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2018 junho Ed.

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Editorial

Luciano Lannes
Editor

Caro leitor,
Esta edição traz um tema que, a princípio, não tem uma ligação direta
com o processo e a metodologia do Coaching: a CNV - Comunicação Não
Violenta. Quem estuda e trabalha com processos conversacionais sabe
o quanto que os modelos mentais afetam a linguagem e a forma de
receber a comunicação do outro e de expressar a sua própria. O estudo
das motivações da violência e suas consequências para as pessoas e
suas relações tem ampliado sobremaneira nos últimos anos. Julguei
apropriado trazer esta discussão para nossas páginas para que mais
coaches pudessem ter contato com uma abordagem tão simples e, ao
mesmo tempo, tão profunda.

O tema da CNV estava em nossa pauta há um bom tempo, aguardando


o momento oportuno para nascer. Ao navegar pela web, encontro um
grupo de coaches em uma sintonia muito afinada com tudo o que acredito
e pratico. Ligo e falo com uma delas, Debora Gaudencio. Batemos um
longo papo, e as afinidades foram se confirmando. Fiz o convite para que
coordenasse uma edição com o tema da CNV e ela, para minha alegria,
ficou muito empolgada.

A CNV é um tema que estudo, pratico e ensino há mais de 15 anos.


Assim, digo que pode-se explicar para qualquer pessoa os quatro passos
da CNV em 1 minuto, cronometrado. Agora, colocar em prática... aí são
outros quinhentos. Sua beleza e riqueza repousam na simplicidade, na
obviedade que, muitas vezes, chega a doer na alma. “Por que não pensei
nisto antes?”. Esta é uma frase muito comum de se ouvir de quem está
iniciando na CNV.

Que os textos deste dossiê possam contribuir para que você possa
ser um(a) coach cada vez melhor e, para isto, o autoconhecimento e
autodesenvolvimento são pontos fundamentais deste processo. Como
Magali Lopes e Marina de Mazi citam em seu artigo, “Who you are is how
you coach”, ou seja, você faz coaching como você é.

Tenha uma excelente leitura.

Luciano Lannes
Editor

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4 Um outro olhar - João Luiz Pasqual
6 Papo Rápido - Você diz “Uau!” para o início ou só aplaude no final?  - Kau Mascarenhas
8 ICF e a arte do Coaching - João Luiz Pasqual
10 Apresentação do Dossiê - Coordenação de Debora Gaudencio
12 Dossiê - A Comunicação como caminho de autoconhecimento e conexão com os outros
- Debora Gaudencio
16 Dossiê - A prática da abordagem centrada na pessoa em coaching - Magali Lopes - Marina de Mazi
20 Dossiê - Cultura de Paz, CNV e Transformação Cultural... a caminho de um mundo melhor
- Christine Bona De Napoli
26 Dossiê - Dinâmicas Humanas e CNV: por relações mais saudáveis - Erica Mizumoto
30 Dossiê - Relacionamento com alma, comunicação com alma
- Cristiane Barbosa Vicchiato - Karina Colpaert
36 Dossiê - Por um viver em conexão. O trabalho em rede, a cnv e o coaching como propulsores de
um mundo digno - Ana Paula Coscrato dos Santos
40 Coaching Executivo - Dilemas e “saias justas” de um Coach Executivo - Ana Paula Peron
46 Para refletir - Por que nos machucamos tanto? - Parte 2 - Vanessa Fernandes Coan
48 Eu, cada vez melhor - Soft Skills: competências relacionais e pensamento complexo - Káritas Ribas

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Um outro olhar

João Luiz Pasqual


PCC, Professional Certified Coach
Certified Mentor Coach, Supervising Mentor
Coach, Certified Coach in Conversational
Intelligence
jlzpasqual@gmail.com

Leia em 7 min

Nossa Coach Maria nos trouxe um caso muito interessante, que por algum tempo provocou dúvidas
quanto à sua capacidade como coach de executivos de destaque, como CEO(s) e diretores de empresas:

Eu estava em processo com um cliente que já havia sido meu coachee em um outro momento de sua
carreira. Esse executivo acaba de ser apontado CEO da empresa – uma multinacional – e na terceira
reunião deste novo processo, o executivo falou sobre algumas situações que vinha enfrentando na sua
nova posição. Durante sua exposição, passo por um questionamento do por que eu estava ali, e se eu
realmente poderia apoiar meu cliente e mais, passei a me perguntar se não havia me colocado numa
armadilha, ao aceitar o projeto.

Maria, você claramente se viu questionando as • Interessante, eu normalmente não me


suas competências como coach profissional, ape- sinto assim, o que isso diz sobre mim, so-
sar de sua longa experiência e capacidade técnica bre o meu cliente ou ainda sobre a situa-
para tal; pânico total, a ponto de desejar sair dali ção que ele está trazendo?
deixando tudo para trás, e nunca mais voltar.
• Será que isso é meu ou da situação?
Maria reporta ainda, que, enquanto o executivo
expunha suas questões, ela fingia ouvir, perdida
Ao procurar as respostas, Maria pôde se centrar
no sentimento de não estar entendendo o que
mais na conversa com seu cliente e se recompor.
ele dizia! Esse sentimento foi ganhando tamanho
E foi neste exato momento que ela decidiu
vulto, que ela mentalmente já havia desenvolvido
compartilhar com ele a sua hipótese e, de forma
um plano de fuga, julgando-se uma grande
cuidadosa, perguntar se ele, durante sua carreira,
impostora.
havia se sentido como um impostor. Ou se, por
outro lado, se sentia não merecedor daquela
Depois de um certo tempo que, segundo Maria,
posição.
ela não sabe dizer quanto foi, ela teve esse
diálogo interno, e passou a se perguntar:
Segundo o que conta Maria, seu cliente se
projetou mais para a frente, num nítido sinal de
que seu corpo falava alto, olhou bem nos olhos
dela e disparou:

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- Isto é surpreendente, vou lhe dizer como eu
me sinto, vou te mostrar algo. – disse, exibindo
dois cartões de visita, um dele e o outro do CEO
a quem ele substitui há pelo menos seis meses. Em seguida, houve um silêncio (que para Maria
No cartão de seu predecessor, a indicação pareceu uma eternidade) e depois o cliente
da posição de CEO era clara, e no seu cartão, disparou a falar sobre seus sentimentos
simplesmente não havia descrição de cargo. como impostor, não merecedor daquela
Mesmo estando oficialmente na posição e tendo posição e como o sistema retroalimentava tais
assumido todas as responsabilidades. sentimentos.

Conclusão:
Discutindo casos como esse, aprendemos com a nossa coach Maria que, ao compartilhar com nossos
clientes o que estamos vivenciando, sentindo e percebendo, permitimos que o cliente tenha acesso aos
pontos que estão abaixo da superfície.

Veja que, de certa forma, Maria usou suas vulnerabilidades para que o cliente pudesse, de forma mais
efetiva, confiar no processo, na coach e se colocasse de forma mais aberta e profunda.

Quando esse nível de conversa é alcançado, podemos entender que o nosso “EU” é o principal instrumento
nas intervenções de coaching e, portanto, a simples aplicação de ferramentas de coaching muitas vezes,
não fazem muito sentido.

Existem várias maneiras de fazer com que os executivos trabalhem na autorreflexão.

Paradoxalmente, nossa experiência mostra que melhorar as habilidades auditivas de uma pessoa é uma
das ajudas mais poderosas para a autorreflexão, e muitas vezes como coaches, deixamos de praticá-la.
Maria teve uma ação de autorreflexão para poder se conectar com o que estava acontecendo, que a
impedia de se conectar com o seu cliente.

A capacidade de ouvir ativamente o que os outros estão tentando transmitir é outra competência
crítica para coaches e líderes. Ao ensiná-los a ouvir como coaches, também os ajudamos a desenvolver
a capacidade de desafiar a si mesmos em termos de como eles pensam, se comportam e impactam os
outros, convidando-os a se fazerem perguntas como:

• Por que estou fazendo isso?

• Por que não estou fazendo aquilo?

• O que isso significa?

• Que tipo de impacto estou tendo sobre a outra parte nesta discussão?

E você meu/minha caro(a) coach, como tem desenvolvido a sua escuta? O que o caso da Maria, que
primeiro exercitou a escuta interna, para ouvir o que o executivo não estava falando, trouxe para você?

Pense nisso!
Referências Bibliográficas:

Kets de Vries, M.F.R.; K. Korotov; E. Florent-Treacy


- Coach and Couch – The Psychology of Making
better Leaders – INSEAD Business Press

Competências da International Coach Federation:


https://coachfederation.org/core-competencies

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ag
Kau Mascarenhas
Professor, palestrante, consultor Master Trainer em
Papo rápido PNL e coach ontológico. Autor do livro “Mudando para
Melhor”, pela Editora Best Seller, e do Curso Digital
PNLPlus. É sócio-diretor do Pro-Ser Instituto.
kaumasc@yahoo.com.br

Leia em 3 min

Você diz
“Uau!”
para o
início ou só
aplaude no
final?

Quem diz “Uau!” com a chegada de um novo dia? Com a jor-


nada que começa? 
Não porque você já sabe que haverá conquistas fabulosas
no final desse dia para comemorar. 
Não porque você precisa de um grande sucesso no fecha-
mento do ciclo para atestar sua importância. Nunca se sabe-
rá com antecedência o fechamento da viagem. 
Não porque há em você agora a ansiedade por ser espeta-
cular nessas novas 24 horas. 

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ra Não é disso que falo.

Falo da alegria de estar vivo, de dizer a si mesmo


o quanto é bom ser feliz no agora. 
Não busque exaustivamente por ser famo-
so, bem-sucedido, mas esteja em paz, vi-
bre com cada passo da estrada, e assim
mais facilmente se tornará importante. 

São muitos os importantes que não são fa-


mosos. Esses não se cansam perseguindo
realizações.  Eles se empenham, dão o seu
melhor, e se encaixam em seus destinos - e
isso acontece docemente. Os importantes
contagiam pessoas com o “durante” da via-
gem e não apenas pelo coroamento dela. 
Característica natural encontrada nos importan-
tes: dizem “- Uau!” e aplaudem seus começos.
Não necessitam de finais grandiosos. Podem
acontecer ou não, os triunfos a se festejarem pi-
rotecnicamente. Mas se não acontecerem, os im-
portantes dizem “- E daí? Foi maravilhoso ter me
lançado e ter saboreado cada passo da caminha-
da.” O bom da viagem é a estrada, dizem eles.

Festeje seu dia que chega. Diga “- Uau!” pela


linha ou ponto de partida. 
Seu Eu-Futuro é agora um bebezinho. Um broti-
nho. Festeje-o desde já. 
Não há como garantir que seu Eu-Futuro será
um sucesso para o mundo, famoso, espetacu-
lar. Mas que ele seja, antes de tudo e desde já,
muito importante para você. Isso começa quan-
do você diz “Uau” para si mesmo - agora.

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ICF e a arte do Coaching

Leia em 4 min

Caro(a) Associado(a),

Como você deve saber, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da


União Europeia (UE), que entra em vigor em 25 de maio de 2018, terá um grande
impacto na lei de privacidade europeia.

É nossa política definir o padrão no mundo do coaching, que se traduz em


servir nossos membros, detentores de credenciais, programas credenciados
e a profissão de coach, colocando em prática o melhor de nossa capacidade.
A International Coach Federation (ICF) está comprometida em proteger a
privacidade de todos os dados pessoais que recebemos e que temos acesso.

O GDPR oferece uma oportunidade para aprimorarmos nossas práticas de


privacidade de dados para beneficiar não apenas os coaches que vivem e
trabalham na UE, mas também todos os membros da comunidade da ICF
Global. Para isso, estamos atualizando nosso processo de credenciamento,
ficando, assim, em conformidade com o GDPR e o alinhamento com as práticas
recomendadas para promover a segurança dos dados.

A partir de 24 de maio de 2018, às 12 horas (Nova York), os coaches serão


solicitados a preencher um atestado de experiência de coaching, incluído no
formulário de Credencial da ICF. Isso substituirá o envio do registro em planilha
das sessões realizadas e visa ajudar a proteger a privacidade dos clientes de
coaching.

Para garantir a integridade desse processo, a ICF realizará auditorias periódicas


para verificar a experiência de coaching dos candidatos. Isso significa que os
coaches devem continuar a obter e documentar o consentimento dos clientes
para armazenar suas informações, ter uma política sobre como essas informações
serão protegidas e mantidas e ter um sistema para rastrear dados relevantes.
(Para este registro, a ICF continuará fornecendo um modelo de registro de
coaching para download em nosso site). Se uma auditoria revelar que um(a)
coach forneceu informações imprecisas ou fraudulentas sobre sua experiência
de coaching, elas poderão estar sujeitas a negação e/ou revogação de sua
credencial ICF e poderão ser proibidos(as) de se inscrever novamente para uma
Credencial da ICF por até cinco (5) anos.

