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EDUCAÇÃO E

FORMAÇÃO HUMANA:
dos debates ao sentir e agir como
possibilidade de compreensão
e superação da realidade brasileira
Neuton Alves de Araújo
Cristiane de Sousa Moura Teixeira
Francisco Antonio Machado Araujo
Organização

EDUCAÇÃO E
FORMAÇÃO HUMANA:
dos debates ao sentir e agir como
possibilidade de compreensão
e superação da realidade brasileira

2019
Reitor
Prof. Dr. José Arimatéia Dantas Lopes

Vice-Reitora
Profª. Drª. Nadir do Nascimento Nogueira

Superintendente de Comunicação
Profª. Drª. Jacqueline Lima Dourado

EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA:


dos debates ao sentir e agir como possibilidade de compreensão e superação da realidade brasileira

© Neuton Alves de Araújo • Cristiane de Sousa Moura Teixeira


Francisco Antonio Machado Araujo

1ª edição: 2019

Revisão
Francisco Antonio Machado Araujo

Editoração
Francisco Antonio Machado Araujo

Diagramação
Wellington Silva

Capa
Mediação Acadêmica

Editor
Ricardo Alaggio Ribeiro

EDUFPI – Conselho Editorial


Ricardo Alaggio Ribeiro (presidente)
Acácio Salvador Veras e Silva
Antonio Fonseca dos Santos Neto
Wilson Seraine da Silva Filho
Gustavo Fortes Said
Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz

19 módulos
Viriato Campelo
Ficha Catalográfica elaborada de acordo com os padrões estabelecidos no
Código de Catalogação Anglo-Americano (AACR2)
53 módulos
E21 Educação e formação humana: dos debates ao sentir e agir como possibilidade
de compreensão e superação da realidade brasileira / Neuton Alves de
Araújo, Cristiane de Sousa Moura Teixeira, Francisco Antonio Machado
Araujo, organizadores. – Teresina, PI: EDUFPI, 2019.

E-book.

ISBN: 978-85-509-0523-5

1. Educação – Pesquisa Científica.  2. Formação Docente.  3. Prática


Pedagógica.  I. Araújo, Neuton Alves de (Org.).  II. Teixeira, Cristiane de
Sousa Moura (Org.).  III. Araujo, Francisco Antonio Machado (Org.). IV.
Título.

CDD: 370.7
Bibliotecária Responsável:
Nayla Kedma de Carvalho Santos CRB 3ª Região/1188
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 9
PARTE 1 – DEBATES SOBRE PROCESSOS
FORMATIVOS: FORMAÇÃO, ENSINO E 19
APRENDIZAGEM, PRÁTICA PEDAGÓGICA E
CURRÍCULO COMO QUESTÕES CENTRAIS

PEDAGOGAS EM FORMAÇÃO INICIAL: PESQUISA


DE CAMPO SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL E 19
QUESTÕES CURRICULARES
Carla Valéria Lopes Rodrigues
Maria Vanessa Vieira da Costa
Raquel Silva de Oliveira

A FORMAÇÃO DOCENTE E AS PRÁTICAS


PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO DE MÚSICA NA
EDUCAÇÃO INFANTIL 29
Levinsky Alves de Sousa
Lívia Silva Alves
Jânio Jorge Vieira de Abreu

O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL:


SUA FORMAÇÃO ESPECÍFICA, PERSPECTIVA, 47
AVANÇOS E CONQUISTAS
Maria do Socorro de Resende Borges

O CURRÍCULO NAS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS


DA COMUNIDADE ACADÊMICA DO CURSO DE 67
PEDAGOGIA
Jânio Jorge Vieira de Abreu
Carla Valéria Lopes Rodrigues
Maria Vanessa Vieira da Costa
Raquel Silva de Oliveira
O TRABALHO DO SUPERVISOR EDUCACIONAL
JUNTO AO PROFESSOR DIANTE DOS DESAFIOS 87
DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS EM
SALA DE AULA
Marcileide Sobral Xavier
Elizângela Fernandes Martins

MODELOS DIDÁTICOS COMO FERRAMENTA


INCLUSIVA NO ENSINO E APRENDIZAGEM
DE BIOLOGIA
109
Marlene Rodrigues de Carvalho
Sâmia Clara Rodrigues de Oliveira

CURRÍCULO ESCOLAR E INTERFACES


COM QUESTÕES DAS DIVERSIDADES E
MULTICULTURAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
123
Thayná Guedes Assunção Martins
Mary Gracy e Silva Lima

MUSEUS COMO ARTEFATO CULTURAL NA


FORMAÇÃO DOCENTE E PRÁTICA PEDAGÓGICA 139
Alexandre Gomes Soares
Sérgio Teixeira da Silva

O ENSINO DE GEOGRAFIA E A EDUCAÇÃO


AMBIENTAL: ESCOLA, COMUNIDADE E 159
RESÍDUOS SÓLIDOS
Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda

GÊNERO, RAÇA E CLASSE NA EJA: TRAJETÓRIAS


DE VIDA DE MULHERES AFRODESCENDENTES DE 179
SUCESSO EDUCACIONAL
Efigênia Alves Neres

AFETOS E AFECÇÕES: VIVÊNCIA DE CORPOS


Rosalina de Souza Rocha da Silva
197
PARTE 2 - EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE CRISE:
ENSAIOS PARA SENTIR E AGIR 131
OS REVISIONISMOS E OS NEGACIONISMOS QUE
AMEAÇAM A EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA 215
Marta Gouveia de Oliveira Rovai

A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM UM
CENÁRIO DE MUDANÇAS 231
Joelson de Sousa Morais

IDEOLOGIA DE GÊNERO, EDUCAÇÃO E CRISE


SOCIAL NO BRASIL (2018-2019) 245
Lorena Maria de França Ferreira
Rannyelle Rocha Teixeira

SOBRE OS AUTORES 257


APRESENTAÇÃO

[...] uma escola promove a justiça social


cumprindo sua tarefa básica de planejar e
orientar a atividade de aprendizagem dos
alunos, tornando-se, com isso, uma das mais
importantes instâncias de democratização social
e de promoção da justiça social (LIBÂNEO,
2017, p. 14).

C
omo se evidencia no pensamento de Libâneo
(2017), conforme explicitado na epígrafe acima,
cabe à escola criar condições a fim de que se torne
“uma das mais importantes instâncias de democratização social
e de promoção da justiça social”, possibilitando, desse modo,
a emancipação humana dos indivíduos que dela participam
(crianças, jovens e adultos).
Assim, conscientes do papel da escola e movidos pela
necessidade de se aprofundar estudos e pesquisas, “em tempos
de crise”, considerando a relação educação e formação humana
no âmbito acadêmico e político nacional/local, nesta coletânea,
pesquisadores de diferentes áreas, dentre outros, estudantes de
graduação, mestrado e doutorado, professores da Educação
Básica e da Educação Superior, apresentam resultados de suas

APRESENTAÇÃO 9
investigações. Partem do pressuposto de que “[...] a escola é
instituição privilegiada no que diz respeito às possibilidades
de humanização do homem”. (RIGON; ASBABR; MORETTI,
2010, p. 33).
Dessa forma, as investigações se constituíram em desafios
para esses pesquisadores. Primeiro, porque aprofundam
debates sobre processos formativos, em que a formação de
professores, o ensino e aprendizagem, a prática pedagógica e
o currículo são as questões centrais. Segundo, porque autores
denunciam que o papel da escola vem sendo mascarado, em
decorrência da perspectiva empresarial e mercadológica, do
controle ideológico da atividade dos profissionais da educação
por intermédio do Movimento da Escola Sem Partido e da
implantação da Base Nacional Comum Curricular – BNCC.
Só para reforçarmos essa afirmação, em um de seus capítulos,
a pesquisadora Rovai assim pontua: “nos últimos anos, a
educação democrática vem sendo ameaçada em sua liberdade
de ensinar e de aprender, por discursos e práticas advindos de
setores conservadores da sociedade que tendem a desqualificar
o conhecimento secularmente acumulado e produzido nas
escolas e universidades.”.
Feitas as considerações, este livro está organizado em
duas partes. A Parte 1 - Debates sobre processos formativos:
formação, ensino e aprendizagem, prática pedagógica e
currículo como questões centrais -, é constituída de 11 (onze)
capítulos. No primeiro capítulo intitulado “Pedagogas em
formação inicial: pesquisa de campo sobre Educação Infantil e questões
curriculares”, as autoras Carla Valéria Lopes Rodrigues, Maria
Vanessa Vieira da Costa e Raquel Silva de Oliveira apresentam
relatos de pesquisa de campo em que o objetivo foi o de
conhecer a prática pedagógica desenvolvida em determinado
Centro Municipal de Educação Infantil - CMEI com ênfase,
sobretudo, no currículo deste nível de ensino.

10 
No segundo capítulo - “A formação docente e as práticas
pedagógicas para o ensino de música na educação infantil” -, de autoria
de Levinsky Alves de Sousa, Lívia Silva Alves e Jânio Jorge
Vieira de Abreu, esses autores discutem o ensino de música na
Educação Infantil compreendendo que a inserção da música
neste nível de ensino se dá em razão da possibilidade desse
desse ensino garantir o desenvolvimento integral da criança,
além de promover uma perspectiva de ensino em que a mesma
aprenda brincando, condição necessária para que possa
desenvolver suas funções psicológicas superiores. Partindo
deste pressuposto, os autores objetivam neste artigo analisar
como a musicalização é trabalhada na Educação Infantil por
professores não licenciados em música. Após recorrer a um
levantamento das pesquisas já realizadas acerca da temática,
concluem que a Educação Infantil ainda consiste em nível de
ensino que se desenvolve em condições precárias em relação
às inovações metodológicas para o uso e o ensino que envolva
a música. Aliada às essas condições precárias, evidenciam
ainda a fragilidade da formação inicial dos professores que
atuam neste nível de ensino, o que os instigam a reforçar a
imprescindibilidade de formação docente que possa atender às
demandas postas.
Maria do Socorro de Resende Borges, autora do artigo
intitulado “O profissional da Educação Infantil: sua formação específica,
perspectivas, avanços e conquistas”, discute a formação de professores
para educação infantil, destacando as conquistas que este nível
de ensino teve após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional - LDB 9394/1996, conquistas estas
expressas nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica (DCN) e no Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil (RCNEI). Nesse estudo, o objetivo é discutir
a importância da formação dos professores da Educação
Infantil. Para tanto, a autora destaca a necessidade de que esta

APRESENTAÇÃO 11
formação se dê na perspectiva prática e teórica e, portanto,
considera que este aspecto é um dos fatores que incidem na
melhoria da prática pedagógica.
No artigo “O currículo nas concepções e práticas da comunidade
acadêmica do curso de Pedagogia”, os autores Jânio Jorge Vieira de
Abreu, Carla Valéria Lopes Rodrigues, Maria Vanessa Vieira
da Costa e Raquel Silva de Oliveira fazem uma análise das
concepções e práticas de alunos e coordenadores pedagógicos
de três instituições de ensino superior acerca do currículo,
visando compreender como tais concepções constituem a
cultura escolar e acadêmica. O estudo evidencia que o curso
de Pedagogia conseguiu ampliar as composições curriculares,
mas ainda necessita garantir formação para atuação fora do
espaço escolar.
“O trabalho do supervisor educacional junto ao professor diante
dos desafios de alunos com necessidades especiais em sala de aula”
é o título do artigo de autoria de Marcileide Sobral Xavier e
Elizângela Fernandes Martins. Partindo da preocupação com a
inclusão de alunos com necessidades especiais e considerando
que o supervisor escolar atua no planejamento escolar e, por
conseguinte, tem possiblidades de auxiliar os professores ante as
suas dificuldades é que desenvolveram pesquisa com o objetivo
de discutir as contribuições que o supervisor escolar pode
oferecer junto às dificuldades enfrentadas pelos professores
no trabalho com alunos com necessidades especiais. Através
da pesquisa foi possível apontar algumas oportunidades de
melhorias no processo ensino e aprendizagem inclusivo e, assim,
sugerir propostas de planejamento pedagógico que ofereçam à
equipe educacional uma prévia da realidade do ano letivo.
Marlene Rodrigues de Carvalho e Sâmia Clara Rodrigues
de Oliveira assinam o artigo intitulado “Modelos didáticos como
ferramenta inclusiva no ensino-aprendizagem em biologia”, artigo que
apresenta experiência didática desenvolvida para possibilitar

12 
práticas inclusivas destinadas ao ensino de Biologia. Visando
transpor alguns obstáculos presentes no ensino de Biologia,
sobretudo no ensino de microrganismos, é que as autoras
elegeram os modelos didáticos como ferramenta para favorecer
o processo de ensino e aprendizagem dentro de uma dimensão
global, em que o aluno é levado a construir seu próprio
conhecimento. As autoras destacam o valor dessa metodologia
em razão da confecção de modelos didáticos inclusivos pelos
próprios alunos possibilitar sensibilização às causas inclusivas,
levando-os a investigar o material, formular suas próprias
ideias e tirar suas dúvidas através de uma discussão direta
com o professor e colegas de classe, tornando o conhecimento
significativo e prazeroso.
A compreensão de um currículo multicultural está presente
no artigo de autoria de Thayná Guedes Assunção Freitas e
Mary Gracy e Silva lima, intitulado “Currículo escolar e interfaces
com questões das diversidades multicultarais: algumas considerações”.
As autoras entendem que a padronização formativa desejada
e idealizada pelo currículo escolar para certas classes sociais
- as dos alunos das escolas públicas -, atualmente, vem
sendo questionada acerca da sua inviabilidade pela própria
dinamicidade do mundo, dos novos ideários e da concepção de
escola, de homem e de sociedade, reafirmando que o currículo
é um território de disputa, de poder e de ideologias, questões
estas que afirmam a relevância da educação escolar com ênfase
na produção do conhecimento para a convivência harmônica
respeitosa no processo de aprendizagem entre alunos de
diferentes contextos socioculturais por meio do respeito mútuo.
A análise dos museus virtuais como potência educativa
na formação continuada e na prática docente é o objetivo do
artigo de Alexandre Gomes Soares e Sérgio Teixeira da Silva,
intitulado, “Museus como artefato cultural na formação docente
e prática pedagógica”. O museu virtual é um campo novo nas

APRESENTAÇÃO 13
discussões sobre as possibilidades de formação e prática
pedagógica docente, pois há reduzida produção sobre o tema,
em se tratando do potencial dessa ferramenta. A reflexão
evidencia uma necessidade de mais estudos sobre a relação
entre museus virtuais e as práticas pedagógicas no âmbito da
educação.
Antônio Michel de Jesus de Oliveira Miranda é o autor do
artigo intitulado “O ensino de Geografia e a Educação Ambiental:
escola, comunidade e resíduos sólidos”. Aqui o autor discute a
Educação Ambiental desenvolvida pelo professor de geografia
nas escolas da rede pública em comunidades do entorno dos
lixões no município de Parnaíba (PI). O estudo evidencia há
uma tímida postura referente à educação ambiental, seja
por parte do professor de Geografia ou da escola, uma vez
que consideram a inconsistência de pressupostos em seus
planejamentos e discursos.
Efigênia Alves Neres é autora do artigo “Gênero, raça e
classe na EJA: trajetórias de vida de mulheres afrodescendentes de sucesso
educacional”. Neste artigo, a autora, por meio de uma análise
sociológica, assevera que na atualidade ainda permeia no
imaginário social a representação negativa referente à mulher
afrodescendente, bem como os “lugares” “ocupados” pela
mesma na sociedade. Apesar dessas representações sociais,
que as colocam como um dos grupos mais marginalizados da
sociedade, em sua tripla acepção: sexual, social e racial, há
aquelas que estão conseguindo superar os desafios e alcançar
a mobilidade social.
No último artigo desta primeira parte da obra, trazemos
o artigo “Afetos e afecções: vivência de corpos” de autoria de
Rosalina de Souza Rocha Silva, no qual a autora explicita
as ações realizadas por um corpo docente que afetou e foi
afetado criando elos de relações com outros corpos em prol
da educação. A autora ainda destaca que o resultado dessa

14 
vivência indica que existe a possibilidade e indícios de prática
ético-afetiva em que os estudantes consigam sistematizar os
conhecimentos com objetividade em colaboração.
A segunda parte, intitulada: “Educação em tempos de crise:
ensaios para sentir e agir”, compõe-se de três artigos. O primeiro
é de autoria de Marta Gouveia de Oliveira Rovai, intitulado “Os
revisionismos e os negacionismos que ameaçam a educação democrática”.
A autora faz uma importante reflexão acerca do momento
histórico do país, momento esse que tem sido marcado pela
intolerância e pela pós-verdade. Neste cenário, revisionismos e
negacionismos vigentes se constituam em violações históricas
que têm o propósito de desqualificar o passado. Para o
empreendimento dessa reflexão, desenvolve suas reflexões em
duas seções: na primeira, trata do revisionismo histórico e, sob
este aspecto, destaca que o atual discurso acerca do marxismo
cultural já se fez presente na década de 1960; na segunda,
contesta o viés ideológico presente no ideário da Escola Sem
Partido.
Na sequência, o artigo “A aprendizagem da docência em um
cenário de mudanças”, de Joelson de Sousa Morais, é discutida a
aprendizagem da docência em um cenário de mudanças. Neste
sentido, o autor ressalta que os impactos sócio-econômicos-
políticos e culturais atravessam a educação, bem como as
transformações políticas provocam implicações no processo
de formação e desenvolvimento profissional de professores(as)
iniciantes.
No último texto, “Ideologia de gênero, Educação e crise social no
Brasil”, de Lorena Maria de França Ferreira e Rannyelle Rocha
Teixeira, as autoras refletem acerca da educação e ideologia
de gênero num momento de crise no Brasil. As reflexões das
autoras giram em torno de questões, tais como: o que é
ideologia de gênero? Qual o papel do campo educacional em
questões que tangenciam o gênero e a sexualidade?

APRESENTAÇÃO 15
Diante dessas considerações e apresentação, destacamos
que os(as) autores(as) são professores(as) e pesquisadores(as)
que atuam em uma realidade sócio-histórica e que se colocaram
no desafio de escrever, mediante seu pertencimento teórico e
suas características pessoais de expressão escrita, acerca da
educação. Para isso, destacam múltiplos objetos e processos
educativos que constituem a realidade da educação brasileira,
objetivando a promoção de práticas educativas e a necessidade
da produção do conhecimento como atividade coletiva,
mediada pela intenção de transformar a realidade. Enfim, fica
então o convite para se fazer a leitura dos textos e apreciação
desta obra.

Cristiane de Sousa Moura Teixeira


Neuton Alves de Araújo
(organizadores)

REFERÊNCIAS

LIBÂNEO, J. C. Prefácio. In: MORETTI, V. D.; CEDRO, W. L.


(Orgs.). Educação Matemática e a Teoria Histórico-Cultural:
um olhar sobre as pesquisas. Campinas, SP: Mercado de
Letras, 2017. p. 9-15.

RIGON, A. J.; ASBABR, F. da S. F.; MORETTI, V. D. Sobre o


processo de humanização. In: MOURA, M. O. de (Org.). A
atividade pedagógica na Teoria Históric-Cultural. Campinas,
SP: 2016. p. 15-50.

16 
PARTE 1 – DEBATES SOBRE
PROCESSOS FORMATIVOS:
FORMAÇÃO, ENSINO E
APRENDIZAGEM, PRÁTICA
PEDAGÓGICA E CURRÍCULO
COMO QUESTÕES CENTRAIS
PEDAGOGAS EM FORMAÇÃO
INICIAL: PESQUISA DE CAMPO SOBRE
EDUCAÇÃO INFANTIL E QUESTÕES
CURRICULARES

Carla Valéria Lopes Rodrigues


Maria Vanessa Vieira da Costa
Raquel Silva de Oliveira

A
Educação Infantil é compreendida como a
primeira etapa da educação básica, por ser a
fase em que criança tem contato inicial com a
educação formal. Posto isto, vale afirmar que o currículo da
educação infantil com suas nuances torna-se norteador para o
desenvolvimento de uma educação integral e de qualidade de
ensino com foco nos objetivos de aprendizagem para a idade
infantil.
Desta forma, torna-se imprescindível estudá-lo, pesquisá-
lo e situá-lo como emergente para o cenário escolar, a fim de
perceber sua complexidade e possibilidades formativas do
ser humano em processo de desenvolvimento. O currículo é
flexível, não sendo uma cápsula fechada e sim, um instrumento

PEDAGOGAS EM FORMAÇÃO INICIAL: PESQUISA DE CAMPO SOBRE 19


EDUCAÇÃO INFANTIL E QUESTÕES CURRICULARES
educativo e pedagógico sujeito a constantes modificações que
tenciona atender as necessidades dos alunos.
Diante disso, conhecer a organização da rotina da
educação infantil, como elemento organizativo do currículo
escolar, torna-se fundamental para compreender o dinamismo
das práticas pedagógicas neste ambiente e assim estabelecer a
relação entre o currículo prescrito e real.
Para tanto, recorreu-se ao Referencial Nacional para a
Educação Infantil, onde afirma que

“As Instituições de Educação Infantil precisam organizar


um cotidiano de situações agradáveis, estimulantes, que
desafiem o que cada criança e seu grupo de crianças
já sabem sem ameaçar sua autoestima nem promover
competitividade, ampliando as possibilidades infantis de
cuidar e ser cuidada, de se expressar, comunicar e criar,
de organizar, pensamentos e ideias, de conviver, brincar
e trabalhar em grupo, de ter iniciativa e buscar soluções
para os problemas e conflitos que se apresentam as
mais diferentes idades, e lhes possibilitem apropriar-se
de diferentes idades, e lhes possibilitem apropriar-se de
diferentes linguagens e saberes que circulam em nossa
sociedade, selecionados pelo valor formativo que possuem
em relação aos objetivos definidos em seu Projeto Político
Pedagógico” (BRASIL, 1998, p. 9).

Este texto apresenta breve relato de uma pesquisa de


campo realizada na disciplina Currículo da educação infantil no
curso de pedagogia, objetivando conhecer a rotina da educação
infantil, analisar os documentos que norteiam as práticas
pedagógicas desenvolvidas nessa etapa da educação básica e
observar a influência do ambiente escolar na aprendizagem dos
alunos, desenvolveu-se esta pesquisa de campo diagnosticando
a realidade de um CMEI, e estudos de documentos específicos
que normatizam e propõem a organização e construção da

20  Carla Valéria Lopes Rodrigues • Maria Vanessa Vieira da Costa


Raquel Silva de Oliveira
educação infantil com o arcabouço teórico adquirido na
academia.

Metodologia

Para observar a realidade do CMEI e posterior análise


crítica e reflexiva de como se dá a organização e funcionamento
da educação infantil e sua interface com o currículo prescrito e
real, como afirma Gil (2014, p.57), onde defende que,

“[...] no estudo de campo estuda-se um único grupo ou


comunidade em termos de sua estrutura social, ou seja,
ressaltando a interação de seus componentes. Assim, o
estudo de campo tende a utilizar muito mais técnicas de
observação do que de interrogação”.

Corroborando com o referido autor, compreende-se que


para o futuro pedagogo/a é indispensável o contato direto com
o ambiente no qual atuará, assim a pesquisa de campo torna-
se uma ferramenta de aprendizagem fundamental para um
processo de formação mais consistente.
Neste sentido, e de acordo com Bogdan e Biklen (1994,
p. 113), para os quais, “o trabalho de campo refere-se ao estar
dentro do mundo do sujeito”. A atividade e atitude investigativa
possibilitam uma maior aproximação com a realidade dos
sujeitos investigados, propicia uma integração com o modo
de pensar do outro, criando uma empatia que resguarde a
reflexão.
Dessa forma, a afinidade com a realidade educacional
permitiu vislumbrar as experiências exitosas, bem como os
desafios e anseios do campo escolhido. Um dos instrumentais
de produção de dados utilizado foi o roteiro de entrevista,
que, de acordo com Richardson (1999, p. 205) permite uma
estreita relação entre as pessoas, “é a melhor situação para

PEDAGOGAS EM FORMAÇÃO INICIAL: PESQUISA DE CAMPO SOBRE 21


EDUCAÇÃO INFANTIL E QUESTÕES CURRICULARES
participar da mente de outro ser humano”, pois consente uma
proximidade que possibilita entrar na mente, vida e definição
dos indivíduos.
Assim, as atividades de pesquisa ocorreram também por
meio da análise do Projeto Político Pedagógico, observação da
dinâmica escolar e de entrevistas com os sujeitos participantes
na condução dos processos educativos da instituição.
O lócus desta pesquisa foi um Centro Municipal de
Educação Infantil, localizado no bairro Alto da Ressurreição.
Atualmente, atende 260 alunos de 2 a 5 anos de idade
matriculados distribuídos em turmas de maternal I e II, 1º e 2º
períodos da Educação Infantil, divididos nos turnos manhã e
tarde. Este espaço escolar contava, no ato da pesquisa primeiro
semestre de 2018, com os recursos humanos de 27 profissionais.
As instalações físicas do mesmo atendem perfeitamente aos
padrões de estética e funcionalidade com arquitetura planejada
de acordo com as necessidades das crianças.

Resultados e discussão

No que se refere à apresentação de alguns dos resultados


e discussão, cabe ressaltar que, quanto às instalações físicas da
escola, houve uma preocupação em transformar o local em um
ambiente prazeroso, acolhedor e principalmente encantador
para as crianças. Segundo relato da gestão deste CMEI a
estrutura física e pedagógica foi pensado de maneira que
despertasse e favorecesse uma aprendizagem leve e significativa.
Diante dos aspectos formativos do currículo da educação
infantil, perfilhou-se a compreensão de que a partir de um todo
organizado de redes sociais que se interligam podem assegurar
às crianças o desenvolvimento pleno de suas habilidades,
competências e permitirá essa aprendizagem significativa.
Sendo assim, evidenciou-se pelo relato da gestora e equipe

22  Carla Valéria Lopes Rodrigues • Maria Vanessa Vieira da Costa


Raquel Silva de Oliveira
docente que houve uma chamada a responsabilidade de todos
os envolvidos nessa relação para a construção do Projeto
Político Pedagógico (PPP) do CMEI.
É basilar na construção de um currículo que defende os
objetivos de aprendizagem da educação infantil mediada por
uma gestão democrática que promova a participativa efetiva
da comunidade escolar, famílias, estado e sociedade em geral,
conforme preconiza a Constituição Federal, no Título VIII,
Capítulo III, seção I, que trata da educação e assim a descreve
no o Art. 205,

“A educação, direito de todos e dever do Estado e da


família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”. (BRASIL, 2016, p.123, 126,
grifo nosso).

Ao analisar o PPP desta escola de educação infantil, e


ao observar a realidade e a rotina da escola, ouvindo relato na
entrevista acerca do processo de construção e efetivação deste
documento orientador do currículo escolar, constatou-se que
foi construído e fundamentado legalmente visando atender o
objetivo de cuidar e educar crianças para ser e aprender a ser
criança, investindo a participação e o envolvimento de toda da
comunidade escolar, professores, funcionários, pais e alunos
participaram dessa construção.
Este processo colaborativo, segundo a gestão e professores,
deu-se por meio de reuniões de estudos, questionários e debates
com todos os envolvidos no processo para analisar o contexto
social, tendo como base os pressupostos legais existentes que
amparam a criança e que legislam sobre a educação, para
assim proporem ações possíveis de serem desencadeadas a fim
de que o objetivo da educação fosse alcançado.

PEDAGOGAS EM FORMAÇÃO INICIAL: PESQUISA DE CAMPO SOBRE 23


EDUCAÇÃO INFANTIL E QUESTÕES CURRICULARES
Como defende Oliveira e Cruz,

“gestão democrática da proposta curricular deve contar


na sua elaboração, acompanhamento e avaliação,
tendo em vista o Projeto Político Pedagógico da unidade
educacional, com a participação coletiva de professoras e
professores, demais profissionais da instituição, famílias,
comunidade e das crianças, sempre que possível e à sua
maneira”. (OLIVEIRA; CRUZ, 2010, p. 7)

Para fundamentar epistemologicamente e teoricamente


a organização do ensino e o trabalho educativo pedagógico
da escola, objetivou-se desenvolver a formação integral das
crianças de 2 a 5 anos nos aspectos afetivos, cognitivos,
psicossociais de forma a possibilitar uma aprendizagem
significativa e efetiva para as crianças, bem como a construção
do conhecimento nesses aspectos da dimensão formativa da
criança em educação infantil tendo como base o cuidar, o
brincar e o educar, possibilitando que as crianças se apropriem
dos saberes e valores, crescendo pessoal e socialmente.
Por meio de dados obtidos nesta pesquisa foi ressaltado
que no anseio de ser uma escola acolhedora, que compreende
as diferentes necessidades e a diversidade dos seus alunos, sem
deixar de oferecer as condições e estímulos para que as crianças
avancem no seu desenvolvimento cognitivo, motor e social, o
CMEI desenvolve continuamente em seu currículo, atividades
de artes, musicalização, identidade e autonomia, linguagem
oral e escrita, natureza e sociedade, matemática e expressão
corporal. Contemplando assim, o que preconiza o Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil, ao determinar
que,

“Educar significa, portanto, propiciar situações de


cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas
de forma integrada e que possam contribuir para o

24  Carla Valéria Lopes Rodrigues • Maria Vanessa Vieira da Costa


Raquel Silva de Oliveira
desenvolvimento das capacidades infantis de relação
interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude
básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas
crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade
social e cultural. Neste processo, a educação poderá
auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação
e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas,
emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir
para a formação de crianças felizes e saudáveis.” (BRASIL,
1998, p. 23).

Deste modo, este currículo considera a aprendizagem


como sócio interativo, envolvendo valores e criando condições
para que os alunos vivenciem a realidade a partir de várias
perspectivas, trabalhando-se principalmente o desenvolvimento
do raciocínio e da reflexão, do aprender a pensar, buscar
soluções, criar e agir em diferentes situações utilizando suas
habilidades e capacidades.
Referente à questão da avaliação do processo de ensino
e aprendizagem e da realidade neste CMEI, esta realiza-se
conforme está predito na LDB, no art. 31, em que “avaliação
mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento
das crianças, sem o objetivo de promoção”, sendo contínua
e servindo como instrumento para adequação dos estímulos
para a superação dos níveis que se encontram para os mais
avançados.
O corpo docente do CMEI trabalha com a proposta da
metodologia dialética, partindo dos seguintes princípios: que o
conhecimento se constrói a partir de conhecimentos anteriores;
que o conhecimento acontece por sua ação sobre o objeto; que
os sujeitos aprendem em tempos diferentes e na interação com
o objeto de estudo, que o aluno não aprende na reprodução e
na passividade.
O processo de conhecimento dá-se principalmente por
meio do lúdico, que é utilizado como forma de estimular

PEDAGOGAS EM FORMAÇÃO INICIAL: PESQUISA DE CAMPO SOBRE 25


EDUCAÇÃO INFANTIL E QUESTÕES CURRICULARES
a curiosidade, o que remete a criança à descoberta. No PPP
destaca-se que esta realidade da educação infantil apresenta a
missão de contribuir para a construção da identidade individual
e coletiva de cada criança, assim como no brincar, no imaginar,
no desejar e no aprender; criando um ambiente de bem-estar e
interação com o outro.

À guisa de algumas conclusões

Perspectivando apresentar aspectos conclusivos


produzidos nesta atividade de formação de pedagogos, por
meio da presente pesquisa, foi possível estabelecer a unidade
teoria e a prática no que se refere a base legal, fundamentos
teóricos e curriculares que possibilitam compreender melhor a
organização da educação escolar infantil, conhecendo a função
dos sujeitos envolvidos na construção e articulação do processo
de ensino e aprendizagem.
Para a realização das reflexões acerca da temática
discutida foi necessária uma aproximação com os documentos
normativos que regem a escola, o que propiciou uma reflexão
acerca do quão importante, necessária e urgente é a gestão
democrática e suas consequências para a educação e as práticas
pedagógicas.
Através da observação nas dependências da escola,
conheceu-se sua estrutura física, constatou-se que a mesma
oferece um espaço favorável ao desenvolvimento e aprendizagem
dos alunos, um ambiente aconchegante e acolhedor que nos
faz desejar viver a infância.
No que se refere ao compromisso dos professores para
mediar e orientar a aprendizagem neste nível de escolarização,
os mesmo são empenhados em criar o melhor ambiente
educativo, contudo, é importante afirmar que a falta de
formação continuada neste espaço escolar para lidar com as

26  Carla Valéria Lopes Rodrigues • Maria Vanessa Vieira da Costa


Raquel Silva de Oliveira
crianças especiais e alcançar as metas propostas pela rede
educativa, sendo embargo para ter-se a educação que se busca
que se espera em um currículo inclusivo para o desenvolvimento
pleno e integral de todas as crianças de acordo com suas
necessidades pedagógicas e humanas.

Referências

BOGDAN, Robert C. e BIKLEN, Sari Knoop. Investigação


qualitativa em educação. São Paulo: Porto Editora, 1994.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto
constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com
as alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais
de Revisão nos 1 a 6/94, pelas Emendas Constitucionais nos
1/92 a 91/2016 e pelo Decreto Legislativo no 186/2008. –
Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas,
2016. 496 p.
BRASIL. Referencial curricular nacional para a educação
infantil. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6.
ed. São Paulo: Atlas, 2014.
LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília:
Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2017.
OLIVEIRA, Z. M. R; CRUZ, V. O currículo na educação infantil:
o que propõem as novas diretrizes nacionais? In: SEMINÁRIO
NACIONAL: CURRÍCULO EM MOVIMENTO. 2010, Belo
Horizonte. Anais do I Seminário Nacional: Currículo em
movimento – perspectivas atuais. Belo Horizonte, 2010. p.
1-14.

PEDAGOGAS EM FORMAÇÃO INICIAL: PESQUISA DE CAMPO SOBRE 27


EDUCAÇÃO INFANTIL E QUESTÕES CURRICULARES
A FORMAÇÃO DOCENTE E AS
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA O
ENSINO DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL

Levinsky Alves de Sousa


Lívia Silva Alves
Jânio Jorge Vieira de Abreu

A
Educação Infantil é caracterizada como um dos
pilares essenciais da Educação Básica e é durante
essa etapa de ensino onde são desenvolvidas e
aperfeiçoadas inúmeras habilidades e capacidades motoras e
cognitivas das crianças, através de brincadeiras e interações que
estimulam as aprendizagens e o desenvolvimento. Atualmente
muitas são as pesquisas que apontam para a ação de práticas
docentes que busquem novos artifícios metodológicos de
ensino. Dessa maneira a música aparece como uma aliada à
possibilidade de garantir uma educação mais significativa e
prazerosa para a criança.

A FORMAÇÃO DOCENTE E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA 29


O ENSINO DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Ensinar, produzir conhecimentos, formar o ser humano
para determinadas atividades, por mais conteúdo que ele
possa assimilar e por mais técnicas que ele consiga dominar,
se não efetivar mudanças individuais e coletivas, se não operar
o desenvolvimento da criança, não se caracteriza como prática
educativa. O ato verdadeiramente educativo promove o ser
humano, desenvolve o senso crítico e a capacidade criativa
ou inventiva sobre a realidade porque amplia o olhar sobre o
mundo e possibilita a liberdade.
Durante a formação acadêmica em pedagogia pouco se vê
sobre o ensino ou desenvolvimento de atividades musicalizadas,
visto que a música, embora ainda não trabalhada de forma
apropriada, é bastante ensinada e utilizada nas instituições
de educação infantil. Assim, há diversas lacunas a serem
preenchidas na educação musical ou na educação musicalizada
e, portanto, faz-se as seguintes indagações: como professores
recém-formados trabalham com a música? A música é utilizada
na Educação Infantil somente como passa tempo, para
entreter as crianças ou como atividade educativa? Percebe-se
assim a necessidade da abertura de diálogos e realização de
pesquisas a fim de analisar como estão sendo as formações
dos profissionais de Educação Infantil e como eles enfrentam
determinadas realidades educacionais.
Legalmente, o ensino da música é assegurado em muitos
documentos oficiais, como exemplos, na Constituição de 1988
e na Lei de Diretrizes e Bases 9.394/96, além da Lei 11.769 de
18 de agosto de 2008 que torna obrigatório o ensino de música
na educação básica. Todavia, referindo-se à Educação Infantil,
há o Referencial Curricular Nacional para a prática pedagógica
nessa etapa do Ensino Básico e a atual Base Nacional Comum
Curricular como diretrizes e orientações para o ensino da

30  Levinsky Alves de Sousa • Lívia Silva Alves


Jânio Jorge Vieira de Abreu
música e para o trabalho educativo com a utilização da mesma.
Esses dois documentos possibilitam ao aluno compreender o
mundo por outra vertente, onde é possível criar e recriar, criticar
e apreciar tornando o ensino muito mais significativo.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil (RCNEI), observando as vantagens musicais, entende
que

Ouvir música, aprender uma canção, brincar de roda,


realizar brinquedos rítmicos, jogos de mãos, etc., são
atividades que despertam, estimulam e desenvolvem
o gosto pela atividade musical, além de atenderem a
necessidades de expressão que passam pela esfera afetiva,
estética e cognitiva. Aprender música significa integrar
experiências que envolvem a vivência, a percepção e a
reflexão, encaminhando-as para níveis cada vez mais
elaborados. (BRASIL, 1998, p. 48).

Isso significa que o uso da música como ferramenta de


ensino perpassa os muros das salas de aulas e das escolas,
proporcionando ao aluno a modificação da sua perspectiva
sobre o seu interior e meio social. Com base nos documentos
legais, o ensino de música torna-se obrigatório na educação
básica, todavia, discute-se neste trabalho a Educação Infantil,
por compreendê-la como um campo de conhecimento no qual
a música pode oferecer muito mais contribuições em relação a
outras áreas e níveis escolares em função do tipo de conteúdo
e atividades trabalhadas e por ser a etapa em que a criança tem
as suas estruturas cognitivas potencializadas deslanchando-se
no seu desenvolvimento.
Assim, pode-se afirmar que a música se insere no meio
educacional com a possibilidade de garantir e promover o
desenvolvimento integral da criança, na maneira em que esta

A FORMAÇÃO DOCENTE E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA 31


O ENSINO DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
possa e tenha o direito de aprender brincando e também
estar adquirindo novas capacidades cognitivas e aptidões que
a ajudem no seu processo de aprendizagem. Dessa maneira,
o objetivo deste trabalho é analisar como a musicalização é
trabalhada na Educação Infantil por professores não licenciados
em música.
Percebe-se muitas possibilidades do campo de
conhecimento da música na prática pedagógica tendo em
vista a importância do ensino musical nesse nível da educação
escolar como provedora do desenvolvimento, habilidades e
aptidões cognitivas na criança.

Procedimentos metodológicos

O primeiro procedimento metodológico desenvolvido


nesta pesquisa foi reunir informações de como o ensino musical
é previsto em lei e nos documentos legais vigentes que são
utilizados como parâmetros para a efetivação de uma Educação
de qualidade. Em seguida, discutir a importância desse campo
de conhecimento no desenvolvimento da criança e como os
professores da Educação Infantil podem contribuir, com o
ensino musical, no desenvolvimento de uma aprendizagem
significativa para a criança.
Com esse propósito fez-se um ensaio do estado da arte do
tema com o estudo e organização de cinco pesquisas realizadas
entre os anos de 2010 e 2016. Sendo estas publicações autoria
de Stravacas (2010); Antunes (2013); Tavares (2013); Cunha
(2014), e Viana (2016). Tais pesquisas foram coletadas na
Plataforma da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior – CAPES e no banco de dados da Scielo, sendo
avaliadas individualmente até chegar às análises a seguir.

32  Levinsky Alves de Sousa • Lívia Silva Alves


Jânio Jorge Vieira de Abreu
Desenvolvimento: aspectos conceituais em discussão

A primeira publicação analisada, intitulada “O papel


da Música na Educação Infantil” é um artigo fruto de uma
dissertação de mestrado de Stravacas e Gohn (2010) na qual
foi analisado a presença e a forma de utilização da música
em práticas educativas da Educação Infantil. O estudo, por
meio de reflexões e questionamentos, aborda as diversas
possibilidades da música para a construção do conhecimento
que são apontadas como necessárias para a criança.
A música é uma arte presente em todas as culturas
como linguagem simbólica, que permite à criança expressar
suas emoções e sentimentos, contribuindo para sua formação
integral. O trabalho com a musicalização infantil permite ao
aluno desenvolver também sua percepção auditiva, controle
rítmico-motor, o uso da voz falada e cantada, estimula a
criatividade em todas as áreas, aumenta a concentração, o
raciocínio, a memória dentre outras habilidades.
Stravacas e Gohn (2010) mostram que uma das formas
de se identificar o papel da música na Educação Infantil é
investigar o conjunto de leis e documentos oficiais, tais como a
Constituição de 1998; o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA, 1990); a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
9.394/96 (LDBEN) e o Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil (RCNEI, 1998) por meio dos quais a música
passa a ter seu papel fundamentado, estando presente em
todas as culturas, fazendo-se necessária e justificável dentro do
contexto escolar.
Entretanto, como afirmam Stravacas e Gohn (2010),
a falta de formação especifica em música dificulta as ações
pedagógicas do professor, fazendo com que muitos continuem

A FORMAÇÃO DOCENTE E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA 33


O ENSINO DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
a tratá-la apenas como uma atividade do dia-a-dia sem maiores
expectativas. Por exemplo, cantar uma música para tomar o
lanche, formar a fila etc., não havendo uma aprendizagem
significativa através dela. Quando a música é percebida pelos
educadores como fonte de ensino-aprendizagem, as ações
mais comuns realizadas transformam-se em vivências capazes
de estimular o desenvolvimento da criança, que ocorre pela
intensa relação da música com o brincar.
A segunda publicação analisada tem como título “Música
na Educação Infantil: estratégias, propostas e concepções de
ensino de música” é uma dissertação de mestrado de Tavares
(2013), que procurou identificar e compreender como se
processa o ensino de música nos Centros Municipais de
Educação Infantil do município de Vitória (ES), a partir do
surgimento de dificuldades relacionadas ao ensino de música
nessas instituições.
Segundo Tavares (2013), a música é uma prática
constante dentro dos espaços da educação infantil visto
que esta exerce grande influência na criança. No Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI, 1998), o
documento enfatiza a importância da música na educação e a
considera como área do conhecimento e não apenas como um
“suporte” para atender as diversas outras propostas de ensino.
Partindo desta perspectiva, Tavares (2013) assegura que
algumas dificuldades relacionadas ao ensino de música foram
emergindo nos Centros Municipais de Educação Infantil nos
quais realizaram-se as pesquisas, como a ausência de uma
organização curricular, a falta de espaços adequados e de
materiais pedagógicos específicos para trabalhar a faixa etária
das crianças nesse nível de ensino.

34  Levinsky Alves de Sousa • Lívia Silva Alves


Jânio Jorge Vieira de Abreu
Outro ponto diz respeito aos profissionais licenciados
em música, que exigem formação especifica para atuarem com
a faixa etária desse segmento da educação, pois não recebem
orientações durante sua formação universitária, além de se
verem defrontados com turmas muito numerosas, a ausência
de locais adequados para as aulas e a precariedade no uso
irregular dos documentos que asseguram o ensino desse campo
do conhecimento.
A terceira publicação analisada, intitulada “Música e
Educação Infantil: formação de profissionais atuantes em
Brasília”, é uma dissertação de mestrado de Antunes (2013), a
qual investiga a formação de profissionais que trabalham com
a música em instituições de Educação Infantil em Brasília (DF).
Essa pesquisa possibilitou identificar a vivência e a formação
musical dos profissionais, conhecer suas experiências docentes,
identificar as fontes de informação e conhecimento que
complementa e atualiza a formação dos profissionais.
Antunes (2013) afirma que a presença da música na
Educação Básica é uma discursão recorrente no contexto
educacional brasileiro. Após a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN) e a Lei nº. 11.769/2008, que
institui a obrigatoriedade do conteúdo de música, estimularam-
se debates abordando questões relacionadas à presença/
ausência da música na educação básica; as práticas pedagógico-
musicais; as funções da música na escola; as políticas e ações
de formação de professores, dentre outros questionamentos.
Antunes (2013) esclarece ainda que na legislação a
Educação Infantil é caracterizada como um espaço de atuação
do pedagogo, entretanto no cotidiano da escola percebe-
se uma situação diversificada com atuação de diferentes
profissionais: licenciados em música, estudantes de música,

A FORMAÇÃO DOCENTE E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA 35


O ENSINO DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
técnicos, músicos profissionais, animadores e outros, que são
contratados para trabalhar como professores, monitores e
voluntários, principalmente na Educação Infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental. Assim, observa-se que a
escolaridade dos profissionais é diversa, desde o ensino médio
completo à especialização completa.
Antunes (2013) ressalta que a inserção desses
profissionais tem acontecido de diversas maneiras, verificando-
se a valorização de profissionais com “perfil musical”. No
entanto, em muitos casos vê-se a ausência do contato com a
prática na Educação Infantil em suas formações iniciais, ou
seja, suas formações acadêmicas não abordam conhecimentos
específicos desta etapa de escolarização, bem como reflexões
sobre a criança, o ensino e aprendizagem musical nesse
contexto educacional. Além de outras dificuldades também
encontradas, como a falta de materiais e espaços adequados
nas escolas para a prática musical.
A quarta publicação analisada tem como título “Eu Canto
pra Você: saberes musicais de professores na primeira infância”.
É uma tese de doutorado de Cunha (2014), que enfocou os
saberes que professores (as) da pequena infância utilizam para
trabalhar a música quando não são especialistas no assunto
e não passaram por um aprendizado profissionalizante
nessa área. O trabalho mostra se há possibilidade de buscar
aprofundamentos que promovam mudanças nas práticas
musicais instituídas e construir um trabalho em que a música
seja pensada também como uma área do conhecimento.
Com base em experiências vivenciadas por Cunha (2014),
em cursos de aperfeiçoamento e formação continuada na
educação musical para professores, percebeu-se que, ao
voltarem às suas escolas, os docentes quase nunca conseguiam

36  Levinsky Alves de Sousa • Lívia Silva Alves


Jânio Jorge Vieira de Abreu
incorporar seus novos conhecimentos às suas práticas
anteriores. A partir dessa situação foi elaborada uma proposta
interventiva, na qual utilizando-se dos conhecimentos
preexistentes e o interesse das professoras envolvidas na
proposta, a pesquisadora desenvolveu um processo investigativo
e reflexivo para as consequentes mudanças e contribuições
no trabalho dessas docentes com o desenvolvimento de sua
atuação em música. Isso possibilitou novos modos de fazer e
ensinar música, pensando nesta como área do conhecimento,
fazendo com que as professoras repensem suas concepções e
práticas que muitas vezes utilizam a educação musical apenas
como um apoio para outras disciplinas ou como recreação
e entretenimento. E também, propor avanços nas práticas
docentes juntamente com a ação musical das crianças.
Após o percurso de investigação Cunha (2014) propôs
algumas reflexões pertinentes neste processo, como exemplo,
o fato de não ser músico profissional, ao invés de ter trazido
amarras, trouxeram aberturas, possibilidades múltiplas de
construção de um trabalho consistente em música, onde as
professoras em questão foram levadas a estabelecerem conexões
entre os assuntos e buscarem caminhos, tornando visíveis os
conteúdos trabalhados. Assim, propôs-se um currículo aberto
e construído em sintonia com as crianças, pensando sobre
a prática e também a certeza que o fazer artístico produz
conhecimento.
A quinta e última publicação analisada, intitulada
“A Linguagem Musical na Educação Infantil: reflexões e
possibilidades”, é uma dissertação de mestrado de Viana
(2016), que teve como objetivo investigar a função da
música na Educação Infantil de acordo com as exigências
dos documentos, como as Diretrizes Curriculares Nacionais

A FORMAÇÃO DOCENTE E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA 37


O ENSINO DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
para a Educação Infantil - DCNEI (BRASIL, 1999, 2010) e O
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil –
RCNEI (BRASIL, 1998), pois, de acordo com alguns estudos, a
música vem atendendo a vários objetivos que não são próprios
da linguagem musical.
Viana (2016), partindo de algumas experiências em
assessoria e formação continuada em educação musical para
professores, observou que muitos docentes alegavam terem
dificuldades para introduzir a música de forma eficiente em
sala e, possuir a música como uma área do conhecimento.
Tornou-se assim imprescindível observar e estudar como a
musicalização contribui direta ou indiretamente na vida das
crianças. O estudo levantou questões relacionadas à qualidade
na formação do professor como propulsor do ambiente musical
dentro da escola, o qual, como na Educação Infantil, não
é especialista no assunto e sim um professor polivalente que
precisa dar conta de todas as áreas do conhecimento, inclusive
a música.
Viana (2016) constatou que a maioria das iniciativas
de oficinas e formação continuada possuem características
muito parecidas em oferecer atividades para que os professores
possam utilizar com seus alunos em sala de aula. Quando há
somente uma mera reprodução dessas atividades acaba não
contribuindo para o desenvolvimento da autonomia desses
profissionais resultando em práticas cravadas em receitas
prontas.
Como resultados de sua pesquisa, Viana (2016)
constatou que há divergências entre o currículo proposto
e a prática das professoras em sala de aula, mesmo que elas
possuam consciência do que seja retratado nos documentos
curriculares. Visto isso, a autora identificou alguns motivos que

38  Levinsky Alves de Sousa • Lívia Silva Alves


Jânio Jorge Vieira de Abreu
são responsáveis por essa alteridade. A linguagem do RCNEI
ser bastante específica ao contexto musical, dificultando a
compreensão de quem necessita, a ideia equivocada de que
para estudar música é preciso um horário específico, não
aderindo à interdisciplinaridade e a falta de interesse dos
profissionais em saber o que é proposto no RCNEI foram os
motivos que a autora supracitada encontrou para explicar a
diferença existente entre a prática e teoria.

