assar, porém, a
rer sôbre o tubérculo, diz êle à pá- crosta superior queima e a parte in-
gina 76: «Os selvagens americanos terna se resseca permanecendo fari-
(vou tornar ao assunto, pois a um nhoso. Creio, pois, que quem afirmou
cosmógrafo nõo cabe tratar de medi- que os índios d'entre os graus 22 e 23
cina) passam 513te ou oito meses, no além da linha equinocial, e que cer-
guerra, alimentando-se, como já o ob- tamente são os nossos tupinambás, vi-
servei, de farinha feita de certas ra~­ viam de pão feito de pau ralado a·b-
zes sêcas e duras, nas quais ninguém servou mal e se equivocou. Todavia
acredita que pudesse haver qualquer essas farinhas prestam-se para papas
valor nutritivo». I «Depois d·o que os a que os selvag!ns dão o nome de
conduziram ao sítio adrede p113parado, mingou e quando dissolvidas em cal ..
no qual se serviram iguarias de tôdas do gordo tornam-se granuladas como
as qualidades, a saber, farinha ( fa- o arroz e são de ótimo paladar. Os
bricada de uma raiz que chamam tupinambós, tanto os homens como as
mandioca}, raiixes diversas, de todos n1ulheres, acostumados desde a infân-
os tamanhos agradáveis ao polQdar, cia a comê-la sêca em lugar do pão,
'
42
tomam-na com os quatro dedos na va- Frio, foi a expedição francesa saudada
silha de barro ou em qualquer outro na forma do costume pelas Tupinam-
recipiente e a atiram, m1~sm·o de lon- bás, com a clássica fórmula e·reju-
ge, com tal destreza na bôca que não pê? 29 e refrescados da viagem com
perdem um só farelo. E se nós fran- <<farinha feita de c•.:!rtas raízes e cauim
ceses os quiséssemos imitar, não es- (que é uma bebida extraída do mi-
tando como êles acostumados suia· lho chamado auaty, fruto cujos bagos
ríamos todo o rosto, ventas, 'boche· são do tamanho de ervilhas>>. 1p.
chas e barbas»25. ( p. 114) / <<Cum· 153)
pre, ÕJsde logo, notar que os homens Certamente que a apresentação da
não se envolvem de maneira nenhuma mandiocáua e da macaxeira (aipim)
na preparação da bebida, a qual, co- em têrmos de preocupação histórica
mo a da farinha, está a cargo das não cobriu a área extensa do Brasil.
mulheres26. As ra·_'zes de aipim e man- Achamos portanto não ·~star ainda
dioca, que servem de principal ali- completa essa apresentação. Decidi-
m•~nto aos selvagens, são também uti- mos ampliar agora a perspectiva, al-
lizadas no preparo de sua bebida cançando as regiões onde mais fres-
usual. Depois de as cortarem em ro- cas foram as pesquisas dos cronistas,
delas finas, como fazemos com os ra· isto é, a região centro-oeste, que con-
banetes, as mulheres as fervem em side1amos com justa razão ainda de-
grandes vasilhas de barro cheias positária das avoengas tradições, p3IO
d'água, até que amoleçam; tiram-nas fato consabido de haver chegado nela
•J-ntão do fogo e as deixam esfriar. muito mais tarde a civilização, ou ain-
Feito isso acocoram-se em tôrno das da estar longe de chegar por motivos
vasilhas e mastigam as rodelas jogan- óbvios. De fato, muitos dos compor-
do-as depois em outra vasilha, em vez tamentos ind(genas de quatrocentos
de as engolir, para uma nova fervu- anos estão· refletidos no horizonte cul-
ra, mexend·o-as com um pau até que tural da Amazônia, tão fielm~nte que
tudo esteja bem cozido. Feito isso, ti- surpreende a quantos se atreveram a
ram do fogo a pasta e a põem a fo~r­ perlustrá·la em várias épocas e circuns-
mentar em vasos de barro de capaci- tâncias. O mesmo equipamento, de
dade igual a uma meia pipa de vinho que damos um pequeno glossário fi-
de Borgonha. Quando tudo fermenta nal, quase os mesmos tipos de alimen~
e espuma cobrem os vasos e fica a tos, as m~smas bebidas, pormenores
'
bebida pronta para o uso27». ( pp. da confecção do cauim ou do beiju,
116/17) tudo quanto se encontra em registro
Hans Staden conta como foi recepcio- na alentada bibliografia do Brasil co-
nado pelos trucul•Jntos e maliciosos lônia, referente a êsse aspecto, praz-
Tupinambás, que desejavam regar os nos referendar, não com surprêsa, mas
tassalhos com o temulento cau1m: com a ênfase do antropólogo que
«Kauiuim pipegl isto é, muito cauim surpreende a continuidaóa de uma li-
haveria de correr! Significava com is- nha de tradição supostamente extinta
to que ia êle preparar o cauim, deven- no espaço. E então agora, em com-
do lá se reunirem todos para me de- plemento ao pouco que transcrevemos
vorarem conjuntamente». ( p. 11 O) 28 atrás, vamos deixar consignada a opi-
O francês frei André Thevet, já citado, nião dos cientistas mais destacados
refere que logo ao chegar ao Cabo que visitaram a Amazônia em épocas

43
diferentes, recolhendo nao sómente honra de hospedar: Carlos Frederico
material valioso para a ciência mas Felipe von Martius e J. B. von Spix.
também subsídios para a futura etno- A respeito da mandioca diz Martius
grafia e antropologia cultural. Tome· no Viagem pelo Brasil, Ili: 323, qu12
mos para exemplo Saint·Hilaire (Vo·ya. no rio Juruá a «fertilidade é quasZ:
ge au Brésil, li: 311): <<Au reste, les incrível>>, tendo visto «raízes de man-
habitans de l'intérieur du Sertão ne dioca pesando trinta libras>>. No ca-
plantent guêre que pour leur consom· p;tulo bebidas <<assim como todos os
mation. Un végétal qu'ifs cultivent be- demais da economia doméstica, com-
aucoup, et que l'on ne voit po.int dans petiam à indústria das mulheres>>, fei·
les alentours de Villa Rica, c'est le ma- tas à base de <<mandioca e de aipim
nioc. A la farine de bié de Turquie, le ç com diversas frutas, e algumas de-
Sertanejo préfêrent celle de la racine las de sabor bem agradável>>. Em no-
Ó.? manioc, parce qu'ils pensent gé- ta remissiva alude à variedade de be-
néralement que la premiêre est trop bidas: oa11i-çai (vinho azêdo) 30, pa-
échauffante pour ceux qui habitent un juaru e tiquaro.
pays aussi brUlant que le leur; ils as-
surent que le mais occacionne chez Influência mítica da mondioca
eux des melodies de i::·~au, telles que na alimentação
la gale, la Jepre et 1 éléphantiais, et
ceux même qui ont du mais en abon· Não é sem razão que o erudito von
dance ne l'emploient que pour la nour- Martius classificou a mandi·oca entre
riture des mulets, des coch·ons et d•.;s as plantas m:ticas (Natureza,, 239/
poules>>. Em nota remissiva na pági- 40), « 1.0 - Manihot utilissima Pohl.,
na 431, enumera as principais varie- mandioca venenosa, de cujas raízes se
dades citadas por Martius e declara p1•.;param a farinha usual e o pão dos
como na sua segunda Relação fará americanos. Ê chamada maniiba em
uma descrição da fabricação da fa- tupi, ou mandiba no sul, em dialeto
rinha. guarani. Tem o mesmo nome entre os
Essa preferência surpreendida pelo Cara.ibas continentais; na língua do
sábio pod•.; ser explicada em têrmos Haiti se chama iuca, e a farinha (tu-
de ciência porque algumas autorida- pi - be·iju, caraiba meiou) kiere. I
des acreditam seio o milho um ali- Entre os Chainas e os índi·os Cumana-
mento mais quente do que a mandio- gotos da terra firme, chama-se a plan-
ca, conseqüentemente mais atribu'd·o ta guichar'<l'PO •.; a raiz quichere. I
de responsabilidade no conduto de 2.º Ma·nihot aypi Pohl., tupi aypim,
moléstias da pele e outras. s~ja ou mandioca mansa, não venenosa. Di-
não êsse o motivo, acredito que a zem não ser originária do Haiti, na
preferência venha de uma circunstân- opinião de Oviedo. Lá é chamada
cia menos tabuada, uma vez que a bon1ata; entre os Chaimas, coze ou
mandioca possui maior esfera de in- cachite; no México, huacomote>>. Em
terêsse, maior difusão no espaço e n·O outra obra êle ainda fala de varieda-
tempo •.; oferece maiores recursos ali- des: mand~oca sutinga de galho, su-
mentícios. tinga de agulhada, saracura, bronoa
Não podíamos deixar de chamar pa- e tiriciri (Saint Hilaire, Voyage ou Bré-
ra aqui a opinião de dois dos maio- sil, li: 431). Em várias outras obras
res cientistas que o Brasil já teve a de autorzs div.ersos ainda colhemos
estas denominações, que não acredi- dó mais freqüentemente com aquêles
tamos sejam variedades ou espécies: de que depende o homem diretamen·
caiabano, ia.puá; macaxeira: pacaré, te para a sua alim·~ntação ou para a
macaxeira amarela e rochina. sua saúde: trigo, milho, mandioca, ta·
Precisamos agora explicar porque von ro, arroz, feiião, parreira, inhame, fru-
Mart1us incluiu a mandioca entre as ta-pão, coca, etc. Com a mandioca o
plantas míticas. Desde o cultivo até a preceito é o mesmo, ocorrendo que a
maceração e daí pràticamente à con- participação do mestiço ativou, de
sumação da fécula ou da manipuêra, certa forma, na Amazônia pelo menos,
está a mandioca ligada a uma série a eleição de padrões novos, comple-
de fórn1ulas mágicas ou medicinais que xo mágico-11.:ligios,o que vem ganha:i-
se hoje não são mais conhecidas en- d·o ênfase a cada ano. Em certas re·
tre as populações mestiças, não dei- giões da Amazónia não se planta a
xam de ser observadas 1~ntre os in· mandioca sem certas formalidades, que
dígenas. Poderíamos referir uma por· assinalamos como decorrentes de an-
ção de impedimentos, de tabus consa- tigos processos mágicos! assimilados
grados, de situações delicadas decor- e reformulados à margem das con-
rentes da utilização da planta, do seu cessões católicas. Assim o d,ono do ro-
aproveitamento ordinário, da sua fre- çado, antes de abrir as <<covas» para
qüência na vida do s•~lvagem como ·~nterrar os «paus» de mandioca, con-
alimento ou medicina mágica. Talvez voca a ARU (Pipa amerioona), o sapo
porque ligada a uma formulação má- controlador das chuvas e da boa co-
gica, ainda hoje cert·os atos que acom- lheita, a fim de que êle vá buscar a
panham o seu plantio, a desmancha Mãe da Mandioca. Essa convocação é
do roçado, a farinhada e as diver- feita por intermédio de uma pedra
sos bebidas dela decorrentes depen- (antigamente representada por ma-
dem muito de influências estranhas, da chados de sílex} mais ou menos de
participação di1 1 ~ta ou indireta de sê- forma parale:·~p- peda, chamada vul-
res sobrenaturais, de animalismo e garmente pedra de Aru, e mais co-
animatismo. Desde a lenda explica- nhecida por «pedra de roçado» ou
tiva do seu aparecimento está ela Mãe da Mandioca ( man(uamanha).
consagrada o representar na socie- Ainda se encontra dêsses machados
dade ind.:gena o papel de planto ri.?- nos campos de antigas roças, ou nos
nhecidamente dotada de atributos di- cemitérios de índios ( miracãu&ras}. O
vinos, tõo necessários à subsistência sapo Aru aparece logo que se abrem
de certos e determinados prino~·pios os roçados e seja talvez por isso que
morais, instituições religiosas, código o índio ligou-o às chuvas que prece·
de normas. Como explicar isso? Sem dem a desmancha. Roça que não é vi-
prectsar c:Jt.?senvolver uma análise de sitado pelo sapo Aru nõo vai para a
confrontos encaminhada por Frazer, frente, vira capoeira. Aru então se
precisamos com rigor o existência de transforma em guapo mancebo, em-
uma espécie de respeito m,~stico o de- punha o remo31 e vai buscar o Mãe
termiadas plantas por povos de di- da Mandioca, personagem que habi-
ferentes culturas. Em qualquer lati- to, g.:!ralmente, a cabeceira dos rios.
tude do globo há sempre um ritual a Ele vem inspecionar a roço e se achá-
obsi3rvar em tôrno de determinado es- la mereced·ora de ajuda, manda as
pécie vegetal, ocorrendo que isso se chuvas regulares como uma bênção.

45
Do contrário, quando são roças feias, dou-nos há anos para um ajuri de
minguadas , foge delas horrorizado e mandioca e lá recolhi a seguinl•a can-
leva a Mãe da Mandioca adiante. tiga de trabalho, cantada pelos ca-
Ainda nos nossos dias os caboclos n·oe1ros:
realizam o cerim·onial da pedra d•a Aru,
porém, com uma precisão de cará· Vira vira minha gente
ter cristão, portando a imagem de São quitibum quitibum!
Tomé - o protetor das roças e dos rema rema mais ligero
roceiros, bandeiras desfraldadas, can. pro chegá no putirum.
tando e louvando em tôrno da r·oça.
A época da desmancha do roçado é Vem a véia mais a fia
motivo para novos rituais de cunho vem o pavão do Mutum
profano-religioso. Quando a roça é pro dismancha do roçado
muito grande, o d·ono geralmente ai:.i~­ no gostoso putirum
la para o sentimento gregário do ca-
boclo e dá aviso da realização do pu- quitibum, quitibum !33
tirum (ajuri ou ajutório também cha-
mado) ou demão, recurso que é uma Mandioca [ou macaxeira] bem reioda
das mais velhas fórmulas processuais num é selvic;o pro um
de trabalho coletivo conhecido no rela rela minha gentia
mundo e que o índio transmitiu ao vamo fazê putirum.
mestiço com todo o seu corpo d•a nor-
mas. Tivemos oportunidade de assistir Atocha pau na fornaia
várias vêzes a essas pândegas cabo- arr.igula o caititu
clas32, inclusive de compor a guarni- mexe a farinha negrada
çã-o de uma canoa que se destinava vamo fazê putirum
a um dêsses ruidosos bródios, no rio
Madeira. A senhora dona Horizontina
Lustosa, do lago do Mutum, convi- quitibum, quitibum!