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Também a partir de 24 de maio, as solicitações de credenciamento
inicial e de renovação serão alteradas para incluir campos
adicionais, requerendo aos solicitantes que autorizem a coleta,
o armazenamento e o uso das informações pessoais fornecidas
pela ICF.

Por fim, a partir deste mês, estamos alterando nosso cronograma


de retenção de dados para os materiais de inscrição da Credencial
ICF. Somente manteremos seus materiais de inscrição por seis (6)
meses após o processamento da sua inscrição. Nesse momento,
todos os seus materiais de inscrição serão excluídos de nossos
sistemas.

Você pode aprender mais sobre nossas políticas de privacidade,


spam e segurança de dados visitando
coachfederation.org/policies e selecionando a guia “Política de
privacidade e spam”. Nas próximas semanas, continuaremos a nos
comunicar com os membros da ICF e com os(as) detentores(as)
de credenciais sobre as práticas recomendadas para gerenciar
seus próprios dados e proteger as informações pessoais de seus
clientes.

Obrigado por fazer parte da comunidade da ICF e por confiar em


nós para gerenciar suas informações pessoais com transparência,
honestidade e cuidado. Se você tiver alguma dúvida sobre essas
mudanças e seu impacto sobre você, entre em contato conosco
pelo support@coachfederation.org

Atenciosamente,

Carrie Abner
Diretor Assistente de Credenciamento e Credenciamento de
Programas

(Tradução livre por João Luiz Pasqual – Presidente da ICF Brasil


Revisão por Vera Costa – Diretora de Relações com Associados)

João Luiz Pasqual


Presidente da ICF Brasil
para o exercício 2015/2018.
presidencia@icfbrasil.org
apoio.gestao@icfbrasil.org
www.icfbrasil.org

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Apresentação
do Dossiê:

Coaching e CNV
Coordenação de Debora Gaudencio
Coach e Facilitadora em Transformação de Diálogos com
base na CNV
Certified Trainer Candidate pelo Center For NonViolent
Communication (CNVC)
Apoia indivíduos a terem relações que os conectem
genuinamente uns com os outros.
debora@8coaching.com.br

Para abrir esse dossiê,


quero trazer um poema
que, para mim, reflete
com delicadeza toda a
essência da Comunicação
Não Violenta. Esse poema
foi escrito por uma amiga
de Marshall Rosenberg,
idealizador da CNV:

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Palavras são Janelas (ou são paredes)
por Ruth Bebermeyer

Sinto-me tão condenada por suas palavras.


Tão julgada e dispensada.
Antes de ir, preciso saber:
Foi isso que você quis dizer?
Antes que eu me levante em minha defesa,
Antes que eu fale com mágoa ou medo,
Antes que eu erga aquela muralha de palavras,
Responda: eu realmente ouvi isso?
Palavras são janelas ou são paredes.
Elas nos condenam ou nos libertam.
Quando eu falar e quando eu ouvir,
Que a luz do amor brilhe através de mim.
Há coisas que preciso dizer,
Coisas que significam muito para mim.
Se minhas palavras não forem claras,
Você me ajudará a me libertar?
Se pareci menosprezar você,
Se você sentiu que não me importei,
Tente escutar por entre as minhas palavras
Os sentimentos que compartilhamos.

A Comunicação Não Violenta é uma abordagem que transforma nosso olhar e traz uma leveza
enorme ao diálogo, já que busca um falar e um ouvir com um alto nível de conexão entre os
seres humanos. Uma consciência que cria janelas nas quais a dança da linguagem pode fluir.
Este caminho da não violência nos dá suporte como coaches e ao mesmo tempo apoia o
desenvolvimento dos coachees. E, como consequência, nos tornamos, todos, seres humanos
cada vez mais empáticos e conectados com a vida.
Iremos, ao longo dos artigos, denominar essa pesquisa por simplesmente CNV. A CNV também
é chamada em algumas comunidades de Comunicação Compassiva, Comunicação Consciente,
Comunicação Autêntica ou ainda, Comunicação para a Paz. Todos esses nomes ilustram bem o
processo vivo que é a CNV.
Em meus encontros, costumo relacionar a CNV a uma imagem da lemniscata tríade, já que sua
atuação se dá em um movimento com 3 dimensões: Transforma a maneira como olho para
mim, transforma a maneira como olho para o outro e transforma o ambiente no qual estou
inserido. Uma transformação interna que reflete na relação com o outro e com o mundo.
Os artigos que compõem esse dossiê trazem, além de toda uma parte conceitual, origem e
funcionamento da CNV, suas intersecções com temas pertinentes ao processo de coaching
e ao desenvolvimento humano, como Cultura Organizacional, Dinâmicas Humanas, Atenção
Centrada na Pessoa, Maternidade e Futuro do Trabalho.
Na própria elaboração dos artigos, pudemos vivenciar a CNV na prática. Trabalhando de forma
colaborativa, apoiando umas às outras em nossas necessidades, expressando o que estava vivo
em nós, buscando juntas um bem maior: Uma escrita que transmitisse a alegria de trabalhar
em rede.
As autoras fazem um agradecimento especial à Fernanda Ribeiro Abrantes, co-fundadora da
Eight∞ Rede Colaborativa de Coaches, Gestora e Facilitadora do Impulso Emerge. A Fe tem
sido co-autora do nosso viver em rede, com inteireza e verdade.

Mais do que uma abordagem, a CNV tem sido, para cada uma das autoras, um viés importante
na condução de seus trabalhos e no cuidado com seus relacionamentos.
Vamos conhecer?
Ótima leitura!

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Debora Gaudencio
Dossiê Coach e Facilitadora em Transformação de
Diálogos com base na CNV
Certified Trainer Candidate pelo Center For
NonViolent Communication (CNVC)
Apoia indivíduos a terem relações que os
conectem genuinamente uns com os outros.
debora@8coaching.com.br

Leia em 15 min.

A Comunicação como caminho


de autoconhecimento e conexão com os outros

A Comunicação Não Violenta (CNV) Desse princípio, derivam-se outros.


é uma pesquisa criada pelo psicólo- Gandhi brincou com as palavras jun-
go americano Dr. Marshall B. Rosen- tando-as e criando novos princípios.
berg há mais de 50 anos. Desde en- Um deles é Sarvodaya - o radical
tão, essa abordagem tem sido usada Sarva significa “todos” e Udaya sig-
em todo o mundo, em diferentes or- nifica “bem comum”: seria a busca
ganizações e contextos, com o fim pelo bem-estar de todos. Ou seja,
principal de apoiar a resolução de todas as ações são tomadas com o
conflitos e a conexão entre as pes- propósito de contribuir voluntaria-
soas. mente para o bem-estar dos outros
e de nós mesmos. Alinhada a esse
O nome vem de uma das muitas princípio, a CNV entende que nossa
inspirações de Marshall, a não vio- natureza deseja servir e enriquecer
lência de Gandhi e seus princípios, a vida uns dos outros.
que apoiaram seus discípulos em
sua luta pela paz. Esses princípios A violência surge, então, pela ma-
usados por Gandhi são a inspiração- neira como fomos educados, que
base da CNV e criam a consciência nos desconecta da nossa natureza
necessária para abraçarmos as prá- compassiva, por usar uma lingua-
ticas no dia a dia. A conexão com os gem que desumaniza as pessoas e
princípios de não violência são um as torna objetos e rótulos. Usamos
primeiro grande passo para interna- palavras estáticas como certa, erra-
lizar a abordagem. da, boas, más, egoístas, altruístas.
A CNV foca em estarmos mais per-
O maior princípio, em sânscrito é o to dessa natureza compassiva e em
Ahimsa. A palavra deriva do radical transformarmos essa linguagem por
hims, “bater, golpear” e himsa sig- meio de uma integração na comuni-
nifica “dano”; a-himsa significa o cação, relembrando como podemos
oposto, isto é, “ausência de dano”, nos conectar e contribuir para o
“não violência”. Como disse Mar- bem-estar uns dos outros. Por meio
shall, “é nosso estado compassivo de uma linguagem dinâmica, aban-
quando a não violência houver se donando uma linguagem que diag-
afastado de nosso coração”. nostica e julga.

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Se, por exemplo, considero o ou- tuação, olho para dentro de mim mais sobre mim e sobre o outro.
tro egoísta, coloco-o em uma cai- para verificar o que está vivo, Quando conecto com meu corpo
xinha e me afasto dele, pior, me me conectando com o que mais e percebo uma tensão nos om-
afasto de mim mesmo, de uma prezo na vida. É uma mudança bros, por exemplo, posso ir ainda
oportunidade de aprender mais de perspectiva. Então posso con- mais fundo e conectar com meu
sobre mim. Agora, se penso que versar com o outro em um nível sentir, consigo perceber que há
o outro é egoísta e me conecto diferente de conexão, a partir do uma preocupação ou uma frus-
com o que está embasando esse que é importante para mim, do tração ou um nervosismo. E es-
pensamento, como seria esse di- que preciso (honestidade, apoio, ses sentimentos nos trazem uma
álogo interno? Algo como: “Per- transparência, consideração), e mensagem especial.
cebo que, quando o chamo de não um diálogo a partir de jul-
egoísta, penso o quanto ele me gamentos (“seu egoísta”, “seu “Nossos sentimentos são nossos
enganou, não foi sincero, não se preguiçoso”, “você nunca faz isso caminhos mais genuínos para o
importou, não me ajudou.” certo”). conhecimento.” Audrei Lorde

A CNV nos convida a sairmos E existe outro princípio de não E essa mensagem que o sen-
desse processo automático, em violência que nos dá base para timento nos revela sobre nós
que foco em pensamentos reple- fazer essa mudança de foco, essa mesmo, na CNV chamamos de
tos de julgamentos. A mudança transição de olhar. Esse princípio Necessidades. E elas sim, e não
surge quando foco no que real- chama-se Swaraj, com seu radical os outros, são a causa dos meus
mente aconteceu. “Um amigo em sânscrito Swa, que significa sentimentos. E a pergunta que
combinou de me ajudar hoje pela “Eu” e Raj que significa “Regra”, posso fazer é: “Se estou preocu-
manhã em minha mudança. São “Governança”, sendo traduzido pado ou irritado ou triste, qual
15hs e ele não chegou”. Pura ob- como “Eu Rei de Mim Mesmo”. Eu necessidade minha não está sen-
servação. E se agora me conecto sou responsável pela minha ação, do atendida?”
com meu corpo, com o que sin- eu tenho autonomia de ação. Me conecto com meu corpo, meu
to? Sinto em meu corpo tristeza, Na prática, na CNV, acreditamos sentir e com o que mais importa
decepção, frustração. O que era que o comportamento do outro na vida para mim, minhas neces-
importante para mim nesse fato não é a causa dos nossos senti- sidades. E elas são universais e
que não ocorreu? Talvez eu pre- mentos. Acreditamos que os sen- compartilhadas por todos os se-
cisasse de consideração, apoio, timentos são uma parte natural res humanos, como paz, amor,
honestidade, transparência? da vida, do corpo. Eles nos dão comunhão, consideração, reco-
Nesse movimento de sair dos um feedback do que está aconte- nhecimento, pertencimento, le-
rótulos e olhar para si, posso cendo interiormente. E com essa veza, autenticidade. E falar com
descobrir muito sobre mim. Um consciência, consigo descobrir
processo profundo de autoco-
nhecimento que me conecta com
meus valores, nesse caso, consi-
deração, honestidade, transpa-
rência, apoio.
E nesse momento, em vez de fo-
car na minha interpretação da si-

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o outro a partir disso tudo que está a empatia faz morada. Nesse não sa-
vivo em mim aumenta enormemen- ber, nessa curiosidade genuína pelo
te a probabilidade de escuta e de outro. Acreditar que o outro não é
conexão. um ser estático, O Egoísta, O Ele-
E, como coaches, sabemos o quanto gante, O Fofoqueiro, O Inteligente,
as perguntas são importantes para O Puxa-saco, O Lerdo, mas sim um
o processo e na CNV não é diferente ser humano com uma potencialida-
- temos algumas perguntas que po- de incrível dentro de si.
dem nos direcionar nesse caminho: Com essa consciência, ao ouvir o
“O que está vivo em mim?”, “O que outro, você remove todos os ruídos
está vivo em você?” que bloqueiam esse fluxo entre vo-
É essa conexão que a CNV deseja cês. E esses ruídos, na maioria das
apoiar. O que está vivo em mim e o vezes, são todos os pensamentos
que está vivo em você. Percorrendo do que eu acho que sei sobre você.
o caminho desses princípios pode- Tudo o que eu sei sobre você, na
remos descobrir. E mais, poderemos maioria das vezes é o que me atra-
nos conectar com o que está vivo palha a ouvir de verdade e a me co-
nos outros, mesmo que eles não nos nectar com empatia.
digam. Nesse olhar para o outro, a
empatia exerce um papel funda- O que a CNV busca é um ouvir puro,
mental. com foco no presente, no que está
acontecendo no aqui e agora. O
Os estudos e trabalhos de Marshall, foco então muda - dos meus pensa-
com o também psicólogo Carl Ro- mentos e interpretações para o que
gers, desenvolveram um papel cen- está acontecendo exatamente ago-
tral na CNV, já que Marshall perce- ra, na minha frente.
beu o quanto a empatia explorada E isso me recorda do nosso
por Rogers na Abordagem Centrada compromisso como coaches, dessa
na Pessoa – ACP - trazia cura. A ideia escuta profunda que oferecemos
de Marshall então, foi trazer ele- aos coachees, focando na agenda
mentos da empatia para a comuni- deles e não na nossa, no que é a
cação, com o intuito de aumentar a verdade deles e não a nossa, junto
qualidade da conexão nas relações. com o movimento de acreditar que
Na CNV, a empatia está muito co- essa pessoa está em constante
nectada com a presença. Não é ter mudança e que a cada sessão
simplesmente compaixão do outro. tem um potencial incrível de se
É estar com o outro. Tem a ver com reinventar por si só, uma curiosidade
ouvir genuíno. Gosto muito da frase pelo outro, como diria Thich Nhat
do Adam Kahane, que diz: “O que Hanh: “Cada pessoa é um mundo a
impede o ouvir é o já saber”. Nisso, explorar”.

