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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

BRUNO DE OLIVEIRA CRUZ

CAROLINA GONÇALVES DE LIMA

GABRIEL ALVES FONSECA

GABRIELA BERNARDES MORAES DA COSTA

GUSTAVO DE OLIVEIRA CORREA

LUIZ PAULO RICOFICA AMARAL

PEDRO CEZAR GRIGIO DE OLIVEIRA

UMA ANÁLISE DOS DIREITOS HUMANOS A PARTIR DO MARXISMO

CURITIBA

2017
BRUNO DE OLIVEIRA CRUZ

CAROLINA GONÇALVES DE LIMA

GABRIEL ALVES FONSECA

GABRIELA BERNARDES MORAES DA COSTA

GUSTAVO DE OLIVEIRA CORREA

LUIZ PAULO RICOFICA AMARAL

PEDRO CEZAR GRIGIO DE OLIVEIRA

UMA ANÁLISE DOS DIREITOS HUMANOS A PARTIR DO MARXISMO

Trabalho apresentado como requisito parcial à


aprovação na disciplina de Teoria do Estado e
Ciência Política, no Curso de Graduação em
Direito, Setor de Ciências Jurídicas, da
Universidade Federal do Paraná.

Orientadora: Professora Doutora Heloisa


Fernandes Camara

CURITIBA

2017
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO................................................................................................ 4
2. CONSIDERAÇÕES BÁSICAS SOBRE OS DIREITOS HUMANOS............... 4
3. CONSIDERAÇÕES BÁSICAS SOBRE O MARXISMO.................................. 7
4. A PERSPECTIVA DE MARX......................................................................... 10
5. AS CONTRIBUIÇÕES A PARTIR DE GRAMSCI.......................................... 13
6. A ANÁLISE DE HOBSBAWM....................................................................... 16
7. A CRÍTICA DE ŽIŽEK.................................................................................... 19
8. A SUGESTÃO DE LYRA FILHO................................................................... 22
9. CONCLUSÃO............................................................................................... 23

REFERÊNCIAS....................................................................................................... 24
4

1. INTRODUÇÃO

Na obra de Marx há, conforme aponta Tomás Bastian de Sousa (2008, página
6), “uma crítica contundente aos direitos do homem, que está indissociavelmente
vinculada à sua crítica da política e, por isso, só pode ser devidamente compreendida
a partir desta”. O cerne semântico de tais palavras constituirá o escopo central do
presente trabalho, o qual procurará analisar, na medida do possível, o tema dos
direitos humanos a partir do marxismo. A perspectiva metodológica empregada para
o cumprimento desse fim envolveu, na elaboração desta produção, a pesquisa de
fontes bibliográficas diversas – artigos, livros e textos em geral –, a partir dos próprios
autores abordados (literatura primária) e também de seus comentadores (literatura
secundária), mediante uma organização de posições teóricas que levou em
consideração a relevância das mesmas bem como a possibilidade de fomento de um
debate frutífero acerca do tema abordado. É importante frisar, já de antemão, que a
escolha das posições e dos nomes aqui abordados se deu por uma impreterível
necessidade de recorte do tema trabalhado a partir de autores clássicos de maior
conhecimento do público, e não por uma negligência com as demais posições, visto
que há uma gama amplamente diversificada e positiva de autores e autoras de cunho
marxista. Dadas essas observações, serão elencadas considerações básicas sobre
os direitos humanos e o marxismo, tal como as teorizações de nomes como Marx,
Gramsci, Hobsbawm, Žižek e Lyra Filho.

2. CONSIDERAÇÕES BÁSICAS SOBRE OS DIREITOS HUMANOS

Uma vez que o presente trabalho buscará tratar, na medida do possível, sobre
os direitos humanos a partir do marxismo, cumpre, em um primeiro momento, tecer
algumas considerações básicas sobre os direitos humanos. Em seu artigo
Características dos Direitos Humanos Fundamentais, Nestor Sampaio expõe que a
doutrina aponta as seguintes características para os direitos humanos fundamentais
mais acordadas pela doutrina: historicidade (apresentam natureza histórica),
universalidade (alcançam a todos os seres humanos indistintamente), inexauribilidade
5

(são inesgotáveis), essencialidade (são inerentes ao ser humano), imprescritibilidade


(não se perdem com o passar do tempo), inalienabilidade (não podem ser
transferidos), irrenunciabilidade (não se pode abrir mão deles), inviolabilidade (não
podem ser feridos por leis infraconstitucionais), efetividade (devem ser desfrutados
concretamente), limitabilidade (não são absolutos), complementaridade (não devem
ser observados isoladamente), concorrência (podem ser exercidos de forma
acumulada), vedação do retrocesso (jamais podem ser diminuídos ou reduzidos no
seu aspecto de proteção).

No verbete “Direitos Humanos” do Dicionário de política, Nicola Matteucci


atenta para a relação entre a declaração dos direitos humanos e a história
constitucional:

O constitucionalismo moderno tem, na promulgação de um texto escrito


contendo uma declaração dos Direitos Humanos e de cidadania, um dos seus
momentos centrais de desenvolvimento e de conquista, que consagra as
vitórias do cidadão sobre o poder. (MATTEUCCI, 1998, página 353).

Usualmente, para determinar a origem da declaração no plano histórico, é


costume remontar à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, votada pela
Assembleia Nacional francesa em 1789, na qual se proclamava a liberdade e a
igualdade nos direitos de todos os homens, reivindicavam-se os seus direitos naturais
e imprescritíveis (a liberdade, a propriedade, a segurança, a resistência à opressão),
em vista dos quais se constitui toda a associação política legítima. (MATTEUCCI,
1998).