Resultados e discussões

Com base nas informações levantadas através das


pesquisas analisadas neste trabalho, percebeu-se que a
música, embora seja exigida nos documentos legais que servem
como eixos norteadores para uma “educação de qualidade”
e já sendo um campo de conhecimento muito vasto o qual
dispõe de inúmeras contribuições, ainda vem adentrando
timidamente nos ambientes escolares, principalmente nos
centros de Educação Infantil. Ela necessita ser ensinada pela
sua verdadeira finalidade em garantir o desenvolvimento
integral da criança e não somente ser trabalhada como uma
forma de entretenimento e diversão, sem uma intencionalidade
pedagógica.
Com este propósito, torna-se necessário compreender
o papel da Educação Infantil enquanto etapa da Educação
Básica. Para Arce e Jacomeli (2012, p. 1-2):

A educação infantil não pode ser vista em oposição ao


processo de escolarização, muito pelo contrário, ela
constitui-se em uma forma de início da escolarização da
criança pequena. Entretanto, gostaríamos de mais uma
vez esclarecer que quando falamos em escolarização para

A FORMAÇÃO DOCENTE E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA 39


O ENSINO DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
as crianças pequenas o fazemos a partir do respeito às
características que seu desenvolvimento traz. Também
não pensamos ou propomos uma educação infantil
preparatória para o ensino fundamental, nem poderíamos,
porque a psicologia histórico-cultural, que tem pautado
nossas investigações, nos chama a atenção para a riqueza
que essa faixa etária possui e para as infinitas possibilidades
de ensino para ela.

A inserção da educação infantil como primeira etapa


da educação básica, vai além da simples reestruturação de
um sistema escolar e do reconhecimento da importância de
um nível de ensino, mas é, acima de tudo, a garantia de que
a educação escolar começa nos primeiros anos de vida e a
educação infantil é essencial para o cumprimento da finalidade
do Ensino Básico.
Há uma discussão em torno da terminologia relativa à
educação de crianças menores de 05 (cinco) anos. Fala-se de
ensino, escolarização, educação infantil ou outra coisa, o que
suscitaria uma questão para estudo referente a essa área e seus
profissionais, afetando as propostas curriculares, o cotidiano
escolar, a articulação com o ensino fundamental, e de certa
maneira mantendo a “precarização” das condições de trabalho
em que vivem os profissionais dessa área e até as questões de
gênero, no que tange à presença das mulheres e dos homens na
cultura escolar nesse nível de ensino (ABREU, 2017).
A construção do perfil profissional, a ausência desses
estudos na formação inicial e continuada, que passa a ser
essencial quando não se tem um suporte acadêmico, são
obstáculos para que os propósitos da música sejam alcançados.
No entanto, embora se encontre algumas adversidades
ainda nesse processo, é possível identificar profissionais que

40  Levinsky Alves de Sousa • Lívia Silva Alves


Jânio Jorge Vieira de Abreu
conseguem desenvolver atividades musicalizadas para as
crianças, colocando significação e intencionalidade em suas
práticas e ações educativas.
A nova proposta curricular, Base Nacional Comum
Curricular – BNCC, introduz em seu texto uma seção destinada
à disciplina de arte para o Ensino Fundamental e a música
foi incluída como uma forma de arte a ser usada nas escolas.
Porém, os objetivos, habilidades e competências trazidas para
um determinado público, pode ser transferida facilmente à
Educação Infantil, já que a base é uma orientação à prática dos
professores.
Analisando o ensino musical na perspectiva da
Educação Infantil, nota-se a importância de se trabalhar esse
conhecimento desde cedo, logo nos primeiros anos escolares,
pois a BNCC diz que:

A ampliação e a produção dos conhecimentos musicais


passam pela percepção, experimentação, reprodução,
manipulação e criação de materiais sonoros diversos, dos
mais próximos aos mais distantes da cultura musical dos
alunos. Esse processo lhes possibilita vivenciar a música
interrelacionada à diversidade e desenvolver saberes
musicais fundamentais para sua inserção e participação
crítica e ativa na sociedade (BRASIL, 2017, p. 192).

O documento orienta que através da música a criança


explorará as próprias competências individuais e coletivas
em meio às práticas musicais, conhecendo a si próprio e
o próximo, compreenderá em qual cultura estará inserida,
consequentemente entenderá quem ela é dentro dessa
mesma cultura e perceberá onde e como deve atuar social e
culturalmente. Além da possibilidade de o professor trabalhar

A FORMAÇÃO DOCENTE E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA 41


O ENSINO DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
esses conhecimentos em outras disciplinas, possibilitando a
execução da interdisciplinaridade.
Visto isso, é importante levar em consideração que ao
desenvolver atividades musicais elas não estarão voltadas
somente para aprender a tocar um instrumento ou fazer cantigas,
que se tornam até inviáveis para um profissional que não tem
uma formação ou passou por um treinamento específico. Mas
acaba indo além disso, pois há a possibilidade de utilizar os
conhecimentos prévios, promovendo interdisciplinaridade e
elaborando estratégias de ensino e na aplicação de atividades
lúdicas, que estimulem as crianças ao prazer de conhecer e
explorar coisas novas.
Para isso, o primeiro ponto a ser colocado como mudança
é o conhecimento acerca da importância desse conteúdo
para o mundo e aprendizado da criança e após isso a real
transformação da prática pedagógica, porque ela realmente
estará fundamentada e bem direcionada para as possibilidades
de desenvolvimento que a mesma pode atingir. Dessa forma,
torna-se imprescindível que os professores e os futuros
professores tenham a oportunidade e interesse em aprofundar-
se, por meio de estudos e pesquisas, em outras áreas, que
também produzam conhecimento afim de que possam refletir
sobre as práticas, que muitas vezes se distanciam do verdadeiro
propósito que tem a música para agregar no processo de ensino
e aprendizagem.

Conclusão

Por fim, através das vivências e experiências relatadas nas


pesquisas, é possível compreender o seguinte: que há ainda um
cenário muito precário com relação às inovações metodológicas

42  Levinsky Alves de Sousa • Lívia Silva Alves


Jânio Jorge Vieira de Abreu
para o uso e o ensino com a música nas realidades educacionais
de ensino infantil; há falta de interesse ou déficit de aptidões
práticas docentes e algumas instituições não oferecem um
suporte adequado para a execução de tais procedimentos.
Isso nos instiga a perceber a imprescindibilidade da
formação docente e, por conseguinte, uma formação continuada
para que assim os profissionais em educação consigam suprir
e até mesmo revigorar os espaços escolares. Entretanto, apesar
de ainda não existirem muitos casos de práticas interventivas,
estas já representam uma grande iniciativa e a possibilidade de
abertura de novos diálogos e trocas de experiências consideradas
de fato praticas pedagógicas inovadoras no processo de ensino
e aprendizagem.
A educação escolar, em todos os níveis, necessita ser
repensada, desde a formação do professor ao ofício docente,
em função de uma prática que atenda aos anseios da realidade
daqueles interessados no processo educativo. Nesse aspecto
a formação do professor para a Educação Infantil ocupa
um papel importante, pois somente o exercício de ensinar
a aprender faz com que o educando evolua e esta prática só
é possível na escola que ensina através da arte, da música,
criando e recriando construtivamente.
É assim, que quem ensina descobre o novo para ensinar
e quem aprende descobre a novidade para intervir e mudar a
realidade, o que pode ser trabalhado na formação inicial para
atuação na Educação Infantil.

Referências

ABREU, Jânio Jorge Vieira de. Masculinidades e Educação


Infantil na cultura escolar dos Cursos de Licenciatura em

A FORMAÇÃO DOCENTE E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA 43


O ENSINO DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Pedagogia de Teresina – PI, Brasil. Teresina, 2017, 234 f., Tese
(Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Piauí.

ANTUNES, L. R. Música e Educação Infantil: Formação de


profissionais atuantes em Brasília. Brasília, 2013. Dissertação
(Mestrado em Educação Musical) – Programa de Pós-
Graduação “Música em Contexto”, Universidade de Brasília.

ARCE, Alessandra & JACOMELI, Mara Regina Martins (Orgs.).


Educação infantil versus educação escolar?: entre a (des)
escolarização e a precarização do trabalho pedagógico nas
salas de aula. Campinas, SP: Autores Associados, 2012 –
(Coleção Educação contemporânea).

BRASIL, Ministério da Educação. Base nacional Comum


Curricular. Brasília, 2017.

BRASIL, Ministério da Educação. Referencial Curricular


Nacional para a Educação Infantil. Brasília, 1998.

CUNHA, S. M. da. Eu Canto pra você: saberes musicais


de professores na primeira infância. São Paulo, 2014. Tese
(Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação,
Universidade de São Paulo.

GOHN, M. da G.; STAVRACAS, I. O papel da música na


Educação Infantil. EccoS, São Paulo, v. 12, n. 2, p. 85-103,
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TAVARES, C. D. Música na educação infantil: Estratégias,


propostas e concepções de ensino de música em escolas de

44  Levinsky Alves de Sousa • Lívia Silva Alves


Jânio Jorge Vieira de Abreu
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2013. Dissertação (Mestrado em Música) – Curso de
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VIANA, E. A Linguagem Musical na Educação Infantil:


reflexões e possibilidades. Araraquara-SP, 2016. Dissertação
(Mestrado em Processos de Ensino, Gestão e Inovação) –
Programa de Pósgraduação em Processos de Ensino, Gestão e
Inovação, Centro Universitário de Araraquara – UNIARA.

A FORMAÇÃO DOCENTE E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA 45


O ENSINO DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO
INFANTIL: SUA FORMAÇÃO ESPECÍFICA,
PERSPECTIVA, AVANÇOS E CONQUISTAS

Maria do Socorro de Resende Borges

A
Educação Infantil vem paulatinamente se
expandindo, a cada dia, o número de crianças
inseridas nessa etapa de ensino é maior. Não
obstante isso, ainda há um longo caminho a ser percorrido
para sua universalização no Brasil. Nesse contexto, a formação
de professores e educadores de infância é um componente
importante no processo de desenvolvimento.
Diante desse cenário, foi proposto o seguinte problema:
Qual a importância da formação especifica do professor para
a qualidade na Educação Infantil?
Logo, a formação constitui-se em um dos fatores de
promoção das práticas de qualidade. Portanto, a formação
dos profissionais de crianças pequenas revela-se de extrema
importância no desenvolvimento do contexto educacional.
Nesse sentido foi produzido um estudo com o objetivo geral de

O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL: 47


SUA FORMAÇÃO ESPECÍFICA, PERSPECTIVA, AVANÇOS E CONQUISTAS
analisar a importância da formação específica da professora
para a qualidade na Educação Infantil. Assim os objetivos
específicos se dispõem: compreender as contribuições da
formação específica para a qualidade na Educação Infantil;
reconhecer a especificidade que caracteriza a formação do
professor da Educação Infantil.
Sendo assim, os estudos foi fundamentado em pesquisa
bibliográfica de alguns teóricos como: Silva (2008), Brasil (1994;
1996; 1998), Gatti e Barreto (2009), Gomes (2013), Oliveira
(2002;2011), dentre outros, deram suporte aos conceitos
acerca do assunto, fornecendo informações importantes para
a produção deste trabalho.

Formação de professores e sua prática docente na qualidade


da educação infantil

A formação de professores necessita ser compreendida


como um direito, uma vez que esse profissional aprimorando
sua prática docente vai adquirir conhecimentos necessários
a melhoria da qualidade da educação infantil. É importante
também salientar que a formação específica desse profissional
contribui de maneira efetiva para o sucesso do ensino
aprendizagem da criança pequena. Assim SILVA, (2008, p. 52):

As qualidades da prática profissional dos professores de


educação infantil em função do que requer o trabalho
educativo o trabalho educativo (a profissionalidade)
estão diretamente associadas à conquista dos direitos das
crianças nas últimas décadas no Brasil, representando a
base para sua compreensão.

48  Maria do Socorro de Resende Borges


Desse modo, o professor é perspectivado como um
sujeito de mudança para construção de uma sociedade mais
justa e equitativa, e, simultaneamente, apontados como um
dos recursos relevante para responder adequadamente aos
desafios levantados pela sociedade em mudança.
Contudo, apesar de atualmente haver uma preocupação
ampla com a formação dos profissionais no campo da
educação infantil, no Brasil existe ainda uma situação bastante
complexa. Posto que, ainda subsiste uma grande parcela de
educadores leigos, sem ao menos uma formação inicial para o
magistério em nível médio, incluindo-se o meio urbano e rural.
Segundo (BRASIL, 1998, p.39, V1):

Nessa perspectiva, os debates têm indicado a necessidade


de uma formação mais abrangente e unificadora para
profissionais tanto de creche como de pré-escolas e de
uma reestruturação dos quadros de carreira que leve
em consideração os conhecimentos já acumulados no
exercício profissional, como possibilidade e atualização
profissional.

Assim sendo, evidencia-se a necessidade de se ter


professores com formação especifica na Educação Infantil,
pois, tal formação traz como diferencial um docente mais
preparado; capaz de promover múltiplas interações que envolva
o acolhimento, a dimensão afetiva, o respeito às necessidades e
interesses da criança e aos seus padrões culturais, captando-os
para os propósitos do trabalho desenvolvido.
E a atuação de um profissional diferenciado, com
formação específica, gera: a ampliação permanente do universo
sociocultural do aluno; um novo dimensionamento para educar,
para o ensino e o aprender; uma permanente reflexão sobre os

O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL: 49


SUA FORMAÇÃO ESPECÍFICA, PERSPECTIVA, AVANÇOS E CONQUISTAS
propósitos que guiam suas práticas e sobre as concepções, que
embasam suas ações; e, não menos importante, um estímulo
à construção de um processo de identidade profissional, que
o conduzirá a olhar o próprio percurso formativo em uma
perspectiva de desenvolvimento profissional.
Em 2007, o Censo Escolar traz amostragem dos
professores que atuam nas creches brasileiras em relação à
formação dos docentes. A pesquisa apresenta que nessas
instituições atuam 95.643 professores, 82,2% dos quais têm a
formação requerida pela atual legislação para o exercício do
ofício: 45% apresentam o magistério na modalidade Normal
e 37,2% possuem nível superior com licenciatura. Assim, os
resultados censitários evidenciam que quase a totalidade dos
professores de creche (98,9%) lecionam em apenas uma escola
e 88,6% ensinam para apenas uma turma. (BRASIL, 2007).
O Censo de 2007 traz ainda que em relação à pré-escola,
dos 240.543 docentes, somente 86,9% possuem a formação
exigida pela LDB, sendo 45,5% com escolaridade superior e
licenciatura e 41,4% com o curso Normal ou Magistério. Os
demais professores dessa etapa que não apresentam a formação
adequada, encontram-se distribuídos: 5,6% têm nível superior
sem licenciatura e 7,5% cursam o ensino médio ou o ensino
fundamental (BRASIL, 2007).
Vale ressaltar que 30.993 docentes possuem curso de
formação específica para atuar na pré-escola, número mais
elevado do que o encontrado em creche (11.292) (BRASIL,
2007).
Então, por esses dados pode-se observar que o maior
número de professores habilitados se encontra na pré-
escola. Isso está em consonância com o percurso histórico
da creche, pois o seu atendimento se expandiu na área da

50  Maria do Socorro de Resende Borges


assistência social, sem exigência de um profissional com uma
habilitação específica. Diferentemente das pré-escolas, que
se desenvolveram no âmbito da educação e demandaram
profissionais habilitados para o exercício do magistério.
Segundo GATTI e BARRETO, (2009), em um estudo
realizado no Brasil, identificou-se que na educação infantil se
concentra professores mais jovens, mulheres, não brancas e
com menor escolaridade.
Outro fator preponderante apontado no referido
estudo é que, justamente, nessa etapa da educação básica,
onde se encontram as maiores frequências dos educadores
que auferem remuneração mais baixa, na faixa de um a dois
salários mínimos mensais, quando comparados com os demais
docentes das outras etapas de ensino. Essa comparação leva
em consideração as seguintes variáveis: formação, jornada de
trabalho e vínculo empregatício.
Portanto pode ser percebido que o descompromisso
das políticas públicas com o professor da educação infantil
compromete a qualidade das ações desenvolvidas com e para
as crianças.
Na tabela abaixo pode visualizar a distribuição percentual
das funções docentes na Educação Infantil em relação à
formação.

O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL: 51


SUA FORMAÇÃO ESPECÍFICA, PERSPECTIVA, AVANÇOS E CONQUISTAS
TABELA 1 - Funções docentes na educação básica e na
Educação Infantil (creche e pré-escola) no Brasil e respectiva
distribuição percentual segundo formação, 2011.
Funções Docente
Variável Educação Educação Infantil
Básica Pré-
Total Creche
escola
Brasil 2.045.350 408.379 163.148 265.000

Fundamental 1 1 2 1
Médio 6 8 9 8
Médio-Normal Magistério 19 33 33 33
Superior 74 57 56 59
- Superior s/Licenciatura* 17,5 15 15 15

Com curso específico de


- - 15 17,4
40 horas
Fonte: INEP, Sinopse estatística da educação básica, 2011.
* O percentual se refere ao total dos que possuem curso superior.

Em 1994 o Ministério da Educação e Cultura (BRASIL/


MEC 1994) promoveu o I Simpósio Nacional de Educação
Infantil, com a finalidade de abordar questões relativas às
políticas públicas da educação. Dentre essas questões pode-se
destacar a preocupação com o currículo da Educação Infantil
e dos cursos de formação de seus professores. O trecho do
relatório salienta que a prática desse currículo só se torna
significativa mediante a constante reflexão crítica do mesmo,
reflexão esta que precisa ser feita tanto pelos professores das
mais diversas instâncias quanto pela comunidade em que
atuam/atuarão esses professores. (BRASIL/MEC 1994).

52  Maria do Socorro de Resende Borges


Outra questão entre as alternativas pedagógicas
abordadas no relatório foi a da necessidade de integrar
o cuidar-educar, a qual deveria fundamentar a Educação
Infantil e a formação de seus professores, concebendo as
duas dimensões como de igual interesse no desenvolvimento
do trabalho pedagógico na Educação Infantil, como ressalta
o seguinte trecho do relatório do MEC 1994:

Se a Educação Infantil fundamenta-se no binômio cuidar/


educar, a formação de seus professores deve também
pautar-se nele. A conjugação dessas atividades, bem
como o preparo para exercê-las, precisa necessariamente
despir-se de uma visão hierarquizada das atividades de
educar e cuidar, uma vez que ambas partilham de igual
importância no cotidiano da Educação Infantil. Não deve
haver distanciamento e/ou sobreposição do trabalho da
professora que cuida e da que educa, entre a universidade
e a escola básica, entre o trabalho manual e o intelectual
entre o fazer e o pensar, uma vez que, tal como o homem
a que se dirigem, são indissociáveis. (BRASIL/MEC 1994).

Com a nova LDB (Lei de Diretrizes Bases da Educação


Nacional) de 1996, estabeleceu-se de forma incisiva
pela primeira vez na história do Brasil, o vínculo entre o
atendimento da criança de 0 a 6 anos e a educação, bem como,
cresceram as discussões e os diagnósticos sobre a situação
da educação infantil. Portanto, é possível constatar que a
questão da habilitação adequada do professor que irá atuar
junto à educação infantil é importante, tendo em vista a sua
especificidade, conforme o artigo 62:

Art.62 A formação de docentes para atuar na educação


básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura,
de graduação plena, em universidades e institutos

O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL: 53


SUA FORMAÇÃO ESPECÍFICA, PERSPECTIVA, AVANÇOS E CONQUISTAS
superiores de educação, admitida, como formação mínima
para o exercício do magistério na educação infantil e nas
quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida
em nível médio, na modalidade Normal.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 20 de


dezembro de 1996, tanto no seu artigo 21, inciso I como no seu
artigo 29 elevam a Educação Infantil como primeira etapa da
Educação Básica, e o artigo 29 ainda destaca como finalidade
“o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade,
em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social
complementando a ação da família e da comunidade” (art.29).
Considerando o exposto GOMES, (2013, p.55) comenta:

Em um momento em que a educação infantil se firma


como porta de entrada da educação básica, direito
da criança e opção da família, ações que promovam a
socialização profissional de professores de educação
infantil podem colaborar para o avanço de conquistas
duramente alicerçadas no âmbito legal, sobretudo
quando se levam em conta pesquisas que apontam um
quadro de insuficiências a formação inicial e contínua dos
profissionais de creche. (p.55).

O fato de a educação infantil ser considerada a primeira


etapa da Educação Básica e compor o sistema de ensino
possibilitou a criação de projetos educativos que não dissociam
o cuidado da educação. Outro ponto preponderante é que
a LDB ao indicar a formação de professores para Educação
Básica no âmbito da educação superior, mesmo admitindo a
modalidade Normal como formação mínima, tornou legal a
exigência de tal formação ao profissional da educação infantil.

54  Maria do Socorro de Resende Borges


Após a promulgação da LDB, foram criados fóruns
estaduais e regionais de educação infantil como espaços de
reivindicações por mais verbas para programas de formação
profissional para professores dessa área. Nesse contexto
histórico em que tais discussões que vêm ocorrendo, é
possível constatar que elas são motivadas pela importância
da profissionalização docente para atuar na área da educação
infantil.
Assim sendo, exige-se um trabalho de ações conjuntas
entre todos os profissionais da instituição, pais, governantes
e a sociedade. Para OLIVEIRA (2002, p.12), “esse desafio
precisa ser prioritariamente enfrentando pelas políticas do
governo. Todavia, os professores são profissionais essenciais
na construção dessa nova escola”.
Em 1988 foi publicado o Referencial Curricular Nacional
para a Educação Infantil pelo Ministério da Educação e do
Desporto, o documento é fruto de um amplo debate nacional,
no qual participaram professores e diversos profissionais que
atuam diretamente com as crianças. O Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil pelo Ministério da Educação
e do Desporto – RCNEI – surgiu da necessidade da busca de
soluções educativas para superar a dicotomia existente entre
a tradição assistencialista das creches, propondo, assim, a
estreita vinculação entre concepções de crianças, educação,
cuidados e aprendizagem para o desenvolvimento das práticas
do professor na Educação Infantil, conforme consta em seu
texto.

(...) contribuir com a implantação ou implementação de


práticas educativas de qualidade que possam promover
e ampliar as condições necessárias para o exercício
da cidadania das crianças brasileiras. Sua função é

O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL: 55


SUA FORMAÇÃO ESPECÍFICA, PERSPECTIVA, AVANÇOS E CONQUISTAS
contribuir com as políticas e programas de educação
infantil, socializando informações, discussões e pesquisas,
subsidiando o trabalho educativo de técnicos, professores
e demais profissionais da educação infantil e apoiando os
sistemas de ensino estaduais e municipais (BRASIL, 1998,
p.15, V.1).

De acordo com o RCNEI verificou-se que muitos dos


profissionais que atuam na Educação Infantil “não têm
formação adequada, recebem remuneração baixa e trabalham
sob condições bastante precárias” (BRASIL, 1998, p 39, V
1). Portanto, segundo as concepções adotadas pelo o RCNEI
(Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil pelo
Ministério da Educação e do Desporto) o profissional que
irá trabalhar com crianças da Educação Infantil deve ser: um
profissional polivalente; com ampla formação e que dialogue
com as famílias e com a comunidade. (BRASIL, 1998, p.42, V.1)
A publicação do RCNEI, associada à normatização
imposta pela LDB e ao Parecer CEB/CNE nº22/98 (da Câmara
de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação),
culminou na instituição de Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil através da Resolução nº 1, de 7 de
abril de 1999 (CEB 1/99) significando a implementação de
princípios norteadores, fundamentos e procedimentos que
devem ser comuns a todas as instituições de Educação Infantil
no Brasil (BRASIL, 1998, p.42, V.1).
Embora hoje haja uma grande preocupação com a
formação dos professores no âmbito da Educação Infantil,
existe ainda contraste entre a lei e a realidade, visto que no Brasil,
como apontado anteriormente, ainda há uma quantidade
significativa de professores leigos, sem ao menos uma formação

56  Maria do Socorro de Resende Borges


inicial para o magistério em nível médio atuando na Educação
Infantil. Segundo OLIVEIRA, (2002, p. 39) aponta que:

A nova dimensão da educação infantil, como primeira


etapa da educação básica, gerou uma valorização do
papel do profissional que se dedica à criança de 0 a 6
anos, com um novo patamar de habilitação, derivado das
responsabilidades sociais e educativas que se espera dele.
Sabemos, entretanto, que embora o nível de formação
dos profissionais que atuam nas pré-escolas venha
aumentando, ainda temos um percentual significativo que
não têm o 2º grau completo.

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da


Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (FUNDEB) foi criado pela Emenda Constitucional nº
53, publicada no Diário Oficial da União, em 20 de dezembro
2006 e regulamentado pela Lei 11.494/2007e pelo Decreto nº
6.253/2007, sua implantação começou em 1º de janeiro de
2007, sendo plenamente concluído e regulamentado em 2009.
Destaca-se que nessa proposta toda a educação básica:
educação infantil; ensino fundamental; ensino médio e
educação de jovens e adultos; passou a ser beneficiada com
recursos federais. Um compromisso da União com a educação
básica, com vigência estabelecida de 2007 a 2020. (BRASIL/
MEC_CEB 1/99)
O FUNDEB tem como objetivo aumentar os recursos
aplicados pela União, estados e municípios na educação pública
e na melhoria da formação e dos salários dos profissionais da
educação. Com a implantação do FUNDEB fica registrada
uma importante conquista da Educação Infantil que é a sua
inclusão. (BRASIL/MEC_CEB 1/99)

O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL: 57


SUA FORMAÇÃO ESPECÍFICA, PERSPECTIVA, AVANÇOS E CONQUISTAS
As Diretrizes de 1999 (Parecer CNE/CEB nº22/98 e a
Resolução CNE/CEB nº01/99) partiram da crítica às políticas
públicas para a infância historicamente construídas no país,
baseadas em iniciativas de assistência aos pobres e sem
caráter emancipatório, e defenderam um novo paradigma de
atendimento com base na Constituição Federal de 1988, que
definiu o direito à educação das crianças de zero a cinco anos
de idade em instituições de Educação Infantil.
Tais Diretrizes trataram o cuidar e o educar como aspectos
indissociáveis e defenderam uma concepção de criança
como sujeito ativo que interage com o mundo por meio da
brincadeira e principalmente como alguém com direito de viver
sua infância. Daí a preocupação, manifestada no parecer, em
combater a antecipação de rotinas e práticas características do
Ensino Fundamental para orientar o trabalho com as crianças
pequenas. (BRASIL/MEC_CEB 1/99)
As diretrizes ainda apontaram as condições necessárias
para a concretização dessas concepções (a concepção de
avaliação, a formação dos professores e gestores, a atenção
multidisciplinar às crianças conjunturais para o trabalho
pedagógico). Os princípios curriculares nelas estabelecidas
marcaram uma linha de continuidade com as demais etapas
da Escola Básica, direcionando o olhar dos professores para a
construção de uma educação comprometida com a constituição
de sujeitos solidários, criativos e críticos.
Após dez anos, pesquisas realizadas em unidades de
Educação Infantil das redes públicas de diferentes regiões
mostraram resultados preocupantes em relação à qualidade
do trabalho realizado pelos os profissionais da educação. Nos
casos das creches, prevalece uma filosofia assistencialista de
trabalho e em relação às pré-escolas, predomina um modelo de

58  Maria do Socorro de Resende Borges


antecipação de práticas de trabalho pedagógicos, copiadas de
um referencial já ultrapassado de Ensino Fundamental.
Segundo OLIVEIRA (2011, p.120) aponta,

uma retomada da identidade conceitual, legal,


sociopolítica da Educação infantil se mostrou uma tarefa
urgente para orientar as práticas pedagógicas cotidianas
vividas nas instituições de Educação Infantil, a fim de
torná-las mediadoras mais eficientes de aprendizagens e
do desenvolvimento das crianças.

As diretrizes propõem que os educadores trabalhem


com diferentes linguagens e com culturas plurais na creche e
na pré-escola, possibilitando o fortalecimento dos saberes e
das especificidades linguísticas, culturais e religiosas de cada
comunidade. As diretrizes colocam ainda que para garantir a
continuidade dos processos vivenciados pela criança ao longo
da Escola Básica, deve-se criar estratégias adequadas aos
diferentes momentos de transição por ela vividos.
Nessa conjuntura, a formação específica é sem dúvida um
dos principais fatores que influenciam na qualidade do ensino.
Portanto, é fundamental que a formação inicial instrumentalize
o docente para exercer a profissão de forma eficiente. Logo
o professor de educação infantil deve ser capaz de exercer a
autonomia de seu processo formativo que pressupõe mudanças
e a pesquisa como ação. Também, deve ser salientado que o
desenvolvimento do professor deve estar articulado a situações
de ensino e de aprendizagens significativas. Dessa feita, como
diz Nóvoa (1995, p.28): “os professores têm de assumirem-se
como produtores da sua profissão”.
Sendo que a formação do professor envolve muito
mais que uma parte teórica e técnica, essa formação deve ser

O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL: 59


SUA FORMAÇÃO ESPECÍFICA, PERSPECTIVA, AVANÇOS E CONQUISTAS
marcada por uma aprendizagem significativa. Ostetto (2012,
p.128) destaca que: “Há no reino da prática pedagógica e da
formação de professores, muito mais que domínio teórico,
competência técnica e compromisso político. Lá estão histórias
de vida, crenças, valores, afetividade, enfim, a subjetividade dos
sujeitos envolvidos.”
Portanto, a formação de professores para a educação
infantil deve ser entendida como um passo para uma educação
de qualidade e aprimoramento da ação profissional e da sua
prática pedagógica. Assim sendo, tem-se que a formação
profissional sempre marca presença. Para SOUSA (2006 p.
109):

É certo que a qualidade da educação infantil supõe a


integração de todas as suas dimensões. É certo, também,
que a seleção dessas dimensões varia entre os diferentes
autores. No entanto, algumas delas tendem a ser
constantes. Este é o caso da formação e qualificação dos
profissionais, que, de certa forma, é uma das dimensões
mais críticas da qualidade de qualquer instituição de
educação infantil, para não falar de sua importância nos
outros níveis da educação.

Nesse contexto o professor não pode ficar indiferente a


produção do saber, pois a formação não pode ficar distante
do terreno profissional, trata-se então da busca da qualidade
desse profissional, uma vez que se deve garantir a melhoria
das competências dos professores. A esse respeito, Pimenta e
Anastásio (2005, p.120) advogam que o ambiente institucional
é o local propício para a formação continuada do professor
do magistério superior, uma vez que as consequências das
reflexões e dos debates neste processo de formação vão ocorrer
concretamente na faculdade. Nesse sentido, implica dizer que

60  Maria do Socorro de Resende Borges


o professor precisa apropriar-se das maneiras de ensinar e da
aquisição do conhecimento para torna esse conhecimento mais
acessível aos alunos. Para IMBERNÓN, (2006, p. 15):

Nesse contexto, a formação assume um papel que


transcende o ensino que pretende uma mera atualização
científica, pedagógica e didática e se transforma na
possibilidade de criar espaços de participação, reflexão
e formação para que as pessoas aprendam e se adaptem
para poder conviver com mudanças e a incerteza.

Numa perspectiva de formação, o professor deve


procurar superar as dificuldades e fazer com que sua formação
seja orientada pelos pressupostos e diretrizes expressas
em políticas de Educação Infantil atuais, significativas e
contextuais, portanto, faz-se necessário uma mudança das
pessoas envolvidas, o que ocorre em torno de alguns domínios
de situações.
Vale então reforçar que a formação do profissional
da educação infantil precisa estar em harmonia com uma
concepção de infância e com a proposta de currículo de
acordo a especificidade da criança. Tais especificidades estão
explicitadas nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (DCNEI), instituídas pela Resolução CNE/
CEB nº5, de dezembro de 2009 e discutidas no Parecer CNE/
CEB nº20, de novembro também do mesmo ano. Portanto
em linhas gerais, o documento evidencia uma concepção de
infância, em que a criança é para o MEC/BRASIL:

Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações


e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade
pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja,
aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói
sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo
cultura (p.1).

O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL: 61


SUA FORMAÇÃO ESPECÍFICA, PERSPECTIVA, AVANÇOS E CONQUISTAS
Assim, a sua prática docente precisa ser realizada de
maneira participativa com outros profissionais da educação,
com os alunos e demais indivíduos que compõem o contexto
escolar. Nesse sentido o professor precisa se relacionar com as
crianças transmitido valores, sentimentos e atitudes positivas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa teve como um foco de estudo a relação entre a


formação específica do professor e a sua prática na qualidade
da Educação Infantil, pois é concebido como um dos pontos
fundamental para a concretização do ensino oferecido na
educação infantil. É importante então, que esse profissional
amplie os conhecimentos adquiridos no sentido da melhoria
da prática em sala de aula.
No que concerne a sua formação específica, o professor
necessita compreender que a teoria assimilada nas universidades
deve permanecer aliada a uma reflexão crítica, logo o professor
precisa ter em mente que a criança é um indivíduo ativo que
tem sua particularidade e sua história de vida. É relevante
que compreenda a si mesmo como um educador inserido em
determinado contexto sociocultural.
Em relação formação continuada cabe a esse profissional
compreender que não deve esperar somente as oferecidas pelos
órgãos competentes e sim investir, também precisa entender
que a sua participação nas formações continuada deve ser
feita de maneira reflexiva. Portanto o mesmo precisa ater-se a
peculiaridade da educação infantil.
Outro ponto a ser enfatizado é que o trabalho docente
deve estar centrado na formação do aluno devendo, então,
privilegiar a prática docente como cerne de formação de

62  Maria do Socorro de Resende Borges


professores e principalmente destacando os desafios que os
professores encontrarão em sala de aula. Nessa conjuntura
o professor deve ser transformador, curioso, incentivador,
perseverante e etc.

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Fundamental. Por uma política de formação do profissional
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Básica. V1 e V2. Brasília, DF 2006.
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(LDB). Lei Federal nº 9.394; de 20/12/1996.

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_________. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria


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O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL: 63


SUA FORMAÇÃO ESPECÍFICA, PERSPECTIVA, AVANÇOS E CONQUISTAS
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O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL: 65


SUA FORMAÇÃO ESPECÍFICA, PERSPECTIVA, AVANÇOS E CONQUISTAS
O CURRÍCULO NAS CONCEPÇÕES E
PRÁTICAS DA COMUNIDADE ACADÊMICA
DO CURSO DE PEDAGOGIA

Jânio Jorge Vieira de Abreu


Carla Valéria Lopes Rodrigues
Maria Vanessa Vieira da Costa
Raquel Silva de Oliveira

Introdução

A
Pedagogia, concebida como um campo de
conhecimento que se ocupa do estudo sistemático
da educação ou como condutora dos processos
educativos, sempre ofereceu muitas possibilidades de atuação
para o pedagogo. Com as Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Curso de Pedagogia (BRASIL, 2006), através da Resolução do
Conselho Nacional de Educação / CP Nº 1, ampliou-se ainda
mais o campo de trabalho para o profissional de pedagogia,
estabelecendo (no artigo 4º inciso IV) que o mesmo pode
“trabalhar em espaços escolares e não escolares na promoção
da aprendizagem de sujeitos em diferentes fases e setores do

O CURRÍCULO NAS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA 67


COMUNIDADE ACADÊMICA DO CURSO DE PEDAGOGIA
desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do
processo educativo” (BRASIL, 2006, p. 5).
Com o documento supracitado, o Curso de Licenciatura
em Pedagogia, responsável, por excelência, pela formação
do/a educador/a, torna-se responsável de fato e, também
por excelência, pela educação em sentido amplo, porque
o/a pedagogo/a poderá atuar, profissionalmente e
pedagogicamente, dentro e fora da escola, oferecendo
competências1 e habilidades para a prática educativa nos
diferentes espaços da sociedade. Assim, embora aumentando
os desafios para o/a profissional de pedagogia, reconhece-
se que a prática educativa do pedagogo e, por conseguinte,
a competência técnica desse profissional, vai muito além da
escola. Essa mudança valoriza ainda mais a educação não
formal, assegura a prática pedagógica ou atuação do pedagogo
nos espaços não escolares e facilita a relação currículo, cultura,
escola e sociedade.
Dessa maneira, não há como desconsiderar o espaço, o
público alvo, a relação entre o ambiente escolar e o social, entre
o conhecimento acadêmico e a cultura, entre as realidades e
aspirações dentro e fora da academia, todos eles, seja no ensino
básico ou universidade, se imiscuem no currículo constituindo
a cultura escolar ou cultura acadêmica. Diante disso, indaga-se:
como está o currículo do Curso de Licenciatura em Pedagogia
para formação profissional nessa perspectiva de ampliação
do campo de trabalho do Pedagogo? O que pensa, quais as
representações da comunidade acadêmica sobre o currículo
do referido curso e sobre a atuação do Pedagogo? Como se

1 Neste trabalho o conceito de competência tem um significado


pedagógico, abarca, portanto, o conteúdo específico ou
epistemológico, mas também a dimensão humana, política e cultural
– os saberes vivenciados, resultados da relação entre conhecimentos,
motivações, valores, ética, atitudes, emoções (DIAS, 2010).

68  Jânio Jorge Vieira de Abreu • Carla Valéria Lopes Rodrigues


Maria Vanessa Vieira da Costa • Raquel Silva de Oliveira
constroem as concepções e práticas curriculares na cultura
escolar e acadêmica subsistente no Curso de Licenciatura em
Pedagogia?
Partindo dessas reflexões realizou-se um estudo com o
objetivo de analisar o currículo do Curso de Licenciatura em
Pedagogia nas concepções e práticas de alunos/as professores/
as e coordenadores de 3 (três) instituições de Ensino Superior
de Teresina, Piauí - Brasil visando compreender como essas
concepções se constroem na cultura escolar e acadêmica
subsistente. Com este propósito, fez-se a identificação
das concepções de currículo, cultura escolar e acadêmica;
verificou-se as representações de alunos/as, professores/as
e coordenadores/as sobre a relação entre a matriz curricular
(os componentes curriculares) do curso e o campo de atuação
do pedagogo; discutiu-se sobre as competências e habilidades
do estudante de pedagogia e do profissional pedagogo em
ambientes escolares e não escolares mediante o currículo do
curso e refletiu-se sobre a cultura escolar e acadêmica (normas,
práticas, conteúdos) subsistentes no curso de Licenciatura em
Pedagogia.

Currículo, cultura acadêmica e escolar no curso de pedagogia

Tem-se uma série de problemas sociais que não são


apresentados no currículo e nem tratados, discutidos pelos
professores/as. Nesse sentido, mostra-se, para além do conjunto
de normas criadas e estabelecidas na universidade e na escola
básica, a apropriação particular que os agentes escolares e
acadêmicos e toda a comunidade envolvida nos dois contextos
fazem delas, quando pensam o ensino, a aprendizagem, o ideal
de professor/a, o ideal de aluno/a, o currículo, o homem, a
mulher etc., nas suas concepções e práticas cotidianas. Todos
esses aspectos constituem o significado da cultura escolar e

O CURRÍCULO NAS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA 69


COMUNIDADE ACADÊMICA DO CURSO DE PEDAGOGIA
acadêmica, os quais estão interligados constituindo assim
o real e o ideal de um projeto, um modelo, um paradigma
educacional.
Nesse sentido, apresenta-se cultura escolar como “aquele
conjunto de saberes que, uma vez organizados, didatizados,
compõe a base de conhecimentos sobre a qual trabalham
professores e alunos”. Em Júlia (2001) encontra-se cultura
escolar dentro de uma abordagem histórica, como sendo uma
mescla de normas e práticas, que definem conhecimentos a
ensinar e condutas a inculcar que, em conjunto “[...] permite
a transmissão desses conhecimentos e a incorporação de
comportamentos” (JULIA, 2001, p. 2).
Para distinguir cultura escolar de cultura acadêmica
ou universitária apresenta-se esta última como sendo “um
conjunto de normas e práticas que professores/as, estudantes e
dirigentes concretizam na universidade, e, portanto, como uma
maneira de expressar normas e práticas científicas de estudantes,
pesquisadores/as, autores/as e professores/as universitários/
as” (DUARTE, 2008, p. 653). Na concepção do mesmo autor,
cultura escolar é definida como um conjunto de normas e
práticas estabelecidas por professores e alunos no ensino
básico, lugar em que as práticas científicas são apropriadas,
reelaboradas, reutilizadas e reorientadas (DUARTE, 2008).
Assim, o conceito de cultura escolar e cultura acadêmica
são utilizados para colocar em evidencia a função da escola
básica e da universidade como produtoras de conhecimentos e
transmissoras de uma cultura específica no quadro do processo
de socialização e integração dos/as estudantes e professores/as
(BARROSO, 1995). No presente texto procura-se ampliar esse
sentido relacionando a cultura acadêmica com a cultura escolar
como culturas interligadas pela formação na universidade para
atuação na escola básica, portanto, o sistema educacional
com todas as suas diretrizes, legislação, projetos, programas,

70  Jânio Jorge Vieira de Abreu • Carla Valéria Lopes Rodrigues


Maria Vanessa Vieira da Costa • Raquel Silva de Oliveira
políticas reflete e é reflexo das concepções e práticas e dos
significados do ser professor/a, ser aluno/a, ser gestor/a.
Desde o surgimento da escola e da composição do sistema
escolar brasileiro, existe um modelo e um ideal de professor e de
professora que está presente não só na escola, mas é reflexo e
reflete na sociedade. São concepções acadêmicas e socialmente
construídas e que permanentemente são reconstruídas como
parte da cultura escolar orientando desde a vocação ou a
inserção passando pelo processo de formação do/a professor/a
nos cursos de magistério ou faculdades de Educação até a
prática docente nas escolas. Ensina-se como deve ser um bom
professor, uma boa professora; qualidades; defeitos, etc.
Para Pincinato (2007), com tais propósitos, as diferenças
entre os sexos são transferidas para as profissões, o que confere
à docência significados femininos, pela associação direta à
maternidade e ao ato de cuidar das crianças comportando
assim reflexões sobre o processo de feminização do magistério,
especialmente nas escolas de formação, e sobre a forma como
se estabelecem as relações de gênero nessas instituições através
dos sujeitos que protagonizam tais espaços escolares.
São valores de uma cultura escolar histórica e social,
portanto, não é neutra, tem uma finalidade social e política.
São os interesses econômicos apropriando-se de valores
culturais para justificar, dentre outros aspectos, os baixos
salários, as precárias condições de trabalho etc. Seria um
modelo, concepção ou projeto de educação consequência de
uma ideologia política que visa desprestigiar socialmente o
magistério em função do financiamento público da educação?
São práticas ideológicas que perpassam as composições
curriculares no âmbito escolar e acadêmico. Porque, utilizando-
se da concepção de currículo de Silva (2011, p. 150):

O CURRÍCULO NAS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA 71


COMUNIDADE ACADÊMICA DO CURSO DE PEDAGOGIA
[...] Currículo é lugar, espaço, território. O currículo é
relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso.
O currículo é autobiografia, currículum vitae, no currículo
se forja nossa identidade, o currículo é texto, discurso,
documento. O currículo é documento de identidade.

Moreira e Silva (2013, p. 34), esclarecem: “se ideologia


e currículo não podem ser vistos separados na teorização
educacional crítica, cultura e currículo constituem um par
inseparável já na teoria educacional tradicional”. Considerando
essa concepção, os autores apresentam, em síntese, a seguinte
reflexão: “Nessa visão, o que é a educação e, em particular,
o currículo, senão uma forma institucionalizada de transmitir
a cultura de uma sociedade”? Percebe-se aí a necessidade de
discutir e refletir de forma mais aprofundada sobre o currículo
do Curso de Licenciatura em Pedagogia nas concepções e
práticas dos/as pesquisadores/as e da comunidade acadêmica
das instituições pesquisadas.

