RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 16.910 - MT (2003/0153281-8)
RELATORA : MINISTRA DENISE ARRUDA
RECORRENTE : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF ADVOGADO : JUEL PRUDÊNCIO BORGES E OUTROS T. ORIGEM : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MATO GROSSO IMPETRADO : JUÍZO DE DIREITO DE BARRA DO BUGRES - MT RECORRIDO : MUNICÍPIO DE DENISE ADVOGADO : FERNANDA BAPTISTA JARROS E OUTRO RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA (Relatora):
Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto pela
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, no qual não se conheceu do mandamus impetrado sob o fundamento de que, ainda que ocorra interesse da Caixa Econômica Federal no feito, é permitido à Justiça Estadual processar e julgar ações em que há interesse da União, suas autarquias e empresas públicas, quando não houver Vara da Justiça Federal no local onde se processa a demanda, nos termos do art. 109, § 3º, da Constituição Federal. O acórdão recorrido restou assim ementado: “MANDADO DE SEGURANÇA – LIMINAR CONCEDIDA EM AÇÃO CAUTELAR – INTERESSE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – NÃO CONHECIDO. Lei federal atribui competência à Justiça Comum Estadual para processar e julgar causas que menciona em que há interesse da união, suas autarquias, empresas públicas e fundações, nas comarcas onde não for sede de Vara da Justiça Federal.” (fl. 81)
Em suas razões recursais, a recorrente alega, em síntese, que o art. 109,
§ 3º, da Constituição Federal, apenas estende a competência da Justiça Federal para o foro estadual nas causas em que se esteja discutindo matéria previdenciária, “tais como benefícios e seguros, onde figure de um lado a previdência social e de outro o segurado, nos casos onde a Comarca não for sede de Vara do Juízo Federal ” (fl. 95). Argumenta, outrossim, que há também a hipótese prevista naquele dispositivo constitucional no sentido de que lei pode permitir que outras causas sejam processadas e julgadas pelo Juiz Estadual na competência de Juiz Federal, no entanto, não existe nenhuma norma nesse sentido. Pleiteia, ao final, seja reformado o acórdão recorrido, determinando-se a anulação da decisão liminar proferida pelo Juiz da Comarca de Barra do Bugres, "por ser absolutamente incompetente para decidir feitos em que tenha interesse a impetrante quando atua por convênio com verbas da União Federal, também interessada " (fl. 96). O Município de Denise apresentou suas contra-razões às fls. 107/111, requerendo, em suma, o desprovimento do recurso. Admitido o recurso na origem, subiram os autos a esta Corte de Justiça, sendo, de pronto, encaminhados ao Ministério Público Federal. Este, por sua vez, às fls.
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Superior Tribunal de Justiça 132/135, opinou pelo provimento do recurso, com a devida anulação da decisão proferida pelo Juízo da Comarca de Barra do Bugres, sob o fundamento de que esse é absolutamente incompetente para julgar o feito. É o relatório.