A declaração dos direitos colocou diversos problemas, que são a um tempo


políticos e conceptuais. Antes de tudo, a relação entre a declaração e a Constituição,
entre a enunciação de grandes princípios de direito natural, evidentes à razão, e a
concreta organização do poder por meio do direito positivo, que impõe aos órgãos do
Estado ordens e proibições precisas: na verdade, ou estes direitos ficam como meros
princípios abstratos (mas os direitos podem ser tutelados só no âmbito do
ordenamento estatal para se tornarem direitos juridicamente exigíveis), ou são
princípios ideológicos que servem para subverter o ordenamento constitucional.
(MATTEUCCI, 1998).
6

Um segundo problema deriva da natureza destes direitos: os que defendem


que tais direitos são naturais, no que respeita ao homem enquanto homem, defendem
também que o Estado possa e deva reconhecê-los, admitindo assim um limite
preexistente à sua soberania. Para os que não seguem o jusnaturalismo, trata-se de
direitos subjetivos concedidos pelo Estado ao indivíduo, com base na autônoma
soberania do Estado, que desta forma não se autolimita. Uma via intermediária foi
seguida por aqueles que aceitam o contratualismo, os quais fundam estes direitos
sobre o contrato, expresso pela Constituição, entre as diversas forças políticas e
sociais. (MATTEUCCI, 1998).

O terceiro problema refere-se ao modo de tutelar estes direitos: enquanto a


tradição francesa se cingia à separação dos poderes, e sobretudo à autonomia do
poder judiciário, e à participação dos cidadãos através dos próprios representantes,
na formação da lei, a tradição americana, desconfiada da classe governante, quis uma
Constituição rígida, que não pudesse ser modificada a não ser por um poder
constituinte e um controle de constitucionalidade das leis aprovadas pelo legislativo.
(MATTEUCCI, 1998).

Finalmente, estes direitos podem ser classificados em civis, políticos e sociais.


Os primeiros são aqueles que dizem respeito à personalidade do indivíduo (liberdade
pessoal, de pensamento, de religião, de reunião e liberdade econômica), através da
qual é garantida a ele uma esfera de arbítrio e de licitude, desde que seu
comportamento não viole o direito dos outros. Os direitos políticos (liberdade de
associação nos partidos, direitos eleitorais) estão ligados à formação do Estado
democrático representativo e implicam uma liberdade ativa, uma participação dos
cidadãos na determinação dos objetivos políticos do Estado. Os direitos sociais
(direito ao trabalho, à assistência, ao estudo, à tutela da saúde, liberdade da miséria
e do medo), maturados pelas novas exigências da sociedade industrial, implicam, por
seu lado, um comportamento ativo por parte do Estado ao garantir aos cidadãos uma
situação de certeza. (MATTEUCCI, 1998).

O teor individualista original da declaração, que exprimia a desconfiança do


cidadão contra o Estado e contra todas as formas do poder organizado, o orgulho do
indivíduo que queria construir seu mundo por si próprio, entrando em relação com os
outros num plano meramente contratual, foi superado: pôs-se em evidência que o
indivíduo não é uma mônada mas um ser social que vive num contexto preciso e para
7

o qual a cidadania é um fato meramente formal em relação à substância da sua


existência real; viu-se que o indivíduo não é tão livre e autônomo como o iluminismo
pensava que fosse, mas é um ser frágil, indefeso e inseguro. O individualismo, por
sua vez, foi superado pelo reconhecimento dos direitos dos grupos sociais:
particularmente significativo quando se trata de minorias (étnicas, linguísticas e
religiosas), de marginalizados (doentes, encarcerados, velhos e mulheres).
(MATTEUCCI, 1998).

Além dessas considerações expostas por Nicola Matteucci, o verbete “Direitos


Humanos” do Dicionário de política ainda conta com as observações feitas por Paolo
Mengozzi (1998), que elucida que foi só no decurso da Segunda Guerra Mundial, após
as aberrações do nazismo e as reações por ele criadas, e depois da intensificação da
tentativa das Nações Unidas em multiplicar os esforços para realizar uma mais estreita
cooperação e solidariedade internacional, que foi possível a criação de um perfil de
ação internacional pela promoção e tutela do homem enquanto tal. Resultante desse
propósito, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e proclamada
pela Resolução nº 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de
dezembro de 1948.

Em seu artigo Direitos Humanos e o Conceito de Homem: análise sob uma


perspectiva biopolítica, Heloisa Fernandes Camara (2011) atenta que os direitos
humanos em muitas situações são considerados como uma resposta milagrosa aos
problemas enfrentados no âmbito mundial. Contudo, mesmo esses direitos podem ser
analisados sob uma ótica crítica, o que será efetuado no decurso do presente trabalho,
mediante a apresentação de perspectivas marxistas distintas, após a seguinte
explanação de aspectos pertinentes do marxismo.

3. CONSIDERAÇÕES BÁSICAS SOBRE O MARXISMO

Dadas as ponderações anteriores sobre direitos humanos, cabe, neste


momento, tecer algumas considerações básicas sobre o marxismo. No verbete
“marxismo”, do Dicionário básico de filosofia, Hilton Japiassú e Danilo Marcondes
(2006) atentam que o termo marxismo designa tanto o pensamento de Karl Marx e de
8

seu principal colaborador Friedrich Engels, como também as diferentes correntes que
se desenvolveram a partir do pensamento de Marx, levando a se distinguir, por vezes,
entre o marxismo (relativo a esses desenvolvimentos) e o pensamento marxiano (do
próprio Marx). A obra de Marx estende-se em múltiplas direções, incluindo não só a
filosofia, como a economia, a ciência política, a história etc.; e sua imensa influência
se encontra em todas essas áreas. O marxismo é, por vezes, também conhecido como
materialismo histórico, materialismo dialético e socialismo científico (termo empregado
por Engels). Esse conjunto de ideias foi gestado a partir de três tradições intelectuais
desenvolvidas na Europa do século XIX, a saber: o idealismo alemão de Hegel; a
economia política de Adam Smith; a teoria política do socialismo utópico, de autores
franceses.

Acerca do marxismo, o filósofo Norberto Bobbio comenta, no verbete


“Marxismo” do Dicionário de política:

Entende-se por Marxismo o conjunto das ideias, dos conceitos, das teses,
das teorias, das propostas de metodologia científica e de estratégia política
e, em geral, a concepção do mundo, da vida social e política, consideradas
como um corpo homogêneo de proposições até constituir uma verdadeira e
autêntica "doutrina", que se podem deduzir das obras de Karl Marx e de
Friedrich Engels. A tendência, muitas vezes manifestada, de distinguir o
pensamento de Marx do de Engels surge dentro do próprio Marxismo, ou
seja, ela própria se constitui numa forma de Marxismo. (BOBBIO, 1998,
página 738).

