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Resumo
Nas últimas décadas, a discussão sobre o desenvolvimento sustentável tem desencadeado a
necessidade de preservação do meio ambiente, sem desconsiderar as dimensões sociais,
econômicas, entre outras. Para tratar do desenvolvimento rural torna-se necessário dialogar com
a perspectiva da sustentabilidade, onde as estratégias, as políticas públicas para o incentivo a
produção e a comercialização possam subsidiar uma forma de desenvolvimento para as
comunidades rurais, pautada na equidade, na valorização dos agricultores e dos seus saberes, na
diversidade da sua produção, de forma comprometida com o ambiente e a sociedade. A produção
coletiva e/ou agroecológica, assim como as feiras de economia solidária, por exemplo, tem se
mostrado como uma alternativa à sustentabilidade das famílias do campo, por considerarem
fatores que vão além da questão econômica. Dessa forma, o presente trabalho propõe avaliar
aspectos de ordem social, econômicos e ambientais advindos das práticas dos agricultores
familiares da APROFAM (Associação dos Produtores e Produtoras Agroecológicas de Mossoró),
que hora comercializam sua produção na Feira Agroecológica, de modo a analisar se tais práticas
proporcionam desenvolvimento sustentável na agricultura de base familiar. Porém, vale salientar
que ainda existem grandes desafios a serem superados, como a escassez de água, por exemplo.
Contudo, a criação da feira possibilitou acesso ao mercado, organização por parte dos produtores
para adquirir a certificação participativa (OCS), aumento no volume de vendas, gerando renda,
firmando as famílias no campo e acima de tudo gerando respeito ao meio ambiente com práticas
menos degradantes.
Palavras-chave:
Agroecologia, sustentabilidade, espaço rural.
INTRODUÇÃO
O avanço do processo de modernização introduziu para a sociedade dois cenários
distintos, sobretudo para a produção da agricultura. Ao mesmo tempo em que trouxe benefícios
para uns, como os proprietários do agronegócio, desencadeou para outros, como os agricultores
familiares, dificuldade para se reproduzirem, de viabilizarem sua produção frente aos desafios
impostos pelo mercado. Tal problemática é acentuada com o avanço do modelo de agricultura
convencional que tem se mostrado insustentável, sobretudo do ponto de vista socioambiental. O
que predomina nesse modelo é a maximização do lucro e da produção, não levando em
consideração os aspectos sociais das famílias que se vêem obrigadas a abandonar suas terras,
nem tampouco a capacidade dos agroecossistemas1 naturais.
O pacote tecnológico introduzido a partir da Revolução Verde provocou um aumento
na utilização dos insumos para controlar as pragas, no cultivo do solo, na monocultura, na
irrigação, acarretando problemas para a saúde, desequilíbrios naturais, através da extração
excessiva dos recursos naturais, minando a capacidade dos mesmos. Diante de tais desafios
colocados para os agricultores familiares, a agroecologia surge como possibilidade de
sustentabilidade para o meio rural, por dispor de base tecno-científica de estratégias para o
desenvolvimento rural sustentável.
Através das práticas agroecológicas objetiva-se a permanência das famílias no campo
a partir do manejo sustentável dos solos, a conservação dos recursos naturais, a valorização dos
saberes locais, a independência dos pequenos agricultores que comercializam seus produtos sem
a presença do atravessador.
De acordo com Gliessman (2006) a agroecologia desponta a partir dos anos 1980
como resultado da junção entre a Ecologia e Agronomia, que por muito tempo foram consideradas
sem relação. Nesse sentido havia uma distância entre as duas. Enquanto a ecologia se detia ao
estudo dos sistemas naturais, a agronomia preocupava-se com a aplicação de métodos e
investigação científica na prática da agricultura. Desde então a agroecologia tem contribuído para
o desenvolvimento da sustentabilidade na agricultura.
