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DESENVOLVIMENTO
E MEIO AMBIENTE
FLORIANI, Dimas; HEVIA, Antonio Elizalde (Orgs.). América Latina: sociedade e meio ambiente.
Teorias, retóricas e conflitos em desenvolvimento. Curitiba: Editora da UFPR, 2016. 348 p. ISBN:
9788584800278
O livro América Latina: Sociedade e Meio Embora o título do livro apareça em português,
Ambiente, organizado por Dimas Floriani e Antonio trata-se de uma publicação bilíngue, que recolhe as
Elizalde Hevia, é o resultado de um esforço editorial contribuições de especialistas do Brasil e de outros
realizado pela Rede Casla-Cepial, em associação países de língua hispânica do continente, tais como
com a Editora da Universidade Federal do Paraná Argentina, Chile, Colômbia e México. Dividida
(UFPR), que tem por objetivo difundir para um em três seções bem articuladas, a obra traça uma
público não necessariamente acadêmico as recentes excelente panorâmica da relação entre sociedade e
reflexões que vêm sendo produzidas sobre diversas meio ambiente, quer dizer, da história que se tem
problemáticas da região, relacionadas a questões edificado entre a humanidade e a natureza da qual
como a construção democrática e da cidadania, os somos parte. Nos 11 capítulos, os autores e autoras
direitos humanos e a tragédia dos migrantes, a crise elaboram uma visão ampla, profunda e crítica sobre
socioambiental e a mudança climática, a pobreza e as formas hegemônicas de imposição de uma narra-
as deficiências do sistema agroalimentar. tiva restrita de poder, de saber e de ser. À luz desse
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se expressa fundamentalmente por meio de um e fazedores de políticas públicas, por um lado, e
modelo econômico e socialmente hegemônico que movimentos sociais e organizações cidadãs, por
reduz o desenvolvimento ao crescimento. Então, outro, não possuem convergências, sendo que, para
constata-se que a problemática ambiental não reside os primeiros, o fator ambiental é parte significativa
exclusivamente no impacto que se apresenta em do discurso econômico como atributo ou valor
determinados ecossistemas (contaminação do ar, crematístico que se negocia no mercado como
água, solo, desmatamento, perda de biodiversidade, um bem intangível e como uma economização do
aquecimento global etc.), mas é resultado de um natural. Contrariamente, para os representantes da
processo civilizatório construído sobre o conheci- sociedade civil que integram organizações de base,
mento científico, valendo-se de uma racionalidade as temáticas ambientais se inscrevem num marco
formal, instrumental e econômica que permeia uma de desenvolvimento inclusivo, em que eles desejam
forma de entender o mundo para poder dominá-lo, ser consultados sobre o tipo de desenvolvimento ao
explorá-lo e mantê-lo sob controle, com esteio nos qual aspiram. Dessa forma, a inclusão do sustentá-
interesses das grandes corporações. Contrariamente, vel na formulação de políticas públicas ambientais
na região, está-se gestando uma resistência crítica a emerge mais como um assunto discursivo que como
esse modelo simulador de sustentabilidade, forjan- uma proposta programática a ser executada pela
do-se novas visões e estratégias de relacionamento integralidade dos atores envolvidos nos processos
e convivência com a natureza. de desenvolvimento.
Uma dimensão que surge como transversal a As discrepâncias discursivas e as diversas
vários capítulos incluídos nesta coletânea é a per- interpretações sobre a sustentabilidade também são
cepção compartilhada de que, apesar dos veementes abordadas no capítulo do sociólogo Dimas Floriani,
esforços teóricos e práticos por gerar alternativas a “As retóricas da sustentabilidade na América La-
um tipo de desenvolvimento predatório, as recentes tina: Conflitos semânticos e políticos no contexto
medições de um vasto agregado de indicadores de Modernidades múltiplas”. Em sua pesquisa, o
continuam evidenciando que a tendência para a professor Floriani analisa os diferentes campos
degradação ambiental, na maioria dos países, não discursivos nos quais se apoiam as narrativas prove-
parou de se agravar. Isso implica precisamente nientes de comunidades epistêmicas que se situam,
que a distância entre o discurso e a práxis concreta por uma parte, desde um locus teórico do centro
mantém a incógnita a respeito da relação entre de- (epistemologias logocêntricas) a outras que se ins-
senvolvimento e sustentabilidade – dois conceitos, talam em espaços mais amplos e diversos a partir
aliás, consideravelmente polissêmicos –, existindo de epistemologias da multiplicidade cultural ou de
uma enorme diversidade de perspectivas defendidas diálogo intercultural (epistemologias culturais).