O Currículo do Curso de Licenciatura em Pedagogia nas


concepções e práticas de pesquisadores/as e da comunidade
acadêmica pesquisada

Com relação ao Curso de Licenciatura em Pedagogia,


uma das questões mais discutidas e mais sentidas por docentes
e estudantes, é a inserção e atuação no campo de trabalho.
Respeitadas a abertura ou ampliação e as diversas possibilidades
para o/a pedagogo/a atuar profissionalmente, ainda há
dificuldades, as quais estão relacionadas, principalmente:
à constituição do campo de conhecimento da Pedagogia – a
epistemologia pedagógica; ao processo de construção da
identidade do pedagogo; à formação docente, especialmente
para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental;
às instituições não escolares com seus diversos espaços e

72  Jânio Jorge Vieira de Abreu • Carla Valéria Lopes Rodrigues


Maria Vanessa Vieira da Costa • Raquel Silva de Oliveira
demandas educativas, mas antes de tudo e, em consequência
de todos esses aspectos, ao currículo – às composições
curriculares.
Para discutir com mais profundidade os aspectos
supracitados, fez-se pesquisa documental e de campo
abordando o currículo do Curso de Licenciatura em Pedagogia
em 3 (três) instituições localizadas na cidade de Teresina – PI,
sendo 2 (duas) públicas e 1 (uma) particular. Nestas, realizou-
se entrevistas com 12 (doze) discentes, 9 (nove) docentes e
3 (três) coordenadores/as, totalizando 24 (vinte e quatro)
colaboradores/as. Com este propósito utilizou-se a entrevista
não estruturada ou entrevista em profundidade no sentido
de promover uma maior aproximação com os participantes
da pesquisa, pois é uma técnica importante que permite o
desenvolvimento de uma estreita relação entre as pessoas.
(RICHARDSON, et al., 1999). Isto porque, “a entrevista é
utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do
próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver
intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos
interpretam aspectos do mundo”. (BOGDAN e BIKLEN, 1994,
p. 134).
A Pedagogia é um campo de conhecimentos sobre a
problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao
mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa.
Esta dimensão da constituição do campo de conhecimento
da Pedagogia possibilitou e possibilita grande abrangência
no campo de atuação do pedagogo, uma excessiva variação
na composição de currículos do Curso em todo o Brasil
contribuindo para um sério problema de identidade no mesmo.
É importante ressaltar, portanto, que qualquer concepção
ou conceito de Pedagogia deve estar em consonância com o
conceito de educação do sistema escolar e da sociedade na
qual estar inserida, definições essas que podem explicitar e

O CURRÍCULO NAS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA 73


COMUNIDADE ACADÊMICA DO CURSO DE PEDAGOGIA
justificar o campo de atuação do pedagogo e uma composição
curricular para o referido Curso já que a educação constitui o
objeto de estudo da pedagogia.
Com base em tal afirmação, a Pedagogia é concebida
como um: “[...] campo do conhecimento que se ocupa do
estudo sistemático da educação, isto é, do ato educativo,
da prática educativa concreta que se realiza na sociedade
como um dos ingredientes básicos da configuração da
atividade humana”, sendo a “[...] educação o conjunto das
ações, processos, influências, estruturas, que intervêm no
desenvolvimento humano de indivíduos e grupos na sua relação
ativa com o meio natural e social, num determinado contexto
de relações entre grupos e classes sociais” (LIBÂNEO, 2005)
ou, mais especificamente:

[...] uma prática social que atua na configuração da


existência humana individual e grupal, para realizar nos
sujeitos humanos as características de “ser humano”,
numa sociedade em que as relações sociais baseiam-se
em relações de antagonismo, em relações de exploração
de uns sobre outros, a educação só pode ter cunho
emancipatório, pois a humanização plena implica a
transformação dessas relações. (p. 30)

Seria, assim, necessário, dado o objeto de estudo da


Pedagogia, estabelecer um estatuto cientifico da mesma, pois,
como é consenso entre muitos pesquisadores (BRZEZINSKI,
2006; LIBÂNEO, 2005; PIMENTA, 2001 e outros), sempre foi
incômoda a sua relação com as outras ciências da educação,
tendo em vista a incapacidade das mesmas em dar conta
da especificidade do objeto educacional, o que, em muitas
experiências acontece, em função da finalidade social e política
a que ela se propõe ou pelos componentes ideológicos aos
quais ela se submete. É o que mostra Judite, professora e
coordenadora do Curso de Licenciatura em Pedagogia.

74  Jânio Jorge Vieira de Abreu • Carla Valéria Lopes Rodrigues


Maria Vanessa Vieira da Costa • Raquel Silva de Oliveira
Eu acho que o curso deveria ter...inclusive, novas
diretrizes que foram aprovadas agora e nós temos até
o próximo ano para redefinir essas diretrizes. Eu acho
que, particularmente, a Pedagogia hoje tem que ser
reformulada. Como te falei anteriormente, nós formamos
professor para dar aula ensino infantil e até o quinto ano
do ensino fundamental, isso não quer dizer que ele não
vá para outros espaços educacionais. Mas ir para outros
espaços educacionais é uma exceção. 70% vai para sala
de aula. (JUDITE, PROFESSORA COORDENADORA
PEDAGOGIA, UP-1).

Embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


nº 9.394/96 tenha suscitado esperança para uma qualificação
efetiva da educação escolar brasileira, nesses anos que
nos distanciam de sua implantação já ocorreram diversas
mudanças na educação, tanto no que diz respeito à legislação
quanto nos programas e projetos educacionais originados ou
orientados por ela, o que gerou uma fragmentação na referida
lei, bem como problemas para a continuidade das políticas
educacionais.
Ainda que o Projeto Pedagógico Curricular – PPC do
Curso de Pedagogia, a exemplo da UP-1, o qual compartilha,
em muitos aspectos, com o PPC de diversas instituições,
atualmente assegure a habilitação dos egressos para a
educação infantil, possibilitada pelas últimas reformulações
instituídas a partir da primeira década deste milênio, há
estudos que mostram dificuldades para os mesmos atuarem
neste nível de ensino e em outras atividades para as quais as
matrizes curriculares teoricamente habilitariam. (PIAUÍ/UP-
1, PPC CURSO DE PEDAGOGIA, 2013, p. 20). Isso reflete na
crítica que a professora Olga faz à matriz curricular do Curso
de Pedagogia da UP-1.

O CURRÍCULO NAS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA 75


COMUNIDADE ACADÊMICA DO CURSO DE PEDAGOGIA
O curso não forma, apesar desse leque de oportunidades
que tem o aluno. Mas o curso não tem uma identidade
certa, não tem. Ele tem lacuna em relação a educação
infantil, tem lacunas em relação aos anos iniciais, e tem
lacunas para as outras profissões. [...]. Não, não é reduzir
as possibilidades de atuação... [...]. É, deixar mais claro e
ter um currículo formador. Dentro da própria universidade,
ter currículo formador. Se criaria...por exemplo, se você
quer ir para a docência, se você se descobre sendo professor
de educação infantil e dos anos iniciais, ter um currículo
formador para compensar isso. Mas, eu não quero ir para
a docência, nem para a educação infantil, quero ser técnico
em ações educacionais. Vai ter um currículo formador
para isso. Quando mistura demais termina não formando.
(OLGA, PROFESSORA COORDENADORA PEDAGOGIA,
UP-1).

Outras instituições, públicas e particulares, também


se ressentem dessa realidade do Curso de Licenciatura em
Pedagogia. Aqui apresenta-se a realidade do Curso de Pedagogia
de uma das instituições mais respeitadas do Estado do Piauí –
a UP-2. Farias (2013), em seu estudo intitulado “A avaliação
curricular do curso de Pedagogia da UP-2 e suas implicações
na formação do pedagogo” identifica os diversos fatores que
motivaram os alunos e alunas pela escolha do mesmo, os quais
serão destacados a seguir:

[...] o desejo de realizar o sonho do ensino superior, pelo


vasto campo de atuação profissional proporcionado pelo
curso, por gostar de ensinar, pela importância atribuída
ao ato educativo, pela facilidade de adentrar o mercado
de trabalho, pelo status da profissão, pelo interesse em
contribuir para o desenvolvimento do indivíduo e da
sociedade, dentre outros. (FARIAS, 2013, p. 24).

76  Jânio Jorge Vieira de Abreu • Carla Valéria Lopes Rodrigues


Maria Vanessa Vieira da Costa • Raquel Silva de Oliveira
Entre as conclusões da autora supracitada, das falas
dos partícipes ela abstraiu que os conteúdos disciplinares
trabalhados no decorrer do curso são incoerentes com a
realidade vivenciada. Melo (2010) investigou o olhar dos
discentes sobre o curso de Licenciatura em Pedagogia da UP-2
e defendeu a necessidade de revisão da Proposta Curricular do
mesmo, com o intuito de atender as exigências da atualidade
do sistema de ensino do Estado do Piauí, tanto para a rede
estadual quanto para a municipal, bem como as orientações
oficiais dirigidas para o Curso de Pedagogia em âmbito
nacional. A proposta da citada autora reforça a afirmação de
Libâneo (2005, p. 29) quando enfatiza que a Pedagogia tem
como ocupação, de fato, desenvolver os processos educativos,
métodos, maneiras de ensinar, mas antes disso ela tem um
significado bem mais amplo, bem mais globalizante. Com
um olhar atual, apresenta-se o exemplo da aluna concludente
Laura, ao reclamar da falta de condições de funcionamento do
Curso:

Eu vejo aqui também dentro da universidade, eu vejo a


necessidade de existir um laboratório para pedagogia,
então isso é uma coisa de ser pensada muito bem pela
coordenação, pelos departamentos e se unirem nesse
sentido de pensarem nesse laboratório de pedagogia
eu acho que enriqueceria muito o Curso de Pedagogia.
(LAURA, CONCLUDENTE PEDAGOGIA, UP-2).

Considerando isso, é forçoso lembrar que a Pedagogia


no Brasil, em sua origem, em meados da década de 20
do século XX, seguia os interesses e influências da Igreja
Católica. A partir desse momento são preconizadas no país
concepções do movimento da Escola Nova, que caracterizava
a formação pedagógica como sendo uma formação docente
(LIBÂNEO, 2005, p. 121). Em 1961 foi publicada a primeira

O CURRÍCULO NAS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA 77


COMUNIDADE ACADÊMICA DO CURSO DE PEDAGOGIA
Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a 4.024/61, que “[...]
imprimiu tecnicamente um caráter orgânico e integrado ao
sistema nacional de ensino [...]” (BRZEZINSKI, 2006, p. 52).
Especificamente sobre o curso, ora em discussão, é registrado
que:

E em 1962 é lançado o Parecer CFE n. 251/62 que propõe


um currículo mínimo e a duração do Curso de Pedagogia,
passando a formar o bacharel. As grandes alterações
no Curso de Pedagogia são compreendidas pelo final
dos anos 60 [do século XX], com o parecer CFE n. 252
de 1969, de autoria de Valnir Chagas, que propõe a
formação de especialistas. Ainda nesse período 1968, com
a Lei n. 5.540/68, são fixadas as normas de organização
e funcionamento do ensino superior, o que caracteriza a
Reforma Universitária, e desencadeando o surgimento das
Faculdades de Educação (MELO, 2010, p. 12).

Em 1964, no Brasil tem início o regime ditatorial no qual


a educação escolar e consequentemente todas as políticas,
programas e projetos educacionais possuíam características
tecnicistas influenciando fortemente o trabalho pedagógico do
sistema escolar nos vários níveis de ensino, mas nos anos de
1970 com a instituição dos cursos de pós-graduação, em nível
de mestrado e doutorado, ao proporcionarem a realização
de pesquisas em educação de forma mais efetiva, gerando a
composição, estabelecimento de associações, centro de estudos
e outros meios de pesquisa em educação (MELO, 2010, p. 13),
contribuíram para um conhecimento mais aprofundado do
campo da Pedagogia e das demandas de uma formação para
educação básica, especialmente, a educação infantil.
Em1984, decorrendo da luta da sociedade brasileira
principalmente dos movimentos sociais, de segmentos
intelectuais progressistas – pesquisadores, artistas e políticos,
empresários, dentre outros, a ditadura militar chega ao fim

78  Jânio Jorge Vieira de Abreu • Carla Valéria Lopes Rodrigues


Maria Vanessa Vieira da Costa • Raquel Silva de Oliveira
e a sociedade brasileira passa pela reabertura democrática
possibilitando uma maior movimentação de entidades e
organizações que eram a favor do amplo debate educacional
(LIBÂNEO, 2005). Entre esses diversos debates se manifestam
vários educadores que compartilham dos mesmos ideais,
vindo a surgir comitês e comissões dando origem a Associação
Nacional pela Formação de Profissionais da Educação
(ANFOPE).
Os debates, os fóruns temáticos acerca da educação
escolar continuaram a existir, seja através dos movimentos
sociais ou no âmbito governamental, mas essas discussões se
intensificaram somente no início dos anos de 90 do século XX,
período este em que foi colocada em pauta a epistemologia
pedagógica. Para Melo e Cabral (2010), em meio a muitas
controvérsias, mesmo conseguindo adquirir o status de
formação superior, o Curso de Pedagogia não é reconhecido de
uma única forma e nem se propõe a uma única formação. Para
Pimenta (2001):

Para além da dificuldade fundamental característica


das Ciências Humanas, a educação apresenta uma
suplementar – as dificuldades na delimitação de seu
objeto/método – também porque sua natureza de prática
social tem possibilitado o seu entendimento como um
campo de aplicação de outras ciências. (p. 43/44).

A autora supracitada menciona a LDB nº 9.394/96 como


uma dessas medidas oficiais, em que estabelece no seu artigo 64
a formação que compete ao Curso de Pedagogia, destacando a
amplitude da educação. Embora essas mudanças históricas se
expressem como promissoras, o Curso de Pedagogia se ressente
de um problema de identidade em relação à educação infantil,
uma realidade que contempla muitos cursos de pedagogia no
Brasil. Como mostra a Professora Salete:

O CURRÍCULO NAS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA 79


COMUNIDADE ACADÊMICA DO CURSO DE PEDAGOGIA
É, eu participei do Endipe, dois anos atrás, e a Selma
Garrido fez essa, esse levantamento e foi uma das propostas
apresentadas no Endipe foi a, o currículo do curso de
Pedagogia, eu fiquei, sai de lá estarrecida, porque eu vi
verdadeiros absurdos, até disciplina de Primeiros Socorros
tinha no curso de Pedagogia. (SALETE, PROFESSORA
PEDAGOGIA, FACULDADE).

Diante desse problema de identidade e respeitadas


algumas tentativas de reformulação do curso as quais
colaboraram ou que, em muitas realidades, nem funcionaram,
como exemplo, a tentativa de institucionalização do Curso de
Licenciatura Plena em Normal Superior, como fica a educação
infantil? Pergunta-se: quem pode educar as crianças? Há
incertezas e muitos preconceitos sobre o/a profissional ideal
para a Educação Infantil.

Não só docência, mas você pode trabalhar na Petrobrás,


tem concurso. Ministério Público da União abre para
pedagogo, Bancos abrem para pedagogo, Policia
Federal abre para pedagogo. Então, te dá vários espaços
profissionais que as outras áreas não te dão. Mas se eu
pegar apenas a Educação Infantil, deixar bem claro, o
pedagogo lá na Educação Infantil, esquecendo todos os
profissionais. Então, você tem que repensar um pouco
esse perfil profissional. Ministrei aula no semestre passado
em uma turma que tem um senhor em seus 55 anos de
idade. Como é que ele vai trabalhar com criança? (OLGA,
PROFESSORA COORDENADORA PEDAGOGIA, UP-1).

Com um currículo tão amplo é emblemático dizer qual é


a educação, qual é o educador ou qual a formação ideal para a
infância porque é necessário pensar a identidade e a objetividade
na formação para determinadas áreas. Isto porque, podemos
constatar que o atendimento em creches e pré-escolas, como
direito social das crianças, foi assegurado na Constituição de

80  Jânio Jorge Vieira de Abreu • Carla Valéria Lopes Rodrigues


Maria Vanessa Vieira da Costa • Raquel Silva de Oliveira
1988, com o reconhecimento da Educação Infantil como dever
do Estado, mas, muito embora, desde então, o campo da
Educação Infantil viva sob um intenso processo de revisão de
concepções sobre educação de crianças em espaços coletivos,
de seleção e fortalecimento de práticas pedagógicas mediadoras
de aprendizagens e do desenvolvimento das crianças, ainda não
foram efetivadas políticas educacionais sólidas para a infância.

Conclusões reflexivas

O currículo na formação profissional do/a pedagogo/a


deve assegurar a aquisição de conhecimentos sobre o
conteúdo específico – didático, sobre o desenvolvimento
humano e sobre a forma como cada cultura caracteriza as
diferentes faixas etárias. É necessário que os/as estudantes, em
formação, tenham instrumentos para conhecer e compreender
características culturais dos/as alunos/as – suas diferenças em
função do sexo, da idade, do grupo social ao qual pertencem,
as diversas representações sociais e culturais que cada
comunidade constrói das identidades de gênero dos diferentes
períodos: infância, adolescência, juventude e vida adulta.
Um currículo, uma matriz curricular, um projeto
pedagógico curricular e qualquer intenção por uma educação
humanitária, na sociedade contemporânea, não pode
prescindir, também, da promoção de uma educação voltada
para a “equidade de gênero.” 2 Isso significa que educar é
uma prática social que pressupõe reconhecer as diferenças e
a heterogeneidade humana, em um determinado momento

2 Equidade de gênero, é o sistema de relações interpessoais e sociais


baseado na igualdade entre os sexos e na valorização equilibrada
das qualidades consideradas femininas ou masculinas. (SOUSA E
CARVALHO, 2003).

O CURRÍCULO NAS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA 81


COMUNIDADE ACADÊMICA DO CURSO DE PEDAGOGIA
histórico bem como as especificidades do grupo ou das pessoas
envolvidas no processo.
Formar um pedagogo, educar o ser humano, demanda,
além da aquisição de conhecimentos ou conteúdos
epistemologicamente selecionados e já produzidos sobre a
realidade das pessoas envolvidas, também uma reflexão sobre
suas próprias representações e crenças, implicando muitas
vezes uma revisão de valores pessoais. Exige reconhecimento
da subjetividade humana, mas uma objetividade com
aprofundamento que possibilite a criação de habilidades e
competências para desenvolver o trabalho educativo.
Considerando isso, o estudo mostrou que o curso, através
do seu currículo, precisa ter mais objetividade e aprofundamento
nas suas atividades formativas, especialmente para atuação
na educação infantil. Em meio a muitas contradições, mesmo
conseguindo adquirir o seu estatuto de cientificidade e de
formação superior, o Curso de Pedagogia é reconhecido como
tendo composições curriculares muito diversificadas e se propõe
a formar profissionais com perfis e competências técnicas para
diferentes campos de atuação, o que torna o profissional de
pedagogia frágil em relação aos fundamentos epistemológicos
da pedagogia e à prática pedagógica nas atividades e espaços a
que ele se propõe.
O foco da formação, embora com habilidades,
competências técnicas e humanas superficiais, ainda é a
docência na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental. Os currículos dos Cursos de Pedagogia foram
ampliados, mas ficaram ineficientes para a formação do/a
Pedagogo/a, especialmente para atuação fora da escola, um
espaço muito defendido e almejado para os homens e mulheres
estudantes de pedagogia.

82  Jânio Jorge Vieira de Abreu • Carla Valéria Lopes Rodrigues


Maria Vanessa Vieira da Costa • Raquel Silva de Oliveira
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O CURRÍCULO NAS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA 85


COMUNIDADE ACADÊMICA DO CURSO DE PEDAGOGIA
O TRABALHO DO SUPERVISOR
EDUCACIONAL JUNTO AO PROFESSOR
DIANTE DOS DESAFIOS DE ALUNOS COM
NECESSIDADES ESPECIAIS EM SALA DE
AULA

Marcileide Sobral Xavier1


Elizângela Fernandes Martins2

Introdução

P
retende-se com este artigo abordar o trabalho do
Supervisor Educacional junto ao professor diante
dos desafios de alunos com necessidades especiais
em sala de aula, apresentar um breve histórico da educação
no Brasil. Uma das temáticas mais discutidas no cenário
acadêmico atualmente é a educação inclusiva e nesse contexto

1 Graduada em Pedagogia pelo Centro de Estudos Superiores de Caxias


da Universidade Estadual do Maranhão, e aluna de Pós graduação
Latus-senso em Gestão, Supervisão e Planejamento Educacional pelo
IESF – Instituto de Ensino Superior Franciscano em Caxias, MA.
2 Graduada em Pedagogia e Doutora em Educação

O TRABALHO DO SUPERVISOR EDUCACIONAL JUNTO AO PROFESSOR DIANTE 87


DOS DESAFIOS DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS EM SALA DE AULA
se avalia a possibilidade de desenvolver um processo de ensino
aprendizagem que atenda a real necessidade do público como
um todo. Tem-se observado que o professor enfrenta muitas
dificuldades na sua prática docente diante de alunos com
necessidades especiais na sala de aula e que o mesmo precisa
de contribuições de outros profissionais da escola, incluindo o
Supervisor Educacional. Por isso, pretende-se enfatizar como
o Supervisor Educacional pode contribuir para a melhoria da
prática escolar do professor que atende alunos portadores
de necessidades especiais, bem como analisar as dificuldades
enfrentadas pelo professor na sala de aula com alunos
portadores de necessidades especiais e as contribuições do
Supervisor Educacional junto a esse professor.
O artigo tem como objeto de estudo o processo ensino
aprendizagem entre Supervisor x Professor, Professor x Alunos.
De acordo com a metodologia de estudo, a pesquisa é explicativa
porque busca uma relação de causa-efeito na prática docente
entre Supervisor e professor, professor e alunos. É também
descritiva, pois visa descrever os desafios enfrentados pelo
professor no seu cotidiano escolar, principalmente com alunos
portadores de necessidades especiais e como o Supervisor
Educacional poderá contribuir para a sua prática pedagógica.
Bibliográfica porque houve a necessidade de dividi-la em dois
momentos para aprimorar a base exploratória e qualitativa
do estudo. Em um primeiro momento, se trabalhou a fase de
coleta das fontes sobre a temática, a abrangência da coleta
atingiu tanto as fontes escritas como fontes digitais.
Em seguida, houve o segundo momento em que se
desenvolveu a fase de análise das fontes coletadas no intuito
de avaliar as fontes que tinha mais aproximação com a
temática e descartar outras que não apresentaram tanta

88  Marcileide Sobral Xavier • Elizângela Fernandes Martins


relevância para o estudo em questão. A seleção e leitura das
fontes proporcionaram estruturar uma base teórica que
fundamentam a construção literária da pesquisa. O intuito
de tornar a linguagem do trabalho simples para facilitar seu
entendimento, principalmente no âmbito da estrutura de
organização dos tópicos, este foi dividido em cinco partes: a
primeira traz algumas considerações iniciais orientando o leitor
para o próprio padrão organizacional da pesquisa.
A segunda parte que destaca a educação no brasil:
histórias e desafios. Nesse contexto, serão debatidas a educação
e a prática de supervisão escolar, adentrando ao processo
de formação do professor e do Supervisor para atuarem
no processo de ensino e aprendizagem. Ainda comentando
sobre essa parte do trabalho, se discute educação inclusiva
separados por muros invisíveis para promover uma discussão
crítica sobre os obstáculos enfrentados pelos profissionais
pela própria educação inclusiva no processo de socialização
do público assistido. Após toda essa discussão, o momento
será oportuno para apresentação de sugestões que possam
unir os trabalhos de professores e supervisores educacionais
no intuito de contribuir com o ensino educacional inclusivo.
Diante do estudo realizado, será possível apontar as vantagens
e desvantagens dos métodos utilizados tanto pelo professor
quanto pelo supervisor na atual realidade de suas práticas
profissionais.
E por fim, tem-se algumas considerações finais
destacando toda a experiência e aprendizagem adquiridas
durante o desenvolvimento desse trabalho que se propõe não
só defender a prática de educação inclusiva, mas também de
aproximar o supervisor educacional dessa realidade que se
mostra tão necessária para a construção de uma sociedade

O TRABALHO DO SUPERVISOR EDUCACIONAL JUNTO AO PROFESSOR DIANTE 89


DOS DESAFIOS DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS EM SALA DE AULA
mais justa e esclarecida no que se refere aos direitos do cidadão
brasileiro. Os sujeitos envolvidos na pesquisa são o Supervisor
Educacional, professor e alunos portadores de necessidades
especiais.
Este estudo se mostra de extrema relevância por discutir
problemas relacionados a prática docente do professor diante
dos desafios de alunos portadores de necessidades especiais.
O professor precisa de apoio da equipe pedagógica da escola,
incluindo o Supervisor Educacional. Dessa forma, esta pesquisa
visa sinalizar a importância do aluno portador de necessidade
especial sentir-se mais acolhido no ambiente escolar, diante de
uma prática docente mais significativa. Se propõe servir como
base de leitura para profissionais da educação, pois destaca
um conteúdo fundamentado por teóricos conhecedores do
assunto como: Mantoan (2008), Antunes (2003), Saviani
(2006), dentre outros.
A iniciativa dessa pesquisa também é, além de fornecer
um conhecimento sobre a atuação de supervisor educacional
no processo de ensino aprendizagem inclusivo, visa se tornar
uma ferramenta importante no que se refere ao acesso de
mais informações sobre a temática aqui apresentada. Os
objetivos específicos, a pesquisa visa: diagnosticar pontos em
que o Supervisor Educacional pode contribuir com o professor
no desenvolvimento da sua prática pedagógica com alunos
portadores de necessidades especiais e discutir os desafios
enfrentados pelo professor na sala de aula com alunos
portadores de necessidades especiais.

90  Marcileide Sobral Xavier • Elizângela Fernandes Martins


Educação no Brasil: histórias e desafios

Os desafios de se educar no Brasil ainda se constituem


em obstáculos que de certo modo não tem permitido o avanço
nesse processo educativo como se espera ou deseja. Essa
realidade se dá devido diferentes aspectos históricos que direta
e indiretamente afetaram, historicamente, a educação no país.
No intuito de entender mais detalhes sobre esse
fenômeno que tem ocasionado um atraso em relação aos ideais
da educação nacional, o momento é oportuno para reflexões
sobre esses aspectos históricos que até o momento repercutem
no direcionamento da educação.
A história revela que esse processo da educação no Brasil
iniciou a partir de práticas elaboradas para “domesticar”
dominar o nativo ainda no período colonial brasileiro. Algo que
vai de encontro com o princípio primordial da educação que é
preparar para a liberdade e posições diferentes em sociedade.

Além disso, os padres jesuítas exerceram forte influência


na sociedade, principalmente burguesa. Eles introduziram,
no período colonial, uma concepção de educação que
contribuiu para o fortalecimento das estruturas de poder
hierarquizadas e de privilégios para um pequeno grupo.
Incutiram a ideia de exploração de uma classe sobre a
outra e a escravidão como caminho normal e necessário
para o desenvolvimento. A educação tinha o papel de
ajudar de perpetuar as desigualdades entre as classes
sociais (MONTEIRO, 2018)

Então, se sabe que com a educação implantada pelos


portugueses no período colonial se constitui em uma estratégia
de dominação do nativo, logo se entende que esse processo
educativo vem se reformulando ao longo do tempo, o que

O TRABALHO DO SUPERVISOR EDUCACIONAL JUNTO AO PROFESSOR DIANTE 91


DOS DESAFIOS DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS EM SALA DE AULA
explica as dificuldades ainda relacionadas a essa área no século
XXI.
A escola vigente passa a ser cobrada por todos os
benefícios que a educação deveria oferecer, conforme apresenta
a constituição brasileira de 1988 que defende o direito de
educação para todos os brasileiros. Porém, é preciso citar
que os objetivos educacionais lançados pela escola brasileira
no plano da teoria vem cumprir e satisfazer esse propósito
defendido pela constituição, mas existem outros aspectos
sociais e econômicos que afetam o desempenho ou práticas
desses objetivos almejados pela constituição no país.
Espera-se que a escola resolva problemas de natureza
social, como a criminalidade, a indisciplina, a violência, etc.
esses fatores são refletidos no âmbito escolar já que a escola
não é independente da sociedade. A defasagem no ensino, a
falta de qualificação profissional, a baixa remuneração dos
professores apontam para uma educação que ainda precisa de
muitos avanços.
Esses aspectos que destacam o perfil da problemática
sofrida pela escola não se constitui somente em uma realidade
atual, visto que essa questão problemática sobre escola e
sociedade já tem se debatido ao longo de toda a história da
educação brasileira. É verdade que já se tem testemunhado
algumas evoluções significativas, porém ainda há muito o que
se superar para se tornar uma escola que sirva ao propósito
social desejado.
Por muitos anos, esses desafios se tornaram uma ideia
bem distante da realidade, tudo porque a história da educação
brasileira exemplifica um intenso distanciamento entre escola
e sociedade, e esse procedimento ou comportamento dessas
instituições constituem um “contrapé” para o processo de

92  Marcileide Sobral Xavier • Elizângela Fernandes Martins


formação do indivíduo. Logo porque, a escola surge na história
com o propósito de educar e promover a socialização desse
indivíduo em sociedade.
Entretanto, o que se percebia é que essa instituição
escolar por muito tempo desconsiderou a aprendizagem social
dos estudantes e proporcionou conteúdos que em muitos
casos não eram trabalhados a partir de uma metodologia que
promovesse essa relação social em sala de aula.
O ponto debatido anteriormente, justifica uma
base fraca da escola que era o distanciamento e trabalhos
descontextualizados da sociedade, que perdurou por um longo
período da história da educação brasileira e que a atual vigência
da sociedade coloca como um desafio para ser superado pela
escola.
Em resumo, entende-se que a instituição escolar e
sociedade não podem caminhar para direções contrárias,
uma vez que cabe à escola, como instituição formadora para
a vida social reinterpretar as questões sociais em sala de aula e
possibilitar um processo de aprendizagem crítico e aprofundado
dessas questões aos estudantes.
A história mais uma vez explica que o distanciamento
entre escola e sociedade se deu principalmente pela forma
como foi constituído o estado brasileiro. Em outras palavras,
no período do Brasil colônia, poucos brasileiros tinha o
privilégio de ter acesso a escola, e quando essa instituição se
expandiu para atender toda a população, se observou uma
extrema dificuldade para desenvolver uma comunicação entre
esses novos alunos inseridos no processo escolar.
Essa escola, por muito tempo serviu filhos de uma classe
abastecida economicamente, portanto, tinha como prioridade
trabalhar os conteúdos tendo como referência o contexto social

O TRABALHO DO SUPERVISOR EDUCACIONAL JUNTO AO PROFESSOR DIANTE 93


DOS DESAFIOS DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS EM SALA DE AULA
desse seu primeiro público atendido. E quando se expandiu para
toda a população brasileira, houve uma pequena dificuldade
na compreensão de valores de um público diversificado, pois a
maioria desse público não tinha acesso à escola e começava a
ser inseridos, porém com conteúdo bem distantes da realidade
social.

As aulas régias tinham o nítido objetivo de preencher a


lacuna deixada pelos jesuítas e secularizar o ensino. Com
esse modelo de educação pombalino, deu-se ênfase aos
estudos menores de aprendizagem, que se tornava mais
rápida e eficaz. O objetivo último era preparar uma elite
necessária para fins econômicos e políticos, pela qual
ansiava o Estado. Na virada do século XVIII para o século
XIX, tornou-se muito comum a elite local da colônia
do Brasil enviar seus filhos para a cidade de Coimbra,
em Portugal, com o intuito de eles completarem a sua
formação (FERNANDES, 2018)

Observa-se que de acordo com o fragmento referenciado,


a educação pensada para a Colônia, ou seja, para o Brasil,
trazia fins específicos para valores locais, sem um objetivo
para uma formação universal. Por isso, as famílias mais ricas
da época, em geral, enviavam seus filhos para a Europa no
intuito possibilitar que os jovens recebessem a educação
formal completa. Todavia, é preciso dizer que a educação no
país nessa época era bem diferente da educação atrelada a uma
supervisão escolar, como se conhecerá a seguir.

Educação e a prática da supervisão escolar

A educação tem uma função social de conceber o homem


na sua totalidade, tendo papel relevante na sua formação do

94  Marcileide Sobral Xavier • Elizângela Fernandes Martins


homem enquanto ser social, por isso, a escola precisa levar
em consideração suas múltiplas necessidades. No entanto, no
interior da escola ainda se perpetua problemas comuns como
a repetência de alunos; a má remuneração de professores, este
por sua vez está sempre insatisfeito com o seu salário, o que
não o leva a refletir sobre sua prática docente. Diante dessa
realidade, a figura do supervisor escolar é fundamental na
atuação do processo educacional.
O supervisor pode ajudar na formação dos professores,
ajudando-os na sua reflexão, revendo com os educadores o
contexto social, político e econômico do qual estão inseridos.
O supervisor deve contribuir com estratégias de ação para que
os desafios enfrentados pelo corpo docente da sua escola,
como dificuldades didáticas e metodológicas.
Um dos grandes desafios que os professores enfrentam
em sala de aula é indisciplina dos alunos, por isso, o supervisor
deve orientar e dá suporte a sua equipe, desenvolvendo
estratégias que possa intervir de maneira positiva no processo
ensino aprendizagem. A indisciplina muitas vezes está
relacionada a problemas sociais e familiares, e na maioria das
vezes os professores não sabem como lidar com essa situação,
sem dúvida essa problemática atrapalha na aprendizagem
dos alunos, interfere nos relacionamentos interpessoais dos
discentes, fazendo com que os professores percam muito
tempo resolvendo conflitos, ao invés de estar mediando
conhecimentos.
Portanto, esse é um desafio que precisa ser superado e
uma das estratégias do supervisor deve ser trabalhar com a
prevenção da indisciplina, por isso, este profissional precisa
estar devidamente habilitado para agir junto a este corpo

O TRABALHO DO SUPERVISOR EDUCACIONAL JUNTO AO PROFESSOR DIANTE 95


DOS DESAFIOS DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS EM SALA DE AULA
docente ajudando-os no desenvolvimento de sua metodologia
em sala de aula.
O supervisor deve acompanhar de perto o trabalho dos
professores, pode-se fazer reuniões mensais e procurar detectar
as dificuldades enfrentadas por eles na sala de aula e assim
orientar, organizar e tomar as medidas cabíveis para atender às
suas necessidades e consequentemente superar suas principais
dificuldades.

Visto que a indisciplina está relacionada não apenas


a um problema “único”, mas que muitas vezes acaba
envolvendo aspectos relacionados à família, situações
sociais, escola, comunidade, entre outros; cabe ao
supervisor possibilitar métodos que auxiliem na ação/
reflexão das práticas pedagógicas. (MENEZES, s/p,2018)

A escola é um espaço que trabalha valores e atitudes,


portanto, influencia na mudança de atitude das pessoas que
compõe esse espaço. Com a globalização, este espaço está
cada mais exigente de profissionais que estejam engajados
no setor político, econômico e pedagógico para se trabalhar
dentro dessa esfera da sociedade.
Para Vasconcelos (2002) o supervisor surge como um
sujeito articulador da reflexão, participação da prática escolar
e pode orientar e acompanhar o professor no desenvolvimento
do ensino aprendizagem. Por isso, é muito importante que
haja uma boa comunicação entre a equipe técnica escolar, o
supervisor é encarregado de promover oportunidades de estudos
coletivos e a interação entre teoria e prática, colaborando não
apenas com os professores da escola, mas buscar promover
uma relação amistosa entre família e essa instituição educativa,

96  Marcileide Sobral Xavier • Elizângela Fernandes Martins


e assim buscar alternativas que possam contribuir para uma
melhor qualidade no ensino aprendizagem.
Então, observa-se que para o supervisor escolar
desenvolver a prática de supervisão necessita se fundamentar
em diretrizes voltadas para a ação – reflexão – ação. Salienta-se
que essa experiência não acontece de maneira esporádica, mas a
partir de estudos teóricos sobre os conhecimentos pedagógicos
sobre as práticas escolares. Aproveitando dessas práticas
escolares em uma interação com o próprio social, se vale do
que defende Saviani (2006) no momento em que relata que a
educação era exercida através das relações das comunidades e
do próprio meio ambiente. Ou seja, a educação acontecia pelo
exemplo, de forma indireta.
Ressalta-se que no período da chegada dos jesuítas no
Brasil, em 1549, já existia a presença do supervisor, porém sem
a formalidade da função como é estabelecida na realidade
atual. Mas ao longo da história, se percebeu a necessidade
de estruturar essa função de supervisor para um perfil que
atendesse a realidade do momento do país na época, se
organizou um sistema nacional de educação, atrelada a essa
mudança, a ideia de supervisão foi ganhando o perfil para
uma nova categoria profissional, com autonomia em relação
a equipe administrativa, mas sem distanciamento, compondo,
especificamente, a equipe técnica.
Tendo como base os argumentos citados, adianta-se dizer
que a função de supervisor, no formato conhecido, é recente.
Pois a partir da ideia de ser desenvolvida como profissão, se
distanciou da concepção de fiscalizar. Vale comentar que os
estudos na área de supervisão nos anos de 1970 se ampliaram,
surgindo cursos de graduação e especializações para essa área,
mas isso, apesar de ter contribuído para uma evolução da

O TRABALHO DO SUPERVISOR EDUCACIONAL JUNTO AO PROFESSOR DIANTE 97


DOS DESAFIOS DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS EM SALA DE AULA
profissão, mas ainda se percebe a necessidade de se aprofundar
os conhecimentos sobre o assunto, para que se possa nortear
uma compreensão mais detalhada do papel do supervisor
escolar.
Segundo Freire (1993) o Supervisor deve ajudar a promover
o crescimento da equipe escolar, dando a sua participação na
formação dos professores, possibilitando uma visão mais ampla
do seu trabalho pedagógico, para isso, esse profissional precisa
ser questionador, provocador, desequilibrador, oferecendo
subsídios para uma elevação de consciência da sua equipe.
O Supervisor escolar precisa contribuir para a educação
que se almeja alcançar, uma educação mais justa e igualitária,
buscando ações para contribuição positiva, se aproximando
mais da escola, participando do processo de formação
escolar de forma direta e criativa tanto no desenvolvimento de
planejamentos, quanto de outras atividades dentro da escola,
que possa envolvê-lo mais ainda com sua nova realidade
profissional.

A formação do Professor e do Supervisor para atuarem no


processo educativo

Discutir a formação de profissionais da educação tem sido


uma prática muito comum no contexto educativo brasileiro. E
o professor é o pivô na maioria dessas discussões. O que leva
este trabalho de pesquisa a entender esse campo de discussão
sobre a formação docente, mas demonstrando preocupação
em destacar um paralelo entre a formação do professor e
a formação do supervisor escolar, no intuito de debater o
processo de preparação desses profissionais para atuarem, em
parcerias, na prática de ensino e aprendizagem.

98  Marcileide Sobral Xavier • Elizângela Fernandes Martins


Muitos estudos já apresentados se limitam a destacar
possíveis deficiências de formação acadêmicas ou superior
desses profissionais. Mas permanecer nesse viés de debate não
contribui para uma evolução do nível de discussão sobre a
temática, mesmo, porque a formação em concordância com o
processo de aprendizagem é uma prática contínua.

Os professores precisam dominar cada vez mais os


conteúdos curriculares, os processos de ensino e
aprendizagem, isto é, especializarem-se no “o que”, no
“como” e no “para que” se ensina e se aprende. Ao nosso
ver e inspirados nos projetos que visam uma educação de
qualidade para todos, o tratamento das questões relativas
ao ensino de pessoas com deficiência na formação geral
de educadores eliminaria, em grande parte, os obstáculos
que se interpõem entre a escola regular e esses alunos.
Em resumo, a formação única para todos os educadores
propiciaria a tão esperada fusão entre a educação especial
e regular, nos sistemas escolares. (MANTOAN, 2003, p.
93)

Então, com base fundamentadas pelo teórico


supracitado, se percebe a urgência em evoluir o nível de debate
sobre a formação tanto do professor, quanto do supervisor
escolar, é sobre isso, que o trabalho de pesquisa em andamento
se propõe realizar. Entende-se que algumas deficiências podem
até resultar da formação acadêmica, mas para adentrar ciente
nesse assunto, seria relevante discutir não só os métodos
utilizados pela academia para formar esses profissionais, mas
também aspectos da vida pessoal que podem ter interferido
durante o processo de formação acadêmica.
Diante da impossibilidade de mencionar todos os aspectos
da vida pessoal que podem ter influenciado as deficiências
da formação do professor e do supervisor, se torna inviável

O TRABALHO DO SUPERVISOR EDUCACIONAL JUNTO AO PROFESSOR DIANTE 99


DOS DESAFIOS DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS EM SALA DE AULA
permanecer nessa linha de discussão. Por isso, é bem mais
relevante debater a formação continuada desses profissionais.
Atentando, também, para o interesse e planejamento da
instituição escolar no que tange a continuação da formação de
toda equipe envolvida diretamente, com as atividades de ensino
e aprendizagem de crianças, ou estudantes em diferentes faixas
etárias na escola.
A formação do professor, do supervisor ou qualquer
outro profissional escolar precisa ter seu nível de formação
acompanhado pela própria escola, para que essa instituição
possa identificar as oportunidades de formação, e desenvolver
estratégias ou apoiar a participação em programas de formação.

Educação inclusiva: “Separados por muros invisíveis”

A história sobre a inserção social de pessoas com


deficiência mostra toda a dificuldade sofrida por essas pessoas
até os dias atuais. Entretanto, é preciso destacar que a sociedade
tem se esforçado para oferecer um processo de socialização mais
apropriado para que essas pessoas se sintam mais envolvidas
socialmente, e a educação inclusiva é um alternativa para
garantir a autonomia dos deficientes, se estruturou políticas
para tornar o ambiente escolar em um espaço inclusivo, mas a
realidade não se revela tão fácil como deveria, pois, se constata
que os profissionais foram até orientados, mas muitos não
foram preparados para abraçar a causa da educação inclusiva.
Em resumo, a própria sociedade, público da escola,
não recebeu essa preparação para receber em seu espaço
de formação, alunos com deficiência. Então, diante dessa
constatação se avalia que essas pessoas com deficiências
separadas e isoladas no passado, agora estão integradas no

100  Marcileide Sobral Xavier • Elizângela Fernandes Martins


espaço educativo, todavia, permanecem separadas e isoladas,
só que agora, diferente da realidade do passado, isso tem
acontecido dentro da escola, visto que em muitos casos, não
existe uma comunicação direta do professor da sala com os
alunos deficientes, e essa falha também acontece na relação de
crianças não deficientes com crianças deficientes, um mesmo
espaço, mas separados por muros invisíveis. Uma realidade
que a educação brasileira precisa superar para deixar de ser
uma educação integrativa, e se tornar, de fato, uma educação
inclusiva, como se propõe ser.
O momento é de refletir muito sobre isso, pois a inclusão
social é um bem indispensável para a sociedade brasileira, se
reconhece que atender todos os requisitos necessários para
promover a inclusão nesse direcionamento não é fácil, mas não
há como recuar, é preciso analisar e corrigir rotas, para que
a educação inclusiva se torne uma realidade com resultados
positivos. Reforçando essas palavras Antunes (2008) enfatiza
que:

Não é fácil implantar uma nova pedagogia para combater


um mal quando se admite que ele é enorme. No entanto,
a inclusão não mais pode permitir retrocessos, pois se
apoia na aceitação das diferenças individuais como
atributo, jamais como obstáculo no direito de participar.
Parece ter chegado finalmente a hora de descobrir que é
essencial valorizar o que a espécie humana possui de mais
extraordinário- sua formidável diversidade (ANTUNES,
s/p, 2008)

Mesmo diante das dificuldades encontradas, é necessário


que a equipe escolar repense sua prática diante desse público,
nem todas as escolas tem a oportunidade de receber esses
alunos, e quando recebem, não estão preparadas no que se refere

O TRABALHO DO SUPERVISOR EDUCACIONAL JUNTO AO PROFESSOR DIANTE 101


DOS DESAFIOS DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS EM SALA DE AULA
a espaço físico acessível, recursos adaptados e principalmente
a formação de professores. Sendo que precisam ser adequadas
para valorizar o direito de pessoas com deficiência, conforme
a lei. Essas escolas recebem as crianças deficientes, sem uma
preparação prévia da equipe para atender a realidade da
inclusão, e, por isso, infelizmente, esses alunos acabam ficando
à margem da relação homem e sociedade. E isso se torna mais
difícil, porque a equipe escolar nem sempre se dispõe a oferecer
o apoio necessário para o professor, e este, por sua vez, acaba
não abraçando a causa como deveria.
É visível que o professor enfrenta grandes dificuldades,
como por exemplo, muitas vezes esses alunos chegam à escola
sem um diagnóstico definido, em casos como esses o professor
precisa trabalhar em conjunto com sua equipe, esta por sua
vez, deve tomar providências junto à família para que se
descubra o real problema e assim atuar de maneira mais eficaz,
trabalhar os particulares de cada criança e assim contribuir
com o processo de formação dela. Diante disso, fica claro
que, segundo a Declaração de Salamanca (1994, p.8) precisa
acontecer mudanças em vários aspectos da escolarização, na
própria filosofia da escola, pedagogia, currículos, etc; para que
se tenha uma educação inclusiva com resultados práticos.
O sistema educacional precisa se adaptar as necessidades
dos alunos portadores de deficiências, isso sim, é inclusão
social, mas o que ainda acontece é apenas a integração, onde os
alunos é que se adaptam as escolas. Portanto, para que a escola
ofereça um ensino de qualidade e atenda suas necessidades
educacionais, na verdade precisa ocorrer uma mudança no
sistema educacional de ensino, e assim, uma transformação na
escola, para que o aluno aprenda tendo suas peculiaridades

102  Marcileide Sobral Xavier • Elizângela Fernandes Martins


respeitadas e levadas em consideração durante o processo de
ensino e aprendizagem.

Sugestões para a parceria entre Supervisor e o restante da


equipe escolar

Este estudo tem, também, como perfil diferencial o


interesse em contribuir com o processo de consolidação da
educação inclusiva. Então, partindo do que mais interessa o
maior desafio a ser superado não está relacionado à formação
do professor ou outros profissionais da equipe educativa, mas
essa “barreira” que impede a educação inclusiva de evoluir
em critério de resultados práticos, também, se explica por
oportunidades no próprio planejamento posto em prática. E
é nesse critério que o supervisor educacional pode contribuir
bastante para superação dessa realidade, em que alunos
com deficiência são integrados no meio escolar e social, mas
as ferramentas utilizadas não permitem que os profissionais
de educação acompanhem a evolução desses alunos
simultaneamente a evolução dos alunos não deficientes.
Então se pensou, como sugestão, a utilização de uma
Matriz SWOT para direcionar esse planejamento educacional
da escola inclusiva, e o positivo dessa ferramenta de análise é
que exige o trabalho em conjunto de todos os funcionários da
escola. Pois a partir dessa análise, se trabalha o objetivo central
desse planejamento, atentando para uma visão prévia dos
pontos ou aspectos que podem contribuir, ou comprometer o
objetivo estabelecido pela equipe escolar.
Além de tudo isso, a Matriz SWOT pode gerar subsídio
para se acompanhar as oportunidades da escola como um todo.
Ou seja, o supervisor educacional pode conduzir diferentes

O TRABALHO DO SUPERVISOR EDUCACIONAL JUNTO AO PROFESSOR DIANTE 103


DOS DESAFIOS DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS EM SALA DE AULA
tipos de alerta à equipe educacional, apontados pela Matriz
SWOT, desde melhorias necessárias do ambiente interno e
externo, trabalhar as necessidades de formação da equipe para
atender clientelas diferenciadas, pois o desafio não é preparar
alunos com deficiência, mas preparar alunos com deficiência
e alunos sem deficiência sem perda da qualidade de ensino,
e referência do professor em sala de aula, que, hoje, pode se
revelar perdido diante dessa clientela de alunos devido a falha
de planejamentos pedagógicos que não lhe permite realizar
uma análise prévia da situação, e se preparar psicologicamente
e profissional para atender as perspectivas da escola e dos
alunos.