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Superior Tribunal de Justiça RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 16.910 - MT (2003/0153281-8)
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA (Relatora):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, passa-se ao exame do
recurso. O presente recurso ordinário foi interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, em sede de mandado de segurança, no qual ficou consignado que, “ainda que ocorra interesse da Caixa Econômica no feito que tramita em primeiro grau, é sabido que a norma autoriza a Justiça Comum Estadual a processar e julgar ações em que há interesse da União, suas autarquias e empresas públicas, quando não houver Vara da Justiça Federal no local onde se processa a demanda, como é o caso dos autos” (fl. 78). A respeito do tema, algumas considerações devem ser feitas. Saliente-se, inicialmente, que o art. 109, I e § 3º, da Constituição Federal, dispõe: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. (...) § 3º Serão processadas e julgadas na Justiça estadual , no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários , as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela Justiça estadual.” (grifou-se) Da análise da referida norma pode-se inferir que a Constituição Federal autoriza o Juiz Estadual a exercer a competência de Juiz Federal sempre que ausente vara do juízo federal na comarca, nas seguintes hipóteses: (a) nas causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado; (b) nas causas permitidas em lei. A propósito: “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – TRIBUNAL DE JUSTIÇA E TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – DECISÃO DE JUIZ ESTADUAL NÃO INVESTIDO DE JURISDIÇÃO FEDERAL – JULGAMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – SÚMULA 55/STJ. 1. A delegação de competência de jurisdição federal para o Juízo de Direito demanda a existência de lei específica. Precedente . (...) 3. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás - GO, o suscitado.” (CC 47.906/GO, 1ª Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 27.11.2006, grifou-se)
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ARTIGO 109, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. A delegação de competência à Justiça Estadual para o processamento de
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Superior Tribunal de Justiça causas sujeitas originariamente à Justiça Federal depende de lei específica. Conflito conhecido para declarar competente o MM. Juiz Federal da 12ª Vara do Rio de Janeiro.” (CC 25.006/RJ, 2ª Seção, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 13.12.1999) Atendendo ao disposto na parte final do referido § 3º do art. 109 da Constituição Federal, a Lei 5.010/66, recepcionada pela CF/88, disciplina a questão, estabelecendo em seu art. 15 o seguinte: “Art. 15. Nas Comarcas do interior onde não funcionar Vara da Justiça Federal (artigo 12), os Juízes Estaduais são competentes para processar e julgar: I - os executivos fiscais da União e de suas autarquias, ajuizados contra devedores domiciliados nas respectivas Comarcas; II - as vistorias e justificações destinadas a fazer prova perante a administração federal, centralizada ou autárquica, quando o requerente for domiciliado na Comarca; III - os feitos ajuizados contra instituições previdenciárias por segurados ou beneficiários residentes na Comarca, que se referirem a benefícios de natureza pecuniária." Nota-se, pois, que há lei disciplinando a matéria, estabelecendo as causas, além daquela prevista na primeira parte do art. 109, § 3º, da CF, em que o Juiz estadual pode exercer a competência de Juiz Federal nas demandas em que for parte a União, suas autarquias ou empresas públicas. Todavia, nenhuma das hipóteses previstas na referida lei enquadra-se à dos autos. De fato, a ação cautelar, cuja liminar deu origem ao mandado de segurança, foi ajuizada pelo Município de Denise perante o Juízo da Comarca de Barra do Bugres visando à expedição, pelo Tribunal de Contas estadual, de certidão positiva de regularidade, bem como a não-inclusão da municipalidade, pela Caixa Econômica Federal, no CAUC - Cadastro Único de Convênios. Assim, constata-se a existência de interesse da União e da empresa pública federal na causa, configurando-se, assim, a competência da Justiça Federal para o feito. No entanto, mesmo não havendo juízo federal na comarca, a competência não pode ser estendida para o juízo estadual, porquanto não há enquadramento algum entre a hipótese da presente demanda e as circunstâncias autorizadoras previstas no referido art. 15 da Lei 5.010/66 e no art. 109, § 3º, da Constituição Federal. Isso porque não se trata de: (a) causa em que figura como parte instituição de previdência social e segurado (art. 109, § 3º, primeira parte, da CF); (b) executivo fiscal da União e de suas