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O “STANDARD” JURÍDICO
Sumário:
- - II – Conceito de “standard” jurídico - III – Origem do sistema de “standards” jurídicos
- IV – Espécies do “standard” jurídico - V – Natureza jurídica do “standard” jurídico - VI
– Posição sistemática do “standard” jurídico - VII – Aplicação do “standard” jurídico -
VIII – Objeções ao “standard” jurídico - IX – Conclusão: valor do “standard” jurídico
como meio de integração do direito
Assim, e em oposição à escola, histórica de Savigny, nasceu uma corrente nova, que
trabalha com os meios da História, do Direito Comparado, da Filosofia e se baseia nas
necessidades econômicas, sociais e éticas da nossa época. Esta corrente, que visa
principalmente a evolução do direito e o preenchimento de suas lacunas, pode ser
chamada de corrente evolucionista ou teleológica. No direito alemão, esta corrente é
conhecida por “Entwicklungs Jurisprudenz”, “Zweckjurisprudenz” ou
“Interessenjurisprudenz” visto como tenta reconhecer e apreciar os interêsses em
conflito.3 O precursor desta corrente foi Ihering, que, na sua obra “Zweck im Recht”,
procurou demonstrar que a Ciência do Direito e a evolução do direito são norteadas pela
idéia finalística. A maioria dos juristas modernos aceitaram esta teoria e a
desenvolveram.
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O “standard” jurídico
Uma das concepções mais modernas, que ainda está na sua fase inicial, vai muito além
dos resultados da chamada corrente finalística, no que se refere à relação entre
jurisdição e norma jurídica. Enquanto que esta ainda obrigava o juiz a aplicar a lei,
dentro de uma atitude que Heck denominava de “denkender Gehorsam”, aquela vê um
ato criador até no processo jurisdicional “normal”. Considera a norma jurídica não na sua
acepção originária ou o juízo valorativo do legislador, mas a “ratio legis” autônoma, que
é “descoberta” pelo juiz, por meio de princípios. Para ela, o elemento precípuo da
atividade jurisdicional está no elemento volitivo, ou, como dizem, imitando a escola
norte-americana, no “hunch” da decisão. Condena, portanto, a concepção tradicional da
aplicação do direito como uma realização do direito. A decisão judicial, não só na
“Rechtsfortbildung”, é vista como solução casuístico-analítica de problemas, como
realização de valorizações práticas, que deve ser encontrada por meio da “inventio” (a
“tópica” Aristotélica), com auxílio de “standards”, “topoi”, máximas, “rationes dicendi”
etc. O pensamento jurídico visa, portanto, sòmente a solução de problemas práticos e
não pretende estabelecer um sistema axiomático fechado.
Mas a aplicação mecânica do Direito se opõe à natureza das coisas. Como diz Sanhoury,
encarar hipóteses variadas de um modo abstrato e genérico, estabelecer uma regra
rígida para englobá-las num só conjunto, sem tomar em consideração as
particularidades dc cada caso, é desconhecer a própria natureza do mundo social,
natureza esta que se insurge contra tôda uniformização matemática.5
As leis não são fins em si mesmas, mas meios de administração da justiça, não sendo
possível, portanto, reduzir a sua aplicação a um processo puramente mecânico. Por isso,
dentro de certos limites, o juiz deve ser livre na apreciação do caso concreto. Roscoe
Pound sustenta que a aplicação da lei deve envolver não só a lógica, mas também uma
parcela de discrição. Afirma Pound que tôdas as tentativas de eliminar êste último
elemento, tornando a lei puramente mecânica na sua ação, falharam. Exige a justiça
que, ao inves de adaptarmos o caso à regra, adaptemos a regra ao caso.6
Enquanto que o século XIX se contentava com uma justiça abstrata, o século XX cada
vez mais reclama pela individualização e justiça concreta. A opinião dominante no século
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O “standard” jurídico
XIX, que viu na aplicação do direito sòmente uma operação lógica, não é realizável na
prática jurídica. As leis não podem ser redigidas tão univocamente a excluir tôda dúvida
em todos os casos da aplicação do direito. A vida, porém, exige uma resposta a tôdas as
questões jurídicas, e o juiz sempre é obrigado a julgar os casos submetidos à sua
apreciação. Conseqüentemente, as leis devem deixar ao juiz uma certa margem de
valoração, para êle poder levar em consideração as particularidades do caso concreto.