-:~~J li Jf 11~:r-p1=f:if-R~~j~--1-
Vi -ra, vi -ra-mi nha-gen te-qui ti - bum -qu1 ti - bum · re rna

re mo - m-:::ts li· gei ro - pro che - gnr no pu ti ·rum

Canto de trabalho, recolhido pelo ou·


tor. Tra·nsposição musical, do maes·
tro Pedro Amorim

46
As primeiras ( primícias) ra zes arran· gicas ou 1•.:!ligiosas. ~Por isso não acre-
cadas sã·o oferecidas ao santo e apos ditan1os que o índio beba a cauim, a
lançadas no itacuruca para assar, chicha, o cachiri, por necessidade fi-
quando se trota de macaxeira ou ba- siológica apenas ·ou por vicio. Ele o
tata doce ( cará). Não podemos ga- bebe por via dos poracés, dos ritos
rantir que seja um comportamento de passagem, das comemorações tri-
universal na Amazónia mas parec~- bais, em homenagem aos recém-che-
'
nos provável pela coerência de costu- gados, e o bebe f,1zqüentemente, seja
mes, uma vez que são comidas as rai- dito logo. Mas nunca isoladamente,
zes em homenagem a São Tomé. Pos- individualmente. Sempre tem que ha-
sivelmente o fôra em épocas remotas, ver um motivo e parece-nos justo que
ritualmen:·~, como um voto consacra- êle própri·o facilite êsse motivo. Se
tório à Mãe da Mandioca ou ao sapo não há, não se •zmbriaga individual-
Aru. Do mesmo modo se ·oferecem as mente, o que se torna mais fácil de
• • •
pr1me,ras ra1zes ao santo a que se compreender pela dificuldade ímpos-
faz uma promessa para obtenção de ta ao consumo das bebidas. Isto se
IJ.oa colheita, seio êle qualquer. Ou pode comprovar fàcilmente recorren-
se ofereo~ a roça inteira e a colheita do ao testemunho dos prisioneiros d·~
a determinado santo, a fim de evitar guerra, d,os visitantes das malocas,
a praga (formiga, broca, lagarta, etc. De Jean de Léry: <<Mas é princi-
gafanhoto, veado, capivaro, anta, pal n1ente quando emplumados e en-
etc), embora a oferta seja apenas feitados que matam e comem um pri·
simbólica. Já vi também levantar-se sioneiro de guerra em bacanais à
um grande mastro no centro do ro· moda pagã, de que são sacerdotes
çado no tôpo do qual panejava a ébrios, que se faz interessante vê-los
bandeiro do santo. Tôdas essas for- rolar os olhos as órbitas. Mas tam-
mas de l•;ndição pelo padre, de reza bém acontece sentarem-se em rêdes
e ladainha in l,oco, de ·oferecimento de algodão e uns •zm frente dos ou-
católico, de colocação da pedra de tros beberem modestamente; mas
Aru no centro do roçado indicam a como o seu costume é de se reunirem

evidência de antigos ritos pagãos, daí todos, de uma aldeia ou de muitas
porque Mortius condecorou a man- para beber (o que nunca fazem para
dioca com o título de planta mítica, coir,12r) êsses beberetes especiais são
escusando·se porém de referir mais muito raros. Bebam pouco ou muito
pormeno11.:!s. porém, como não s·ofrem de melan-
Da mesma forma as generosas bebi· colia congregam-se todos os dias
das feitas ...da mandioca, tiveram em para dançar e folgar em sua ai·
épocas remotas um sentido mais re- deio>> 34. Esta referência de Léry abre
ligioso do que puramente dietético. praça para desmenti-lo no que tan-
E ainda hoje se explicam as memo· ge aos banquetes coletivos. Sem falar
ráveis beb•;deiras coletivos entre sei· na qu•.:!stão óbvia do trucidamento
vagens como um argumento lógico. dos prisioneir,os de guerra ou even-
Sabido é que os mortos levavam den- tuais, comidos em alegre prândio,
tro da igaçóua funerária a sua pa- devemos convir que os nossos índios
• •
nela de bebida fermentada e de co- sempre se reuniram e reunem para os
mida, a fim de satisfazer na longa grandes poracés, e um dêstes, rzfe-
viagem as suas necessidades fisioló- rido por vários cronistas e por nós

47
Fases do beneficiamento da mandio·
ca : ralação no iuquicé (ralo de ma·
deira) .

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Prensagem da massa da mandioca


no tipiti.

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Torra ção.

fo rinhoda do Rio Negro.


Desenhos de Mauríl io Galbo.

49
assistido e descrito, é o dabucuri, que transportam para outro recipiente
congrega não só aldeias como tribos apropriado à operação. Quando é
amigas. Tivemos oportunidade de as- mulher casada quem mastiga o milho,
sistir a um dabucuri da mandioca no deve absl•~r-se esta, por alguns dias,
alto rio Negro. Nunca vim-os tanta de relações sexuais com o marido, d·o
mandioca junta, tanta comida deriva- contrário jamais atingiria a bebida o
da dessa raiz e tanta bebida fermen- necessária perfeição. Após a mastiga-
tada. Durante dias corrr.?-se e bebe-se ção, vai a mesma novamente ao fogo,
à larga e essa comedoria ainda tem até que é purgada, como quando se
a vantagem de ser uma boa razão ferve o vinho nos tonéis. Em seguida,
para aproximar famílias e produzir decorridos alguns dias, bebt~-se ·O
casamentos.
, Ê mesmo considerada couim>>. ( p. 154) Há uma gravura
uma festa de aproximação de famí- hors texte no livro de Thevet ( p. 155),
lias. elucidando o preparo do cauim, como
O alemão Hons Stoden (Op. cit., 67) há também em Léry (entre pp. 116/
observa quando da sua chegada à 17) .
mal·oca dos Tupinambás como prisio· E assós difícil dizer-se hoje em dia
neiros: <<Enquanto isto os homens se que tôdos as tribos brasileiras ou mes·
reuniam em outra cabana para beber mo am·~ricanos preparam a bebida
cauim diante do maracá, deus 35 em pelo processo mastigatório inicial. O
cuja honra entoaram cantos por lhes que se comprova é que êsse trabalho
ter proporcionado a minha catura. é realizado ainda por algumas tribos
Durante meio.. hora ouvi tal música do Amazonas, sendo da exclusiva
sem que nenhum homem surgisse em competência das mulheres velhas ou
minha cabana; só havia ali mulher•.=s virgens, mas o milho é torrado antes.
e crianças». I «Nhaepepô-açu possuía De outro modo, podemos confirmar
em Mambucaba parentes e amigos: ser a mandioca preparada por mulhe·
querend-o ajudá-los a reconstruir as res absolutamente desimpedidas. E
cabanas queimadas, partiu para lá que tal bebida era levado pelos mor-
com vários companheiros , levando a tos, como se disse, em panelas deno~
farinha de mandioca destinada à fes- minadas igaçáuos ( ig = líquido; be·
ta do meu devoramento». ( p. 89) / bida; çáua =senhor), nome que pas·
<<logo C·~pois morreu uma criança; em sou a designar a própria urna funeR
seguida a mãe de Nhaepepô e mais rária, embora erradamente.
uma velha, que se incumbira de fa-
bricar os potes de barro necessários Importância dietética.
ao fabrico d·o cauim destinado à mi-
nha «festa». (p. 96) Experiências particulares e oficiais d·e
Mais explícito a respeito dos tabus introdução do pão de farinha de
que cercam a mandioca (no caso ci- mandioca em substituiçã·o ao da fari·
tado o cauim) é o f11.=i André Thevet, nha de trigo, ou paro incorporar ao
quando diz: «Na fabricação, usam os pão integral comum uma percentagem
indígenas estranha prática supersti· de farinha de mandioca.
ciosa, que consiste em mastigar algu-
mas môc;as virgens o milho 36, cozido E possível que alguém mais se preo-
em grandes vasilhas de barro, da ca· cupasse no Brasil com o problema na-
pecidade de um moio, o qual, depois, cionalista da farinha de mandioca,
tentando obi•Jr pã·o similar ao d·e fa· ce-me haver tido uma importância
rinha de trigo com a farinha de man- meramente local. O exame de labo·
dioca. Industrialmente só conhecemos ratório procedido na mandioca pelo
uma tentativa particular nesse senti- autor, dava como ri::!sultado o seguin-
do, que embora coroada de êxito te: << l Q uma casca grossa, rija ou cor-
parece não haver tido a necessária tiçoso, que serve de invólucro da
receptividad•J por parte do povo e massa; 2~ uma massa áspera na apa·
das autoridades. Há precisamente rência, mas delicada ao tato depois
cem anos ( 30 de mai·o de 1862) o de preparada; 3'' fécula; 4~ uma por·
cidadão João da Costa Freitas escre· ção de água de côr amarela escura;
veu e publicou os resultados de suas 5? um f·eix·o lenhoso no âmago, por
experiências no fabrico do pão de onde provàvelmente se transrni>~ a
farinha de mandioca {pão integral) seiva>>.
para consumo co1et.ivo. Êsse traba· O processo inventado pelo autor da
lhinho chama-se Breves considerações obrinha é muito simples e pode ser
sôbre a farinha de mandioca prepara- reduzido a oito fases: a) lavagem
da pC:i·ra pão, a qual foi apresentada e secagem das raízes ·em c~stos; b)
na Exp-'lsição N·acional e01 2 de de- eliminação completa da casca, sem
zembro de 1861 37. Nessa memória ficar uma só partícula por menor que
o autor pretendia provt1r (como pro- seja39; c) lavagem e secagem das
vou aliás) qL.'~ se podia substituir raízes; d) redução da raiz a lascas
perfeitamente a farinha de trigo pela finas, desprezando-se o âmago ou
de mandioca no fabric·o do pão co- feixe lenhoso e a camada que ll1e
mum, uma vez aumentada a produção fica aderente; e l secagem das lascas
por um processo de suo invenção e ao sol durante alguns dias sôbre pa·
que já havia dado resultado na do· nos, não permitindo que fiquem em

çar1a. cantata com o chão •a separando-as
Examinando preliminarmente a man- sempre (poderiam ficar os tipos de
dioca , diz êle que temia não produ- farinha com o cheiro ou o sabor da
zir ·~feito a suo idéio por três moti- terra); f) de verão três a quatro dias
vos: << 1" (era o que mais me preocu- de sol, para ativar a evaporação da
pava) , porque sendo a mandioca co- umidade concentrada; g) observar se
nhecida há séculos, como planta ali- aparecem manchas ·escuras, porque
mentícia, e todos os seus produtos, já então as lascas não foram bem lim-
alguém se deveria ter lembrado dis- pas da casca e a farinha ficará ;Js-
so; 2º porque sendo de família di· cura; h) sêcas as lascas, serão tritu-
verso da do trigo, diversos também radas e passadas em peneiras de sê·
do't'Jriam ser os seus produtos; 3º por- da; i) obtém-se a farinha clara tritu-
que a crença vulgar é que a man- rando-se bem e voltando com ela ao
dioca é um vegetal composto apenas sol, peneirando-se novament·e. O au-
de fécula e massa lenhosa, pelo que tor não se esqueceu da dar nome à
denominaram farinha de pau à fabri- farinha preparada pela sua fórmula,
cada com ela, de que s·e faz uso nas chamando-a brasileira.
nossas mesas>>. ( p. 1} Uma das coisas notáveis que se en-
ê lógico que a idéia de fazer pão contram no trabalh·o dêsse incompre·
con1 a farinha de mandioca não era endido patriota do império é a infor·
nova à altura de 1861 38, mas pare· mação d-e que as <<lascas, em estado

51
muito mais imperfeito, vinham antiga· esses decretos nunca tiveram real-
lll'=nte ao mercado com o nome de r.1ente nenhuma aplicação e só ser-
raspas 40, e pelas doceiras eram em· viram como se diz, <<para inglês ver>>,
pregadas na confecção de alguns do- era um arranco nacionalista a dois
ces», etc. ( p. 7) tempos. Nunca mais se ouviu falar
Realmente a parte qu·e mais interês- em farinha nacional nem em cultu·
se pode inspirar nesse trabalho é a ra exf•znsiva da mandioca com essa
notícia d_a experiência usada no fa- ou outra qualquer finalidade. Toda·
brico do pão nacional d= mandioca. via, a intenção não deixava de ser
O autor diz que fabricou pães que ótima, e poderia oferecer bons resul-
expôs ao júri da Exposição Nacional tados se nós brasi:·~iros usássemos os
de J 86 J no Rio de Janeiro, obtendo noss·os próprios recursos e não preci-
louvores e est~mulos (morais, certa- sássemos de lições de estranhos. E: o
mente). A experiência teve tamanho que vem acontecendo atualmente no
repercussão local que diversas pada- Amazonas, onde a farinha de maca-
rias solicitaram ramessa da farinha, xeira é produzida pelos japonêses em
entre outras uma de duzentas barri- grand·~ escala, boa, superior a mui-
cas! Como se pode perceber a ini- tos respeitas à de mandioca produzi-
ciativa não chegou à prática indus- da em outras regiões, só perdendo em
trial. Havia em primeiro lugar a mon· inferioridade para a fam·osa farinha
tagem da maquinaria custosa e em de Arini, fabricada em T·efé.
segundo a cultura extensiva. Além do Os obsoletos processos de redução da
mais surgiram colateralm•znte os pro- fécula à farinha não podem satisfa-
l)lemas inevitáveis de aproveitamen- zer às exigências do m•.;rcado consu-
to de um tipo prioritário ó-mandio- midor, isto quando fôsse satisfatória
ca que o autor não sabia ainda qual a safra. O exemplo daquele pioneiro
escolhesse entre as espécies mandi- é um fato isolado que ilustra bem a
palha (com a qual fêz a experiên- situaçã·o de inferioridade técnica com
cia), puri grande e landi (ura·ndi) qu·e lutam os produtores de farinha
pe·quena, sendo a prim·eira de ra'zes de mandioca ou de macaxeira: de re-
menores. p.:nte se encontrou êle na impossibi-
Não vam·os acompanhar a :1istória lidade de poder fornecer a tonela-
·neste particular, mas durante o go· gem necessária ao fabrico do pão co-
vêrno do sr. Getúlio Vergas houve mum.
un1a tentativa para prestigiar a fari- Um dos aspectos mais pitorescos des·
nha nacional de mandioca, com uma sa secular cultura é a passagem len·
adição de trinta por cento ( 30 º/o ) de ta das fases processuais de ralaçã·:l
fécula <<ou farinha, extra'da de pro- à torrefação. No in~cio da coloniza-
duto nacional apropriado>> (Decreto- ção d,o Brasil, portuguêses e france·
l·ai n' 26 de 30 de novembro de ses principalmente observaram êsses
1937). Em 1951 o decreto-lei n" processos todos inclusive documen-
'
JO 350 de 29 de dezembro, dispunha tendo com gravuras as cenas mais
sôbre a mistura de farinha de trigo empolgantes da fabricação de bebi-
com outras farinhas panificáveis, num das ( Thevet, Léry}, da lavagem, des·
teor de doze por cento ( J 2 °lo) ape- cascamento, ralação e torrag•~m da
nas de farinha que l'lão fôssia de tri- farinha { Rugendas}, e não cremos que
go. depois de quatrocentos anos se te·

52
nha modificado para melhor, ·em ma· mona» (p. 216). t. admirável como
téria c:fi.? técnica, êsse processo. As êsse lópez de Gómara reuniu tontos
populações ind~·genas e mestiças em conhecimentos gi;rais sôbre as famo-
grandes áreas continuam pond·o de sas Índias. No cap~tulo XXVIII, falan·
môlho a mandioca em canoas na b·ei· do dos costumes da ilha Espaíiolo,
ra do rio {mandi.oca-puba) ou em assevera que também <<hacen pan de
covas cheias dágua ( vide foto em yuca, que es una raiz grande y blan·
apêndice), a descascá·las sem ne· ca como nabo, la cual rayan y estru-
nhuma perícia (raspas), a ralá-las jan, porque su zumo es ponzoíia>>.
nos ralos rústicos de madeira incrus· 11, 70).
todos de fragmentos d·e quartzo ( iu- O dr. Alfredo da Mata declara ser
quicé) ·OU no caitetu que é a forma a raiz riquíssima em fécula, conten·
mediana de evolução. Os ralos acio- do: ácido cianídrico, fécula, sal de
nados a motor elétrico têm pouca pe- magnésio, ácido orgânico, princ'pio
netração. A razão pode ser explica- amargo, substância gráxeo cristalizá-
da em parte pela ausência de •zner- vel, osmazoma, fosfato e fibra lenho·
gia elétrica em muitos municípios e sa. e o ácido cia nídrico que torna a
1

--
povoados da Amazônia e mesmo do
. E as famosas prensas ~ue co·
Bros11.
mandioca venenosa 43. <<A tapioca
encerra 85,35 U.N.; 0,37 />.z.; 0.17
meçaram com o tipiti descrito por Ga- G.; 84.56 HJ.» (p. 170) O mesmo
briel Soares de Sousa 1tapiti) e a autor assinalo o fato de Peckolt ha-
que o sédulo Gandavo denominava ver isolado ((Um ácido semelhante
«mangas>>, evoluíram muito pouco àquele, e que é o ácid,o moniótico,
para que se pudesse obt·er um rendi- de propriedade tóxica, bem assim a
mento assás convincente. psicolitina e a maniotina, sendo esta
Realmente muitos cronistas insistem suscetível de cristalização>>. ( p. 171)
no fabricação do pão e doces de fé- O exame da fécula da macaxeira,
cula de mandioca, e neste caso não feito pelo sr. Félix Guimarães, apre·
podemos venc.?r o impulso que nos sentou o seguinte resultado: <<396,5
arrasta para Gandavo: <<E tanto que calorias da matéria sêca e 399, das
as arrancam, põemnas a curtir em raspas>> ' 44.
agoa tres ou quatro dias, e depois
de curtidas, pizamnas muito bem41. Alimentos derivados da mandioca ou
Feito isto metem aquella massa em a ela associados
humos mangas compridas e estreitas
que fazem de humas vergas delgadas, Antes de abordarmos definitivamen-
tecidas à maneira de cesto; e ali o te o assunto dêste capítulo, s·eria
espremem doquelle sumo de maneiro oportuno considerar que a maioria
que nam fique delle nenhuma couza dos alimentos derivados da mandioca
por esg·otar: porque he tom peço· própriamente dita 1incluindo-se a
nhento e em tanto extremo veneno· macaxeira l não foi totalmente conhe-
zo, que se humo pessoa ou qualquer cida de todos os selvagens brasilei-
outro animal o beber, logo naquelle ros ou nã·o o foi pelos cronistas que
instointe morrerá>>. (p. 17) dês~;s alimentos deram not~cia em vá-
Francisco lópez de Gómara42 diz rias épocas e circunstâncias, devendo
que os habitantes do Brasil comiam o problema ser encarado sob aspec-
«pan de modera rallada y carne hu· to diferente, vamos dizer em têrmos