Conclusão

A escola inclusiva no Brasil precisa acontecer de fato, mas


até o momento o que se percebe é que dificuldades como o
processo de implantação dessa escola, têm a tornado apenas
em um espaço de integração das pessoas com deficiência e não
de inclusão. Mas é preciso comentar que esse processo não seria
fácil mesmo, em decorrência do longo atraso cultural e histórico
que ainda afeta as políticas e diretrizes voltadas para modelo
de educação, todavia muitos obstáculos já foram superados, e
a estabilidade da escola inclusiva irá se construindo a partir da
experiência adquirida tanto pelos profissionais da educação,
quanto pela própria sociedade.
Trabalhos de pesquisa iguais a este, só contribuem para
essa confiança do público assistido pela escola inclusiva, pois
ampliam as possibilidades de conhecimento sobre o assunto,
e assim favorecem a popularização, ou a divulgação dessa
ideia. É por isso que este trabalho tem sua importância, pois,

104  Marcileide Sobral Xavier • Elizângela Fernandes Martins


mesmo, se propondo limitar sua discussão às contribuições
do supervisor educacional para a inclusão de pessoas com
deficiência, pode sugerir uma reflexão geral sobre o tema, e
auxiliar para surgimento de outros estudos e debates sobre esse
assunto.
Sem dúvidas que se percebe a necessidade de “resgatar”
o professor para puxar os pilares de sustentação da escola
inclusiva, e por isso se pensou apontar o supervisor educacional
como um “agente” essencial para esse processo, cujo intuito é
identificar “falhas” de rotas ou de planejamento pedagógico,
e amparar o professor de recursos que o auxiliariam a retomar
a rota do projeto de ensino aprendizagem dos alunos em uma
escola inclusiva.
Além disso, avaliando o trabalho realizado pelo supervisor
educacional, pode-se operar estratégias operacionais e táticas,
visando melhores qualificações da equipe de docentes, e
melhor acompanhamento do desempenho de turmas de alunos
e individualmente.
Certifica-se que este trabalho atingiu seu propósito,
porque além de mostrar uma situação em que o supervisor
educacional pode ser mais atuante na escola, evidência que
o maior obstáculo da escola inclusiva não é provocado pela
intensidade da deficiência das pessoas que necessitam ser
inclusas no convivo social e profissional, mas é provocado por
falta de análises durante o processo de implantação do ensino
inclusivo.
Ou seja, não se considerou as dificuldades específicas
de cada região, ou escola, e isso impacta bastante nos
resultados obtidos pelo projeto de inclusão. Diante, dessa
realidade, este trabalho sugere o desenvolvimento de diretrizes
e políticas internas partindo de bases nacionais para realidades

O TRABALHO DO SUPERVISOR EDUCACIONAL JUNTO AO PROFESSOR DIANTE 105


DOS DESAFIOS DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS EM SALA DE AULA
regionais, sendo que cada escola pública ou particular, tenha
autonomia para revisitar essas políticas e diretrizes duas vezes
por ano, e corrigir o percurso do ensino aprendizagem, tendo
como suporte para isso uma avaliação, análise dos pontos de
fortalezas, fraquezas, oportunidades e ameaças.

REFERÊNCIAS

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Paulo: Ciranda, cultural, 2008.

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FREIRE, P. A importância do ato de ler. 28. ed. São Paulo:


Cortez, 1993.

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O TRABALHO DO SUPERVISOR EDUCACIONAL JUNTO AO PROFESSOR DIANTE 107


DOS DESAFIOS DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS EM SALA DE AULA
MODELOS DIDÁTICOS COMO
FERRAMENTA INCLUSIVA NO ENSINO-
APRENDIZAGEM DE BIOLOGIA

Marlene Rodrigues de Carvalho


Sâmia Clara Rodrigues de Oliveira

O
ensino de biologia é uma área de inúmeras
possibilidades para o desenvolvimento de
estratégias de ensino-aprendizagem, e nos
permite trabalhar a interdisciplinaridade em muitos conteúdos.
Na Educação Básica, o ensino de microrganismos é parte
integrante dos conteúdos tanto do Ensino Fundamental
quanto do Ensino Médio, (Brasil, 1998), e requer do professor
uma abordagem metodológica que favoreça a construção do
conhecimento descomplicando o ensino e tirando a abstração
dos conteúdos, com estratégias de ensino claras e objetivas
(SILVA; NETO, 2015). No ensino de seres do Reino Protista
há necessidade de atividades que permitam a percepção de
um universo invisível ao olho humano, essa vivência deve ser
suficientemente significativa para promover mudança de

MODELOS DIDÁTICOS COMO FERRAMENTA INCLUSIVA 109


NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE BIOLOGIA
hábitos e atitudes por parte daqueles que participam desse
processo. (BARBOSA; BARBOSA, 2010). Assim, os modelos
didáticos favorecem e resinificam o processo de ensino-
aprendizagem dentro de uma dimensão global, onde aluno é
levado a construir seu próprio conhecimento.
A disciplina de Biologia é relatada como de difícil
compreensão por apresentar muitas vezes o estudo de estruturas
microscópicas levando a uma abstração dos conteúdos, essa
dificuldade é ainda maior para alunos com deficiência visual,
visto que a maioria dos materiais didáticos, incluindo o livro
didático são em sua maioria visuais, principalmente no ensino
de biologia, onde, as imagens e gravuras são frequentemente
utilizadas para explicar conteúdos abstratos aos estudantes
videntes, ficando os deficientes visuais sem nenhuma referência
“visual” do que está sendo ensinado (ORLANDO, T. C. et al.,
2009; BAZON, 2012). Krasilchik (2008) defende que o ensino
de ciências e biologia deveria ser prioridade para o sistema
educacional, uma vez que é essencial para a construção de
cidadãos conscientes e críticos.
Para Serra (2006), a inclusão escolar diz respeito ao
direito à educação, que é comum a todos os cidadãos, sempre
que possível nas escolas regulares, amparada nos direitos
humanos, justiça social e na liberdade de escolha individual,
baseada em interesses pessoais próprios de interação e relação
com os grupos sociais distintos (RODRIGUES, 2006).
A educação inclusiva requer práticas mais cooperativas
e o professor como agente mediador do processo de ensino-
aprendizagem contribui com efetivação da inclusão em
sala de aula quando diante de alunos com Necessidades
Educacionais Especiais (NEE) adotam posturas e atitudes
inclusivas como a revisão de metodologias, de avaliações e da

110  Marlene Rodrigues de Carvalho • Sâmia Clara Rodrigues de Oliveira


própria ação docente. Em relação ao professor de Ciências e
de Biologia, Mantoan (2003) afirma que lhe compete estar
e se sentir preparado para a convivência de alunos com NEE,
buscando nessa classe heterogênea todas as potencialidades
inerentes a cada aluno, proporcionando crescimento, respeito,
aprendizado e novos pontos de vista.
Deve-se pensar que, com a política de inclusão os recursos
didáticos devem ser voltados não só para o público encontrado,
e sim para todos. O conhecimento deve ser compreendido por
todos, e cabe à escola, e ao professor, oferecer recursos para
que a inclusão se efetive, sendo necessário que ocorra algumas
mudanças tanto na parte da infraestrutura, quanto nas práticas
pedagógicas (SILVA; OLIVEIRA,2012).
A ideia de construir modelos didáticos inclusivos
surgiu da necessidade de incluir alunos com DV nas aulas de
biologia, após ser percebido que somente a descrição de alguns
fatos e fenômenos não era suficiente para que o aluno os
compreendesse, pois faltava nestes um referencial, um mapa
mental do que se estava buscando conhecer.
O estudo sobre Protistas na organização didática do
Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) triênio 2018- 2020
encontra-se no currículo da segunda série do ensino médio e
entre outros assuntos discute controvérsias sobre a natureza
dos vírus e hipóteses sobre sua origem, características gerais,
estrutura, mecanismos de multiplicação e doenças virais.
Como outros conteúdos ligados as ciências biológicas busca
formar cidadãos críticos, cientes de seus direitos e deveres
para uma vida saudável em meio ao ambiente em que vivem
(BALDISSERA, 2013).
A utilização de modelos didáticos em sala de aula traz
inúmeras possibilidades, para Souza (2007) a construção do

MODELOS DIDÁTICOS COMO FERRAMENTA INCLUSIVA 111


NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE BIOLOGIA
modelo pelos próprios alunos proporciona a estes o estimulo à
pesquisa e a busca de novos conhecimentos, contribuindo para
seu aprendizado, corroborando para que tenha uma postura
investigativa, preparando-o para enfrentar suas dificuldades
com ações práticas, como sujeito ativo na sociedade, Passos
(2012) define os modelos didáticos como suportes mediadores
no processo de ensino-aprendizagem. Sabemos que ensinar é
uma tarefa que envolve principalmente: domínio de conteúdo,
didática diferenciada, planejamento e competências para
perceber e entender as dificuldades educacionais de cada
aluno, assim, desenvolvemos este trabalho com o objetivo
geral de favorecer a aprendizagem da morfofisiologia de vírus
e bactérias por meio da construção de modelos didáticos
inclusivos em uma escola de Ensino Médio.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada para o desenvolvimento


deste trabalho foi baseada em uma pesquisa de natureza
básica com abordagem qualitativa que se enquadra na
pesquisa participante, desenvolvida a partir da interação
entre pesquisadores e membros das situações investigadas
(KAUARK; MANHÃES; MEDEIROS, 2010), neste tipo de
pesquisa o pesquisador como docente participa da discussão,
dá sugestões, podendo ainda em seu relatório de pesquisa
expressar seu ponto de vista, mesmo mantendo-se cuidadoso
para não comprometê-la ( MACEDO; GOMES, 2018).
A experiência foi desenvolvida no Instituto Federal do
Maranhão – IFMA campus Timon, baseada na aprendizagem
significativa, teoria epistemológica construtivista de David
Ausubel et al. (1980) que defende que o estudante relacione a
nova informação a ser aprendida com o que já sabe, dando-

112  Marlene Rodrigues de Carvalho • Sâmia Clara Rodrigues de Oliveira


lhe um lugar dentro de um todo mais amplo e na teoria
educacional histórico-crítica de Demerval Saviani (2008), que
tem como objetivo principal a construção de conhecimentos
significativos que contribuam para a formação de indivíduos
críticos e emancipados, assegurando a inclusão social dos
educandos.
Os procedimentos foram desenvolvidos a partir de uma
revisão de literatura para compreender a evolução da inclusão
no ambiente escolar e levantamento de dados para a construção
de modelos adequados a alunos com deficiência visual. Em um
segundo momento foi apresentado para a turma a proposta de
construção do conhecimento sobre vírus e bactérias por meio da
confecção de modelos didáticos, foi enfatizado que os modelos
confeccionados deveriam atender as necessidades de todos,
tendo em vista a presença de alunos com baixa visão envolvidos
neste processo. A turma foi dividida em três grupos e cada
grupo ficou responsável por confeccionar um modelo didático,
o primeiro grupo ficou responsável pelo modelo representativo
de uma bactéria; o segundo grupo um bacteriófago (vírus que
infecta bactérias) e o terceiro grupo ficou responsável por
confeccionar um modelo representativo do ciclo de reprodução
do bacteriófago. Como base para os modelos os alunos
utilizaram as gravuras do livro didático adotado pela escola.
Elaborou-se modelos didáticos inclusivos considerando os
critérios de tamanho; significação tátil e fidelidade ao original
defendidos por Cerqueira e Ferreira (2000) como essências na
inclusão de deficientes visuais. Durante o desenvolvimento do
trabalho os alunos sob a orientação da professora construíram
os três modelos didáticos tridimensionais com a utilização
de materiais reciclados e/ou reutilizados, com todas as
características morfológicas descritas no livro didático, depois
cada grupo apresentou o modelo construído explicando suas

MODELOS DIDÁTICOS COMO FERRAMENTA INCLUSIVA 113


NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE BIOLOGIA
características e ressaltando a importância do processo de
construção do modelo para a construção do conhecimento.

RESULTADOS

Ao construírem os modelos os alunos puderam assumir


o protagonismo do próprio conhecimento. A utilização de
materiais reciclados e reutilizados, mostrados na Figura
1, foram imprescindíveis para o bom desenvolvimento do
trabalho por serem de baixo custo e sensibilizarem os alunos
para as questões socioambientais o que favoreceu a construção
do conhecimento por meio de uma abordagem interdisciplinar,
corroborando com Silva (2014) quando afirma que o diálogo
entre as Ciências pode ser um importante instrumento para
ruptura das visões dogmáticas e cristalizadas de uma prática
instrumentalista, uma vez que permite experimentar diversas
singularidades.

Figura 1: Materiais utilizados para a confecção dos


modelos didáticos inclusivos

Fonte: Autores, 2018.

114  Marlene Rodrigues de Carvalho • Sâmia Clara Rodrigues de Oliveira


A reutilização dos materiais despertou nos estudantes
um novo olhar para materiais que antes eram descartados,
sem nenhuma preocupação ambiental, o que levou a uma
postura mais consciente e crítica com a relação entre consumo
e meio ambiente, postura essa que ficou perceptível nos relatos
durante o processo de confecção dos modelos.
A adequação dos modelos ao critério de tamanho
foi uma preocupação constante por parte dos alunos e da
professora, e foi atendida, pois foram confeccionados em
tamanho adequado às necessidades percentuais dos alunos,
principalmente dos alunos com baixa visão.

Figura 2: Modelos didáticos tridimensionais de uma


bactéria e de um bacteriófago Adaptados para alunos com
deficiência visual.

Fonte: Autores, 2018.

Materiais excessivamente pequenos não ressaltam


detalhes de suas partes e/ou componentes ou perdem-se com
facilidade, bem como o exagero no tamanho pode prejudicar a

MODELOS DIDÁTICOS COMO FERRAMENTA INCLUSIVA 115


NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE BIOLOGIA
apreensão da totalidade (visão global), atendeu-se também ao
critério de significação tátil, possuindo um relevo perceptível e,
tanto quanto possível, constituiu-se de diferentes texturas para
melhor destacar partes e componentes das estruturas de cada
modelo.

Figura 3: Identificação das estruturas de uma célula:


citosol bacteriano feito com amido e água; os ribossomos
com sementes de ata; o DNA com fios de biscuit e as fibrilas
com liga plástica (tipo liga de amarrar dinheiro).

Fonte: Autores, 2018.

Para atender aos critérios de fidelidade ao original


e percepção tátil, considerou-se que o uso de materiais e
recursos deve se caracterizar pelo envolvimento dos alunos em
uma situação de aprendizagem ativa. Segundo Passos (2012),
eles devem servir de suporte experimental na organização do
processo de ensino-aprendizagem e como mediadores para
facilitar a relação professor-aluno-conhecimento. No modelo
representativo de uma bactéria observou-se que os alunos,
tanto os videntes quanto os deficientes visuais conseguiram
estabelecer uma relação entre o conteúdo e o modelo,
identificando a morfofisiologia da bactéria e as suas organelas

116  Marlene Rodrigues de Carvalho • Sâmia Clara Rodrigues de Oliveira


componentes, o citosol feito com uma mistura gelatinosa de
amido e água( Figura 3) foi fundamental para a compreensão
desse componente celular, conferindo realismo ao modelo e
maior percepção sensorial, sanando as dúvidas que os alunos
tinham antes do contato com o modelo.
O modelo dos ciclos lítico e lisogênico de reprodução
do bacteriófago foi confeccionado com materiais de texturas
diferentes para a melhor percepção dos alunos com deficiência
visual. Foi possível perceber no envolvimento dos alunos para
confecção do modelo a preocupação com o colega deficiente
visual, e como se sensibilizaram as causas deste, por meio
de pequenos gestos como a escolha das cores e texturas. O
processo de confecção do modelo trouxe maior interação entre
os alunos e uma sensibilização as causas inclusivas para além
da sala de aula.

Figura 4. Modelo didático representativo dos ciclos reprodutivos


(Ciclo lítico e ciclo lisogênico) de um bacteriófago.

Fonte: Autores, 2018.

MODELOS DIDÁTICOS COMO FERRAMENTA INCLUSIVA 117


NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE BIOLOGIA
A atividade em grupo para a confecção dos modelos
possibilitou aos estudantes enquanto aprendiam, criar relações
interpessoais, brincar e compartilhar conhecimento, dando
significado a atividade desenvolvida. Além disso, alguns alunos
que apresentavam desinteresse no processo de aprendizagem
puderam despertando o senso crítico, a capacidade de
raciocínio, a interação e a curiosidade, a relação do conteúdo
com o cotidiano e a vivencia mais próxima com os alunos
com deficiência visual também sensibilizou a turma para as
causas da inclusão, mais que trazer informação, a experiência
buscou construir conhecimento e nos levou a refletir sobre a
importância da organização das situações de aprendizagem e
do processo de inclusão escolar.

CONSIDERAÇÕES

O processo de ensino-aprendizagem de biologia deve


incluir estratégias que despertem a atenção e o interesse dos
alunos, e sempre que possível relacioná-las a outras áreas
do conhecimento, aproximando o conteúdo didático com a
realidade cotidiana. A confecção de modelos didáticos pelos
próprios alunos possibilitou a estes investigar o material,
formular suas próprias ideias a respeito do que foi estudado
e tirar suas dúvidas através de uma discussão direta com
o professor e colegas de classe, tornando o conhecimento
significativo e prazeroso.
A educação inclusiva é uma demanda cada vez mais
presente no cotidiano de alunos e professores, mas para
uma inclusão escolar bem-sucedida há muito a ser feito, são
necessárias propostas educacionais que ofereçam situações
mais adequadas às diversas características e necessidades

118  Marlene Rodrigues de Carvalho • Sâmia Clara Rodrigues de Oliveira


dos alunos para incluí-los não só quanto ao conteúdo, mas
no cotidiano das relações que envolvem todo o processo de
ensino-aprendizagem.
É gratificante perceber que práticas simples e de baixo
custo fazem muita diferença no processo de construção do
conhecimento e de formação de cidadãos éticos e criticamente
conscientes. O trabalho exposto só reforça a importância da
inclusão de alunos com deficiência visual no ensino regular e a
necessidade de materiais específicos para trabalhar com esses
alunos.
Dessa forma, infere-se a necessidade de elaboração
de materiais didáticos adequados que auxiliem na inclusão,
redimensionando a prática docente e possibilitando uma
aprendizagem significativa para todos.

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122  Marlene Rodrigues de Carvalho • Sâmia Clara Rodrigues de Oliveira


CURRÍCULO ESCOLAR E INTERFACES
COM QUESTÕES DAS DIVERSIDADES
E MULTICULTURAIS: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES

Thayná Guedes Assunção Martins


Mary Gracy e Silva Lima

Introdução

O
estudo em torno do currículo escolar tem
ganhado força nos últimos anos, especialmente
no intuito de possibilitar o seu conhecimento
como o conjunto das diferentes práticas exercidas nas
instituições escolares por seus agentes, no decorrer de seu
cotidiano. Desse modo, a ideia de currículo relacionada
apenas às disciplinas que compõem a grade a ser ensinada deve
ser superada por uma abordagem que o compreenda como a
principal forma de construir a cultura escolar de instituição
específica, tornando-a diferente em relação a outras escolas
por estar envolvidos interesses, crenças e valores.

CURRÍCULO ESCOLAR E INTERFACES COM QUESTÕES DAS DIVERSIDADESE 123


MULTICULTURAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Atualmente, no debate em relação ao currículo, devem
ocorrer discussões sobre aspectos democráticos e de inclusão
social que, apesar de comumente ser associada à inserção
de pessoas com algum tipo de deficiência na rede regular de
ensino, não pode ser restrita a essas características. A inclusão
escolar vai muito além, pois envolve a busca pela integração de
todos, do reconhecimento das diversidades sem distinção, seja
por raça, etnia, cor, classe social, gênero, condições físicas e/
ou psicológicas. É a busca da democratização real e efetiva do
ensino, em que a sociedade atual, tendo em vista suas mudanças
e as necessidades emergentes, não suporta mais um modelo
educacional pautado especificamente no tradicionalismo.
Nesse sentido, este trabalho produzido como atividade
na disciplina Currículo no curso de Pedagogia da Universidade
Estadual do Maranhão, teve como objetivo apresentar uma
breve discussão teórica acerca da necessidade e da possibilidade
de (re) pensar a construção de um currículo escolar inclusivo
no que concerne às questões em torno das diversidades e das
multiculturalidades no espaço escolar.
Este texto foi pensado diante da crença da necessidade
de compreender o currículo multicultural como o principal
elemento de mudança de mentalidades preconceituosas nas
escolas e valorizando e respeitando as diversidades existentes
neste espaço formativo. Para a sua construção textual, optou-
se pela pesquisa bibliográfica, tendo como referências os
seguintes pressupostos teóricos: Pacheco (2005), Moreira
(1995), Silva (2011), Gonçalves e Silva (2006); Chaves e Alencar
(2015), Arroyo (2006).

124  Thayná Guedes Assunção Martins • Mary Gracy e Silva Lima


Diferentes conceitos de currículo no decorrer da História:
algumas reflexões teóricas

Diante das reflexões iniciais referentes ao currículo


escolar e de a importância da multiculturalidade ser levada
em consideração para a formação de um currículo mais
inclusivo, que valorize e respeite as diferenças, afirma-se
que este instrumento de condução do processo de ensino e
aprendizagem, em seus vários significados, pode ser entendido,
de acordo com Pacheco:

como um instrumento de formação, com o propósito bem


definido e que, tal como uma moeda, apresenta dupla
face: a das intenções, ou do seu valor declarado; e a da
realidade, ou do seu valor efetivo, que adquire no contexto
de uma estrutura organizacional e social. (2005, p 37)

Nesse sentido, para Mantoan (2003, p. 12), ‘‘incluir


implica mudança desse atual paradigma educacional,
para que se encaixe no mapa da educação escolar que
estamos retraçando’’. Paradigma esse que outrora visava o
conservadorismo, modelo técnico de ensino e organização
curricular, sem considerar todas as especificidades existentes
em meio aos indivíduos, tendo a escola como um dos
ambientes em que mais se encontra pluralidade de culturas
envolvidas, portanto, a necessidade de um currículo não
meramente conteudista, organizador de matérias, mas que
busque o envolvimento da realidade dos discentes em meio
aos conhecimentos científicos.
O currículo por ser uma construção cultural, social
e ideológica, requer ser entendido como um conjunto de
escolhas culturais, conscientes ou inconscientes, com foco
na aprendizagem dos alunos por meio de reflexões acerca do
que ensinar e aprender na escola. Assim, as ações e os fatores

CURRÍCULO ESCOLAR E INTERFACES COM QUESTÕES DAS DIVERSIDADESE 125


MULTICULTURAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
externos ao ambiente escolar estão diretamente ligados aos
resultados e ao desempenho obtidos por alunos na escola,
e, para a formação do currículo, é indispensável analisar,
dentre outras características, a realidade socioeconômica e
política de cada região, de forma a atender as especificidades
de cada lugar. Diante do exposto, será analisado a seguir se
os resultados insatisfatórios no ensino sofrem influência da
classe mais abastada da sociedade.
Na construção do currículo apresenta-se três
concepções que auxiliaram na sua constituição ao longo
do tempo, em que a primeira é a tradicional, que não se
preocupa em questionar, problematizar ou criticar o
conhecimento transmitido, procurando criar cidadãos
passivos; a segunda é a crítica, que se caracterizou como
movimento de insatisfação, de inquietação e de crítica aos
padrões tecnocráticos estabelecidos pelos primeiros modelos
de currículo, como o de Bobbitt e de Tyler; e a terceira é a
pós-crítica, na qual o currículo é entendido como algo que
gera referência de gêneros. O currículo pertencente a uma
abordagem pós-crítica, é caracterizado por sua oposição a
todo tipo de depreciação de progresso cultural e histórico
social (CHAVES; ALENCAR, 2015).
A ideia de currículo e sua construção vivenciam
transformações de acordo com o contexto histórico de
cada sociedade, influenciando, inclusive, na sua formação.
Contudo, vale ressaltar que mesmo atualmente, com o
fortalecimento das questões de respeito a gêneros e do respeito
à multiculturalidade, ainda existem escolas que valorizam,
de maneira exagerada, a concepção tradicional de currículo
que busca apenas a transmissão sem crítica e reflexão dos
diferentes conhecimentos ensinados na escola com o intuito
de manter relativamente embora de forma implícita o status
quo da sociedade, ou seja, a manutenção das diferenças de
classes.

126  Thayná Guedes Assunção Martins • Mary Gracy e Silva Lima


Perspectivas do currículo e enfoque da abordagem
multicultural

A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


(LDB) – Lei nº 9394, de dezembro de 1996, trouxe inovações
no campo educacional depois de 20 anos de ditadura militar
– período em que se defendia o ensino profissionalizante,
principalmente para as classes menos favorecidas. As mudanças
na LDB valorizam a tolerância, a pluralidade de ideias e as
concepções pedagógicas, aspectos percebidos no artigo 3º na
referida legislação, nos seguintes incisos:

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar


a cultura, o pensamento, a arte, a ciência e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância e XII -
consideração com a diversidade étnico-racial” (BRASIL,
LDB, dezembro 1996).

Esses princípios foram considerados de relevância


substancial na educação brasileira, pois relacionados às
conquistas que a sociedade educacional do país teve após o fim
da ditadura militar (1964-1985). Conquistas que favoreceram
e vêm favorecendo, ainda que de maneira gradativa, a grupos
de pessoas consideradas diferentes, tendo em vista que o
termo diferente em relação a determinadas pessoas ou grupos
sociais existe devido a caracterizações de integrantes de grupos
dominantes na sociedade.
Nesse contexto, “Os educandos nunca foram esquecidos
nas propostas curriculares, a questão é com que tipo de olhar
eles foram e são vistos” (ARROYO, 2006, p. 54 apud GOMES,
2007, p. 26), tornando-se compreensível, por parte desses, as
diferenças e as diversidades de identidades, ao considerar as
particularidades de cada um. Partindo desse contexto, podemos

CURRÍCULO ESCOLAR E INTERFACES COM QUESTÕES DAS DIVERSIDADESE 127


MULTICULTURAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
pontuar sobre as conquistas e/ou a valorização da diversidade
étnico-cultural da formação no sistema educacional brasileiro,
no qual se tornou necessário inserir as temáticas e os conteúdos
propostos sobre a história das diferentes etnias.
De acordo com (GONÇALVES; SILVA, 2006, p. 50) a
educação multicultural:

Institui, nos sistemas de ensino, a filosofia do pluralismo


cultural, ao reconhecer e valorizar a importância da
diversidade étnica e cultural na configuração de estilos
de vida, experiências sociais, identidades pessoais e
oportunidades educacionais acessíveis a pessoas, grupos.

À medida que essas discussões foram se tornando mais


evidentes, as políticas educacionais que visam o respeito
às diversidades, em sentido amplo, têm contribuído para
o crescimento das políticas multiculturais. Desse modo, a
educação torna-se ponto de resolução para essas questões,
pois contribui para garantir a equidade educacional.
Em meio às reflexões expostas no decorrer deste trabalho,
torna-se pertinente afirmar a inserção da diversidade, não só no
currículo prescrito, legal, mas apoiado e praticado no cotidiano
social e escolar, como também os meandros do currículo oculto
em que os discentes têm a oportunidade de aprender mesmo
por meio do que não está previamente determinado, nem
explicitado, bem como do currículo real mediado pelas práticas
e ações desenvolvidas no dia a dia do processo educacional
escolar. A discussão acerca da questão da diversidade como
uma problemática de exclusão social e cultural no âmbito do
currículo escolar é necessária dentre tantas possibilidades de
aprendizagem, em meio ao longo caminho que teremos em
busca da real inclusão de todos, indistintamente.
Mediante algumas reflexões e discussão sobre esta
temática, pode-se apontar algumas alternativas nesse sentido:

128  Thayná Guedes Assunção Martins • Mary Gracy e Silva Lima


promover práticas inclusivas cotidianamente por meio de
projetos interdisciplinares no espaço escolar; estudos e
pesquisas, em obras e culturas para além da europeia, por
esta ser cultura de uma classe que sempre esteve no centro das
discussões e dos privilégios, e considerar a grande importância
de grupos de pessoas historicamente oprimidas e menos
favorecidas e exploradas que foram e são fundamentais para o
crescimento e o progresso do país.
Com o intuito de (re) pensar o currículo que temos,
vale afirmar que o currículo escolar que queremos precisa
contemplar a inserção de ações reflexivas, práticas de
socialização, conscientização coletiva de respeito, tolerância e
convivência harmônica com quem se considera diferente de si,
seja pela questão social, econômica, étnico-racial, de gênero
e sexualidade, com a perspectiva de superar ou minimizar a
concepção de superioridade em relação ao outro, mesmo
diante dos parâmetros e das políticas excludentes da sociedade.
Assim, tendo em vista que o centro do currículo são as
pessoas, e que a educação, em seu processo, é constituída
pelo conjunto, faz-se importante considerar as diferenças
que compõem indivíduos. As indagações curriculares trazem,
em seus aspectos, as discussões sobre a diversidade biológica
e cultural; a luta política em busca do direito à diversidade;
o conhecimento, a ética e a organização dos tempos e dos
espaços escolares. Com o intuito de alcançar mais igualdade no
que se diz respeito à educação e, por conseguinte, à geração de
oportunidades igualitárias, é que se pensam propostas de como
melhor trabalhar e envolver a todos, com suas especificidades,
por meio de um currículo que considere a diversidade.
Desse modo, os currículos escolares atuais devem
apresentar proposta de educação multiculturalista como forma
de permitir a construção de identidades singulares e plurais
dos vários estudantes que compõem uma instituição escolar,

CURRÍCULO ESCOLAR E INTERFACES COM QUESTÕES DAS DIVERSIDADESE 129


MULTICULTURAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
entendendo que o multiculturalismo é um movimento legítimo
de reivindicação dos grupos culturais dominados no interior
daqueles países para terem suas formas culturais reconhecidas
e representadas na cultura nacional, não devendo ser separado
das relações de poder que, antes de qualquer coisa, obrigaram
essas diferentes culturas – raciais, étnicas e nacionais – a viverem
no mesmo espaço (SILVA, 2011).
As instituições escolares precisam fortalecer a existência
de currículos multiculturalistas como forma de convivência
pacífica entre alunos com diferentes características
socioeconômicas, culturais, raciais e étnicas, pois a escola é o
ambiente onde diversas relações sociais são construídas entre
pessoas e um dos locais que os alunos manterão contato
grande parte de sua vida, criando parte de sua identidade e
mentalidade que o auxiliarão na sua formação intelectual e
social. Logo, a escola como espaço de ensino, aprendizagem
e conscientização deve defender a criação de um ambiente de
convivência respeitosa entre diferentes pessoas.
Nisso, multiculturalidade, atualmente, vem ganhando
espaço nos currículos das escolas brasileiras, devido às
transformações políticas, econômicas e socioculturais
vivenciadas pelo mundo, de modo que práticas antes
excludentes não podem permanecer e nem se sustentar
na educação, sendo necessário um currículo flexível e que
respeite as diferenças e as especificidades de cada região
do país. A multiculturalidade como tema nos currículos
brasileiros demonstra a mudança na mentalidade brasileira
sobre as diferenças culturais e sociais existentes no Brasil, que
influenciam nas práticas escolares e nos conteúdos ensinados.
Ainda persiste, nos currículos escolares brasileiros, o
favorecimento da existência de relações de poder no interior das
escolas, visto que tais instituições são reflexos de cada período
histórico e da sociedade vigente. Nos currículos escolares, as

130  Thayná Guedes Assunção Martins • Mary Gracy e Silva Lima


relações de poder são presenciadas no conflito de interesses
diferentes entre alunos, professores e equipe gestora. Nos
currículos escolares, tais relações são percebidas no momento
da escolha dos conteúdos a serem transmitidos aos alunos, pois
envolvem elementos para além dos intelectuais - sentimentos,
tradições e outras emoções.
No bojo das questões curriculares a que se refere acerca
das diversidades na sua complexidade, referendando que cada
diferença possui suas características, sendo constituídas e
respeitadas suas especificidades ao longo do tempo histórico,
por isso, afirma-se como sendo a junção de aspectos que se
diferenciam, havendo nesse contexto as diversidades culturais,
identitária, social, biológica, de gênero, etnia dentre outras
tantas diferenças existentes e que estão sempre em contato
umas com as outras numa determinada sociedade (GOMES,
2007)
Desse modo, atualmente é necessário a defesa de
um currículo que valorize aspectos da diversidade cultural
existente na sociedade brasileira, principalmente no âmbito da
educação, pois sendo o Brasil formado por diferentes tipos
de pessoas com opiniões, gostos e ideias diferenciadas, tendo
o currículo que inserir estes personagens em suas propostas
de uma educação escolar pluricultural. Logo, a defesa de um
uma proposta curricular que tenha um caráter socializador e
igualitário se faz necessário e urgente, no entanto, o ideário
coletivo de igualdade e respeito ao outro predominante no
discurso não tem sido atendido na sua maioria no cotidiano.
Tendo em vista que as desigualdades sociais, de gêneros e de
raças são gritantes, e principalmente quando tornam-se uma
atividade também lucrativa com a institucionalização das
escolas pela lógica mercadológica.
A proposta de um currículo multicultural, contrapondo-
se a um currículo centrado na dominação de uma cultura

CURRÍCULO ESCOLAR E INTERFACES COM QUESTÕES DAS DIVERSIDADESE 131


MULTICULTURAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
dominante, pode contribuir com eficiência para práticas
curriculares e vivências para a cultura de paz e de tolerância de
respeito às diversidades existentes dentro do ambiente escolar,
a prática de colocar-se no lugar do outro, olhar o diferente
apenas como diferente e com suas potencialidades e não como
grupos sociais e culturais inferiores, e compreendendo que há
pessoas com diferentes opiniões, interesses, mentalidades e
com identidades plurais.
Isto posto, ressaltamos que uma instituição escolar não
forma-se apenas por paredes, quadros e carteiras, mas por
seres humanos com suas diferenças e características que os
auxiliam a construir sua identidade em meio a uma sociedade
globalizada que procura principalmente a homogeneização.
Assim, cabe afirmar que o respeito às diversidades inseridas e
que compõem o currículo das escolas fortalecendo, também o
respeito à multiculturalidade como interface para apropriação
dos conhecimentos escolares e da formação integral do
indivíduo, assim sendo um forte elemento de aproximação e
convivência pacífica com o diferente.
Diante do exposto, Moreira (1995), afirma que o
currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão
desinteressada do conhecimento social, mas está implicado nas
relações de poder, produzindo identidades individuais e sociais
particulares. O currículo não é um elemento transcendente e
atemporal – ele tem história vinculada às formas específicas e
contingentes de organização da sociedade e da educação. O
currículo é composto por todas as atividades em torno da escola,
suas disciplinas, atividades extraescolares e manifestações
culturais criadas pela mesma.
Portanto, percebe-se que o currículo de uma instituição
escolar não pode ficar limitado às disciplinas, de maneira
isolada, embora essas façam parte de sua estrutura, mas deve
estar relacionado a todas as atividades realizadas na escola,

132  Thayná Guedes Assunção Martins • Mary Gracy e Silva Lima


para contribuir no fornecimento de informações sobre o tipo
de educação e de estudante que se deseja formar e de suas
características
A abordagem do currículo multicultural presente nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e utilizado como
forma de orientação do cotidiano escolar dos docentes, tem
como intuito enriquecer a prática pedagógica, pois, durante
sua elaboração, foram respeitadas as especificidades regionais,
culturais, sociais e políticas do Brasil. No referido documento,
que funciona como uma reflexão das ações docentes na sala de
aula, a multiculturalidade é evidenciada nos temas transversais,
a saber: Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde e
Orientação Sexual (BRASIL, 2011).
Tendo em vista que ainda são comuns, no espaço
escolar, situações de violência social, de gêneros, preconceitos
em todos os sentidos, e a presença de pessoas das variadas
classes sociais, econômicas e culturais defendendo a bandeira
do conservadorismo, da exclusão e da intolerância, urge a
necessidade do estabelecimento de movimentos de resistência
social e escolar. Não cabe pensar um currículo único e
perspectivas educativas restritas ao ato de apenas ensinar
conhecimentos presentes nas disciplinas escolares.
Assim, acredita-se que se fazem necessárias a proposta
e a efetivação de currículos escolares com conhecimentos e
experiências com abordagem multicultural para facilitar o
desenvolvimento integral dos alunos, a partir de informações
mais próximas do seu cotidiano. A defesa de currículo inclusivo,
com a inserção e a permanência de pessoas diferentes, por
pensarem e terem crenças e valores diferentes, e culturas
diferentes nas escolas possibilita o contato e a troca de
experiências relevantes, a otimização do ensino-aprendizagem,
contribuindo não apenas para o enriquecimento da
aprendizagem intelectual, mas também dos aspectos culturais,

CURRÍCULO ESCOLAR E INTERFACES COM QUESTÕES DAS DIVERSIDADESE 133


MULTICULTURAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
do respeito mútuo e da convivência pacífica, de tolerância entre
os alunos e os demais agentes escolares.

Algumas (in) Conclusões reflexivas

O currículo escolar considerado como um campo de


conhecimento dos estudos culturais e escolares tem ganhado
destaque nas pesquisas relacionadas à educação no cenário
brasileiro, pois, por meio da análise dos currículos prescritos
e idealizados, podem ser encontrados os diferentes interesses,
valores e tradições presentes no cotidiano de uma instituição
escolar, manifestados nas diversas atividades propostas e
realizadas nesses espaços e por seus agentes, professores
e equipe gestora. A ideia do currículo somente como um
conjunto de disciplinas na atualidade deve ser suplantada, já
que são considerados componentes de um currículo todos os
elementos que ajudam a construir a cultura escolar, as práticas
e os conhecimentos intelectuais.
O fortalecimento das escolas em torno da constituição de
um currículo escolar que favoreça a abordagem multicultural
precisa fazer parte dos objetivos das escolas, pois, atualmente,
o Brasil está vivenciando transformações econômicas,
sociais, políticas e culturais e, ao lado de tais mudanças, o
fortalecimento de grupos tratados como marginalizados a
partir de suas reivindicações têm contribuído para inserção
e permanência de diferentes tipos de pessoas com interesses,
culturas e valores diversos.
Atualmente, torna-se necessária a construção de um
currículo escolar em parceria com todos os agentes escolares
e da comunidade em suas imediações para a defesa da
convivência, da diversidade cultural e social no interior dessas
instituições, de modo a auxiliar para o estímulo do respeito e
da tolerância ao próximo, sua cultura, suas opiniões e etnias,

134  Thayná Guedes Assunção Martins • Mary Gracy e Silva Lima


evidenciando o desenvolvimento intelectual e humano, como
pessoa que faz parte do mundo, com suas ações, interferindo
decisivamente na dinâmica da sociedade, no geral, e de sua
instituição escola, no particular.
Portanto, a defesa de (re)pensar um currículo com bases
conservadoras, nos dias atuais, requer considerar e valorizar
novas reconfigurações curriculares emergentes no cenário
escolar advindas do entendimento de que o cenário social tem
se modificado e transformado em vários aspectos culturais
e sociais, mesmo que ainda não seja o ideal e o referente às
maiores conquistas legais e sociais de igualdade, equidade de
concretização de espaços e reconhecimento dos grupos sociais
minoritários que, por muito tempo, vêm sendo invisibilizados
e excluídos dos seus direitos humanos, políticos e sociais.,
aspectos necessários para uma vida em sociedade
Conclui-se, portanto, que uma padronização formativa
desejada e idealizada pelo currículo escolar torna-se inviável
diante das facetas das diversidades e multiculturalidades que
formam a nação mundial e as comunidades escolares, há que
estude e valorize as especificidades e necessidades de cada grupo
cultural para a superação do viés ideológico de dominação da
classe hegemônica no que se refere às questões econômicas,
culturais e sociais.
O currículo para atender certas classes sociais, como
as dos alunos das escolas públicas, atualmente, vem sendo
questionada acerca da sua inviabilidade na formação integral
dos discentes pela baixa qualidade de ensino escolar oferecida
para esta demanda, também pela própria dinamicidade do
mundo atual, dos novos ideários e da concepção de escola,
de homem e de sociedade. Reafirma-se que o currículo
como um território de disputa, de poder e de ideologias,
apresenta a relevância da educação escolar para a produção
do conhecimento, para pensar que conhecimento realmente

CURRÍCULO ESCOLAR E INTERFACES COM QUESTÕES DAS DIVERSIDADESE 135


MULTICULTURAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
importa ensinar e aprender na escola para a cidadania e a
convivência harmônica respeitosa no processo de aprendizagem
entre alunos de diferentes contextos socioculturais por meio do
respeito mútuo.

Referências

ARROYO, Miguel G. Experiências de Inovação Educativa: o


currículo na prática da escola. In: MOREIRA, Antônio Flávio
B. (Org.) Currículo: políticas e práticas. Campinas, Papirus,
2006, (p 131-164).

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Educação Nacional. Brasília: MEC,1996.

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares


Nacionais. Brasília: MEC, 2011.

CHAVES, Ozinei dos Santos; ALENCAR, Mary Sonia Dutra.


Teorias do currículo: concepções, verdades e contradições.
Trabalho apresentado no II Congresso Nacional de
Educação/2015. Disponível em: http://www.editorarealize.
com.br/revistas/conedu/trabalhos. Acesso em: 11 jun. 2019.

GOMES, Nilma Lino. Diversidade e Currículo. In: GOMES,


Nilma Lino Gomes. Indagações sobre currículo. Brasília: MEC,
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Gonçalves e. O jogo das diferenças: o multiculturalismo e
seus contextos. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. 112 p.
(Coleção Cultura Negra e Identidades).

136  Thayná Guedes Assunção Martins • Mary Gracy e Silva Lima


MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: O que é? Por
quê? Como fazer? São Paulo, SP: Moderna, 2003. (Cotidiano
escolar)

MOREIRA, Antônio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.).


Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 1995.

PACHECO, J. Estudos curriculares, para a compreensão crítica


da educação. Porto: Porto Editora, 2005.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma


introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte, MG:
Autêntica, 2011.

CURRÍCULO ESCOLAR E INTERFACES COM QUESTÕES DAS DIVERSIDADESE 137


MULTICULTURAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
MUSEUS COMO ARTEFATO
CULTURAL NA FORMAÇÃO DOCENTE E
PRÁTICA PEDAGÓGICA

Alexandre Gomes Soares


Sérgio Teixeira da Silva

Seja como objeto de investigação teórica ou de


preocupação empírica, desvendar os processos de ensino-
aprendizagem no meio virtual é crucial para a invenção de
uma nova escola, baseada em uma nova organização do
trabalho pedagógico, suscetível a possibilitar o entorno
educativo necessário para que a sala de aula possa
continuar, de forma renovada, a cumprir sua missão.
(LACERDA SANTOS, 2011, p. 309).

Introdução

A
epígrafe anuncia a importância da apropriação
e utilização dos meios virtuais por educadores
e escolas. Nesse sentido, o artigo propõe uma
discussão sobre os museus, especificamente os museus virtuais,
os quais são vistos como potência educativa na formação
continuada e na prática docente.

MUSEUS COMO ARTEFATO CULTURAL NA FORMAÇÃO 139


DOCENTE E PRÁTICA PEDAGÓGICA
Ainda no que tange à temática central, apresentam-
se questões que permeiam a prática pedagógica docente e o
uso das tecnologias como suporte no processo de ensino e
aprendizagem em um contexto cada vez mais globalizado.
Museus e suas exposições virtuais (textos, objetos, figuras,
desenhos, fotografias e vídeos), enquanto percepções materiais
na sociedade do conhecimento, portam informações sobre
costumes, técnicas, condições econômicas, ritos e crenças de
antepassados, conforme Bittencourt (2005).
Ao falar deste artefato cultural, é necessário delinear o que
é chamado de “museu”, conceito que, na contemporaneidade,
tem se firmado cada vez mais como espaço de memória. Em
2009, com a promulgação do Estatuto de Museus, o Sistema
Brasileiro de Museus1, por meio do Cadastro Nacional de
Museus (CNM), passou a adotar a terminologia expressa na
Lei nº 11.904, de 14 de janeiro do referido ano, que estabelece,
no Art. 1º:

Consideram-se museus, para os efeitos desta Lei, as


instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam,
comunicam, interpretam e expõem, para fins de
preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e
turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico,
científico, técnico ou de qualquer outra natureza.

Segundo Baracho e Barbosa (2012), a discussão sobre os


museus como patrimônio histórico perpassa a concepção da
memória como busca da sabedoria, que remete às musas da
mitologia greco-romana (nove filhas de Zeus com Mnemosine,
a deusa da memória) – tal templo deu origem à palavra “museu”
(mouseion). Apreendida como suporte de “memórias” e guardiã

1 Para mais informações, acesse o link: http://www.museus.gov.br/sbm/


sbm_apresentacao.htm. Acesso em: 01 mar. 2019.

140  Alexandre Gomes Soares • Sérgio Teixeira da Silva


de coleções e documentos, tal instituição expressa o patrimônio
cultural, em que o ato de colecionar, junto ao desejo de expor a
coleção, destaca o nascimento desse lugar.
Bittencourt (2005) compreende que os museus e espaços
de memórias são locais de conhecimento. Logo, é possível dizer
que eles oferecem elementos para a construção de atividades
pedagógicas, cujo processo de ensino e aprendizagem tem
a possibilidade de levar a uma aprendizagem significativa.
Além disso, é importante mencionar que a docência permeia
o protagonismo dos profissionais da educação com o uso
das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) como
potencializadoras do referido processo.

Museus como potência didática na formação continuada

Na relação dos museus como potência didática


de formação e prática docente, é necessário considerar
características do planejamento de uma visita, tais como:

i) definir os objetivos da visita; ii) selecionar o museu


mais apropriado para o tema a ser trabalhado; ou uma
das exposições apresentadas, ou parte de uma exposição,
ou ainda um conjunto de museus; iii) visitar a instituição
antecipadamente até alcançar uma familiaridade com o
espaço a ser trabalhado; [...] iv) preparar os alunos para
a visita através de exercícios de observação, estudo de
conteúdos e conceitos; [...]. (ALMEIDA; VASCONCELLOS,
1997, p. 104).

Nesses termos, é preciso entender as práticas pedagógicas


da seguinte forma:

a) organizam-se em torno de intencionalidades


previamente estabelecidas e tais intencionalidades serão
perseguidas ao longo do processo didático, de formas e

MUSEUS COMO ARTEFATO CULTURAL NA FORMAÇÃO 141


DOCENTE E PRÁTICA PEDAGÓGICA
meios variados; b) as práticas pedagógicas caminham
por entre resistências e desistências, em uma perspectiva
dialética, pulsional, totalizante; c) as práticas pedagógicas
trabalham com e na historicidade; implicam tomadas de
decisões; de posições e se transformam pelas contradições;
[...]. (FRANCO, 2015, p. 205-207).

Ademais, os museus são espaços de memórias e de


conhecimento; nesse sentido, cabe uma breve reflexão do que
seja o caráter virtual dessas instituições, sobretudo do que se
compreende como tal. Segundo Levy (1996, p. 5), “a palavra
virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de
virtus, força, potência”. Acerca da derivação do virtual como
potência, Arruda e Dumbra (2013, p. 127) afirmam que:

compreender o conceito de virtual como algo existente em


potência e não no ato em si, ou seja, como potência do
real, nos permite realizar interpretações acerca do acervo
disponibilizado sem materialidade física, como elemento
que se configura em um potencial lócus educativo para o
ensino de saberes históricos, através da reflexão acerca dos
materiais disponibilizados nestes espaços museais.

É interessante ressaltar que os museus virtuais se


constituem em ciberespaços,2 ou seja, nos lugares onde a
presença física das pessoas não é necessária para estabelecer a

2 Levy, ao definir ciberespaço, denomina-o também de “rede” e afirma


que esse “é o novo meio de comunicação que surge da interconexão
mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a
infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo
oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos
que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo
‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e
intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e
de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do
ciberespaço.” (LEVY, 1999, p.17).