Num sistema de tradição romanística, em que o juiz é vinculado à lei, essas teorias não
podem ser aceitas inteiramente. É certo, porém, que essa vinculação do juiz não é uma
vinculação ao texto da lei, mas sòmente ao sentido e à finalidade dela. A vinculação
varia conforme o tipo de norma jurídica. Sua expressão máxima ela encontra nas
normas com conceitos jurídicos determinados, sendo mais tênue nas normas com
conceitos jurídicos indeterminados, que fornecem ao juiz tão-sòmente uma diretiva
genérica, um “standard”, permitindo-lhe o caso concreto com o auxílio de princípios
gerais do Direito, valorações jurídicas e extrajurídicas genéricas, experiência geral etc.
Desta maneira, o elemento volitivo adquire uma importância muito maior.
Roscoe Pound observou mesmo uma mudança na administração judicial da justiça, onde
se empresta mais confiança aos “standards” e menos confiança às regras, e se dá mais
atenção à aplicação de preceitos legais e menos ao seu conteúdo abstrato. 7
Dentro dos vários meios de individualização do direito, aquêle que nos parece mais
adequado ao sistema legalista dos países de tradição romanística, é a utilização de
normas flexíveis, que dão ao juiz uma diretiva genérica, através da qual a atenção do
juiz é chamada para fatos, conceitos ou critérios não definidos, que êle deve apurar e
apreciar para chegar a uma conclusão.
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O “standard” jurídico
Por sua vez, Sanhoury o define como “mesure moyenne de conduite sociale, suscetible
de s’adapter aux particularités de chaque hypothèse determinée”.11
A mesma idéia de medida de conduta está contida na definição dada por Gressaye e
Laborde-Lacoste: “Un procédé donnant le type moyen, la mesure moyenne d’actes,
quelle que soit leur particularité”.12
Du Pasquier resume a noção de “standard” como sendo a das regras que, ao invés de
formularem uma solução rígida, concedem uma certa margem e apelam para a
colaboração do juiz ou da autoridade administrativa, concedendo-lhe um certo poder
discricionário.15
Serpa Lopes conclui tratar-se de “conceitos flexíveis”, sendo esta diretiva uma regra de
Direito Jurisprudencial.16
Vistas essas definições, cabe-nos fazer algumas observações. O Prof. Limongi França, Du
Pasquier e Serpa Lopes parecem estar confundindo o “standard” jurídico com uma de
suas fontes. Mas o “standard” não se confunde com o conceito jurídico indefinido, o
“unbestimmter Rechtsbegriff”, os conceitos flexíveis. Êstes são senão uma das fontes
das quais o “standard” deriva. Como mais adiante demonstraremos, ao lado do
“standard” legal existe ainda o “standard” jurisprudencial. Não confundamos, pois, o
“standard” com a sua fonte.
Êste conceito será analisado quando tratarmos da natureza jurídica e das espécies do
“standard” jurídico. Por ora, limitamo-nos à sua simples enunciação.
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O “standard” jurídico
média. Tanto é assim, que se impõe estabelecer um certo paralelo entre os “standards”
jurídicos e as normas de conduta. Afirma o jurista norte-americano James G. Rogers que
geralmente se reconhece uma certa relação de causa e efeito entre lei e conduta média.
Visto dêste ângulo, podemos dizer que a lei é “common sense”.17
É, portanto, no “standard” jurídico que a conduta social média encontra sua expressão
mais direta no âmbito do direito.