53
de sincretismo ou mesticagem. Justi- mante11do o tradição no que tange
fica-se portanto a ep.'.grafe: muitos a ul'e·nsilios e objetos usados quer na
alimentos, principalmenl•.:! vinhos subs- casa de aviamçnto {casa de farinha)
tanciais que fazem às vêzes de ai mô- quer na cozinha. Somos contrários,
ço e janta ou queima-bôca {ai moci- por índole e por ob·~diêncio aos pa-
nho ou desjeium) como o açai e a dróes doutrinários, a qualquer modi-
bacaba, o tucumã e o buriti, o caioé ficação introduzida no processo de
e o patuá, não têm graça sem a fa- estudo e referência dos comporta-
rinha, que aparece como conduto ne- mentos, etc. Assim, invés de peneira
cessário, exigido. empregaremos urup~ma; invés de po-
Do fato de não conh•.:!cermos regis- te camotim; não usa1 1~i uioca (casa
tos especiais não se segue que êsses de farinha l por ser menos popular,
registos ou m·elhor, êsses alimentos mas foigarei de usar outros verbe~
não existam. Realmente parec•.:! que tes como uiquicé (ralo), iuá ( côcho
os melhores informantes são mesmo os para fermentação de bebidas ou de-
romances de c·ostumes, uma vez que pósito da massa da mandioca), cai-
não se dá conta de certos pratos ti- tetu para o ralador de dentes de aço,
dos por tradicionais na cozinha bra-
~
roda, quicé (faca curta de raspar
sileir-.-::l·e uns dois séculos a esta par· mandi·oca), iapun1t1 (forno grande),
te. ítacuruca ( f·ogão de três pedras), ou
Já nos r•.!ferimos bastante vêzes aos sapo-de· pedra, etc.
alimentos considerados clássicos, ago- Também por necessidade de seguir
ra esboçaremos uma espécie de rotei· o método somos obrigados a recorrer
ro geral que abranja o passado e o vez em quando ao testemunho dos
presente, não escondendo a suspeita cronistas, não por mera deferência
de que possivelmente alguns pratos ao pioneirismo mas por exigência dos
ou bebidas de influência local, regio- confrontos. E agradável saber que
nal, seja omitida neste balanço por muitos dêsses alimentos continuam ri·
ignorância do autor. Fato aliás que gorosamente participando da cultu-
sempre acontece quando se premedi· ra que se conv·~ncionou chamar <<da
ta um trabalho desta ordem, de as- mandioca>>, sem terem sofrido modi-
pecto universal. ficações importantes no processo de
De in.-cio, os alimentos derivados da fatura nem sequer na nomenclatura.
mandioca ( braba ou mansa) devem Esta é sabidamente mais variável que
ser arrumados conforme e segundo a o próprio traço cultural, principal·
sua origem e espécie, em ind'genas e mente quando uma cultura s·ofre 1n-
nlestiços. Adotamos a ordem alfabé- fluêr1cia e!·~ outra ou outras como no
tica por nos parecer mais consentâ- caso do Brasil.
nea, uma vez que seria impossível Pode-se observar ainda na Amazônia
c:assificar os alimentos pela sua cro- uma casa de farinha funcionando
nologia. Após a explicação supra, com os mesmos rudimentares equipa-
resto-nos indicar a <<moda>> ou <<re- mentos de há quatrocent·os ou talvez
ceita>> de fazer êsses pratos, bebe· mais anos, num desafio permanente à
ragens e bebidos, guardando o má- lei de reformulação antropológica,
ximo respeito às fontes informativas, apesar d•.:! tôdas as contingências fo-
livros ou pessoas, usand·o os têrmos voráveis, do progresso marginal, da
e expressões próprias, bem como carta de ABC, do avião, dos minis-

54
tros protestantes e católicos, do can- bolho de formulações e reformula-
didato que por um mísero voto pro- ções, nosc.au também essa que admi-
mete modificar a vida sedentária do ramos projeção demopsicológica que
caboclo. E nas aglomeraçõi.?s ind~ge­ fêz do brasileiro de ont·em e de ho-
nos então é que o quadro permane- je um tipo característico, um tipo que
ce inalterável. Pode-se tomar conhe- ousou imprimir no quadro geral da
cimento disto visitando mal-ocas de
cultura humana certo aspecto incon-
índios mansos ou lendo-se as mais re-
fundível, suficientemente notado para
centes obras, como por exemplo a do
ser ràpidam•.ante esquecido.
suíço Franz Caspar ( Tupari, 1948) 4
Já vimos que muitos dos verbetes
onde o docum·~ntório fotogr6fico re-
vela ·os obsoletos processos de abrir aqui registados são de origem tupi
«covas>> de mandioca e de fazer-se ou nhengatu, porém outros existem
a chicha. de que não nos ocuparemos e de
Por isso é que não nos admira mais qU'.a também não se ocuparam os pri-
saber que o cavalh·eiro Antônio Pi- meiros cronistas por essa ou por aque·
gofetta, passando ràpidamente pelo la razão que não vale a pena apro·
costa do Brasil em 1519, registrou no fundar. O tacacá, o moco1 1oró, por
seu vocabulário do~ bôlso doze pala- exemplo, que se acredita vulgarmen-
vras tupis, entre as quais, como ne- te de procedência; o aluá, o chibé,
cessária, figura a correspondente da são d•.=rivados da mandioca que co-
farinha - hui ( Op. cit., 205 l. O eru· brem tradicionalmete uma grande
dito Montoya averba o mesmo vocá- área de difusão naci·onal, no tempo
bulo no idioma guarani: hui ( harina e no espaço. Com uma particularida-
de mandioca) 45. Aliás o vocábulo de notável: o tacacá passou nos nos-
se decompõe em ( h) ui = pó; pol- sos dias a ser uma coqueluche da
vilho; farinha; í = partícula que pos- moçada, que se obanca em tôrno das
posta a qualquer palavra indica sem- tacacàzeiras para flirtar, receber i..a
pre diminutivo. Então teríamos ao pé transmitir novidades. Ponto de reu-
da letra pàzinho, concordando sàbja- nião obrigatório do society também.
mente com a nossa farinha dita çurui, Desde agora podemos entrar no as-
finíssima. Çuru quer dizer aquilo que pecto puramente culinário, com a exi·
se espalha fàcilmente, que derrama. bição das <<113ceitas»:
Houve, compreensivamente, um fenô- a) Alimentos de origem e inspiração
meno de metagromo ou supressão do indígena:
foni.ama u intervocálico o mais. Note- 1 . ABUNÃ (prato). Mexido de
se, além disso, que o ' nome vem di- ovos de tartaruga, trocajá ou muçuã
namizado de um período anterior à com farinha dágua e açúcar para fi-
conquista, a exemplo de outros ou- car bem amorelinho sem ir ao fogo
• vidos do bôca do índio e registados ou cozinhar. Comida da estação sê-
da melhor maneira possível. ca e geralmente do época das varia-
Esse aspecto do lingüística não con- ções. Muito indisgesta.
tende com o assunto alimentar, an- 2. AÇAI (vinho) com farinha sê-
tes aclaro-o à maravilha. Portanto, ca ( almôço, sob11~m·esa ou merenda).
regressemos ao passado, mais uma Bebida de grande consumo na Ama·
vez. Ali onde funcionou a máquina zônia, entre a população pobre, com
social da colônia, em constante tra· casas especiais para a venda, assina·

55
lados por bandeiras vermelhas. e im- variando para meia-lua, losangular.
prescindível o farinha. E depois da farinha o alimento mais
3. AGUA-FRESCA (beberagem) • Fa· di.;cantado pelos cronistas de tôdos
rinho d·e tapioca 1.; água fervida, ou as épocas, que todavia nem sempre
mesmo água fria. Dessa beberagem distinguiram as castos. Não só no
dá n·otícias u dr. Alexandre Rodri- Brasil, mos em muitas regiões da Amé-
gues Ferreira 46. rica pré-colombiana era êle conheci-
4. ANGU. Vd. PIRAU (pirão). do. E confecctonado com a mossa do
5. ALUA (bebida fermentada, não mondioca-puba e que foi ralado. Das
temulenta). Apesar de costumeiro- vários costas e formos conhecidas e
m1.;nt·e fazer-se aluá de milho e de referidas 48 damos o relação e o re-
abacaxi, tratamos aqui da bebida c.>zita, e em apêndice duas fotos:
feita de farinha de mandioca ou da a} curucáua, chato, grande, feito
macaxeira, posta de môlha nágua pa- de tipioca granulada, a que se adi-
ra fermentar durante uns sete dias, ciona castanho de caj1.1 rolada ou to-
quando se adoço com açúcar mas- car1;
cava ou caldo de cana e erva-do- b) beijua~u ou catimpuêra (vide be-
ce 47. Claro é que êstes últimos in- bida do mesmo nome) é o maj.or e
gredl·~ntes são de recurso moderno, em forma discóide (vide foto em
pois o indígena odoçáva-o com mel apêndice) e mais bem tratado no
silvestre. Parece haver uma referência iapuna. Até o permitem tostar um
obscura o essa bebido no podre Fer- pouco e depois mofar, pois é dêle
não Cordim, quando d.iz que faziam que se preparam as estimulantes be-
os índios um vinho fresco e medici- bidas r·eservados às funçanotos:
nal do aipim. Vd. nossa noto 24. cauim, caxiri, etc. Não é muito cuida-
6. ARABU (prato). Idêntico ao do, por isso mesmo, e fazizm-no até
abunã, preferindo-si.; os ovos d·e tar- de farinha grosseira;
taruga. e) puqueca é um tipo especial de
7. ARUB~ (conduto). Espécie de beiju, com sal e pimenta, envolvido
creme (assim chamado) feito do su- a massa em fôlhos de pacovo-soro-
mo do mandioca exposta ao s·ol (isto roca (bananeira). Só então é leva·
se chama arumé), engrossado com a d·o ao iapuno;
fécula e temperado com tucupi. Re- d) curuba, quase semelhante ao
sulto d·epois d•.; pronto uma posto curucáua, porém menos empolado,
cremosa, espêsso, não endurecido, misturada a massa com castanha de
maleável, que pode ser conservada caju quebrada ou tocari;
em garrafa fechada paro uso ime- e) cica, o menor e o mais delicado
diat·o. Come-se com peixe, bem tem- entre a casta dos beijus, apresenton·
perado com pilll'ento. do a forma losangular ou semilunar.
8. BACABA (vinho) com farinha A tipioca de que é feito é pisada de-
sêca ( almôço, sobremesa ou meren- pois de rolada a mandioca (que não
da}. Ê indispensável a farinha sêca é puba 1 e p.=neirada. Até no torrar
na bebida. O mesmo comportamento se exigem cuidados especiais paro
para com o aça1, porém a bacabo que não toste. Dêste conhecemos
é menos preferido. ainda duas subvariedades: uma fei·
9. BEIJU. Espécie de bôlo chato, fa de farinha amarela e a outra,
com a forma mais comum de disco, mais tenra , solúvel na bôco, de mas-

56
sa alvíssima e porosa. Esta é conhoa- 11 . CAIÇUMA 50 (bebida fermen-
cida em certas regiões ( Lages) por tada, temulenta). Despojada a raiz
«orelha de macaco:., em razão da d\l macaxeira da casca, é cozinhada
sua forma hemicircular e chata. Am- em cornetins de barro, depois amas-
mas são fôfas como pastéis e levís- sada ou socada com tocori. Prepara-
simos. A estas castas de beijus po· da a massa, vai para as grandes iga·
de-se adicionar leite de tocari; çáuos com água, onde fermenta por
f) membeca é um beiju mole em tempo 11unca inferior a uma semana,
forma de disco, sem ser torrado. quando então é temperada com gan-
Vai ao iapuna apenas para que a gibre e sumo de cana. Fica de con-
massa aglutine bem; serva por mais dois ou três dias e
g) tinin ou branco, preparado pe- está pronta para ser bebida. E uti-
los mesmos processos, sob a condi· lizada nas grand-es festas indígenas.
ção especial de nã·o ir ao iapuna, 12. CAIOE (vinho), com farinha
mas ao sol poro secar e endurecer; sêca. Muito alimentício, pode servir
h) cariamã, segundo Ermano Stro- de queima-bôca ( desjejum J, almôço
dalli 1Vocabutário, 402) é uma «cas- ou merenda. Torna-se necessária o
ta de beiju com que se prepara o presença da farinha sêca.
caxiri para a festa da puberdade das 13. CARi BE (beberagem). Feita d..,
môças» 1môça nova), e que dá o beiju dissolvido nágua. E mais um ali·
nome ao ritual; mento mágico, ligado ao ritual da
i) teíca, feito da massa da tapioca; puberdade. Os meninos iniciados aos
j) oa·rimã, feito com a farinha do oito a dez anos são levados para as
mesmo nome; caatingas do alto rio Negro, e ali o
1) maropatá, idêntico n·o processo alimento único, por espaço de dez
da fabricação do farinha de mandio- dias, é o caribé. Pode-se também fa-
ca, sõment·e que é l•avodo a assar zê-lo diretamenl·~ da mandioca puba,
sôbre cinza quente, protegido por fô· torrada segundo os preceitos, mas
lhas de pacova-sororoca ( bananei- d·epois tem que ser amassado com as
ra); mãos e dissolvida nágua, ficando ra-
m 1 enrodilhado, tipo comum, ape· la ou espêssa, conforme a exigência.
nas que enrolado invés de dobrado Rec·omenda-se fazê-la no verão. Um
em dois; dos mais notáveis médicos do Ama-
n) cobá, variedade de beiju abo- zonas, dr. Hermenegildo da Campos,
nado por A. J. de Sampaio sem mais recomendo essa bebida como bastan·
d>talhes 49. te nutriente. O dr. Alexandr·e Rodri·
o) ca-mbraia, casta de beiju alvís- gues Ferreira diz que os índios a cha-
simo e tenro, quase transparente, fô· mavam tiquara.
fo como pastel, bem caprichado, fei- 14. CATIMPUÊRA (beberagem. Fei-
to com a massa da tipioca e torrado ta de macaxiaira cozida, amassada e
levemente; peneirada, com água e mel de abe-
10. BURílTI (vinho) com farinha sê· lha. Ou com o beiju do mesmo nome
co (sobremesa ou rnarenda). Uma dissolvid·o nágua.
das bebidas mais requeridas, pelo 15. CAUl-ÇAI (vinho azêdo, fer-
grande teor vitamin·oso da fruta. Não mentaclo e temulento l. Bebida em·
é obrigatório acompanhar o vinho briagant~ feita de mandioca doce
com a farinha. ( macaxeira) ou batata ( cará), cozi-