142  Alexandre Gomes Soares • Sérgio Teixeira da Silva


comunicação e o relacionamento. Os museus virtuais e o acervo
que faz parte deles, ao ser apresentado às pessoas, desperta
a imaginação, incita a curiosidade, possibilita a construção
do conhecimento e valoriza a subjetividade. Para Levy (1996,
p. 40), “o virtual só eclode com a entrada da subjetividade
humana no circuito”.
De fato, os museus virtuais são um forte recurso
para a formação continuada de educadores e contribuem
sobremaneira com a prática docente. Entretanto, o fato de
ser “virtual” não significa, conforme muitos acreditam, uma
exclusividade da comunicação digital, visto que:

o mundo humano é “virtual” desde a origem, bem antes


das tecnologias digitais, porque ele contém em toda parte
sementes de futuro, possibilidades inexploradas, formas
por nascer que nossa atenção, nossos pensamentos,
nossas percepções, nossos atos e nossas invenções não
deixam de atualizar. (LÉVY, 2001, p. 137).

A subjetividade está presente no virtual e é inerente ao


ser humano. Nessa perspectiva, Magaldi (2010) também
defende que um museu virtual não precisa necessariamente
estar conectado à internet e apresenta o “Museu da Pessoa”3,
que foi idealizado e criado em 1991 pela historiadora Karen
Worcman e implantado em 1997 no estado de São Paulo. Antes
da existência da web 2.0, ela teve a ideia de gravar histórias de
vida das pessoas e guardá-las em CD-ROMS. Ainda de acordo
com Magaldi (2010, p. 139), a referida historiadora afirma
que “o Museu da Pessoa já nasceu virtual, por não se constituir
fisicamente”. O portal do Museu foi implantado em 2003 e, a

3 Segundo Magaldi (2010, p. 144), o “Museu da Pessoa seria entendido


como um museu virtual tanto pelo seu caráter desterritorializado,
quanto por estar no âmbito da transformação, no ciberespaço”.

MUSEUS COMO ARTEFATO CULTURAL NA FORMAÇÃO 143


DOCENTE E PRÁTICA PEDAGÓGICA
partir daí, a instituição passou a ser constituída por uma rede
virtual de histórias de vida.
Diante disso, o “museu virtual” é apresentado pela
Enciclopédia Britannica como uma:

coleção de imagens digitais gravadas, arquivos de som,


documentos de texto, e outros dados de interesse histórico,
científico ou cultural, que são acessados através de mídia
eletrônica. Esta definição compreende ser o museu virtual
algo não relativo aos objetos reais. A maioria dos museus
virtuais seria, então, patrocinada por museus institucionais,
estando diretamente dependente de suas coleções
existe antes. [...] O recurso dos hiperlinks e recursos de
multimídia dos meios eletrônicos de informação podem
reunir várias fontes para apreciação e estudo, podendo
ser os museus virtuais deste tipo, ferramentas poderosas
de estudo e investigação sobre um determinado assunto.
(MAGALDI, 2010, p. 129).

A partir das leituras apresentadas sobre museus virtuais,


pode-se dizer que eles levam os visitantes a perceberem a (i)
materialidade dos patrimônios de forma mais criativa e
dinâmica. A virtualização das exposições, a digitalização dos
ambientes e os acervos têm a intenção de tornar o visitante
mais próximo possível do local, pois, ao imergir em um museu
virtual, ele pode ser direcionado pedagogicamente a escolher
as salas, ou de forma livre, os elementos da exposição que lhe
despertam interesse. Por isso, essas instituições proporcionam
um forte recurso para a formação continuada e contribuem
sobremaneira com o processo de ensino e aprendizagem.
Convém salientar que a construção deste texto teve origem
a partir de uma oficina realizada sobre o tema, cujo objetivo
era apresentar os museus virtuais e discutir acerca do potencial
das tecnologias digitais na ampliação das aprendizagens e

144  Alexandre Gomes Soares • Sérgio Teixeira da Silva


do capital cultural4 de educandos. O público-alvo envolvia
educadores, diretores e gestores do ensino médio da rede
pública de ensino, universitários dos cursos de licenciatura e
técnicos dos núcleos de tecnologia educacional da Secretaria
Estadual de Educação. Com 35 vagas, o evento foi realizado em
um núcleo de formação, no âmbito do governo estadual, em
Minas Gerais. A carga horária foi estruturada em 12 horas (oito
presenciais e quatro na modalidade de Educação a Distância –
EaD).
A oficina foi organizada de forma a possibilitar o relato
da trajetória profissional e o compartilhamento de experiências
sobre a tecnologia nos âmbitos pessoal e educacional.
Buscaram-se reverberar, junto aos profissionais da educação,
aspectos sobre a prática deles e o uso de plataformas livres
no apoio ao planejamento e no desenvolvimento de práticas
pedagógicas na educação.
Além disso, as reflexões visavam inserir e ampliar o
debate sobre o uso de museus virtuais nas escolas, com o
resgate da historicidade; expandir as trocas de experiências
entre os profissionais da educação como prática pedagógica;
e materializar planos de aulas que tivessem como cerne as
práticas educativas com museus virtuais.
Ao abordar a formação continuada, é preciso estabelecer
diálogos que partam de uma nova maneira de pensar a educação

4 Diante da noção de capital cultural objetivado, segundo Bourdieu,


ele é materialmente transferível a partir de um suporte físico. Trata-
se claramente da transferência de uma propriedade legal, por estar
diretamente relacionada com o capital cultural incorporado, ou
melhor, com as capacidades culturais que permitem o desfrute de bens
culturais. Logo, o “capital cultural” objetivado pode ser apropriado
tanto material (capital econômico) quanto simbolicamente (obra de
arte, capital cultural). Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/
dicionario/verbetes/capcul.html. Acesso em: 15 mar. 2019.

MUSEUS COMO ARTEFATO CULTURAL NA FORMAÇÃO 145


DOCENTE E PRÁTICA PEDAGÓGICA
e seus reflexos na dinâmica e nos papéis dos profissionais e
educandos, incluindo o cenário de EaD.
Evidentemente, repensar estruturas educativas e novas
configurações para acesso, permanência e qualidade na
educação exige que os sujeitos atuem de forma reflexiva e
ativa5. A relação estabelecida nesse cenário em EaD6 e a questão
do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) propiciam uma
constituição de saberes permeada por relações sociais nas
quais se adquirem códigos linguísticos, hábitos e posturas que
significam a aprendizagem de fato.

5 A EaD, segundo Neves (2002), não é um modismo: é parte de um amplo


e contínuo processo de mudança que inclui não só a democratização
do acesso a níveis crescentes de escolaridade e atualização permanente,
como também a adoção de novos paradigmas educacionais.
6 O uso de novas tecnologias possibilita explorar novas formas de ensinar
e aprender, com respeito aos limites físicos e espaciais. A participação
no curso a distância precisará de algumas noções de informática, acesso
à internet e compromisso com o curso. Vale ressaltar que, por meio da
EaD, não é exigido do participante o afastamento do local de trabalho,
podendo estudar no horário e local que seja mais interessante para ele.
De acordo com o Art. 1º do Decreto n. 2.494, de 10 de fevereiro de 1998
(BRASIL, 1998), que regulamenta o Art. 80 da LDB (Lei n.º 9.394/96),
a EaD é uma forma de ensino que possibilita a autoaprendizagem,
com a mediação de recursos didáticos sistematicamente organizados,
apresentados em diferentes suportes de informação, utilizados de
maneira isolada ou combinada, e veiculados pelos diversos meios de
comunicação. A EaD, de acordo com Moran (2002), é o processo de
ensino e aprendizagem mediado por tecnologias, em que professores
e educandos estão separados espacial e/ou temporalmente. No final
do século XX e com chegada da web, a EaD, por meio das TICs,
favoreceu o E-Learning (modalidade ensino a distância/aprendizagem-
conhecimento). Conforme exposto anteriormente sobre a diferença
de educandos e professores (tutores) na EaD, a relação dar-se-á
pela interligação das tecnologias, principalmente das telemáticas,
como a internet (site específico do curso) e o acesso à plataforma de
aprendizagem. Nesse caso, insere-se um registro e/ou identificador
(usuário) e senha de acesso às diversas áreas do ambiente do curso,
tais como videoconferências, indicações de blogs e bate-papo (chat).

146  Alexandre Gomes Soares • Sérgio Teixeira da Silva


Castells (2002) afirma que o nível de conhecimento das
pessoas é um diferencial importante na contemporaneidade,
pois o modelo econômico vigente é informacional, global e em
rede. Contudo, devemos ir além dessa visão, pois a concepção
de educação ora adotada se baseia em uma perspectiva
humanista. Diante do exposto, destacam-se alguns elementos,
sobretudo o aspecto cultural em que se está imerso na
atualidade. Ele se volta a novas atuações do sujeito, na medida
em que a EaD viabiliza a formação de pessoas excluídas do
processo educacional tradicional por questões de localização
ou indisponibilidade de tempo nos horários tradicionais de
aula.
Lévy (2003) afirma que a web foi concebida como um
espaço para compartilhamento de conteúdos hipertextuais,
digitalizados e relacionados entre si. Sendo assim, a proposta do
curso perpassava a retomada de questões presentes no contexto
das tecnologias e nas possibilidades de romper paradigmas7
tradicionais na educação. Nesse caso, utilizou-se o ambiente
Moodle como ferramenta de (in)formação no trabalho docente,
cujo objeto central se pauta nos museus virtuais.
Nas palavras de Diniz-Pereira e Leão (2008), há uma
diversidade de tecnologias que interrogam a formação docente;
por isso, propõe-se uma aproximação com o artefato cultural
denominado “museu”. Em relação ao que se aprende nesses
espaços culturais, Bittencourt (2005) assevera que

É comum encontrarmos crianças e jovens em museus,


acompanhados de professores, percorrendo as salas
onde estão expostos variados objetos em vitrinas com
iluminação atrativa. [...] fica a indagação sobre o que

7 Os paradigmas se referem a “realizações científicas universalmente


reconhecidas que, durante algum tempo, oferecem problemas e
soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma
ciência” (KUHN, 1975, p. 13).

MUSEUS COMO ARTEFATO CULTURAL NA FORMAÇÃO 147


DOCENTE E PRÁTICA PEDAGÓGICA
efetivamente se aprende nessas visitas, que demandam
preparação e envolvimento dos docentes e da comunidade
escolar. (BITTENCOURT, 2005, p. 354).

No campo de discussão mencionado por Bittencourt,


deparamo-nos com dois aspectos: os professores e a
aprendizagem. No que tange ao primeiro, a busca por múltiplos
olhares sobre a educação e a cultura é visível. A docência é
acionada com frequência para responder à multiplicidade de
olhares, pois a:

escola, como espaço sociocultural, é entendida, portanto


como um espaço social próprio, ordenado em dupla
dimensão. Institucionalmente, por um conjunto de
normas e regras, que buscam unificar e delimitar a ação
dos sujeitos. Cotidianamente, por uma complexa trama de
relações sociais entre os sujeitos envolvidos, que incluem
alianças e conflitos, imposição de normas e estratégias
individuais, ou coletivas [...]. (DAYRELL, 2001, p. 137).

A dimensão cotidiana da escola oferece dinamismo aos


sujeitos que fazem parte dela, visto que tanto educadores quanto
educandos têm a possibilidade, enquanto sujeitos sociais e
históricos, de ampliar as relações sociais e criar estratégias
individuais e coletivas de convivência e de conhecimento.
Percebida como espaço sociocultural, a escola oferece
múltiplas formas de aprendizado, as quais se relacionam
também com o uso das TICs. Diversos modos de conhecimento
e recursos didáticos utilizados pelos educadores no processo
de ensino e aprendizagem são importantes para a aquisição
dos conteúdos a serem aprendidos pelos estudantes. Lousas
digitais e outros aparatos tecnológicos, por exemplo, podem
ser manuseados pelos educadores para explorar os museus
virtuais.

148  Alexandre Gomes Soares • Sérgio Teixeira da Silva


Na Figura 1, percebe-se que o educador emprega novas
tecnologias para explorar os museus virtuais:

FIGURA 1– Lousa digital e outros recursos tecnológicos


para explorar os museus virtuais.

Fonte: Oficina de Museus Virtuais (Acervo do autor).

Sublinha-se que, na proposta de uma atividade


pedagógica com museus, há a possibilidade de sistematizar uma
experiência museológica tanto na construção interdisciplinar8
da proposta entre os docentes, quanto no desenvolvimento
gradativo das atividades com os sujeitos envolvidos – nesse
caso, os educandos.

8 Para Frigotto (2008, p. 41), a interdisciplinaridade, ao contrário do


que se tem discutido no campo educacional, sobretudo, não é uma
questão de método de investigação e nem de técnica didática, ainda
que se manifeste nesse plano de maneira enfática. Ela se impõe como
necessidade e problema fundamentalmente nos planos material
histórico-cultural e epistemológico.

MUSEUS COMO ARTEFATO CULTURAL NA FORMAÇÃO 149


DOCENTE E PRÁTICA PEDAGÓGICA
Falk e Dierking (1992) postulam que a experiência
museológica é interativa, ou seja, cada contexto é construído
continuamente pelo visitante, como pode ser verificado na
Figura 2:
Figura 2 - A experiência museológica

Fonte: Adaptado de Falk e Dierking,1992.

Nessa experiência interativa se acionam os seguintes


elementos citados por Bittencourt (2005): i) os objetos em
museus; ii) o processo para descobrir e interpretar objetos.
Para a autora, é importante proporcionar uma atitude
inquisitiva diante do objeto, em que a potencialidade educativa
para trabalhar com museus é diversificada, incluindo visitas
monitoradas, oficinas e construção de recursos com objetos
museológicos emprestados às escolas.
Conforme Bittencourt (2005), no contexto da visitação, a
relação com o objeto precisa ser direcionada por dois critérios:
o estético, em que é primordial a aproximação do educando

150  Alexandre Gomes Soares • Sérgio Teixeira da Silva


com o objeto, deixando-o livre, mas com a possibilidade de
haver o contato físico com as peças; e científico, no qual o
estudante precisa se ver como integrante de uma organização
social, da vida cotidiana, dos rituais e da arte de determinado
grupo social.
Mesmo que a dinâmica dos museus virtuais não possibilite
o contato físico com objetos, é interessante a compreensão da
autora sobre os critérios adotados, porque, a partir de uma
visitação virtual, o educador pode criar situações reais nas
instituições de ensino, a exemplo de um “museu na escola” com
artefatos sobre determinado tema que esteja sendo estudado.
Sites de museus virtuais disponibilizados no Quadro 1
permitem visitações e contribuem com aulas mais criativas e
dinâmicas nas escolas. Nesse caso, descrevem-se os nomes dos
museus e alguns recursos disponibilizados por eles:

Quadro 1 - Museu e seus recursos
Museu Descrição
A parte externa do museu está disponível
para visualização em Street View. Já a parte
Museu Britânico interna está dividida no site https://www.
britishmuseum.org por galerias, com fotos
das obras e as respectivas descrições.
O site https://masp.org.br/ utiliza uma
ferramenta simples de pesquisa para que o
Museu de Arte de São Paulo visitante tenha acesso ao acervo e visualize
as obras em detalhes, além de informações
Assis Chateaubriand sobre elas. Também é possível pesquisar por
categorias de arte (brasileira, francesa etc.)
e tipo (pinturas, esculturas, gravuras etc.).
Esse museu disponibiliza um tour online
no site https://www.louvre.fr/accueil. Com
Museu do Louvre
uma visão panorâmica, o visitante tem
acesso a todas as galerias da instituição.

MUSEUS COMO ARTEFATO CULTURAL NA FORMAÇÃO 151


DOCENTE E PRÁTICA PEDAGÓGICA
Localizado no antigo palácio de Dom Pedro
II, em Petrópolis, esse museu armazena
um acervo significativo sobre o período
Museu Imperial imperial brasileiro. Na opção ‘’ serviços
online’’ do site http://museuimperial.
museus.gov.br/, é possível visitar os salões
em ambiente 360°.
Na visita é possível navegar de forma
interativa por meio dos espaços e acessar
Museu Nacional de História
informações sobre exposições presentes no
Natural e da Ciência
MUHNAC e a história da instituição por
(MUHNAC)
meio do site https://www.museus.ulisboa.
pt/pt-pt/visita-virtual.
Um dos primeiros museus virtuais do
mundo, a instituição inovou o campo
da museologia no Brasil ao permitir
que qualquer pessoa se tornasse parte
ativa dela, seja integrando o acervo com
Museu da Pessoa a própria história ou como curadora,
montando coleções temáticas de acordo
com seus gostos e interesses. O acesso
pode ser feito por meio do site http://
www.museudapessoa.net/pt/entenda/
linhas-de-acao.
Fonte: Seção de Acesso às Bases de Dados (UFSCAR/adaptado).

A visitação aos museus virtuais promove a reflexão


social, estimula a produção cultural e educativa e oportuniza a
comunicação museológica. Esta, por sua vez, é essencial tanto
para os educadores quanto para os alunos, uma vez que:

só se efetiva quando o discurso do museu é incorporado


pelo visitante e integrado ao seu cotidiano em forma de
um novo discurso. O público se apropria do discurso
museológico, (re)elabora-o, e então cria e difunde um
novo discurso e o processo recomeça, sendo que esse
novo discurso será apropriado por outros e a história se

152  Alexandre Gomes Soares • Sérgio Teixeira da Silva


repete. É mais que um processo, é uma dinâmica, e são
vários os sujeitos que participam dela. O público é um dos
vários sujeitos do museu. Na outra ponta está o criador do
objeto − que no museu adquiriu um status museológico
ao ser inserido em um novo universo simbólico − e seus
usuários. (CURY, 2009, p. 89).

Assim sendo, a dimensão criada nesse universo de


formação continuada propicia uma relação com o saber
constituído por docentes, formadores responsáveis pela oficina
e educandos que possivelmente serão instigados a realizar as
atividades.
Charlot (2005) afirma que a relação com o saber é
concebida também com o mundo, o outro e consigo mesmo,
isto é, de um sujeito confrontado com a necessidade de
aprender. Nesse entremeio, o sujeito estabelece um conjunto
de relações com objetos, atividades, situações, pessoas,
obrigações, linguagens, tempo e atividades no (e sobre o)
mundo, sendo mais ou menos capaz de aprender tal aspecto
em uma dada situação.

Considerações finais

A proposta de construir uma discussão acerca dos museus


que permeia a discussão entre o virtual e o material na sociedade
do conhecimento teve, como objetivo geral, analisar os museus
virtuais como potência educativa na formação continuada e na
prática docente, bem como identificar as particularidades na
relação com o saber e a visita virtual. Ademais, visa-se abordar
as possibilidades pedagógicas em ambientes virtuais.
Diante disso, a formação continuada dos profissionais
da educação possibilita a aproximação e o uso das tecnologias
de forma autônoma e multiplicadora do conhecimento. AVAs
apresentam também desafios na investigação e na formação

MUSEUS COMO ARTEFATO CULTURAL NA FORMAÇÃO 153


DOCENTE E PRÁTICA PEDAGÓGICA
docente, frente aos novos paradigmas que surgem no ambiente
de trabalho.
De fato, há poucas produções sobre a temática de
museus virtuais como potencial formativo para docentes e as
respectivas práticas pedagógicas. A reflexão evidencia uma
necessidade de estudos sobre a relação entre os museus virtuais
e as práticas pedagógicas no âmbito da educação. Além disso,
há uma carência de pesquisas sobre a percepção dos professores
sobre esse artefato cultural e as práticas realizadas por esses
profissionais.
Destarte, os museus apresentados nos AVAs são
instrumentos potencializadores do processo formativo docente
e, em especial, dos sujeitos envolvidos no processo de ensino
e aprendizagem. Há a possibilidade de novos avanços que
indagam a relação entre teoria e prática para além do espaço
escolar no contexto brasileiro.

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MUSEUS COMO ARTEFATO CULTURAL NA FORMAÇÃO 155


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MUSEUS COMO ARTEFATO CULTURAL NA FORMAÇÃO 157


DOCENTE E PRÁTICA PEDAGÓGICA
O ENSINO DE GEOGRAFIA E A
EDUCAÇÃO AMBIENTAL: ESCOLA,
COMUNIDADE E RESÍDUOS SÓLIDOS

Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda

A
relação homem, meio ambiente e consumo
desenfreado, traz uma enorme problemática: o
consumismo, que diuturnamente é incentivado
nas mais distintas mídias, tornando a humanidade sedenta pelo
possuir e cega diante do que ele pode causar. E, como uma das
consequências, o manejo de resíduos sólidos, quanto à coleta e
destino nas cidades, requer reflexões que, segundo Costa (2011)
são alicerçadas por políticas ambientais que se fundamentam
na engenharia sanitária e deixam claro que a única forma
adequada de final destes resíduos no solo é o aterro sanitário
como “supostamente sustentável”. No entanto, inúmeras
cidades adotam os seus despejos em lixões, que o mesmo autor
os entendem como depositados a céu aberto, sem medidas de
controle de poluição, trazendo diversos aspectos negativos,
capazes de atingir a saúde pública, bem como o solo, a água, o
ar, dentre outros.

O ENSINO DE GEOGRAFIA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: 159


ESCOLA, COMUNIDADE E RESÍDUOS SÓLIDOS
Nos lixões, existe uma população que sobrevive da coleta
de resíduos e por vezes fincam moradias no seu entorno.
Ali, então, surge uma comunidade que convive propensa a
doenças e, este e demais problemas, relacionados ao acúmulo
de resíduos sólidos, perpassam todas as camadas e os setores
sociais e devem ser debatidos da melhor maneira possível a
fim de que se encontrem soluções para esta e futuras gerações
conviverem melhor e salutarmente entre si e com o meio. E,
para isso, é preciso a promoção de uma consciência ambiental
e sustentável que também é tarefa primordial da escola.
Assim, uma educação que contemple as questões
ambientais se faz necessária. E é a escola, no que tange todas as
áreas do conhecimento, principalmente a disciplina de geografia
pois, segundo Mendonça (2002, p. 121) “[...] Aos geógrafos,
de maneira particular, impõe um profundo questionamento
relativo ao estatuto da Geografia contemporânea frente às
novas dimensões do espaço e aos graves problemas sociais que
se materializam na superfície terrestre”.
Partindo desta conjectura, corroborados pelos
pressupostos da Educação Ambiental e pela particularidade
da disciplina geografia em excitar tais discussões, vemos
que a escola deve propor, segundo as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Ambiental, a garantia de uma
aprendizagem que possibilite aos alunos uma posição frente às
questões ambientais nas suas diferentes realidades e atuação
na melhoria de sua qualidade de vida. Mendonça (2002). O
que seria de bastante valia, uma vez que a própria comunidade
do entorno dos lixões tem acesso à esta escola.
Desta forma, nos surge a seguinte indagação: quais os
pressupostos conteudistas de Educação Ambiental estão sendo
utilizados pelo professor de geografia da escola que atende a
comunidade do entorno dos lixões?

160  Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda


Pesquisar sobre a coleta e o destino de resíduos sólidos
urbanos, bem como, os lixões e seus efeitos, propriamente
ditos, é pesquisar sobre as ações do próprio homem e o que elas
trazem de malefício a ele mesmo. Com isso, esta empreitada é
pertinente pois, encontrar ou tentar encontrar suas soluções
é de imediata importância, uma vez que identificando valias
neste trabalho ou lacunas, tais discussões trarão contribuições
inimagináveis.
Assim, com esta pesquisa, tentamos responder a nossa
indagação a partir dos seguintes objetivos: geral: conhecer os
pressupostos de Educação Ambiental adotados pelo professor
de geografia nas escolas da rede pública em comunidades do
entorno dos lixões no município de Parnaíba – PI. E específicos:
verificar a formação acadêmica do professor de geografia nas
escolas da rede pública em comunidades do entorno dos lixões
no Município de Parnaíba – PI; identificar, junto ao Projeto
Político Pedagógico da escola, bem como no planejamento
deste professor, acerca dos conteúdos de Educação Ambiental;
correlacionar os conteúdos verificados nos planejamentos
e documentos, com a formação deste professor, à luz dos
Parâmetros Curriculares Nacionais do Meio Ambiente.

Metodologia

Optamos por uma pesquisa de campo, com abordagem


qualitativa, realizada no município de Parnaíba - PI. A escolha
deste contexto empírico se deu por conta da cidade não
possuir aterro sanitário, e ser lugar de origem e residência do
pesquisador, o que facilitaria a obtenção de dados para nossa
investigação.
Por questões éticas, antes acordadas com os envolvidos,
optamos por resguardar o nome da escola e demais sujeitos.
Usaremos nomes fictícios para os atribuir.

O ENSINO DE GEOGRAFIA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: 161


ESCOLA, COMUNIDADE E RESÍDUOS SÓLIDOS
A Escola Municipal Meio Ambiente, recebe a maioria
dos estudantes da comunidade residente do entorno do lixão
da cidade. Funciona nos turnos manhã, tarde e noite com 7
funcionários no administrativo e 16 professores. Conta ainda
com 206 alunos matriculados entre a Educação infantil, Ensino
Fundamental e EJA, até a 4ª etapa.
O questionário, optado como instrumento, nos trouxe
informações do perfil profissional do professor de geografia.
Já a entrevista, nos objetivou coletar dados por indagações,
referente a temática proposta.
A professora Sustentabilidade, tem 53 anos de idade,
licenciada em História e pós-graduada em Docência na
Educação de Jovens e Adultos e História do Brasil. Atuando
enquanto docente em geografia há 12 anos. É funcionária
efetiva desta instituição, bem como, em outra escola no seu
contraturno.
Em abril de 2018 visitamos a escola, tivemos acesso aos
planejamentos daquela instituição, tais como: o Projeto Político
Pedagógico, Regimento Interno e a um arquivo onde ficam os
planejamentos diários e planos de curso de cada disciplina.
Infelizmente tanto no Projeto Político Pedagógico, quanto no
Regimento Interno, questões que fundamentem uma Educação
Ambiental não são contempladas e as vemos de extrema
importância em todos os aspectos, mas, principalmente, pelo
fato da escola está localizada no entorno do lixão da cidade e
ter uma clientela significativa dali. Verificamos ainda que no
arquivo onde se encontravam os planos de todas as disciplinas
não constavam os da disciplina de geografia, o que dificultou
ao pesquisador a observância dos pressupostos de educação
ambiental contemplados, e se são, pela docente. Em seguida,
conhecemos o sujeito para qual entregamos o questionário e a
entrevista e acordamos seus envios por e-mail.

162  Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda


Vistamos ainda o local de destino dos resíduos da cidade,
que, diante das condições insalubres, sem nenhum manejo
sustentável dos resíduos e corroborados por Costa (2011)
denominamo-lo por lixão. Muito embora, a própria equipe
da escola, bem como o técnico daquele local, se remeta a ele,
erroneamente, por aterro sanitário.

A sustentabilidade

Homem e natureza devem manter uma relação de troca.


Não se admite mais uma visão radical antropocêntrica onde a
natureza só exista para ser usufruída desenfreadamente. Sobre
isso, Almeida (2008) nos diz que:

O conceito valor estabelecido pelo antropocentrismo é


aplicado à matéria natural, quando esta é vista pela ótica
de sua utilidade para o homem, no entanto, deve-se adotar
um princípio básico não antropocêntrico, em relação a
toda matéria natural, pois ela existe indiferente às relações
estabelecidas com o homem neste universo. (ALMEIDA,
2008, p. 14)

As questões que envolvem os efeitos da ação humana


sobre a natureza não são próprias somente deste século. Há
muito se fala sobre os efeitos desta ação. Bonzi (2013) em seu
artigo intitulado “Meio século de Primavera silenciosa: um livro
que mudou o mundo”, comenta sobre uma publicação da
década de 1960 de Rachel Carson.
No mesmo artigo, Bonzi ainda comenta que embora se
passaram mais de meio século desses eventos, o debate ainda
continua pois, em nossa contemporaneidade, segundo Jara
(1998) o crescimento indiscriminado da sociedade atual vem
ocasionando a degradação do meio ambiente.

O ENSINO DE GEOGRAFIA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: 163


ESCOLA, COMUNIDADE E RESÍDUOS SÓLIDOS
Para discutirmos o conceito da palavra sustentabilidade,
embora haja um histórico sobre as questões que o envolve, e por
não nos objetivar pormenorizar este histórico, nos cabe tentar
esclarecer qual o significado que nossa contemporaneidade
atribui ao termo, pois, segundo Bartholo (2005) nos últimos
anos este conceito vem sendo largamente utilizado envolvendo a
economia, a sociedade e o meio natural. Desta forma, elegemos
o conceito atribuído por Tomazzoni (2007) e relatado por
Schaun e Utsunomiya (2010, p. 26) num quadro comparativo
de conceitos à sustentabilidade onde os organizadores falam
que:

Sustentabilidade significa desenvolvimento econômico


com produção de bens e serviços, utilizando-se os recursos
ambientais como matérias-primas, sem, entretanto,
esgotá-los, mas garantindo seu aproveitamento para
gerações futuras. Sustentabilidade abrange o campo de
valores culturais, as manifestações artísticas, os saberes,
os acervos arquitetônicos, a história, os bens tangíveis e
intangíveis. Enfatiza a ideia de desenvolvimento como
sinônimo de sustentabilidade social, que depende de ações
coordenadas de cooperação para reverter o quadro de
gravidade da excessiva concentração de renda em países
em desenvolvimento e em determinadas regiões dos países
desenvolvidos.

A política dos Resíduos sólidos

De acordo com o dicionário Aurélio (2010) consumir tem


relação com fazer desaparecer pelo uso ou gasto. Usar e gastar
na nossa sociedade, nos remete as inúmeras propagandas
de carros do ano, de roupas de grifes famosas, do mercado
gastronômico veiculado em marcas também famosas, de visitas
nos finais de semana aos shopping centers, etc. Vivemos a era
do consumo. Trabalhamos para gastar o salário com serviços e

164  Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda


produtos, mas ao contrário do que sugere o próprio dicionário
sobre fazer desaparecer, não é bem assim que funciona. Tudo
que é usado não desaparece por completo. Por exemplo: ao
se comprar um saquinho de pipoca, a embalagem também é
consumida e desaparece? Não. Esta e outras tantas embalagens
e demais sobras acabam se tornando resíduos sólidos e é
preciso refletir sobre o seu manejo.
Sobre os resíduos sólidos Zilberman (1997, p. 48) diz que:

Os termos resíduos sólidos e lixos são usados mais ou menos


como sinônimo, sendo que ultimamente o primeiro tem
sido utilizado preferencialmente. O conceito atualmente
aceito para resíduos sólidos está vinculado à referência
a tudo aquilo que resulta das atividades das atividades
do ser humano na sociedade e que, aparentemente, não
possui mais ou deixou de ter utilidade. [...]

Do manejo dos resíduos é especificamente expressa


na Lei do Saneamento Básico de nº 11.445 (BRASIL, 2007)
sobre a prestação de saneamento básico teve ter por base a
“limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados
de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio
ambiente”. No seu artigo 3º, é citado, embora de forma
acanhada, um tratamento para estes resíduos. [...] c) resíduos
sólidos: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações
operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e
destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição
e limpeza de logradouros e vias públicas; [...]
E mais tarde foi promulgada a Lei que institui a Política
Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) 12.305/2010 e altera
a Lei 9.605/1998 - Estabelecendo diretrizes junto à gestão
integrada e ao gerenciamento ambiental adequado dos resíduos
sólidos incluídos os perigosos, às responsabilidades dos
geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos

O ENSINO DE GEOGRAFIA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: 165


ESCOLA, COMUNIDADE E RESÍDUOS SÓLIDOS
aplicáveis. A lei ainda propõe regras para o cumprimento e
sanções a infratores.
A citada Lei, no seu artigo 3º já começa a mencionar o
destino dos resíduos quando diz:

VII -destinação final ambientalmente adequada: destinação


de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem,
a compostagem, a recuperação e o aproveitamento
energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos
competentes do Sisnama, do SNVS e do Suasa, entre
elas a disposição final, observando normas operacionais
específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde
pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais
adversos; [...]

 Já no que ser refere as consequências do acúmulo dos


resíduos sólidos despejados a céu aberto para a comunidade
que reside no entorno e sobrevive de sua coleta, os “catadores”,
citamos a problemática das condições de trabalho e moradia,
onde os envolvidos se tornam propensos ao risco de
contaminação e a adquirir doenças.

O professor de geografia e a Educação Ambiental

Para entendermos melhor o que venha a ser a Educação


Ambiental, partimos da proposta de Reigota (2017, n.p.)
quando afirma que a Educação Ambiental não é somente
colocar em pauta os aspectos biológicos da vida como, por
exemplo, garantir a preservação de determinadas espécies e
sim uma educação ambiental como educação política. O autor
afirma que:

Quando afirmamos e definimos a educação ambiental


como educação política, estamos afirmando que o que
deve ser considerado prioritariamente na educação

166  Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda


ambiental é a análise das relações políticas, econômicas,
sociais e culturais entre a humanidade e a natureza e as
relações entre os seres humanos, visando a superação dos
mecanismos de controle e de dominação que impedem a
participação livre, consciente e democrática de todos.

Partindo deste pensamento, no que se refere às políticas


públicas que garantam esta educação, a Constituição federal
(BRASIL, 1988) já cita o termo educação ambiental no seu
artigo 225 ao falar do direito a um ambiente equilibrado,
uma qualidade de vida e de incumbência do Poder Público
[...] VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de
ensino e a conscientização pública para a preservação do meio
ambiente; [...]
Já a Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL,
1996), quanto a base comum nacional do currículo, no artigo
no artigo 26, com a Lei nº 12.608, de 2012 foi incluído um texto
que versava sobre a educação ambiental propriamente dita: “§
7o  Os currículos do ensino fundamental e médio devem incluir
os princípios da proteção e defesa civil e a educação ambiental
de forma integrada aos conteúdos obrigatórios.” E em 2017
com a lei   nº 13.415, de 2017 passou a vigorar o seguinte texto:
“§ 7o  A integralização curricular poderá incluir, a critério dos
sistemas de ensino, projetos e pesquisas envolvendo os temas
transversais de que trata o caput.”
Os temas transversais propostos pelo inciso sétimo, logo
acima mencionados, se referem aos Parâmetros Curriculares
Nacionais, que dentre eles têm-se os Parâmetros Curriculares
Nacionais do Meio Ambiente (BRASIL, 2001), onde o
Ministério da Educação apresenta questões sobre o meio
ambiente enquanto tema transversal e divide este documento
em duas partes. Na primeira, são apresentadas reflexões sobre
a educacional no viés do processo de ensino e aprendizagem em

O ENSINO DE GEOGRAFIA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: 167


ESCOLA, COMUNIDADE E RESÍDUOS SÓLIDOS
Educação Ambiental. E, na segunda, são apresentados os seus
conteúdos.
Os PCNs do Meio Ambiente (BRASIL, 2001, p. 181) dão
literalmente diretrizes sobre a Educação Ambiental no Brasil
e inicia sobre isso dizendo de sua obrigação: “E é isso o que
se espera da Educação Ambiental no Brasil, assumida como
obrigação nacional pela Constituição promulgada em 1988.”
Essas diretrizes comentam sobre uma Educação
Ambiental discutida na Conferência Internacional Rio/92 na
mesma perspectiva de Reigota, enquanto educação política. Já
nos Parâmetros (BRASIL, 2001, p. 182) é citado, com a mesma
ideia de consciência política das ações, a socioambientalidade:

[...] não se trata de ensinar de forma acrítica os conceitos


da ciência da ecologia ou simplesmente reduzir a Educação
Ambiental a uma visão esotérico-existencial. Essa dualidade
constitui uma extrema simplificação. Trata-se então de
desenvolver o processo educativo, contemplando tanto o
conhecimento científico como os aspectos subjetivos da
vida, que incluem as representações sociais, assim como o
imaginário acerca da natureza e da relação do ser humano
com ela. Isso significa trabalhar os vínculos de identidade
com o entorno socioambiental. [...]

Na segunda parte dos Parâmetros (BRASIL,2001, p.202-


203), como proposta conteudista são citados os blocos de
conteúdos: A natureza “cíclica” da Natureza; Sociedade e meio
ambiente e Manejo e conservação ambiental, que tiveram a
preocupação que estes conteúdos, segundo os Parâmetros,
“Contribuam com a conscientização de que os problemas
ambientais dizem respeito a todos os cidadãos e só podem ser
solucionados mediante uma postura participativa [...]”
Sobre o último bloco, os Parâmetros afirmam que
este bloco traz especificamente as possibilidades, positivas
e negativas, de interferências humana sobre o ambiente,

168  Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda


apontando suas consequências e discutindo algumas formas
adequadas de intervenção humana para equacionar melhor os
seus impactos.
E é, a partir deste bloco e de sua objetividade, que
acreditamos ser porta de entrada para as questões pertinentes
aos resíduos sólidos urbanos: o lixo.
Sobre isso, os PCNs (BRASIL, 2001, p. 223) nos diz que
os alunos precisam ter a capacidade a identificar situações
inadequadas no meio ambiente e resolvê-las. É citado ainda:

Conhecimento e valorização de práticas que possibilitem


a redução na geração e a correta destinação do lixo. O
trabalho pedagógico de valorização da sustentabilidade
deve, também, incluir a preocupação com os subprodutos
do sistema produtivo, já que na maior parte das vezes suas
atividades acabam gerando poluição. É necessário discutir
as alternativas regionais e globais de administração dos
problemas de poluição e produção de lixo, por serem
alguns dos mais graves provocados pela ação do ser
humano no meio ambiente.

Mais tarde, especificamente no ano de 2012 com a


resolução de número dois, o Ministério da Educação estabelece
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental,
a fim de estimular uma reflexão crítica. E, em seu artigo segundo
comenta:

Art. 2º A Educação Ambiental é uma dimensão da


educação, é atividade intencional da prática social, que
deve imprimir ao desenvolvimento individual um caráter
social em sua relação com a natureza e com os outros seres
humanos, visando potencializar essa atividade humana
com a finalidade de torná-la plena de prática social e de
ética ambiental.

O ENSINO DE GEOGRAFIA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: 169


ESCOLA, COMUNIDADE E RESÍDUOS SÓLIDOS
Já no que se refere ao professor de geografia, este
profissional precisa ser detentor de inúmeras competências
e saberes que venham a lhe servir de garantia profissional à
aprendizagem do seu aluno.
Tardif (2002) apud Campos (2007) comenta sobre
o conhecimento docente e os caracteriza como: saberes
disciplinares (no campo do conhecimento), saberes curriculares
(gestão do conhecimento socialmente produzidos), saberes
pedagógicos e saberes da experiência (resultantes do próprio
exercício docente).
Aos professores é cabível o domínio destas concepções.
Estes saberes e competências são premissas de que “[...] o
professor/educador precisa ter uma visão de mundo, uma
concepção de educação, de ensino, e que essas concepções
determinam os tipos de saberes que deverão ser mobilizados
numa determinada situação em sala de aula e fora dela.”
(TARDIF, LESSARD e LAHAYE, 1991 apud CUNHA, S.D., p. 11)
Relacionando a temática deste trabalho com os saberes
acima mencionados, tomamos para discussão, os saberes que
o professor de geografia deve possuir e colocá-los em prática,
o que se torna mais evidente e sensível, quando se leciona em
escolas pertencentes às comunidades de lixões.
Os objetivos sugeridos pelos PCNs do Meio Ambiente
(BRASIL, 2001, p. 197), proposto para os alunos e que diante
dos saberes acima descritos, devem ser de grande valia para o
professor de geografia em qualquer instituição escolar brasileira
e de maior ainda quanto ao lixão na comunidade. Todos os
objetivos propostos, de forma direta conseguem refletir sobre
a questão do manejo de resíduos sólidos da cidade. Mas
destacamos alguns como:

• observar e analisar fatos e situações do ponto de vista


ambiental, de modo crítico, reconhecendo a necessidade
e as oportunidades de atuar de modo propositivo, para

170  Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda


garantir um meio ambiente saudável e a boa qualidade
de vida; • adotar posturas na escola, em casa e em sua
comunidade que os levem a interações construtivas, justas
e ambientalmente sustentáveis; • compreender que os
problemas ambientais interferem na qualidade de vida
das pessoas, tanto local quanto globalmente • perceber,
em diversos fenômenos naturais, encadeamentos e
relações de causa/efeito que condicionam a vida no
espaço (geográfico) e no tempo (histórico), utilizando
essa percepção para posicionar-se criticamente diante
das condições ambientais de seu meio; • compreender
a necessidade e dominar alguns procedimentos de
conservação e manejo dos recursos naturais com os quais
interagem, aplicando-os no dia-a-dia.

Ainda sobre o que se refere à postura didático-


metodológica e conteudista deste professor, fica evidente a
valia da disciplina geografia na educação e perante o mundo e
o que deve ser incorporado pelo professor de geografia que traz
estes possíveis pressupostos científicos da sua formação, que
são os saberes disciplinares evidenciados por Tardif logo mais
acima. No entanto, para que isso aconteça, é preciso haver um
elo entre teoria e prática, entre a verdade científica e a cotidiana
vivenciada pelo aluno.
Medel (2013, p.13) diz que o professor de geografia deve
ter consciência do conhecimento geográfico como parte do
cotidiano objetivando fazer do seu aluno um cidadão reflexivo
e participativo. E, sobre o papel do professor de geografia e da
escola, a autora ainda diz:

[...] A escola deve auxiliar o aluno a compreender o espaço


público como uma produção social, um direito e uma
responsabilidade de todos. O educador forma cidadãos
quando oferece subsídios para a turma participar
conscientemente da vida social. [...] Na disciplina geografia
é preciso ter o lugar em que se vive como constante na
aprendizagem. [...]

O ENSINO DE GEOGRAFIA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: 171


ESCOLA, COMUNIDADE E RESÍDUOS SÓLIDOS
Análise e discussão dos dados

Inúmeras são as responsabilidades da escola. Lógico


que não devemos atribuir somente a ela a totalidade na
formação do indivíduo, uma vez que cabe à família também
maior parcela desta responsabilidade. Percebemos a escola
enquanto promotora no desvelamento de ideologias e com
isso, copartícipe na ascensão de indivíduos críticos enquanto
às questões políticas, econômicas, sociais e culturais. Tais
questões perpassam o próprio cenário ambiental em que estão
inseridos boa parte dos alunos que residem em lixões e são
clientela daquela escola.
A fim de entender o supracitado e a postura da escola,
na pessoa da professora da disciplina de geografia, embora
entendendo que são questões cabíveis a quaisquer disciplinas,
mas é na de geografia que alicerça suas prerrogativas didáticas
e conteudistas sob a ótica do meio ambiente, indagamos
à professora: O que você entende por sustentabilidade e
educação ambiental? Qual a postura da escola e do professor
de geografia perante a problemática do manejo dos resíduos
sólidos vivida na comunidade escolar?
Sobre o significado de sustentabilidade e educação
ambiental, obtivemos a seguinte resposta:

A sustentabilidade é uma maneira de ação humana, ações


sustentáveis, onde buscam obter que precisam sem agredir
a natureza, ou seja é o uso consciente dos bens naturais, de
forma adequada e inteligente, para que esses bens possam
durar mais. Já a educação ambiental é um mecanismo ou um
processo educacional utilizado para conscientizar os alunos
e a sociedade acerca da preocupação com o meio ambiente.
Creio que em vários momentos da vida é possível trabalhar e
desenvolver a educação ambiental, pois em todos os lugares
temos ambientes quer precisam ser cuidados.

172  Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda


Ao definir sustentabilidade, é perceptível na fala da
entrevistada, certa fundamentação de acordo com o próprio
pensamento de Tomazzoni (2007) apud Schaun e Utsunomiya
(2010) que afirmam a sustentabilidade enquanto a utilização
dos recursos naturais de maneira que gerações futuras também
possam usufruí-los. Mas os autores vão além e afirmam que a
sustentabilidade abrange também o campo de valores culturais.
Fala ainda da sustentabilidade social, de tentar reverter a
concentração de renda nas mãos de poucos, o que acreditamos
está de certa forma ligado diretamente às questões ambientais.
Para educação ambiental, vemos que na resposta da
professora, de acordo com Reigota (2017), deveria contemplar
não somente as questões ambientais, uma vez que a educação
ambiental dever ser vista com uma educação política que
contemple uma análise das relações culturais, sociais e
econômicas que envolvem toda a humanidade e perpassam
no meio ambiente, na natureza. Essa análise social também
é contemplada nas Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Ambiental (BRASIL, 2012) quando afirmam a
educação ambiental enquanto atividade intencional sobre a
prática social, que imprima um caráter reflexivo na relação do
homem com a natureza e com os outros homens.
Para a segunda indagação, no que se refere à postura da
escola e da professora perante a problemática do lixão vivida
na comunidade, nosso sujeito respondeu:

Conscientizar, é a palavra-chave, vejo uma força muito grande
nessa palavra, ainda mais na comunidade em que trabalho,
tendo em vista que a Escola é ao lado do aterro sanitário da
cidade, que infelizmente ainda não atente todos os requisitos
exigidos por lei. Busco sempre falar acerca do lençol freático,
resíduos sólidos, levo exemplos etc. o que mais trabalho é o
dialogo consciente, pois todos podemos contribuir para o
destino dos resíduos sólidos.

O ENSINO DE GEOGRAFIA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: 173


ESCOLA, COMUNIDADE E RESÍDUOS SÓLIDOS
Por primeiro vamos evidenciar a denominação do local
de destino dos resíduos feita pela professora por “aterro
sanitário”, muito embora, logo mais, ela esclareça que o local
não atende os requisitos exigidos por lei, como sugere sua
própria fala. Segundo a Lei que Institui a Política Nacional
de Resíduos Sólidos (PNRS) 12.305/2010 e altera a Lei
9.605/1998 num aterro sanitário deve haver uma política de
controle de impactos ambientais, preparo do solo, proteção do
lixo para que este não fique exposto, um sistema de drenagem,
reciclagem e reaproveitamento, dentre outros. Situação não
constatada em nossa vista ao local, onde todos os resíduos são
somente alguns catados por catadores de lixo e sua maioria,
tida como não serventia, são enterrados em uma vala de grande
extensão com a ajuda de máquinas como tratores. O local é
totalmente insalubre e não há controle de impactos. Desta
forma, a denominação correta para o local é lixão, como Costa
(2011) define que nestes locais não há medidas para controle
de poluição.
No que tange o sentido da pergunta, propriamente
dita: Qual a postura da escola e do professor de geografia
perante a problemática do manejo dos resíduos sólidos
vivida na comunidade escolar? É de fácil percepção que não
obtivemos uma resposta satisfatória. A resposta não condiz
com o perguntado. Vale ressaltar que a professora reconhece
o espaço da comunidade escolar como propício para reflexões
ambientais. Conscientizar, palavra evocada pela entrevistada,
tem sua importância em todo o processo de Educação
Ambiental. Mas, segundo Medel (2013) a postura da escola
está em levar ao aluno a compreensão do seu espaço e de
sua responsabilidade sobre ele. E ao professor, fomentar uma
conscientização dos seus alunos sobre o lugar em que vivem.
Infelizmente, como no começo do trabalho fora
mencionado, devido à falta da abordagem da educação

174  Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda


ambiental no Projeto Político Pedagógico da escola, que
por ventura está localizada próxima ao lixão da cidade e a
inexistência de planejamentos do professor de geografia,
realmente fica difícil obter uma resposta contundente para esta
última indagação e, que se aproxime do que logo acima Medel
(2013) salientou. Uma vez que, não há um planejamento que
busque a reflexão da situação vivida em comunidade e quiçá de
uma Educação Ambiental.

