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Vol. 40, abril 2017. DOI: 10.5380/dma.v40i0.

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DESENVOLVIMENTO
E MEIO AMBIENTE

Resenha do livro “América Latina: sociedade e meio


ambiente. Teorias, retóricas e conflitos em desenvolvimento”

Book Review “América Latina: Sociedade e Meio Ambiente. Teorias,


Retóricas e Conflitos em Desenvolvimento”

FLORIANI, Dimas; HEVIA, Antonio Elizalde (Orgs.). América Latina: sociedade e meio ambiente.
Teorias, retóricas e conflitos em desenvolvimento. Curitiba: Editora da UFPR, 2016. 348 p. ISBN:
9788584800278

Fernando Marcelo DE LA CUADRA1*


1
Facultad de Ciencias Sociales y Económicas, Universidad Católica del Maule, Talca, Chile.
*
E-mail de contato: fmdelacuadra@gmail.com

Resenha recebida em 18 de outubro de 2016, versão final aceita em 17 de janeiro de 2017.

O livro América Latina: Sociedade e Meio Embora o título do livro apareça em português,
Ambiente, organizado por Dimas Floriani e Antonio trata-se de uma publicação bilíngue, que recolhe as
Elizalde Hevia, é o resultado de um esforço editorial contribuições de especialistas do Brasil e de outros
realizado pela Rede Casla-Cepial, em associação países de língua hispânica do continente, tais como
com a Editora da Universidade Federal do Paraná Argentina, Chile, Colômbia e México. Dividida
(UFPR), que tem por objetivo difundir para um em três seções bem articuladas, a obra traça uma
público não necessariamente acadêmico as recentes excelente panorâmica da relação entre sociedade e
reflexões que vêm sendo produzidas sobre diversas meio ambiente, quer dizer, da história que se tem
problemáticas da região, relacionadas a questões edificado entre a humanidade e a natureza da qual
como a construção democrática e da cidadania, os somos parte. Nos 11 capítulos, os autores e autoras
direitos humanos e a tragédia dos migrantes, a crise elaboram uma visão ampla, profunda e crítica sobre
socioambiental e a mudança climática, a pobreza e as formas hegemônicas de imposição de uma narra-
as deficiências do sistema agroalimentar. tiva restrita de poder, de saber e de ser. À luz desse

