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Para pensar a permanência estudantil na universidade: os marcadores

sociais da diferença

Prof. Dr. Luiz Henrique Passador


Universidade Federal de São Paulo - Campus Baixada Santista
Conferência de abertura do curso “Permanência Estudantil no Ensino Superior e os Marcadores Sociais da Diferença”
Proferida no Seminário: 130 anos de abolição. A Educação é a Nossa Abolição
29.06.2018 - UNIFESP

Falar sobre os marcadores sociais da diferença num seminário que se propõe a pensar a
educação como abolição após os 130 anos da Lei Áurea nos obriga a pensarmos que diferenças hoje
marcamos socialmente para darmos conta de tornar inteligível a estrutura social, política e
econômica que este país produziu em sua história. Estrutura essa que se erigiu a partir exatamente
da produção de diferenças e desigualdades que, em larga medida, persistiram ao longo de nossa
história desde o nosso período colonial até hoje.

De fins do século XIX até meados do século XX a produção de intelectuais que construíram
um pensamento social brasileiro se debruçou sobre o trabalho de elaborar interpretações que
dessem conta de explicar a formação do Brasil e resultassem em modelos interpretativos da nação.
Não por coincidência. Desde a independência do país, passando pela abolição do trabalho escravo e
instauração de um regime republicano no século XIX, a ex-colônia precisou se pensar como Estado-
nação independente e viável. E precisou pensar a possibilidade de construir uma unidade nacional a
partir de um contingente populacional diversificado e desigual que deveria idealmente se
amalgamar e formar uma identidade homogênea. Um universo social diverso e desigual desde o
início da colonização e que assim permaneceu em função do processo colonial que engendrou
estruturas sociais que não foram plenamente desmontadas após a independência e a república.
Não devemos nos esquecer que a independência do país foi realizada pelas elites coloniais, o
mesmo ocorrendo com a república. A independência não aboliu o trabalho escravo, espinha dorsal
do sistema colonial, que persistiu até as vésperas da instauração da república, promovida pela
mesma elite branca de origem europeia, que continuou a se reproduzir no poder desde então. Fato
é que nunca desenvolvemos um sério e efetivo processo de descolonização no Brasil e nosso
contexto pós-independência pouco se caracteriza como de fato pós-colonial. Assistimos muito mais
uma persistência tardia das estruturas formadas nos primeiros séculos de nossa história. Construir,
nesses termos, uma nação e um Estado-nação moderno, fundado nas premissas do Estado de
Direito, foi e continua a ser uma difícil tarefa que todas as ex-colônias tiveram de enfrentar e ainda
enfrentam no mundo contemporâneo. Esses dilemas e contradições se expressam no pensamento
social produzido por intelectuais que se deram ao trabalho de pensar a nação nesses contextos e
isso não foi diferente no Brasil. Portanto, olhar para essa produção nos permite mapear e
compreender como foi se elaborando na história maneiras de se pensar e se legitimar a construção
da nação, seus termos e seus conflitos que produziram os diversos segmentos sociais no contexto
nacional brasileiro.

A grande questão que desafiou a chamada “geração pessimista” de intelectuais de finais do


século XIX foi justamente pensar a construção de uma nação e de um Estado independente que se
formaram a partir das relações de diferenciação produzidas por um sistema colonial baseado na
violência de Estado e na divisão racial e sexual do trabalho. A racialização do trabalho e dos estratos
sociais formados a partir dela no Brasil desembocou num tipo de sociedade que foi objeto de
análise de autores como Nina Rodrigues, Sílvio Romero, Francisco Varnhagen e tantos outros
intelectuais que tentarem analisar e desvendar as consequências dessas divisões raciais e suas
interações – problematizadas sob a égide da miscigenação – nos termos das teorias racialistas que
dominavam o pensamento científico e social do período. Foi pensando a nação em termos raciais e
a miscigenação racial como fundamento da produção de uma população que deveria ser governada
pelo Estado, que esses pensadores buscavam explicar as diferenças que se estabeleceram
socialmente no país. A abolição e a república trouxeram novos problemas para se pensar a
constituição da sociedade civil e do Estado-nação, porém isso se deu ainda sob a ótica das
teorizações racialistas que perduraram como matriz do pensamento nacional até a década de 1930,
o que pode ser percebido nas obras de autores como Euclydes da Cunha, Roquette-Pinto, Renato
Kehl e Oliveira Vianna entre outros.