Deste modo, a presente pesquisa tem como objetivo geral analisar aspectos de ordem
socioeconômica e ambiental advindos das práticas agroecológicas vivenciadas pelos agricultores
familiares, de modo a verificar se as atividades desenvolvidas possibilitam o fortalecimento da
agricultura de base familiar.
A presente pesquisa trata-se de um estudo de caso realizado na feira agroecologica
de Mossoró, onde foram realizadas entrevistas dialogadas com produtores que participam da
APROFAM (Associação dos Produtores e Produtoras Agroecológicas de Mossoró) e que
comercializam semanalmente sua produção. Para a realização da mesma, os dados foram obtidos
1
Para Garcia (2001) a estrutura e organização de um agroecossistema estão condicionadas por fatores bióticos, abióticos,
socioeconômicos, históricos e culturais, endógenos, exógenos e pela interação desses fatores.
através de visita in loco, com registro fotográfico e levantamento de dados quali-quantitativos no
período de janeiro de 2012 a março de 2012. Também, adotou-se como procedimento
metodológico, a pesquisa bibliográfica e o levantamento de informações em revistas e sites de
instituições que discutem e desenvolvem atividades produtivas de base agroecológica.
Agricultura Familiar e Sustentabilidade no Espaço Rural
Conforme Guanziroli (2001, p.15) o apoio a agricultura familiar é uma realidade em
países com melhores índices de desenvolvimento, como os Estados Unidos e Japão. Tais países
apresentam traços em comum no que se trata do acesso a terra, e ainda do incentivo à reforma
agrária. Weid (2010, p.4) aponta que referente ao Brasil, é relevante destacar, nos últimos anos, o
aumento de investimento, por parte do Governo, na agricultura familiar, expresso através de
políticas voltadas para extensão rural e assistência técnica, aquisição de alimentos, de produção
de agrocombustíveis, entre outros.
A agricultura familiar consiste em uma prática de agricultura baseada na propriedade
dos meios de produção, envolvendo a participação de toda a família, além de ser desenvolvida no
próprio local de moradia dos agricultores/agricultoras. Nesse sentido, percebe-se que mesmo
havendo um grande investimento na agricultura de grande escala, tornou-se imperativo
reconhecer a capacidade que a agricultura familiar tem demonstrado em desenvolver-se social e
economicamente. Tal fato foi possível graças ao apoio de diversas organizações e dos próprios
agricultores/agricultoras que têm reivindicado melhorias para os espaços rurais, políticas públicas,
e o reconhecimento de sua dinamicidade, favorecendo a comercialização dos seus produtos.
É fato que o processo de modernização originou dois diferentes cenários no âmbito da
agricultura. O primeiro, representado pelos grandes proprietários, que por sua vez eram os
principais beneficiários através da política do agronegócio. O segundo, composto pelos
agricultores familiares, ofuscados pelo processo de modernização no setor rural e pela
consequente dificuldade de produção e comercialização de seus produtos. É nesse contexto que
Wanderley (2009, p.11) diz que “a concentração de terra foi, e continua sendo, a peneira social
que distingue os que serão ou não reconhecidos como capazes de promover o desenvolvimento”.
A agricultura desenvolvida pelos proprietários de grandes extensões de terra é
considerada por muitos como insustentáveis sob diferentes aspectos. Pois, o que predomina
nesse modelo de produção agrícola é a maximização da produção e do lucro, através do uso de
tecnologias, deixando em um segundo plano aspectos do âmbito social, ambiental e cultural,
comprometendo, então, a sustentabilidade dos agroecossistemas.