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contexto, considera-se legítima somente a narrativa resto da humanidade. Essa “metanarrativa” supõe
provinda do pensamento eurocêntrico, que teve e uma visão universal da ideia de progresso – com as
continua tendo efeitos deletérios evidentes sobre a suas consequentes classificações e hierarquizações
dimensão ambiental, configurando os cimentos da –, a naturalização de relações sociais desiguais, a
crise sistêmica que enfrenta a humanidade. ontologização das múltiplas cisões da sociedade eu-
Abordando um amplo e inevitável conjunto ropeia (homem-natureza; mente-corpo; pensar-sen-
de temáticas e problemáticas ambientais, tais como tir, etc.) e o estabelecimento da superioridade dos
pensamento ambiental latino-americano; teorias conhecimentos dessa sociedade sobre as demais. De
do desenvolvimento; colonialidade; epistemologia acordo com essa perspectiva, a elaboração intelec-
ambiental; retóricas relacionadas ao conceito de tual do processo de modernidade produziu, quase
meio ambiente e desenvolvimento sustentável; que naturalmente, um padrão mundial de relações
representações e conflitos socioambientais, entre de poder baseadas na sedimentação da superioridade
outros, um eixo transversal dos diversos capítulos da civilização europeia ocidental como estrutura
poderia se situar em torno de um diagnóstico crítico de dominação global, nas formas de saber e de ser.
relativo às consequências de um tipo de desenvolvi- Diferentemente dessa ontologia, que funda a
mento associado à noção de crescimento que forma racionalidade moderna e configura a lógica da ci-
parte da civilização do capital. Por sua parte, um ência eurocêntrica, constitui-se aquilo que Enrique
segundo leque de preocupações abordadas pelos Leff (2016) denomina de ontologia da diversidade e
autores se concentra ou converge na procura de ética da outridade, que proporciona consistência a
respostas e soluções aos problemas previamente uma política da diferença e a um diálogo de saberes.
diagnosticados. Esse segundo corpo de aportes Como bem nos adverte esse autor, o ambientalismo
permite vislumbrar, em primeiro lugar, a potência de cunho latino-americano, centralmente presente
e originalidade do pensamento ambiental latino- numa nova racionalidade ambiental como princípio
-americano, constituindo-se numa inesgotável fonte mobilizador para uma verdadeira sustentabilidade,
de propostas e saídas para enfrentar a crise, tanto afirma-se numa ontologia do diverso frente a uma
no nível teórico, epistêmico e ontológico como por ontologia unificadora que se manifesta nos efeitos
meio de mediações e expressões práticas de moda- mais perversos sobre a própria vida. Dessa maneira,
lidades alternativas de um Bom Viver.
Num primeiro âmbito, dos trabalhos e refle- a ontologia da diversidade e da diferença e a ética da
xões que participaram do Programa de Pesquisa outridade se convertem em princípios para uma polí-
Modernidade/Colonialidade, surgem as bases de tica e uma ética ambiental […] gerando uma política
de sustentabilidade ecológica, de convivência social
uma teoria crítica da formação do discurso eu- e autonomia cultural que se tem plasmado em novos
rocêntrico. Nesse discurso, consagra-se um tipo desenhos constitucionais e que inspira e orienta os
específico de trânsito, que evolui desde o estado direitos humanos de nova geração. (Leff, 2016, p. 27).
de natureza para uma forma de estado ou sociedade
civil a partir da qual se legitimam as formas conven- Pelos mesmos motivos, a crise ambiental que
cionais de um determinado ordenamento jurídico, ameaça o planeta evidencia os limites da raciona-
econômico, político, social, cultural e ideológico, lidade econômica e instrumental predominantes
o qual vem se irradiando desde a Europa para o no conhecimento moderno, uma racionalidade que

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se expressa fundamentalmente por meio de um e fazedores de políticas públicas, por um lado, e
modelo econômico e socialmente hegemônico que movimentos sociais e organizações cidadãs, por
reduz o desenvolvimento ao crescimento. Então, outro, não possuem convergências, sendo que, para
constata-se que a problemática ambiental não reside os primeiros, o fator ambiental é parte significativa
exclusivamente no impacto que se apresenta em do discurso econômico como atributo ou valor
determinados ecossistemas (contaminação do ar, crematístico que se negocia no mercado como
água, solo, desmatamento, perda de biodiversidade, um bem intangível e como uma economização do
aquecimento global etc.), mas é resultado de um natural. Contrariamente, para os representantes da
processo civilizatório construído sobre o conheci- sociedade civil que integram organizações de base,
mento científico, valendo-se de uma racionalidade as temáticas ambientais se inscrevem num marco
formal, instrumental e econômica que permeia uma de desenvolvimento inclusivo, em que eles desejam
forma de entender o mundo para poder dominá-lo, ser consultados sobre o tipo de desenvolvimento ao
explorá-lo e mantê-lo sob controle, com esteio nos qual aspiram. Dessa forma, a inclusão do sustentá-
interesses das grandes corporações. Contrariamente, vel na formulação de políticas públicas ambientais
na região, está-se gestando uma resistência crítica a emerge mais como um assunto discursivo que como
esse modelo simulador de sustentabilidade, forjan- uma proposta programática a ser executada pela
do-se novas visões e estratégias de relacionamento integralidade dos atores envolvidos nos processos
e convivência com a natureza. de desenvolvimento.
Uma dimensão que surge como transversal a As discrepâncias discursivas e as diversas
vários capítulos incluídos nesta coletânea é a per- interpretações sobre a sustentabilidade também são
cepção compartilhada de que, apesar dos veementes abordadas no capítulo do sociólogo Dimas Floriani,
esforços teóricos e práticos por gerar alternativas a “As retóricas da sustentabilidade na América La-
um tipo de desenvolvimento predatório, as recentes tina: Conflitos semânticos e políticos no contexto
medições de um vasto agregado de indicadores de Modernidades múltiplas”. Em sua pesquisa, o
continuam evidenciando que a tendência para a professor Floriani analisa os diferentes campos
degradação ambiental, na maioria dos países, não discursivos nos quais se apoiam as narrativas prove-
parou de se agravar. Isso implica precisamente nientes de comunidades epistêmicas que se situam,
que a distância entre o discurso e a práxis concreta por uma parte, desde um locus teórico do centro
mantém a incógnita a respeito da relação entre de- (epistemologias logocêntricas) a outras que se ins-
senvolvimento e sustentabilidade – dois conceitos, talam em espaços mais amplos e diversos a partir
aliás, consideravelmente polissêmicos –, existindo de epistemologias da multiplicidade cultural ou de
uma enorme diversidade de perspectivas defendidas diálogo intercultural (epistemologias culturais).
por uma multiplicidade de correntes e atores. Ambos os discursos, que se situam em trincheiras
O estudo realizado por Enrique Aliste e Violeta semânticas opostas, intentam transmitir certa coe-
Rabi, exposto no capítulo “Representações e repre- rência entre teoria e prática, ao mesmo tempo em
sentatividade dos discursos do desenvolvimento: que se autoinstituem representantes legítimos de
Um olhar socioambiental”, deixa claramente estabe- uma noção de sustentabilidade mais institucional
lecido que as diversas visões sobre desenvolvimento e hegemônica em conflito com a retórica daqueles
e sustentabilidade existentes entre empresários atores não integrados que contestam dita hermenêu-