O pensamento filosófico de Marx desenvolve-se a partir de uma crítica da


filosofia hegeliana e da tradição racionalista. Considera que essa tradição, por manter
suas análises no plano das ideias, do espírito, da consciência humana, não chegava
a ser suficientemente crítica por não atingir a verdadeira origem dessas ideias — a
qual estaria na base material da sociedade, em sua estrutura econômica e nas
relações de produção que esta mantém. (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006).

Em seu texto “Lendo Marx à luz de Marx”, presente na obra Marxismo como
ciência social, Adriano Codato (2011) pensa que o econômico pode ser entendido
mais exatamente como: (i) o interesse geral da classe burguesa – o ordenamento
capitalista – que deve ser garantido sempre; (ii) a variável que em última instância
determina – o condicionamento, portanto – as ações políticas, as representações
9

ideológicas etc. dos agentes sociais; (iii) a realidade última – o fundamento – dos
conflitos políticos entre as classes.

O pensamento de Marx, entretanto, não se restringe a uma análise teórica,


mas busca formular os princípios de uma prática política voltada para a revolução que
destruiria a sociedade capitalista para construir o socialismo, a sociedade sem
classes, chegando ao fim do Estado. O marxismo se desenvolveu em várias correntes
que podemos subdividir em políticas e teóricas, embora nem sempre a fronteira entre
ambas seja muito nítida. Dentre as correntes políticas temos, por exemplo, o
marxismo-leninismo, ou simplesmente leninismo, também chamado de marxismo
ortodoxo, ou materialismo dialético, que se tornou a doutrina oficial na União Soviética,
após a revolução de 1917; o trotskismo, de Leon Trotsky, que defendeu contra o
leninismo a teoria da revolução permanente; o maoísmo, doutrina desenvolvida por
Mao Tsé-tung, que chegou ao poder na China após a revolução de 1947. (JAPIASSÚ;
MARCONDES, 2006).

Dentre as correntes teóricas, podemos destacar os seguintes pensadores e


escolas: o alemão Karl Kautsky (1854-1938), um dos principais seguidores de Marx,
defensor de um marxismo revolucionário, contra tendências revisionistas como a de
Eduard Bernstein; o húngaro Georg Lukács (1885-1971), que propõe uma
interpretação de Marx valorizando suas raízes hegelianas; o alemão Karl Korsch
(1889-1961), que enfatiza a base filosófica da teoria social e política de Marx; o austro-
marxismo de, dentre outros, Max Adler (1873-1937), que incorpora elementos
kantianos à sua interpretação de Marx; o alemão Ernst Bloch (1885-1977), que insere
o marxismo na tradição do idealismo alemão; o italiano Antonio Gramsci (1891-1937),
fundador do Partido Comunista Italiano e que desenvolve uma filosofia da práxis; o
francês Louis Althusser (1918-1990), que faz uma leitura de Marx em uma perspectiva
estruturalista; o marxismo de Sartre; o marxismo da escola de Frankfurt de Adorno,
Horkheimer, Benjamin e posteriormente Marcuse e Habermas, que se volta para a
análise da sociedade industrial, do capitalismo avançado e de sua produção cultural.
(JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006).

Muitas dessas correntes encontram-se inclusive em conflito, cada uma


buscando ser mais fiel ao pensamento autêntico de Marx; porém umas enfatizam seu
aspecto econômico e político, outras a análise histórica, outras ainda o caráter
filosófico; umas destacam a influência de Hegel, outras a doutrina revolucionária. Um
10

dos aspectos mais polêmicos da interpretação do pensamento de Marx diz respeito à


sua atualidade, ou seja, à validade da análise marxista, voltada para a realidade do
surgimento do capitalismo no século XIX, com sua aplicação agora à sociedade
contemporânea com o capitalismo avançado, que possui características não previstas
pelo próprio Marx. Isso faz com que várias dessas correntes se denominem
"neomarxistas", na medida em que constituem tentativas de desenvolvimento e
adaptação do pensamento de Marx a essa nova realidade. (JAPIASSÚ;
MARCONDES, 2006).

No verbete “sociologia marxista” do Dicionário de sociologia: guia prático da


linguagem sociológica, Allan G. Johnson (1997) expõe que a sociologia marxista
corrente concentra-se em várias áreas de interesse: a relação entre capital e trabalho,
especialmente a tendência do capital de desvalorizar, degradar e dividir os
trabalhadores como meio de aumentar seu controle e lucros; o modo como relações
de produção geram sistemas de classe social e como eles se relacionam com outras
formas de opressão, como as baseadas em gênero, raça e etnicidade; economia
política, ou a relação entre o capitalismo e o Estado; e a relação entre capitalismo e
dinâmica de classe, por um lado, e o conteúdo da cultura e instituições culturais, como
escolas e a mídia, por outro.

Ademais, em seu artigo Marxismo e Teoria das Classes Sociais, Cristiano


Lima Ferraz (2009) defende que, para o desencadeamento de um processo
revolucionário frente à hegemonia do capital na totalidade da produção social, ao lado
da economia, o campo da política e a dimensão simbólica, a atribuição de significados
relacionados ao modo de vida dos agentes no âmbito da estrutura de classes, são
igualmente importantes. Dadas essas ponderações sobre o marxismo, serão
analisadas a seguir algumas perspectivas de autores marxistas, especialmente no
tocante aos direitos humanos, a começar pela abordagem feita pelo próprio Marx.

4. A PERSPECTIVA DE MARX

Salvaguardado o embasamento proporcionado pelas considerações


anteriores sobre os direitos humanos e o marxismo, cabe, a partir das linhas
11

subsequentes, tratar especificamente de perspectivas marxistas que analisam tais


direitos, iniciando pelo próprio Marx. Em seu artigo Os direitos humanos em Karl Marx:
A obra “A questão judaica” e a crítica à emancipação política, Rômulo Magalhães
Fernandes (2014) atenta que o filósofo Karl Marx nunca publicou um texto
sistematizado e pormenorizado sobre o tema dos direitos humanos. Todavia, no
conjunto de sua obra percebe-se uma crítica contundente ao direito relacionada com
a crítica ao Estado, ao modo de produção e à organização social capitalista.