Para tornar mais clara a noção do “standard” vejamos uma comparação entre a norma
jurídica e o “standard”.18
O que caracteriza a norma jurídica é a sua fixidez: fixidez quanto aos fatos previstos e
fixidez quanto à solução aplicável àqueles fatos. A norma jurídica fornece, portanto, uma
solução fixa a uma hipótese determinada. O “standard”, pelo contrário, não possui
aquela fixidez mas desenha uma grande linha de conduta, fornece uma diretiva geral
que deve guiar o juiz. Como observa Francisco Campos, “os “standards”, ou diretivas se
limitam a apontar para o horizonte, sem delimitar, entretanto, o setor em que deverá
incidir, de modo preciso, o critério legal”. 19 A fixidez e rigidez da norma jurídica se opõe
a flexibilidade e adaptabilidade do “standard”.
Enquanto que a norma jurídica é abstrata, o “standard” não tem nada de abstrato. Êle
formula a maneira normal de se comportar, sem abstração, nem generalização. Pela sua
própria natureza, o “standard” pressupõe que haja várias maneiras de se comportar
conforme as circunstâncias, sendo que cabe ao juiz a tarefa delicada de determinar qual
a melhor conduta em determinadas circunstâncias.
As mesmas características são atribuídas aos “standards” por Roscoe Pound, que as
enuncia da seguinte maneira:
2) Êles não exigem um conhecimento exato da lei, que deve ser aplicada com exatidão,
mas invocam o senso comum sôbre coisas comuns ou a intuição treinada sôbre coisas
fora da experiência de qualquer um.
3) Êles não são formulados de maneira absoluta e não recebem um conteúdo exato,
nem pelo legislador, nem pela decisão do juiz, mas são relativos a tempo, espaço e
circunstâncias, devendo ser aplicados com referência aos fatos do caso em exame. 20
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Parece-nos, no entanto, que o “standard” jurídico, tal qual como acabamos de conceituá-
lo, teve o seu desenvolvimento posterior ao da norma jurídica. Concordamos com
autores que, como Pound e Sanhoury, afirmam que os “standards” só se desenvolveram
muito tarde.
Apesar de possuir raízes tão remotas, o “standard” só se desenvolveu muito mais tarde.
O Direito Romano, baseado em regras definidas e detalhadas, não deu muita margem à
aplicação de “Standards”.23 Mais tarde, o “ius strictum” com suas regras rigorosas, que
visavam excluir qualquer arbítrio por parte do juiz, foi amenizado no seu rigor pelo “ius
aequum” e pelo Direito Natural, que introduziram princípios morais no campo do direito.
Só modernamente, pela importância emprestada à intuição e à experiência, a aplicação
dos “standards” ganhou maior importância.
Essa passagem da norma genérica e abstrata ao “standard”, foi muito bem descrita por
Pound:
“Na história do direito, o direito estrito se baseia na autoridade e emprega regras; a fase
da eqüidade e do direito natural se funda na razão e emprega princípios morais; a
maturidade do direito se baseia na lógica e emprega conceitos legais. Hoje também
confiamos na intuição que exprime experiência, e empregamos “standards”. 24
Convém notar, entretanto, que esta seqüência não importa em substituição mas em
aumento do número de formas expressionais do direito. Uma forma não substitui a
anterior mas se junta a ela.
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O “standard” jurídico
Assim, o direito inglês elaborou “standards” como “fair conduct”, “reasonable notice”,
“reasonable opportunity” etc. O Direito norte-americano, no século XIX, construiu
“standards” como “due care”, “reasonable service”, “reasonable facilities” etc. Mais
adiante veremos outros exemplos de “Standards” e sua aplicação na jurisprudência.
Como decorre do conceito por nós proposto, o “standard” jurídico pode ser de duas
espécies: legal ou jurisprudencial.
“Standard” legal é aquêle que deriva de normas jurídicas que contenham conceitos
jurídicos indeterminados, conceitos flexíveis, “Generalklauseln”. São normas que se
referem às “circunstancias”, “ao que fôr razoável”, “ao que mais atenda ao contrato”, ao
“perigo” (art. 1.308, Código Civil (LGL\2002\400)) etc. Pontes de Miranda denomina
essas normas de regras jurídicas amplas ou latas, observando que:
Convém frisar que o “standard” legal não se confunde com o conceito indeterminado que
lhe dá origem.