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tica oficial como válida e universal para a totalidade alternativas com maior ou menor viabilidade para
dos habitantes do planeta. sair desse impasse desenvolvimentista em sua ver-
A emergência de conflitos socioambientais são convencional, apelando certamente a uma boa
como consequência de diversas miradas e práticas dose de otimismo, necessário para pensar horizon-
espaciais sobre determinado território é a reflexão tes de uma racionalidade ambiental que supere os
que empreendem Rosinere Martins Lima e Joaquim efeitos perniciosos do atual padrão de produção e
Shiraishi no capítulo intitulado “Conflitos socio- consumo. Destacamos, entre elas, a proposição de
ambientais: O direito ambiental como instrumento Gerardo Milioli e Izes de Oliveira, consistente no
de legitimação das ações do poder público. Inter- esforço de transformar o metabolismo linear das
venção no Jardim Icaraí, Curitiba”. Em seu texto, cidades em outra forma de metabolismo circular
os autores destacam que, nesse caso concreto, a que permita reconverter o desmedido consumo e
existência dessa modalidade de conflito observada produção de lixo das grandes urbes por meio de uma
num bairro da cidade de Curitiba é o resultado da redução e reutilização dos resíduos e dejetos, sob
contradição entre os discursos e usos oficiais dos uma perspectiva ecossistêmica de uso sustentável
agentes governamentais de um lado e, do outro, das dos recursos. Partindo-se desse olhar ecossistêmi-
formas concretas de apropriação do espaço desde as co, os autores advertem sobre a interconexão entre
comunidades que nele habitam. Para os primeiros, os problemas urbanos e socioambientais, entre os
é preciso fazer uma realocação dos habitantes, nos quais a impermeabilização do solo e o uso despro-
termos da legislação que define uma zona como porcional de combustíveis fósseis ocupam um lugar
Área de Proteção Ambiental (APA), uma vez que destacado na deterioração da qualidade de vida das
por ela percorrem o rio Iguaçu e suas várzeas. urbes. Para transformar o metabolismo linear das
Diferentemente, para os moradores, a forma de as- cidades em outro de tipo circular, eles sugerem no-
sentamento utilizada pelas famílias não representa ve estratégias, que implicam uma conscientização
nenhum risco para a preservação do rio. A partir daqueles que habitam nas cidades e que aspiram a
da crítica a um pretenso “objetivismo” que coloca uma vida mais digna. Tal conscientização estaria
o conflito ambiental como um enfrentamento em materializada em uma atitude coletiva orientada à
torno do uso e apropriação dos recursos, os autores mudança, com mentalidade positiva e inovadora.
centram sua análise nos diversos significados que o Nesse sentido, a proposta da cidade como um ecos-
meio ambiente possui para indivíduos e comunida- sistema sustentável, longe de significar uma metáfo-
des. Como resultado desse confronto, a dimensão ra ou um horizonte utópico, representa “uma visão
ambiental se configura a partir de seu conteúdo de futuro para crescer com qualidade, diversificar
simbólico, quer dizer, tais conflitos surgem como possibilidades e desenhar os limites da natureza”.
“produtos de uma forma de se pensar e ordenar a Isso concretamente supõe ter “mais árvores, mais
cidade, portanto não somente expressam as contra- bicicletas e menos tráfego, mais espaços públicos
dições, como também manifestam os embates pela e lugares de encontro e mais encontros, atenção
apropriação e uso dos lugares na cidade”. (Lima & com o outro, à água, ao ar e ao solo e respeito aos
Shiraishi, 2016, p. 258). recursos”. (Milioli & Oliveira, 2016, p. 133).
Desde uma perspectiva da solução esboçada Em seu ensaio sobre as capacidades humanas,
em vários capítulos, alguns autores vão construindo A Arte de Amar, Erich Fromm advertia-nos há exa-