A viragem culturalista e sociológica da década de 1930, representada nas obras de Gilberto


Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Arthur Ramos, entre outros, e que se estendeu até a obra de
Darcy Ribeiro na segunda metade do século XX, procurou superar as teorias racialistas a partir das
noções de cultura e sociedade como premissas para continuar as análises que partiam das
diferenças e de suas articulações para se pensar modelos explicativos que dessem conta de
interpretar o país e sua unidade. Embora as noções de cultura e sociedade tivessem se sobreposto
à noção de raça como princípio explicativo das diferenças e de suas miscigenações, a nação
continuou a ser pensada a partir de alteridades razoavelmente irredutíveis que se articulavam
hierarquicamente, traduzindo diferenças em desigualdades e estabelecendo sistemas culturais
e/ou sociais que derivavam dessas diferenças e suas relações estruturais.

A partir das três últimas décadas do século XX assistimos na produção intelectual brasileira a
um movimento de abandono das grandes explicações que procuravam elaborar modelos gerais que
respondessem que país é este – uma exceção notável foi o empenho de Roberto Da Matta em
continuar se debruçando sobre essa questão. Esse refluxo do pensamento social brasileiro
aparentemente foi resultado dos problemas gerados pelos grandes modelos explicativos da nação,
dentre eles os usos ideológicos que se fez do chamado “mito das três raças” como fundamento de
uma brasilidade que deu margem a elaborações que sustentavam a existência de uma cordialidade
atávica e de uma democracia racial ontológica como traços que tornariam nossa nação única e
distinguível entre as demais. Opunha-se a essa perspectiva de cunho mais culturalista um
pensamento crítico que começou a tomar corpo na segunda metade do século XX e que procurou
pensar a sociedade brasileira a partir das divisões de classe, o que permitiu as primeiras
elaborações teórico-metodológicas que perceberam a íntima associação entre classe e raça no
contexto brasileiro. Foram nessa direção autores como Florestan Fernandes e outros vinculados à
chamada escola sociológica paulista.

Os movimentos sociais de fins do século XX impuseram importantes críticas no sentido de se


reconhecer identidades e desigualdades de segmentos sociais que não se subsumiam às supostas
unidades nacional, cultural e política, impondo o reconhecimento de uma sociedade civil bastante
diversa, multicultural e atravessada por profundas tensões e desigualdades, que vinha
historicamente sendo invisibilizada pelo discurso fundado nos antigos modelos explicativos da
nação que se fundavam na ideia de uma convivência pacífica e não problemática entre as
diferenças. Esse movimento histórico resultou na Constituição de 1988, que ficou conhecida como
a “Constituição cidadã”, por incorporar o reconhecimento da diversidade cultural e identitária, das
desigualdades sociais e da necessidade de se garantir mecanismos de inclusão social e construção
da equidade de direitos para os segmentos historicamente excluídos e subalternizados no país. Não
sem dificuldades e resistências, e com influência do cenário internacional e movimentos sociais
globalizados – particularmente aqueles surgidos da luta por direitos civis de minorias na década de
1960 –, assistimos desde então a um fortalecimento das políticas identitárias e de defesa dos
direitos humanos, civis, políticos e sociais no país. A política da diferença tornou-se um importante
campo de ação e de construção da cidadania – a nível interno e global – em termos bastante
distintos daqueles que se assistiu nos séculos anteriores no país, tanto em função da atuação dos
movimentos sociais, quanto em função de políticas afirmativas governamentais voltadas para a
valorização e reconhecimento das diferenças e promoção da equidade.

É neste novo cenário que o debate em torno dos marcadores sociais da diferença se tornou
um dos pilares da nova política da diferença. Raça/cor, etnia, gênero, sexualidade e classe passaram
a ser categorias analíticas utilizadas para se compreender como as diferenças são dinamicamente
produzidas pela constante articulação e intersecção desses marcadores nos processos pragmáticos
que engendram socialidades em contextos plurais e complexos, tanto no Brasil quanto em outros
contextos nacionais. Essa abordagem construcionista e pós-estruturalista tem permitido superar
um dos principais problemas presentes nas perspectivas teórico-metodológicas que a antecederam,
qual seja, a noção de diferença como alteridade essencial e irredutível. Ao meu ver, é justamente a
crítica ao essencialismo que se constitui a principal contribuição dessa perspectiva ao debate
contemporâneo e à compreensão da diferença como resultante de processos históricos específicos
desenvolvidos em contextos particulares.