57
da duas vêzes, mastigada e posta a mentando, o chibé é denominado ca-
ferm·entar com o auxílio do saliva. ção. Vd. também tacu.ba e tiqucra.
Referida por von Martius (Viagem, 19. CHICHA (bebida ferm••ntada,
323, nota 19). temulenta), de macaxeira. Descasca-
16. CAUIM (bebida fern>•ntada, se a macaxeira e deita-se nágua, in-
temulenta) 51. É a bebida clássica do do oo fogo até amolecer bem. Mas-
indígena brasileiro, de referência obri- tiga-se uma outra porção 53 e amas-
gatória e extensa bibliografia. Apa- sa-se com as mãos outro bocado, de-
r·ece citada em todos os cronistas e pois junta-se tudo, coa-se •a põe-se
viajantes, inclusive com gravuras. Com ao fogo. Após cozida novamente em
o auxílio dela, como vimos antes, os água, esfria-se e deixo-se fermentar
nossos andrófagos avós s>zdimenta- durante quatro dias, findo os quoi5
ram o valor moqueando carnes nutri- pode ser ing·erida.
das de portuguêses, franceses, espa- 20. CUDIÁRI (prato). Cozido de
nhóis e inglêses52. ·E feita de beiju peixe esm.igalhado com tipioca (pi-
apropriado, daquele famoso beijua- menta) •a goma de tapioca. E alimen-
çu deixado de môlho nos granc:Ms to que se dó aos iniciados, entre os
camotins e igaçáuas perclusos, duran- indios lurupixunas do oito rio Negro
te dias seguidos; ou de mandioca e também entre os Uaupés.
cortada em discos, segundo a mais 21. CURADÁ (prato). Feito com ta-
antiga receita fornecido pelos sédu- pioca misturada com um pouco de
los cronistas. De um modo geral se b·eiju dissolvido.
chama assim a outros b-ebidas quei- 22. FARINHA dágua amarela ( con·
mani•zs e embriagantes. dutoJ. E a melhor farinha indicada
17. CAXIRI (bebida fermentada, para conduto de certos pratos espe-
temulenta). Faz-se do beijuaçu dis- ciais como cozido de tartaruga, de
solvido em água fria, deixado fer- trocajá, i:piaito» e «casco» de tarta-
mentar por uma semana. Há uma fes- ruga, enchiment·o de oves, farofa
ta indígena dêsse nome, sem qual- composta, etc. Após o amolecimento
q!J'er cunho religioso • pelo menos da mandioca por tempo que varia
atualm•.znte, onde se bebe ô larga o entre três o quatro dias conforme a

caxiri. Faz-se geralmente paro os pu- água siaja respectivamente parada ou
tiruns de plantação da mandioca, corrente, o casca se torna mais fá·
desmancha do roçado, etc. cil de remover. O processo seguinte
18. CHIBE (beberagem, queima· para se obter êsse tipo de farinha é
bôca, olmôço). Cimé ou cimbé ou xi- o mesmo: depois de bem ralado e es-
bé, é alimento de circunstância, pre- corrido o tucupi, passa-se na urupe-
parado simplesmente com farinha de ma ~ então vai ao iopuRa para tor-
mandioca e água fresca, a que ho~ rar. O local onde se deposita a raiz
se adiciona açúcar invés de mel de de môlho pode variar: ou uma ubá
abelha. Esse alimento, comum na (casco monóxilo) ou buracos aber-
Amazônia, principalmente como des- tos à beira dágua.
jejum ( qLJ1zima-bôca), não vem refe- 23. FARINHA de carimã ( alimenkl
rido no cronicon, mas parece-me ha- auxiliar). Pelo processo já conhecido
ver surpreendido uma claro insinua- de fazer-se a farinha comum, levo-se
ção a êle em Gabriel Soares de Sou- a porte residual f cure·ra) da farinha
sa ( Op. cit., 193). Quando bem api- dágua ao induá (pilão) onde é bem

58
pisada, reduzida a pó; e esprimida menta ou mesmo na maloca. Quando
depois a massa, repetindo-se a ope- se fazia n·ec~ssáría dissolvia-se unia
ração tantas vêzes quanto necessá- parte em água. O espiritu·oso Ambró·
rias para que a massa se torne alva sio Fernandes Brandão (o Brandônio)
e fina. Após o que, se passa em uru· cios diálogos 54, por via de «iuem sa-
f:'.!ma de retículos miúdos; vai ao ia- bemos muitas coisas referentes ao
puna ( fôrno), mas não é t·orrada, passado brasileiro, diz dela que «po·
conservando a forma impalpável. ra ser boa lhe hão d·~ lançar tapio·
Posta ao sol para secar de todo, de- cu, quanto mais lh·e lançam, tanto
ve ser revolvida vez em quando para melhor dá a farinha, das quais é fei-
desfazer os bolos. Com essa mosso, ta por êste modo se chama farinha
muito decantada pelos cr·onistas, fa- de guerra>>, etc. Veja-se MIAPE. ( bô-
zem-se bolos envoividos em fôlhas de lo de guerra).
pacova·sororoca { banan·~ira), que 25. FARINHA de macaxeira {con·
são apregoados nas ruas ou vendidos duto l. Rec.·~be o mesmo tratamento
em feiras ·e mercados. Pela sua leve- que as congêneres na fabricação, va-
za e fácil digestão é empregada em riando apenas no capítulo tucupi, que
caldinhos paro gestantes, convales- a macaxeira não possui. E branca e
centes em geral, crianças novos. Entra bem torrada.
também na confecção da própria fa· 26. FARINHA sêca escura (mane~
rinha sêca e de outras massas. As ma}, de mandioca (conduto). Depois
broas e roscas feitas dessa farinha de raspada a casca da mandioca, la·
são excelentes. vada e ralada •zm ralos rústicos { iu~
24. FARINHA DE GUERRA ( uiuari· quicé) ou na roda ( caitetu) a mani-
niçáua) (conduto e prato auxiliar). quera (raiz), escorre-se a t1p1oca,
Essa é a famosa farinha a que alu· prensando-se no tipiti, urupema ou
dem os cronistas freqüentemente e prensa de madeira, a fim de perder
que tanto s•~rvia ·às guarnições de na- o suco amar·elo chamado tucupi ( Vd.
vios portuguêses e franceses como a decalques em apêndice). Uma vez sê·
soldados e índios, bandeirantes e es· ca, a massa é deixada azedar e es-
cravos. Foi a principal e necessária palhada na bacia do iapuna1 {fôrno)
fonte alimentícia a que se recorria em ou alguidar do itacuruca (sapo de
tempos ruins ou entrzveros. O nom·e pedra), já quente para recebê-la. De·
que recebeu dos selvagens se explica ve ser mexida continuamente, como
porque usavam dela nas suas incur- tôda farinha, com pós apropriadas
sões predatórias e punitivas , e depen- ( turuiua) ou cabaças (cu ias). Essa
diam dela por t·empo ind•zterminado, farinha é considerada d·e baixa ex-
pois não se estragava, apesar de não tração pilo teor de <<caroços>> ( grâ ..
exigir especial tratamento. nulos} porque além de conter fibras
'
O processo de fazer-se é o mesmo de lenhosas, não é bem tratada na fa-
sempre, porém a fécula aglutino mui- se da torração.
to, formando pequenos bolos. Nem 27. FARINHA sêca branco (condu-
todos os cronistas 1zxplicam como ·era to). Pelo mesmo processo, lavando-se
transportada ou co-nservada, mas nós várias vêzes a tipioca, obtém-se a
sabemos que geralmente era envolvi- mesma farinha clarificada. Durante
da em fôlhas e enterrada em lugar êsse procedimento não se deve lavar
seguro, provàvelmente no acampa· demasiado a farinha, do contrário

59
ela perde o melhor do seu que e' a 32, GRUDE (prato), E feito da fa-
tapioca, ficando rala e portando me- rinha de tapioca na forma usual de
n·or teor de calorias. goma, deixando-se aferventar com
28, FARINHA surui (conduto), De- um nadinha de sal e algumas fôlhas
pois de resolvida a ralação da man- comestíveis de agrião ( jambu). Pode
dioca não puba ( púia), a massa vai ser comido assim m•asmo ou então
ao induá (pilão) para ser macerada, com tucupi e implementes outros. ( Re-
r·eduzidos os grãos a pó finissimo e ceita de dona Leoniza Santos, Ma-
passado na urupema de rolo miúdo. naus, 1962),
Só é utilizada essa farinha no apli- 33, GUARIBA (bebida fermentada,
cação d•z caldinhos para enfermos, temulenta). Feita à base de mandioca
alimentos leves, enchimento de aves, amarga , fermentando vários dias. Re-
farofa, por ser muito fina e propensa ferida também pelo naturalista Ale·
a aderir à garganta. A torração é xandre Rodrigues Ferreira {Op. cit.,
muito leve. 115) sem mais detalhes .
29, FARINHA de tapioca 55 (con- 34, JARAQUI (bebida fermentada 1,
duto). O processo de fabricação é Feita com o sum·o da mandioca, diz
idêntico ao da farinha branca, po- A. J. Sampaio (Op. cit. 268) sem
rém a mandioca é lavada várias vê- maiores explicações.
zes e deixada granular propositada- 35, MACAXEIRA assada 1prato),
mente n·o iapuna pouco aquecido. Sem remover-se a casco ·~ sem sal ou
Obtém-se uma farinha de <<caroços>> outro qualquer ingrediente, assa-se
grandes, brancos, que é utilizada pa- inteira na brasa e come-se sem dei-
ra doces. xar esfriar muito. Tem gôsto de cas-
30. FOLHA tenra de mandioca tanha européia ossada, como diziam
(condimento). Pisada, temperada com os cronistas das fndias.
sal e pimenta, é usada p·elas popula- 36, MACAXEIRA cozida (prato).
ções do interior nos guisados. Apro- Corta-se a macoxeira ·~m pedaços,
veita-se também o grêlo da mandio- descasca-se e cozinha-se nágua e sal.
ca •a da macaxeira. Come-se fria.
31 , GOMA (conduto), Repete-se 37. MA·ÇOCA {massa alimentícia).
o mesmo tratamento dado às fa- E extraída das aparas da mandioca
rinhas, com a condição de não ir ao { curera) que ficam na urupema quan-
iapuna (fôrno) em hipótese alguma, do se peneira a massa integral. Tri-
curando-s·e a massa ao calor do sol, tura-se e pen•zira-se até se conseguir
bem espalhada em tendais de zinco um subproduto farináceo finíssimo.
ou de fôlha de pacova-sororoca ( ba- Serve paro mingaus de crianças, pa-
nar.•=ira). Pela sua consistência e le- pinhas para convalescentes, gestan-
veza é utilizada na confecção de bis- tes. Registado pelo dr. Alfredo da
coitos, bombons; constitui parte essen- Mata { C1ontribui~ã·o aio Estudo d·o· Vo-
cial do tacacá, para tanto· devendo cabulário A·mazo1nense, 219).
ser conservada sempre fresca em 38. MANDIOCÁUA (prato), Min-
água mudada di·àriamenflz. Para o ta- gou diz arroz feito com o suco doce
cacá é cozida, ficando gelatinosa. da macaxeira.
Neste ponto, com temperos, é também 39. MANIÇAUA ou maniçoba ( pra-
chamada goma, grude, angu de ta- to J. Guisado de fôl has novas e gre·
'
p1oca. los da mandioca, pisados no induá

60
(pilão) e temperado à vontade. An- massa da mandioca misturada com
tigamente, entre os pov,os indígenas, massa de milho. Vai ao iapuna (for-
adicionava-se peixe moído ou carne no), aglutina muito e se faz dela o
de tartaruga; hoje mistura-se com car- pã·o ou bôlo de conserva chamado
ne de gado, toucinho, língua, tripa, pão de guerra. Envolvido em fôlhas
livro e fiambre. Dessa comida disse o e entaniçado, é enterrado, guardan-
sábio brasileiro dr. Alexandre Rodri- do-se de 1 1 ~serva para os dias ruin1.
gues Ferreira {Op. cit ., LI: 89) : <<Ma- Dêsses pães, de que damos em apên-
niçoba no Rio Negro é uma comida, dice dois decalques do natural e uma
que se foz das fôlhas da maniba, pi- fotografia, tem-se achado muitos, in-
sadas e cozidas iuntamente com a teiros e conservados ou em fragmen-
carne, ou com o peix1.:, ou com a tar- mentos endurecidos, ·~m locais ,onde
taruga, também temperados com o se presume tivessem existido aldea-
sal e com a pimenta>>. E o viaiante mentos indígenas ou miracãueras (ce-
Bernardo da Costa ·e Silva ( Op. cit ., mitérios), pois eram também coloca-
113) diz que é <<composto de carne dos ao lado do defunto. Dissolvido
ou peixe, envolto em fôlhas, como nágua podia ser utilizado como fari-
guisado>>. nha. Os que temos visto têm aparên·
40. MANIUARA (prato). Comida eia estranha: !l~ssequidos, encoscora-
feita à base do abdome da formiga dos, de coloração exterior amarelo~
içá ou tanaiura fêm·~a (Atta sexde- pardo.
na) e tucupi, com farinha sêca. Tu- Só encontramos nas pesquisas refe-
do torrado em frigideira à moda de rentes ao suposto pão de guerra uma
farofa. O pov·o chama para o abdo- que se adapta perfeitamente ao que
me da formiga <<bunda de tanajura>>. conheo~mos sôbre o assunto, embora
Ê um prato clássico, ref·erido no pas- dêle falem os cronistas: <<Para o sus-
sado por alguns viajantes e ainda ho- tento, canudos ou cabaças de sal e
je conhecido entre as populações in- pães de farinha de gu erra>> / <<Co-
1

dígenas. zem-na, de forma a tornar-se compac·


41 MANIQUERA (beberagem J. Cal· ta, e envolvem·na em fôlhas>>.56
do da mandioca já fervido mas sem Também temos conhecimento de qu .= 1

~i~r engrossado. Não porta princípio ditos pães são assados n·o biari·bó
tóxic·o, porque a mandioca que o pro- (buraco cavado no chão; sôbre o que
duz é a mandiocáua, variedade que se pretende assar põe-se terra e faz-
se come assada. A maniquêra é fer- se o fogo em cima).
vida com grãos de arroz e de milho, 44. MIMOI (prato). Guisado de ma·
a que se pode acrescentar pedaços coxeira com fôlhas tenras 1~ grelos da
de macaxeira. A beberag1.=m é doce mesma ou de couve.
e agradável ao paladar indígena ou 45. MINGAU PITINGA ( mingau bran·
caboclo. co, prato). Em Pernambuco se chama
42. MANZAPE (doçaria). Bôlo de assim ao mingou feito com a mandio-
milho ou de farinha de mandioca. Re- ca-puba.
ferência de A. J. Sampaio (Op. cit. 46. MOCORORÓ (bebida fermenta-
281 1. da). Ê feita de arroz ou de mandioca,
43. MIAPÉ (pão de guerra). É um fermentado durante uma semana, ad-
pão de regular tamanho, mais ou cionando-se depois açúcar 1.= erva-
menos arredondado, fabricado da doce. t' servida às môças que se tor·

61
ordinária entre os índios do alto rio
Negro, na nossa opinião é de cará·
ter religioso. Em Manaus temos obs1ar-
vado servirem-na nos candomblés de
negros e nas festas do Divino Espírito
Santo e de Cosme e Damiã·o. Pelo
menos nas que temos assistido fre-
qüentement•a.
47. MOQUECA (prato). «Apreciado
alimento preparado com o peixe,
azeite de dendê ou de caiaué, pimen-
ta e outros condimentos>>58, que
se come com farinha sêca ou dágua.
O mesmo que pubi~ca.
48. MUJANGUÊ ( muiauê 1 (pro to 1.
C·omida de circunstância, apreciada
geralmente nos taboleiros, à época
das virações 59. Mistura de farinha
sêca ou dágua com ovos crus de qual-
quer quelônio ou de gaivota, com
açúcar e condimentos outros de oca-
sião. Também se desfaz essa massa
em água fi•asca e bebe-se. É uma co·
mida indigesto, mas comum 60.
49. MUJICA (prato). Comida feito
à base de peixe cozido ou moqueado,
fragmentado, sem espinhas, cozido
O pão de guerra (mia pé) entaniçado
em caldo grosso de tapioca ou fari-
para ser enterrado. Desenho baseado
nha dágua. O dr. Alfredo da Mata
no espécime existente no museu do
distingue-a de mugica {com g), sem
Instituto Geográfico e Histórico do
nenhuma razão plausível.
Amazonas.
50. MUQUECA (prato). Bôlo de
goma de mandioca, •.znv·olvido em fô·
lha de pacova-sororoca (bananeira)
nam mulheres na primeira menstrua· e assado no forno. Existem várias cas-
ção como único alimento de sustân· tas de moqueca no Brasil e sôbre
eia 57. Florival Seraine CSôbre o To- elas discorre A. J. de Sampaio ( Op.
rém, 3) diz ser feita do suco do caju cit., 290/91 J: no Pará - <<guisado
e reservada a diaterminadas pess·oas de peixe ou de mariscos ou de carne,
da festa do torém. Nunes Pereira (0 com pimenta e azeitia, formand·o mos-
Sairé e o Marabaixo, 15/16), na sa a qual é dividida em porções que
descrição que faz das danças popu- são então envolvidas em fôl has de
lares do sairé e do marabaixo, infor- bananeira (no que tem analogia com
ma que é servida a tôdas as pessoas abará, abarém, beiju·muqueca, grude,
presentes. Essa bebida, que Al•.zxan· pamonha, manuê (bôlo manuê) e mal-
dre Rodrigues Ferreira cita de passa- cassá; e mesmo com a mariola, e pa-
gem sem comentários, dando-a como monha de milho viarde (que se enro-