Nas palavras de Caporal (2001, p.17) ficam evidenciados impactos de ordem
econômica, ambiental e social, ocasionados pelo processo de modernização agrícola:
Diante de tal contexto, entendemos que o olhar voltado, hoje, para a agricultura
familiar consiste em reconhecer que se tratam de atores que vivenciam o meio rural na busca de
autonomia com relação aos sistemas agroindustriais concebendo sua inserção no mercado
agrícola. O que implica perceber que na agricultura familiar encontram-se novas configurações de
vida social que demonstram a inversão da lógica interpretativa de que este é um espaço de atraso
e exclusão. Consiste hoje, portanto, em um espaço de opção de vida em que há diversidade
produtiva, interação com o meio ambiente no qual estão inseridos, de modo que se constitui uma
condição de bem-estar e qualidade para as famílias no campo, sem que precisem vir para o
espaço urbano para usufruírem de tais condições.
Deste modo, torna-se necessário refletir sobre uma proposta de desenvolvimento
rural pautado na sustentabilidade. Para tanto, é preciso reconhecer os elementos naturais, as
tecnologias apropriadas, os aspectos socioeconômicos como interdependentes entre si. Isso
implica numa percepção holística2 entre os diferentes elementos que determinam a produção na
área rural.
Diante da perspectiva de sustentabilidade para o espaço rural é que surgem as
propostas de espaço de comercialização solidária como, por exemplo, as feiras agroecológicas
e/ou da economia popular solidária. De acordo com Gaiser (2003, p. 3) diferentes são as
percepções e opiniões sobre a economia solidária, nesse sentido aponta que:
Dessa maneira, pode-se inferir que para tratar do desenvolvimento rural torna-se
necessário dialogar com a perspectiva da sustentabilidade, onde as estratégias, as políticas
2
Na ciência do século XX, a perspectiva holística passou a ser conhecida com sistêmica. De acordo com a visão sistêmica, as
propriedades essenciais de um organismo, ou sistema vivo, são propriedades do todo, que nenhuma das partes possui (CAPRA,
2006).
públicas para o incentivo a produção e a comercialização possam subsidiar uma forma de
desenvolvimento para o espaço rural, pautado na equidade, na valorização dos agricultores e dos
seus saberes, na diversidade da sua produção, de forma comprometida com o ambiente e a
sociedade. Diante disso tomamos como referência nessa discussão Leff (2006, p. 486):
RESULTADOS
ASPECTOS SOCIO-ECONÔMICOS E AMBIENTAIS
A Feira Agroecológica de Mossoró foi criada 2007. Possui pioneirismo da Certificação
de Produção Orgânica como Organismo de Controle Social (OCS)– Venda Direta, concedido pelo
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) no Rio Grande do Norte. É
caracterizada por se constituir como um espaço de comercialização solidária de um grupo de
agricultores e agricultoras da Associação dos Produtores e Produtoras Agroecológicos de
Mossoró – APROFAM.
Figura 1: Certificado de Organismo e Controle Social
Fonte: Própria, 2012.
A criação dessa associação possibilitou, aos seus sócios, acesso ao mercado,
organização por parte dos produtores para adquirir a certificação participativa OCS, aumento no
volume de vendas, gerando renda e firmando as famílias no campo e acima de tudo gerando
respeito ao meio ambiente com práticas menos degradantes. Como podemos verificar na figura 1,
o certificado de OCS é exposto a todos os compradores, atestando a origem dos produtos.
A criação da APROFAM está relacionada a Lei n0 10.831 que versa sobre a produção,
comercialização e certificação de produção orgânica, condição esta, essencial para a conquista do
certificado participativo – OCS. A feira é composta em média por 14 participantes e possuem o
certificado de OCS. Os (as) agricultores (as) que a compõem produzem em seu próprio lote. É
maçante a participação das mulheres no processo de comercialização. A feira, objeto do presente
estudo, se destaca pela diversidade e qualidade dos produtos, possuindo uma clientela bastante
diversificada e fiel.
