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O “standard” jurídico

O “STANDARD” JURÍDICO

Doutrinas Essenciais de Direito Civil | vol. 1 | p. 299 - 316 | Out / 2010


DTR\2012\1565
_______________________________________________________________________
Gerd Willi Rothmann
Advogado em São Paulo.

Área do Direito: Fundamentos do Direito

Sumário:
- - II – Conceito de “standard” jurídico - III – Origem do sistema de “standards” jurídicos
- IV – Espécies do “standard” jurídico - V – Natureza jurídica do “standard” jurídico - VI
– Posição sistemática do “standard” jurídico - VII – Aplicação do “standard” jurídico -
VIII – Objeções ao “standard” jurídico - IX – Conclusão: valor do “standard” jurídico
como meio de integração do direito

Revista dos Tribunais • RT 371/9 • set./1966

I – Introdução: Tendências da ciência jurídica moderna1

Um dos mais importantes avanços da Ciência Jurídica moderna consiste na mudança da


atitude analítica para a atitude funcional em face dos fenômenos jurídicos. 2 Desde as
últimas décadas do século passado, o jurista está mais intensamente voltado para a
tarefa prática do direito. Não pensa mais dentro de sistemas fechados, nem procura
impedir de antemão qualquer mudança por meio de postulados rígidos, dos quais tôdas
as particularidades se deduzem por um processo lógico. Muito pelo contrário, o problema
consiste em saber se o direito atende às suas finalidades – a genérica de fomentar a
evolução cultural e as particulares decorrentes dos diferentes fenômenos jurídicos.

Assim, e em oposição à escola, histórica de Savigny, nasceu uma corrente nova, que
trabalha com os meios da História, do Direito Comparado, da Filosofia e se baseia nas
necessidades econômicas, sociais e éticas da nossa época. Esta corrente, que visa
principalmente a evolução do direito e o preenchimento de suas lacunas, pode ser
chamada de corrente evolucionista ou teleológica. No direito alemão, esta corrente é
conhecida por “Entwicklungs Jurisprudenz”, “Zweckjurisprudenz” ou
“Interessenjurisprudenz” visto como tenta reconhecer e apreciar os interêsses em
conflito.3 O precursor desta corrente foi Ihering, que, na sua obra “Zweck im Recht”,
procurou demonstrar que a Ciência do Direito e a evolução do direito são norteadas pela
idéia finalística. A maioria dos juristas modernos aceitaram esta teoria e a
desenvolveram.

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O “standard” jurídico

Uma das concepções mais modernas, que ainda está na sua fase inicial, vai muito além
dos resultados da chamada corrente finalística, no que se refere à relação entre
jurisdição e norma jurídica. Enquanto que esta ainda obrigava o juiz a aplicar a lei,
dentro de uma atitude que Heck denominava de “denkender Gehorsam”, aquela vê um
ato criador até no processo jurisdicional “normal”. Considera a norma jurídica não na sua
acepção originária ou o juízo valorativo do legislador, mas a “ratio legis” autônoma, que
é “descoberta” pelo juiz, por meio de princípios. Para ela, o elemento precípuo da
atividade jurisdicional está no elemento volitivo, ou, como dizem, imitando a escola
norte-americana, no “hunch” da decisão. Condena, portanto, a concepção tradicional da
aplicação do direito como uma realização do direito. A decisão judicial, não só na
“Rechtsfortbildung”, é vista como solução casuístico-analítica de problemas, como
realização de valorizações práticas, que deve ser encontrada por meio da “inventio” (a
“tópica” Aristotélica), com auxílio de “standards”, “topoi”, máximas, “rationes dicendi”
etc. O pensamento jurídico visa, portanto, sòmente a solução de problemas práticos e
não pretende estabelecer um sistema axiomático fechado.