62
Iam em palha de milho 1 e molopan·

ça que se leva ao forno, entre fôlhas •
••
c~e mandioca, para tostar. Gilberto •
Freire, em seu livro <<Açúcar>> indica '
'
bôlo do mato e bôlo·manuê, en· . ''
rolados em fôlha de bananeira. Vi· '•
de moqueca, para verificar uma di· •
ferença de poqueca. / A muqueca '
também pode ser simples guisado de
peixe ensopado e pirão de farinha,
sem ser envolto em fôlha. de ba-
naneira (V.ide Alma1naque do Cor.
rei'o da Manhã, 1939, p. 338). As '•
'
moquecas na Bahio, seg. Sodré Viana, ''
não são envôltas em fôlha de bana- ' •
neira. Em São Paulo, no vale do Pa· ' ••
raíba, o caipira usa a fôlha de bana-

neira ou de caeté (Gentil de (amar- '•
Golba l9d2

•• ••
go); ·e foz. assim muquecas de peixes
( guarus e piquiras, do rio)>>.
••
. - ------- • •

51. PAÇOCA (m'•renda, quebra- Miapé (pão de guerra). Desenho ba-


jejum, farnel). Misturado de farinha seado em um espécime encontrado
sêca, tocarí {castanha) e açúcar. em Manaus, em 1949, por ocasião
Pila-se a castanha com a iarinha ao da abertura da BR 17.
mesmo tempo e vai-se adicionando
açúcar. Também invés da castanha e
do açúcar pode-se pilar carne velho
desfiada, cozida ou assada que sobra quatro a ci,nco dias até mofar. En-
de vésp·era. E tudo reduzido a mosso tão é peneirado em igaçáuas e bebe-
no induá {pilão). Geral menti~ se toma se. Se se des·~ja a bebida muito forte,
com café por causa da fácil circuns- deixa-se azedar mais dias. Pode-se
tância de aderir õ garganta. E farnel ajuntar ao líquido o sumo de frutas 61.
de seringueiro. Também se chama Houve uma fábrica dessa bebido em
ca(1;::fa e panomõ. Monaus (Barra l, ao tempo da Capi-
52. PAJUARU, paiuaru (bebida fer• tania, quando da proibição da entra-
mentada, temulenta). Ê vulgarmente da de aguardente. Os bandos contra
conhecida por aguardente de pajau- a aguardente à~ cana eram severos
ru, mas não contém aguaró~nte de mas inúteis como se pode ver do se-
cana. Já teve um grande prestígio e guinte trecho escrito pelo dr. Alexan-
difusão na Amazônia, principalmente dre Rodrigues Ferreira: «Reparou o
à época da importaçã·o de cachaça _doutor ouvidor Ribeiro de Sampaio,
do reino. E: feita do beijuaçu logo que que o eÍ'3ito desta tinha sido o mes ..
retirado quente do iapuna {forno). mo, que o das outras proibições, e
Põem-no de môlho em água fria, des-enganando-se com o governa·dor,
depois amontoam-no entre fôlhas de que não havia meio de eficazmente
imbaúba ou de pacova-sororoco ( ba- coibir a introdução da aguardente;
naneira}, permanecend·o assim entre antes coibida esta, se não podia coi-

63
bir a outra bebida do pajuaru, ·~ a simplesmente pajuaru>>. ( (ndios Ticu
da aguardente dos beijus, em prejui- nas, l 98 /99) 63
zo das roças da maniba, cujas raizes 53. PAPA de carimã. Alimento lou-
se arrancavam, não para se fabrica- vado por alguns cronistas, inclusive
rem as farinhas, mas para se distila- por Gabriel Soares de Sousa e por
rem as aguardentes, e em carta de 5 Léry, como saudável e 51,;mpre usado
de junho de 1774 represi~ntou a V. pelas populações brasileiras até os
Ex., que visto ser impossível excluir nossos dias. Gabriel Soares também
absolutamente a intr·odução da aguar- fala em caldo de carimã. O alimento,
dente, antes ficar servindo a exclu·
feito da farinha de carimã, é dado
são da de cana, de introdução da
mais a convalescentes ou a crianças.
outra dos beijus; e visto não ter a
54. PAPA de farinha sêca. Alimen-
câmara desta vila di,; que se assegu·
to feito como de costume, adicionan-
rar um rendimento certo para as des-
pesas públicas». (Op. cit., LI: 65) do-se l·~ite fr·esco ou na falta conden-
Hoje só se toma a bebida com mais sado. A fari·nha deve ser antes bem
freqüência entre os índios do rio Ne- peneirada e preferentemente a da
gro (parte) e dos afluentes, e do macaxeira, podendo ser substituída
Solimões (parte). Acresc·~ntamos aqui por surui 64, De papas e mingaus de
uma outra receita fornecida por frei farinha ocupou-si~ Léry.
Fidelis de Alviano: <<Rala-se a raiz da 55. PATAUÁ (vinho). Bebido muito
mandioca e a massa resultante V'Ci pa- refrigerante, feita do fruto da palmei-
ra uma gamela onde fica por espaço ra do mesmo nome a que se acres-
de quinze h·oras; depois estende-se f1lJ· centa farinha sêca ou dágua, impres-
ma espécie de esteira chamada tipi. cindível.
ti62; a tal massa assim enxuta que 56. PIRAU ou angu (alimento).
passar por uma peneira (na pino) feita Mistura de farinha sêca com caldo de
de talo de várias palmeiras. Esta pas- peixe cozido, muito b·em temp.;rado e
ta já refinada é achatada nu1na tela com bastante pimenta. A farinha deve·
de barro de grande formato, ::: dêsse ró ser antes passada na urupen1 0, e
modo obtém-se numerosos beijus. Em posta na panela vai recebendo adi-
seguida empilham-se ·os beijus e põe- ções pequenas do caldo para engros-
se sôbre a pilha o pó das fôlhas tor- sar, mexi~nd·o-se s·empre até que re-
radas da magacheira (s.ic) manisso- sulte uma aglutinação completa. !:sse
ba (sic). ! Cobre-se tudo com fôlhas pirou ou pirão ou angu escaldado é
de magacheira {sic) e deixa-se fer- implemento necessário ao peixe cozi-
m·~ntar por espaço de três dias. Pas- do. Como variante há o pirão em
sado êsse tempo põe-se dentro da caldo de carne, feito por processo
igaçaba, a qual tem no interior uma idêntico, podendo a farinha sêca ser
grade de paus, a uma altura de qua- substltuida por água ,à vontade. Dês-
renta centímetros. Sôbre essa massa se famoso pirão fala o viajante Ber·
deixa-se pingar, por vários dias, a nado da Costa e Silva, que o provou
água fria, a qual se vai colocar no e deve de ter gostado, apesar de
fundo da igaçaba. ~ste liqüido cha- português: <<e um peixe moqueado,
ma-se vinho-d·e-pajuaru. E êst1.; vinho, que comemos com pirão; êste, fari·
fermentado por dez dias, que dá a nha de mandioca amolecida nágua
bebida altamente alcoólica chamada ou um caldo, morno1. em forma de

64
papas granulosas e duras>>. (Viagens panela, onde iá está a água a ferver,
no Sertão, 114) laçam a tipioca diluída em água fria
57, POLVILHO (conduto ouxilior). e a gelatina que daí resulta, depois
Usa-se para obtê-lo o mesmo proces- de adubada com o tucup!, é o almô-
so na feitura da farinha de carimã. ço quotidiano, e não raras vêzes o
Já no iapuna (forno} aquentado a jantar e a ceia dos índios>>.
fog·o brando, tem a tendência de Para um leitor m•2nos familiarizado
óglutinar e embolar, devendo evitar- com os costumes europeus, diremos
se, mexc:-ido sempre, usando as mCios que o ai môço é o desieium, o jantar
de preferência para desfazer os bo· o nosso almôço comum e a ceia o
los. E. consurnic!o na feitura da tapio· nosso jantar de seis e sete horas. Ê
ca65 e tacac6, devendo porta:-itc ser preciso convir que o naturalista teve
conservado sempre fresco, em 6gua a sua formação européia e vinha d1~
n·ova. ló para o rio Negro.
58. QUIÇAMÃ (mingou). Alimento 61. TAPIOCA (alimento). Comida
para crianças novas feito com o pol- apreciada em desjejum ou merenda.
vilho, carimêi ou goma de mandioca. Espécie de bôlo discóide, feito exclu-
59. QUIRÉRA, caruêra, cruêra. Res- sivamente da farinha de tipioca, em
quícios da farinha que não podem frigideira ou forno p•:queno, dobra-
ser peneirados em urupema comum e da d·epois como os beijus ou enrolada.
voltam a ser reduzidos a pó no induá Pode-se untá-lo com leite de tocari
(pilão). S·~rve essa farinha para a (castanha) ou de côco, depois pol-
feitura de mingaus, beijus e doces d·e vilhá-lo com os resíduos ralados. É
várias qualidades. alimento que se apregoa nas ruas em
60. TACACÃ (alimento}. De inspi- taboleiros e caixas ou nas feiras e
ração brasileira, indígena nos ingre- m•arcados, já sofisticado, envolvido
dientes, popularizou-se, tornando-se em fôlhas de pacova-sororoca ('ba-
coqueluche social. Já se verificou em naneira). Esta é mole, não é tostada
Manaus uma {•.:!sta d·enominada Taca- e tem uma côr alvíssimo, desfazendo-
cá dançante. Entram na sua compo- se f,àcilmente. A outra, verdadeira,
sição a tipioca que se põe na água aglutina mais, fica ligeiramente tos-
fervente, donde resulta o grude ou tada e não leva côco.
«g,oma>>, a que se adiciona logo jam- 62. TARUBÃ (bebida fermentada,
bu (agrião}, sal, salsa. O camarão 1,amulenta l. E: feita do beijuaçu. Com
cru, tucupi e pimenta são misturados as fôlhas do curumim {Muutingia ca.
depois em porporções a gôsto. Êsse o laburo L. J reduzidas a pó finíssimo,
tacacá sofisticado que se toma diària- polvilha-se o beiiu, abafa-se com fô·
m·enti~ nas esquinas movimentadas. 1has por espaço de oito a nove dias,
Antigamente não comportava cama- find,o os quais é dissolvido nágua
rão, mas peixe cozido ou tassalhos fresca e está pronta para ser bebida.
de carne, 'ºu nada. O naturalista bra- Receita semelhante é fornecida pelo
sileiro dr. Alexandre Rodrigues Fer- cônego Fracisco Biarnardino d·e Sousa
reira fala dêle (Op. cit., LI: 85} nos em Lemb.ranças e Cur:1osidades do
seguintes têrmos: <<Os índios têm o Vele do Amaz,onos, 157.
cuidado de conservar sempre em água 63. TICANGA, ticuanga, tiquanga
(refere-se à tipioca) a que lhes ser- (alimento}. Bôlo feito de farinha de
ve para o tacacá. Dentro em uma mandioca a que se acrescenta tocari

65
(castanha) ralada ou côco. E assado achou pó. Supõe-se que o mistura-
no forn·o pequeno ( itacuruca). Co- vam com a farinha nas cuias, e me-
mumente se faz em casa, para tomar tidas nágua faziam por modo de
com café pela manhã, as casas po- caldo dooz a sua chamada tiquara.
brozs quando não há pão ou não se Porém faça-lhe muito bom proveito,
pode adquiri-lo. Todavia não é co- que de boa vontade lhe perdoamos
nhecido nas cidades por êste nome, a trav·essura: então experimentamos
mas simplesmente por bôlo de fari- o que nos ins.inuava o venerável pad're
nha. O nome significa mais ou menos fr. Afonso dos Prazeres, varão mor-
no nhengatu do Amazonas falus tificad.íssimo, que o chá sem açúcar
murcho, ou literàriamente indivíduo tinho mais virtud•as, e é bem pouco
sexualmente inútil. Não posso expli- agradável>>. (Viagem 1e Visita ao Ser.
car a relação que ·~xiste entre uma tão, 349 / 50). Outro bispo em visita-
e outra coisa. ção, frei Caetano Brandão, embora
64. TIPIOCA, tipioc, tapioca (mas- não provando certam·ente da bebera ..
sa). Assim se denomina o amido da gem, faz-lhe todavia o melhor elogio
mandioca depois de convenientemen- que já encontramos em qualquer cro-
te tratado, isto é, ralada a mandioca nação histórica: <<palas confrontações
e escorrida totalmente do tucupi, com assentam·os que excediam muito o
a diferença para notar de que a raíz número de cem anos: e assim se ti-
que forn-ace a massa {tipioc) não nham conservado com tiquara, isto é,
deve ser posta de môlho quer dizer, farinha de pau molhada em água,
não é puba. Chama-se' mandioca- que é a iguaria ordinária desta pobre
puba (pua} tôda aquela que antes gente>>. (Memórias, 343).
de ser ralada é posta de môlho para 66. TIQUIRA (bebida J. Bebida fer·
amolecer. Reco] hida depois a massa m•~ntada, altamente alcoólica, produ-
em panela c·om água limpa, guarda- zida pela fermentação a longo prazo
se para as n•zcessidades. É dessa do beijuaçu. O doutor Alfredo da
massa que se faz também o tacacá e Mata define-se assim: <<Cachaça re-
a tapioca. sulta·n·te da destilação do líqüido em
65. TIQUARA (beberagem J. Espé- que foi dissolvido o beijuaçu>>. ( Op.
cie de garapa preparada com a fari- cit., 311 ).
nha sêca ou dágua, diluída em água 67. TUCUMÃ (vinho). O fruto ma-
fria e bebida sem outro qualquer cerado produz um óleo grosso que
acompanhamento. Muito comum entre se bebe, junto com os resíduos, com
as populações indígenas e caboclas, farinha sêca ou dágua. Ê beb•aragem
que às vêzias adicionam açúcar ou de ocasião, merenda, refrescativo.
mel, quando há. Trata-se do famoso 68. TUCUPI (môlho). É o auxiliar
chibé, variando apenas de nome. direto da alimentação do indígena e
Dessa beberagem dizia o escrupulo- do caboclo, espécie de môlho nacio..
so frei João de São José de Queirós, nal. Não se come peixe sem tucupi
escandalizado com a atitude das es- apimentado e mesmo os carn1~s per-
quipações: <<Trazia na canoa 0 des- dem a graça sem a presença dêle.
pensiairo um pote com quatro arrôbas Ordinário, imprescindível, popular e
de açúcar, e depois que se encheu popularizado, dono de uma perspec-
durou três dias, porque ao quarto, tiva histórica qu·e só encontra pare-
em que foi necessário servir, nao se lha a farinha. Obtém-se o tucupi do