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Assim, diante do outro, posso ouvir o invisível. Quando ele me diz algo com vio-
lência, um julgamento por exemplo, o que está vivo nele? Qual o sentimento
que aí está e qual necessidade precisa ser atendida? E novamente, posso falar a
partir desse lugar, sem julgamento, sem intepretações, mas dando um presente
para o outro, o que estou percebendo que está vivo nele.
Como disse Marshall: “A agressividade é uma expressão trágica de uma neces-
sidade não atendida”. O que tenho visto é que na maioria das vezes, as pessoas
não se dão conta disso e agem com essa violência. Podemos então, com o olhar
da CNV, apoiá-los para que eles também se conectem com o que está vivo neles.
Diante disso, reitero que a CNV é uma maneira de expressar honesta e amoro-
samente o que está vivo em nós e o que estamos enxergando que possa estar
vivo nos outros. Para um processo de aprendizagem, isso pode ser feito tendo
percepção desses 3 elementos: Observação sem interpretação, Consciência dos
nossos Sentimentos e Conexão com nossas Necessidades.
No entanto, ainda existe um elemento que nos apoiará nesse processo. É a for-
ma como pedimos.

“Perguntar é o começo de receber.”


Jim Rohn

Depois de percorrer o caminho externo da Observação, percorro um caminho


interno rumo aos meus Sentimentos e depois disso percorro um caminho mais
interno ainda rumo às minhas Necessidades. A partir desse ponto, o caminho
volta a ser externo e se dirige para o outro. Está na hora de fazer uma pergunta.
É o momento de Pedir o que preciso para enriquecer minha vida.
A CNV sugere que esse pedido seja claro, específico e positivo. Que lhe diga
com clareza, em ações, o que quero que você faça. A ideia é expressar o que
queremos em vez do que não queremos. E ao fazer esse pedido, preciso estar
disposto a receber um Não. Porque, se assim fosse, o pedido seria apenas uma
demanda, e não um pedido. As pessoas precisam saber que podem discordar e
serem compreendidas, que têm escolhas. Com isso, se eu receber o Não, surge
uma oportunidade para ouvir o invisível e perceber quais sentimentos e neces-
sidades estão por trás desse Não e, desse lugar, me conectar e dialogar com a
outra pessoa.

A CNV é uma pesquisa, é uma abordagem, mas também é um caminho que po-
demos escolher percorrer diariamente com consciência em cada uma das nos-
sas ações. Como coaches, acredito no importante papel que temos - apoiar o
coachee a focar no que está vivo nele - e assim, aprender, se conectar e a partir
disso viver muito mais plenamente e em autenticidade, com ele e com os outros.

Referências Bibliográficas:
ROSENBERG, M. Comunicação Não-Violenta. Editora Agora, 2003.
ROSENBERG, M. Speak Peace in a World of Conflict, PuddleDancer Press, 2005.

2018 junho Ed. 61 15


Magali Lopes
Psicóloga, especialista em
dinâmicas grupais, atua como coach
e facilitadora de diálogos que
Dossiê transformam.
magali@8coaching.com.br

Marina de Mazi
Psicóloga, especializada em
psicodrama e grupos operativos, atua
há mais de 12 anos como consultora,
coach e facilitadora de grupos.
marina@wial.org.br

A PRÁTICA DA
Leia em 9 min.
ABORDAGEM CENTRADA
NA PESSOA EM
COACHING

“Se eu deixar de interferir nas pessoas,

elas se encarregam de si mesmas.

Se eu deixar de comandar as pessoas,

elas se comportam por si mesmas.

Se eu deixar de pregar as pessoas,

elas se aperfeiçoam por si mesmas.

Se eu deixar de me impor as pessoas,

elas se tornam elas mesmas”

LAO-TSÉ

(Citação de Carl Rogers resumindo o


princípio da Abordagem Centrada
na Pessoa)

Atualmente, muitas formações e cursos em coaching


promovem um amplo arsenal de ferramentas e téc-
nicas para a realização da prática do coaching. Essas
possuem seu valor e relevância para a realização de
uma prática efetiva, porém não é tudo. Segundo a CSA
– Coaching Supervision Academy -, “Who you are is how
you coach”, ou seja, você faz coaching como você é.

16 2018 junho Ed. 61


As técnicas, conceitos e ferramentas são objetos inter-
mediários, mas a essência do processo está na atitude
e jeito de ser do coach, e aí que está o segredo do ne-
gócio.

Na busca pelo desenvolvimento dessa atitude de “ser


coach”, encontramos a ACP, a Abordagem Centrada na
Pessoa, desenvolvida pelo psicólogo americano Carl
Rogers, que não prevê técnicas, e sim, um jeito de ser.

Em seu livro “Comunicação Não Violenta”, Marshall


Rosenberg, quem estruturou essa linguagem, nos diz
o quanto ele era especialmente grato por ter estuda-
do e trabalhado com Carl Rogers quando este pesqui-
sava sobre a Abordagem Centrada na Pessoa. Os resul-
tados das pesquisas de Rogers desempenharam papel
fundamental na evolução do processo de comunicação
descrito por Marshall.

O pressuposto básico da ACP é que a melhor maneira


de uma pessoa se desenvolver é confiar no seu poten-
cial e na sua condição natural de pensar, sentir, buscar
e se direcionar no caminho de suas necessidades. Pela
visão centrada na pessoa, o coachee precisa apenas
de condições especiais para rever a maneira como ele
está se desenvolvendo e, para isto, o coach busca criar
essas condições para que a pessoa perceba, em si pró-
pria, o seu caminho e as suas respostas.

Segundo Rogers (1959), “Todo organismo é movido


por uma tendência inerente para desenvolver todas as
suas potencialidades de maneira a favorecer o seu en-
riquecimento”. A partir deste pressuposto, chamado
de “Tendência de atualização”, derivam as condições
que são facilitadoras na relação para que a pessoa se
auto dirija, então ela tende a ampliar o seu repertório
interno e a buscar novas formas de se atualizar, ga-
nhando maiores condições de encontrar mais harmo-
nia interna e, em consequência, uma maior harmonia
com o seu meio.

2018 junho Ed. 61 17


2. Congruência: é a atitude do coach em
ser autêntico quanto aos seus sentimen-
tos e percepções em relação ao coachee,
praticando a competência da comunica-
ção direta. É importante que tudo que
o coach sente, de forma persistente na
relação, seja dito. Com empatia, cuida-
do, respeito, mas principalmente com
autenticidade. Quando o coach assume
seus sentimentos como seus, além de
dar ao outro a oportunidade para pen-
sar a respeito, estimula o coachee a as-
sumir seus sentimentos e expressá-los,
apoiado na aceitação e não julgamento.
Nesse sentido, são estabelecidas con-
Essas condições são: fiança e intimidade com o cliente, crian-
1. Compreensão empática: é impres- do um ambiente seguro, de apoio, que
cindível que, tanto o coach quanto o produz respeito e confiança mútuos.
coachee, sintam-se bem e verdadei-
ramente disponíveis nessa relação.
O coach deverá, então, ser capaz de
enxergar a pessoa, buscando se apro- 3. Aceitação Incondicional Positiva: é
ximar da visão dela, tendo, desta for- a capacidade do coach em aceitar o
ma, maior disponibilidade interna em coachee sempre de maneira positiva,
se livrar dos seus princípios e valores entendendo que este está sempre, à
e de compreender melhor o outro sob sua maneira, procurando se sentir bem
a perspectiva do outro, seus motivos, e se desenvolver, ou seja, se atualizar. Se
seus medos e sentimentos e, conse- o coach consegue, de fato, ser empático
quentemente, mais condições de não e tem a convicção de que o coachee
julgar ou direcionar a relação do coa- busca sempre as alternativas que
ching. Requer sensibilidade para per- entende como melhores dentro do seu
ceber as mudanças que se verificam repertório interno, através da tendência
ao longo do tempo, associada à pre- atualizante, fica mais fácil aceitar a
sença em Coaching, estando aberto pessoa, mesmo não entendendo ou
para o desconhecido, possibilitando não concordando. Aceitar não significa
despir-se dos seus próprios valores e concordar. É importante que o coach
julgamentos, para poder estar por in- tenha claro o que é dele e o que é do
teiro, de corpo e alma, com os senti- outro, pois mesmo que sinta de forma
mentos e valores do outro. diferente, ele terá maiores condições
de respeitar o sentimento e a atitude do
outro.

18 2018 junho Ed. 61


Em um ambiente onde a pessoa sinta-se verdadeiramente aceita
e acolhida, livre de ameaças, ela tende a ser ela mesma e a entrar
em contato consigo própria para buscar aquilo que julga impor-
tante para o seu desenvolvimento pessoal. O conhecimento do
coach tem importância, nessa perspectiva, desde que não crie
uma relação assimétrica com o coachee e construa uma barreira,
perdendo a disponibilidade real em ouvir o outro desprovido de
técnica.

Quando associamos isso à Comunicação Não Violenta, com seus


elementos inspirados na ACP, encontramos uma maneira prática
e consciente de criarmos esse ambiente seguro e vivenciarmos
esse jeito de ser por meio da linguagem. Contudo, não adianta
falarmos sobre princípios e pressupostos da ACP se o coach,
acima de tudo, não viver, acreditar nesse jeito de ser. Caso con-
trário, isso poderá ser visto apenas como uma técnica e isso, por
si, irá ferir o imprescindível em uma relação coach e coachee, que
é a autenticidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Carrenho, E.; Tassinari, M.; Pinto, M. A. S. Praticando a Abordagem Centrada na Pessoa: Dúvidas e perguntas mais frequentes. São
Paulo: Editora Carrenho, 2010.

Rosenberg, M. Comunicação Não Violenta. Editora Agora, 2006.

Rosenberg, R. L. Aconselhamento Psicológico Centrado na Pessoa. São Paulo: E.P.U.,1988.

Rogers, C. R. Psicoterapia e Consulta Psicológica. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

Rogers, C. R. Terapia Centrada no Cliente. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

Rogers, C. R. & Wood, J. K. Teoria Centrada no Cliente: Carl Rogers. Em A. Burton (Org.), Teorias Operacionais da Personalidade. Rio de
Janeiro: Imago, 1978.

2018 junho Ed. 61 19


Christine Bona De Napoli
Dossiê Coach e Agente de Transformação Cultural.
Buscando sempre o novo para apoiar pessoas na
descoberta e construção do caminho em direção ao
seu propósito.
christine@8coaching.com.br

Leia em 9 min.

Cultura de
Paz, CNV e
Transformação
Cultural... a
caminho de um
mundo melhor

Há 10 anos participei de um programa de sensibilização para gru-


pos de crianças nas suas atividades de período contra-escolar em
uma ONG. Nossa missão: semear a Cultura de Paz com base no
Manifesto 2000 da UNESCO.
O Manifesto 2000 por uma Cultura de Paz e Não Violência foi es-
boçado por um grupo de laureados do Prêmio Nobel da Paz, com
o objetivo de obter o comprometimento das pessoas através da
vivência cotidiana dos seguintes princípios:

20 2018 junho Ed. 61


Foi nesta ocasião que li pela primeira vez sobre os conceitos da Co-
municação Não Violenta (CNV), de Marshall Rosenberg. Encontrei
uma abordagem prática de comunicação totalmente alinhada com os
princípios de mudança em direção a uma Cultura de Paz: promovendo
maior profundidade no escutar, fomentando o respeito e a empatia,
estabelecendo, desta forma, um campo mais fértil para mediação de
conflitos de qualquer natureza. A semente de atuar como agente de
transformação cultural estava plantada.
Alguns anos depois, desta vez no contexto organizacional, me deparei
novamente com a CNV e a Cultura de Paz, agora através do Modelo de
7 Níveis de Consciência, de Richard Barrett, um modelo que se baseia
na hierarquia de necessidades de Abraham Maslow e está alinhado
com os estágios de desenvolvimento humano. Este modelo se aplica
a todos os indivíduos e estruturas de grupo humanas: organizações,
comunidades, nações, etc.