Essas tentativas de individualização do direito encontram um paralelo na evolução do


próprio campo normativo. Neste campo, podemos observar uma mudança paulatina de
normas rígidas, que a determinadas situações fáticas ligam uma conseqüência
claramente definida e indistinta, para normas flexíveis que, nas suas condições e nos
seus efeitos, procuram levar em consideração as particularidades das relações fáticas, de
um modo adequado e humano. Como observa Roscoe Pound, na história do direito
denota-se um contínuo movimento pendular entre ampla discrição e rigorosas regras
detalhadas, entre justiça sem lei e justiça em conformidade com a lei.4

No direito estrito, a individualização é excluída através de um processo mecânico de


aplicação do direito. Sob a predominância do direito estrito, a ênfase é dada ao elemento
estabilidade, segurança, sacrificando-lhe o elemento adaptabilidade. Por isso, o “ius
strictum” teve o seu maior florescimento nos primórdios da nossa evolução cultural e
jurídica, quando era preciso um direito claro, que impedia tôda jurisdição arbitrária.

Mas a aplicação mecânica do Direito se opõe à natureza das coisas. Como diz Sanhoury,
encarar hipóteses variadas de um modo abstrato e genérico, estabelecer uma regra
rígida para englobá-las num só conjunto, sem tomar em consideração as
particularidades dc cada caso, é desconhecer a própria natureza do mundo social,
natureza esta que se insurge contra tôda uniformização matemática.5

As leis não são fins em si mesmas, mas meios de administração da justiça, não sendo
possível, portanto, reduzir a sua aplicação a um processo puramente mecânico. Por isso,
dentro de certos limites, o juiz deve ser livre na apreciação do caso concreto. Roscoe
Pound sustenta que a aplicação da lei deve envolver não só a lógica, mas também uma
parcela de discrição. Afirma Pound que tôdas as tentativas de eliminar êste último
elemento, tornando a lei puramente mecânica na sua ação, falharam. Exige a justiça
que, ao inves de adaptarmos o caso à regra, adaptemos a regra ao caso.6

Enquanto que o século XIX se contentava com uma justiça abstrata, o século XX cada
vez mais reclama pela individualização e justiça concreta. A opinião dominante no século

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O “standard” jurídico

XIX, que viu na aplicação do direito sòmente uma operação lógica, não é realizável na
prática jurídica. As leis não podem ser redigidas tão univocamente a excluir tôda dúvida
em todos os casos da aplicação do direito. A vida, porém, exige uma resposta a tôdas as
questões jurídicas, e o juiz sempre é obrigado a julgar os casos submetidos à sua
apreciação. Conseqüentemente, as leis devem deixar ao juiz uma certa margem de
valoração, para êle poder levar em consideração as particularidades do caso concreto.

A individualização do Direito privado, já prevista por Saleilles na sua célebre obra


“L’individualisation de la Peine”, importa na deslocação do acento do conteúdo do
preceito e da existência do remédio jurídico para o efeito do preceito em ação e a
utilidade e eficácia do remédio para atender às suas finalidades.

Várias teorias têm defendido a individualização. As mais extremadas, como a escola da


“libre recherche”, a do “free judge movement” e da “Freirechtsschule”, dão a máxima
liberdade ao juiz, vendo na norma legal sòmente um ponto de partida para a “norma
decisória”, que deve ser encontrada em cada caso concreto.

Num sistema de tradição romanística, em que o juiz é vinculado à lei, essas teorias não
podem ser aceitas inteiramente. É certo, porém, que essa vinculação do juiz não é uma
vinculação ao texto da lei, mas sòmente ao sentido e à finalidade dela. A vinculação
varia conforme o tipo de norma jurídica. Sua expressão máxima ela encontra nas
normas com conceitos jurídicos determinados, sendo mais tênue nas normas com
conceitos jurídicos indeterminados, que fornecem ao juiz tão-sòmente uma diretiva
genérica, um “standard”, permitindo-lhe o caso concreto com o auxílio de princípios
gerais do Direito, valorações jurídicas e extrajurídicas genéricas, experiência geral etc.
Desta maneira, o elemento volitivo adquire uma importância muito maior.