66
sumo peçonhento da mandioca azêda b) Alimentos de inspira são alieníge-
ou amarela. Anl·~s de passar a ser na ou mestiça com base na mandioca.
maniac.a (o sumo misturado com água
e fervido para perder o alto teor ve- 70. ABAZÔ ( bôlo). Perece ter ori-
nenoso) chama-se manipuêra. Sõ· gem africana, r.·~lo menos no nome. E
mente depois de transformado em um alimento que se faz de farinha de
môlho, temperad·o, é que se chama mandi·oca amassada com o azeite do
tucupi. Para obtê-lo, espreme-si~ a côco caiaué, levando muita pimenta
massa 1tipioca) da mandioca amar- e t·emperos comuns. Alfredo da Mata
ga no tipiti, urupema ou prensa de cita-o com o nome de abrazô e insi-
madeira, recolhendo-se o caldo ama- nua-o de origem africana e proced·~n­
relo. Deixa-se azedar de um dia para te da Bahia. Completamente desco-
o outro, depois tempera-se com alho, nhecido hoje em dia, a 0 menos com
muito ou pouca pimenta, ao gôsto, êsse nome. Também amazô.
um ou dois pedacinhos d·~ fôll1a de 71. AÇAI com farinha de tapioca
pimenta, salsa, pedacinho de fôlha 1b·eberagem). Serve a~ pequeno al-
de mandioca, leva-se ao fogo para môço, merenda, sobremesa. Veja·se o
coz:ê-lo, eliminando-se assim o pr1n· que dissemos a respeito do uso do
cípio venenoso. açai com farinha sêca.
Alexandre Rodrigues F·erreira classifi- 72. BEIJU com café (ai mocinho, al-
cou-·o como <<mostarda mais graV'~». môço ou merenda l. Muito comum en-
Pode-se obter do sumo da mandioca tre as populações caboclas e m•~smo
várias castas de tucupi: citadinas.
a) tucu:pi ...pixuna ( tucupi escuro J, 73. BIRORÔ (comido). Variedade de
quando aquêle tucupi de que fala- beiju, conhecido no Rio de Ja·neiro,
mos antes, o natural, é cozido duas aliás Guanabara. Abonado por A.J.
vêzes ao fogo e engrossado para ad- Sampaio, op. cit., 218.
quirir uma côr escura; 7 4. BISCOITO de gomo (alimento).
h) tucupiica, quando se junta ao Feito de massa de mandioca (não da
tucupi massa de tipioca, e leva·s·e ao farinha) bem tratada, isto é, trami-
fogo para engrossar; tada para goma muito leve, adicio-
c) Tucupi-quinhãpira, o tucupi de nando-se leite, açúcar manl•~iga. Tem
_genl·~ valente, compósito queimante a forma mais reduzida ' que a da bo-
de pimenta, frutos cortados, sal, fô- lacha co1n que se parece. A êle faz
Jhas tenras de mandioca, e que se r·eferência Alexandre Rodrigues Fer-
come com o peixe ·e a carne, e serve reira de passagem.
.também para conservar o pescado ou 75. BôlO CRU (doçaria). E feito
a caça, de um dia para o outro, à c·om a farinha de tapioca à moda o~
.semelhança dia vinhadalho. '
cuscuz de farinha de tapioca, só va-
69. UNGUI ou tutu (preto). Comi- riando no tamanho. Vide CUSCUZ.
da supostamente geral n·O Brasil, fei- 76. BOLO de farinha sêca (doçaria).
ta de feiião cozido com farinha de Põe-se a farinha de môlho para in-
mandioca ao mesmo tempo. Posterior- char, coa-se e peneira-se, ajunta-se
mente par·ece que evoluiu muito, adi- ovos, mistura-se, faz-se o bôlo com as
cionando-se ao pirão a roupa-velha mãos e frita-se. Pode-se também fa-
(vide). E mais conh•acido por tutu, zê-lo sem p~neirar a farinha nem
.quase tendo perdido o nome indígena. molhá-la, de ocasião .

67
77. BOLACHA 1doçaria). Vide a re- zeira dona Leoniza Santos, Manaus,.
ceita para BISCOITO. A diferença está 1962)
em que o format·o desta é maior. 83. BROA DE GOMA 1doçaria).
78. BO-l.INHO de macaxeira ( doça- Proc.13de-se como na feitura da broa
ria). Raie a macaxeira e tire a goma. de farinha de trigo, com alguma vaR
Junte leite de tocari (castanha), sal, riante: ensopa-se a goma paro ficar
açúcar, ovos, 1zrva-doce, faça os boli- bem mole, põe-se sal, pisa-se o erva-
nhos e asse no forno brando. { Recei- doce, põe-se açúcar, amassam-se os
ta fornecida pela senhora do,na Ge- bolinhos e põe-se em taboleiro den-
raldina Monteiro, Ma naus, 1962) tro do forno. Quand·o alourar 1.zstó
79. BOLINHO DE MACAXEIRA com pronta a broa. E um doce muito apre-
queijo {doçaria). Receita: um quilo de ciado pela sua leveza e fácil digestão~
macaxeira cozida e passada no es- 84. CABO RÉ 1doçaria). Bôlo de
premedor; meio quilo de queijo ralado mandioca misturado com farinha de
iasal. Amasse tudo muito bem amas- trigo, assado na brasa, ao espêto~
sado, junte uma colher de manteiga Informação de A. J. Sampaio, op. cit.,
e frite em banha quente. (Receita for- 221.
necida pela senhora dona Geraldina 85. CAFOFA {prato). Comida do
Monteiro Ma naus, 1962) nordeste (Ceará), <<feita de carne sêca
'
80. BOLINHO DE FARINHA de ma- frita e farinha de mandioca, sem ser
caxeira (doçaria l. Procede-se como moída ou pisada. Na Amazônia i•~m
na f•.;itura do mata-fome 1doce de o mesmo nome>>, segundo A. J. Sam-
macaxeira) , mas os bolinhos são fri- paio, op. cit. 224. O dr. Alfredo da
todos em azeite depois de aquenta- Mata informa a mesma coisa, dizendo
da a frigideira. (Receita da tacacàzei- que o conduto misturad·o é a farinha
ra dona Leoniza Santos, Manaus, surui ou sêca (Contribuição oo Estudo
1962) d.o Vocabulário Amazonense, 98).
8 i. BÔLO de macaxeira (doçaria). 86. CAPETÃO {pão). Trata-se de
Receita: rala-siz dois quilos ou mais uma casta de <<pão de forma alon-
de macaxeira, tira-se a goma em um gada, que se prepara entre os dedos,
pano, adiciona-se leite de tocari (cas- com farinha e feijão>>, diz A. J. d·~
tanha) à vontade, açúcar, sal, uma Sampaio (Op. cit., 228), mas nós dis-
co!l1er de manteiga, dois ·ovos, erva- cordamos desta informação o co-
doce. Assa-se ·em fôrma untada com meçar pel·o nome. Realmente trata-se
de apenas um modo de comer o feijão.
manteiga. {Receita forn•zcida pela se-
com a farinha amassados. O ca,pitão
nhora dona Geraldina 'Monteiro, Ma-
e não capetão é um bocado que se
naus, 1962)
ajunta ent11a os dedos na beira do
52. BôlO POBRE {doçaria). Faz-se
pra~o para depois comê-lo. Faz-se isto
com a farinha de tipioca. Ajunte-s·e também para as crianças.
quatro gemas de ovos em litro e meio 87. CHOU~IÇO de goma {doçaria).
de far:r1ha de tipioca (tapioca) gra- Doce feito corr sangue de porco, fa-
nulada, ervc:-doce, um côco ralado, rinha de mandioca e temperos. Cf.
duas colheres de manf•~iga, uma co- A. J. de Sampaio, abonando Gilberto
lher de fermento. Unta-se a fôrma Freyre, op. cit., 240.
com manteiga e leva·se o bolinho ao 88. COALHADA com farinha sêca
forno. (Receita fornecida pela tacacà- (quebra-jejum, almôço, merendo)~

68
Prato comum às zonas de gado, raro cuxá>>. R·eferido por A. J. de Sampaio,
nas cidaC:•.;!s como alimento constante. op. cit., 246.
89. COBU (prato). Angu assado, 94. ENGANO (doçaria). «(no E. do
segundo informação de A. J. de Sam- Rio) : espécie sui gene ris de biscoito
.Paio, op. cit., 241. fôfo, feito de polvilho azêdo, coalha-
90. CROQUETES de macaxeira (do- da•.; sal, assado em bandeia ao forno;
çaria). Essas croquetes podem ser co- cresce muito e fica cheio de ar, pelo
midas sem acompanhamento, com es- que o tamanho engana, quanto à
timulantes alcoólicos ou simplesment·e quantidade de substância; vide tam-
podem ser servidas ao almôço e me- bém peca ·e poquinha>>. Referido por
r•.;nda. Cozinha-se a macaxeira c·on1 A. J. de Sampaio, op. cit., 249. Invés
sal, passa-se na máquina de moer, de Estado do Rio deve ler-se Estado
põe-se ovos e manteiga, amassa-se da Guanabara. A poca também é co•
para ligar, fazendo-se o bôlo com· nhecida na Amazônia, mas não po-
prido e ôco. Depois de recheado de pularizada, par•zce-nos. Para evitar-se
carn•.; moída em refogado, obtura-se dúvidas declaramos que aqui o pol-
JJ parte ôca e frita-se em azeite quen- vilho é de mandioca.
te. E mais saborosa comida quente. 95. FARINHA GORDA «do caipira do
91. CUSCUZ DE FARINHA de tapioca vale do Paraíba, no E. de S. Paulo:
(doçaria). Receita: um litro de 1~ari­ farinha ou fubá, molhada nágua e
nha de tapioca granulada, um côco cozida depois na gordura até ficar
ralado ou toca ri (castanha) ralada granulada, mexendo-se sempre na
em proporção. Mistura-se com a fari- panela>> (Seg. Gentil de Camargo),
nha de tapioca e deixa-se d•.; lado. referência de A. J. de Sampaio, op.
Põe-se um litro dágua a ferver e nela cit., 254.
uma boa colher de açúcar com uma 96. FARINHA SÊCA cam café ( almo-
pitada de sal. Quando a água está cinho merenda). Usual na Amazônia,
'
à falta de coisa melhor como des-
fervendo escalda-se a farinha, prepa·
ra·se o bôlo em pit•~s ou prato, aba- jejum ou merenda.
fa-se com outro prato. Hora depois 97. FARINHA DE TAPIOCA com café
está pronto para ser comido barrado ( alm·ocinho, m·erenda J. fdem.
de manteiga. (Receita Fornecida pela 98. FARINHA SÊCA com leite de
tacac-àzeiro dona leon.iza Santos, Ma· vaca (quebra-jejum, almôço, meren·
naus, 1962). Outra receita, também da). Nas regiões d•.; gado usa-se mui-
to comer pela manhã uma boa tigela
comum, mo11da que s1.; abafe o cuscuz
de leite com farinha sêca, havendo
com um guardanapo e se o aplique
mais farinha do que leite. Y·erdadeiro
à bôca da panela, recebendo assim
pirõo de· leite, como é conhecido sem
o vapor e cozinhando ràpidamente. que seio univi.;rsalmente assim cha-
92. CUSCUZ de farinha de tapioca mado. Em casos difíceis também serve
com café ( queima-bôca, merenda). de almôço e de janta. Na cidade usa·
93. CUXÂ (prato). Feito de <<fari- se fazê-lo com 1 eite condensad·o, mas
nha de mandioca, quiabo, fôlha de não se junta açúcar como no outro
vinagreira { ?) , a qu•.; se junta gerge- caso.
Jim torrado e reduzido a pó. Depois 99. FAROFA (conduto). Na feitura
de bem cozido, deita-se o cuxá sôbre pode-se usar indistintamente mantei-
arroz e a isso chamam <<arroz de ga ou azeit•.;, sal, postos na frigideira

b9
e depois ir adicionando a farinha pe- 1 02. FRITO de farinha de mandioca
neirada ou suruí, até obter consistên- {doçaria). Reoaita: ponha de môlho,
cia. Usualmente, para que a farofa depois de peneirada, uma boa quan~
não fique muito sêca brinda-se com tidade de farinha. Quando tufar, jun-·
ovos picados, chouriço, az·eitonas e te ovos, sal, açúcar, e frite em banha.
carne miúda. A farofa é implemento quente. Numa vasilha à parte mis-
dos pratos onde entra a tartaruga ture açúcar com canela em pó e vá
ou outros quelônios, principalmente a passando os bolinhos amassados à
fam-0sa <<farofa d•.? peito>> ou a não mã·o. A mesmo receita podtz ser uso·
menos «farofa de casco», preparadas da s·em polvilho. {Receita -fornecida.
com a própria carne e miúdos do ani- pela senhora d. Geraldina Monteiro,
mal e levadas ao forno para assar e Ma naus, 1962),
torrar. l 03. GUERERÉ (prato). Guisado fei-
100. FILHÓS {doçaria} . Antes de to com as vértebras dorsais e a tripa
receitarmos a moda do bôlo ma.is grossa do pirarucu. Come-se mistura-
clássico no Brasil, na nosso opinião, do com farinha sêca ou d'água.
convém chamarmos a atenção do lei- 104. GELÉIA DE TAPIOCA (almoci·
tor para o que diziam os cronistas de nho, merenda). A. J. de Sampaio {op.
quatrocentos an·os, e que ió rzferimos cit., 260) fala em decocto espêsso de
antes, a resp·eito dos filhós. Apesar tapioca. Deve de ser a mesma coisa
do dr. Alfredo da Mata falar dos nos- que grude.
sos conhecidíssimos beijus c·omo filho- l 05. GONGUINHA (beberagem per·
ses, na Amazônia isto não é verdade: nambucana): <<bebida fermentada, d1.;
beiju é beiju, sempre f·oi, e filhó é farinha de mandioca, água e açúcar;
coisa diferente, fizito de maneira di- tem analogia com o chibé, do nor-
versa e com mat·erial diverso. Real- d·este>>, diz A. J. de Sampio, op. cit.,
mente o filhó verdadeiro é feito de 261 . Não cremos que haja essa ana-
farinha de trigo, mas com êste há a l·ogia, desde que a beberagem ou be·
comparação dos nossos beijus pelos bida é fermentada; o chibé não o é,
cronistas, inclusive pelo bom padre passando a s·~r mais um refrescativo
Anchieta. Talvez a saudade da terra ~m certas oportunidades e em outras
levasse algum cozinheiro a experi- almôço ou janta, conforme a n·eces-
mentar a farinha de mandioca na :;idade.
feitura dos filhosi.;s e a coisa pegou l 06. INHOQUE ( bôlo). Receita, co·
de maneira definitiva: filhós d·e fari· zinha-se a macaxeira, machuca-se bem
nha de mandioca e filhós de farinha ou passa-se na máquina de moer,
de macaxeira. O processo é o mes- põe-se no panela, adicionando-si.; três
mo para os de farinha de trigo, ape- gemas de ovos, sal, manteiga (uma
nas levando farinha de mandioca ou colher); farinha de trig·o só para evi-
farinha de macaxi.;ira ou ainda ma- tar qu·e a massa depois de bem aglu-
caxeira ralada e peneirada e mel. tinada ligue à panela. Quando a mas..
Também no Ceará é feito da maca- sa está pronta, estende-se na tábua,
xeira denominada pacaré, com mel, faz-se como na operação pastel e
de acôrdo c·Om a versão de A. J. Sam- leva-se a outra panela com água
paio, op. cit., 257. para ferver, com sal. Quando o bôlo
101. FôFA (doçaria J. Doce de man· {inhoquel flutua é que está em pon-
dioca. Vide ENGANO. to de ser retirado, tira-se com escu-