Das obras de Marx, “A Questão Judaica” é a que dá maior atenção aos direitos
humanos. Em Os direitos humanos na perspectiva de Marx e Engels, José Damião de
Lima Trindade (2010) aponta que, em A questão judaica, Marx enfrenta pela primeira
vez, de modo direto, a crítica aos direitos naturais do homem, tais como tinham
existência em seu tempo, isto é, apenas como direitos civis e políticos e, mesmo
assim, socialmente restritos.

“A Questão Judaica” é um texto escrito por Marx entre agosto e dezembro de


1843 e publicado em fevereiro de 1844 nos Anais Franco-Alemães. Marx, já morando
em Paris, publica este ensaio como resposta às intervenções político-filosóficas de
Bruno Bauer nos artigos “A Questão Judaica” (1842) e “A capacidade dos judeus e
dos cristãos hodiernos para se tornarem livres” (1843). (FERNANDES, 2014).

Em sua obra Marxismo e judaísmo: história de uma relação difícil, a


historiadora Arlene Clemesha (1998) observa que, nos dois artigos, tanto “A Questão
Judaica” (1842) quanto “A capacidade dos judeus e dos cristãos hodiernos para se
tornarem livres” (1843), Bauer analisa a situação dos direitos civis e políticos dos
judeus na Alemanha pela ótica da religião, sua relação com o cristianismo e,
finalmente, analisa a relação de ambos com o Estado cristão, reduzindo o problema a
uma questão puramente teológica.

Na obra “A Questão Judaica”, de 1844, Karl Marx apresenta o ”problema dos


judeus”, não apenas como uma questão de reconhecimento do direito de liberdade
religiosa dos judeus na Alemanha, mas sim, como uma profunda crítica à sociedade
burguesa. (FERNANDES, 2014).

Assim, Marx começa a desatar os nós da argumentação de Bauer.


Primeiramente, percebendo que a emancipação política preconizada por Bauer é
restrita ao campo teológico. E, em segundo lugar, revelando que mesmo em outros
12

países, considerados Estados laicos, a liberdade religiosa está presente (ou seja, há
emancipação política), entretanto, sem significar necessariamente a emancipação
humana em relação à religião. (FERNANDES, 2014).

Para Marx, uma emancipação política plena não significa, fundamentalmente,


uma sociedade de homens e mulheres livres. Mesmo o Estado representativo – forma
mais desenvolvida da emancipação política – reproduz a ilusão de que o ser humano
só pode alcançar sua generalidade por “intermédio” do Estado, mascarando, dessa
forma, a dualidade entre o membro da sociedade civil (real) e o cidadão (abstrato).
(FERNANDES, 2014).

A emancipação humana, por outro lado, busca negar de forma radical a


emancipação política, superando-a. Em outras palavras, para que a humanidade
concretize a liberdade real e plena, deve superar os pressupostos da sociedade
capitalista e construir uma sociedade fundada em novas relações sociais, uma
sociedade comunista. (FERNANDES, 2014).

Marx ao analisar o direito, em particular os direitos humanos, evidencia suas


raízes, as quais são marcadas pela desigualdade social, produto da divisão social do
trabalho e da propriedade privada. (FERNANDES, 2014).

Assim, na obra “A Questão Judaica”, Marx afirma que os direitos do homem


são o reconhecimento do mundo da propriedade privada, ou seja, a liberdade e a
igualdade proclamadas nas Declarações e Constituições representam, na verdade, a
liberdade e a igualdade do indivíduo separado da sociedade e dos demais homens e
mulheres. Nesse sentido, pretende-se ressaltar que a crítica aos limites da
emancipação política também está presente no tema dos direitos humanos.
(FERNANDES, 2014).

O movimento argumentativo de Marx começa, em sua obra Para a questão


judaica, pela análise dos direitos humanos em determinado contexto histórico para,
gradativamente, ganhar o seu conteúdo de crítica radical sobre o direito, o Estado
político e a sociedade civil:

Consideramos, por um instante, os chamados direitos humanos e, decerto,


os direitos humanos na sua figura autêntica, na figura que eles possuem nos
seus descobridores, os norte-americanos e os franceses! Em parte, esses
13

direitos humanos são direitos políticos, direitos que só podem ser exercidos
na comunidade [Gemeinschaft] com outros. A participação na comunidade
[Gemeinwesen] e, decerto, na comunidade só podem ser exercidos, no
sistema de Estado, forma o seu conteúdo. Caem na categoria da liberdade
política, na categoria dos direitos cívicos, as quais de modo algum
pressupõem, como vimos, a supressão positiva, e sem contradição, da
religião, portanto, também porventura [a] do judaísmo. Resta considerar a
outra parte dos direitos humanos, os droits de l´homme [direitos do homem –
francês], na medida em que eles são diferentes dos droits du citoyen [direitos
do cidadão – francês]. (MARX, 2009, página 61).

Já a segunda perspectiva de análise dos direitos humanos consiste na


diferença e na contradição entre os direitos do homem e os direitos do cidadão:

Os droits de l´homme, os direitos humanos, são, como tais, diferentes dos


droits du citoyen, dos direitos do cidadão. Quem é homme diferente do
citoyen? Ninguém senão o membro da sociedade civil (MARX, 2009, página
63).

Nesse sentido, Marx dirá que os “direitos do homem” são direitos do “membro
da sociedade civil”, do “homem egoísta”, do “homem separado do homem da
comunidade”, do “burguês”. Por outro lado, o “verdadeiro homem”, homem “concreto”,
o ser humano “genérico” é apenas reconhecido como cidadão em abstrato.
(FERNANDES, 2014).

Conforme pondera Fernandes (2014), para Marx a crítica vai muito além do
discurso formal referente aos direitos humanos, pois pretende alcançar os
pressupostos que são intrínsecos a tais direitos. Dadas essas observações, que
procuraram esclarecer, ainda que de forma breve, a crítica de Marx aos direitos
humanos, o presente trabalho investigará, a seguir, o que se pode inferir desses
direitos a partir da perspectiva de Gramsci, um dos mais importantes continuadores
do legado marxista, e cujos conceitos podem ser atualmente úteis.