Roscoe Pound observou mesmo uma mudança na administração judicial da justiça, onde
se empresta mais confiança aos “standards” e menos confiança às regras, e se dá mais
atenção à aplicação de preceitos legais e menos ao seu conteúdo abstrato. 7

Dentro dos vários meios de individualização do direito, aquêle que nos parece mais
adequado ao sistema legalista dos países de tradição romanística, é a utilização de
normas flexíveis, que dão ao juiz uma diretiva genérica, através da qual a atenção do
juiz é chamada para fatos, conceitos ou critérios não definidos, que êle deve apurar e
apreciar para chegar a uma conclusão.

Assim, Roscoe Pound, que enumera o “standard” jurídico dentre os meios de


individualização do direito, chega a afirmar que “onde se reclama por individualização,
recorremos aos “standards”.8

E Sanhoury, criticando a natureza abstrata e genérica da norma jurídica e dos princípios


gerais de direito, conclui que precisamos de novos processos para realizar a adaptação
do direito privado e a individualização de suas soluções. Sustenta êle que é através de
diretivas, “standards”, que podemos alcançar êste fim.9

II – Conceito de “standard” jurídico

Examinemos algumas definições apresentadas pela doutrina. O Prof. Limongi França vê


no “standard” jurídico “um critério básico de avaliação de certos conceitos jurídicos

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O “standard” jurídico

indefinidos, variáveis no tempo e no espaço”.10

Por sua vez, Sanhoury o define como “mesure moyenne de conduite sociale, suscetible
de s’adapter aux particularités de chaque hypothèse determinée”.11

A mesma idéia de medida de conduta está contida na definição dada por Gressaye e
Laborde-Lacoste: “Un procédé donnant le type moyen, la mesure moyenne d’actes,
quelle que soit leur particularité”.12

Também os autores norte-americanos fornecem definições semelhantes. Assim Felix


Frankfurter define o “standard” como “a formulated measure of conduct to be applied by
a tribunal to the unlimited versatility of circumstance”.13

No mesmo sentido se pronuncia Roscoe Pound: “legally defined measures of conduct to


be applied by or under the direction of tribunals”.14

Du Pasquier resume a noção de “standard” como sendo a das regras que, ao invés de
formularem uma solução rígida, concedem uma certa margem e apelam para a
colaboração do juiz ou da autoridade administrativa, concedendo-lhe um certo poder
discricionário.15

Serpa Lopes conclui tratar-se de “conceitos flexíveis”, sendo esta diretiva uma regra de
Direito Jurisprudencial.16

Vistas essas definições, cabe-nos fazer algumas observações. O Prof. Limongi França, Du
Pasquier e Serpa Lopes parecem estar confundindo o “standard” jurídico com uma de
suas fontes. Mas o “standard” não se confunde com o conceito jurídico indefinido, o
“unbestimmter Rechtsbegriff”, os conceitos flexíveis. Êstes são senão uma das fontes
das quais o “standard” deriva. Como mais adiante demonstraremos, ao lado do
“standard” legal existe ainda o “standard” jurisprudencial. Não confundamos, pois, o
“standard” com a sua fonte.

As outras definições são incompletas, umas deixando mesmo de indicar a fonte do


“standard”, outras se limitando a indicar uma só delas, ou a legal ou a jurisprudencial.
Em vista dessas imperfeições, propomos a seguinte definição:

“O “standard” jurídico é um critério de avaliação das relações jurídicas concretas que


exprime a conduta social média e deriva ou da lei ou da jurisprudência.”

Êste conceito será analisado quando tratarmos da natureza jurídica e das espécies do
“standard” jurídico. Por ora, limitamo-nos à sua simples enunciação.

Se observarmos alguns “Standards” como o de “boa-fé”, de “bonus pater famílias”, de


“prudente arbítrio”, da “racionalidade” das restrições contratuais etc., verificaremos que
todos revelam uma idéia comum de racionalidade ou lealdade e justiça. Por isso mesmo,
êles devem encontrar uma aplicação variável conforme o tempo, o lugar e as
circunstâncias. Além disso, a maioria dêles contém um amplo elemento moral, de modo
que a sua aplicação reclama mais pelo senso comum ou o juízo moral médio do que pela
lógica dedutiva.