2018 junho Ed. 61 21


Segundo o modelo de Richard Barret, as passarmos a atender o próximo estágio
organizações crescem e se desenvolvem e assim por diante. Apenas depois que
da mesma maneira que os indivíduos e, os três primeiros níveis de consciência,
para se desenvolverem, devem responder chamados de níveis de Interesse Próprio,
com sucesso às suas necessidades e ter são desenvolvidos é que a organização
seus valores evidenciados em cada deci- tem condições de se transformar e passar
são que tomam e cada ação que praticam. para os níveis de consciência do Bem Co-
As organizações mais bem-sucedidas são mum, representados por Coesão Interna,
aquelas que desenvolvem a consciência Fazer a Diferença e Serviço. Se olharmos
de espectro total, ou seja, dominam as ne- com mais atenção os desafios organiza-
cessidades de cada um dos sete níveis de cionais destes estágios, veremos o quan-
consciência sendo, desta forma, capazes to eles estão alinhados com os princípios
de responder e de se adaptar de maneira da Cultura de Paz e Não Violência e tam-
apropriada a cada desafio do mercado. bém com as necessidades do mundo no
Desta forma, o desenvolvimento da or- século XXI, onde, para uma organização
ganização passa pelo domínio bem-su- ter sucesso, não será suficiente garantir
cedido de cada estágio. Por exemplo, ao qualidade, preço e rapidez, será necessá-
criarmos uma organização, precisamos, rio também agir com integridade, cons-
primeiro, encontrar viabilidade financeira truir um futuro sustentável para seus
no estágio de sobrevivência, para então colaboradores, clientes, comunidades e

22 2018 junho Ed. 61


sociedade em geral. A nova fron-
teira de vantagem competitiva é
seu capital cultural, seu conjunto
de valores e crenças.

Como saber em que nível a or-


ganização está operando?
As ferramentas de transforma-
ção cultural desenvolvidas pelo
Centro de Valores de Richard
Barrett permitem que os líderes
de uma organização meçam o
capital cultural de sua empresa,
avaliem os gaps entre a cultura
atual percebida pelos colabora-
dores e a cultura que é desejada
e acompanhem a evolução do ca-
pital cultural de sua organização.
Desta maneira, os líderes podem,
através da aplicação da metodo-
logia, acompanhar o movimento
da cultura da organização em
direção aos estágios de bem co-
mum, focando no que é impor-
tante para a sociedade e para as
gerações futuras.

Mas como fazer para que as or-


ganizações operem a partir do
Bem Comum?
Dentre os princípios que nor-
teiam a filosofia do seu trabalho,
Barrett afirma que “organiza-
ções não se transformam, são as
pessoas que o fazem”.
Portanto, as organizações so-
mente podem apresentar uma
cultura operando a partir dos ní-
veis do Bem Comum e alinhada
aos princípios da Cultura de Paz,
se seus líderes se transformarem.
São os valores, crenças e medos
que predominam nas mentes dos
líderes que determinam os níveis
de consciência a partir do qual a
organização funciona.
É necessário que os líderes, como
indivíduos, assumam responsa-
bilidade por seus sentimentos
e passem a reagir de forma não

2018 junho Ed. 61 23


violenta e não mais a partir de seus medos. Este
é o processo de domínio pessoal, através do qual
tomarão consciência dos seus sentimentos, dos
seus pensamentos, dos seus medos, das suas
crenças e das suas necessidades em um deter-
minado estágio de desenvolvimento psicológico,
permitindo atingir um equilíbrio interno e exter-
no. (Convido todos vocês a lerem o artigo “Autolide-
rança: aprenda a dominar seus padrões mentais e
emocionais”, escrito por Roberto Ziemer, na edição
57, onde ele aborda com detalhes o processo de do-
mínio pessoal).
Para atingir este equilíbrio em cada nível de cons-
ciência, o líder deve ser capaz de se expressar de
forma honesta e empática, produzindo um am-
biente sem julgamento e de paz, componentes
fundamentais da CNV. Assim, o líder poderá viver
seus valores refletidos no ambiente organiza-
cional, gerando confiança e, consequentemente,
fortalecendo a coesão interna e a boa vontade
externa.

24 2018 junho Ed. 61


Qual nosso papel como coaches?
Como coaches de líderes, temos o papel de
apoiá-los no seu desenvolvimento para uma
expansão de consciência, ajudando-os a en-
tender qual fase do desenvolvimento psico-
lógico eles já alcançaram, o quanto eles do-
minam as necessidades daquele estágio, ex-
plorando em que medida o contexto cultural
de sua organização apoia ou impede a satisfa-
ção de suas necessidades para sua evolução.
Como um coach evolutivo, devemos apoiar
a mudança do conceito de humanidade, aju-
dando nossos clientes a acelerarem seu pro-
cesso de desenvolvimento psicológico. A
abordagem do processo de coaching evolutivo
é holística e focada no propósito, seu objetivo
é a autorrealização e a evolução humana, pro-
vocando reflexões para modificar o foco pes-
soal de se preocupar com as necessidades do
“eu” para se preocupar com as necessidades do
“nós”. De acordo com Barrett, ele estabelece
“um novo paradigma de liderança que abrace o
bem comum ao invés do interesse próprio”.
É a partir de cada um de nós, seres huma-
nos individuais, que acontece o movimento
de transformação cultural em direção a um
mundo operando nos estágios de consciência
do bem comum e a CNV é um poderoso ins-
trumento para promover esta transformação
em qualquer nível: individual, organizacional,
nacional ou mundial. A aplicação dos concei-
tos que foram amorosamente descritos por
Marshall Rosenberg gera energia positiva de
mudança em direção ao bem comum e a um
mundo onde a Cultura de Paz é real.

Referências Bibliográficas:

Diskin, L. e Roizman, L. Paz, como se faz? UNESCO,


2002.

Rosenberg, M. Comunicação Não-Violenta. Editoria


Agora, 2003.

Barrett, R. A organização dirigida por valores. Elsevier,


2014.

Barrett, R. Coaching Evolutivo. Qualitymark, 2015.

2018 junho Ed. 61 25


Erica Mizumoto
Dossiê Coach e Cofundadora da Eight∞ Coaching.
Acredita que relações mais saudáveis constroem
um futuro melhor e que o ponto de partida está
em cada um de nós.
erica@8coaching.com.br

Leia em 13 min

Dinâmicas Humanas e CNV:


por relações mais saudáveis

Somos Diferentes

Que somos diferentes uns dos outros, isso nós já sabemos. A diversidade entre as pessoas tem um lado
muito positivo: pessoas diferentes veem o mundo de forma diferente, têm ideias variadas e enxergam
possibilidades diversas. Isso é bom e o mundo precisa disso para inovar, transformar e gerar mudanças.
Por outro lado, pessoas diferentes agem de maneira diferente e nem sempre encaramos bem essa
diferença. Quando se fala em “diversidade”, nossas mentes automaticamente começam a fazer
distinções. A maioria dessas distinções está baseada em pressupostos e crenças que fomos construindo
ao longo do tempo e que se tornaram a base para nossos preconceitos e julgamentos. Costumamos
achar que o que é semelhante a mim é bom, é certo, é melhor. E é aqui que muitos desentendimentos se
iniciam e as relações se deterioram.

Surgem então algumas perguntas: Como mudar uma reação que é tão automática? Como ampliar a
consciência do que acontece comigo e do que ocorre no outro? Como aceitar essas diferenças?

26 2018 junho Ed. 61


Como agir e me comunicar de forma que eu aumente a conexão com
o outro? O desenvolvimento desse novo olhar para as relações parte
do autoconhecimento e, como coaches, sabemos que a jornada
de autoconhecimento oferece inúmeros caminhos. O caminho
que escolhi trilhar recentemente e que oferece possibilidades
interessantes é o das Dinâmicas Humanas, que nos ajuda a
compreender não só o nosso funcionamento natural, mas também
que o outro funciona de maneira diferente. Além disso percebi que
as Dinâmicas Humanas integram os princípios da CNV (Comunicação
não Violenta) no que diz respeito a começar a identificar e a lidar
conscientemente com julgamentos, rótulos e diferenças.

Dinâmicas Humanas - O que são?

Dinâmicas Humanas são o resultado de estudos e pesquisas realizadas


desde 1979 por Sandra Seagal, envolvendo mais de 40.000 pessoas
de mais de 25 culturas nacionais diferentes. Esse trabalho identificou
características no funcionamento das pessoas e está detalhado no
livro “Human Dynamics” (Sandra Seagal & David Horne). As Dinâmicas
Humanas apresentam as estruturas fundamentais que permitem
ver as principais diferenças no funcionamento das pessoas como
sistemas inteiros. Isso significa dizer que cada dinâmica não é uma
coleção de características, mas sim todo um sistema de funcionamento
que expressa naturalmente um jeito de ser.

3 Princípios e 5 Dinâmicas Humanas

Sandra Seagal identificou 3 princípios básicos do funcionamento


humano: Mental, Emocional e Físico.

O princípio Mental está ligado ao pensar: raciocínio lógico, linear,


objetivo. O princípio Emocional diz respeito ao relacionamento e às
conexões: sentimentos, empatia, raciocínio feito por associações. E
o princípio Físico está ligado ao agir, executar, colocar em prática
(considerando todos os sistemas envolvidos).

Todas as pessoas possuem os 3 princípios ativos. A maneira como


esses 3 princípios são combinados entre si é que diferencia uma
dinâmica da outra. Nessas combinações, cada princípio assume uma
função distinta: Processador (princípio central) determina como
eu processo as informações. Captador (princípio secundário) diz
respeito às informações que eu naturalmente capto no ambiente.
Crescimento é o princípio menos ativo e indica uma direção de
desenvolvimento. A combinação desses princípios é que forma os
diferentes estilos de funcionamento, ou seja, as Dinâmicas Humanas.

São 9 as combinações possíveis entre esses 3 princípios e os estudos


apontaram que 5 dessas combinações representavam 99,9% da
população ocidental. Portanto, os estudos se concentraram do
detalhamento dessas 5 combinações:

2018 junho Ed. 61 27


O nome da dinâmica é composto pelo Processador +
Captador. Por exemplo, a dinâmica Mental-Físico possui
como Processador o princípio Mental e como Captador
o princípio Físico.

Principais Características de cada Dinâmica

Segue um resumidíssimo descritivo de como funciona - Emocional-Mental


cada dinâmica. Considerações importantes: a) os Conectam-se às pessoas através das ideias (adoram
princípios se combinam com energias diferentes dentro brainstorming) ao mesmo tempo em que fazem as
de cada dinâmica, portanto, pessoas de uma mesma conexões com o objetivo de colocar em movimento,
dinâmica poderão ter comportamentos diferentes em resolver o problema, porém, sem se atentar para os
determinadas situações; a biografia da pessoa, sua detalhes da execução. Necessitam agir para descobrir o
educação, experiências, tudo isso também influencia que precisa ser feito.
na maneira como a dinâmica se expressa em cada um; São agentes de mudanças, se entediam com rotina e
b) todas as pessoas evoluem e assim também acontece adoram o que é novo. Envolvem-se em vários assuntos
com as dinâmicas: a pessoa nasce com uma dinâmica e ao mesmo tempo, porém sem aprofundar. Têm ideias
segue a vida aprendendo e se desenvolvendo dentro da inovadoras, são muito empreendedores e gostam de
mesma dinâmica (não muda de dinâmica). dar soluções para os problemas dos outros.
São entusiasmados, otimistas, comunicativos, intensos
- Mental-Físico e inovadores. Como são movidos por um senso de
Enxergam a situação como se estivessem no alto de urgência, chegam muitas vezes a “atropelar” outras
uma montanha, com visão global, imparcialidade e pessoas.
objetividade, visualizando as diversas perspectivas
existentes. - Emocional-Físico
Seu sistema de valores é seu ponto de referência: Possuem grande capacidade de se conectar através
seus relacionamentos são baseados em valores dos seus sentimentos pois a vida emocional é central
compartilhados, suas emoções atreladas a no seu jeito de ser. Vivenciam as experiências de modo
esses valores. Preferem pensar, aprender e pessoal, o que pode levar a sentirem-se responsáveis
trabalhar sozinhos. Sua comunicação é precisa e envolvidos com problemas que não são seus. Por
e a palavra é utilizada em seu sentido literal. terem um mundo emocional muito ativo, necessitam
Normalmente são quietos quando estão em grupos. Só processar seus sentimentos, compreendê-los e tirar
falam se percebem que algo essencial ainda não foi dito. seus aprendizados para que consigam seguir na vida.
Dificilmente expressam suas emoções verbalmente e Têm o dom da empatia e possuem um forte impulso
quando o fazem é através de ações. para criar harmonia nos relacionamentos, o que pode
Devido a essas características, muitas vezes são lhes dificultar dizer “não” e estabelecer limites.
percebidos como desligados, desinteressados, Apreciam a variedade e possuem o dom de focar
indiferentes e frios. em múltiplas atividades ao mesmo tempo. Encaram
mudanças com cautela pois sempre analisam os
impactos nas relações. Costumam falar bastante seja
para estabelecer conexões ou para processar seus
sentimentos.