Considerações finais

Esta pesquisa nos fez perceber a responsabilidade da escola
na formação de indivíduos conscientes, em todos os aspectos,
quanto mais, numa consciência ambiental. Refletimos ainda
sobre a missão do professor de geografia perante os problemas
sociais materializados na superfície terrestre e, especificamente,
o seu compromisso em conjunto com a escola por atender
estudantes oriundos da comunidade residente no entorno
aos lixões. Evidenciamos que postura pedagógica deve ser
tomada pela escola e qual a conteúdo-metodológica, a partir
da Educação Ambiental, deve ser assumida pelo professor de
geografia.
Com nossos resultados e discussões, acreditamos
ter por alcançado nossos objetivos e respondida nossa
problemática, onde pudemos verificar que o sujeito pesquisado
superficialmente conhece o significado para o termo
sustentabilidade, e, que, embora reconheça a escola está inserida
num espaço propício para a reflexão das questões ambientais e
esclareça uma predileção pela palavra “conscientizar”, não há
um entendimento do nível da problemática vivida nos lixões,
por não ser refletido em sala de aula e erroneamente intitulá-
lo por “aterro sanitário”, assim como no Projeto Político
Pedagógico da escola, quanto em seus planejamentos, não

O ENSINO DE GEOGRAFIA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: 175


ESCOLA, COMUNIDADE E RESÍDUOS SÓLIDOS
há resquícios de uma postura que contemple pressupostos de
Educação Ambiental.
Retomamos, Reigota (2017) e reafirmamos o ideal de
uma postura da escola tendo a Educação Ambiental enquanto
política e a partir deste princípio, assumindo-se como
precursora de desvelamentos sociais.

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176  Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda


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O ENSINO DE GEOGRAFIA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: 177


ESCOLA, COMUNIDADE E RESÍDUOS SÓLIDOS
GÊNERO, RAÇA E CLASSE NA EJA:
TRAJETÓRIAS DE VIDA DE MULHERES
AFRODESCENDENTES DE SUCESSO
EDUCACIONAL

Efigênia Alves Neres

Para início de Conversa... Intersecções entre as questões de


Gênero, Raça e Classe na EJA

N
a atualidade ainda permeia no imaginário social
a representação negativa referente à mulher
afrodescendente e aos lugares ocupados pela
mesma na sociedade. Esse processo resulta da histórica relação
de dominação/exploração/silenciamento a que a mulher sofreu
e continua sofrendo ao longo do tempo.
Não é difícil observar que homens e mulheres ocupem
com “naturalidade” lugares diferentes, pois há uma urgente
necessidade política, econômica e social de determinar com
precisão que posições as mulheres e os homens irão ocupar nas
diversas esferas de poder da sociedade.

GÊNERO, RAÇA E CLASSE NA EJA: TRAJETÓRIAS DE VIDA DE MULHERES 179


AFRODESCENDENTES DE SUCESSO EDUCACIONAL
Há uma tentativa histórica na cultura ocidental de inculcar
nos seres humanos a ideologia da “inferioridade” feminina, que
se recorre frequentemente ao argumento de que as mulheres
são menos inteligentes e habilidosas que os homens. Tal
ideologia reforça estruturas políticas e sociais, baseadas no
sistema patriarcal, que assentado em bases machistas, reduz as
oportunidades de participação social das mulheres e promove
a divisão sexual do trabalho.
Essa discriminação contra a mulher toma maior
proporção, quando se colocam em jogo questões mais
complexas, como as de raça e de classe, compondo injustiças
que obstruem a construção de sociedades mais democráticas
e igualitárias. Quando se fala das mulheres afrodescendentes e
pobres essa problemática se acentua, pois a elas são utilizados
inúmeros adjetivos depreciativos, piadas raciais e de gênero
humilhantes, assédios sexuais e tratamentos desumanos que
reafirmam a ideia de “inferioridade” feminina e colaboram para
firmar no imaginário social as representações negativas deste
grupo étnico-racial e de gênero. Nesta perspectiva, Boakari
(2015, p. 29) observa que

A mulher afrodescendente também continua sendo


desafiada porque é mulher. Uma afrodescendente que pode
se encontrar em condições economicamente desfavoráveis
tem que comprovar as suas competências, capacidades,
outras qualidades em todas as horas e contextos.
Uma vida de testes e testagem permanentes. Vivência
histórica de provações, autoavalições, questionamentos,
autoafirmação, desconfianças e autoconfiança cotidianas.

Deste modo, acreditamos que a discriminação contra a


mulher e as pessoas afrodescendentes no Brasil se apresenta
como uma questão socialmente construída para beneficiar
quem controla o poder econômico e político. O poder aqui

180  Efigênia Alves Neres


é macho, branco e heterossexual. Assim, há indicações que
as questões de gênero, raça, classe e de sexualidade, devem
ser enfrentadas conjuntamente, visando a necessidade de
construção de uma sociedade mais justa com oportunidades
iguais a homens e mulheres, ricos ou pobres (SAFIOTI, 1987).
Cabe ressaltar que aqui utilizamos o termo
Afrodescendência e os vários derivativos em geral, para se
referir às/aos descendentes de africanas/os de todos os tempos
que se encontram em todas as partes do mundo atual. Sobre a
utilização deste termo Boakari (2015, p.21) postula que

(...) afrodescendência como conceito de raiz pode ser


usado em oposição ao descritor “negro” e seus variantes.
Este último está carregado de uma bagagem histórica
de mascaramentos, de argumentos ilógicos porque sem
fundamentação racional, com um conteúdo explicativo
até hoje repleto de elementos negativos e perspectivas
negadoras da humanidade básica de seus referentes que
terminam sendo aceitas como coisas, e servem como
objetos de outras pessoas. Este termo coisifica membros
deste grupo humano, os retirando as suas subjetividades.

Em se tratando deste dispositivo de racialidade/biopoder


que opera na sociedade brasileira, Carneiro (2005) contribui
com esse debate buscando o conceito de Epistemicídio no
pensamento de Boaventura Sousa Santos, para quem este se
constitui num dos instrumentos mais eficazes e duradouros
da dominação étnica/racial, pela negação que empreende
da legitimidade das formas de conhecimento produzidas
pelos grupos dominados, com a pretensão de subalternizar,
subordinar, marginalizar ou ilegalizar práticas e grupos sociais
que possam ameaçar a expansão capitalista. Assim, Carneiro
(2005, p.97) postula que:

O epistemicídio é, para além da anulação e desqualificação

GÊNERO, RAÇA E CLASSE NA EJA: TRAJETÓRIAS DE VIDA DE MULHERES 181


AFRODESCENDENTES DE SUCESSO EDUCACIONAL
do conhecimento dos povos subjugados, um processo
persistente de produção da indigência cultural: pela
negação ao acesso à educação (...) pela produção da
inferiorização intelectual; pelos diferentes mecanismos de
deslegitimação do negro como portador e produtor de
conhecimento e de rebaixamento da capacidade cognitiva
pela carência material e/ou pelo comprometimento da
autoestima pelos processos de discriminação correntes no
processo educativo.

Objetivando ampliar esse debate do Epistemicídio, como


um dispositivo de racialidade/biopoder surge em 1989 um
termo cunhado pela professora norte-americana Kimberlé
Crenshaw - o Feminismo Interseccional, como um feminismo
da diferença, de crítica e reação ao ‘’feminismo branco’’,
que tem como ênfase as experiências das mulheres brancas
eurodescendentes, heterossexuais e de classe média/alta.
Desse modo, o Feminismo Interseccional, se origina
na terceira onda do Movimento Feminista (início no final da
década de 80), em que se começou a criticar os paradigmas
estabelecidos. Esta vertente, defende que intersecções ou
recortes de opressões e vivências, devem ser feitos quando se for
analisar as estruturas sociais de dominação-exploração, assim
como as pessoas que são atingidas (des) favorecidamente por
elas.
Ressalta, portanto, o recorte de gênero, de raça e de
classe, e outros fatores, assim reconhecendo que as mulheres
não sofrem todas juntas as mesmas opressões. Djamila Ribeiro
destaca que

As críticas trazidas por algumas feministas dessa terceira


onda, alavancadas por Judith Butler, vêm no sentido de
mostrar que o discurso universal é excludente; excludente
porque as opressões atingem as mulheres de modos
diferentes, seria necessário discutir gênero com recorte

182  Efigênia Alves Neres


de classe e raça, levar em conta as especificidades das
mulheres. Por exemplo, trabalhar fora sem a autorização
do marido, jamais foi uma reivindicação das mulheres
negras/pobres, assim como a universalização da categoria
mulheres tendo em vista a representação política, foi feita
tendo como base a mulher branca, de classe média. Além
disso, propõe, como era feito até então, a desconstrução
das teorias feministas e representações que pensam a
categoria de gênero de modo binário, masculino/feminino
(RIBEIRO, 2014, p.01).

Somada a essa questão que determina os lugares que a


mulher afrodescendente e pobre deve ocupar, percebe-se que
ao longo da história do Brasil essa realidade se concretiza na
escola, quando a educação reproduz esse sistema excludente.
Um dos fatores determinantes desta problemática é que o
sistema educacional esteve e continua estruturado de modo
a proporcionar às elites o acesso à melhor formação possível,
restando às classes populares uma escolarização precária e
aligeirada, muitas das vezes pela via compensatória, como é o
caso da Educação de Jovens e Adultos. Essa realidade tem a ver
com o caráter histórico da educação e com o modo hegemônico
de produção gestado em nossa sociedade.
Diante dessa questão, a história da EJA desde os
primórdios está atrelada a relação educação e trabalho, haja
vista seu caráter compensatório, pois se destina a jovens e
adultos, homens e mulheres, em sua maioria trabalhadores/
as afrodescendentes que não tiveram na idade própria acesso
ou continuidade de estudos. Dito de outra forma, as ações
governamentais direcionadas à EJA no Brasil têm suas raízes
no processo de industrialização e nas mudanças no modelo
de produção capitalista que determinaram historicamente
as necessidades educacionais, transformando o perfil desses
trabalhadores/as iletrados de acordo com os interesses do
mercado.

GÊNERO, RAÇA E CLASSE NA EJA: TRAJETÓRIAS DE VIDA DE MULHERES 183


AFRODESCENDENTES DE SUCESSO EDUCACIONAL
Atualmente, na tentativa de construir uma EJA diferente,
acredita-se que esta modalidade da educação não deve se
constituir em apenas trazer de volta à escola aqueles/as que
dela um dia foram excluídos, mas há que construir uma cultura
e uma gestão dos espaços escolares e educativos que num
primeiro momento acolham e, a seguir, criem condições de
atenção e de cuidado capazes de conquistar, seduzir aqueles/as
que nela chegam, a fim de que estes sujeitos/as possam através
da sua capacidade de criação, transformar a si e a realidade
que está a sua volta (BERNARDIM, 2008).
Desse modo, o grande desafio colocado é que a EJA não
seja apenas uma segunda oportunidade de escolarização, em
termos do que se crítica como uma “educação pobre para os
pobres”, mas se propõe outras formas de educação que venham
a dotar os educandos/as de atitudes, para que possam entender
e criticar a realidade em que vivem e, em consequência, propor
alternativas para sua transformação. Sobre isso Arroyo (2017,
p.37) postula que:

Cresce a consciência entre os educadores/as de que não


há como construir um projeto de educação nem atuar
com seus/suas docentes/educadores/as sem ter uma
compreensão aprofundada, pedagógica dessas estreitas
relações entre as vivências de classe, do trabalho, do espaço
e a construção de autoidentidades. Uma das funções de
toda a docência é trabalhar essas autoimagens pessoais
e coletivas de classe, raça. Valorizar as resistências e os
esforços por construir imagens positivas em outro projeto
de cidade, de campo. De sociedade. Em outro projeto de
escola e de EJA, que assuma as radicalidades humanas que
os educandos conferem a seus itinerários pela educação,
pelo direito a uma vida justa.

Partindo dessas discussões, as reflexões teóricas aqui


apresentadas fazem parte de uma pesquisa em andamento,

184  Efigênia Alves Neres


que está sendo realizada no âmbito do Mestrado em Educação,
do Programa de Pós Graduação em Educação (PPGED) da
Universidade Federal do Piauí (UFPI), intitulada: Histórias
que se cruzam na EJA: as Trajetórias de Vida de Mulheres
Afrodescendentes de Sucesso Educacional.
A pesquisa busca fazer uma análise sociológica dos
aspectos escolares na EJA e as estratégias utilizadas pelas
mulheres afrodescendentes para alcançarem os espaços de
poder e obterem o “sucesso” desejado por cada uma delas, de
maneira singular, por meio da educação.
Com base nessas preocupações, surgiram alguns
questionamentos que nortearam a realização do presente
estudo e que almejamos discutir ao longo desse texto: Quais
experiências de vida fizeram com que mulheres afrodescendentes
percebessem a EJA como possibilidade de conclusão da
escolarização básica? Qual a importância da EJA, na vida de
mulheres afrodescendentes, como possibilidade de sucesso
educacional/profissional, frente às adversidades da vida
social e escolar? Quais as estratégias utilizadas por mulheres
afrodescendentes em suas experiências na EJA, a fim de que
possam alcançar o sucesso educacional/profissional, desejado
por cada uma delas, de maneira singular?

Travessias Metodológicas: aprendendo com o Feminismo


Interseccional e as Histórias de Vida

Compreendendo a multiplicidade dos fenômenos


sociais e a dialogicidade que permeiam as interações entre as
pessoas e os grupos, optamos neste trabalho pela pesquisa de
abordagem Qualitativa inspirada nas orientações de Melluci
(2005) e Oliveira (2011), considerando que ela nos ajudará
em uma maior aproximação e diálogo com as mulheres
afrodescendentes, participantes desta pesquisa, que estudaram

GÊNERO, RAÇA E CLASSE NA EJA: TRAJETÓRIAS DE VIDA DE MULHERES 185


AFRODESCENDENTES DE SUCESSO EDUCACIONAL
na modalidade EJA e conseguiram conquistar a cidadania por
meio da educação, processo a que se denomina neste estudo
de afrocidadanização, conceito forjado por Guimarães (2013).
Este conceito traz à tona questões imersas nas raízes
históricas da sociedade brasileira, em que a cultura política
sempre reservou aos indivíduos da população afrodescendente
uma posição subalterna na hierarquia social. No entanto, a
partir da luta pela ampliação das oportunidades de ingresso
de estudantes afrodescendentes no Ensino Superior, a situação
de subalternidade dos profissionais desta população começa a
se transformar substancialmente, apontando como condição
de futuro a possibilidade do aumento da presença destes
profissionais em posições hierárquicas e de destaque.
Sobre a pesquisa qualitativa, Oliveira (2011) postula que
em estudos dessa natureza:

Qualquer problema não é simplesmente um problema


dos sujeitos de minha pesquisa: é também meu problema-
como partícipe da ação, como pesquisador e como
alguém que se interroga diuturnamente sobre o sentido do
seu fazer. Significa, portanto, um engajamento com aquilo
que se faz. É assumir a responsabilidade pela extensão dos
meus atos, averiguando, passo a passo, que implicações
eles podem propiciar às pessoas, sejam elas mais velhas,
sejam mais jovens. A realização delas será também a minha
(p.17-18).

Corroborando com Oliveira (2011) e Melluci (2005)


na pesquisa qualitativa há significados que não somente o/a
pesquisador/a interpreta (significa ou ressignifica), mas os
próprios atores sociais de um contexto dão sentido para a sua
realidade. Em pesquisas dessa natureza é de suma importância
a análise do processo de interação entre a pesquisadora e as
interlocutoras da pesquisa, cada um com seus papéis específicos
no contexto – a pesquisadora com a função de busca e de

186  Efigênia Alves Neres


escuta das falas e significados construídos pelas interlocutoras,
e as atrizes sociais do grupo em estudo interagindo com a
pesquisadora – atribuindo significados à realidade e as relações
que aí se estabelecem.
Cabe destacar que a pesquisadora, por meio deste
estudo percebe a pesquisa como um processo intrinsecamente
político e adota os conceitos fundamentais das Metodologias
Feministas, ligadas às histórias das lutas feministas, em especial
a busca da justiça social para mulheres e que, portanto, está
incorporada a contextos críticos e emancipatórios e pretende
examinar as relações de poder na produção de conhecimento
(CHANTLER; BURNS, 2015).
É sabido que existem vários feminismos, que o
movimento é diverso e heterogêneo e nele existem várias
vertentes, perspectivas e modos de atuação. Neste estudo,
nos centraremos na vertente do Feminismo Interseccional,
por corroborar com o pensamento da professora Kimberlé
Crenshaw, quando a mesma defende que o gênero não é o
único fator de discriminação, e que há a necessidade de estudar
outros fatores de discriminação juntos, por causa da relação
que cada um estabelece com o outro. De acordo com Boakari
(2015)

Kimberlé Crenshaw introduziu o termo


“interseccionalidalide” para descrever aquela situação
da mulher afrodescendente onde ela se encontra
persistentemente sofrendo as consequências dos
tratamentos discriminatórios múltiplos e das formas de
dominação-exploração inter-relacionadas como resultados
que também servem de causas. (...) O conceito de
interseccionalidade não somente possibilita considerações
críticas sobre a clássica “tríplice discriminação” (social,
racial e sexual) que a mulher afrodescendente enfrenta,
mas ao mesmo tempo, deixa espaço suficiente para
criticamente considerar outros fatores que também entram

GÊNERO, RAÇA E CLASSE NA EJA: TRAJETÓRIAS DE VIDA DE MULHERES 187


AFRODESCENDENTES DE SUCESSO EDUCACIONAL
no cômputo geral das forças de opressão e marginalização
que compõem o quadro de desafios cotidianos dela
(BOAKARI, 2015, p.29-30).

Dessa maneira, como forma de conhecer as participantes


da pesquisa, será utilizado o Método da História de Vida, que
emprega as narrativas das vivências das participantes para levá-
las a um processo de transformação. Sobre este método Marie-
Chistine Josso afirma que:

A originalidade da metodologia de pesquisa-formação


em Histórias de Vida situa-se em primeiro lugar em nossa
constante preocupação com que os autores de narrativas
consigam atingir uma produção de conhecimentos que
tenham sentido para eles e que eles próprios se inscrevam
num projeto de conhecimento que os institua como
sujeitos (JOSSO, 2004, p.25).

Esta transformação, que se inscreve na História de


vida como projeto de conhecimento e como projeto de
formação acontece quando as pessoas tomam consciência
de si mesmo, encarando sua trajetória de vida, os objetivos,
as experiências formadoras, os grupos de convívio, os
valores, os comportamentos, as atitudes, as formas de sentir
e viver, os encontros e desencontros e assim, por meio dessa
conscientização ela vai criando e entendendo os sentidos e
significados da sua vida.
Na produção dos dados da investigação, serão utilizados
as Entrevistas de Histórias de Vida, com até 04 (cinco) mulheres
afrodescendentes, considerando que este instrumento de
pesquisa fornecerá os dados básicos para o desenvolvimento e a
compreensão das relações entre as participantes e sua situação.
O objetivo é uma compreensão detalhada das crenças, atitudes,
valores e motivações, em relação aos comportamentos das

188  Efigênia Alves Neres


pessoas em contextos sociais específicos (BAUER; GASKELL,
2002, p. 65).
A opção pelas Entrevistas de Histórias de Vida se deve ao
fato de que esta técnica apresenta como centro de interesse o
próprio indivíduo na história, incluindo sua trajetória desde a
infância até o momento em que fala, passando pelos diversos
acontecimentos e conjunturas que presenciou, vivenciou ou de
que se inteirou. Nesse tipo de entrevista leva-se em conta a
trajetória das participantes, procurando selecionar elementos
relevantes, de acordo com os objetivos da pesquisa (REIS,
2017).
Além das Entrevistas de Histórias de Vida, será utilizado
o Diário de Itinerância, que servirá como instrumento
metodológico específico, em que serão registrados os
sentimentos, pensamentos, desejos, sonhos, não só das
mulheres pesquisadas, mas também da pesquisadora
(BARBIER, 2004).
Dessa maneira, as anotações e comentários registrados
no Diário de Itinerância serão utilizadas para, de forma
aleatória, condensar as informações, depois organizá-las e
reforçar o estudo das categorias de análise do discurso das
mulheres entrevistadas. Para enriquecimento da utilização
desses instrumentos serão também utilizadas fotografias, além
de textos gravados e escritos pelas interlocutoras, registrando
suas falas e conversas cotidianas, as quais serão analisadas
posteriormente na fase da análise de dados.
Para analisar os dados, a partir dos objetivos propostos
em torno do problema de estudo, optou-se por fazer uma
análise descritiva, analítica e interpretativa do discurso, em que
se recorrerá ao trabalho de Michel Foucault, visando entender
como o poder e a ideologia operam por meio de sistemas de
discurso e também ao pensamento de Poirier, Clapier-Valladon,
Raybaut e Raybaut (1999) que postulam que este tipo de

GÊNERO, RAÇA E CLASSE NA EJA: TRAJETÓRIAS DE VIDA DE MULHERES 189


AFRODESCENDENTES DE SUCESSO EDUCACIONAL
análise é tributária do corpus (aqui, um material qualitativo
constituído por um conjunto de histórias de vida, de mulheres
que saíram de um universo populacional nitidamente definido)
e dos fins que se procura atingir com este estudo (aqui, um
inquérito exploratório, conduzido paralelamente ao arquivo de
documentos vivos).
Assim, a Análise do Discurso de uma Entrevista de
História de Vida tem por objetivo explicitar as informações
e significados pertinentes nela contidos. Na análise das
entrevistas/narrativas, será possível focalizar as histórias das
mulheres afrodescendentes e entender por que razões elas estão
sendo contadas desse maneira, nesse momento (CHANTLER;
BURNS, 2015).

A Travessia de Mulheres Afrodescendentes na EJA:


Escolarização como processo de Emancipação

Contar nossas próprias histórias e falar sobre o “sucesso”


de mulheres afrodescendentes se faz extremamente importante,
porque esse é um lugar que não costuma ser dado gratuitamente
para as mulheres. A gente teve e ainda tem que insistir para
mostrar que nossas experiências, histórias e narrativas têm
valor. Há ainda resquícios de um certo pré-conceito ou desprezo
machista da sociedade, no sentido de achar que conteúdo
e histórias de mulheres, ainda que sejam histórias reais, têm
algo de mais frágil, mais suave, naquele estereótipo de “mulher
sensível”.
Neste estudo, a ideia não é somente contar histórias de
mulheres afrodescendentes que se destacaram por lutar mesmo
pelos direitos da mulher de alguma forma, seja pelo voto
feminino, pelo direito ao estudo ou simplesmente pelo direito
de ser quem quiser, falar o que quiser e não ser condenada por
isso, por uma questão de gênero. A ideia também é

190  Efigênia Alves Neres


(...) focalizar a questão da mulher afrodescendente de êxito
social onde o “sucesso é visto de outra maneira... explicado
através da realização das/os outras/os, como satisfação
em ver a/o outra/o feliz por causa das suas contribuições.
Sucesso como possibilidade de fazer o que considera
correto/relevante para efetivar mudanças positivas na vida
de outras pessoas. (...) São mulheres desconhecidas porque
o que fazem também não recebe da sociedade, o valor
que merece. Entretanto, para o grupo dos historicamente
excluídos e sistematicamente marginalizados, estas
mulheres falam uma língua inestimável porque continuam
a tradição de seus antepassados que viviam por causa
de outras pessoas, vidas dedicadas aos outros a fim de
ajudar na humanização da comunidade para contribuir na
hominização do mundo (BOAKARI, 2015, p.33-34).

Dessa forma, a constituição das mulheres


afrodescendentes como sujeitas de direito está diretamente
vinculada à emergência de sua emancipação, processo no qual
a organização coletiva, os pesquisadores, a família, ocupam
papel fundamental. Na atualidade, as temáticas relacionadas às
mulheres afrodescendentes têm merecido diversas abordagens,
nisso verifica- se um fortalecimento do seu papel na sociedade
frente a séculos de tentativas de dissolução de sua identidade
(MARTINS, 2013).
Nesse novo cenário que ela transita, constrói-se um novo
imaginário a respeito da mulher afrodescendente, cada vez
mais associado ao seu poder de superação e não mais somente
a falta de poder, de sujeição ou de insucesso. Portanto, a saída
da EJA e a passagem pela universidade, além de ampliar o capital
cultural, oferecendo melhores oportunidades de ingresso na
esfera do trabalho, amplia também o capital social, abrindo
avenidas de mobilidade que normalmente estariam fechadas
para os indivíduos da população afrodescendente.

GÊNERO, RAÇA E CLASSE NA EJA: TRAJETÓRIAS DE VIDA DE MULHERES 191


AFRODESCENDENTES DE SUCESSO EDUCACIONAL
A colocação profissional em uma posição condizente
com a formação recebida na universidade permite indicar
melhorias das condições materiais de vida, tanto no plano
pessoal quanto no plano familiar, com efeitos multiplicadores
para toda a comunidade. Estas oportunidades, que são
de naturezas distintas, além de permitirem a ampliação do
capital econômico, ajudam a garantir direitos, contribuindo
fortemente para a conquista da cidadania.

Para grande parte das mulheres afrodescendentes, a


mobilidade social, a inserção no mercado de trabalho, o
acesso aos bens de consumo e à seguridade social estão
estritamente ligados com a ascensão educacional, a
formação superior e a profissionalização. Então, para
que ocorra uma mobilidade socioeducacional da mulher
afrodescendente é necessário o alicerce em três pilares: a
educação, a informação e o conhecimento (MARTINS,
2013, p. 68).

Por isso, não há porque contestar os avanços e as


conquistas realizadas pelas mulheres nas três últimas décadas.
Para Boakari (2015, p.32) diante dos desafios e adversidades
da vida, essas conquistas das mulheres demonstram que

Como sujeitos racializados as mulheres afrodescendentes


teriam pelo menos duas respostas possíveis. Elas podem
escolher a passividade, serem objetos dos acontecimentos
e manipulações pelos outros, em particular pelos
homens afrodescendentes, mulheres e homens de outras
descendências (asiática ou europeia). Outra resposta é
assumir as subjetividades como agências das histórias
coletiva e individual; pessoas responsáveis pelas escolhas
como indivíduos que conscientemente aceitam a sua
vocação ontológica de serem sujeitos construtores de suas
realidades e desenvolvedoras de suas vidas e as de outras
pessoas sob a sua responsabilidade como cuidadoras

192  Efigênia Alves Neres


de famílias. (...) Esta ou aquela decisão resulta no fazer
de uma história, a história individual que influencia no
desenvolvimento da história coletiva da família, do grupo
e da comunidade.

Dessa maneira, o acesso à educação para a mulher


afrodescendente contribui não somente para uma mobilidade
social vertical ascendente, ou seja, a conquista de grau
acadêmico, mas permite que haja mobilidade no sentido
horizontal, que é o compartilhamento de informações entre
grupos sociais distintos.
Sendo assim, ao realizar a presente pesquisa, acredita-
se que se poderá contribuir inicialmente para uma reflexão
coletiva sobre essa problemática e ainda que os resultados deste
estudo poderão revelar a abertura de novas pesquisas na área e
a maior compreensão sobre a importância da EJA na trajetória
de vida de mulheres afrodescendentes de “sucesso”, trazendo
à tona questões que envolvem a influência dessa modalidade
em suas formas de organização da vida e no enfrentamento das
suas dificuldades socioculturais, baseadas nas questões de raça
e de gênero.

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GÊNERO, RAÇA E CLASSE NA EJA: TRAJETÓRIAS DE VIDA DE MULHERES 195


AFRODESCENDENTES DE SUCESSO EDUCACIONAL
AFETOS E AFECÇÕES:
VIVÊNCIA DE CORPOS

Rosalina de Souza Rocha da Silva

Por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais


sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada
ou refreada, e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções.
(Spinoza1)

P
artindo do pressuposto da epígrafe de Spinoza
(2014, p. 98), compreendemos que os afetos são
seres que nos afetam por meio de seus corpos
nos potencializando ou não a agir, estimulando ou refreando
nossas ações. Em conformidade com essa premissa, todos
somos seres de relações que se implicam diariamente com
corpos que podem nos afetar positiva ou negativamente e essas
afecções podem nos fortalecer ou não em nosso sentir, pensar
e agir sobre as ações diárias.

1 Adotaremos a grafia Spinoza no corpo do texto, mas respeitaremos


nas referências conforme escrito pelos autores.

AFETOS E AFECÇÕES: VIVÊNCIA DE CORPOS 197


Fundamentados nesse entendimento, evidenciaremos os
que fortaleceram e potencializaram o corpo dessa professora
que viveu intensamente desde o início quando era bolsista
até se tornar professora efetiva, pois entendemos que na
relação ensino-aprendizagem com intencionalidade aumentam
o potencial dos envolvidos no processo. Desta feita, será
abordado o que aumenta o sentir, pensar e o agir da professora
em tela. Partindo deste pressuposto, temos por objetivo
discorrer sobre as ações realizadas por um corpo que afetou e
foi afetado criando elos de relações com outros corpos em prol
da Educação.
Neste texto, convidamos os leitores e as leitoras a
conhecerem os afetos e afecções que nos potencializaram ser
professora de Arte por dezesseis anos em uma mesma escola,
compartilhando das vivências com os corpos discentes e
docentes da escola estadual na zona norte de Teresina, no Piauí,
hoje denominada de Centro Estadual de Educação Profissional
Professor (CEEPP) Edgar Tito.
Primeiramente, explanaremos a historicidade desse corpo
destacando o encontro feliz com os corpos que compunham
a comunidade da escola explicitada anteriormente. Depois
discutiremos sobre a metodologia e procedimentos empregados
na atividade executada em conjunto com os corpos discentes e
docentes. Em seguida, abordaremos algumas reflexões sobre
as relações positivas ou alegres que fortalecem os corpos com
sinergia. Concluímos este artigo com a intencionalidade de
colocar em evidência os desafios e alguns caminhos. A seguir,
explicitaremos sobre o encontro feliz entre os corpos.

Encontro Feliz: corpos de relações

O encontro feliz ocorre quando os corpos se potencializam


em relações ético-afetivas, ou seja, em que exista o respeito

198  Rosalina de Souza Rocha da Silva


com rigor e afeto nas ações. O encontro entre a docente e
a comunidade escolar se tornou feliz, pois a potencializou a
sentir, pensar e agir com a intencionalidade de afetar e deixar-
se afetar pelos corpos que colaboraram com sua formação
pessoal e profissional – quando iniciou como bolsista ainda
estava em formação na Universidade Federal do Piauí em
Teresina no curso de Licenciatura Plena em Educação Artística
com habilitação em Artes Plásticas.
As universidades possuem convênios com as escolas
municipais, estaduais e algumas particulares a fim de inserir
os estudantes que ainda estão em formação para iniciar suas
atividades como bolsistas, por meio de encaminhamentos de
suas coordenações de cursos que selecionam e encaminham
para as unidades de pessoas para serem lotadas em uma
determinada escola. Nesse processo, fomos encaminhada para
a escola CEEPP Edgar Tito e designada para ministrar aulas
no Ensino de Jovens e Adultos (EJA), Ensino Médio e Ensino
Fundamental II. Para alcançar tal intento, tivemos que superar
as inquietações iniciais, tais como: qual currículo trabalhar
pela vastidão de possibilidades que compõe o ensino de Artes
Visuais, até a teoria e prática a ser empregada em sala de aula.
Para superar o primeiro desafio foi necessário sistematizar
e compreender a necessidade que os estudantes têm para
entender os conteúdos de Arte. Iniciamos priorizando o ensino
dos elementos visuais e sua aplicabilidade, relacionando
imagens; práticas com os vários tipos de desenhos; criação
de elos entre imagens e sua historicidade, contextualizando
vida e obras de artistas com os aspectos ligados à história da
Arte. Com essa sistemática foi possível estabelecer relações
com os corpos que compunham a gestão da escola haja vista
a necessidade do planejamento do que é vislumbrado para ser
realizado.

AFETOS E AFECÇÕES: VIVÊNCIA DE CORPOS 199


Nessa trajetória, os corpos das coordenadoras da
escola foram primordiais, pois elas nos faziam refletir sobre o
planejado e reformulá-lo tornando, assim, o processo ensino-
aprendizagem adequado às idades dos estudantes que seriam
afetados diretamente por essas escolhas.
Quanto à teoria que iríamos adotar ainda naquele
momento não estava clara em nossa mente, mas tínhamos o
objetivo de fazer o melhor com as possibilidades que estavam
sendo criadas. Hoje, porém, temos o discernimento de que os
conhecimentos de Freire (1996), Vigotski (2009, 2007, 1999) e
Spinoza (2014) estavam sendo plantados.
Fundamentadas nos princípios que esses teóricos adotam,
compreendemos que os corpos e as mentes formam um todo
harmonioso. Essa unidade corpo-mente compõe o ser com
potencial para mudar a realidade vivida, pois é impregnado de
força para trabalhar em prol da sua necessidade pessoal e da
coletividade, criando atividades que são exercidas para conduzir
inicialmente à mudança e quiçá transformá-la (FREIRE, 1996;
SPINOZA, 2014). Quando nos referimos a corpos estamos
utilizando nessa perspectiva de unidade corpo-mente em que
o profissional da Educação sente, pensa e age afetando e
sendo afetado em seu conatus aumentado ou diminuindo o seu
potencial.
As afecções que os corpos nos proporcionaram foram
imprescindíveis na constituição de ser professora de Arte. O
corpo discente foi primordial nessa relação em que intentamos
transformar o ato educativo. Para transformá-lo devemos criar
provocações que impliquem fazer e pensar a Arte ensinada,
e com as múltiplas necessidades e contradições, pois o que
queremos nem sempre é o que realmente é realizado por vários
fatores econômicos, sociais, históricos, culturais, políticos e
éticos (SILVA, 2016).

200  Rosalina de Souza Rocha da Silva


Para superar essas contradições é preciso trabalhar
em colaboração com nossos pares, planejando, definindo
rotas a serem alcançadas conjuntamente, criando sinergia
com os discentes para ter acesso aos conceitos e tornando-
os entendíveis por meio da dialogia no processo ensino-
aprendizagem (IBIAPINA, 2008; BACKTIN, 2011). São essas
vivências que marcam o desenvolvimento humano e podem
transformar as vidas das pessoas que se relacionam e passam a
alterar as compreensões iniciais com esforço para perseverar na
existência (SPINOZA, 2014).
São essas premissas que implicam a prática que
descreveremos, mesmo que ainda estejam impregnadas do ranço
de práticas que não deveriam estar em evidência. Trabalhamos
com a possibilidade de alterá-la conjuntamente com nossos
pares, em que podemos nos auxiliar e formamos uns aos outros
por meio de estudo sobre nossas atividades realizadas. (MARX;
ENGELS, 2002). Nessa direção, devemos refletir criticamente
sobre o que fazemos e como fazemos, bem como que corpos
discentes queremos formar na atual conjuntura.
Nessa perspectiva, compreendemos que um encontro feliz
é concebido quando criamos condições de desenvolvimento e
o conatus é aumentado nas relações ético-afetivas diariamente
com os corpos que nos afetaram e afetam ainda hoje. A seguir,
discorreremos sobre um dos projetos executados e um exemplo
de amizade que iniciou em sala de aula.

Atividades: indícios de prática ético-afetiva

Compreendemos a prática com a intencionalidade ético-


afetiva como explicitado por Silva (2016, p. 201) quando se

[...] fundamentam na criação de espaço-tempo para


discussão, propondo estudar em pequenos grupos,
relacionando imagens à vida sócio-histórica, na interação

AFETOS E AFECÇÕES: VIVÊNCIA DE CORPOS 201


do grupo e de pequenos grupos para responder às
perguntas-problemas formuladas, com voz abrangente e a
relação docente e discente dada por meio da colaboração.

Essa perspectiva de prática implica no ensino-


aprendizagem aumentando o potencial de ação dos envolvidos
em que os afetos sintam-se motivados a agir e pensar na alteração
dos conhecimentos iniciais em prol do desenvolvimento de
conceitos.
Toda comunidade histórico-social produz conhecimentos
ora desenvolvidos, ora em desenvolvimento. Portanto, é
na relação de corpos em colaboração, representada pelo
“[...] adulto ou entre pares, que cria possibilidades para o
desenvolvimento, porém não há garantia definitiva de que
essa instrução gere desenvolvimento” (IBIAPINA, 2014, p. 11).
Essa concepção caracterizada por Vigotski (2009) e estudada
por Prestes (2012) é conhecida por zona de desenvolvimento
iminente (ZDI), ou seja, explicita que na relação entre corpo
docente e discente, por meio da linguagem ou discussão, pode
ocorrer a aprendizagem. O compartilhamento dos significados
socialmente construídos e a negociação dos sentidos instituídos
podem favorecer os pares com conhecimentos empíricos a se
desenvolverem para se tornarem científicos.
Neste sentido, compreendemos por atividade toda
prática social intencional planejada com o intuito de envolver os
discentes explorando a sistematização de conceitos, partindo
dos conhecimentos dos estudantes, com possibilidade de
desenvolvimento ético-afetivo (SILVA, 2016).
As atividades desenvolvidas no CEEPP Edgar Tito
foram intensas. Os corpos discentes se envolveram nas
atividades propostas em pequenos grupos organizando-as e
apresentando-as fora da sala de aula. Fizemos recorte para esse
compêndio de descrição do projeto “Luiz Gonzaga: no ritmo
da sanfona cantou e encantou o mundo” que envolveu toda a

202  Rosalina de Souza Rocha da Silva


comunidade escolar e os professores de todas as disciplinas, em
que fizemos parte da organização e coordenação juntamente
com as professoras Atelânia Aquino, Elizabeth Machado e a
coordenadora pedagógica Cláudia Vieira. Os recursos para
que a atividade fosse realizada partiram desse projeto junto à
Secretaria de Educação do Estado do Piauí.
O trabalho em tela objetivou promover o envolvimento
entre os estudantes através da práxis, a interdisciplinaridade,
incentivando-os ao conhecimento das culturas regionais por
meio de planejamento e execução de atividades orientadas
pelos professores, oportunizando condições artísticas, culturais
e regionais. Cada turma escolheu uma música para representa-
la e desenvolveram a temática proposta coordenada por um
professor que deveria relacionar seus conteúdos com a música
de Luiz Gonzaga.
Tendo em vista essa perspectiva, e por trabalharmos com
a maioria das turmas, resolvemos confeccionar telas, desde
o corte da lona até a pintura da base para posteriormente
desenhar e pintar fundamentada na temática do Luiz Gonzaga
com todas as turmas que ministrávamos aulas, pois os
estudantes demonstraram interesse em pintar telas.
Iniciamos o processo perguntando aos estudantes o que
eles conheciam sobre o artista. Tivemos mostra de vídeos,
discussão sobre a biografia e a compreensão das letras das
músicas, que foram interpretadas pelos corpos discentes. Além
do exposto, foi solicitado aos estudantes que pesquisassem sobre
a vida e a obra do cantor para intensificar os conhecimentos.
Neste sentido, os estudantes precisavam se apropriar dos
conhecimentos sobre a produção artística e história do cantor
para confeccionar as telas. Em conformidade com o exposto, os
estudantes foram instigados a produzir suas respectivas telas.
Esse processo foi realizado no dia 08 de dezembro pela manhã,
em um feriado que levou mais de 150 estudantes à escola.

AFETOS E AFECÇÕES: VIVÊNCIA DE CORPOS 203


Primeiramente foi orientado como cortar a lona de acordo
com o tamanho do chassi, pois havia de várias dimensões.
Formaram-se grupos para o corte, outros para esticar e pregar
as lonas que deveria ser bem esticada e tinha o lado certo para
esticar e assim sucessivamente (figura 1). Sendo assim, cada
grupo tinha atividades específicas a desempenhar sem perder
de vista o todo que é necessário à confecção da tela.

Figura 1 - Figura 2 - Pintura Figura 3 - Pintura


Montagem da tela da base conforme orientação

Fonte: Acervo da autora (2012)

Para que esse intento fosse conseguido, variamos os


componentes dos pequenos grupos para ter o conhecimento
do processo como um todo. Após essa etapa, os estudantes
foram orientados a passarem duas demãos de tinta látex fosca
em direções diferentes e deixar secar naturalmente (figura 2),
para posteriormente desenhar o que pretendiam ter registrado
em suas telas – esses desenhos poderiam ser criações pessoais
ou releitura de imagens já realizadas.
A etapa de desenho e pintura nas telas foi realizada em
dezesseis horas de trabalho que envolveram escolha do que
registrar, o desenho em esboço e na tela, e o início da explicação
do procedimento da pintura na tela (figura 3).
Para pintar uma tela são necessários alguns conhecimentos
específicos, tais como saber o que é figura e o que é fundo. A
figura é designada pelo desenho realizado na tela, ou melhor, é a

204  Rosalina de Souza Rocha da Silva


composição dos elementos que foram configurados na imagem
criada pelo estudante, que pode ser concebida por vários planos
(primeiro plano, segundo plano e assim por diante); O fundo
é o que compõe a parte de trás de uma imagem ou a última
forma configurada.
Como exemplo, podemos citar uma composição em
que tenha uma paisagem, com árvores e animais em primeiro
plano, um lago em segundo plano, montanhas em terceiro e
o céu em quarto plano. Nesse exemplo o fundo é composto
pelo céu, portanto, deve ser pintado primeiro, depois as
montanhas e assim sucessivamente até a pintura dos animais e
árvores por último. Sendo assim, o que está em primeiro plano
deve ser pintado por último. Muitos principiantes pintam sem
considerar essa premissa.
Caso o iniciante que pinta resolva pintar primeiro as
imagens em primeiro plano, a configuração da imagem ficará
com aspecto de mal feito ou de que o estudante não a compôs
adequadamente de acordo com o que foi orientado.
Nesse processo os estudantes que foram se apropriando
da técnica passavam a colaborar com seus colegas. Nesse
ínterim os pares mais desenvolvidos auxiliavam os que ainda
estavam em desenvolvimento (VIGOTSKI, 2009, 2007).
Em conformidade com o exposto, podemos apreender
que os estudantes quando vivenciam atividades como esta, são
instigados a interagir com seus pares aumentando seu conatus,
ou seja, potencializando seus corpos a sentir, pensar e agir em
prol do conhecimento (SPINOZA, 2014).
Os estudantes, quando motivados a produzirem
com orientação sistematizada, podem desenvolver seus
conhecimentos tornando-os científicos. Nessa perspectiva,
existe a possibilidade de conhecimentos empíricos se
desenvolverem até se tornarem científicos por meio da

AFETOS E AFECÇÕES: VIVÊNCIA DE CORPOS 205


sistematização das etapas a serem executadas por corpos
discentes em colaboração com os discentes.
Após a pintura das telas foi organizada a exposição no
hall da instituição, em que cada estudante ficou responsável
por explicar o processo de feitura e composição da pintura
na tela aos visitantes. No dia da culminância alguns foram
entrevistados por mídia local e convidados a explicarem como
foi participar e colaborar no processo que estava em exposição.

Figura 4 – Exposição na escola Figura 5 – Exposição na escola

Fonte: Cláudia Vieira (2018)

Quando voltamos à escola para visitar tivemos o prazer de


ver algumas telas produzidas pelos corpos discentes expostas
no hall de entrada (figuras 4 e 5) e espalhadas pelas salas da
gestão. É o reconhecimento do trabalho realizado que nos
potencializa a viver cada dia com esperança na Educação. A
seguir, refletiremos sobre os corpos que nos potencializaram a
ser professora de Arte.

Reflexões sobre a potência dos corpos

Para refletirmos sobre os corpos que aumentaram nossa


potência de sentir, pensar e agir devemos iniciar considerando
os corpos que nos motivaram nesse processo de constituição
de ser professora de Arte. Ser professora de Arte não é fácil,

206  Rosalina de Souza Rocha da Silva


mas é necessário se fortalecer com os pares para que possamos
prosseguir na luta diária (FREIRE, 1996).
Em conformidade com o exposto, devemos valorizar
aqueles corpos que nos afetaram nesse processo. Os
professores, professoras, coordenadoras Cláudia Vieira,
Jaqueline e Francisca e diretores foram essenciais, pois apoiaram
as atividades propostas aos estudantes. Foi possível criar as
condições para realizar trabalhos que os instigaram a praticar
atividades artísticas e culturais que envolviam exposições fora
da sala de aula.
Afetar e ser afetado por esses corpos foi primordial para a
constituição de profissional da Educação que faz provocações
para que os corpos discentes não aceitem ficar somente
sentados ouvindo, mas que façam suas próprias intervenções,
suas composições, sendo atores de suas vidas na escola, tendo
voz e vez em seu espaço-tempo escolar.
Fundamentados nessa perspectiva, podemos exemplificar
corpos que nos são caros nesse processo que deixou de ser
somente entre corpos discente e docente, mas que podemos
caracterizar como sendo de amizade que quebrou os muros
da escola (SPINOZA, 2014). Alguns corpos extrapolaram as
paredes da sala de aula adentrando até a vida pessoal. Um dos
casos é da estudante Y, vou chama-la assim para não expor seu
caso íntimo.
A mencionada estudante engravidou e sua mãe não
aceitava a situação durante toda a gravidez. Quando a discente
foi ter o bebê teve início de eclampse por ter sua pressão arterial
alterada e estava sozinha no hospital. Tivemos a coragem de
ligar para a mãe dela e convencê-la da importância de sua
presença junto de seus descendentes. Essa conversa estimulou-a
a tomar atitude favorável à sua filha e neto.
Desde então, ambas são gratas por essa intervenção.
Esses corpos são importantes até hoje em nossa vida, pois nos

AFETOS E AFECÇÕES: VIVÊNCIA DE CORPOS 207


fortalecemos enquanto pessoas que precisam ser provocadas
a entender que a vida pode ser mais leve quando trabalhamos
colaborando umas com as outras em prol de algo melhor: a
vida.
Conforme explicitado, destacamos o pensamento de
Freire (1996, p. 26-27) sobre o papel do profissional da
Educação frente aos momentos de intervenção: “Percebe-se,
assim, a importância do papel do educador, o mérito da paz
com que viva a certeza de que faz parte de sua tarefa docente
não apenas ensinar os conteúdos, mas também ensinar a pensar
certo”. Os corpos de mãe e filha precisavam ser afetados por
um terceiro corpo para agir e pensar adequadamente em prol
de suas vidas.
Ao afetar e ser afetada pelos corpos mencionados
anteriormente, aumentamos nossa potência de sentir, pensar
e agir em favorecimento do outro e que esse outro sinta sua
potência aumentar para agir colaborativamente com seus
pares.
Partindo do exposto anteriormente, destacamos o
pensamento de Spinoza (2014, p. 139) quando assevera as
ações dos afetos em suas afecções:

[...] estão relacionados à mente à medida que ela


compreende, à fortaleza, que divido em firmeza e
generosidade. Por firmeza compreendo o desejo pelo qual
cada um se esforça, pelo exclusivo ditame da razão. Por
generosidade, por sua vez, compreendo o desejo pelo qual
cada um se esforça, pelo exclusivo ditame da razão, por
ajudar os outros homens e para unir-se a eles pela amizade.