Em vez de uma regra genérica e abstrata, os “Standards” jurídicos exprimem a conduta

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O “standard” jurídico

média. Tanto é assim, que se impõe estabelecer um certo paralelo entre os “standards”
jurídicos e as normas de conduta. Afirma o jurista norte-americano James G. Rogers que
geralmente se reconhece uma certa relação de causa e efeito entre lei e conduta média.
Visto dêste ângulo, podemos dizer que a lei é “common sense”.17

É, portanto, no “standard” jurídico que a conduta social média encontra sua expressão
mais direta no âmbito do direito.

Para tornar mais clara a noção do “standard” vejamos uma comparação entre a norma
jurídica e o “standard”.18

O que caracteriza a norma jurídica é a sua fixidez: fixidez quanto aos fatos previstos e
fixidez quanto à solução aplicável àqueles fatos. A norma jurídica fornece, portanto, uma
solução fixa a uma hipótese determinada. O “standard”, pelo contrário, não possui
aquela fixidez mas desenha uma grande linha de conduta, fornece uma diretiva geral
que deve guiar o juiz. Como observa Francisco Campos, “os “standards”, ou diretivas se
limitam a apontar para o horizonte, sem delimitar, entretanto, o setor em que deverá
incidir, de modo preciso, o critério legal”. 19 A fixidez e rigidez da norma jurídica se opõe
a flexibilidade e adaptabilidade do “standard”.

Enquanto que a norma jurídica é abstrata, o “standard” não tem nada de abstrato. Êle
formula a maneira normal de se comportar, sem abstração, nem generalização. Pela sua
própria natureza, o “standard” pressupõe que haja várias maneiras de se comportar
conforme as circunstâncias, sendo que cabe ao juiz a tarefa delicada de determinar qual
a melhor conduta em determinadas circunstâncias.

Também quanto ao seu funcionamento, o “standard” difere da norma jurídica. A lógica


dedutiva domina a aplicação da norma jurídica ao caso concreto. O “standard” não se
presta a uma tal aplicação mecânica. Na sua aplicação, o juiz não se utiliza da lógica
pura, mas é inspirado pela intuição e pela experiência prática. A intuição e a experiência
tomam o lugar da lógica.

As mesmas características são atribuídas aos “standards” por Roscoe Pound, que as
enuncia da seguinte maneira:

1) Todos os “standards” envolvem um certo julgamento moral sôbre a conduta. A


conduta deve ser “correta” ou “conscienciosa”, “razoável”, “prudente” ou “diligente”.

2) Êles não exigem um conhecimento exato da lei, que deve ser aplicada com exatidão,
mas invocam o senso comum sôbre coisas comuns ou a intuição treinada sôbre coisas
fora da experiência de qualquer um.

3) Êles não são formulados de maneira absoluta e não recebem um conteúdo exato,
nem pelo legislador, nem pela decisão do juiz, mas são relativos a tempo, espaço e
circunstâncias, devendo ser aplicados com referência aos fatos do caso em exame. 20

III – Origem do sistema de “standards” jurídicos

Quanto à origem do sistema de “standards”, alguns autores lhe dão anterioridade ao


sistema de normas jurídicas. Assim, Hauriou afirma que o “standard” preexiste à regra.
Para êle, embaixo da arquitetura do sistema jurídico se encontra a camada dos

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O “standard” jurídico

“standards” e diretivas, que constituem a criação primária da autolimitação do poder das


diversas autoridades sociais, que administram o direito nas operações da vida prática e
na composição dos litígios.21

Também o norte-americano James Grofton Rogers defende a antecedência do “standard”


à regra jurídica, considerando significativo que os juízes sempre e em todos os lugares,
com pouquíssimas exceções, perceberam e constataram que as regras que êles
aplicavam sempre existiram e foram aplicáveis desde o comêço. Em outras palavras, diz
Rogers, o juiz sente que êle está simplesmente interpretando alguns “standards”
preexistentes.22

Parece-nos, no entanto, que o “standard” jurídico, tal qual como acabamos de conceituá-
lo, teve o seu desenvolvimento posterior ao da norma jurídica. Concordamos com
autores que, como Pound e Sanhoury, afirmam que os “standards” só se desenvolveram
muito tarde.