28 2018 junho Ed. 61


- Físico-Emocional
Possuem uma visão holística, onde cada unidade em diferentes e que isso enriquece, faz crescer a relação.
si é parte de um todo maior e estão interconectados. Podemos nos abrir a ouvir um “não” por exemplo,
Têm visão global, gostam de planejar em detalhes e sabendo de tudo tão diferente que vive no outro e
são práticos. assim tentar compor com ele outras soluções. Podemos
Costumam captar grande quantidade de informação olhar por trás do “não”, por trás da agressividade e nos
e só depois processá-la, necessitando de tempo conectar com as necessidades de ambas as partes e,
para isso. Preferem trabalhar sozinhos num primeiro a partir daí, criar estratégias criativas que nos levem
momento. Outras dinâmicas podem achar que o Físico- a um diálogo produtivo. Compreender e aceitar as
Emocional é lento e não faz nada, quando na verdade diferenças possibilita-nos ampliar a consciência para
toda a atividade está acontecendo internamente para entendermos o quanto falar a partir de um rótulo, de
só depois ser executada. um julgamento ou mesmo a partir de um único ponto
Apreciam o trabalho em grupo com colaboração de vista pode causar desconexão entre as pessoas.
e consenso, pois dessa maneira sentem-se parte
integrante de um todo. São práticos, objetivos e A abordagem da CNV traz luz justamente a situações
preocupados com o bem-estar do grupo. onde eu reajo de forma automática e com julgamento.
A CNV propõe 4 passos básicos: 1) olhar para o
- Físico-Mental fato; 2) identificar o sentimento; 3) identificar a
Essa dinâmica enxerga cada unidade como sendo parte necessidade que precisa ser atendida; 4) formular
de um todo, onde cada unidade deve ter um propósito, a comunicação, o pedido, de forma objetiva e clara.
que contribui para o propósito do todo. Para agir Dessa forma, eu permito que o outro enxergue meu
precisam de um propósito, dificilmente fazem algo sentimento, minha necessidade, minha vulnerabilidade
apenas por fazer. e, ao invés de receber uma crítica ou julgamento,
Costumam ser bons planejadores e apreciam gráficos, o outro recebe uma comunicação mais genuína e
modelos e mapas. Também captam grande quantidade humana, com mais chances de conexão.
de informação, porém antes de iniciar o processamento,
já fazem uma seleção do que é essencial. Num processo de coaching, Dinâmicas Humanas e CNV
São realistas, objetivos, práticos e metódicos. estão a serviço do autoconhecimento, do exercício da
Necessitam compreender o propósito da ação proposta empatia, de gerar atitudes com menos julgamento e
antes de executá-la. assim trazer mais conexão para as relações. Ao ajudar o
coachee a se identificar numa das Dinâmicas Humanas,
o coach auxilia o coachee a descobrir mais sobre si
Dinâmicas Humanas, CNV e Coaching mesmo, a compreender melhor suas características
de funcionamento, suas necessidades e olhar para si
As Dinâmicas Humanas apresentam um modelo que mesmo com menos julgamento. A partir dessa nova
proporciona autoconhecimento através de uma melhor consciência, o coachee pode experimentar olhar o
compreensão de como eu funciono naturalmente. outro pela dinâmica do outro, compreendendo assim
Também ajudam a compreender que o outro funciona que seu funcionamento é diferente, sem julgar ou
de maneira diferente. Não há certo nem errado, melhor rotular. Com essa consciência ampliada, o coachee
ou pior, rápido ou lento. Simplesmente há diferença pode lançar mão da CNV para entender melhor seus
e existe uma razão: funcionamento natural. Tendo sentimentos e suas necessidades, conseguindo assim
consciência dessas diferenças, conseguimos perceber se comunicar com mais clareza. Dinâmicas Humanas e
que no outro vivem ideias, pontos de vista, vivências CNV, duas abordagens que apoiam o desenvolvimento
de relações mais saudáveis, com mais conexão.

2018 junho Ed. 61 29


Cristiane Barbosa Vicchiato
Dossiê Karina Colpaert
Coaches.
Mães em busca de leveza em todos
os seus papéis na sociedade.
cristiane@8coaching.com.br
karina@8coaching.com.br

Leia em 15 min

Relacionamento com alma,


COMUNICAÇÃO COM ALMA

“Seria maravilhoso se a maternidade se limitasse a colocar em nossos


braços o bebê rosado e feliz que sorri nas páginas das revistas e se nossa
vida seguisse seu curso de uma maneira ainda mais plena do que antes.
Porém, a realidade invisível de cada uma de nós costuma ser diferente.
Não dispomos de palavras para nomear o que acontece conosco quando
estamos com uma criança no colo. É uma mistura de angústia, alegria,
perda de identidade, vontade de desaparecer, cansaço, orgulho, sonho
e excitação.”
Com as palavras de Laura Gutman, iniciamos este artigo para compartilhar
nossas experiências como coaches, mães e coaches de mães.

Incrível como os sentimentos citados acima nos acompanham


não somente quando nossos filhos são bebês, mas também
para as próximas fases da vida, e como eles podem influenciar o
relacionamento, ou como a autora mesma diz, a fusão emocional
entre mães e filhos. Quantas vezes, vencidas pelo cansaço nos
irritamos, gritamos, desistimos e por que não armamos uma guerra
com as nossas crianças? Quantas vezes nos distanciamos dos nossos
filhos cada vez que damos uma resposta agressiva ou desinteressada?
Os gatilhos podem ser vários, trânsito, agendas nossas e dos filhos
cada vez mais cheias de compromissos, volume de trabalho ou mesmo
aquela cobrança interior por um amparo emocional, muito comum
para nós, mulheres modernas, pois cada vez nos ocorrem menos
pessoas com quem compartilhar nossas angústias e percepções. Mas
então, como agir nessas situações?

Como coaches, sabemos que em nossa prática, o exercício de


presença, escuta ativa e não julgamento é a base para uma autêntica
e eficiente conexão com os clientes. Neste caso, usamos a atenção
plena a serviço do processo de coaching. Porém, quanto dessas
habilidades são praticadas nas nossas relações pessoais, com nossos
filhos, cônjuges, familiares e amigos?

30 2018 junho Ed. 61


Trabalhar com a ampliação da consciência é um privilégio,
pois o coaching influencia e fortalece diretamente o ser
humano que escolhemos ser; técnicas e metodologias
aprendidas para aprimorar a prática de coaching são
absorvidas na vida pessoal. Ter consciência da maneira como
nos relacionamos com as pessoas, independentemente
de ser uma relação profissional ou pessoal, é a chave
para desenvolver relacionamentos autênticos. Uma das
abordagens utilizadas para aprimorar relacionamentos
pessoais e profissionais é a Comunicação Não Violenta
(CNV), de Marshall B. Rosenberg, e é essa abordagem, em
especial, que nos ajuda muito nos dilemas da maternidade e
na maneira como educamos nossos filhos.

No último evento que participamos sobre CNV, nos chamou


a atenção a quantidade de mães presentes, interessadas
em melhorar a comunicação com os seus filhos. Perguntas
como “Como identificar o que eu estou fazendo que torna
a minha comunicação violenta e como reverter isso?” ou “O
que eu ainda não fiz para melhorar a comunicação com os
meus filhos?”, serviram como sustentação do encontro para
a grande maioria dos participantes.

Nos propomos, então, a abordar a CNV numa situação do


dia a dia, especificamente com os filhos.

Imaginem o seguinte fato: depois de um dia intenso de


trabalho, você está cansada e, ao chegar em casa, se depara
com seu filho de três anos brincando com tinta, em cima do
sofá da sala. Ele tem tinta espalhada no corpo e na roupa.
Qual seria sua primeira reação? O que falaria primeiro?
Como falaria?
Diante dessa situação, é difícil não julgar a criança ou quem
estava responsável sobre os seus cuidados.

A CNV é uma das abordagens que pode ajudar os pais e


educadores na prática de como reagir de maneira mais
adequada ao desenvolvimento positivo da criança. Ela se
baseia em quatro passos simples, mas profundos:
• Observação sem julgamento;

• Sentimento;

• Necessidade;

• Pedido.

2018 junho Ed. 61 31


Voltando a situação da criança, que estava em cima
do sofá da sala, com tinta no corpo e na roupa. O
exercício é observar o que está acontecendo de fato,
sem julgamentos e sem juízo de valores. Apenas uma
constatação do que estamos observando que pode (ou
não) ter nos agradado. E neste caso, como se comunicar
com seu filho?

Interpretação: - Você só faz besteira, toda suja e sujando


o sofá da sala! Ninguém cuida dessa criança?!
Observação sem julgamento: - Você está com tinta no
corpo e na roupa, em cima do sofá da sala.

Talvez a primeira reação seria brigar com a criança,


dizendo que ela está suja de tinta e que ela só faz
besteira. E ainda chamar atenção do responsável, que
estava com ela, dizendo que ele não cuidou direito da
criança, pois ela está pintada de tinta em cima do sofá da
sala. Mas neste caso, vamos concentrar o aprendizado na
comunicação com a criança.

Seguindo o caminho da observação sem julgamento,


lembre-se que a criança é uma esponja, ela aprende por
meio da observação. Boa parte do aprendizado infantil se
faz por experimentação e por imitação, sendo os adultos
com quem ela se relaciona e tem vínculos, os maiores
exemplos. E assim, ela construirá seu próprio caminho
para lidar com os desafios e com as situações de conflito
com clareza dos fatos e de como solucioná-los.

Pensando nas duas formas de se expressar, qual delas


desperta um relacionamento baseado no respeito? Qual
forma desperta na criança uma melhor compreensão
da situação?

O segundo passo é, a partir desse fato, perceber quais


sentimentos que emergem em você e acolher esses
sentimentos. Observar que os sentimentos negativos
trazem à tona alguma necessidade que não foi atendida.
A prática de identificação dos sentimentos é o que faz ter
contato consigo mesmo, olhar para dentro, para o EU, em
vez de culpar o outro.

E para isso, é necessário se perguntar: “Como eu me sinto?”


Nomear sentimentos não é uma tarefa fácil, pois nos leva
a acessar lugares que a maioria de nós evitamos, assumir
responsabilidade pelos nossos sentimentos e demonstrar

32 2018 junho Ed. 61


vulnerabilidade. Mas é a partir desse sentimento, e a necessidade do outro. Sabendo que os outros,
assumindo a responsabilidade pelo que sinto, por sua vez, podem (ou não) atender nossas
que é possível criar uma narrativa mais empática. necessidades e valores, desencadeando os nossos
sentimentos e vice-versa. E nessa relação mais
Como essa mãe pode expressar os seus humana, há a oportunidade de começar a criar
sentimentos? relacionamentos de compaixão e cooperação.

Em vez de dizer: - Você sempre faz besteira! A Pensando que somos os responsáveis por educar
mamãe está muito brava com você! nossos filhos, lhes ensinando sobre sentimentos e
Que tal dizer: - A mamãe chegou cansada do valores. Qual é a maneira mais eficaz de ensinar
trabalho e fiquei brava quando vi você pintada de isso através do diálogo?
tinta em cima do sofá.
Posso dizer: - Estou muito brava porque você esta
Assumir o sentimento e demonstrar vulnerabilidade toda suja de tinta em cima do sofá!
é evoluir para mais um passo da CNV, pois é a partir Ou posso falar da minha necessidade: A mamãe
da identificação desse sentimento, que é possível ficou muito brava quando viu você pintada de tinta
reconhecer que necessidades não estão sendo em cima do sofá. Estava cansada e pretendia deitar
atendidas. por quinze minutos no sofá para relaxar e me sentir
mais confortável.
“Quando expressamos nossas necessidades, temos
mais chance de vê-las satisfeitas.” – Marshall Essa mudança de foco pode parecer ordinária,
Rosenberg mas não é. Quando os sentimentos são assumidos
como uma responsabilidade nossa, passamos a
Os sentimentos despertam a partir das refletir de maneira diferente sobre os mesmos
necessidades e valores que possuímos. Todo ser e, principalmente, sobre as nossas necessidades.
humano tem sentimentos, portanto, igualmente Desse modo, deixamos de culpar os outros,
possuem necessidades. Tomar consciência sobre os especialmente os nossos filhos, pelo que estamos
sentimentos e as necessidades é a possibilidade de sentindo.
começar a perceber também qual é o sentimento

2018 junho Ed. 61 33


Este não é um processo fácil, mas para torná-lo reconfortante, faz-
se necessário passar por todos os passos. Afinal, é a mudança de
foco, o olhar para dentro, que possibilita ter consciência do pedido.
“É comum não termos consciência do que estamos pedindo.” – Marshall Rosenberg

O maior desafio do pedido, depois de torná-lo consciente, é transformá-lo em


concreto, claro e positivo, para que o outro entenda especificamente o que está
sendo pedido. Esta estrutura facilita a compreensão e consequentemente as relações,
principalmente para as crianças, que estão construindo aprendizados do que é certo
e errado. Por isso, qual seria a maneira mais adequada de fazer esse pedido para
uma criança de três anos?