70
madeira. (Receita de d. Anita Mon- côco ralado; em Sergipe é beiju die
teiro, Manaus, 1962). tapioca com leite de côco, assado ao
107. JACUBA (beberagem); (ali- fôrno, a fogo brando, envolto em
mento). Por êste nome são conheci- fôlha de bananeira>>. Referência d•e
dos dois tipos de alimentos, um dos A. J. de Sampa.io, ap. cit., 27415.
quais muito comum na Amazônia. A 113. MANAMPANÇA, malampança
jacuba, tiquara ou chibé constituem (alimento). Beiju sofisticado (de ori-
a mesma coisa. Por outro lado exist•a gem indígena) em que entram açú-
uma espécie de <<pirão doce, feito de car e erva-doce. E envolvido entre
farinha de mandioca, açúcar (ou fôlhas de mandioca e tostad·o em fogo
mel ou rapadura) e água, levando brando.
às vêzes um pouco de cachaça>>, d•.; 114. MANUÊ 1doçaria). Bôlo de
que fala A. J. de Sampaio ( op. cit., massa de mandioca fresca <<com lei-
267) e que parece ser o mesmo chi· te de côco, três xícaras d'água, man·
bé, s·endo que na Amazônia não é teiga, erva-doce, cravo e açúcar; feita
adoçado com rapadura, mas o chibé a massa é dividida em porções que
mesmo pode ser bebido com uma se enrolam em fôlha de bananeira,
adição suplementar de cachaça, para para assar em fôrno quente>>. Refe-
reforçar. rência de A. J. dia Sampaio, op. cit.,
108. LÍNGUA DE MULATA 1pão 281.
doce). Duranl•a muitos anos foi ven· 115. MATA·FOME 1doçaria; bôlo de
dida em Manaus uma espécie de lâ· macaxeira l. Rala-se a mocaxeira,
mina de farinha de trigo e de man- deito-se uma pitada de sal, mistura-se
dioca, amar·elinha e torrada, muito uma colher de manteiga, um côco ro-
procurada para substituir o pão ma- lado, erva-d·oc·e, cinco gemas de ôvo,
tinal. Desapareceu. A. J. de Sam- mexe-se bem para aglutinar •a pÕe·se
paio fornece a receita: ovos batidos, açúcar ao gôsto. leva-se ao fôrno
raspas dia mandioca e açúcar. Op. (Receita da tacacàzeira dona leoní·
cit., 272. zia Santos, Manaus, 1962).
109. MACAXEIRA cozida n ' agua . e Outra receita: Rala-se dois quilos ou
sal 1ai mocinho, mer·enda). Toma-se mais de macaxeira, tira-se a goma
café no interior da Amazônia com a com um pano, adiciona·s·e leite de
macaxeira, onde não há fábricas de tocari (castanha) à vontad1ç, açúcar,
pão ou mesmo quando há falta dêle. sal, uma colher de manteiga, dois
11 O. MACAXEIRA com mol de cana ovos, erva-doce e asse em fôrma
(sobremesa l. A macaxeira cozida, '
untada com manteiga. {Receita da
fria, com mel adicionado na hora, ao senhora d. Geraldina Monteiro, Ma-
gôsto, é ainda uma das sobremesas naus, 1962).
requeridas, pelo m·enos em Manaus. 116. MAXIXADA (prato). Guisado
111. MACAXEIRA frita (conduto, de maxixe (maior quantidade), jeri-
merenda, quebra-jejum). Corta-se a mum (obóbora), quiabo, pimenta do
macaxeira em rodelas (discos), lava- reino, o~bola, coentro, alho, vinagre,
.. se bam e vai-se deitando as rodelas salsa, chicória e caldo. Come-se com
na frigideira onde ferv·e o azeite. farinha, misturado:
112. MAL-CASADO, malcassá 1ali- 117. MEXIDO (prato); (doçaria).
mento). Em Pernambuco é <<beiju de Vulgarmente é uma comida onde en-
massa de mandioca, recheado de tram vísceras, carne sêca, etc, que

71
se come com farinha. É também o 121. MINGAU DE FARINHA DE TA-
nome de um doce feito com maca· PIOCA (prato). O processo é o mes-
xeira ralada e p.;n·eirada a que se mo da cota anterior, sendo que neste
adiciona um pouco de casca ' de limão, caso se usa a farinha de tapioca
calda de açúcar e mel. (tipice).
118. MINGAU DE CARIMÃ (prato e 122. MINGAU DE GOMA (prato).
conduto-). Material: farinha de cari- É feito pelo mesmo processo da cota
mã, tocari {castanha), açúcar ao gôs- 119, diferindo apenas em que a goma
to. keccita: põe-se primeiramente a ilÕO pode ser molhada.
água a ferver com sal. Quando ·está 123. PE DE MOLE:QUE (doçaria).
f•.:!rvendo, umedece-se a farinha de Existem duas variedades: escuro e
carimã para que fique encaroçada e amar·~linho, conforme o material usa-
deita-se dentro da água fervente. Ra- do na sua fabricação, isto é, respec-
la-se a castanha ·e mistura-se à água. tivamente a farinha de carimã ou a
O açúcar depende da vontade, geral- farinha d'água. Faz-se com a farinha
mente não S'.;: usa. A maior importân- passada na urupema (peneira), ca-
cia dêsse mingou para o caboclo da nela, um côco ralado, erva-doce, sal,
região do .'v\anaquiri é que serve de açúcar, manteiga (uma colh·er). Mis-
conduto para os vinhos de caiaué, tura-se, amassa-se, dá-se a forma
bacaba e patauá. Todavia pode-se achatada, tabular (há vários ta ma·
tomar ·O mingou isoladamente. nh·os) enrola-se en1 fôlhas de pa·
'
cova-sororoca (bananeiral e põe-se
119. MINGAU DE CARIDADE ( pra-
to). Peneira-se a farinha (melhor de a assar no fôrno ou sôbre brasas.
macaxeira) numa vasilha adiciona-
1,;: (Receita do mestre Ariolino Cruz,
se aos poucos a água fervida já vendedor de tabol•=iro. M a n a u s,
temperada com sal, alho, pimenta do 1951).
reino e manteiga. Pode ser empre- 124. POCA. Vide cota 94. Et-IGANO.
gada a farinha suruí com o mesmo 125. PUCHERO ou fervido, << {no Rio
resultado. Há outro process·o em que Grande do Sul): cozido de carne e
entra a gema d·~ ôvo de galinha. É hortaliças, para comer com farinha
alimento de sustância, empregado de mandioca>>- Referência de A. J.
para levantar as fôrças aos comba- Sampaio, op. cit., 256 e 307, nesta
lidos, tomado como desjeium. última r<!ccita acrescentando-se osso
120. MINGAU DE FARINHA DE fresco.
MANDIOCA (prato). Põe-se a fari- 126. PUDIM de macaxeira (sobre~
11ha de mandioca de môlho para in- mesa)_ Cozinha-se boa quantidade de
char numa panela à parte, em água macaxeira e passa-s·e na máquina.
fria. Noutra panela cozinha-se o leite Junta-se à massa dois copos e mais
d·~ gado com sal e açúcar. Quando um bocado de leite de toca ri ( cas-
a farinha estiver bem inchada, de tanha), ovos, sal e açúcar a gôsto,
maneira que a água tenha desapa- deixando ficar a massa cor1sistentia
recido, deita-se na panela que está mistura-se mais duas colheres de man ..
fervendo com l•.=ite. Querendo, invés teiga e leva-se a assar em fôrma un-
do leite de gado pode-se usar leite tada com manteiga. Pode-se usar ain-
de côco ou de toca ri (castanha). da o bagaço da casta·nha com·o pol-
(Receita fornecida por dona Anita vilho. A fôrma deve ter o cone no
Monteiro, Manaus, 1962). meio. A macaxeira d•ave ser cozida

72
antes de passada na máquina e bem máquina, ajunta-se ovos e manteiga
escoada da água. e estende-se no taboleiro untado com
127. PUDIM de farinha de tapioca rr1ant•~iga, fazendo uma fina camada
{sobremesa). Receita: um copo de para d·epois poder enrolar. Leva-se
farinha de tapioca; um copo de leite a·o forno a fim de que os ovos fiquem
de côco; três ovos; uma lata de l•zite cozidos, depois tira-se da fôrma com
condensado; uma cal her de sopa bem o auxílio de guardanapo úmido. De-
cheia de manteiga; duas cal heres de pois de frio, encha com carne moída
côco ralado. Modo de fazer: põe-se ou camarão e enrole com cuidado
a farinha de tapioca de môlho no para não partir-se.
leite dz côco. Batem-se os ovos, de- l 33. ROSCA de goma 1doçaria).
pois de bem batidos põe-se uma co- Ma1•zrial: côco, manteiga, goma e
lher de manteiga -e ·O leite, batendo- ovos se quiser. Modo de fazer: aque-
·se bem. Depois que a farinha estiver ce-se a água com sal e vai-se pondo
mole, d·~speja-se o leite e os ovos jun- dentro, aos poucos o côco ralado, a
tamente com a manteiga. Enfôrma-se manteiga e a goma,' mexendo-se sem-
com açúcar queimado e leva-se ao pre. Querend-o, ajunte •zntão os ovos.
fôrno para assar. Quando estiver ligando b·em, tira-se,
128. PURÉ de macaxeira (prato au· modela-se a rôsca, põe-se no tabo-
xiliar). Cozinha-se a macaxeira com leiro untado com azeite e unta-se tam-
sal, amassa-se ou passa-se na máqui- bém a rôsca para não aderir e assar
na, põe-se manteiga e leil<z mexe-se melhor. Vai ao fôrno para assar mas
bem para ligar. Serve-se assim' mes- não dizve queimar nem tostar.
mo. 134. ROUPA VELHA {prato). Farnel
129. PURÉ com recheio de carne de seringueira, a Amazônia. Prepa-
(composto) (prato j. Cozinha-se a rada com a carne sobrada de vés-
macaxeira com sal, moi-se na máqui- pera, migada e temperada, metida
na, iunta-se leite •z manteiga. Amas- dentro da farinha simples ·ou paçoca.
sa-se bem para ligar. Arruma-se no Como é muito sêca os trabalhadores
<<pirex>> uma camada do puré e outra rurais acompanham-na sempre com
de refogado de carne moída, cobrin· uns golinhos de cachaça.
do-a de puré novamente. Espalha-se 135. SARAPÓ. Variedade e!, beiiu
por cima gema de ôvo de galinha e citado por A. J. de Sampaio, op. cit.,
l•zva-se ao fôrno. Quando a crosta 216 e 313, ·em que entra o côco. Sem
de gema estiver dura, assadinha, está mais explicações.
pronto para ir à mesa. 136. SOPADEMACAXEIRA {prato).
130. QUJBÊBE (prato}. Composto Faz-se um refogado de ceb-ola, colo-
de massa de jerimum cozido e leite rau, tomate, alho, pimentão e pimen-
de gado ou de toca ri (castanha) com ta do reino. Enche-s•z uma panela com
farinha de mandioca sêca ou d'água. água e quando estiver fervendo põe-
13 l. RAVIOLA 1prato J, «rodelas de -se uns seis pedaços de macaxeira
massa de farinha de mandioca, enro- dentro. Depois de tudo cozido tira-se
lando r~cheio de carne ·ou erva>>. A. com a escumadeira e passa·5'Z no li-
J. de Sampaio, op. cit., 31 O. quidificador com um pouco do caldo,
132. ROCAMBOLE de macaxeira levando a massa para ferver nova-
(prato). Cozinha-se a macaxeira com mente com couve picada, max1xe e
sal e escorre-se bem. Passa-se na outros legumes ao gôsto.

73
137. TAPIOCA COM CAFE (desje- 143. BOLO PODRE FRITO {doçaria J _
jum, merenda). Muito comum na Amolece-sia a tapioca na castanha
Amazônia tomar-se pela manhã ta· ralada em pouca água, adoça-se,
pi oca ( bôlo) com café, na falta do põe-se uma pitada de sal, ovos e
pão ou de bziju. erva-doce. Mistura-se tudo e frita-se
138. VATAPÁ de farinha de maca· em banha quente.
xeira (prato), Põ,e-se de môlh·o a 144. FRITOS (prato). «No sertão
farinha de macaxeiro para inchar, pe- baiano, segundo Sodré Viana: carne
neira-se e coa-se. O resto é como na de porco ou outra, picada •a frita em
receita do vatapá comum. refogado de cebola, pim,enta do rei-
139. VATAPÁ de macaxeira {pra-
no, alho e coentro pilados; salga-se
to). Cozinha-se, •zscorre-se e amassa- e mexe-se com farinha de mandioca
na mesma panela>>. Referência de A.'
se a macaxeira. Faz-se um refogad·o
com azeite de dendê cebola e ca-
J. de Sampaio, op. cit., 258.
marão, adicionando-se' leite de côco.
145. FRITOS DE GOMA (doçaria).
A massa da macaxeira é desmancha-
Dissolva-s•z a goma numa pouca
da separadamente com l·~ite de côco,
em duas porções distintas. Depois vai dágua, de modo que fiqu,e um cal-
à fervura duas vêzes e ajunta-se do grosso. Ponha dois ovos, sol, açú-
tudo, estando pronto para servir. car. A frigideira vai para o fogo com
140. VIRADO (prato). Alimento fei- azeite. Quando estiver quente, dette-
to de carne cozida, alimentada por se uma colher da goma já prepa-
um refogado de sustância ( tempêro rada na frigideira, deixa-se fritar, re·
a voi•zr: cebolo, cuminho 1 pimento do colhe-s•.: a um prato. Qu,erendo põe-
, '
reino, cheiro verde, colorou, etc), se açucar por cima. (Receita prove-
tudo isto depois ajuntado com fori· niente do regiã·o do Manaquiri, cêrca
n ha sêca de macaxeira. de Ma naus, 1962).
141. CUSCUZ DE VIÚVA '. Mote· 146. PE DE MOLEQUE de mocoxeiro
rio!: um côco ralado, açúcar e sal (doçaria). Rale a macaxeira e tire a
dentro d'água. Põe-se a farinha de água num pano. Junte açúcar, sal e
tapioca de môl ho dentro dessa água; erva-doce, m·ex<zndo bem até ligar
quando incha, preparam-se os bolos tudo. Arrume os pés de moleque na
achatados. Rala-se um côco, •a com fôlha de banana e asse no fôrno que,n·
açúcar e um pouquinho d'água só te, com cuidado para não queimar
para um,edecer polvilha-se por cima muito. Não se deve fazer os pés de
dos bolos. Está pronto. Não vai ao moleque muito grossos. ( Rizceita for-
fogo nem cozinha. necida pela senhora d. Geraldina
142. BOLACHA. Espécie de biscoito Monteiro, Manaus, 1962).
chato, feito da massa da mandioca 147. PUDIM CRU de mandioca (do-
peneirada ou não, água e sal, açú- çaria). Ponha a farinha de tapioca
car e g·ordura. Ê chamada cabeça de de môlho no leite da castanha ou de
macaco bolacha de pedra. gado. Quando estiver tufada, meio
' mole, adicione açúcar e uma pitada
* Tôdas as receitas que seguem che- d,e sal. Bata b12m e leve ao gelo no
garam ao nosso conhecimento após pirex. (Receita fornecida pela senho-
a transposição datilográfica, ficando ra dona Geraldina Monteiro, Manaus,
pois fora da ordem alfabética. 1962).

74
148. ROSCA DE GOMA (doçaria). se planta de estaca, o qual, em tem-
Material: goma, erva-doce e óleo. po de um ano, está em perfeição da
Ponha a goma para secar, sem lavar. se poder comer; e, por êste manti-
Depois de sêca, escalde •.; amass-e mento se fazer de raiz de pau, lhe
com erva-doce e óleo, até enrolar. chamam ·em Portugal farinha de
faça as rôscas, ponha-se no taboleiro pau>>. Ao que o interlocutor Alviano
untado com manteiga e leve ao fôrno. respond1z: <<Assim é: quando querem
(Receita fornecida pela s·enhora dona vituperar o Brasil, a principal coisa
Virgínia Coelho, Manaus, 1962. E di- que lhe opõem de mau é dizerem que
ferente esta receita da outra). nêle se come farinha de pau>>.
149. SEQUILHOS DE GOMA ( doça- 3 A obra de Cardim, reunido num
ria). Material: goma, erva-doce, açú- único volume na ·edição brasileira, é
car, manteiga e gema. Escalda-se a constituída de três tratados: Do Clima
;orna e vai-se amassando com erva- e Terra d;o Brasil Do Princípio e Ori·
-d-oce, açúcar, até adoçar. Põe-se a gem dos índio:s do ' Brasil e Narrati-
manteiga (uma colh•zr) e três gemas va Epistolar, ou Informação da Mis-
de ovos. Já com o taboleiro untado sã·o do Padre Cristóvão de Gouvêa
com manteiga, modela-se os sequilhos às Partes d·o Brasil.
1

e leva-se ao forno. (Receita fornecida 4 Deve de ser manioca-mirim ou


pela senhora dona Virgínia Coelho, mandioca pequena.
Ma naus • 1962). S Deve de ser mandioca-grande. As
vê:zizs nas variantes tupis do sul e no
Notas remissivas guarani se permutam fonemas, como
por exemplo: manimbeui -=-:-:: farinha
1 lúca, na Amazônia, é uma liliá· da casca da mandioca.
cea, Yucca gf,o,riosa L., vulgarmente 6 Taia, em tupi, significa raiz; açu
conhecida por flôr do campo. Tam- grande. Não confundir com taiaçu
bém não confundir o tubérculo com porco do mato.
outra planta natural dos desertos do 7 Mandioca escura.
norl 1z do México e sul dos Estados 8 A tradução é mandioca branca.
Unidos da América do Norte, arbo- 9 Podia-se traduzir por variedade
rescente. dotada de apêndice (nariz).
2 Não é muit·o comum aos cronis- 10 Cr·eio ver neste passo uma olu·
tas do Brasil essa designação, que são ao chibé, d·~ que não falam os
se pode ler todavia em Pero Maga· cronistas.
lhães Gondavo, História da Província 11 São bolos feit·os de farinha de
de Sa·nfa Cruz, 18; Ambrósio Fer- abóbora ou outra massa qualquer,
nandes Brandão, Diálogos das Gra·n- inclusive de frutas, com ovos, água
dezas do Brasil, 187 /88. Êste então morna, ma11teiga ou azeite, sal.
é mais explícito: <<Os mantimentos, 12 Bahia, porque para o norte o
de qu·e se sustentam os moradores do aipim é conhecido sómente por ma·
Brasil, brancos, índios e escravos de caxe1ra.
Guiné, são diversos, uns sumam•znte 13 Não é verdade o que diz Ga-
bons, e outros não tanto; dos quais briel Soares d1z Souza: nem na for-
os principais e melhores são três, e ma da fôlha nem na côr nem na colo-
dêstes ocupa o primeiro lugar a man- ração da fécula a mandioca se pa•
dioca, que é o raiz de um pau, que rece com o aipim ( macaxeira).