Os “Standards” jurídicos aparecem primeiramente no “ius aequum” romano. Os juristas


romanos elaboraram certos “standards” ou medidas de conduta, tais como “boa-fé” e
“bonus pater familias”. Aliás, apesar de os autores por nós examinados silenciarem
sôbre o assunto, parece-nos que os juristas romanos, na elaboração dos “standards”, se
inspiraram nos “topoi” gregos.

Apesar de possuir raízes tão remotas, o “standard” só se desenvolveu muito mais tarde.
O Direito Romano, baseado em regras definidas e detalhadas, não deu muita margem à
aplicação de “Standards”.23 Mais tarde, o “ius strictum” com suas regras rigorosas, que
visavam excluir qualquer arbítrio por parte do juiz, foi amenizado no seu rigor pelo “ius
aequum” e pelo Direito Natural, que introduziram princípios morais no campo do direito.
Só modernamente, pela importância emprestada à intuição e à experiência, a aplicação
dos “standards” ganhou maior importância.

Essa passagem da norma genérica e abstrata ao “standard”, foi muito bem descrita por
Pound:

“Na história do direito, o direito estrito se baseia na autoridade e emprega regras; a fase
da eqüidade e do direito natural se funda na razão e emprega princípios morais; a
maturidade do direito se baseia na lógica e emprega conceitos legais. Hoje também
confiamos na intuição que exprime experiência, e empregamos “standards”. 24

Convém notar, entretanto, que esta seqüência não importa em substituição mas em
aumento do número de formas expressionais do direito. Uma forma não substitui a
anterior mas se junta a ela.

O sistema dos “standards” encontrou seu maior desenvolvimento no direito costumeiro


anglo-americano. Nestes países, ao contrário do que acontece nos países de tradição
romanística, há poucas leis escritas. O direito se funda nos costumes e nos precedentes
judiciários. Êstes são estudados, examinados, em razão do que a regra de direito se
forma em conseqüência de uma sucessão de soluções anteriores, de casos individuais
semelhantes. Quando nesses países o legislador formula uma lei, não fornece uma regra
geral, precisa e rígida, mas uma orientação, um princípio, um método; com outras

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O “standard” jurídico

palavras, a lei exprime um “standard”, uma diretiva.

Assim, o direito inglês elaborou “standards” como “fair conduct”, “reasonable notice”,
“reasonable opportunity” etc. O Direito norte-americano, no século XIX, construiu
“standards” como “due care”, “reasonable service”, “reasonable facilities” etc. Mais
adiante veremos outros exemplos de “Standards” e sua aplicação na jurisprudência.

IV – Espécies do “standard” jurídico

Como decorre do conceito por nós proposto, o “standard” jurídico pode ser de duas
espécies: legal ou jurisprudencial.

“Standard” legal é aquêle que deriva de normas jurídicas que contenham conceitos
jurídicos indeterminados, conceitos flexíveis, “Generalklauseln”. São normas que se
referem às “circunstancias”, “ao que fôr razoável”, “ao que mais atenda ao contrato”, ao
“perigo” (art. 1.308, Código Civil (LGL\2002\400)) etc. Pontes de Miranda denomina
essas normas de regras jurídicas amplas ou latas, observando que:

“Os interessados ou os juízes exercem função de determinação, dentro de certo branco:


não lhes cabe arbítrio puro”.25

Convém frisar que o “standard” legal não se confunde com o conceito indeterminado que
lhe dá origem.

Ao contrário do que afirma Du Pasquier e Serpa Lopes, 26 consideramos o conceito


jurídico indeterminado tão-sòmente como uma das bases do “standard” jurídico.

Os autores alemães chamam as normas que contêm um “unbestimmter Rechtsbegriff”


ou uma “Generalklausel” de “Richtliniennorm”, o que expressa bem a idéia de norma
diretiva.27

“Standard” jurisprudencial é aquêle fixado pela jurisprudência. Principalmente no direito


anglo-americano, que se baseia nos precedentes judiciários, muitos “standards” derivam
das decisões judiciais. Assim, por exemplo, a jurisprudência inglêsa desenvolveu
“standards” como o da “racionalidade” para as restrições contratuais à liberdade do
trabalho (caso Nordenfelt, 1894, A. C. 535), da “dificuldade excessiva” etc.