5. AS CONTRIBUIÇÕES A PARTIR DE GRAMSCI

Salvaguardado o viés de Marx acerca dos direitos humanos, cabe, neste


momento, atentar às conclusões que podem ser extraídas a partir do pensamento
14

gramsciano. Primeiramente, é importante atentar que o filósofo Antonio Gramsci não


estabelece uma produção específica sobre os direitos humanos, mas é possível se
valer de alguns de seus conceitos para propor inferências pertinentes acerca de tais
direitos. A partir das observações feitas pelo professor Martin Carnoy (1994) em sua
obra Estado e Teoria política, é possível perceber que, não obstante de uma clássica
reflexão marxiana, Gramsci e Marx assumem a sociedade civil como componente
fundamental na apreensão do sistema capitalista, porém, este a compreende como
infraestrutural (relações de produção), ao passo que aquele a compreende como um
elemento superestrutural, enquanto relações ideológicas e culturais. Desse modo, a
noção de sociedade civil para Gramsci é ampliada, pois agrega diversos organismos
privados dotados de determinadas ideias e valores, formada por instituições que
fundamentam e dispersam as ideologias, o que permite a concretização do consenso
dentro da sociedade, como algo fundante das relações de poder.

Em sua obra Hegemonia e cultura: Gramsci, Anita Helena Schlesener elucida


que a sociedade civil

...trata-se do conjunto de instituições (também denominadas “aparelhos


privados” de hegemonia), nas quais se elaboram as concepções de mundo
pelas quais a sociedade se representa a si mesma (suas lutas e aspirações),
onde se organizam os grupos sociais e se realiza a direção política e cultural
da sociedade. Estas organizações da sociedade civil, chamadas “privadas”
porque são relativamente autônomas em relação a sociedade política, só
surgem ou assumem esta função com as revoluções democráticas-
burguesas, pela organização dos Estados modernos e a intensificação das
lutas sociais. (SCHLESENER, 1992, página 18).

Vinculado à concepção gramsciana de sociedade civil surge o conceito de


hegemonia, a qual pode ser assimilada como a preponderância do campo ideológico
das classes dominantes sobre a classe subordinada na sociedade civil (CARNOY,
1994). Insere-se a essa reflexão o argumento de que o fundamento preeminente do
sistema não se evidencia pela coerção ou violência exercida pelos portadores dos
meios de produção emergida do aparato coercitivo do Estado, mas do consentimento
das ideologias e valores advindos das classes dominantes. Ainda assim, apesar de
Gramsci dar tamanha importância à sociedade civil e à hegemonia, é incorreto afirmar
que o marxista desmerece a sociedade política, pois esta, em seus termos, tem a
finalidade de controlar, asseverando pela garantia jurídica a disciplina dos grupos que
15

vilipendiam o consenso alicerçado às pretensões dominantes hegemônicas e, por


isso, a coerção da sociedade política é demasiadamente relevante em momentos de
crise, quando o consenso começa a se desfalecer. Esse esmorecimento do consenso
ou, ainda, essa crise hegemônica, pode ser entendida, mediante as observações de
Schlesener (1992), como uma crise de autoridade, cujo escopo engendra a perda de
representatividade da classe burguesa no poder, resultado de erros políticos e da
exiguidade de um exercício eficaz no campo econômico e cultural.

No contexto de crise pode-se abrir espaço a situações perigosas, pois a crise


afeta principalmente a sociedade civil. A classe dominante pode impor-se ainda, pois
mantém o controle dos mecanismos de coerção e o aparato administrativo e
burocrático, que constituem a sociedade política (SCHLESENER, 1992). As condições
tornam-se propícias para a reorganização e o domínio do ambiente político com
agilidade, que se fazem por meio de alterações de homens e programas, repensando
as responsabilidades compromissais com grupos que o sustentam, inclusive,
alicerçando conchavos custosos e estampando-se a um momento futuro opaco com
pactos falaciosos. Esse ambiente, quando reorganizado sob a ótica da burguesia, que
busca a manutenção de submissão de classe, permite que Gramsci delineie o
significado de “revolução passiva”.

A revolução passiva arquiteta transformações no espaço político, na ideologia


e nas relações sociais à luz das transformações na economia, o que remete à
permanente restruturação do poder do Estado em correspondência com as classes
dominantes para conservar a hegemonia, de forma a elidir a participação da classe
trabalhadora nas instituições econômicas e políticas. Logo, a burguesia – através do
Estado – tenta uma estratégia de revolução passiva sempre que sua hegemonia é
ameaçada ou sempre que sua superestrutura política (força mais hegemonia) não
consegue lidar com a necessidade de expandir as forças de produção (CARNOY,
1994).

Diante dessas noções, e mediante as observações expostas no artigo Direitos


Humanos e revolução passiva: crítica a partir das categorias de Gramsci, de autoria
de Paulo Henrique Tavares da Silva e Enoque Feitosa Sobreira Filho (2012), é
possível inferir que os direitos humanos, enquanto uma enunciação da superestrutura,
vinculada à ordem jurídica-constitucional, representam o contexto de revolução
passiva que o capitalismo atual teve de passar como elemento de mundialização
16

experimentada no decorrer do século XX. Pois estes direitos são instrumentos ao


empreendimento da hegemonia, a partir do instante em que se efetivam, ou seja, se
concretizam na realidade social; até porque, anteriormente a isso, habitam
unicamente no plano teórico. Intrinsecamente à noção marxista-gramsciana, os
direitos humanos, à medida que se fundamentam como linguagem do aparelho
estatal, podem ser elaborados à imagem do Estado, cujo domínio é de caráter
burguês, ante a finalidade hegemônica do mesmo e, desse modo, se configuram como
uma expressão viva dos valores e ideias da classe dominante.