Na sua excelente monografia “Das Formas de Expressão do Direito”, que nos inspirou a
temática do presente trabalho, o Prof. Limongi França enumera três espécies de
“standards” jurídicos: o legal, o jurisprudencial e o costumeiro. 28 Quanto às duas
primeiras espécies, porém, parece-nos, pelos exemplos citados naquela monografia, que
o autor confunde o “standard” jurídico, que por natureza é indeterminado, com aquilo
que vem a determiná-lo. Assim, o § 6.º do art. 15 da Lei do Inquilinato, que inclui na
expressão “uso próprio” a obrigatoriedade de permanecer o proprietário pelo menos um
ano no imóvel despejado, a nosso ver, não constitui um “standard” legal. O “standard”
ali existente deriva do conceito indefinido “uso próprio”, sendo que o citado preceito
legal, ao invés de estabelecer um “standard”, determina o conteúdo de um “standard”. O
§ 6.º do art. 15 da Lei do Inquilinato, portanto, não só não estabelece nenhum
“standard” mas contribui para o desaparecimento de um “standard” legal pela
determinação do conceito indefinido “uso próprio”.
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O “standard” jurídico
“Data venia”, discordamos ainda quanto à possibilidade de haver uma terceira espécie
de “standards”, ou seja, o “standard” costumeiro. A nosso ver, sòmente o “standard”
que deriva de uma norma legal ou da jurisprudência tem fôrça jurídica, atuando como
diretiva de natureza obrigatória. Os costumes “secundum legem”, referidos pelo Prof.
Limongi França, não constituem “standards” jurídicos, mas simples meios de
interpretação.
A natureza jurídica do “standard” varia conforme· a sua espécie. Pelo que já expusemos,
forçoso é reconhecer a natureza legal do “standard” jurídico legal. A obrigatoriedade do
“standard” legal deriva sempre de uma lei. A norma jurídica lata, da qual o “standard”
legal se origina, dá uma liberdade maior, uma certa margem de arbítrio ao juiz. Mas
nem por isso lhe cabe arbítrio puro. É justamente o “standard” que, embora de maneira
ampla, fixa limites ao juiz. A lei determina ao juiz qual o critério de avaliação que deve
ser seguido na apreciação do caso particular. Ao juiz sòmente cabe realizar a adequação
da hipótese particular ao “standard” impôsto pela lei.
Aplicando um “standard” jurídico, o juiz não exerce nenhuma função criadora. Com o
“standard” sòmente lhe é dado um instrumento mais flexível, mais adequado para
realizar a individualização do Direito. Mas êste instrumento, apesar de sua amplitude,
não deixa de ser um instrumento legal. Tanto é assim, que ao juiz não é facultado deixar
de seguir a diretiva estabelecida pela norma jurídica. Parece-nos que a razão está com
Pontes de Miranda que, na aplicação de uma norma jurídica lata, somente vê uma
função aplicadora, apesar da latitude da lei.29
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O “standard” jurídico
Aqui nos cabe dar um prévio esclarecimento quanto à nossa posição em face das
chamadas “fontes formais” do direito. Adotamos, neste particular, a opinião do Prof.
Limongi França, que, na sua monografia “Das Formas de Expressão do Direito”,
demonstra a impropriedade da expressão “fonte” para designar os modos de expressão
do direito. Conclui o Prof. Limongi França: “… a expressão “fonte formal”, segundo nos
parece, é duplamente imprópria, porque, ou encaramos a lei, o costume etc., do ponto-
de-vista do seu conteúdo, e não o próprio Direito já constituído e não a sua fonte; ou os
consideramos segundo o nôvo prisma de forma e, em tal caso, constituiriam apenas o
modo pelo qual o direito se positiva, se expressa, se exterioriza”. 30
Por isso, o Prof. Limongi França sugere substituir a noção de “fonte formal” pela de
“forma” do direito positivo. A palavra “fonte” é reservada para designar o processo de
elaboração do direito, concerne, portanto, ao capítulo da etiologia jurídica. O capítulo
das “formas de expressão do Direito”, por outro lado, que se ocupa das formas de
expressão, dos modos pelos quais o direito, latente na natureza das coisas, por um fato
da vontade humana, passa a tornar-se objetivamente definido e coercitivo, seria o da
morfologia do direito.