Uma maneira seria: - Você só faz besteira, está toda suja de tinta e sujando o sofá da
sala! A mamãe esta muito brava com você! Saia de cima do sofá e vá imediatamente
para o banho!

Outra maneira pode ser: - A mamãe ficou muito brava quando viu você pintada de
tinta em cima do sofá. Estava cansada e pretendia deitar por 15 minutos no sofá para
relaxar e me sentir mais confortável. Quando quiser brincar de tinta, brinque sempre
na varanda e não suba em cima do sofá com o corpo sujo de tinta.

Desta maneira, a criança poderá continuar com a experimentação, que é importante


nesta idade, e aprenderá sobre os limites e percepções de mundo.

34 2018 junho Ed. 61


A partir desse exemplo e de nossas experiências E como mães, aprendemos todos os dias os
como coaches, trouxemos alguns benefícios benefícios que a CNV traz para exercermos
observados na utilização da CNV nos processos de melhor essa desafiadora missão de como criar um
coaching: relacionamento com o filho baseado no respeito
mútuo, compaixão e cooperação; estabelecer
• Apoiar o cliente a identificar o que é fato vínculos de confiança mútua entre pais e filhos;
e o que são interpretações e julgamentos; ter diálogos verdadeiros e autênticos e até
desenvolver a autoestima da criança.
• Ajudar o cliente a reconhecer e lidar com
seus sentimentos, assumindo a responsa- Exercer a atenção plena e agir com consciência
bilidade pelos mesmos; durante as sessões de coaching, talvez não seja
o maior desafio, uma vez que aprendemos e
• Estabelecer um espaço de confiança para
que o cliente tenha contato com as suas utilizamos diversas técnicas, apoiadas por estudos,
próprias vulnerabilidades; práticas e também pela mentoria e supervisão.
Porém, não há manual para a maternidade ou
• Contribuir para que o cliente identifique escola de formação de seres humanos. Por isso,
qual necessidade sua não está sendo aten- tenha certeza que o passo mais importante não é
dida e fazer o pedido concreto, claro e ob- seguir os quatro passos - observação, sentimento,
jetivo; necessidades e pedido claro e específico - de
forma automatizada. O primeiro passo é começar
• Ajudar na ampliação da consciência e se li- a Comunicação Não Violenta consigo mesmo,
bertar dos condicionamentos e dos efeitos tendo consciência de nossas escolhas como mães,
de experiências passadas; profissionais, mulheres e seres humanos. Afinal,
somos mais do que coaches, somos sobretudo
• Criar novos significados e estabelecer rela-
seres humanos assumindo com coragem a nossa
ções interpessoais baseadas numa relação
imperfeição, pois é essa imperfeição que nos dá a
de respeito consigo mesmo e com o outro.
possibilidade de sermos seres humanos melhores.

Referências bibliográficas:

Gutman, L. Mulheres visíveis, mães invisíveis


Rosenberg, M. B. Comunicação Não-Violenta
- Técnicas para aprimorar relacionamentos
pessoais e profissionais

Faber, A., Mazlish, E. Como falar para seu filho


ouvir e como ouvir para seu filho falar

Brown, B. A Coragem de ser Imperfeito

2018 junho Ed. 61 35


Dossiê Ana Paula Coscrato dos Santos
Coach e Facilitadora de movimentos de
transição pessoal e organizacional.
anapaula@8coaching.com.br

Leia em 13 min

POR UM VIVER EM CONEXÃO


O trabalho em rede, a CNV e o Coaching como
propulsores de um mundo digno

A humanidade tem sido convidada a repensar va- Vivemos hoje no Brasil e no mundo um cenário
lores, modelos e comportamentos em diferentes em que os pilares da moral, da ética e do caráter
esferas  - negócios, política, educação, economia, estão ruídos pela ganância e exacerbação do po-
família, dentre outros  -  que não funcionam mais der. Governo e empresas unidos pelo poder sem
em um novo nível de consciência para o qual es- amor, numa busca psicopata por mais poder, mais
tamos evoluindo. Temos sido convidados a trans- dinheiro, mais acúmulo.
formar a maneira como nos relacionamos com
trabalho, dinheiro, resultados, prosperidade e, Uma lente importante para compreender toda
essencialmente, como nos relacionamos uns com essa desconexão é a da nossa relação com traba-
os outros. lho, dinheiro e poder. A sociedade do trabalho, da
produção, do capital, do desempenho e do consu-
As crises políticas, econômicas, ambientais e so- mo, nascida à época da revolução industrial, defi-
ciais pelas quais o mundo passa, a intolerância  - niu fortemente a forma como vivemos a vida.
em níveis insustentáveis há muito tempo  -  ao que
é diferente dos padrões individuais de visão de Domenico de Masi (Sociólogo do Trabalho na Uni-
mundo e de crenças, a descartabilidade das vi- versidade de Roma) traz em seu livro  “O Futuro
das humanas e da natureza, são reflexo de uma do Trabalho”:
desconexão profunda do homem consigo e com
o outro. “[…] a organização social não con-
segue acompanhar o progresso
tecnológico: as máquinas mudam
muito mais velozmente que os
hábitos, as mentalidades e as nor-
mas.”

36 2018 junho Ed. 61


“O que está morrendo é uma an-
tiga civilização e uma mentali-
Vemos hoje ainda perpetuarem alguns elemen- dade do ‘eu’ maximizado - o má-
tos do modelo mental industrial: excesso de ximo consumo material, a noção
trabalho e pressão por resultados como forças de que quanto maior, melhor e
diretivas; predominância do ego, do abuso de um processo decisório orientado
poder e da organização baseada em horas, se- por grupos de interesse que nos
gundo a qual a quantidade de horas em que se levou a um estado de irrespon-
fica na empresa é mais importante que o re- sabilidade organizada, criando
sultado que se produz; hierarquia, burocracia, coletivamente resultados que
centralização, processos complexos para apro- ninguém quer.”
vações e deliberações cujo drive são as esferas
de poder (a famosa canetada) em detrimento Tenho vivido na pele esse renascimento. Nesta
da eficiência. semana, estive em um encontro das principais
lideranças de uma importante organização do
Há que se observar também a dissonância en- mercado financeiro em que surgiu o questiona-
tre as aspirações pessoais do indivíduo e a ainda mento: “ok, a máquina está funcionando muito
presente despersonalização que tem de enfren- bem, mas nós estamos felizes?”. E aqui o que
tar dentro de muitos contextos organizacionais. menos importa é a resposta. Só o fato de haver
Os indivíduos inibem  - ou até desconhecem  - a pergunta já se inicia um caminho de transfor-
seus próprios talentos e sua voz interior e não mação.
encontram espaço para a manifestação disso.
Vem surgindo um movimento consistente em
Resutados concretos desse modelo de organi- direção a novas formas de se trabalhar. As pes-
zação do trabalho se traduzem em estatísticas soas (e também as organizações, ainda que em
preocupantes: 30% dos mais de 100 milhões menor velocidade) têm percebido a insustenta-
de trabalhadores brasileiros sofrem de burnout bilidade trazida pela organização do trabalho
(Síndrome de Esgotamento Profissional) se- como a conhecemos.
gundo a ISMA (International Stress Management
Association). Estamos falando de mais de 30 mi- Temos tido cada vez mais a necessidade de tro-
lhões de seres humanos (isso só no Brasil) ado- car, de colaborar, de fazer junto. Temos perce-
ecendo por não conseguirem pausa e equilíbrio bido o que possuímos em excesso, o que está
na vida! Sem falar no crescimento alarmante das sem uso ou sobrando e estamos compartilhan-
taxas de suicídio e no desequilíbrio coletivo que do. Aos poucos, vamos tomando consciência da
temos causado: destruição da natureza, fome, nossa verdadeira natureza coletiva.
pobreza, catástrofes políticas e econômicas.
E, mais uma vez, o universo do trabalho toma
Este momento de desestabilização, no entanto, uma nova forma e impacta a maneira como nos
implica em morte e renascimento. Temos sen- relacionamos. Sem um marco definido no tem-
tido o surgimento de uma profunda renovação po, o Trabalho em Rede tem surgido como uma
pessoal, social e global. E sim, neste momento alternativa mais humana e ética para integrar
é mais sentido do que mensurado. Porque esta- a força econômica às necessidades do mundo,
mos no meio de um movimento de intensa tran- com mais harmonia e consciência.
sição. Otto Scharmer, professor Senior do MIT
(Massachussets Institute of Technology) traz em E o que significa trabalho em rede? Como ele se
seu livro “Liderar a partir do futuro que emerge”: organiza?

2018 junho Ed. 61 37


O principal elemento dessa nova estrutura é sentimentos que emergem a partir dos fatos.
a auto consciência e auto responsabilidade: Sentimentos não são certos ou errados, ape-
a compreensão de que as circunstâncias de nas são.
minha vida são reflexo direto do meu pensar
(meu modelo mental, crenças e lentes com Aprendendo a respeitar os nossos sentimen-
que enxergo o mundo), do meu sentir (as emo- tos e os sentimentos do outro, nosso olhar
ções e sentimentos que nascem em mim dian- se volta a compreender as necessidades não
te das situações e fatos) e do meu querer (a atendidas que estão por trás daquele senti-
forma como escolho agir e atuar nas relações mento e nos habilita a colocar na mesa, com
interpessoais). clareza e amorosidade, um pedido específico
do que necessitamos.
No trabalho em rede, preciso estar atenta
a mim para poder ser e atuar COM o outro e Atuar em rede requer confiança. Confiança de
COM o todo. O dinheiro não é um fim em si, é que as atitudes de cada um partem de um lu-
consequência de um trabalho que tem como gar de amor, de verdade e de respeito. E não
propósito maior ser a expressão de quem eu existe certo ou errado. O que existe é que os
sou (meus talentos e paixões) a serviço das ne- acontecimentos são percebidos de acordo
cessidades do mundo. Não há hierarquia. Cada com expectativas, lentes, necessidades, valo-
um sabe de si, assume para si a responsabilida- res e premissas individuais. É preciso que re-
de e contribui com o seu melhor. flitamos como têm sido nossas atitudes e sen-
timentos. Numa relação há o que é meu, há o
Pessoalmente, tenho trabalhado dessa forma que é do outro e há o que é nosso.
há 3 anos em duas redes, a Eight∞ Coaching e
o Impulso Emerge. São diversas pessoas com Trabalhar em rede é muito mais que uma sim-
origens culturais, familiares e formacionais di- ples forma de se trabalhar e entregar resul-
ferentes, com experiências de vida diversas e tados. A CNV, por sua vez, vai muito além de
visões de mundo nem sempre convergentes. técnicas de conversação. Ambos alentam um
Tem sido uma grande escola de como pode- outro jeito de viver, uma nova possibilidade
mos nos relacionar em prol de objetivos co- de organização social e econômica, uma forma
muns, coletivamente, sem perder nossa indivi- de nos relacionarmos a partir de um nível mais
dualidade. E nem tudo são flores. Temos que, verdadeiro e inteiro de conexão.
acima de tudo, aprender a conversar.
Pedem a nós que transitemos de uma postura
Trata-se de uma conversa que vem de outro ego-centrada (focada no próprio bem-estar)
lugar. De um lugar de consciência de si e do para a eco-centrada (focada no bem estar do
outro. De um lugar de confiança em si e no ou- todo). Isso diz respeito a como o mundo fun-
tro. É nesse lugar que a Comunicação Não Vio- ciona, a como as organizações funcionam, às
lenta (CNV) nos ajuda a evoluirmos enquanto famílias, os círculos sociais, enfim, toda a nos-
coletivo, respeitando o eu próprio e de cada sa vida em sociedade. E isso demanda energia,
um. Aprendemos a suspender julgamentos e tempo e paciência.
interpretações e nos atentar aos fatos e aos

38 2018 junho Ed. 61


O trabalho em rede e a CNV nos mostram “O poder propriamente en-
um caminho de evolução. Uma nova página tendido não é mais que a
no viver humano. Isso se descortina para nós, capacidade de atingir um
Coaches, como uma grande oportunidade de objetivo. É a força necessá-
juntarmos nossas forças, talentos, experiên- ria para provocar mudança
cias e vivências para sermos forças propulso- social, política e econômica.
ras da transformação que já está em curso. […] E um dos grandes proble-
mas da história é que os con-
Nós temos o privilégio de atuar diretamente ceitos de amor e poder são
no cerne da transição: a mudança de consci- normalmente contrastados
ência. A começar por nós, deixando de lado como opostos — pólos opos-
a competição e nos unindo em colaboração, tos — de modo que o amor é
numa vibração de abundância e amor. E a identificado como resignação
serviço do outro, termos consciência do con- de poder, e o poder, como ne-
texto de mundo em que estamos. gação do amor. Agora temos
que consertar isso.  O que
Estamos diante de um convite à integração precisamos perceber é que o
da força econômica às dimensões ecológi- poder sem amor é impruden-
ca (eu e a natureza), social (eu e o outro) e te e abusivo, e o amor sem
espiritual-cultural (eu atual e o eu do futuro poder é sentimental e anê-
que emerge, que representa o mais elevado mico. […] É exatamente esse
potencial de cada pessoa). conflito entre o poder imoral
e a moralidade sem poder
Um convite a ressignificarmos e integrarmos que constitui a maior crise de
duas forças primordiais que impulsionam nosso tempo.”
o mundo: amor e poder. Adam Kahane, em
seu livro “Poder&Amor  - Teoria e Prática da
Mudança Social”, traz um trecho do discurso É tempo de transformar as instituições, assim
“Where do we go from here” (Para onde va- como o coração de cada pessoa, para a cons-
mos a partir daqui — tradução livre) de Mar- trução de um mundo digno. E diz um provér-
tin Luther King Jr.: bio africano: “Sozinhos vamos mais rápido.
Juntos vamos mais longe.”