Ainda assim, a partir das teorizações gramscianas, é possível propor uma


construção contra-hegemônica dos direitos humanos, sobretudo a partir da atuação
dos intelectuais. Acerca destes, na obra Cadernos do cárcere, volume 2, Antonio
Gramsci (2001) explana que todos os homens são intelectuais. Pois entendia
“intelectuais” como qualquer indivíduo dotado de percepções políticas, ideológicas e
culturais. A atuação dos intelectuais é demasiadamente relevante em dois sentidos:
para os dominadores dos meios de produção, no sentido de elaborar e assegurar a
ordem social vigente; e para as classes subordinadas, em virtude da indispensável
necessidade histórica de ultrapassar o bloco histórico da submissão de classes, de
modo a unificar a voz operária por uma nova ordem social. Dentro dessa reflexão, no
texto “Gramsci e direito: reflexões sobre novas juridicidades”, presente na obra
Gramsci: Estado, Direito e Sociedade, Edmundo Lima de Arruda Junior (1995)
ressalta que os operadores jurídicos, magistrados, advogados, procuradores,
auditores, fiscais, promotores de justiça, assistentes jurídicos, o pessoal da
administração da justiça, todos, podem ser pensados como intelectuais no sentido
gramsciano. Esses intelectuais jurídicos, quando ligados à classe subalterna,
poderiam atuar no sentido de promoverem uma visão alternativa do direito, que venha
a lograr direitos humanos efetivos e atentos às demandas do proletariado. Dadas
essas considerações, será avaliada a posição de Hobsbawm, outro notável marxista.

6. A ANÁLISE DE HOBSBAWM

Após expor o que as teorizações gramscianas podem contribuir para um


exame mais crítico dos direitos humanos, é pertinente analisar a posição do
17

historiador Eric Hobsbawm, outro notável nome do marxismo. Em seu texto “O


operariado e os Direitos humanos”, presente na obra Mundos do Trabalho: Novos
Estudos sobre História Operária, Hobsbawn faz uma associação entre os movimentos
operários e os direitos humanos:

Ora, a principal relação entre a história dos movimentos operários, que são
um fenômeno bastante recente do ponto de vista histórico, e os direitos
humanos reside no fato de que os movimentos operários geralmente são
compostos de pessoas que são “subprivilegiadas”, nas palavras de F. D.
Roosevelt, e que se preocupam com seus problemas. (HOBSBAWM, 2000,
página 418).

Os movimentos operários se preocupam com pessoas que têm razões para


exigir um grande número de direitos, e é por isso que eles desempenharam um papel
bastante importante no desenvolvimento dos direitos humanos, independentemente
de sua atitude quanto à “lei natural”, à teoria política, ou à teoria geral dos direitos e
da justiça. (HOBSBAWM, 2000).

Os novos direitos humanos do tipo “Direitos do Homem” eram inovadores e


peculiares em quatro maneiras. Primeiro, estes direitos pertencem a indivíduos,
concebidos como tais de forma abstrata, e não na maneira tradicional, como pessoas
inseparáveis de sua comunidade ou de outro contexto social. Em segundo lugar, estes
direitos são teoricamente universais e iguais, visto que indivíduos considerados
isoladamente somente podem ter prerrogativas iguais, muito embora como pessoas
possam ser completamente diferentes. Em terceiro lugar, estes direitos eram
essencialmente de natureza política ou jurídico-política, pois o objetivo de proclamá-
los era fornecer garantias institucionais a seres humanos e cidadãos. Por fim, esses
direitos não implicavam um programa social e econômico. (HOBSBAWM, 2000).

Os movimentos deram força especial à luta por estes direitos do cidadão


porque sua maioria era composta de pessoas que não usufruíam desses direitos, e
porque mesmo aqueles direitos legais e liberdades civis, que eram aceitos na teoria,
eram contestados na prática pelos adversários dos trabalhadores. A contribuição mais
importante dos movimentos operários do século XIX aos direitos humanos foi
demonstrar que eles exigiam uma grande amplitude e que tinham de ser efetivos na
prática tanto quanto no papel. (HOBSBAWM, 2000).
18

Uma sociedade industrial criava a necessidade de novos direitos, que antes


não haviam sido necessários; por exemplo, o direito à proteção ao trabalho contra
riscos que anteriormente não existiam, ou que poderiam ter sido considerados como
insignificantes. (HOBSBAWM, 2000).

Os teóricos dos movimentos operários não falavam universalmente a


linguagem dos direitos, pelo menos após as décadas iniciais ou centrais do século
XIX. O direito ao Trabalho mobilizava as pessoas, mas o Direito ao Socialismo não,
muito embora a maioria dos partidos políticos trabalhistas na Europa fosse, pelo
menos na teoria, profundamente comprometida com esta aspiração. Existem duas
razões principais para este fato. A primeira, e menos importante, é que a teoria
socialista significativamente mais influente, o marxismo, rejeitou especificamente a
linguagem dos direitos humanos por diversas razões. Os “direitos” não são um
conceito analítico na ciência, tanto quanto a “lei”, no sentido de algo que deveria
acontecer, também não o é. Ademais, Marx não foi meramente indiferente aos
“direitos do homem”, mas opôs-se a eles com veemência, por serem essencialmente
individualistas, pertencendo ao “homem egoísta isolados dos outros homens e da
comunidade”. Mas a segunda razão, muito mais significativa, é que os direitos, no
sentido amplo de reivindicação de uma vida boa ou tolerável, não são fins em si
mesmos, mas aspirações vastas que podem ser realizadas somente através de
estratégias sociais complexas e mutantes, sobre as quais eles não esclarecem nada
de específico. (HOBSBAWM, 2000).

Portanto, a linguagem dos direitos humanos foi e é inadequada (exceto do


ponto de vista retórico e para fins de agitação) à luta pela realização das mudanças
sociais e econômicas as quais os movimentos operários foram dedicados: quer sejam
reformas da sociedade existente ou mudanças graduais, quer sejam transformações
revolucionárias da ordem social e econômica. (HOBSBAWM, 2000).

Mais do que qualquer outra força, o movimento operário ajudou a romper a


camisa-de-força individualista de natureza político-jurídica, que confinava os direitos
humanos do tipo da Declaração francesa e da Constituição norte-americana.
Compare-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que
Hobsbawm (2000) supõe ser o atual documento-padrão desta natureza, com a Carta
de Direitos norte-americana. Se a Declaração das Nações Unidas inclui direitos
econômicos, sociais e educacionais – a ao fazê-lo aproxima-se mais de Tom Paine
19

do que de Madison –, este fato se deve primordialmente à intervenção histórica dos


movimentos operários.