Na sua excelente monografia “Das Formas de Expressão do Direito”, que nos inspirou a
temática do presente trabalho, o Prof. Limongi França enumera três espécies de
“standards” jurídicos: o legal, o jurisprudencial e o costumeiro. 28 Quanto às duas
primeiras espécies, porém, parece-nos, pelos exemplos citados naquela monografia, que
o autor confunde o “standard” jurídico, que por natureza é indeterminado, com aquilo
que vem a determiná-lo. Assim, o § 6.º do art. 15 da Lei do Inquilinato, que inclui na
expressão “uso próprio” a obrigatoriedade de permanecer o proprietário pelo menos um
ano no imóvel despejado, a nosso ver, não constitui um “standard” legal. O “standard”
ali existente deriva do conceito indefinido “uso próprio”, sendo que o citado preceito
legal, ao invés de estabelecer um “standard”, determina o conteúdo de um “standard”. O
§ 6.º do art. 15 da Lei do Inquilinato, portanto, não só não estabelece nenhum
“standard” mas contribui para o desaparecimento de um “standard” legal pela
determinação do conceito indefinido “uso próprio”.

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O “standard” jurídico

O mesmo se pode dizer em relação ao “standard” jurisprudencial, citado pelo Prof.


Limongi França. A orientação jurisprudencial que considera “abuso de direito” a purgação
da mora, da parte do locatário, por mais de três vêzes, não estabelece nenhum
“standard”. Pelo contrário, o que ela faz é determinar uma hipótese do “standard”
“abuso de direito”. Poderíamos até imaginar que um dia teremos uma enumeração
exaustiva de hipóteses enquadradas no “standard” “abuso de direito”, o que teria como
conseqüência o desaparecimento do próprio “standard”.

“Data venia”, discordamos ainda quanto à possibilidade de haver uma terceira espécie
de “standards”, ou seja, o “standard” costumeiro. A nosso ver, sòmente o “standard”
que deriva de uma norma legal ou da jurisprudência tem fôrça jurídica, atuando como
diretiva de natureza obrigatória. Os costumes “secundum legem”, referidos pelo Prof.
Limongi França, não constituem “standards” jurídicos, mas simples meios de
interpretação.

Aliás, os vários autores, conforme tenham formação anglo-americana ou romanística,


referem-se aos “standards” ora só como “standards” legais, ora só como “standards”
jurisprudenciais. Nenhum dêles, porém, mesmo seguindo a orientação costumeira mais
liberal, chega a conceber o “standard” jurídico como “standard” costumeiro. Podemos
concluir, portanto, pela existência de duas espécies de “standards” jurídicos: o legal e o
jurisprudencial.

V – Natureza jurídica do “standard” jurídico

A natureza jurídica do “standard” varia conforme· a sua espécie. Pelo que já expusemos,
forçoso é reconhecer a natureza legal do “standard” jurídico legal. A obrigatoriedade do
“standard” legal deriva sempre de uma lei. A norma jurídica lata, da qual o “standard”
legal se origina, dá uma liberdade maior, uma certa margem de arbítrio ao juiz. Mas
nem por isso lhe cabe arbítrio puro. É justamente o “standard” que, embora de maneira
ampla, fixa limites ao juiz. A lei determina ao juiz qual o critério de avaliação que deve
ser seguido na apreciação do caso particular. Ao juiz sòmente cabe realizar a adequação
da hipótese particular ao “standard” impôsto pela lei.

Aplicando um “standard” jurídico, o juiz não exerce nenhuma função criadora. Com o
“standard” sòmente lhe é dado um instrumento mais flexível, mais adequado para
realizar a individualização do Direito. Mas êste instrumento, apesar de sua amplitude,
não deixa de ser um instrumento legal. Tanto é assim, que ao juiz não é facultado deixar
de seguir a diretiva estabelecida pela norma jurídica. Parece-nos que a razão está com
Pontes de Miranda que, na aplicação de uma norma jurídica lata, somente vê uma
função aplicadora, apesar da latitude da lei.29

Quanto à segunda espécie de “standards”, é ela de natureza jurisprudencial, exercendo a


fôrça coercitiva por mera questão de “opinio necessitatis”. O “standard” jurídico
jurisprudencial é uma elaboração da jurisprudência que tem por finalidade fornecer aos
juízes um modêlo, uma diretriz para a apreciação dos casos particulares.