O que você escolhe?

2018 junho Ed. 61 39


Ana Paula Peron
Coach Executiva e Didata em Coaching pela ABRACEM.
Consultora e Mediadora de conflitos pela Presence
Desenvolvimento de Talentos.
Coaching Executivo Dedica-se a estudar e divulgar os estudos sobre
Coaching por meio da ABRACEM.
www.abracem.com.br
anapaula.peron@presencetalentos.com.br

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Dilemas e “saias justas”


de um Coach Executivo
“O papel de um agente de mudanças – como um
consultor ou coach - é acompanhar indivíduos em
suas jornadas individuais de descoberta”.
Kets De Vries

Enquanto coaches, somos desafiados a atender – Um presidente de uma empresa de médio porte,
ou a não atender –   algumas demandas que são que chamaremos de Sr. Moacir Ramos (54), soli-
verdadeiras “saias justas”. Apesar de complica- citou pessoalmente um processo de coaching
dos, são estes momentos também que destacam executivo para o qual pediu absoluto sigilo. Em
os profissionais realmente prontos e qualificados sua demanda, relatou que precisava de um profis-
para atuar como um coach executivo, uma vez que sional capaz de oferecer um feedback honesto - o
respostas e soluções rasas ou mágicas não per- que, enquanto presidente da empresa, acreditava
tencem a este universo. jamais ter recebido. Ainda lamentou: “As pessoas
me ’bajulam’, mentem para obter minha atenção.
O coaching executivo demanda do coach uma
Eu não tenho com quem contar, não posso per-
grande capacidade de ler e compreender o cená-
guntar ou pedir ajuda a ninguém, pois isto poderia
rio, o momento e a cultura, mantendo a mente
me enfraquecer diante das pessoas”. Um trabalho
aberta, além de ser capaz de lidar equanimemen-
sob medida para o coaching executivo!
te com figuras de poder e autoridade. Isso porque
é imprescindível, por vezes, confrontar e oferecer Um bom feedback deve ser capaz de nos fornecer
respeitosa e firmemente seu feedback honesto informações sobre a conexão entre o que pen-
a executivos que não estão habituados a serem samos, dizemos e fazemos, ou seja, entre nossas
confrontados. intenções e como são percebidas nossas ações.
Assim, coube ao tempo e às confrontações apre-

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sentadas no processo revelar se este era, de fato, Felizmente, o que se viu a seguir foi um exercício
o objetivo do nosso executivo ou, por outro lado, de espelhamento cuidadoso e competente, que re-
se seu relato era apenas uma questão retórica, um sultou em uma ampliação de olhar, assunção de res-
input inicial – o que também era possível para ele, ponsabilidades por parte do executivo e, por conse-
naquele momento. guinte, um estreitamento da relação de confiança
entre coach e coachee.
Há algumas hipóteses de trabalho a serem consi-
deradas dentro de qualquer processo de coaching Para lidar com pessoas ancoradas em poder e au-
executivo, sendo fundamental que o coach faça toridade, é preciso que o coach seja capaz de con-
uma cuidadosa investigação junto ao coachee a res- frontação acertada. Porém, este momento pode
peito de possíveis outras motivações que o levaram facilmente se transformar em uma “saia justa”, na
a buscar o processo, as quais podem, inicialmente, medida em que, caso não seja feito com qualidade e
escapar inclusive ao próprio coachee. Estaria Moacir precisão, pode colocar todo o processo e a relação
movido por um desejo de receber feedback hones- de confiança a perder, tornando inócua a própria
to ou suas impressões decorreriam de uma descon- abordagem do coaching executivo. O restante do
fiança generalizada em sua equipe? processo revelou um executivo encorajado a reco-
nhecer sua dificuldade em se aproximar das pes-
Já nos primeiros encontros, em face a uma con-
soas de forma autêntica, devido a uma insegurança
frontação respeitosa, o executivo apresentou como
sobre seu próprio desempenho na atuação com sua
reação um comportamento violento, autoritário e
equipe direta. Ele conseguiu reconhecer, a partir de
arrogante, desqualificando a intervenção do coach.
dados e fatos, que tinha como hábito ouvir os “ru-

2018 junho Ed. 61 41


mores subterrâneos” (fofocas) relatados por seus
diretos, o que fortalecia sua imagem sobre funcio-
nários não confiáveis. Em contrapartida, esta práti-
ca acabava dificultando manifestações autênticas
por parte das pessoas, o que apenas reforçava sua
crença inicial. Percebeu ainda que quando alguém
conseguia se aproximar e trazer um feedback real,
ainda que transmutado em brincadeiras e ironias,
ele respondia agressivamente, promovendo cada
vez mais distanciamento e desconfiança.

Por fim, o Sr. Moacir ousou experimentar com no-


vos comportamentos, melhorando sua comuni-
cação e deixando mais claras suas necessidades.
Também decidiu não dar atenção aos tais “rumo-
res subterrâneos”, suavizando aos poucos este elo
prejudicial que havia criado com sua equipe direta.
Enfim, com autoconsciência e dedicação, pôde des-
cobrir outras opções e transformar sua realidade.

“O que caracteriza saúde mental é a habili-


dade de fazer escolhas, de se evitar ficar ca-
tivo em um círculo repetitivo. Saúde mental
significa ajudar a pessoa a ter mais opções.”
(Kets de Vries)

Sra. Amália de Castro (36) é coordenadora de com-


pras em uma empresa familiar de porte médio.
Após anos na empresa, foi demandada pelo dire-
tor de compras para desenvolver sua maturidade e
profissionalismo, apresentando comportamentos
mais formais e processuais dentro da organização.
Sra. Amália, é importante que se saiba, é sobrinha
do dono da empresa, que conta com outros fami-
liares em cargos de gestão. Seu diretor, que não
faz parte da família, relata que Amália trata as
pessoas e os assuntos de trabalho com demasiada
informalidade. Mesmo ante temas importantes e

42 2018 junho Ed. 61


por vezes sigilosos, relatou que ela costuma abor-
dar colaboradores, outros gestores e até mesmo o
CEO no elevador ou pelos corredores, ignorando
procedimentos e caminhos formais das reuniões
de diretoria.
Além de mostrar talento na área de compras desde
muito cedo, Sra. Amália se preparou bem para ocu-
par o cargo atual, e aspira a crescer na empresa,
almejando a diretoria. Apresenta boa competência
técnica e bons resultados e, ao mesmo tempo que
se mostra bastante rígida com seus colaboradores
diretos, a eles também faz confidências, colocando
em risco sua própria imagem e gestão.

Seu comportamento informal, brincalhão e impul-


sivo estava ocasionando problemas de relaciona-
mento com os outros diretores. Apesar de ter re-
cebido feedback no sentido de que se utilize dos
caminhos formais, como todos os outros, ela ape-
nas o fazia por um curto período, logo retornando
ao comportamento anterior. Com o tempo, o CEO
– seu tio – começou a perceber que os outros di-
retores já a tratavam com alguma impaciência, te-
mendo pela permanência dela na empresa, razão
pela qual ele próprio demandou seu processo de
coaching – por meio do diretor.

Processos de coaching executivo em empresas


familiares demandam especial atenção à cultura
e às relações interpessoais, pois a sobreposição
entre a vida pessoal e profissional podem afetar
diretamente o processo e seus resultados. Não é
incomum em empresas familiares a presença de
alguns pontos delicados que podem dificultar ou
até mesmo impedir o crescimento corporativo e
profissional. Alguns pontos de atenção são: cen-
tralização e autoritarismo do fundador e líder, que
podem ser agravados por atitudes paternalistas

2018 junho Ed. 61 43


e/ou manipuladoras; dificuldades para distinguir O processo caminhava bem, com indicadores de re-
entre emoções e razão; laços afetivos que influen- sultado surgindo de maneira satisfatória. Perto do
ciam diretamente os comportamentos, conflitos final do processo, Amália chega para os encontros
desmotivada, insatisfeita e decepcionada. Segun-
pessoais que extrapolam o âmbito profissional e
do relatou, havia ouvido pelos corredores que os
relacionamentos e decisões da empresa; e espe- diretores e o CEO estavam satirizando seus novos
cialmente a mistura entre empresa e vida familiar. comportamentos, sugerindo, com ironia, que ela
voltasse a ser como era antes, dizendo que havia
“Convém levar em consideração a existência dos se tornado muito chata e exigente.  
stakeholders (e suas eventuais demandas e expectati- Estes comentários minaram seu entusiasmo. Era
vas), dos fatores contextuais (cultura da organização, como se todo seu esforço fosse desprezado. Sua
pressão grupal, etc.) que poderão, direta ou indireta- necessidade de validação por parte daqueles que
mente, interferir no processo, na natureza dos rela- lhe tinham demandado mais maturidade estava à
flor da pele.
cionamentos e na alquimia inerente aos processos.”
Rosa Krausz
Um dilema para um coach é a tentação de salvar
seu coachee do que parece ser uma injustiça. Estes
Inicialmente, Sra. Amália mostrou-se reativa ao momentos convidam à ampliação da visão do pró-
processo de coaching, pois o entendia como um prio coach, o qual não pode estar refém de uma
castigo ou uma punição por parte do diretor. Ao visão medíocre e limitada sobre o entorno do seu
conhecer melhor do que se tratava o trabalho, coachee. Toda história pode ser contada por dife-
concordou em passar por ele, mas ainda com certa rentes narrativas que interessam aos diferentes
reserva. Logo nos primeiros encontros, começou a pontos de vista. E como dizem: “Todo ponto de vis-
se entusiasmar pelo processo, na medida em que ta é a vista de um ponto”. Como apoiar seu coachee
se sentiu acolhida e validada – o que foi fundamen- a ser protagonista, inclusive e especialmente em
tal para seu comprometimento total. Com o tem- momentos nos quais ele se percebe injustiçado? O
po, compreendeu que a mudança proposta era ne- que este espaço para aprendizagem traz de positi-
cessária para seu futuro e poderia ser conquistada vo para o processo de coaching executivo?
paulatinamente.
Trabalhado no processo de coaching com este novo
Um dos pesadelos que muitos coachees apresen- dado e abordagem, Amália elaborou uma estraté-
tam acerca do processo de coaching é o de que gia de relacionamento com estas pessoas a partir
precisarão mudar tudo em pouco tempo, quando, da maturidade que já havia alcançado, posicionan-
na verdade, uma pequena mudança de hábitos do-se e espelhando a incoerência destas ironias.
pode gerar grandes resultados. Às vezes, tudo o
que precisamos é de um pequeno passo. No fechamento do seu processo, Amália pôde dar
um feedback maduro e autêntico ao próprio dire-
tor demandante sobre como gostaria de ser tra-
Amália caminhou com excelentes resultados práti-
tada a partir deste momento e pedindo seu apoio
cos. Sua visão sobre seu comportamento anterior
com feedbacks mais frequentes.
ficou mais crítica. Dedicou-se a aprender novos
hábitos, a ler e a pesquisar, identificando pontos
a melhorar e modelos que a inspirassem. Adquiriu
uma consciência mais crítica com relação à postura “Nossa capacidade de ver e nossa tendência a ne-
e imagem. Arriscou-se em novos comportamentos, gar o que vemos é natural, pois é demasiado do-
experimentando e buscando a validação especial- lorosa e por demais ameaçadora à realidade.”
mente dos seus colaboradores. (Naisbitt, 1984, apud Krausz, 2017)

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Por vezes, o coach é chamado a apoiar um execu-
tivo na transformação de determinado comporta-
mento, e acaba percebendo que esta conduta pro-
blemática espelha justamente um padrão presen-
te na organização de modo geral. Trata-se de ver-
dadeira “saia justa”, já que a organização fomenta
exatamente o contrário do que está demandando
do coachee. Assim, a pergunta crucial já na contra-
tação do processo de coaching executivo é: como
esta organização favorece que este profissional
mantenha este comportamento? Qual o papel do
demandante no apoio a esta transformação que
deseja ver no executivo? Como este apoiador vai
fortalecer a execução desta transformação?