Simultaneamente, os movimentos operários demonstraram as limitações da


abordagem política através dos “direitos humanos”. O ponto central dessa temática,
para Hobsbawm (2000), não reside no fato dos homens terem direitos econômicos e
sociais, e sim nas políticas de cobrar impostos aos ricos para criar um fundo para
pagamento aos pobres, aos desempregados e aos velhos, bem como para custear a
educação popular. Sem essas políticas, estes direitos humanos são inúteis.

Conforme aponta Hobsbawm (2000), a linguagem dos direitos humanos ainda


é falada, mas num cenário diferente daquele do século XIX e do início do século XX.
A luta pelos direitos humanos ainda é vista, em diversos países, como parte de um
programa geral pelo progresso da humanidade, em nível individual e coletivo, na
direção de um futuro melhor e mais genuíno para o homem. Mas, em um número até
maior de países, os direitos humanos são hoje principalmente usados na defesa
contra o ressurgimento de uma barbárie. Contudo, na obra Globalização, democracia
e terrorismo, Eric Hobsbawn (2007) acena para o risco do imperialismo dos direitos
humanos e para o apoio que outros países poderiam conferir aos Estados Unidos sob
a justificativa de eliminar injustiças, dado que poucas coisas são tão graves quanto
impérios que tentam implementar seus próprios interesses sob o pretexto de fazer um
“favor” à humanidade. Dadas tais observações, as linhas posteriores darão voz à
expressiva crítica do marxista Žižek aos direitos humanos.

7. A CRÍTICA DE ŽIŽEK

Salvaguarda a análise de Hobsbawm sobre os direitos humanos, cabe, neste


momento, expor a crítica do teórico Slavoj Žižek, para o qual há uma ideologia dos
Direitos Humanos fruto de uma construção histórico-cultural, de uma sociedade
capitalista e ocidentalizada. Que, como instrumento discursivo de poder, é invocado
perante as suposições de se opor ao fundamentalismo, da defesa da liberdade de
escolha e do direito de dedicar a própria vida à busca do prazer, bem como da defesa
contra o poder centralizador. Como marxista que é, Žižek dá linearidade ao problema
20

da igualdade formal dos “direitos”, que igualam os diferentes e, neste caminho, aponta
para a dinâmica que há nesta formalidade que vem a impedir suas promessas de
serem efetivadas. Em seu artigo O contrário dos direitos humanos (explicitando Zizek),
José Augusto Lindgren Alves se vale das palavras do próprio teórico marxista:

...não vivemos nós na era dos direitos humanos universais, que se afirmam
até mesmo contra a soberania estatal? O bombardeio da Iugoslávia pela
OTAN não foi o primeiro caso de intervenção militar realizada em decorrência
de pura preocupação normativa (ou, pelo menos, apresentando-se como
assim realizada), sem referência a qualquer interesse político-econômico
“patológico”. Essa nova normatividade emergente para os ‘direitos humanos’
é, entretanto, a forma em que aparece seu exato oposto. (ALVES, 2002,
página 92).

Havia certa esperança nos direitos humanos encabeçados pela ONU, que
tentava, a partir dos estertores do século XX, chegar a uma “justiça internacional”
legítima através do julgamento pela corte de Haia de Milosevic e pelas tentativas de
julgar os crimes de Pinochet no Chile; porém, estas mostraram-se como tentativas vãs
e frustradas de se estabelecer um poder de justiça global, que antes disto é
instrumento ideológico-militar dos países ocidentais membros da OTAN, pois dado o
momento em que se perquiri a necessidade de também se julgar tal organização por
seus crimes de guerra, a mesma se nega ao fato. (ALVES, 2002).

A partir do que é exposto no artigo Contra os direitos humanos, de Slavoj


Žižek (2010), é possível notar que a ideia tão vendida pelo Ocidente de liberdade e
autonomia de escolha é sua última carta agonizante em defesa de seu sistema de
opressão, ao se auto-intitular como defensor das liberdades, como a de estar livre
apenas para ser “igual” ao seu patrão ao assinar contratos para receber um salário
descontado da mais-valia levada pelo detentor dos meios de produção.

Ademais, na sociedade do consumo, o outro argumento defensivo dos direitos


humanos, o direito básico à busca do prazer, é limítrofe aos padrões éticos, muitas
vezes resultado de uma alienação midiática e propagandística que define o prazer
como consumo de coisas supérfluas. O próprio corpo se torna mercadoria, objeto de
desfrute e de representação imagética performativa, e Žižek problematiza a libido
sexual e suas interfaces da sexualidade versus o islã e sua outridade. A política do
21

Jouissance, ou gozo, no Ocidente perfaz um caminho de uma falsa alteridade sem


sua radicalidade de se realizar a plenitude do Outro:

Isto está emergindo cada vez mais como direito humano central da sociedade
capitalista avançada: o direito a não ser assediado, isto é, a se manter a uma
distância segura dos outros. O mesmo vale para a emergente lógica do
militarismo humanitário ou pacifista. A guerra é aceitável na medida em que
procura trazer a paz, ou a democracia, ou as condições para distribuir a ajuda
humanitária. E o mesmo não é válido para a democracia e para os próprios
direitos humanos? Está tudo bem com os direitos humanos se eles são
“repensados” para incluir a tortura e um Estado de emergência permanente.
(ŽIŽEK, 2010, página 17).

Porém tais primeiros fundamentos entram em contradição com o último


princípio de defesa contra o excesso de poder que, como colocava Marx em 1848,
sempre se dá em excesso intrinsecamente. (ŽIŽEK, 2010).

Tal argumento do excesso é usado contra as metanarrativas que se projetam


para a transformação geral do homem e da sociedade, apontando-se para os grandes
desastres dos regimes socialistas do século XX, onde é impossível colocar a
brutalidade irracional da violência como ferramenta da razão na história, sendo isto
uma instrumentalização da violência mediante os meios teleológicos. (ŽIŽEK, 2010).

Ademais, é preciso perguntar o lugar dos direitos humanos na atualidade.