75
14 Conferir êsse passo com os se· do cronista tem uma atualidade im-
guintes de Pedro de Cieza de León: pressionante e poderia decidir uma
<<Y en algunas partes panem raíces discussão entre adeptos ferrenhos do
de yuca, qu·e son provechosas para paralelismo e da convergência cultu-
hazer pan y brebaje a falta de maiz, ral.
y crianse muchas batatas dulces, que 26 Ésse trabalho continua sendo
el sabor dellas es casi como de cas- atribuição exclusiva das mulheres, e
taíias>> (Crónica, 225) e em Pigafet- descobri vários impedimentos ligados
ta: <<por un cascabel o por una cin- a êle, como por ex·emplo a menstrua·
ta • los indig 1.cnas nos traían un cesto ção. Mulher menstruada não pode
de patetas, nombre que dan a los empregar-se na fabricação de bebi-
tuberculos que tienen poco más o das fermentadas de caráter mágico-
menos la figura de nuestros nabos, y religioso ou simplesmente para di-
cuyo sabor es parecido ai de las versões. Êss·e tabu começa pela co·
castarías>> { Primer Viaje, 48). Além lheita da mandioca, ralação, etc, até
dêstes outros deram depoimento se· à mastigação se fôr o caso.
melhante, confirmado aqui por nós. 27 O mesmo processo é descrito pe·
15 Le Coint, Paul - Amazônia Bra· lo alemão Hans Staden ( p. 431.
sileira Ili. Ãrvores e Plantas úteis {in· 28 Grifos do original. Adiante, na
dígenas e Aclimadas), 2~ edição ilus· página 53, diz êle que os selvagens
trada, Companhia Editôra Nacional, preparavam o cauim com o a·bati (mi-
São Paulo, 1947. lho) onde costumava entrar também

16 Parec·e ter havido engano: auati a raiz de mandiocáua.
é milho. 29 Essa forma consacratória, que
17 Do Rio de Janeiro. Thevet não compreendeu, grafando
18 O bom padre se referia às ilhas cariaiu'bé, d.iscorda com as clássicas
do golfão amazônico. ereiupé (vieste?)
19 São as marés fluviais ou enchen· 30 Poderia tratar-se do caiçuma.
tes dos rios. 31 Êsse remo (Aruapucuitáua = re-
20 Cardim não disse, como o seu mo de Aru) porta virtudes mágicas.
antecessor Gabriel Soares de Souza, Tem forma tôda especial, com a pá
serem os beijus de invenção das mu- mais comprida que larga. Quando se
lheres portuguêsas da Bahia, mas há acha um dêsses remos enterrados
uma semelhança demasiado familiar nos barrancos ou praias, velho e car-
entre os dois célebres tratados. comido, recolhe-se e guarda-se cio-
21 Fi:hós de farinha e ovos. samente, pois o que o possui será
22 Bôlo de açúcar e amêndoas, en- feliz com a sua roça.
volvido numa capa de farinha d,e 32 Os rituais vão perdendo o sig-
trigo. nificado mágico-religioso transfor-

23 Doce confeitado. mando-se em fat-os ordinários na exis-
24 Refere-se certamente ao aluá de tência do homem, que os aceita ou
macaxeira, que ainda hoie se usa em elimina, mas vulgarmente através de
fastos do interior da Amazônia, prin- reformulações.
c:ipalmente p·elo São João. 33 Quando dizem quitibum! ( ono-
25 Usam os nossos índios e cabo- matopéia) metem o remo com mais
clos da Amazônia fazer o mesmo e fôrça na água, ou se estã·o fazendo

com uma perícia notável. O registo farinha, com uma pazada forte.

76
34 Op. cit., 120. Isto se explica pe- 45 Montoya, padre Antônio Ruiz de
lo princípio da comunidade. Sendo a - Arte de l·a Lengua G·uarani ó mm
coisa comum a todos (a roça, para blen Tupi, nueva edición ( 2a.?J, Vie-
exemplo), a bebida extraída da man- na-Paris, 1876.
dioca só pode ser da coletividade e 46 Abonada pelo naturalista brasi-
não d·e um individuo isolado. Quan- leiro dr. Alexandre Rodrigues Ferrei-
do muito pode haver a bebida ou ra, op. cit. 85.
festa da bebida das mulheres e dos 47 Há na' índia Portuguêsa um do·
homens. Há um êrro de apreciação ce c·om nome idêntico.
no que se refere a reunião para co- 48 <<Êsses beijus, de um pé de diô·
mer, que pode s·er contraditado pe- metro e uma polegada de espessura,
los dabucuris. são saborosos, quando logo, ao sai-
35 Evidentemente há êrro nessa rem do fôrno; esfriando, tornan1-se
conclusão. O n1aracá é apenas o ins- coriáceos e são de muito difícil di-
trumento idiofone com que o médico- gestão. É saudável uma pequena es-
feiticeiro (xamã ou pajé) invoca o pécie, em forma de disco ( beiju-chi-
, . , . .
espirita ou esp1r1tos superiores. ca) (sic} ao qual as mulheres dão o
36 Já ficou explicado que n·essa formato redondo, pois a massa, as-
composição entra a mandioca. sada entre discos de hast·es de tu-
37 Rio de Janeiro, Tipografia do pé, conserva-se bem, como biscoito>>.
Correio Mercantil, 1862, 16 ps. ( p. 327} Ininteligível êste passo de
38 Veja-se a referência de Gabriel Martius! Observe-se ademais que êle
Soares de Souza citado: <<Desta cari- está falando de certo sítio do rio Ja-
mã e pó dela bem pen·eirad·o fazem purá {Amazonas) e ap·esar de assis-
os portuguêses muito bom pão>>, etc., tido pelo célebre coronel Ricardo Za-
negado por Léry: <<Embora essas fari- ny, comete erros gravíssimos, de que
nhas, pr.i·n·cipalmente quando frescas, o seu beiju-chica é apenas uma pe-
constituam um bom alimento, saboro- quena mostra. E se êle os cometeu,
so e fàcilmente digestível não se pres- que era estrangeiro, pior ainda o fêz
tam em absoluto ao fabrico do pã·O o anotador.
como pude verificar>>. ( p. 113) 49 A Alimentação S·ertaneja e do
39 No processo comum raspa-se Interior da Am,azônia, 221.
apenas a casca , ficando uma capa re- 50 Tradução: que queima.
sidual de côr parda; ou dá-se um 51 Tradução: que provoca comi-
golpe longitudinal na casca, abrin- chão.
do-a em bandos. 52 Documentário iconográfico em
40 Ainda hoje se chama assim na Staden, Léry e Thevet, citados.
Amazônia e se faz farinha delas: fa- 53 Confira-s·e êsse processo de mas·
rinha de raspa, chamada. tigação preparatória com o da fa-
41 O autor fala em pisar, coisa que bricação do cauim.
geralment·e nã·o se faz, e sim ralar. 54 Diái·c.go das Grandezas d10- Bra-
42 História General de las lndias, sil, 188.
Calpe, Madrid, 1922. 55 Antigamente escrevia-se certo:
43 Floro Médica Brasiliense, 171. ti pi oca.
44 Abonado por A. J. de Sampaio, 56 Machado, Alcântara - abonan-
A Alimentação Sertaneia e d!i> lnte· do Rocha Pito em Vida e Morte do
rio.r da Amazônio, 203. Bandeirante, 226.

77
57 Daniel, padre João, Tesouro citações aqui, remeto o leitor para o
Desco·berto no M·áxim·o Riin Amazo. C?Ue dissemos antes a respeito das
nas, abonado por Nunes Pereira em virtudes da farinl1a em geral.
O Sai ré e o Ma110baixo, 151' 16. 65 Para evitar confusão entre a
58 Por ter vindo da Bahia para o massa da mandioca e a casta de bei·
Amazonas, o dr. Alfredo da Mata in- ju mole ou doce chamado tapíoca,
culca essa comida como de ·origem empregamos os dois têrmos clássicos:
baiana emigrada para o Amazonas. tipioca e tapioca, em suas respectivas
Impossível, porque a ela já se refe- acepçoes.
riram outros viciantes. Vd. Co·ntribui-
ção ao Estudo do Vocabulário. Ama- Pequen10 glossário
zonense, 226.
59 Taboleiros são as praias desco- APARAS - Lascas da mandioca. Ser·
bertas nos meses de setembro-outubro, vem para a fabricação do pão mis-
procuradas pelos quelônios para a de- to. O mesma que raspas, lascas.
sova; viração é o ato de virar o que- ARINI - Tipo de farinha muito tor·
lônio de peito para cima com um mo- roda e· fina, de Tefé.
vimento brusco, quando após a pos- ARUME - Mandioca exposta ao sol
tura êle se dirige para a água. E' aí para preparar-se d·ela o creme de
que se faziam antigamente as come· arubé ( arumé).
dorias de abunã e muianguê, numa ATURÁ (uaturá) - Pa-n·eiro de sus·
destruição criminosa dos eventuais fi· pensão para o transporte às costas
lhotes. Hoje é raro acontecer isto de da mandioca proveniente do roçado.
putiruns na praia. AVIAMENTO - Equipamento de uma
60 Referido pelo cônego Francisco casa de farinha.
Bernardino de Sousa, Lembranças e BIARIBÁ - Forn,o cavado no solo pa-
Curiosidades do Vale do Amazonas, ra assar pão, peixe ou caça envolvi·
120. dos em fôlhas. Por cima põe-se ter-
61 Martius, Op. cit.,_ Ili: 324 {nota ra e faz-se o fogo.
19 J. A nota do revisor nada contém CABAÇA - Meia cuia pequena que
de originalidade. serve para mexer farinha no forno.
62 O autor equivocou-se estranha- CABIU - Suco espêsso da mandioca
mente: esteira diz-se tupé. Tipiti é coi- ralada e espremida.
sa diferente e nem na técnica de te- CAÇABA, caçabe, cazabe - Farinha
c·er se parece com a esteira. ou pão de mandioca e também em
63 Martius (Op. cit., 111, 324, nata
alguns lugares, as aparas da man·
19) diz que na região do rio Japurá
dioca.
a mandioca era plantada exclusiva-
CAITETU - Rolete de madeira incrus·
mente quase ao preparo de bolos pa-
ra a fabricação da bebida pajuaru. tado de lâminas de aço denteadas,
64 A papa de farinha como emplas- em sentido longitudinal, que faz par-
tro tem aplicação muito antiga no te do aviam·ento da casa de farinha.
Brasil, aconselhada pela medicina in- Ê o ralo movido a mão ou a motor,
dígena ~ referida por alguns cronis- intermediário entre o arcaico ral·o de
tas, inclusive o clóssico Gabriel Soa· fragmentos de quartz.o e os processos
res de Sousa, op. cit., 192/93. Como mais modernos de beneficiamento da
nao é oportuno fazermos melhores mandioca.

78
CAPIXAUIARA - Roceiro; o que tra· pors ser escorrido e fervido. Antes
bolha em roça de mandioca. dêsse processo é altamente tóxico.
·CARUÊRA, cruêra - Resíduos da Ai'i.ANIPUÉRA - Suco venenoso da
mandioca que ficam na urupema ao mandioca espremida. Só deixa de ser
peneirar-se a massa crua. tóxico quando misturado com água e
CATIMPUERA - É o mesmo beijuaçu. fervido.
COVA - Buraco onde se enterra coi· MANIQUÊRA - Raiz da mandioca já
sa de palmo apenas o pau de man~ cortada.
dioca. Uma roça se avalia pelo nú- PACOVA SOROROCA - Bananeira,
mero de covas ou de paus que tiver. d·e cujas fôlhas se utilizavam os ín-
CUPIXÁUA - Roça de mandioca. dios e agora o fazem os caboclos,
• CURÊRA - Resíduos da fari·nha dá· para envolverem os beijus, tapiocas,
guo, d·epois de ralada. bolos de carimã , pés de moleque, pão
FLOCOS - Lâminas de massa de man· de guerra, etc.
dioca cozida para conservação. PRENSA - Engenho de madeira em
GRÊLO - Broto tenro das fôlhas da forma de grade forrado d·e fôlhas de
mandioca, ou dos pés, usado nos bananeira, que serve para espremer
guisados 1maniçoba). a mandioca, obtendo-se maior rendi-
IAPUNA - Forno. mento em niassa e tucupi.
IAPUNkÇARA - Forneiro; o que tra· QUIÇAMÃ - Goma de mandioca.
bolha na torração da farinha. QUICE - Faca pequena, pedaço de
iNDUÁ - Pilão removível. t-erçado com que se descasca a man•
~TACURUCA - Sapo de pedra. Três dioca.
pedras que servem de suporte a pe- RASPAS - Vide aparas.
quena vasilha apropriada para tos- RODA - Polia de madeira que faz
tar beijus, tapioca, etc. andar o caitetu por meio de correia
,IUA - Côcho cavado num tronco po· ou corda .
.ra depósito da massa do mandioca TIPIOCA - Massa da mand.ioca ra-
ou fermentação de bebidas deriva- lada. Não é a mesma coisa que a
das dela. tapioca.
IUÀMIRIM - Côcho pequeno; gamela. TIPITI, tapiti Cilindro ôco feito de
Entre as várias utilidades, tem a de talas de arumã, provido de duas al-
receber o caldo ( manipuêra) da ças nas extremidades, uma para sus-
.mandioca esprimida, caída diretamen- pendê-lo de galho ou travessa; a ou-
te do tipiti. tra, inferior, funcionando a modo de
lUQUICE - Ralo de madeira de for- alavanca; pressionada essa alavanca
ma trapezoidal, incrustado de peque- (viga que lhe passa) o cilindr.:.i se
nos fragmentos de quartzo, e que distende comprimindo a massa e dei-
J serve para ralar a mandioca. tando fora o caldo da mandioca.
MANDIOCA FRESCA - É a massa da TURUINA - Meia pá de remo c.om
mandioca conservada em recipiente que se mexe constantemente a fari-
fechado e posta de môlho um dia nha de mandioca no forno.
antes de ser usada. UB.Á ou casco - Canoa monoxila ·on-
MANEMA - Farinha grossa de man· de se costuma deixar a mandioca de
dioca. môlho. Geralmente se trata de ca·
MANIACA - Sumo da mandioca ra· noa velha.
.Ioda, misturada com água para de- Ui - farinha .

79
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81
Résvmé Summary
Les aliments brésiliens préparés avec The Brazilian foods prepared with
le manioc comme base Manihot uti- <:assava or manioc ( Ma·nihot utilis-
lissima, Pohl) font l'obiet de cette sima, Pohl J are the subject of this
monographie qui a reçu le prix Síl- monograph, which was awarded the
vio Romero en 1962. Le professeur Silvio Romero Prize for 1962. Pro-
Mário Ypiranga 'Monteiro ( Faculté fessor Mário Ypiranga Monteiro
de philosophie de l'Etat d'Amazonas) (Amazonas Faculty of Philosophy)
trace une perspective historique du traces the histor.ical role of cassava,
manioc, discute son influence fabu- discusses its mythical influence on the
leuse sur l 'alimentation populaire et eating habits of the people and its
son importance diététique, et finale- dietetic importance, and· finally [ists
ment il donne 149 recettes de cuisine 149 food recipes ( sweets, dishes,
( gâteaux, plats, sauces, etc.} pré· sauces, etc.) in which either sweet or
parées avec du manice doux ou amer. bitter cessava is one of the ingredients.

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