Adotamos esta distinção entre “fontes” e “formas” do direito porque ela, além de
corresponder mais à realidade dos fatos, nos abre um campo muito mais vasto. Há uma
grande série de atos e fatos humanos que, como o próprio “standard” jurídico, podem
ser encarados como formas de expressão do Direito, e, como pondera Roscoe Pound, a
vida, que o direito deve governar, é uma coisa complexa e o direito moderno requer, e
efetivamente possui, uma diversidade de instrumentos para alcançar seu propósito. 33
Agora vamos ràpidamente enunciar a classificação proposta pelo Prof. Limongi França,
para depois examinar como o “standard” jurídico deve ser enquadrado nela.
Classificando as formas de expressão do direito segundo o critério da natureza da
coercitividade, o Prof. Limongi França distingue 3 categorias de formas:
1) A dos atos jurídicos “lato sensu”, cuja eficácia vinculativa provém, de modo imediato,
da sanção estatal; espécie mais importante desta categoria é a lei.
2) A dos atos sociais de fato com fôrça jurídica, cuja eficácia deflui de outros fatôres,
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O “standard” jurídico
como, por exemplo, no caso dos costumes, da “opinio necessitatis”; além do costume o
Prof. Limongi França inclui nesta categoria a jurisprudência e o “standard” jurídico.
O sistema do “standard” jurídico não pode ser aplicado a todos os campos do direito. Os
seus próprios adeptos limitam a sua aplicação àqueles campos onde a preocupação de
adaptação e de evolução predomina sôbre a preocupação de segurança jurídica. Assim
observa Felix Frankfurter, há campos do contrôle legal onde a certeza – aplicação
mecânica de regras preestabelecidas – é realizável, e há outros campos, onde o direito
necessàriamente significa aplicação de “standards”.35
A mesma divisão encontramos em Roscoe Pound, que considera que títulos imobiliários e
a negociabilidade de títulos de valor não dependem, nem deveriam depender de
circunstâncias. Tais matérias são governadas por regras e não são deixadas para júris e
comissões. De outro lado, o que é “due care in driving” não pode ser determinado de
maneira abstrata, de uma vez por tôdas, para todo motorista que chegar a dirigir. 37
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O “standard” jurídico
Dentro dêsse campo do “standard” jurídico, vamos examinar mais detalhadamente três
aplicações práticas do “standard”, citadas por Sanhoury, 40 para a melhor compreensão
do seu funcionamento.
2) Teoria da imprevisão
A jurisprudência inglêsa, que antigamente nem admitia a fôrça maior como escusa justa
para a não execução do contrato, com o tempo chegou a construir um “standard” de
“racionalidade” assim concebido: o acontecimento que torna impossível a execução do
contrato, pondo fim ao liame contratual, deve ser de tal caráter que não pode ser
razoàvelmente previsto pelas partes Contratantes. Com êsse “standard” de “previsão
razoável”, a jurisprudência inglêsa conseguiu dar conta não só do fato imprevisível, que
afeta a possibilidade de execução, mas também daquele, sem. tornar impossível a
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Assim, os juízes inglêses, por meio do “standard” da “previsão razoável”, fizeram evoluir
a jurisprudência através de etapas sucessivas, da impossibilidade material à
impossibilidade comercial, com seu critério de dificuldade excessiva, seguindo assim a
transformação contínua das circunstâncias econômicas, e, graças à aplicação de um
“standard” flexível, satisfazendo preocupações novas.
Por isso, a jurisprudência, francesa decidiu que, tôdas as vêzes que o inconveniente se
torna anormal, ultrapassa a medida de tolerância, o proprietário deve indenizar seu
vizinho. É o “standard” de “inconveniente normal de vizinhança” que fornece soluções
em harmonia com o progresso econômico e o desenvolvimento das máquinas, que
aumentaram os inconvenientes anormais entre vizinhos. Na aplicação dêsse “standard”,
tomam-se em consideração tôdas as circunstâncias particulares de uma hipótese
determinada: a situação dos imóveis a localidade onde se encontram, o gênero de
exploração, o estado social e econômico da época, a freqüência, duração e generalidade
dos inconvenientes.