Onde estão os direitos humanos dos que vivem na miséria, em situações de risco à
vida? É claro que há medidas humanitárias por vezes desinteressadas, mas a regra é
a influência direta dos estadunidenses e membros do Tratado do Atlântico Norte. Há
um claro viés político no discurso que representa tal ideologia que também se diz
despolitizada, como bem Žižek coloca:

...podemos problematizar, em um nível geral, a política supostamente


despolitizada dos direitos humanos e vê-la como uma ideologia do
intervencionismo militar, que serve a fins político-econômicos específicos.
(ŽIŽEK, 2010, página 23).

Os Direitos Humanos são os direitos das “potências do Ocidente de intervir


política, econômica, cultural e militarmente em países do Terceiro Mundo de sua
escolha, em nome da defesa dos direitos humanos”. Priva-se os vitimizados de falar,
22

onde os “impérios da ética” bombardeiam países miseráveis em busca de petróleo e


o som das bombas não permitem ouvir o choro do subalterno. A falsa universalidade
segrega e define quem é o “amigo” e o “inimigo”, onde este último deve ser eliminado,
prosseguindo a lógica neocolonial do capitalismo imperialista globalizado:

A interpretação sintomática marxista pode demonstrar, de forma convincente,


o conteúdo que fornece à noção de direitos humanos o seu específico giro
ideológico burguês: os direitos humanos universais são, com efeito, o direito
dos homens brancos proprietários a trocar livremente no mercado, explorar
trabalhadores e mulheres, e exercer dominação política. (ŽIŽEK, 2010,
página 26).

É claramente restrito a quem se dirige os direitos humanos, segregando de


forma não institucional na prática, quando devia existir a toda espécie levando em
conta todas as nossas dessemelhanças. (ŽIŽEK, 2010).

Na visão de Žižek (2010), a única saída para a efetivação dos Direitos


Humanos é uma politização dos cidadãos que sejam como tais retomados ao espaço
público, dirigindo-se para um horizonte onde não haja opressão e onde todos sejam
plenamente livres e iguais. Por ser uma ficção simbólica, há potência conceitual para
realização em ato, pois joga ideias num imaginário de possibilidades concretas de
tornar-se fato, abrindo caminho para a verdadeira independência da raça humana dos
grilhões que a afugentam de si mesma. Salvaguardas essas considerações, ainda
serão abordados, logo adiante, os comentários pertinentes de Lyra Filho.

8. A SUGESTÃO DE LYRA FILHO

Após as críticas anteriores aos direitos humanos, cabe, neste momento, expor
brevemente a proposta do escritor brasileiro e de orientação marxista, Roberto Lyra
Filho, precursor do movimento conhecido como Direito Achado na Rua. Em seu artigo
“O que é Direito” de Roberto Lyra Filho: uma abordagem contemporânea, Thiago Rais
de Castro (2014) observa que a concepção de Direito proposta por Lyra Filho, além
de incluir as transformações históricas decorrentes das manifestações sociais, dá
destaque especial aos Direitos Humanos. Tal enfoque deve-se ao fato de que esses
23

direitos são responsáveis por projetar o Direito para o futuro. Dessa forma, os Direitos
Humanos promovem transformações no Direito vigente. Hoje em dia, ao interpretar as
normas tendo como base os Direitos Humanos, fica praticamente impossível
fundamentar de forma coerente uma argumentação que restrinja direitos de minorias,
como os homossexuais. Assim, o Direito Achado na Rua encontra-se atualmente
engajado em causas sociais, como a defesa dos direitos humanos, além de
desenvolver pesquisas que visam à disseminação de conhecimentos correlatos a
esse assunto.

Em seu texto “Direito e lei”, presente na obra O que é Direito, Roberto Lyra
Filho relaciona a efetivação dos direitos humanos ao fim da exploração econômica,
sugerindo uma atuação mais incisiva do próprio Direito para tal:

Em muitos países, inclusive no Brasil, há dispositivos legais que contrastam


com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Isso já foi reconhecido,
entre nós, pelo [...] Ministro F. M. Xavier de Albuquerque, quando tentou, em
voto famoso, na justiça eleitoral, encaminhar uma jurisprudência [..] que
situasse aquela Declaração, como é devido, acima de qualquer desvio
legislativo. Acentuou, então, [...] que a Declaração dos Direitos do Homem é
“capítulo numa evidente Constituição de todos os povos” que ainda não
“existe” (como lei formalizada), mas orienta superiormente a captação do
Direito. Sob o ponto de vista do socialismo, não é outro o posicionamento de
Ernst Bloch, o filósofo marxista alemão, quando afirma que “a dignidade é
impossível, sem a libertação econômica”, mas a libertação econômica “é
impossível também, se desaparece a causa dos Direitos do Homem. [...] Não
há verdadeiro estabelecimento dos Direitos Humanos, sem o fim da
exploração; não há fim verdadeiro da exploração, sem o estabelecimento dos
Direitos Humanos”. Daí a importância da revisão crítica, inclusive numa
legislação socialista. (LYRA FILHO, 1990, páginas 5-6).

9. CONCLUSÃO

Os direitos humanos, conforme atenta Guilherme Arruda Aranha (2009,


página 283), “foram conquistados e construídos em séculos de luta contra a opressão
e a discriminação”. Um marco expressivo dessas lutas por direitos e garantias
basilares se deu com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, resultante
das reivindicações pleiteadas pela Revolução Francesa e propulsora de prerrogativas
capazes de livrar os indivíduos de arbítrios meramente despóticos e de condições
degradantes à própria humanidade. Contudo, essas prerrogativas não beneficiaram a
24

todos, e essa parcialidade foi percebida por correntes teóricas críticas como o
marxismo. No que concerne à abordagem dos direitos humanos sob o viés do
marxismo e salvaguardadas as diferenças das perspectivas marxistas que dialogam
com a temática – como aquelas elencadas ao longo deste trabalho –, é possível
avaliar os direitos humanos para além do paraíso jurídico formalista, atentando às
influências da vida material – e cuja concretude vai muito além das meras relações
econômicas – para, desse modo, possibilitar o exercício genuíno da humanidade
desses direitos de maneira vívida, para além do discurso e da lei.

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