No espaço da comercialização é comum a prática de troca de produtos entre os
feirantes, fato, esse, que fortalece os laços de solidariedade entre o grupo. É importante frisar que
não existe concorrência entre os feirantes, pois os preços são definidos pelo grupo. A figura 2,
logo abaixo, ilustra o ambiente de comercialização, retratando a união antes mencionada, sendo
as barracas bem próximas das outras, fora que as barracas em sua grande maioria são dividas
entre dois agricultores.
Figura 2: Feira Agroecológica de Mossoró
Fonte: Própria, 2012.
CONCLUSÕES
O desenvolvimento sustentável das comunidades rurais deve estar pautado em
políticas públicas que considere, em igual grau de importância, os diferentes aspectos de ordem
social, econômica, ambiental, sem desconsiderar as tecnologias envolvidas, principalmente no
processo de produção, e a cultura. E, tais aspectos não devem estar à margem da realidade do
local. A produção coletiva e/ou agroecológica, assim como as feiras de economia solidária, por
exemplo, tem se mostrado como uma alternativa à sustentabilidade das famílias do campo, por
considerarem fatores que vão além da questão econômica, fortalecendo a agricultura familiar.
Porém, vale salientar que ainda existem grandes desafios a serem superados, como a
escassez de água, por exemplo. Como o lócus de produção do grupo estudado está situado na
região Semiárida do Nordeste brasileiro, fica submetido a escassez hídrica na grande maioria dos
meses do ano. Realidade que limita a diversidade dos pequenos produtores, e
consequentemente, a sua renda e subsistência. Dessa forma, torna-se necessário o
fortalecimento das políticas públicas no que concerne a captação, armazenamento e gestão da
água, e, principalmente, a sua distribuição de forma equânime entre grandes e pequenos
produtores.
Essa discussão nos mostra a importância de modelos de desenvolvimento regional,
das políticas publicas territoriais incorporados ao desenvolvimento endógeno. Destarte,
evidenciamos que a agroecologia possibilita aos agricultores/agricultoras determinado grau de
sustentabilidade socioeconômica e ambiental. O que possibilita ao homem/mulher do campo
desenvolverem condições necessárias á sua sobrevivência.
A presente pesquisa trouxe a experiência da APROFAM que se encontra em estágio
embrionário, do ponto de vista do reconhecimento maior por parte da sociedade, ao mesmo tempo
em que se mostra consolidada, pois mesmo diante de muitos desafios enfrentados pelos
agricultores/agricultoras, já existe para essa Feira uma clientela fiel e consciente da qualidade dos
produtos adquiridos. Os agricultores/agricultoras entendem que é viável a produção agroecológica
e o fato de comercializarem em grupo favorece o reconhecimento da agricultura familiar, bem
como tem possibilitado a permanência das famílias no campo.
REFERÊNCIAS
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova concepção dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix,
2006.
GAIGER, Luiz Inácio Germany. A economia solidária diante do modelo capitalista. Disponível
em: <http://www.ufpa.br/itcpes/documentos/eco_sol_mod_cap.pdf.> Acesso em 20 dez. 2011.
GARCIA, Maria Alice. Informe Agropecuário, vol. 22, n. 213, p.30-38, Nov./dez. 2001. Disponível
em:< http://redeagroecologia.cnptia.embrapa.br/biblioteca/agroecologia/garciama.pdf>. Acesso em
19 de jan. 2012.
GUANZIROLI, Carlos E. et al. Agricultura Familiar e Reforma Agrária no século XXI. Rio de
Janeiro: Garamond, 2001. 288p.
Lei n0 10.831. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.831.htm. Acesso em 16 de março
de 2012.
WANDERLEY, Maria de Nazaré Baudel. O mundo rural como um espaço de vida: reflexões
sobre a propriedade da terra, agricultura familiar e ruralidade. Porto Alegre: editora da UFRJ,
2009.
WEID, Jean Marc von der. Agricultura Familiar: sustentando o insustentável? Agriculturas:
Experiência em Agroecologia. Leisa Brasil, v. 7, n. 2, p. 4-7, jul. 2010