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tamente seis décadas que um elemento central da nidade e em que não existe uma emancipação dos
crise existencial do homem moderno era a ruptura limites da natureza. Ecologizar supõe uma prática
da simbiose entre homem e natureza. Certamente, necessária de convivência com o entorno, de pro-
Fromm pensara no homem ocidental, pois dita cisão fundo respeito com o meio ambiente e que supera
dificilmente se daria nas comunidades que, até mes- a concepção de um desenvolvimento convencional
mo na atualidade, mantêm uma relação harmônica que coloca ênfase na manutenção das utilidades no
com a natureza. Para Fromm, pensar no homem transcorrer do tempo, uma orientação econômica
ocidental representava uma verdade universal in- de matriz antropocêntrica, baseada numa lógica
discutível, pois toda sua reflexão, com fundamento evolucionista e positivista da ciência, que associa,
em uma perspectiva psicanalítica renovada, tinha em definitivo, o desenvolvimento com a ideia de
como marco de referência a humanidade ocidental. progresso e crescimento ilimitado. Frente a essa
A partir de um enfoque diferente, o pensamen- perspectiva, a contribuição do ambientalismo se
to ambiental latino-americano se nutre de outra ex- apresenta como prática e filosofia de vida, como um
periência e de outra filosofia, aquela que se encontra modo de entender o mundo e como uma alternativa
enraizada em outros saberes vernáculos próprios factível de soluções pensadas num horizonte de
dos povos originários de nosso continente. Essa médio e longo prazo.
cosmovisão, construída no decurso de muitos anos Nessa senda, esse livro, de recente lançamento,
pelas comunidades que residem na região andina e vem confirmar o argumento de que o pensamento
em outros territórios do continente, concebe o ser crítico latino-americano se encontra numa etapa
humano como parte de um todo integrado, em har- de renovada efervescência e não de crise ou deca-
monia com a natureza e com o resto dos seres vivos dência, como afirmam alguns profetas do conser-
que habitam no mesmo espaço-tempo. É pensar a vadorismo. Em suas páginas, encontraremos um
vida como uma vasta teia de relações, na comple- conglomerado de chaves e miragens para vislumbrar
xidade ecossistêmica e nas suas relações sociais, algumas saídas à crise que atualmente enfrentamos
relevando a alteridade como elemento fundamental e, nessa medida, superar os proeminentes obstáculos
de construção do ser. É o reconhecimento de que que existem para um autêntico desenvolvimento
existem diversos valores e formas de entender o regional e mundial. Pensamos sinceramente que a
mundo, de respeito a todos os seres vivos que inte- presente publicação poderá vir a se constituir num
gram e convivem na nossa Casa Comum. relevante avanço e num referencial para todos aque-
Dessa maneira, segue-se como indispensável les que desejam colher subsídios para uma reflexão
conjugar o verbo ecologizar – no sentido que lhe sobre novos caminhos teóricos e futuras práticas
imprime Bruno Latour – como construção de uma na direção de uma vida mais digna e plena para a
política na qual a natureza não se separa da huma- imensa maioria dos habitantes da Nave Terra.

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