Ao invés de pensarmos negros, indígenas, mulheres, homo e transexuais, proletários, etc,


como categorias universais, essenciais e transcendentes, devemos pensa-las como categorias
construídas em cada contexto em função de suas experiências históricas particulares. Só assim é
possível, por exemplo, entender como as experiências de africanos na diáspora para as Américas e
no continente africano se diferenciam em função dos diferentes sistemas coloniais que os
classificaram e subordinaram historicamente nesses diferentes contextos. O mesmo se dá em
relação às relações e convenções de gênero que se desenvolveram nas colônias e nas metrópoles,
ou no centro e na periferia do sistema mundo contemporâneo. Ou ainda nas experiências
contemporâneas das populações LGBTQI no chamado Ocidente e nos contextos de maioria
muçulmana, por exemplo. Também deve-se reconhecer as diferentes políticas desenvolvidas para
as populações classificadas como indígenas nas Américas e no continente africano e mesmo em
diferentes ex-colônias das Américas e da África, que desencadearam experiências e engendraram
identidades múltiplas. No contexto brasileiro contemporâneo, é fundamental reconhecermos as
diferentes condições e dificuldades que os povos indígenas enfrentam nas periferias dos centros
urbanos, ou nas áreas de expansão do agronegócio As maneiras como todos esses segmentos
construídos como os “outros” em cada um desses contextos e em cada momento histórico definem
as maneiras como hoje eles vivem, se reconhecem e são reconhecidos, produzindo diferenças e
identidades específicas que assumem sentidos próprios e impõem experiências distintas.

É, portanto, crucial pensarmos como nós produzimos historicamente os nossos “outros”


internos para podermos compreender que diferenças são essas que existem nos diversos contextos
que formam o que reconhecemos hoje como Brasil, que melhor seria caracterizado no plural.
Temos diversos brasis historicamente formados em diversas regiões por processos particulares a
cada uma delas, em contextos urbanos e rurais, no litoral e no interior do país, que foram e são
povoados com diversos segmentos em processos de disputas distintas.

Por outro lado, temos que reconhecer que o racismo, o sexismo, a homofobia, o
etnocentrismo, o classismo e outros sistemas de classificação, dominação e produção de
desigualdades, que desde o início de nossa história estiveram presentes nas relações e instituições
que nos fundaram como país, fundam e atravessam nosso senso comum e nossas estruturas de
poder, incluindo o Estado, expressando-se de formas diversas, mas produzindo efeitos
semelhantes. Preconceitos e discriminações de diversas ordens produziram historicamente
violência, exclusão e apartação social de categorias marcadas pela diferença e pela desigualdade,
tornando-se estruturais e se reproduzindo socialmente. A persistência dessas desigualdades
históricas e a rotinização das experiências que elas replicam têm um importante efeito, que é o de
naturalização dessas diferenças e desigualdades. Por isso nem sempre percebemos quando e de
que maneira somos racistas, sexistas, etc.
Avtar Brah1 aponta que as diferenças se constituem como processos de diferenciação que
são contextuais, produzindo diferenças que se realizam como experiência, como relação social,
como subjetividade e como identidade. Ou seja, as diferenças não são dados essenciais de sujeitos
e coletividades, mas são experimentadas por eles como reais nos contextos em que são formuladas
e fazem sentido, produzindo os sujeitos, suas consciências de si e de mundo e suas maneiras de
atuarem nele. É assim que nos reconhecemos através das categorias que nos classificam,
reconhecemos os outros através das categorias que os instituem para mim e para si, agimos e nos
relacionamos através delas e as perpetuamos como realidade vivida individual e coletivamente
num dado contexto. Num contexto estruturado a partir de diferenças que se traduzem como
desigualdades, nos relacionamos com elas através dessa chave, perpetuando as desigualdades e os
tratos em relação a elas, produzindo e reproduzindo os sujeitos inscritos nas relações estruturadas
de dominação, discriminação, exclusão e violência. Tudo isso sem que necessariamente tenhamos
uma perspectiva crítica que problematize e desnaturalize essa estrutura, seus processos de
diferenciação e suas desigualdades.

Essas diferenças são normatizadas e rotinizadas em diversas instâncias que constituem


sujeitos e contextos, tais como a língua, a estética e a arte, a etiqueta, a moral, a divisão do
trabalho, a mitologia e a religião, o consumo, a produção e especialização dos espaços, os usos do
corpo e as intervenções sobre ele, a produção dos saberes e suas formas e métodos de
transmissão. E assim chegamos à educação como instância social que desenvolve processos de
diferenciação no sentido que estamos adotando aqui.