Constatar que a mesma cultura organizacional que


deseja a transformação do comportamento do
executivo, em verdade, está fomentando esta con-
duta que de alguma forma já é, por si só, um enor-
me ganho para o executivo, o qual passa a poder
fazer suas escolhas baseado em uma consciência
ampliada de si mesmo e do seu entorno. Inclusive,
pode decidir sair deste ambiente se este lhe for tó-
xico. Por isso, lidar com as “saias justas” e dilemas
demanda do coach maturidade, preparo e cora-
gem. Não é possível realizar um bom trabalho de
coaching executivo sem enfrentar com cautela si-
tuações como estas, utilizando-se de todo tipo de
apoio a si próprio enquanto coach, seja em forma
de supervisão, seja em autoconhecimento, enfren-
tando seus medos e limitações, transformando-as
em oportunidades de aprendizado a cada novo
processo, a cada dia.

Referências Bibliográficas:
KRAUSZ, R. Reflexões sobre coaching executivo e empresa-
rial. São Paulo: Scortecci, 2017.

KETS DE VRIES, M. F. R. Reflexões sobre o caráter da lideran-


ça. Porto Alegre: Bookman, 2010.

2018 junho Ed. 61 45


Vanessa Fernandes Coan
Para Refletir Master Coach e Psicóloga
Organizacional
coachvanessacoan@gmail.com

Leia em 6 min

Por que nos


machucamos tanto?
Parte 2

Lembra que falei no artigo anterior sobre expectativas


demais? Então, vamos conversar um pouco sobre isso hoje
e pensar sobre a resiliência.

Começo com um caso simples e corriqueiro. A mulher chega


em casa, o marido está assistindo a um jogo de futebol e
nem a vê. Isso pode ser um motivo para discussão eterna.
A discussão leva à dor, a permanência na mesma rotina de
sentimentos leva ao sofrimento. Então, você pode mudar
o modelo de mundo e entender que o cérebro masculino
é especializado, compartimentado, configurado para se
concentrar em uma atividade específica. Por isso, a maioria
dos homens geralmente diz que só pode fazer uma coisa de
cada vez.

Isso é científico. Um estudo feito pela professora Alice


Roberts e o médico científico Michael Monsley, com 900
homens e mulheres de 22 anos, apontou que o cérebro
da mulher tem mais conexões e que essas ligações entre
os neurônios são mais fortes, o que lhes possibilita lidar
com mais tarefas ao mesmo tempo. Então, se seu marido
não percebeu que você chegou em casa, dê um sinal, fale
alguma coisa, e ele saberá que você está ali. Ou seja, você
muda o seu modelo de mundo, depois faz alguma coisa
para mudar a condição de vida que você experimenta.

A conclusão a que podemos chegar é a de que toda


dificuldade humana ocorre quando o modelo de mundo
de uma pessoa é diferente da condição de vida que ela
experimenta. Você sofre porque tem expectativas elevadas
sobre o modo como o mundo deveria funcionar. Você não
é resiliente.

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Mas o que é resiliência? Segundo Barbara a outra pergunta: Eu quero estar certo ou quero
Fredrickson, essa técnica vem da Física, a partir ser feliz? Se você não entende porque está em um
da observação de determinados elementos e relacionamento, lembre-se, você quer ser feliz, se
da identificação de alguns materiais que são não está feliz, tente buscar, primeiro, os motivos
extremamente resilientes, ou seja, capazes de internos que o levaram a esse relacionamento,
sofrer pressões do ambiente externo e voltarem porque insiste nele e porque está lhe causando
ao seu estágio original. Uma esponja, por exemplo, sofrimento.
é extremamente resiliente, você pode pegá-la,
apertá-la, amassá-la bem, mas quando deixar de
exercer pressão sobre ela, essa esponja voltará ao – DIANTE DE UM DETERMINADO EVENTO, QUAL
seu estado original. OPORTUNIDADE VOCÊ TERÁ SE SUPERAR A
ADVERSIDADE GERADA E QUE É CONTRÁRIA A
Um ferro, por sua vez, é menos resiliente do que a VOCÊ?
esponja. Se você o aquecer, ele sofrerá a pressão
do ambiente externo e será modificado até que Lembre-se, todo evento traz oportunidades de
não consiga mais retornar à sua forma anterior. crescimento, de aprendizado, de possibilidades
desafiadoras...
Nós, seres humanos, funcionamos do mesmo
jeito. Uma pessoa resiliente, diante da pressão
de fatores externos desagradáveis, desenvolve – VOCÊ PRECISA SER CAPAZ DE SABER O QUE VAI
habilidades para superar essas adversidades, não INFLUENCIAR POSITIVAMENTE O EVENTO?
se deixando afetar de forma negativa, no presente
E influenciar, como já disse, pode ser de duas
ou no futuro.
maneiras, ou muda o modelo de mundo ou
Para você ser resiliente, só precisa ter três coisas, muda a condição de vida, o ambiente externo.
segundo Bárbara, ou seja, independentemente Principalmente, não esqueça da sua capacidade
do que acontecer com você, para superar essa de influenciar, através da mudança sobre o que
adversidade, é necessário entender: você pensa sobre aquele evento. Você é a única
pessoa que está com o controle da sua felicidade
e ninguém mais.
– POR QUE É IMPORTANTE SUPERAR ESSA
ADVERSIDADE?

Eu explico: você pode dedicar anos à terapia, Pessoas altamente resilientes pensam nessas
trabalhando um mesmo problema, uma situação três coisas quando eventos negativos acontecem:
negativa que lhe causa sofrimento e sobre a qual primeiro, porque o evento tem importância para
você não tem controle. E depois de muito tempo, mim? Segundo, qual é a oportunidade que esse
percebe que não conseguiu resolver o problema. evento me dá para melhorar meu Eu interior?
Isso acontece porque você tratou o problema e não Terceiro, você pode mudar sua percepção sobre as
o seu Eu e a importância em sua vida de superar coisas, influenciar o que acontece ao seu redor e
essa adversidade. assumir o controle?

E se você não entende a importância de cada No próximo artigo, abordaremos a teoria do


categoria da sua vida, lembre-se, qual a melhor Otimismo, de Martin Seligman, que fala sobre
decisão que pode ser tomada diariamente? Eu como lidar com os problemas e como trabalhar as
pergunto: qual o maior propósito da sua vida diária? pessoas para que elas possam ser mais otimistas
É SER FELIZ. Então, sempre, na dúvida, responda no seu dia a dia. Aguardem!!!

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Káritas Ribas
Multívaga, Pesquisadora em Complexidade,
Eu, cada vez melhor Mestre em Biologia-Cultural, Filósofa,
Psicanalista e Coach com Formação Ontológica;
Consultora Especialista no trabalho com grupos.
Professional Certified Coach (PCC) pela ICF.
contato@appana.com.br

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Soft Skills:
competências
relacionais e
pensamento
complexo

Nos momentos de crise, como a que temos vivido, as empresas têm sido demandadas para fazerem
mais com menos. Principalmente menos gente, cujo custo é um dos mais impactantes nos resultados
financeiros das organizações.

O que orbita no universo “pessoas” em uma organização não é somente o valor da folha de pagamento
e seus encargos. O custo da gestão e do desenvolvimento das pessoas em sua dimensão mais ampla tem
uma complexidade tamanha que não se pode restringir aos custos de folha de pagamento e encargos.

Para cumprir as exigências de eficácia e eficiência das corporações, é necessário que as pessoas estejam
capacitadas não apenas tecnicamente, com o que se chama no campo organizacional - que tem sua
linguagem própria - de hard skills. É desejável, e de muito valor, que as pessoas tenham habilidades
comportamentais e relacionais, que são chamadas de soft skills.

As hard skills fazem com que um engenheiro, por exemplo, faça um bom projeto, um cálculo preciso;
que um contador faça lançamentos que atendam aos diversos regulamentos e planilhas compreensíveis
para quem faz uso delas. Essas competências têm sido, aos poucos e em grande parte, substituídas por
máquinas e pela inteligência artificial.

Diferentemente disso, as “competências suaves”, ou soft skills, são aquelas que nos “fazem gente”, e que
até bem pouco tempo, nenhum tipo de formação universitária se dava conta de sua importância. Cabia a
cada um cuidar de seu próprio trajeto e desenvolvimento, se e quando quisesse.

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Fazem parte das soft skills, por exemplo, as A necessidade de recuarmos um pouco para
habilidades relacionais, dialógicas e políticas, termos uma visão mais panorâmica das situações,
que podem promover um campo de aprendizado o tempo para a reflexão e a experimentação
para que uma pessoa se torne hábil nas relações, têm ficado soterrados por camadas de pressão,
que flua nos espaços relacionais com elegância, exigência e estresse, que turvam a visão e a
construindo, articulando e sustentando redes capacidade de observar e pensar. Além disso, a
de contato (network). Percebemos que a falta falta de “lentes” apropriadas que estimulem o
de habilidade no manejo das relações desvirtua pensamento complexo compromete a capacidade
completamente a boa política, transformando-a de se identificar situações em que ele pode ser a
em politicagem, política mal-intencionada, que visa chave para a questão que se apresenta.
o interesse pessoal e a troca de favores, ao invés
de tecer relações genuínas e saudáveis. Grande A inteligência emocional é outra valorizada soft skill
parte do estresse relatado por executivos advém que capacita as pessoas a lidarem com as pressões
da dificuldade de lidar com a forma como a política dos meios organizacionais sem se esgarçarem.
tem sido feita nas organizações. Não raro, os profissionais com alta inteligência
emocional são vistos como mais resilientes e
Não aprendemos como fazer amigos, eles aqueles que navegam melhor em ambientes de
simplesmente vão acontecendo no decorrer de muita pressão e hostilidade. São, sem dúvida,
nossa vida, e, na maior parte das vezes, lidamos competências básicas para bons líderes.
com nossas redes de contato com displicência e
desinteresse, só nos dando conta da importância As soft skills não são facilmente identificáveis de
do fortalecimento de relações de confiança quando forma prévia, e, por isso, normalmente não são o
já não há tempo de construí-las. O fortalecimento motivo pelo qual uma pessoa é contratada, porém
das relações, e a habilidade para fazê-lo, não se dá certamente estão entre os critérios mais comuns
do dia para a noite e muito menos apenas quando em uma demissão. Saber trabalhar em equipe,
elas são necessárias. ser criativo e aberto à diversidade, construir com
diferentes e diferenças, ter flexibilidade, gerir
A visão sistêmica do negócio ou pensamento bem o estresse, lidar bem com a emocionalidade,
complexo é uma “competência suave” (adoro ter uma atitude apreciativa da vida e do trabalho,
esse termo!), cujo aprendizado contínuo por exemplo, fazem uma enorme diferença no dia
precisa ser incentivado, visto que está muitas a dia e nos ambientes de trabalho, afinal, o clima
vezes na contramão da visão unidirecional e organizacional se faz no caldo de interações entre
linear que aprendemos na escola, em nosso as competências suaves.
sistema educacional fabril, que formata mentes
e pensamentos para ver o mundo como um O que chamamos de maturidade profissional
processo ininterrupto de causas e consequências está muito mais ligada às soft skills do que
cognoscíveis. O resultado disso são pessoas qualquer capacidade técnica específica e basta
pouco criativas, com uma necessidade imensa nos lembrarmos da maior parte das pessoas
de controle, que imaginam que regras, ordens e que admiramos profissionalmente, que
medições serão capazes de ordenar o caos da vida. invariavelmente encontraremos profissionais com
abundância delas. Bons técnicos são necessários,
Essa hiperlinearização faz com que exijamos do bons articuladores de saberes e relações são
mundo, dos outros e de nós mesmos respostas imprescindíveis.
rápidas, concretas e infalíveis, trazendo um
gosto amargo na boca, um misto de frustração Felizmente, pessoas e empresas estão se dando
com impotência, quando essas respostas não se conta da necessidade de um olhar mais amplo
apresentam. sobre a questão e, apesar de difícil mensuração
objetiva, os ganhos para quem se dispõe à sua
aprendizagem e exercício são inegáveis.

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FONTE CONFIÁVEL
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