por uma multiplicidade de correntes e atores. Ambos os discursos, que se situam em trincheiras
O estudo realizado por Enrique Aliste e Violeta semânticas opostas, intentam transmitir certa coe-
Rabi, exposto no capítulo “Representações e repre- rência entre teoria e prática, ao mesmo tempo em
sentatividade dos discursos do desenvolvimento: que se autoinstituem representantes legítimos de
Um olhar socioambiental”, deixa claramente estabe- uma noção de sustentabilidade mais institucional
lecido que as diversas visões sobre desenvolvimento e hegemônica em conflito com a retórica daqueles
e sustentabilidade existentes entre empresários atores não integrados que contestam dita hermenêu-
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tamente seis décadas que um elemento central da nidade e em que não existe uma emancipação dos
crise existencial do homem moderno era a ruptura limites da natureza. Ecologizar supõe uma prática
da simbiose entre homem e natureza. Certamente, necessária de convivência com o entorno, de pro-
Fromm pensara no homem ocidental, pois dita cisão fundo respeito com o meio ambiente e que supera
dificilmente se daria nas comunidades que, até mes- a concepção de um desenvolvimento convencional
mo na atualidade, mantêm uma relação harmônica que coloca ênfase na manutenção das utilidades no
com a natureza. Para Fromm, pensar no homem transcorrer do tempo, uma orientação econômica
ocidental representava uma verdade universal in- de matriz antropocêntrica, baseada numa lógica
discutível, pois toda sua reflexão, com fundamento evolucionista e positivista da ciência, que associa,
em uma perspectiva psicanalítica renovada, tinha em definitivo, o desenvolvimento com a ideia de
como marco de referência a humanidade ocidental. progresso e crescimento ilimitado. Frente a essa
A partir de um enfoque diferente, o pensamen- perspectiva, a contribuição do ambientalismo se
to ambiental latino-americano se nutre de outra ex- apresenta como prática e filosofia de vida, como um
periência e de outra filosofia, aquela que se encontra modo de entender o mundo e como uma alternativa
enraizada em outros saberes vernáculos próprios factível de soluções pensadas num horizonte de
dos povos originários de nosso continente. Essa médio e longo prazo.
cosmovisão, construída no decurso de muitos anos Nessa senda, esse livro, de recente lançamento,
pelas comunidades que residem na região andina e vem confirmar o argumento de que o pensamento
em outros territórios do continente, concebe o ser crítico latino-americano se encontra numa etapa
humano como parte de um todo integrado, em har- de renovada efervescência e não de crise ou deca-
monia com a natureza e com o resto dos seres vivos dência, como afirmam alguns profetas do conser-
que habitam no mesmo espaço-tempo. É pensar a vadorismo. Em suas páginas, encontraremos um
vida como uma vasta teia de relações, na comple- conglomerado de chaves e miragens para vislumbrar
xidade ecossistêmica e nas suas relações sociais, algumas saídas à crise que atualmente enfrentamos
relevando a alteridade como elemento fundamental e, nessa medida, superar os proeminentes obstáculos
de construção do ser. É o reconhecimento de que que existem para um autêntico desenvolvimento
existem diversos valores e formas de entender o regional e mundial. Pensamos sinceramente que a
mundo, de respeito a todos os seres vivos que inte- presente publicação poderá vir a se constituir num
gram e convivem na nossa Casa Comum. relevante avanço e num referencial para todos aque-
Dessa maneira, segue-se como indispensável les que desejam colher subsídios para uma reflexão
conjugar o verbo ecologizar – no sentido que lhe sobre novos caminhos teóricos e futuras práticas
imprime Bruno Latour – como construção de uma na direção de uma vida mais digna e plena para a
política na qual a natureza não se separa da huma- imensa maioria dos habitantes da Nave Terra.