Entendemos essa premissa que envolve os afetos que


devam ter o equilíbrio entre firmeza e generosidade para
tornarem-se fortes. Dito de outra maneira é a harmonia entre a
firmeza que compreende a razão e a generosidade que envolve a

208  Rosalina de Souza Rocha da Silva


união dos pares em amizade aumentando a potência de sentir,
pensar e agir dos corpos ao serem afetados.
Nessa discussão sobre a relação entre razão e emoção,
o ético e afetivo, firmeza e generosidade que proporciona a
compreensão do que envolve a vida dos corpos docentes e
discentes que comungam de momentos de interações sócio-
históricas que implicam nas vivências diárias no contexto
escolar e extraescolar. São essas relações que favorecem
o desenvolvimento dos conhecimentos dos corpos em
colaboração.
Para compreender a inter-relação dessa unidade
explicitada anteriormente, devemos entender que “[...] o desejo
que surge da alegria é, em igualdade de circunstâncias, mais
fortes que o desejo que surge da tristeza” (SPINOZA, 2014, p.
168). Desta feita, é possível empenhar-nos em que encontros
entre os corpos discente e docente sejam prenhe de alegria para
nos fortalecermos colaborativamente.
Fundamentados no supracitado autor, compreendemos
que ao desejarmos ser felizes precisamos agir e viver bem, o que
implica atitudes e ações em prol do bem comum. Esse bem viver
pode ser interpretado nas ações que devemos decidir fazer para
que favoreçam o processo ensino-aprendizagem dos corpos
discentes e em contrapartida devemos nos implicar nesse
processo vivo de sinergia em que somos afetados e afetamos
reciprocamente. A seguir, explicitaremos os desafios e alguns
caminhos que somos instigados a percorrer.

Desafios e alguns caminhos

A prática real nos possibilita o fortalecimento de


conhecimentos acerca de momentos vividos que nos afetam
aumentando nosso conatus. Alcançar essa implicação requer
que cada corpo docente demonstre afetividade e o poder de

AFETOS E AFECÇÕES: VIVÊNCIA DE CORPOS 209


seu pensar planejando suas atividades com intencionalidade e
objetividade, se perguntando sempre que corpo discente quer
formar nessa comunidade que interage com suas vivências.
Um dos caminhos que podemos escolher percorrer é o
que envolve o desenvolvimento de práticas fundamentadas no
caráter cognitivo e afetivo, ou como o designamos nesse artigo
como sendo ético-afetivo respaldado em Vigotski (2009, 2007,
1999), Spinoza (2014) e Silva (2016).
Para atuarmos nessa perspectiva de prática precisamos
sentir, pensar e agir em colaboração com nossos pares em
um processo contínuo de formação para nos fortalecermos
efetivamente em um sistema imposto que é impregnado de
formação técnica e pragmática.
Essa é uma contradição que encontramos em nossa
prática e no ensino de Artes Visuais, pois o que queremos e
tentamos realizar nem sempre é conseguido pelo sistema que
fomos formados e ainda vivemos, mas existe a possibilidade de
potencializar a ação da prática ético-afetiva desde que possamos
fazer escolhas inteligíveis para as tomadas de decisões acerca de
métodos e metodologias a serem aplicadas na vida e na prática
que defendemos em prol da Educação.
O modelo de ensino defendido nessa escritura requer
que os professores também sejam ético-afetivos e dispostos a
estudar sua própria prática para alterá-la quando necessária
e implementar discussão com seus pares de maneira crítica e
afetiva. Esse é um dos desafios por eminência, pois nos provoca
a fazer alterações em nossa prática de modo efetivo, mesmo
com todas as implicações limitantes que precisamos transpor
diariamente.
Reformular o ato educativo perspectivando outras
possibilidades de desenvolvimento cognitivo e afetivo requer
esforço pessoal e em colaboração com a comunidade escolar.
Se solidarizar e tolerar os corpos que nos afetam para formar

210  Rosalina de Souza Rocha da Silva


corpos respaldados na cidadania crítica e criativa é o desafio
que vivenciamos dia a dia.
Fundamentada nesse pensamento devemos sentir, pensar
e agir reconhecendo que somos um corpo que junto com
outros corpos pode mudar e quem sabe transformar pelo
menos o espaço-tempo que vivemos. Nessa intencionalidade
que iniciamos a cada dia quando adentramos em uma sala de
aula, esse recomeço diário nos remete que temos o dever de
mudar a prática em conformidade com o que desejamos.
Os corpos que nos afetaram possibilitaram a mudança
de espaço-tempo e cidade; outras relações ético-afetivas
estão se constituindo, mas fica a certeza dos afetos que nos
potencializaram em amizades para a vida. Foram vivências que
aumentaram nosso conatus, potencializando que pudéssemos
afetar corpos e ser afetada.
A necessidade que temos é que os corpos que nos
afetaram afetem outros corpos, potencializando-os a alterar
não somente sua vida escolar como também a pessoal. Que
cada corpo que vivenciou conosco por dezesseis anos esteja com
suas potências aumentadas por ter compartilhado significados
e negociado sentidos sobre Arte e a vida. A seguir, destacamos
as referências bibliográficas utilizadas nessa escritura.

Referências bibliográficas

BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo:


Editora WMF Martins Fontes, 2011.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à


prática educativa 29. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

IBIAPINA, I. M. L. M. Pesquisa colaborativa: tríade de


investigação, formação e produção de conhecimentos.
Brasília: Liber Livro editora, 2008.

AFETOS E AFECÇÕES: VIVÊNCIA DE CORPOS 211


______. Encontro Feliz: conatus e a docência na constituição
do ato educativo ético-afetivo. Parnaíba: Encontro de
Educadores do SESI, set., 2014. Comunicação oral.

MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia Alemã. Teses sobre


Feuerbach. São Paulo: Centauro, 2002.

PRESTES, Z. Quando não é mais a mesma coisa. Campinas,


São Paulo: Autores Associados, 2012. (Coleção Educação
Contemporânea).

SILVA, R. S. R. Caminho das pedras em espiral: mosaico


dos significados e sentidos de ensinar artes visuais. Teresina:
EDUPI, 2016.

SPINOZA, B. Ética. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora,


2014.

TRINDADE, R. Espinosa – origem e natureza dos afetos.


Postado 15.07.2014. Disponível em: https://razaoinadequada.
com/2014/07/15/espinosa-origem-e-natureza-dos-afetos/.
Acesso em: 24 jun. 2018.

VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem.


2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.

______. A formação social da mente: o desenvolvimento dos


processos psicológicos superiores. 7. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.

______. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

212  Rosalina de Souza Rocha da Silva


PARTE 2 - EDUCAÇÃO EM
TEMPOS DE CRISE: ENSAIOS
PARA SENTIR E AGIR
OS REVISIONISMOS E OS
NEGACIONISMOS QUE AMEAÇAM A
EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA

Marta Gouveia de Oliveira Rovai

N
os últimos anos, a educação democrática vem
sendo ameaçada em sua liberdade de ensinar e
de aprender, por discursos e práticas advindos de
setores conservadores da sociedade que tendem a desqualificar
o conhecimento secularmente acumulado e produzido
nas escolas e universidades. O grupo criador do chamado
Movimento Escola sem Partido1 e do Projeto de Lei 867/2015
intencionaram incluir na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
medidas que impeçam a liberdade de expressão e de cátedra
de professores em sala de aula e a diversidade de debates
relacionados a temas sensíveis em nossa história2. Embora

1 http://www.escolasempartido.org/quem-somos. – Acessado em 14 de
março de 2019.
2 O movimento forneceu base teórica para dois Projetos de Lei (PL)
que pretenderam alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

OS REVISIONISMOS E OS NEGACIONISMOS QUE 215


AMEAÇAM A EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA
o projeto tenha sido arquivado em dezembro de 2018, os
apoiadores dessa medida continuam a existir e a se articular
politicamente. Seu argumento, que ganha força desde 2014,
é de que nos espaços educacionais existe uma “doutrinação
ideológica de caráter marxista”, este último conceito sendo
entendido e tratado de forma distorcida e simplista por eles,
com o objetivo de fazer frente a avanços sociais. Sobre esses
grupos e seus discursos, Luis Felipe Miguel afirma:

Os discursos reacionários provêm, no caso brasileiro, de


uma conjugação heteróclita entre o “libertarianismo”, o
fundamentalismo religioso e o antigo anticomunismo.
A ideologia ultraliberal libertariana, descendente da
chamada “escola econômica austríaca” e influente em
meios acadêmicos e ativistas dos Estados Unidos, prega o
menor Estado possível e afirma que qualquer situação que
nasça de mecanismos de mercado é justa por definição,
por mais desigual que pareça (Rothbard, 2006 [1970];
Nozick, 1974; para um resumo crítico, cf. Freeman, 2002).
Apresentada como uma teoria intelectualmente sofisticada,
capaz de fazer frente à pretensa hegemonia do pensamento
progressista nos ambientes universitários, é promovida
ativamente por fundações privadas estadunidenses, que
treinam divulgadores e financiam grupos de intervenção
(cf. Mayer, 2016). (MIGUEL, 2016, p.593)

Estes setores são formados, portanto, por agentes do


neo-liberalismo que influenciam na educação e que são,
muitos deles, financiados pelo Instituto Millenium3; por

(LDB), incluindo nela o Programa Escola Sem Partido. Trata‐se do PL


867/2015, de autoria do deputado Izalci Lucas Ferreira, na Câmara dos
Deputados e do PL 193/2016, de autoria do senador Magno Malta, no
Senado Federal, ambos arquivados.
3 Segundo Luís Felipe Miguel (2016, p.593), é o principal think tank da
direita brasileira, criado em 2006 e financiado por empresas nacionais e
transnacionais e com eco na linha editorial de parte da grande imprensa.

216  Marta Gouveia de Oliveira Rovai


representantes do que passou a ser nomeada, no Congresso,
de “bancada evangélica”, que defende a intervenção religiosa
no Estado; e por políticos favoráveis a um anti-comunismo
que remonta à Guerra Fria e à ditadura civil-militar brasileira.
Eles têm ganhado importância na discussão pública e política,
marcada por preconceitos de todo tipo, de “pós-verdades”
e simplificações do senso comum sobre processos históricos
e relações sociais complexas. Sobre estas simplificações,
apresentarei aqui uma breve discussão quanto aos perigos à
educação e, por consequência, à sociedade brasileira.

Revisionismos: a doutrinação marxista e a culpabilização da


vítima
Entre as simplificações perigosas, promovidas pelos
revisionistas ou negacionistas da ciência, está a concepção de
que nas escolas e universidades se preconize a “ideologia de
gênero” associada à “doutrinação marxista”, uma espécie de
“lavagem cerebral” que os professores fariam em seus alunos,
a fim de transformá-los em “depravados morais e subversivos
políticos”. Este discurso não é atual, pois durante a ditadura
civil-militar já era possível encontrar a defesa de associação
semelhante, como se pode notar na Revista Militar Brasileira, de
1968, num discurso do general Moacir Araújo Lopes, citado
pela Comissão Nacional da Verdade (2014, p.292), em que
este defendia a existência da “infiltração comunista” feita por
“pedagogos socialistas-radicais” como a causa do “desastre”
cultural, religioso e sexual da juventude. Ou, ainda, lembrar o
registro do Centro de Informação do Exército (CIE), entre 1978
e 1980, que afirmava, nesse mesmo período, que comunistas
recrutariam “homossexuais” e “prostitutas” para seus “núcleos
de base” e que várias “entidades de homossexuais estariam
integradas aos movimentos de subversão, portanto ligadas às

OS REVISIONISMOS E OS NEGACIONISMOS QUE 217


AMEAÇAM A EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA
diversas organizações clandestinas atuantes no país”, parte de
uma revolução internacional (Brasil, 2014, p.293).
Baseando-se em velhos discursos de caráter conspiratório,
os atuais defensores de uma possível ameaça ao Brasil,
ressuscitam inimigos e simplificam discussões fundamentais em
torno do direito à diversidade cultural e de existência individual
(com as subjetividades e sexualidades), de caráter histórico
e sociocultural, relegando-as a velhas leituras moralistas e
pseudocientíficas e tratando as questões de gênero e sexualidade
a partir das antigas dicotomias biológicas doença/cura ou
moralidade/perversão. Assim, jovens que procuram entender
a sua identidade ou as relações de opressão e preconceito
que sofrem, são considerados manipuláveis politicamente
por professores comunistas, num julgamento que nega – mais
do que revisa – os inúmeros estudos na área da educação, da
biologia e da psicologia e as demandas do próprio movimento
LGBT, além de impedir leituras mais profundas e a criação de
políticas públicas de combate à lgbtfobia e ao sexismo nas
escolas.
A própria filosofia marxista – passível de contra-
argumentação e crítica, como qualquer outra, num embate
plural – sofre um reducionismo perigoso, apontada como parte
de um “plano criminoso” à qual a educação serviria como
mecanismo de manipulação. Esta ameaça de “doutrinação
marxista”, segundo Miguel (2016), seria uma leitura fantasiosa
e distorcida sobre o filósofo italiano Antonio Gramsci, realizada
intencionalmente por esses grupos reacionários à mudança
social e à democracia, que formulam e divulgam a ideia de
que intelectuais – e dentre eles os professores, em especial –
participariam de uma estratégia maquiavélica – em seu sentido
mais nefasto – para manipular mentes de alunos Supostamente
contra isso, eles desenvolvem um contradiscurso e um ataque
às instituições educacionais, marcados pelo negacionismo ou

218  Marta Gouveia de Oliveira Rovai


revisionismo, não apenas histórico, mas ainda voltado a outros
conhecimentos, questionando e recusando teses científicas,
tais como a existência da gravidade, do aquecimento global
ou o fato de a terra ser redonda, todas essas teorias também
consideradas frutos do “marxismo cultural”, segundo seus
detratores. Sobre o negacionismo e o revisionismo, Caroline
Bauer afirma:

Muitas vezes utilizados como sinônimos os termos


“negacionismo” e “revisionismo” possuem diferenças
significativas entre si. Enquanto o negacionismo,
literalmente, nega determinados fatos, alguns
historiadores utilizam o termo “revisionismo” para
se referir a uma prática comum dentro da disciplina,
de “revisar” suas análises a partir de novas fontes ou
contribuições teóricas e metodológicas, sendo necessário
diferir esse “revisionismo crítico” de um “revisionismo
apologético”, que reabilita determinadas instituições,
sujeitos e práticas (...) (BAUER, 2018, p.197)

As representações simplistas do passado, relacionadas


à escravização, ao nazismo, à ditadura civil-militar, na
discussão histórica, e outros revisionismos como aqueles que
preconizam os terraplanistas ou os que recusam a existência
do aquecimento global, procuram manter coesão discursiva,
embasada em acusações aos intelectuais sob a alegação de que
a ciência estaria sendo invadida por ideologias políticas, parte
de uma conspiração internacional. Os chamados revisionistas
apologéticos, como apontou Bauer, mantêm um desprezo pelo
conhecimento acumulado por anos, por meio de pesquisas
desenvolvidas no mundo todo, e chegam a formar uma
comunidade convicta da pós-verdade. A partir da constituição
de seus argumentos, reduzidos a opiniões e especulações
sem fundamento, eles apelam à emoção e ao chamado Fake
News, com a finalidade de estimular o sentimento de medo e

OS REVISIONISMOS E OS NEGACIONISMOS QUE 219


AMEAÇAM A EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA
insegurança e criar inimigos objetivos. Como afirmou Hannah
Arendt (1990), em “tempos sombrios”, os inimigos objetivos
não são grupos criminosos, sobre os quais imputa-se qualquer
culpa jurídica, mas pessoas que, por defenderem ideias e
comportamentos que se desviam de certa ordem conservadora
(heteromormativa, opressiva e capitalista) ganham o status de
ameaça, com a finalidade do Estado em dividir, isolar, perseguir
e enfraquecer o sentido de coletividade.
Os fatos objetivos, amplamente estudados e analisados
por especialistas, passam a perder espaço para invencionices,
distorções e idealismos que buscam apresentar justificativas
para atos de violação de direitos, como a escravização de
negros no longo processo histórico brasileiro, a permanência do
racismo, a violência cometida contra mulheres e grupos LGBT
ou a tortura praticada durante a ditadura civil-militar. Assim, o
tráfico e a escravização de africanos, o massacre de indígenas
e a invasão de suas terras, as características diferenciadas dos
regimes nazistas e socialistas, o regime autoritário militar e seus
crimes (a partir do golpe de 1964, no Brasil), o preconceito racial
e a violações históricas de gênero são negados ou legitimados
por discursos que procuram amenizá-los ou justificá-los em
nome da moral e de certa convicção religiosa. Para conseguirem
a adesão do público desavisado, seus autores apelam para a
ideia de que os professores – de qualquer área – usufruam de
seu poder para doutrinar, enganar e manipular alunos a partir
de pressupostos partidários, desqualificando seus anos de
pesquisa e estudo.
Os grupos revisionistas ou negacionistas raramente
estão preocupados em colocar no campo de discussão novos
documentos ou argumentos científicos que permitam o
questionamento ou a reescrita da história. Quando o fazem,
omitem e ignoram as múltiplas versões e fontes, desprezando
aqueles que não lhes interessam politicamente. Uma de suas

220  Marta Gouveia de Oliveira Rovai


estratégias consiste em desqualificar os sujeitos que produzem
o conhecimento e, com maior firmeza, culpabilizar as
próprias vítimas históricas pela violência que sofreram. Assim,
argumentos como “os africanos pediam para virem ao Brasil,
pois os portugueses nunca pisaram na África” são defendidos,
mesmo que inúmeros documentos históricos comprovem o
cruel tráfico de escravizados; ou afirmações como “nunca
houve ditadura no Brasil, pois eu não vi”, restringem o longo e
necessário enfrentamento da violação dos direitos humanos –
reconhecida e condenada, inclusive, pela Corte Interamericana
de Direitos Humanos, em 2010, e confirmada pelos trabalhos
da Comissão Nacional da Verdade4 – a vivências imediatas,
desconsiderando inumeráveis pesquisas em arquivos realizadas
por historiadores e que visam justamente considerar as
experiências, mas também submetê-las à análise historiográfica.
Produções televisivas, literárias ou virtuais, como
os “guias politicamente incorretos”, de Leandro Narloch
(2011), que chegam a tratar os indígenas como responsáveis
pela destruição do meio ambiente (contra a vontade do rei
português), ou a série/filme “Brasil Paralelo”5, que se propõe
a “revisar” temas como a colonização, o império e o golpe de
1964 – só para lembrar alguns casos de revisionismo histórico
- chegam a banalizar e tornar anedóticos problemas históricos,
simplificados pelo desejo de divertir, estigmatizar grupos e
igualar formas diferentes de violência histórica, atendendo ao

4 Em 24 de novembro de 2010, a Corte Interamericana, contrariamente


à decisão do Supremo Tribunal, condenou o Estado brasileiro por
omissão com relação à discussão da anistia e as políticas de reparação
contra a tortura. Disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/
casos/articulos/seriec_219_por.pdf - acessado em 15 de fevereiro de
2019.
5 Brasil Paralelo é uma produtora gaúcha, com financiamento privado e
de seus consumidores.

OS REVISIONISMOS E OS NEGACIONISMOS QUE 221


AMEAÇAM A EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA
mercado e ao intento de confundir. A mais recente produção do
grupo Brasil Paralelo esteve em cartaz nos cinemas brasileiros,
no início de 2019, e está disponível, também, no youTube6. Só
a título de exemplo do revisionismo histórico a que se propõe,
no filme intitulado 1964: entre armas e livros, os produtores
procuram reforçar a ideia de que estão “revelando verdades”
que os historiadores (todos marxistas, formados pela União
Soviética) teriam ocultado. Ali apresentam documentos a fim
de demonstrar a presença de agentes revolucionários existentes
no Brasil, sob influência da URSS, da então Tchescolováquia
e de Cuba desde antes de 1964, o que teria motivado o golpe
(no caso o contragolpe ao comunismo) pelos militares. O
conhecimento disponível hoje, pela própria historiografia,
já constata isso, assim como mostra a existência da forte
influência estadunidense no financiamento e treinamento de
anti-comunistas, antes mesmo de 1964. Este último fato, no
entanto, é omitido pelos produtores que se dizem pautar pela
imparcialidade histórica; imparcialidade, inclusive, refutada
pelo posicionamento de negarem a violência cometida contra
os opositores da ditadura, logo em 1964 (eles alegam que
ela só ocorreu a partir do AI-5, em 1968), desconsiderando
documentos que comprovam a existência de centros de
detenção e de tortura desde então.
Para muitos revisionistas, as narrativas de pessoas que
foram torturadas, ou de mulheres que sofrem com a violência
misógina, ou de negros que convivem com o racismo, são
desqualificadas, fazendo com que suas dores caiam em
descrédito. Esta prática procura desresponsabilizar social e
historicamente todos os grupos que contribuíram e contribuem
para a violação dos direitos humanos no país. Ações cometidas
pelo Estado durante a ditadura são equiparadas e igualadas

6 Disponível em https://www.brasilparalelo.com.br/regime-militar/ -
acessado em 15 de maio de 2019.

222  Marta Gouveia de Oliveira Rovai


àquelas realizadas por aqueles que resistiram, procurando
justificar assassinatos, torturas e traumas. Como afirma
Caroline Bauer, esses revisionismos ou negacionismos não
se justificam apenas pela falta de informação e acesso às
narrativas produzidas pelos intelectuais ou pelos meios de
comunicação (em que divulga em larga escala filmes e séries
sobre o passado brasileiro). Muitas vezes a questão é o uso
político que setores reacionários fazem do passado, por meio
de narrativas que procuram reabilitar períodos marcados por
ofensas à humanidade, e que procuram produzir, também,
silenciamentos históricos que estimulem a aceitação de regimes
e práticas autoritárias, de relações de poder e de desigualdade,
do abandono, do estigma, e da exclusão de grupos que
continuam a ser hostilizados ainda hoje.
Hoje, no Brasil, existem inúmeros trabalhos e documentos
de todos os tipos – acumulados ao longo de dezenas de
anos – que se referem à violência e assassinato de milhões de
africanos, promovidos pela escravização secular7. Há centenas
de pesquisas - frutos de arquivos, documentos impressos,
visuais e orais, sobre a tortura praticada durante os anos da
ditadura (1964-84), inclusive confirmada por seus próprios
perpetradores em depoimentos e registros em órgãos da
repressão8. Livros – e deve-se citar o próprio Mein Kampf, de
Adolf Hitler – demonstram os conflitos e diferenças históricas

7 Vide acervo de documentos disponibilizados pela Biblioteca Nacional


- https://bndigital.bn.gov.br/dossies/trafico-de-escravos-no-brasil/
trafico-e-comercio-de-escravos/ - acessado em 11 de maio de 2019.
8 Vide depoimentos dos próprios agentes dos órgãos de repressão para
a Comissão da Verdade, que buscam justificar a tortura e as mortes;
ou ainda livros produzidos, tais como Casa da Vovó: uma biografia do
Doi-Codi, de Marcelo Honório de Godoy (Alameda, 2014); Memórias
de uma guerra suja, de Cláudio Guerra (Topbooks, 2012) e Mata! O
Major Curió e as Guerrilhas no Araguaia, de Leonêncio Nossa (Cia. das
Letras, 2012).

OS REVISIONISMOS E OS NEGACIONISMOS QUE 223


AMEAÇAM A EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA
entre as ideologias nazistas e comunistas; estudos e dados
divulgados por organizações voltadas aos Direitos Humanos
apresentam as condições precárias em que se encontram
indígenas, mulheres, LGBT e negros no país9.
Negar toda produção e divulgar preconceitos e opiniões
de forma irresponsável; proibir que professores tragam para
a sala de aula as várias visões sobre o passado, prejudicando
a multiplicidade de saberes; desqualificar o conhecimento,
tornando-o “inimigo da pátria”; tudo isso serve apenas aos
interesses de quem pretende preservar a desigualdade e as
velhas relações de poder (as mesmas que atravessaram por
séculos a ciência e a educação, camufladas por discursos de
neutralidade que jamais praticaram).

A ideia equivocada de uma escola sem partido

O Movimento Escola sem Partido e seus apoiadores


partem da ideia equivocada de que possam existir escolas
com partido ou sem partido; ou que haja a possibilidade de
se pensar a educação a partir da neutralidade, confundida
com objetividade. A ideia de uma “escola livre” de ideologias
é o mesmo que entender o mundo sem conflitos e pensar as
pessoas como isentas de desejos e intencionalidades; significa
enxergar o mundo de forma dicotômica entre “bons e maus
intencionados”, “puros e ressentidos”, negando as contradições
que perpassam a estrutura social. Deve-se sempre condenar
todo e qualquer professor que tente doutrinar seus alunos
em sala de aula, a partir de “verdades absolutas” ou visões
unilaterais. No entanto, tão doutrinador como o professor que
repete verdades únicas aos educandos é o educador que finge

9 Apenas para citar um exemplo de acesso a informações, vide portal do


Inep, que disponibiliza dados sobre o Brasil – disponível em www.ipea.
gov.br.

224  Marta Gouveia de Oliveira Rovai


certa neutralidade ou nega estudos da ciência para manipular
informações a favor de seus ideais.
De forma alguma – e é preciso que isso fique bem claro
– deve-se pensar que haja possibilidade de uma escola sem
discussão política de qualquer tipo. Não é preciso muita
habilidade para perceber que disciplinas como Filosofia,
História, Geografia, Sociologia, Ciências Sociais e também
Língua Portuguesa ou Literatura não poderão deixar, jamais,
de abordarem discussões políticas de toda forma, nem ignorar
a realidade que, não apenas cerca, mas está dentro da escola.
Mesmo quando se discute Matemática, Biologia, Física ou
Química, todos os currículos partem de escolhas - a começar
pelo processo de construção da própria ciência - e decisões
políticas sobre o tipo de escola que se quer e sobre que aluno
se pretende formar. Nesse sentido, a escola deve promover o
diálogo entre diferentes, a troca de ideias, a alteridade dentro e
fora dela. O professor deve ser um provocador, um ampliador
de discussões, um ouvinte e promotor da tolerância no sentido
mais democrático da palavra, sem iludir os alunos de que haja,
nesse processo, qualquer tipo de neutralidade. Afinal, somos
todos seres políticos.
Ao contrário do que defendem os revisionistas e
negacionistas da história e da ciência, devemos considerar
que a escola e as universidades são espaços de produção do
conhecimento, sempre em processo de contradição, consenso,
divergência e superação. Todos que ali estão são posicionados
social e politicamente, numa luta para transformar ou conservar
o mundo. Assim, afirma Siomara Leite (1994, p.13), “se o
conhecimento é construído por meio do trabalho humano, sua
humanidade não pode ser negada, pois nela reside a própria
ideologia”, esta última entendida como a forma com que
entendemos e interpretamos o mundo. A ciência e a educação,
desta forma, não estão isentas das relações humanas e dos

OS REVISIONISMOS E OS NEGACIONISMOS QUE 225


AMEAÇAM A EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA
interesses que as atravessam, pois são sempre condicionadas
historicamente. Desta forma, mesmo e principalmente aqueles
que se afirmam defensores de uma “escola sem partido”
professam o seu próprio posicionamento ao tentarem
amordaçar o conhecimento como fruto de teorias diferentes e
historicamente construídas; de metodologias que orientam os
trabalhos em busca da objetividade científica.
Na escola, a história da escravização, do massacre
indígena, do nazismo, do comunismo, das ditaduras na
América Latina (em especial, no Brasil), das relações de gênero
e sexualidade, tudo deve ser submetido constantemente a
discussões e novas pesquisas, voltadas para a qualificação da
vida de todos os seres humanos; para a defesa dos Direitos
Humanos, também negados por grupos conservadores em
seu significado mais amplo, que passam a defender “direitos
humanos para humanos direitos”, numa distorção cuja
finalidade é legitimar a permanência de ações que promovam
a submissão, a desigualdade social, o desrespeito à vida, a
tortura, a censura e a mordaça dos movimentos sociais e da
educação, o que caracteriza um estado de exceção.
Os revisionistas defendem a existência de um professor
fornecedor de informações – como se elas fossem neutras em
si -, um “instrutor”, não um educador, pois deve se isentar de
discutir o mundo, seus valores e crenças. Por certo um docente
não deve coagir seus educandos a mudarem suas opiniões,
nem deve impor verdades, mas isso não deve ser entendido
como proibir que estudos sejam conhecidos e confrontados. É
preciso instrumentalizar os alunos para olharem a diversidade
no mundo e o passado histórico, de forma que possam se
posicionar, inclusive levando em conta as experiências e as
subjetividades que trazem para a sala de aula.
Posturas como a dos revisionistas pressupõem que
os alunos sejam passivos, irracionais, incapazes de pensar

226  Marta Gouveia de Oliveira Rovai


e dialogar; de desenvolver qualquer senso crítico; de cruzar
informações e vivências em outras instâncias sociais. Apresenta
professores como mal intencionados e manipuladores
emocionais de jovens e crianças vazios de saberes. Isso
demonstra um grande desconhecimento do que seja a escola
e sua dinâmica. A Constituição brasileira defende a liberdade
de pesquisa, de aprendizado, de ensino e de divulgação da arte
e do saber, baseada no pluralismo de ideias, de concepções
pedagógicas e na soberania de cátedra. O Movimento Escola
sem Partido e seus defensores não se posicionam contra a escola
enquadrada por um partido único, como foram os fascismos e
o que seria amplamente condenável por qualquer democrata
de fato. O que seus autores fazem – e isso é o grande perigo
– é tentar confundir sua proposta com a ideia de uma escola
sem política, em que sejam vedados o livre pensar, o acesso
à multiplicidade de saberes e o estímulo para a participação
democrática, todos direitos garantidos pela Constituição.
Desta forma, ao longo do processo de aprendizagem, um aluno
deve ter o direito de conhecer e conviver com os mais diferentes
tipos de profissionais e de versões do conhecimento, que lhes
apresente os mais diversos discursos e procedimentos para
acessar o mundo e inserir-se nele. Colocam-se diante dele não
apenas uma, mas inúmeras possibilidades de entender a vida, a
partir do conhecimento cientificamente organizado. Esta deve
ser a contribuição da educação e, especificamente, da escola,
no combate às simplificações históricas.
Num país que saiu recentemente de um longo período
ditatorial, existem aí vários equívocos e perigos que devem
preocupar os envolvidos com a educação: a vigilância sobre
estudos e pesquisas desenvolvidas nas universidades, assim
como produção de trabalhos acadêmicos; a criminalização
de práticas pedagógicas e a exclusão de conteúdos a partir de
critérios morais e anti-éticos; a punição política de professores

OS REVISIONISMOS E OS NEGACIONISMOS QUE 227


AMEAÇAM A EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA
considerados perigosos por promoverem confronto de ideias;
a promoção do medo em discutir determinados temas e
que afetarão seriamente a pluralidade de pensamento e a
democracia alcançada a tão duras penas em nosso País,
estimulando a “caça às bruxas” e a perda de confiança tão
valiosa entre professores e alunos.
Doutrinações, revisionismos e negacionismos de qualquer
tipo – inclusive o do Movimento Escola sem Partido, que
pretende restringir a liberdade de expressão com uma deturpada
neutralidade – devem ser combatidos com mais democracia e
não, pelo contrário, com o silenciamento. Convém ainda dizer
que o grande problema das escolas e das universidades, hoje,
não se refere à doutrinação ideológica e sim à precarização
das condições de estudo e de trabalho, o que não parece ser,
muitas vezes, preocupação desses mesmos grupos revisionistas
que não se propõem a rever a estrutura escolar, as condições de
trabalho e de estudo, as salas super lotadas e os baixos salários
de professores.

Considerações finais: contra os revisionismos em tempos


sombrios

Hannah Arendt, em sua reflexão sobre os “tempos


sombrios” promovidos pela Alemanha, na década de 1940,
afirmava que estes períodos obscuros não eram raros na
história. Segundo ela, seriam tempos em que a massificação
da sociedade promoveria a existência de pessoas incapazes
de pensar, desprovidas de julgamento ético e obedientes,
num mundo em que os acontecimentos políticos, sociais e
econômicos de toda parte conspirariam silenciosamente para
tornar os homens supérfluos e as vidas utilitárias.
Em tempos marcados pela intolerância e pela “pós-
verdade”, como esses em que vivemos, os revisionismos e

228  Marta Gouveia de Oliveira Rovai


negacionismos relativos às violações históricas procuram
destruir todas as empatias que mantêm vínculos e redes de
proteção coletiva. Desqualificar o passado e as narrativas que
o reconhecem como traumático para alguns grupos sociais
contribui para romper a transmissão e o compartilhamento de
experiências, fundamentais para a criação da amizade mundi,
ou seja, a capacidade de percebermos que pertencemos a um
mundo em comum e que aquilo que fere a dignidade de um
indivíduo atinge a todos nós como grupos de humanos, numa
ampla possibilidade de resistência às potências destruidoras
inerentes aos processos de naturalização da violência,
massificação e solidão humana (Arendt, 1987).

Referências bibliográficas

ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Tradução de


Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

BAUER, Caroline S. Qual o papel da história pública frente ao


revisionismo histórico? In: MAUAD, Anna M.; SANTHIAGO,
Ricardo; BORGES, Viviane T. Que história pública queremos? São
Paulo: Letra e Voz, 2018, p. 195-211.

BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório: textos


temáticos/Comissão Nacional da Verdade. Brasília: CNV,
2014.

LEITE, Siomara Borba. Considerações em torno do


significado do conhecimento In: MOREIRA, Antônio Flávio
Barbosa (org). Conhecimento educacional e a formação do professor.
São Paulo: Papirus Editora, 1994, p.12-33.

MIGUEL, Luís F. Da “doutrinação marxista” à “ideologia


de gênero”: Escola Sem Partido e as leis da mordaça no

OS REVISIONISMOS E OS NEGACIONISMOS QUE 229


AMEAÇAM A EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA
parlamento brasileiro. Direito e Práxis. Rio de Janeiro, Vol. 07,
N. 15, 2016, p. 590-621.

NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do


Brasil. 2ª ed. São Paulo: Editora Leya, 2011.

230  Marta Gouveia de Oliveira Rovai


A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM
UM CENÁRIO DE MUDANÇAS

Joelson de Sousa Morais

Meu partido
É um coração partido
E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Eu nem acredito ah
Que aquele garoto que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Frequenta agora as festas do “Grand Monde”

Meus heróis morreram de overdose


Eh, meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Eu quero uma pra viver
(CAZUZA, 1988)

A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM UM CENÁRIO DE MUDANÇAS 231


Dos deslocamentos do tempo presente...

E
m tempos cada vez mais sombrios, dispersos
e deslocados no contexto do cenário político,
econômico, social, cultural e, sobretudo,
educacional brasileiro que ora se apresenta, o trecho da
música Ideologia que eu trouxe acima do grande poeta, cantor
e compositor Cazuza, e que foi escrita em 1988, um ano após
meu nascimento, me faz pensar com grande efervescência o
momento atual em que estou vivendo, e que se mostra como que
tecido em meio a uma turbulência configurando-se como uma
profunda pauperização no sistema educacional brasileiro em
todas as suas dimensões, que afeta a tudo e todos, se tornando,
portanto, uma possibilidade profícua de refletir acerca da
aprendizagem da docência, que tanto venho enfrentando essa
dimensão, tanto do ponto de vista de uma pesquisa-formação
em que estou imerso no curso de Doutorado em Educação
na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), como,
mais essencialmente, pela transição com que passei quando
iniciei minha carreira profissional como professor iniciante
e que também, como venho percebendo vem cada vez mais
impactando a saída de inúmeros outros sujeitos que saem
da academia e adentram as instituições em que se inserem
profissionalmente como professores/as.
Neste texto, estou chamando de professores/as iniciantes
aqueles/as tratados/as por Huberman (2000), como que
exercendo a docência num período que vai de 01 a 03 anos
no magistério. E a ideia com que discuto neste ensaio, é
reportando-me a pedagogos/as que concluem um curso de
licenciatura e logo em seguida se inserem como professores/as
no cotidiano das escolas.
Larrosa (2003) veio exatamente no momento certo em
que eu estava escrevendo este ensaio, elucidando que esse modo

232  Joelson de Sousa Morais


outro de escrita híbrida, impura e caracterizado pela dissolução
das fronteiras, parece ser fundamental para impulsionar outros
modos de olhar, pensar e falar, diante do esgotamento da
“única razão”, no mundo atual.
Tanto quanto Cazuza (1988) retratou as suas insatisfações,
não apenas nessa música, mas em várias outras, tecendo
profundas críticas ao modelo de sociedade de sua época,
vejo a necessidade de um (re)posicionamento e construção
de uma outra ideologia, que possa dá sentido aos múltiplos
saberes e práticas que poderiam ser elaboradas e (re)criadas
pelos/as docentes iniciantes e experientes também, em função
das demandas que emergem, nos múltiplos contextos em que
se processam as práticas educativas dos sujeitos que iniciam
na educação como docentes. Essa outra ideologia poderia
partir dos sujeitos praticantes dos cotidianos educacionais,
onde estão inseridos, como uma lógica contra-hegemônica,
como política de subjetividade instituinte pelo sujeito que está
no “chão das escolas” ou em outras instituições educativas,
produzindo assim, outras formas de racionalidade para além
das políticas oficiais instituídas.
Por isso, a ideia deste texto, busca refletir acerca da
aprendizagem da docência em um cenário de mudanças, além
de compreender os impactos sócio-econômicos-políticos e
culturais que atravessam a educação, com especificidade para
a profissão docente em relação a professores/as iniciantes,
bem como analisar as implicações das transformações políticas
no processo de formação e desenvolvimento profissional
de professores/as iniciantes, tomando como premissa os
últimos, alarmantes e múltiplos acontecimentos que vem se
processando neste primeiro semestre de 2019 no Brasil, em
diferentes âmbitos, esferas e dimensões, com ênfase para a
política ultraconservadora e fervorosamente neoliberal que se
instalou neste país e que vem representando uma derrocada

A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM UM CENÁRIO DE MUDANÇAS 233


a toda a legislação e conquistas educacionais que foram, por
muito tempo, sendo construídas e reverberadas em ações e
políticas palatáveis e possíveis, como direitos democráticos dos
cidadãos brasileiros.
Busco tecer um diálogo que me faça pensar juntamente
com o leitor deste ensaio, a ideia de uma educação que está sendo
atacada por diferentes prismas no mundo contemporâneo, e
mais, precisamente no território brasileiro, em decorrência de
uma nova política de direita conservadora que vem se implantando,
totalmente contrária aos princípios de uma racionalidade que
leve em consideração as massas, os direitos da população e os
bens democráticos de que possuem para usufruir, do ponto de
vista da legislação, vindo na contramão dos avanços que por
ventura por muitos anos, foram sendo conquistados a duras
lutas, alguns recuos, mas, sobretudo, conquistas fundamentais
na melhoria da qualidade de vida da sociedade brasileira.
Nesse sentido, alguns autores como Deleuze (1998), Ball
(2014), Gallo (2013; 2019), Freitas (2019), entre outros me
ajudam a pensar as transformações que estão acontecendo
atualmente, fazendo algumas articulações com a inserção de
novos/as professores/as – que acabam de concluir um curso
de formação inicial em licenciatura – passando a desenvolver
um trabalho no cotidiano das escolas, tendo muitas vezes
que aprender a profissão, em meio a um contexto sem apoio,
orientação e acompanhamento para tal, além de viverem a dura
tarefa que oscila entre as características de “sobrevivência” e
da “descoberta” da profissão, conforme elucida Huberman
(2000), em que muitos docentes se põem a questionar “estou-
me a aguentar?”, como uma forma de refletir acerca do que
está enfrentando, e se continuam ou não na carreira docente,
diante do que estão experienciando e vivenciando no momento
atual.

234  Joelson de Sousa Morais


As inúmeras políticas que estão sendo impostas
curricularmente na educação brasileira no tempo presente, estão
mais trazendo enquadramentos do que soluções e produção de
significados e transformações aos/às docentes, principalmente,
aqueles/as iniciantes na profissão, que muitas vezes nem se
quer acompanharam discussões, questionamentos e reflexões
acerca dessas políticas em seu processo de formação inicial,
e que precisam se adequar, já no campo de desenvolvimento
profissional, quando são inseridos nas instituições educativas,
e muitas delas escolares, sem, muitas vezes, terem tempo
de questionar ou mesmo apresentar formas de resistência,
primeiro porque não tiveram uma formação que estimulasse
a criticidade e reflexão, e muito menos a inventividade e a
tomada de decisões na incerteza dos acontecimentos que
se produzem e são desvelados em sua prática pedagógica. E
assim, acabam não criando uma “ideologia” própria, partindo
de sua singularidade e subjetividade que os façam combater
essa “ideologia” forjada no modelo hegemônico que aí está,
estrategicamente, infelizmente, aos poucos erigindo muros
cruéis e perversos na educação.
Alguns questionamentos, me flertam diante do exposto,
quais sejam: Como ser professor/a diante das mudanças que
estão sendo operadas na educação brasileira atualmente? O
que levar em consideração na aprendizagem da docência?
Quais os desafios postos e como superá-los e/ou ressignificá-
los? De que forma combater toda e qualquer forma de opressão
e/ou imposição que possa suplantar o desenvolvimento de
práticas pedagógicas de professores/as iniciantes quando estão
começando a profissão docente em um cenário de incertezas e
bruscas transformações políticas, econômicas e culturais?
Talvez eu não consiga responder com precisão todos esses
questionamentos, mas, neste ensaio, escrito exclusivamente
para este livro, acredito trazer algumas pistas, provocações

A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM UM CENÁRIO DE MUDANÇAS 235


reflexivas e dimensões de criticidade que faça o leitor a pensar
outras tantas possibilidades de narrar a sua prática-pensamento
ou construir dispositivos metodológicos-epistemológicos e
políticos que possam suscitar outros tantos modos de pensar
e fazer a educação e o desenvolvimento profissional acontecer,
por meio de outras lógicas de sentido.

Entre resistências e linhas de fuga na tessitura de uma profissão


docente outra

As transformações pelas quais a sociedade contemporânea


vem passando no âmbito das políticas neoliberais, vem
trazendo inúmeros impactos na educação escolar, sobretudo,
no que diz respeito ao trabalho docente, e com especificidade
à prática de professores/as iniciantes no cotidiano do processo
de profissionalização.
A ideia das relações postas hierarquicamente pelo poder
hegemônico produzido no âmbito do capital neoliberal no
contexto dessas temporalidades desiguais, tem impactado
diretamente nos modos de pensar, fazer e tecer a docência,
com fortes intervenções nas subjetividades dos sujeitos.
Em relação aos/as professores/as iniciantes, isso repercute
em grande potencial, em maneiras outras de controlar tanto a
formação, quanto o trabalho docente, o que faz criar um lapso
extremista entre teoria e prática, quanto o distanciamento
que enfrentam aqueles/as que iniciam a profissão docente, e
se defrontam com uma pluralidade de políticas, controles e
modos de cercear o trabalho dos/as professores/as em diversos
contextos, com diferentes intensidades e variados graus de inter-
relação entre os praticantes do cotidiano com os processos
institucionais e instituintes que delegam os saberes e fazeres a
serem praticados.

236  Joelson de Sousa Morais


Caso específico disso, tem a ver com o Movimento
Escolas Sem Partido (ESP), que tem buscado pregar uma “[...]
mobilização e controle no âmbito de uma vertente partidária
compromissada com a defesa de prerrogativas econômicas,
políticas e socioculturais ultraconservadoras” (ALGEBAILE,
2017, p.70).
A respeito desse movimento do ESP, vale elucidar que
“[...] se trata de um movimento conservador que busca
mobilizar princípios religiosos, a defesa da família em moldes
tradicionais e a oposição a partidos políticos de esquerda e de
origem popular” (MACEDO, 2017, p. 509). Tal movimento,
que segundo Moreno; Tenente; Farjardo (2017), foi criado em
2004 pelo advogado paulista Miguel Nagib, e baseado em um
modelo fundamentalista, de cunho religioso, de católicos, e
sobretudo, evangélicos, e reforça ainda a ideia de demandas
conservadoras que “[...] desloca ainda mais o jogo político do
sentido do controle que exclui a diferença, ao mesmo tempo
em que torna explícita essa exclusão (MACEDO, 2017, p. 509-
510).
Ainda na esteira desse pensamento, outra política
hegemônica que tem se configurado como impactante
na formação de professores/as, e na prática docente,
sobretudo, de docentes iniciantes, por não ter muitas vezes
tido esclarecimentos, discussões e reflexões acerca dessas
políticas atuais, conforme já mencionado sobre isso neste
texto, diz respeito à Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
o qual como preconiza Macedo (2015; 2017) é um documento
caracterizado por uma centralização curricular, na qual traz
uma lógica performativa do neoliberalismo, engessando as
possibilidade de construção de uma escola plural que atenda
aos ideais de equidade e justiça social. Ao contrário, marca a
formulação de direitos de aprendizagem e desenvolvimento, e de
educação como performance que está na contramão do exercício

A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM UM CENÁRIO DE MUDANÇAS 237


da democracia em termos de aprendizagem e ensino no cenário
brasileiro, que se deseja como uma educação emancipatória.
Pensando como Cazuza (1988) se “meus inimigos estão
no poder”, o que fazer para resistir e persistir no que acredito,
com o que tenho feito, e pela possibilidade de construção de
uma ideologia que me faça defender e lutar por uma educação
pública, laica, gratuita e de qualidade, em momentos que estão
justamente contrário à esses princípios de uma democratização
da educação?
O que se observa diante de todos esses documentos, e
tantos outros que estão sendo impostos como uma política
hegemônica instituída como verdadeira e que deve ser seguida,
cumprida e apresentar resultados pelos/as docentes, vem
representando um movimento de lutas e conflitos que vem
se produzindo por professores/as de diferentes etapas, níveis
e modalidades de ensino no cenário brasileiro, com ênfase no
âmbito das universidades. Isso tem se dado, a meu ver, como
uma forma de resistência pelo fato de que não são consideradas
as individualidades e singularidades tanto das culturas locais, do
chão da escola, dos regionalismos, das diversidades linguísticas
e, sobretudo, dos/as próprios/as professores/as, que estão
desenvolvendo as suas práticas (do âmbito do desenvolvimento
profissional), e daqueles/as que estão num processo formativo
(no âmbito da formação inicial docente).
Vejo ainda, que essa política de direita recentemente
implantada no Brasil, vem criando um fosso gigantesco e
gritante entre os ideais de uma governamentalidade democrática
– numa acepção foucaultiana – e tomada pelo governo como
um desgoverno pelas suas ações e práticas instituídas sem
precedentes e a custo unicamente de uma visão neoliberal e
grosseiramente pautada no capital (GALLO, 2019).
Na verdade, tomando como pano de fundo, o que está
sendo praticado na política atual, vale ressaltar que as políticas

238  Joelson de Sousa Morais


públicas produzem um efeito assimilacionista de um padrão
sociocultural baseado na lógica do neoliberalismo, fato este,
que é consubstanciado pelo aumento considerável da ideia já
materializada de cortes ou contingenciamentos, praticada pelos
ideólogos atuais do poder, fazendo, assim, uma reconfiguração
do espaço público revestido de outra identidade (FREITAS,
2019).
Assim “o projeto de governo atual com a educação é não
ter projeto. O projeto do governo com a Universidade é não ter
Universidade. O projeto do governo com a Educação Básica, é
não ter educação em escolas, mas sim que a educação aconteça
pela responsabilidade das igrejas” (GALLO, 2019).
Para os/as professores/as iniciantes, é preciso criar uma
nova cultura que seja pautada pela resistência, e outras tantas
reflexões para além do instituído, mas que se incomodem com
o que veem, o que discutem e o que refletem durante o seu
processo formativo, tanto na academia, quanto no processo de
desenvolvimento profissional. Pois, é um modo outro de criar
resistências, diante de toda e qualquer forma de opressão que
vem sendo imposta grosseiramente a todo o custo na formação
política, cultural e econômica da sociedade brasileira, e mais
essencialmente, no âmbito da educação.
Entendo ainda que os saberes e fazeres tecidos pelos/
as professores/as iniciantes, podem representar uma fuga, no
sentido de mobilizar o que sabem e o que consideram pertinente
em meio aos saberes curriculares oficiais. Mesmo assim, faz-se
urgente mobilizar o que é relevante e viável no cotidiano de suas
práticas pedagógicas. É como uma prática de desterritorialização
na acepção de Deleuze (1998), ou seja, os/as professores/
as iniciantes, muitas vezes sem saberem, acabam saltando o
instituído e criando seus próprios saberes e fazeres. Assim:
[...] A linha de fuga é uma desterritorialização. [...] Fugir
não é renunciar às ações, nada mais ativo que uma fuga.