Em outro texto produzido para um curso de especialização em Gênero e Diversidade na


Escola, debati como a escola é um locus privilegiado tanto para compreendermos a produção e
reprodução de diferenças e desigualdades em nossa sociedade, como para atuarmos no sentido de
desencadearmos processos de transformação de relações, saberes e subjetividades que resultem
em novas formas de experiência e convivência com a diversidade. Escola, num sentido amplo, inclui
também a universidade como espaço de produção, reprodução e transformação social. É por isso
que assistimos a partir de meados da década passada à implantação de políticas afirmativas nas

1BRAH, Avtar. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, Campinas, n. 26, p. 329-376, jan./jun.
2006.
universidades públicas que atuam em favor do reconhecimento e valorização das diferenças,
produzindo mecanismos de acesso e permanência de segmentos historicamente excluídos dos
espaços universitários. Essas políticas transformaram gradualmente os espaços das universidades,
abrindo possibilidades para uma inusitada diversificação do corpo discente e docente que
impactaram e continuam a impactar os processos de ensino, pesquisa e extensão. Falo isso como
alguém que pôde assistir esse processo de transformação desde quando fui aluno de graduação
numa universidade estadual paulista na década de 1980, depois pós-graduando nas décadas de
1990 e 2000 na mesma universidade e atualmente docente numa universidade federal. Aqueles
que antes eram os objetos do saber produzido em universidades de viés elitista hoje são os sujeitos
desse saber num contexto em lenta, porém franca transformação.

Esse processo impôs a nós, que estamos inseridos nas universidades, desafios e tensões que
são novidades e que ainda estão demandando transformações que garantam a manutenção e
expansão dessas mudanças. Se hoje as universidades estão sendo pautadas pela diversificação –
que espero seja um processo sem volta, mesmo em tempos de retrocessos e ameaças às conquistas
históricas – torna-se necessária e premente a reflexão e ação para a compreensão e efetiva
inclusão das diferenças para superação das desigualdades. Tal inclusão só se dará se
descolonizarmos nossas escolas, nossas universidades e os corpos, saberes e sujeitos que nelas são
produzidos e reproduzidos. É assim que entendo ser possível pensarmos a educação como abolição,
que é a proposta do presente seminário. Temos, portanto, um importante momento para
escrevermos uma nova história em nosso país que aponte para a formação de uma sociedade mais
justa.

Atentarmos para como são agenciados os marcadores sociais da diferença em nosso


contexto e como garantir que não se tornem barreiras sociais ao acesso e permanência estudantil
nas universidades é fundamental para esse necessário processo de transformação que está ao
nosso alcance. Uma questão central é percebermos que as diferenças codificadas e categorizadas
em nosso sistema de classificação social não são experimentadas em suas singularidades, mas num
dinâmico processo de intersecção e articulação de diferenças que produzem outras diferenças.
Raça, etnia, gênero, sexualidade, geração e classe são marcadores que se entrelaçam nas
experiências dos sujeitos concretos, elaborando diferenças e desigualdades sociais que resultam
dessas intersecções. Parece claro que mulheres brancas não têm as mesmas experiências sociais
que mulheres negras, pois se ambas compartilham potenciais violências de gênero produzidas pelo
machismo, elas terão experiências distintas em função de sua branquitude e negritude num
contexto racista que subalterniza afrodescendentes. Indígenas e quilombolas, ainda que
experimentem a situação de serem categorizados como populações tradicionais, experimentam
também a diferença em relação à maneira como categorizamos seus marcadores étnico-raciais. São
essas intersecções que produzem experiências sociais tais como o alto e desproporcional índice de
homicídios cometidos contra homens jovens negros e pobres quando comparados com os índices
referentes a homens jovens brancos, e também as experiências específicas de adoecimento mental
entre estudantes afrodescendentes em nossas universidades, marcados por serem jovens
estudantes, mas também por serem negras e negros. O mesmo se aplica aos altos índices de
homicídios cometidos contra pessoas trans no país, estatisticamente desproporcionais em relação à
média da população e mesmo em relação aos crimes transfóbicos de outros países.

Tudo isso nos leva de volta ao ponto inicial da discussão aqui desenvolvida. Todas essas
formas de produzir, categorizar, marcar e combinar diferenças são resultantes dos processos
históricos que formaram nosso país, sua diversidade interna e suas desigualdades estruturais. É a
história da construção da nação e do Estado-nação, com suas raízes coloniais e persistência de uma
estrutura que nunca foi efetivamente desconstruída, mas sim habilmente reposta por nossas elites
na forma de um reiterado colonialismo interno, que sedimentou diferenças e desigualdades,
produzindo segmentos sociais marcados por elas. Reverter esse processo histórico para que
possamos inaugurar uma nova matriz de relações fundada no respeito à diferença e aos direitos
humanos depende de enfrentamentos articulados entre a sociedade civil organizada e o Estado,
instaurando políticas públicas que permitam essa transformação. A nós, no contexto de uma
universidade pública, cabe assumir o compromisso de uma transformação que pode e deve ocorrer
nos espaços que ocupamos através de políticas articuladas que promovam a inclusão, a equidade e
a descolonização que nossa primeira abolição falhou enormemente em promover.

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