Em tôda a história do Direito, o mêdo da ação arbitrária dos magistrados tem sido um
pesadelo. Mas, como observa Felix Frankfurler, 42 nós não podemos pretender uma
certeza absoluta, movidos pelo desejo de excluir os perigos do poder discricionário.
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Além disso, a apreciação pessoal do juiz jamais poderá ser excluída, nem mesmo
através de normas jurídicas rígidas, pois, como observa Rodney L. Mott, cada frase
numa lei escrita tem um “range” variável de significado. Por esta razão, considera tôdas
as leia ambíguas, no sentido de que elas devem ser aplicadas a um número de situações
que caem entre o mínimo e o máximo “ranges” de significado, contido no estatuto. 43
Outra objeção diz respeito à falta de certeza provocada pela aplicação dos “standards”, e
é apontada por Brêthe de la Gressaye e Laborde-Lacoste: “vago, êle deixa os homens na
incerteza sôbre a conduta a ser seguida”.44
Também essa objeção não tem procedência, pois o “standard” exatamente dá um guia,
um modêlo, uma diretiva, nos limites dos quais a atividade humana deve desenvolver-
se. Além disso, a aplicação dos “standards” não visa a banir a lógica do direito, e, com
isso, eliminar a maior garantia de certeza. Neste sentido, Roscoe Pound adverte que o
movimento em discussão não é um movimento que visa eliminar a lógica. É antes um
movimento para desenvolver uma técnica melhor no uso de outros instrumentos,
quando a lógica legal falhar ou fôr de pouca valia. Além disso, lembra Pound, a lógica
legal é suscetível de muito aperfeiçoamento, que de maneira alguma vai prejudicar a
certeza.45
Por tudo que acabamos de expor, podemos concluir, que, mesmo para um país de
tradição romanística, o “standard” jurídico é um instrumento técnico valioso, que fornece
ao direito um meio de evoluir, acompanhando as transformações sucessivas do meio
social.
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1 V. Miguel Reale, “Filosofia do Direito”, 3.ª ed., 1962, vol. II, págs. 373 e 378.
4 Roscoe Pound, “An Introduction to the Philosophy of Law”, ed. revista, 1954, pág. 64.
5 A. – A. Al. Sanhoury, “Le Standard Juridique”, in “Recueil d’Études sur les Sources du
Droit, en l’Honneur de François Gény”, Paris, s/d, vol. II, pág. 145.
7 Roscoe Pound, “Administrative Application of Legal Standards”, op. cit., pág. 77.
10 R. Limongi França, “Das Formas de Expressão do Direito”, “in” “Rev. dos Tribs.”,
1965, vol. 354, pág. 17.
17 James Grofton Rogers, “A Scientific Approach to the Free Judicial Decision”, “in”
“Recueil Gény”, op. cit., vol. II, pág. 555.
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O “standard” jurídico
21 M. Hauriou, “Fond de droit et police juridique”, págs. 36/52, citado por Sanhoury, op.
e loc. cits.
25 Pontes de Miranda, “Tratado de Direito Privado”, 2.ª ed., 1954, tomo I, pág. 69.
29 Pontes de Miranda, op. cit., pág. 70. No mesmo sentido, Enneccerus-Nipperdey: op.
cit., pág. 305.
31 Roscoe Pound, “Readings on the History and System of the Common Law”, 2.ª ed.,
1913, pág. 210.
32 J. Maury, “Observation sur les modes d’expression du droit, règles et directives”, “in”
“Études Lambert”, 1939, tomo I.
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38 V. Francisco Campos, op. cit., pág. 7 e segs., e ainda Forsthoff, “Lehrbuch des
Verwaltungsrechts”, München, 1959.
43 Rodney L. Mott, “Natural Rights and legislative vagueness”, in “Recueil Gény”, op.
cit., vol. III, pág. 45.
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