A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM UM CENÁRIO DE MUDANÇAS 239


É o contrário do imaginário. É também fazer fugir, não
necessariamente os outros, mas fazer alguma coisa fugir,
fazer um sistema vazar como se fura um cano. (DELEUZE,
1998, p. 49).

Trata-se, pois, de dá um outro sentido diante da lógica


formativa e da prática profissional atualmente, ou seja, criar
muitas vezes uma “formação à margem da formação”, que
significaria um contraponto e elemento desviante do processo
formativo rompendo com um modelo que rouba e captura a
subjetividade do sujeito, forjada pelo capitalismo neoliberal
desconcertante que impera como parâmetro massacrante
para controlar e impor uma lógica de educação, de sociedade,
de professor, de aluno, enfim, de organização do trabalho
pedagógico. Por isso, “Importa fazer rizoma. Viabilizar conexões
e conexões; conexões sempre novas. Fazer rizomas com projetos
de outros professores. Manter projetos abertos...” (GALLO,
2013, p. 68), como possibilidade de aberturas a múltiplos
diálogos, problematizações e outras lógicas de pensamento
para além do que se apresenta como uma lógica parametrizada
e modelizadora de fazer, pensar e produzir a existência, as
práticas cotidianas, e a vida na educação.
Acredito também que essa realidade, pode ser descrita
a partir do conceito de “performatividade” no âmbito das
políticas educacionais, esboçado por Ball (2014) que significa
“[...] forma por excelência de governamentabilidade neoliberal,
que abrange a subjetividade, as práticas institucionais, a
economia e o governo (BALL, 2014, p. 66).
Ser professor/a iniciante, portanto, nos dias atuais, é
uma profissão que se defronta com a incerteza continuamente,
mas que ao mesmo tempo pode ser construída e reelaborada
em função de uma lógica de resistência que não simplesmente
“adote” um modo de ser professor/a, pelo que é idealizado e
imposto pelas relações operantes do capital, como máquina
de massificação impositiva de um modelo, materializada no

240  Joelson de Sousa Morais


caso, pelo sistema educacional com os parâmetros e diretrizes
que são preconizadas, mas, que deve ser produzidos outros
agenciamentos em prol de um potencial efeito de transformações
que leve em consideração o próprio sujeito, com sua respectiva
singularidade e subjetividade, que mais produz emancipação
do que reprodução.

A incerteza nossa de cada dia: nas tramas dos riscos, palpites


e acertos

Diante dos múltiplos acontecimentos que estão em curso


neste primeiro semestre de 2019, penso que cabe recuperar,
enquanto professor, pesquisador, formador de professores/as
uma forma de “pensar à deriva” como uma arma de luta contra
o caos que está posto no âmbito político, social, cultural, e,
principalmente educacional.
Para aqueles/as que iniciaram a profissão docente como
professores/as iniciantes, nesse intermeio transicional entre os
governos de esquerda e direita, acabam sofrendo mais ainda
os abalos e “choques de realidade” com tamanha intensidade,
porque, se defronta com um outro projeto oculto de educação
que está implodindo sonhos, esperanças e crenças de se
acreditar na melhoria da qualidade de vida e da sociedade por
meio da educação.
A cada dia que passa, sinto mais ainda, a incerteza que
enfrento na educação brasileira, tanto do ponto de vista da
não clareza com que a política direitista e conservadora vem
impondo na educação, sem ter projeto e perspectiva, quanto
pelo descalabro e desrespeito com a população brasileira,
propiciado, por exemplo, nas trocas de Ministros da Educação
e (re)composição de suas devidas equipes, em menos de um
semestre, os quais, muitos deles/as são mais burocratas,
operadores e praticistas, do que preocupados com a educação
e o desenvolvimento do país.

A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM UM CENÁRIO DE MUDANÇAS 241


Portanto, aprender a docência num cenário de mudanças,
tem representado uma dificuldade, desafio e discrepância
com os ideais de uma formação, prática e profissão
conscientizadora, emancipadora e transformadora que seja
pautada em um contexto rico de possibilidades para exercer
o magistério, como muitos/as professores/as em formação
pensou ou idealizou ainda em outro momento do processo
formativo inicial quando ainda estavam “pensando” como seria
a educação, tendo, que infelizmente, ao iniciar a docência hoje
como professores/as iniciantes, se defrontar com os desfalques
e percalços que ora se apresentam na ineficácia, destruição e
aniquilação das políticas educacionais, paradoxalmente às que
produziam significados plausíveis, em um espaço/tempo não
muito distante no passado.
As incertezas da vida-pesquisa-formação e educação,
assim, é o que vivo, sinto e vejo sendo disseminado a cada dia
nas mídias, redes sociais, movimentos, encontros, congressos e
discursos diários nas ruas das cidades brasileiras em relação ao
“o que está mais por vir”, causando uma profunda afetação,
descontentamento e tristeza.
O risco enfrentado é piorar ainda mais a educação,
trazendo um profundo impacto na formação e inserção dos/as
novos/as profissionais dessa área, com ênfase para professores/
as iniciantes, que também repercute, inclusive, na escolha de
muitas pessoas pela docência como profissão, diminuindo,
consideravelmente a atratividade pela escolha da profissão
professor.
O palpite se reveste de uma aposta que deve e vem sendo
empreendida por cada um em movimentos de lutas e conflitos
travados num pensar, fazer e entrelaçar uma rede de sujeitos,
discussões, reflexões e práticas outras que se defrontam e evitam
quaisquer outros modos de imposição que vem acontecendo
nos cortes e diminuição dos investimentos na educação.

242  Joelson de Sousa Morais


E os acertos, se corporificam de não defender a bandeira
de que as “ilusões estão todas perdidas” como mencionou
Cazuza, mas que urge mudanças para recuperar o projeto de
educação que o Brasil tinha até 2016 e que não existe mais.
Urge um avanço em busca de um novo pensar lutando por
ideais democráticos e emancipatórios na esperança de que dias
melhores virão.
Educação é coisa séria! E toda nação para se desenvolver
e crescer, passa, prioritariamente pela educação. Assim,
desconsiderá-la, mexer com ela, retirar ou evitar investimentos
implica em um retrocesso, em um atraso, aspecto este que esse
(des)governo vem fazendo e razão pela qual tem praticado uma
atitude desumana, imbecil, ilegal e imoral.

REFERÊNCIAS

ALGEBAILE, Eveline. Escola sem partido: o que é, como age,


para que serve. In.: FRIGOTTO, G. (Org.). Escola sem partido:
esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio
de Janeiro: UERJ, LPP, 2017.

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e o imaginário neoliberal. Tradução de Janete Bridon. Ponta
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CAZUZA. Ideologia. Brasil: Gravadora PHILIPS, 1988.

DELEUZE, Gilles. Diálogos. Tradução Eloisa Araújo Ribeiro.


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FREITAS, Luiz Carlos de. Seminário: Liberalismo e educação.


Palestra proferida na Faculdade de Educação, Universidade
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A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM UM CENÁRIO DE MUDANÇAS 243


GALLO, Sílvio. Deleuze e a educação. 3. ed. Belo Horizonte:
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_____. Pensar à deriva para enfrentar a deriva da educação.


Palestra proferida no Seminário: Do caos ao cais e vice-versa:
intersecções entre Filosofia, Ciência e Arte. Faculdade de
Educação, Universidade Estadual de Campinas: UNICAMP,
09.05.2019.

HUBERMAN, Michäel. O ciclo de vida profissional dos


professores. In.: NÓVOA, António (Org.). Vidas de
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LARROSA, Jorge. O ensaio e a escrita acadêmica. Educação e


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sem partido e a base nacional comum curricular? Educ. Soci.
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Vanessa. ‘Escola sem Partido’: entenda a polêmica em torno
do movimento e seus projetos de lei. 05/09/2017. Disponível
em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/entenda-a-
polemica-em-torno-do-escola-sem-partido.ghtml>. Acesso
em: 10/05/2019.

244  Joelson de Sousa Morais


IDEOLOGIA DE GÊNERO, EDUCAÇÃO
E CRISE SOCIAL NO BRASIL (2018-2019)

Lorena Maria de França Ferreira


Rannyelle Rocha Teixeira

Introdução

O
presente artigo se dedica a tratar a ideologia de
gênero ou suas facetas que foram inventadas
nos anos de 2018 e 2019 no campo educacional
brasileiro, em especial nas esferas escolares provocando
indagações sobre as capacidades de educar da instituição
escolar e do professor em sala de aula. Diante disso, algumas
indagações são necessárias O que é ideologia de gênero? O porquê
de tantas problemáticas em torno do que se definiu como ideologia de
gênero? E qual o papel do campo educacional em questões que tangenciam
gênero e sexualidade?
É importante ressaltar que o estudo de gênero passou a
ter uma conotação duvidosa nos últimos anos, aqui abordados,
diante de jogos políticos e de um avanço dos movimentos sociais
no Brasil em nome das minorias sociais, as quais passaram a
ocupar lugares de representatividades ao longo dos anos 2000,

IDEOLOGIA DE GÊNERO, EDUCAÇÃO E CRISE SOCIAL NO BRASIL (2018-2019) 245


com a ascensão de grupos políticos com características de lutas
definidas como “esquerdas” ou de “centro-esquerda”1.
Esses jogos políticos na política brasileira vieram como
uma forma de desarticular e desvalorizar o que já havia sido
possível desenvolver no campo educacional e no social, foram
formas de silenciamentos políticos2, em um contexto permeado
pelas incertezas provocadas pela crise econômica e política em
que atingiram de forma certeira as problemáticas quanto a
moralidade e os desenvolvimentos percorridos pela sociedade.

Gênero e educação: caminhos percorridos X possíveis

A educação brasileira tornou-se um direitos dos seus


cidadãos diante do desenvolvimento da República, ao longo
do século XIX e XX, sendo esta defendida por grupos políticos
e sociais. No entanto, essa educação que passa a ser defendida
em um contexto de “igualdade de direitos” à todos não chega
de forma igual aos brasileiros, onde as questões sociais ainda
provocam profundas desigualdades, em especial quanto ao
ensino. Diante disso, pode-se destacar que:

A República se configura como um momento de jogo


político que atinge a esfera da educação diante da
necessidade de formar uma população alfabetizada que
pudesse votar. Dessa forma, educar uma grande quantidade
de pessoas era uma das questões da República nos anos
iniciais do século XX, mas isso requeria que o poder público
investisse em um ensino que atingisse a parte mais pobre

1 Aqui se toma como possibilidade de análise as atuações do governo do


Partido do Trabalhadores – PT que ao longo dos anos 2000 (2003 até
2016), no cargo de presidência da República Brasileira.
2 Os silenciamentos políticos como maneira de desarticulação do
desenvolvimento de movimentos sociais em que englobava uma parcela
considerável da sociedade em qual se enquadravam as minorias sociais.

246  Lorena Maria de França Ferreira • Rannyelle Rocha Teixeira


da sociedade, assim deveria ser um momento de educar os
pobres para que o número de votantes aumentasse.
No entanto, não seria esse momento que tentaria igualar
o ensino para toda a população, já que o ensino primário
deveria ser desenvolvido para um grande número de
pessoas, em especial para aquelas que estavam à margem
da sociedade, combatendo através do ensino público as
mazelas sociais (FERREIRA, 2017, p. 16-17).

Neste momento é importante destacar como a República


se mantinha no campo educacional para desfazer a percepção
que ao se instaurar um regime republicano o ensino seria
colocado de forma igualitária dentro do território brasileiro,
esquecendo uma de suas razões de ser implantada no regime
político e fantasiando um falso modelo de perfil político em
que seria de bondade e de desejo de igualdade à todos.
Dessa maneira, cabe aqui ressaltar que a política
brasileira desenvolve a educação perante suas razões políticas
e econômicas, perante uma necessidade de igualdade em
relações as outras repúblicas pelo mundo.
Essa “igualdade” que a República geraria não veio ao
longo do tempo e nos deparamos como nos anos de 2018
e 2019 permeados por inúmeras desigualdades sociais, em
especial as que atingem as questões educacionais e de gênero
(Disponível em < https://brasilescola.uol.com.br/noticias/
censo-escolar-2018-matriculas-educacao-basica-caem-13-
milh%C3%A3o-2014/3123897.html > Acessado em: 20 de maio
de 2019.
A educação é um direito fundamental para todos e todas,
assim, foram construídos democraticamente e corroborado
pelo Brasil documentos e tratados internacionais que tratam
tanto sobre educação quanto sobre igualdade de direitos todos
esses aspectos versam sobre o tema em discussão.

IDEOLOGIA DE GÊNERO, EDUCAÇÃO E CRISE SOCIAL NO BRASIL (2018-2019) 247


No que diz respeito à educação, a dinâmica que se
encontra refletida em legislações federais brasileiras recentes
traz o debate da implementação da questão da orientação
sexual e da identidade de gênero também ingressa no campo
dos direitos humanos, e por consequência, no campo da
educação.
Para os autores Reis e Eggert (2017), no Brasil, a promoção
da educação em favor da equidade de gênero e do respeito à
diversidade sexual torna-se importante quando se consideram
as estatísticas sobre violência e discriminações baseadas em
gênero, orientação sexual e identidade de gênero.
Sendo assim, é necessário salientar os planos do Estado
para a Educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) de 1996 estabeleceu a elaboração pela União
de um plano decenal, em colaboração com os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, que estivesse em sintonia com
a Declaração Mundial sobre Educação para Todos de 1990
(BRASIL, 1996).
Junto com a LDB, o PNE também possui um papel
importante para o desenvolvimento de medidas que superem
as desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da
igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual e
na erradicação de todas as formas de discriminação.
Trazer a questão de ideologia de gênero nas escolas sempre
foi um tabu, pois a maioria das pessoas se quer compreendem.
Ou para ir mais além não sabem se essa ideologia ao menos
existe.
Os autores Reis e Eggert, indagam sobre o que seria essa
ideologia. E chegaram a compreendê-la como uma maneira de
caracterizar ou mesmo denominar um indivíduo ou grupo de
pessoas.
O Plano Nacional de Educação, e sub sequentemente os
Planos Municipais e Estaduais de Educação, o termo ideologia

248  Lorena Maria de França Ferreira • Rannyelle Rocha Teixeira


de gênero foi utilizado por quem defende posições tradicionais,
reacionárias e até fundamentalistas em relação aos papéis de
gênero do homem e da mulher, ou seja, ideologia de gênero
significa a desconstrução dos papéis tradicionais de gênero.
Os autores chamam a atenção no que se refere aos
Documentos Finais das Conferências de Educação de 2008,
2010 e 2014, tanto esses Documentos quanto a versão inicial
do Plano Nacional de Educação, fazem menção do termo
“ideologia de gênero”, e sim têm por objetivo garantir o alcance
da equidade entre os gêneros e o respeito à diversidade sexual.
O crescente discurso sobre a falsa interpretação da
“ideologia de gênero”, a qual é considerada como desconstrução
dos papéis de gênero tradicionais, da família, dos ambientes
educacionais, causou uma histeria coletiva de pânico moral,
retrocesso e demonização do inimigo como coloca os autores.
O debate sobre a ideologia de gênero que gera promoção
da igualdade, de gênero e de orientação sexual tem como ponto
central contribuir a superação das desigualdades educacionais
que existem entre os gêneros mesmo que há décadas esse
debate vem sendo praticado no sentido de promover acordos e
políticas públicas que estabeleçam democraticamente a fim de
promover a equidade de gênero.
É preciso defender a igualdade de gênero, mas não a
partir de uma ideologia deturpada disseminada pelas forças
reacionárias no debate sobre os Planos de Educação. É
necessário promover uma análise de gênero entre masculino e
feminino que possam ter condições de estar em pé de igualdade,
para combater as violências contra o gênero feminino, por esta
a mulher subordinada ao homem dentro de uma sociedade
machista.
Para tanto deve-se tomar como ponto de partida as análises
feitas por Dagmar Meyer (2013) na qual destaca gênero como
uma maneira de colocar em xeque as formas de organizações

IDEOLOGIA DE GÊNERO, EDUCAÇÃO E CRISE SOCIAL NO BRASIL (2018-2019) 249


sociais, em especial as hierarquias e as desigualdades, e o que
era tido como natural passa a ser questionado o que caberia
aos educadores. Logo que,

O conceito de gênero privilegia, exatamente, o exame dos


processos de construção dessas distinções - biológicas,
comportamentais ou psíquicas – percebidas entre homens
e mulheres; por isso, ele nos afasta de abordagens que
tendem a focalizar apenas papeis e funções de mulheres
e homens para aproximar-nos de abordagens muito mais
amplas, que nos levam a considerar que as próprias
instituições, os símbolos, as normas, os conhecimentos,
as leis e políticas de uma sociedade são constituídos
e atravessados por representações e pressupostos de
feminino e de masculino e, ao mesmo tempo, produzem
e/ou ressignificam essas representações (MEYER, 2013, p.
18 Apud SCOTT, 1995; LOURO, 1997; MEYER, 2000b.)

Diante do entendimento do que seria gênero e o que o


mesmo se ocuparia como forma de estudo ou desenvolvimento
social é possível verificarmos uma ampliação sobre as percepções
dos sujeitos. Sendo esses múltiplos, podendo ocupar um lugar
específico ou estando entre as incertezas de uma normatização
política, social, econômica ou educacional.
Essa possibilidade de não enquadramento em
padronizações sociais (entende-se aos modelos de
representatividade) provocaram momentos de instabilidades
em todo mundo, em especial na América Latina onde os padrões
ainda estão ligados ao patriarcado e a religião católica. Isso é
possível verificar diante de uma onda de moralidade social em
nome da “família e dos bons costumes”.
De acordo com Richard Miskolci e Maximiliano Campana
(2017) destacam a ideia de Jorge Scala em La ideología del género.
O el género como herramienta de poder destaca-se na América
Latina diante de um momento de questionamentos sobre os

250  Lorena Maria de França Ferreira • Rannyelle Rocha Teixeira


direitos das mulheres, da diferenciações de gênero e um volta
da religiosidade para o campo social como traço marcante.
Assim,

A “ideologia de gênero” é um instrumento político-


discursivo de alienação com dimensões globais que busca
estabelecer um modelo totalitário com a finalidade de
“impor uma nova antropologia” a provocar a alteração das
pautas morais e desembocar na destruição da sociedade.
(MISKOLCI; CAMPANA, 2017, p. 725)

Então percebesse que a ideologia de gênero seria uma


volta aos padrões sociais antes estabelecidos em que se oprimia
o diferente e o estranho a normatividade de uma sociedade
predominante, como a opressão da mulher pelo homem, do
negro pelo branco, do homossexual pelo heterossexual. Gera-
se assim uma constante de dominação por aquele que detinha
o poder anteriormente e se afasta cada vez mais da igualdade
social.
Cabe-se aqui dizer que o modelo de “ideologia de
gênero” no ambiente educacional trazida para o centro de
discussão política brasileira em momentos de decisões políticas
presidenciais e de governos de Estado veio por motivar um
comportamento conservador em uma parcela da sociedade
que estava perdendo o domínio sobre as demais.
A escola e os ambientes educacionais passaram a ser
os locais de maiores ataques políticos e ideológicos, logo
que as manifestações da sociedade brasileira se davam em
um momento de crise moral seja pela corrupção ou pela
falta de desenvolvimento econômico, que aumentou as taxas
de desemprego e as mazelas sociais (entende-se aqui por
criminalidade, fome, miséria, etc). Esse quadro proporcionou
questionamentos qual seria uma possível solução para o país?
Qual seria o seu futuro?

IDEOLOGIA DE GÊNERO, EDUCAÇÃO E CRISE SOCIAL NO BRASIL (2018-2019) 251


Questionamentos como esses geram uma percepção de
quebra de um elo com um passado que seria harmonioso,
em que a sociedade estaria em pleno desenvolvimento e ao se
traçar um caminho para a igualdade social provocaria um caos.
Então assim seria possível verificar o questionamento O porquê
de tantas problemáticas em torno do que se definiu como ideologia de
gênero?
O porquê tem solução diante do que é possível verificar
do Brasil nos últimos anos, um país que trilhava caminhos
de igualdades sociais e que se viu diante de problemas não
solucionáveis ou que tentou-se criar uma instabilidade política
e social em que os problemas só seriam resolvidos diante de
uma mudança drástica, uma mudança que levaria a nação a
percorrer novamente o caminho do desenvolvimento.
Assim, voltou-se o olhar para a educação e para os
programas de assistencialismo social em que o Partido dos
Trabalhadores havia desenvolvido como uma forma de mostrar
que precisava-se apagar projetos sociais que não tiveram
sucesso em detrimento de um novo-velho projeto político que
tem como discurso a opressão e a volta a desigualdade social
como ordem.
Qual o papel do campo educacional em questões que tangenciam
gênero e sexualidade? O campo educacional passa a ser
questionado quanto as modificações que ele proporcionou
a sociedade brasileira desde o restabelecimento de uma
república democrática, e em destaque quando em 1988 cria-
se a Constituição Cidadã em que “direitos de todos e dever
do estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania” (C.F, 1988,
art.205, cap.III, Seção 1). O exercício da cidadania deveria vir
junto com a igualdade de direitos e deveres que entre eles estão

252  Lorena Maria de França Ferreira • Rannyelle Rocha Teixeira


as igualdades de condições de acesso e permanência na escola
e a igualdade de todos perante a lei.
Quando o sujeito não atinge o acesso à educação, e essa
seria a escolar perante as normas e leis brasileiras, percebe-se
que o Brasil ainda caminha lentamente para o desenvolvimento
educacional. As diferenças sociais são umas das maiores
responsáveis por isso, pois o país ainda não conseguiu se soltar
das amarras da opressão seja ela de gênero, raça ou etnia.
Guacira Lopes Louro (2001) coloca que a desigualdade
no âmbito educacional acontece no processo de opressão ou
ocultamento de determinados sujeitos que fogem da norma
social dominante, como no caso da homossexualidade.

O processo de ocultamento de determinados sujeitos


pode ser flagrantemente ilustrado pelo silenciamento da
escola em relação aos/às homossexuais. No entanto, a
pretensa invisibilidade dos/as homossexuais no espaço
institucional pode se constituir, contraditoriamente, numa
das mais terríveis evidências da implicação da escola no
processo de construção das diferenças. De certa forma, o
silenciamento parece ter por fim “eliminar” esses sujeitos,
ou, pelo menos, evitar que os alunos e as alunas “normais”
os/as conheçam e possam desejá-los/as. A negação e
a ausência aparecem, nesse caso, como uma espécie da
garantia da “norma” (LOURO, 2001, p. 89).

A negação ao se provocar a ausência do que é diferente


da ordem social tida como o modelo a representação a ser
seguida provoca o silenciamento dos sujeitos algo percebido
pela educação quanto se fala de gênero e sexualidade. Cria-
se uma falsa percepção de que ao falar do que se tem como
ideologia de gênero provocaria uma fuga em massa dos sujeitos
da dominância do modelo opressor em busca de uma liberdade
do ser, ser o que for possível e não necessariamente fixo em uma
categoria de gênero.

IDEOLOGIA DE GÊNERO, EDUCAÇÃO E CRISE SOCIAL NO BRASIL (2018-2019) 253


Considerações finais

O presente texto tem como intuito trazer para o campo


do saber das ciências humanas indagações sobre educação e
gênero como possibilidade de análise da sociedade brasileira
contemporânea que está perpassada por questões políticas e
sociais que oprimem as minorias sociais.
A educação e o gênero vêm como mecanismo de
opressão de minorias sociais que fugiram de padrões de
representatividade/modelos em que as classes dominantes
continuassem seguras de seus poderes, criou-se uma onda de
instabilidade na manutenção dos poderes opressores. Diante
disso, é possível analisar que a ideologia de gênero vem para o
campo educacional como uma maneira de assegurar a ordem
vigente, mantendo assim o oprimido e o marginalizado em
espaços definidos pelo opressor provocando cada vez mais as
desigualdades e as crises sociais.
Diante de tudo que foi exposto e por meio dos
argumentos aqui apresentados a noção de ideologia de gênero
no campo educacional é de extrema importância para que
essa e as próximas gerações possam usufruir dos mesmos
direitos, uma vez que impor a manutenção das desigualdades
de gênero onde as meninas e as mulheres estão condicionadas
a lugares de inferioridades em relação ao sexo oposto. Assim,
é através da educação que essa mudança pode ser sentida e
realizada. Ocupar tais espaços é de suma importância para a
desconstrução social, educacional a qual estamos vivendo.

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IDEOLOGIA DE GÊNERO, EDUCAÇÃO E CRISE SOCIAL NO BRASIL (2018-2019) 255


SOBRE OS AUTORES

Organização:

Cristiane de Sousa Moura Teixeira


Possui graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia pela
Universidade Federal do Piauí (1999), mestrado em Educação
pela Universidade Federal do Piauí (2009) e doutorado
em Educação pela Universidade Federal do Piauí (2014).
Atualmente é professora Adjunta I da Universidade Federal do
Piauí, ministrando disciplinas de Psicologia da Educação no
curso de pedagogia e professora do programa de pós-graduação
educação da Universidade Federal do Piauí. Tem experiência na
área de Educação, com ênfase em Educação, desenvolvendo
pesquisas relacionadas aos temas: Concepção Psicossocial
de identidade, Coordenação pedagógica, Formação humana,
Trabalho docente e outros temas na perspectiva da Psicologia
Histórico Cultural e a Teoria da Atividade de Rubinstein.

Francisco Antonio Machado Araujo


Doutor em Educação (UFPI), Mestre em Educação (UFPI),
Licenciado em História (UESPI). Graduado em Pedagogia
(ISEPRO), Especialista em História das Culturas Afro-
Brasileiras (FTC). Professor de História da Educação do
Departamento de Fundamentos da Educação - DEFE/UFPI.

SOBRE OS AUTORES 257


Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação
na Psicologia Sócio-Histórica - NEPSH. Lattes: http://lattes.
cnpq.br/7901115696539402. Parnaíba - Piauí- Brasil, E-mail:
chiquinhophb@gmail.com.

Neuton Alves de Araújo


Doutor em Educação, na área de concentração Ensino de
Ciências e Matemática (USP/2016). Mestre em Educação, na
Linha de Pesquisa Ensino, Formação de Professores e Práticas
Pedagógicas (UFPI/2009). Especialista em Matemática do
Ensino Médio (UFPI/2002). Licenciado em Ciências/Matemática
(UESPI/1998) e em Pedagogia (FAIBRA/2014). É Professor
Adjunto – C - 01 do Departamento de Métodos e Técnicas
de Ensino (UFPI/ CCE). Docente Permanente do Mestrado
Nacional Profissional em Ensino de Física- MNPEF (UFPI/
Teresina). Docente Colaborador Externo do Mestrado Nacional
Profissional em Matemática – PROFMAT (UESPI/Teresina).
É Subcoordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia/
DMTE/CCE, com mandato iniciado em 12/01/2019. Foi
Coordenador de Estágio Curricular Supervisionado de Ensino
dos Cursos Regulares de Licenciatura do Campus Universitário
Ministro Petrônio Portella (Teresina/PI). É pesquisador dos
Grupos de Estudo e Pesquisa: - GEPAPe – Grupo de Estudos e
Pesquisa sobre a Atividade Pedagógica, da Universidade de São
Paulo, que tem como líder o Prof. Dr. Manoel Oriosvaldo de
Moura; - GEHFOP - Grupo de Estudos e Pesquisas Histórico-
Culturais em Formação de Professores e Prática Pedagógica, da
Universidade Estadual do Piauí, que tem como líder a Profa.
Dra. Valdirene Gomes de Sousa; - NEPSH - Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Educação na Psicologia Sócio-Histórica,
da Universidade Federal do Piauí, que tem como líderes as
professoras doutoras Maria Vilani Cosme de Carvalho e Eliana
de Sousa Alencar Marques. Desenvolve pesquisas, atuando

258 
principalmente nos temas: educação matemática, formação de
professores, ensino e aprendizagem, Teoria Histórico-Cultural
(VIGOTSKI) e Teoria da Atividade (LEONTIEV).

Autor(e)s:

Alexandre Gomes Soares


Doutor em Educação (USP), Mestre em Educação Tecnológica
(CEFET/MG), Pós-graduado em Gestão de Pessoas e Projetos
Sociais pela UNIFEI, Pós-graduado em Planejamento,
Implementação e Gestão de Educação a Distância pela
UFF,Pós-graduado em História e Culturas Políticas pela UFMG,
Pós-graduado em Educação Empreendedora pela UFSJ, Pós-
graduado em Educação Profissional Integ. a Ed. Bás. na
Educação de Jovens e Adultos (CEFET-MG), Licenciado em
Pedagogia pela UNINOVE, Bacharel Licenciado em História
pela PUC-Minas. Membro do Grupo de Estudos de Gênero,
Educação e Cultura Sexual (EdGES) credenciado no CNPq.
Possuo experiência nas áreas de gestão em saúde, docência
e formação de professores (temas em Educação: Gênero,
Sexualidade/Diversidade, Currículo, Formação Docente). Atua
como Professor Adjunto na Faculdade Única de Contagem
e Coordenador Pedagógico no 1º e 2º Ciclo na Prefeitura de
Belo Horizonte. E-mail: prof.alexhis@gmail.com ORCID: 0000-
0001-6835-1155

Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda


Nome em citações bibliográficas: MIRANDA, A. M. J.
O. Laureado, mestrando em Ciências das Religiões pela
Faculdade Unida de Vitória. Possui graduação em Pedagogia
pela Faculdade Piauiense. Graduação em Geografia pelas
Faculdades Integradas de Ariquemes. Especialista em Docência
do Ensino Superior. Especialista em Libras e Braille. Especialista

SOBRE OS AUTORES 259


em Ensino Religioso. Especialista em Geografia, Meio ambiente
e Sustentabilidade. Coordenador da Pastoral do Surdo da
cidade de Parnaíba - PI. Experiência docente como Tutor a
distância da disciplina Libras NEAD/UESPI. Professor do ensino
fundamental da PREFEITURA MUNICIPAL DE PARNAÍBA - PI.
Professor do ensino fundamental da PREFEITURA MUNICIPAL
DE BURITI DOS LOPES - PI e professor do ensino fundamental
da PREFEITURA MUNICIPAL DE TUTOIA - MA. Atuando
principalmente nos seguintes temas: Ensino religioso, educação
inclusiva, Libras, Geografia e educação ambiental, direitos
humanos, políticas públicas e diversidade.

Carla Valéria Lopes Rodrigues


Graduanda do VII Bloco do Curso de Licenciatura Plena em
Pedagogia na Universidade Estadual do Piauí - Campus Clóvis
Moura. Foi Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência-PIBID no período de fevereiro de 2017
a fevereiro de 2018 e atualmente é Bolsista do Programa
Residência Pedagógica na referida instituição. Cumpriu
estágio extracurricular pela Secretaria Municipal de Educação
de Teresina – SEMEC atuando como professora de Segundo
Período da Educação Infantil. É Membro Pesquisadora do
Observatório Internacional de Inclusão, Interculturalidade
e Inovação Pedagógica – OIIIIPE e do Núcleo de Estudos e
Laboratório de Projetos de Pesquisa-Ação Social e Educativa
– NELPPASE, ambos os projetos sob orientação do Profº Dr.
Jânio Jorge Vieira de Abreu. Participou do Projeto de Extensão
Pedagogiando pela paz: a UESPI na Fazenda. É coautora do
Livro de Literatura Infantojuvenil “A turminha do Frei”. Publicou
capítulo em e-book livro e participou de diversos eventos
científicos apresentando e publicando trabalhos.

260 
Efigênia Alves Neres
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí
(UFPI) e Especialista em Gestão e Supervisão Escolar com
Docência no Ensino Superior (FAEME). Professora Substituta
no Departamento de Fundamentos da Educação (DEFE),
atuando na área de Fundamentos Políticos e Administrativos da
Educação, no Centro de Ciências da Educação da Universidade
Federal do Piauí (CCE/UFPI), Campus Teresina. Mestranda
em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal do Piauí (PPGED/UFPI). Integra o
Núcleo de Estudos e Pesquisas Roda Griô - Gênero, Educação e
Afrodescendência /GEAfro (PPGED/CCE/UFPI).
Email: efigeniaufpi@hotmail.com

Elizângela Fernandes Martins


Graduada em Pedagogia pela UEMA; especialista em
Psicopedagogia pela UFRJ; mestre em Educação pela UFPI;
doutora em educação pela UFPI; professora da Educação
Básica; professora do Ensino Superior; pesquisas e trabalhos
publicados na área de formação docente e gestão escolar.

Jânio Jorge Vieira de Abreu


Cursou Licenciatura Plena em Pedagogia (2000); Especialização
em Supervisão Escolar (2001); Mestrado em Educação (2003)
e Doutorado em Educação pela Universidade Federal do
Piauí (2017). É Professor Adjunto em Regime de Dedicação
Exclusiva da Universidade Estadual do Piauí – UESPI onde
atua nas Modalidades de Educação Presencial e a Distância
com ênfase na Pesquisa Educacional, Educação e Diversidade
Cultural; Educação, Movimentos Sociais e Diversidades;
Fundamentos Antropológicos e Históricos da Educação e
processos educativos escolares e não escolares. Na referida
instituição idealizou o Programa “Caminhos da Pesquisa-Ação”

SOBRE OS AUTORES 261


através do qual desenvolve Projetos de Pesquisa e de Extensão,
“Núcleos de Estudos e Laboratórios de Pesquisas voltados para
a comunidade acadêmica e comunidades de Classes Populares
de Teresina – PI, Brasil. Exerceu entre outras funções: Membro
da Comissão de Concursos; Conselheiro do Campus Clóvis
Moura; Membro do Comitê Interno de Pesquisa; Coordenador
Adjunto do Núcleo de Educação a Distância / UESPI; Diretor
Financeiro da Associação dos Docentes da UESPI – ADCESP.
Representou a UESPI no Projeto de Intercâmbio Brasil/
Itália, tendo participado de missões de pesquisas no Brasil e
no Exterior. Publicou dois livros, diversos capítulos de livros,
artigos em periódicos e inúmeros trabalhos em anais de eventos
nacionais e internacionais. Exerceu a função de Coordenador de
Área do Programa de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID e
é Membro do Comitê Gestor do Observatório Internacional de
Inclusão, Interculturalidade e Inovação Pedagógica – OIIIIPe.

Joelson de Sousa Morais


Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP) na linha de pesquisa “Formação de
Professores e Trabalho Docente”. Mestre em Educação pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN/2015).
Possui Especialização em Psicologia da Educação pela
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA/2016) e
Graduação em Pedagogia pela Faculdade de Ciências e
Tecnologia do Maranhão (FACEMA/2012). É pesquisador do
“Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada”
(GEPEC/UNICAMP) e “Grupo de Pesquisas Interdisciplinares:
Educação, Saúde e Sociedade” (UEMA/CPNQ). Tem
experiência e desenvolve investigações nas áreas de: Formação
de Professores/as; Cotidiano Escolar; Saberes, Identidade
e Desenvolvimento Profissional Docente; Professores/as
Iniciantes; Epistemologia da Complexidade; Currículo e

262 
Pesquisa Narrativa (Auto)Biográfica em Educação. ORCID:
0000-0003-1893-1316. E-mail: joelsonmorais@hotmail.com

Levinsky Alves de Sousa


Graduando do VII período do curso de Licenciatura Plena
em Pedagogia pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI;
Pesquisador voluntário do Programa Institucional de Bolsas
de Iniciação Científica – PIBIC/UESPI; Atua como bolsista no
Programa Residência Pedagógica – CAPES/UESPI e participou
como colaborador do Projeto de Extensão Pedagogiando
pela Paz – UESPI. É Membro Pesquisadora do Observatório
Internacional de Inclusão, Interculturalidade e Inovação
Pedagógica – OIIIIPE e do Núcleo de Estudos e Laboratório
de Projetos de Pesquisa-Ação Social e Educativa – NELPPASE,
ambos os projetos sob orientação do Profº Dr. Jânio Jorge
Vieira de Abreu. Publicou capítulo em e-book livro e participou
de diversos eventos científicos apresentando e publicando
trabalhos.

Lívia Silva Alves


Graduanda do VII Bloco do Curso de Licenciatura Plena em
Pedagogia na Universidade Estadual do Piauí - Campus Clóvis
Moura. Foi Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência-PIBID no período de fevereiro de 2017
a fevereiro de 2018 e atualmente é Bolsista do Programa
Residência Pedagógica na referida instituição. Cumpriu
estágio extracurricular pela Secretaria Municipal de Educação
de Teresina – SEMEC atuando no Programa Alfa e Beto de
Alfabetização do 2° período da Educação Infantil. É Membro
Pesquisadora do Observatório Internacional de Inclusão,
Interculturalidade e Inovação Pedagógica – OIIIIPE e do Núcleo
de Estudos e Laboratório de Projetos de Pesquisa-Ação Social
e Educativa – NELPPASE, ambos os projetos sob orientação

SOBRE OS AUTORES 263


do Prof. Dr. Jânio Jorge Vieira de Abreu. Participou do Projeto
de Extensão Pedagogiando pela paz: a UESPI na Fazenda. É
coautora do Livro de Literatura Infanto-juvenil “A turminha do
Frei”. Publicou capítulo em e-book livro e participou de diversos
eventos científicos apresentando e publicando trabalhos.

Lorena Maria de França Ferreira


Professora substituta do curso de História da Universidade
Federal do Piauí - UFPI no Campus de Picos (2018-2020); Mestra
pelo Programa de Pós-graduação em História do Brasil (UFPI),
com a dissertação intitulada de O ESTADO, AS NORMALISTAS
E A INFÂNCIA EM TERESINA (1900-1940). Graduada em
Bacharelado em História pela Universidade Federal do Piauí
(UFPI); Desenvolve pesquisas relacionadas com a educação
no Piauí durante o século XX, evidenciando mulheres, infância,
discursos, poder e memória. Áreas de interesse: Discursos e
Poder. Educação. Mulheres. Gênero. Infância.

Marcileide Sobral Xavier


Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do
Maranhão-UEMA
Pós-graduada em LIBRAS pelo Instituto de Ensino Superior
Múltiplo-IESM
Pós-graduada em Supervisão, Gestão e Planejamento
Educacional pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano-IESF
Atua na área da Educação há cinco anos em Caxias, cidade em
que mora.

Maria do Socorro de Resende Borges


Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia (UESPI); em
Licenciatura Plena em Letras Português (UESPI) Especialista
em Supervisão Escolar pela Universidade Estadual do Piauí.
Especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica pela

264 
Faculdade Montenegro. Especialista em Docência do Ensino
Superior pela Faculdade Montenegro. Especialista em Psicologia
da Educação pela Universidade Estadual do Maranhão. Mestre
em Educação pela Universidade Americana-Paraguai. Atua
como professora da UESPI. Professora da Secretaria Estadual
de Educação do Piauí. Atuou como professora formadora do
Parfor; atua como professora convidada de algumas faculdades.
Tem experiência na área da educação. Email:mdsdrb@uol.com.
br.

Maria Vanessa Vieira da Costa


Graduanda do VII Bloco do Curso de Licenciatura Plena em
Pedagogia na Universidade Estadual do Piauí - Campus Clóvis
Moura. Foi Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência-PIBID no período de fevereiro de 2017
a fevereiro de 2018 e atualmente é Bolsista do Programa
Residência Pedagógica na referida instituição. Cumpriu estágio
extracurricular pela Secretaria Municipal de Educação de
Teresina – SEMEC atuando como professora de Maternal e
Primeiro Período da Educação Infantil. É Membro Pesquisadora
do Observatório Internacional de Inclusão, Interculturalidade
e Inovação Pedagógica – OIIIIPE e do Núcleo de Estudos e
Laboratório de Projetos de Pesquisa-Ação Social e Educativa
– NELPPASE, ambos os projetos sob orientação do Profº Dr.
Jânio Jorge Vieira de Abreu. Participou do Projeto de Extensão
Pedagogiando pela paz: a UESPI na Fazenda. É coautora
do Livro de Literatura Infanto-juvenil “A turminha do Frei”.
Publicou capítulo em e-book livro e participou de diversos
eventos científicos apresentando e publicando trabalhos.

Marlene Rodrigues de Carvalho


Especialista em Ensino de Ciências pelo Instituto Federal do
Maranhão (IFMA); Graduada em Ciências Biológicas pelo

SOBRE OS AUTORES 265


Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Piauí -
IFPI, atuou como monitora - bolsista do Herbário do Instituto
Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Piauí - IFPI
entre os anos de 2013 e 2014, e como bolsista do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à docência (PIBID), entre
os anos 2013 e 2016. Atualmente é professora substituta de
biologia na rede estadual de educação.

Marta Gouveia de Oliveira Rovai


Professora Adjunta da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-
MG). Doutora pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doc
pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Coordenadora do
grupo de Pesquisa História do Brasil (UNIFAL); pesquisadora
do Grupo Formatio, de formação docente (UNIFAL) e membro
da Rede Pública de História. Martarovai88@gmail.com.

Mary Gracy e Silva Lima


Doutora em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Educação pela
Universidade Federal do Piauí (UFPI-PPGed). Graduada em
Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Federal
do Piauí (UFPI). Professora Adjunta da Universidade Estadual
do Piauí (UESPI), e na Universidade Estadual do Maranhão-
Campus Timon (UEMA-CESTI). Membro do Núcleo de
Estudos, Extensão e Pesquisas Educacionais – (NEEPE/UESPI).
Autora de diversas publicações, entre as quais: Aspectos
demarcadores do tornar-se professor: discutindo a formação
e a prática pedagógica no ensino superior. Revista Diálogos
interdisciplinares – GEPFIP, v.1, p.219 - 233, 2015; Dilemas e
perspectivas formativas no curso de pedagogia: olhares discentes
acerca da formação inicial docente. Coleção Caminhos da Pós-
Graduação em Educação no Nordeste do Brasil, v.3, p.740
-751,2016; Implicações da prática pedagógica no processo

266 
de constituição da identidade profissional docente, Garcia
Edizioni, v.1, p.31-47, 2018. Endereço eletrônico: mgracysl@
hotmail.com

Rannyelle Rocha Teixeira


Professora Formadora do PARFOR- Universidade Federal
do Piauí (UFPI), no curso de História (2018-2019). Mestra
em História Contemporânea na Faculdade de Letras da
Universidade do Porto- Portugal com a dissertação intitulada de
A REPRESENTAÇÃO DOS POVOS AUTÓCTONES AFRICANOS
NO BOLETIM GERAL DAS COLÓNIAS (1933-1945) com a
revalidação feita pela Universidade Federal do Ceará (2018).
Licenciada em História pela Universidade Federal do Piauí
(UFPI). Desenvolve pesquisas relacionadas com a colonização
portuguesa na África durante o século XX, evidenciando negros,
religião, resistência, discurso, colonizador, poder, identidade e
memória. Atualmente, também é pesquisadora dos Grupos de
Pesquisas: Teoria Crítica, Teorias da Justiça e Direitos Humanos
e do NEABI - Núcleo de Estudos e Pesquisas Afrobrasileiros e
Indígenas. Foi bolsista pelo Programa de Iniciação à Docência
(PIBID) (2012-2014), sob a orientação da Professora Doutora
Olivia Candeia.

Raquel Silva de Oliveira


Graduanda do VII Bloco do Curso de Licenciatura Plena em
Pedagogia na Universidade Estadual do Piauí - Campus Clóvis
Moura. Foi Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência-PIBID no período de fevereiro de 2017
a fevereiro de 2018 e atualmente é Bolsista do Programa
Residência Pedagógica na referida instituição. Cumpriu estágio
extracurricular pela Secretaria Municipal de Educação de
Teresina – SEMEC atuando como professora do 5º Ano do
Ensino Fundamental. É Membro Pesquisadora do Observatório

SOBRE OS AUTORES 267


Internacional de Inclusão, Interculturalidade e Inovação
Pedagógica – OIIIIPE e do Núcleo de Estudos e Laboratório
de Projetos de Pesquisa-Ação Social e Educativa – NELPPASE,
ambos os projetos sob orientação do Profº Dr. Jânio Jorge Vieira
de Abreu. Participou do Projeto de Extensão Pedagogiando
pela paz: a UESPI na Fazenda. É coautora do Livro de Literatura
Infantojuvenil “A turminha do Frei”. Publicou capítulo em
e-book livro e participou de diversos eventos científicos
apresentando e publicando trabalhos.

Rosalina de Souza Rocha da Silva


Professora Mestra em Educação pela Universidade Federal
do Piauí pelo Programa de Pós-Graduação em Educação.
Especialista em História da Arte e da Arquitetura pelo Instituto
Camillo Filho e em Metodologia do Ensino Fundamental,
Médio o Superior pela FAESP. Graduada em Licenciatura Plena
em Educação Artística – Habilitação em Artes Plásticas pela
Universidade Federal do Piauí. Foi professora concursada da
SEDUC (Secretaria da Educação do Estado do Piauí) em 2000
e na SEMEC (Secretaria da Educação do Município de Teresina)
no ano de 2010, atualmente é servidora pública federal no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí –
Campus Parnaíba desde 2014.

Sâmia Clara Rodrigues de Oliveira


Professora do Instituto Federal do Maranhão (IFMA); possui
Graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Estadual
do Maranhão (2006), Doutorado em Ciência Animal pela
Universidade Federal do Piauí (2014), Mestrado em Ciências
Veterinárias pela Universidade Estadual do Maranhão (2009),
Especialização em didática universitária (2009) pela Faculdade
Atenas Maranhense. Tem experiência nas áreas de biologia
celular e Anatomia animal, com ênfase em morfofisiologia

268 
testicular, atuando principalmente nos seguintes temas:
morfofisiologia, reprodução animal e biologia de animais
silvestres. Atualmente, como Coordenadora e professora do
Programa de pós-graduação Latu sensu em Ensino de Ciências
do IFMA, orienta diversos trabalhos envolvendo estratégias
pedagógicas voltadas para a biologia celular.

Sérgio Teixeira da Silva


Possui Graduação em Geografia pela Pontifícia Universidade
Católica de MG, (2001). Mestre em Educação pela Universidade
Federal de Minas Gerais. Pós-graduado em Educação
Empreendedora pela Universidade Federal de São João Del
Rei/MG. Pós-graduado em Planejamento, Implementação e
Gestão da Educação a Distância, pela Universidade Federal
Fluminense/RJ. Pós-graduado em Estudos Ambientais pela
Pontifícia Universidade Católica de MG. Possui experiência
na área da Geografia, com ênfase no meio ambiente. Atuou
como vice-diretor em escola pública da Rede Municipal de
Ensino do município de Contagem/MG. Exerceu a função de
Professor de Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do
Estado de MG. Exerceu a função de Professor Assistente no
curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão Escolar da
Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é Professor
de Educação Básica da Rede Municipal de Contagem/MG.
E-mail: sergioandreprofessor@gmail.com

Thayná Guedes Assunção Martins


Graduanda do curso licenciatura plena em Pedagogia:
Universidade Estadual do Maranhão. Endereço eletrônico:
thaynaguedes1996@gmail.com

SOBRE OS AUTORES 269

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