autarquias; (c) vistorias e justificações destinadas a fazer prova perante a administração federal; (d) feitos ajuizados contra instituições previdenciárias (art. 109, § 3º, segunda parte, da CF, c/c o art. 15, I, da Lei 5.010/66). Pode-se concluir, portanto, que a controvérsia dos autos não se enquadra nas hipóteses em que a Constituição Federal e a Lei 5.010/66 autorizam o exercício, pelo Juiz Estadual, da competência do Juiz Federal, embora a comarca não seja sede de vara do juízo federal, bem como haja interesse de empresa pública federal no feito. Nesse sentido, a representante do Ministério Público Federal concluiu que “a hipótese dos autos não se coaduna com qualquer dos casos em que a lei permite o alargamento da esfera de atribuição do juiz estadual. Nesse passo, avulta-se a nulidade da decisão proferida pelo magistrado da comarca de Barra do Bugres posto que absolutamente incompetente para julgar os feitos em que tenha interesse a empresa pública federal ora recorrente conforme dispõe o artigo 19, inciso I, da Constituição Federal ” (fl. 135). Sobre essa temática, este Superior Tribunal de Justiça consagra entendimento no sentido de que, nos termos do art. 109, § 3º, da Constituição Federal, somente Documento: 3017990 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 4 de 6 Superior Tribunal de Justiça pode ser estendida a competência do juízo federal para o juízo estadual quando, sendo parte na lide a União, suas autarquias ou empresas públicas federais (art. 109, I, da CF), e não existindo na comarca juízo federal, a demanda tiver como parte instituição de previdência social e segurado ou quando lei específica permitir, sendo certo que, no caso, essa permissão foi concedida pela Lei 5.010/66. Nesse sentido:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL MOVIDA POR
MUNICÍPIO CONTRA EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA À JUSTIÇA ESTADUAL. INEXISTÊNCIA (CF, ART. 109, § 3º; LEI Nº 5.010/66, ART. 15, I). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. O art. 15, I, da Lei n.º 5.010/66, recepcionado pelo art. 109, § 3º da CF, prevê hipótese de delegação de competência federal à justiça estadual relativamente a executivos fiscais em que a União ou suas autarquias figurem como exeqüentes. Não se enquadra nessa delegação a execução fiscal promovida por Município contra empresa pública federal. 2 Conflito conhecido para declarar competente do Juízo Federal, o suscitante.” (CC 47.779/SP, 1ª Seção, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, Rel. p/ acórdão Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 10.4.2006, grifou-se)
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA – EXECUÇÃO FISCAL MOVIDA POR
MUNICÍPIO CONTRA EMPRESA PÚBLICA FEDERAL – COMPETÊNCIA DELEGADA AO JUÍZO DE DIREITO – INOCORRÊNCIA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – ART 109, I, DA CF/88. 1. A delegação de competência ao Juízo de Direito para conhecer de execução fiscal em localidade onde inexiste Vara Federal demanda lei específica. Inaplicabilidade do art. 15, I, da Lei 5.010/66 e do art. 109, §3°, da CF/88. 2. Execução fiscal movida por Município em face de empresa pública federal deve ser processada pela Justiça Federal. Inteligência do art. 109, I, da Constituição da República. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 9ª Vara Especializada em Execuções Fiscais de Ribeirão Preto - SJ/SP, o suscitante.” (CC 52.047/SP, 1ª Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 27.11.2006)
"PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA NEGATIVO.
EXECUÇÃO FISCAL MOVIDA POR MUNICÍPIO CONTRA A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF. ART. 15 DA LEI N° 5.010/66 C/C ART. 109, § 3°, DA CF/1988. INAPLICABILIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. (...) 2. O art. 15 da Lei n° 5.010/66 c/c o art. 109, § 3°, da Carta Magna não se aplica ao caso sob exame, pois não se trata de execução fiscal proposta pela União ou por suas autarquias, mas pelo Município de Poá/SP em face da Caixa Econômica Federal - CEF. 3. Inexiste, no ordenamento jurídico pátrio, previsão legal que permita à Justiça Estadual, no exercício da competência delegada, processar e julgar execução fiscal em que figure como executada empresa pública federal. Prevalência da regra de competência ratione personae do art. 109, inc. I da CF/1988. 4. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Documento: 3017990 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 5 de 6 Superior Tribunal de Justiça Federal, suscitante." (CC 50.307/SP, 1ª Seção, Rel. Min. José Delgado, DJ de 5.12.2005)
Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso ordinário, anulando-se
a decisão liminar proferida pelo Juízo da Comarca de Barra do Bugres/MT em virtude de sua incompetência absoluta, nos termos da fundamentação supra . É o voto.
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