O “standard” legal e o jurisprudencial não diferem, portanto, quanto ao seu conteúdo –


expressões de conduta social média – nem quanto à sua função – individualização do

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O “standard” jurídico

direito – mas tão-somente quanto à natureza de sua coercitividade. O primeiro vale


como lei, o segundo como jurisprudência.

VI – Posição sistemática do “standard” jurídico

Aqui nos cabe dar um prévio esclarecimento quanto à nossa posição em face das
chamadas “fontes formais” do direito. Adotamos, neste particular, a opinião do Prof.
Limongi França, que, na sua monografia “Das Formas de Expressão do Direito”,
demonstra a impropriedade da expressão “fonte” para designar os modos de expressão
do direito. Conclui o Prof. Limongi França: “… a expressão “fonte formal”, segundo nos
parece, é duplamente imprópria, porque, ou encaramos a lei, o costume etc., do ponto-
de-vista do seu conteúdo, e não o próprio Direito já constituído e não a sua fonte; ou os
consideramos segundo o nôvo prisma de forma e, em tal caso, constituiriam apenas o
modo pelo qual o direito se positiva, se expressa, se exterioriza”. 30

Por isso, o Prof. Limongi França sugere substituir a noção de “fonte formal” pela de
“forma” do direito positivo. A palavra “fonte” é reservada para designar o processo de
elaboração do direito, concerne, portanto, ao capítulo da etiologia jurídica. O capítulo
das “formas de expressão do Direito”, por outro lado, que se ocupa das formas de
expressão, dos modos pelos quais o direito, latente na natureza das coisas, por um fato
da vontade humana, passa a tornar-se objetivamente definido e coercitivo, seria o da
morfologia do direito.

A impropriedade da clássica distinção das fontes em substanciais (ou materiais) e


formais é apontada por muitos autores ainda. Assim, por exemplo, Roscoe Pound critica
a divisão de François Gény, dizendo que podemos distinguir, de maneira satisfatória, as
duas idéias com os têrmos “fontes do direito” (“sources of law”) e “formas do direito”
(“forms of law”). Por “fontes de direito” êle entende os métodos e autoridades pelas
quais as regras do direito são formuladas, e com “formas do direito” designa os modos
pelos quais as regras são expressas – a forma literal que elas assumem.31

Também J. Maury rejeita a expressão “fonte formal”, preferindo falar em “modes


d’expression du droit”.32

Adotamos esta distinção entre “fontes” e “formas” do direito porque ela, além de
corresponder mais à realidade dos fatos, nos abre um campo muito mais vasto. Há uma
grande série de atos e fatos humanos que, como o próprio “standard” jurídico, podem
ser encarados como formas de expressão do Direito, e, como pondera Roscoe Pound, a
vida, que o direito deve governar, é uma coisa complexa e o direito moderno requer, e
efetivamente possui, uma diversidade de instrumentos para alcançar seu propósito. 33

Agora vamos ràpidamente enunciar a classificação proposta pelo Prof. Limongi França,
para depois examinar como o “standard” jurídico deve ser enquadrado nela.
Classificando as formas de expressão do direito segundo o critério da natureza da
coercitividade, o Prof. Limongi França distingue 3 categorias de formas:

1) A dos atos jurídicos “lato sensu”, cuja eficácia vinculativa provém, de modo imediato,
da sanção estatal; espécie mais importante desta categoria é a lei.

2) A dos atos sociais de fato com fôrça jurídica, cuja eficácia deflui de outros fatôres,

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O “standard” jurídico

como, por exemplo, no caso dos costumes, da “opinio necessitatis”; além do costume o
Prof. Limongi França inclui nesta categoria a jurisprudência e o “standard” jurídico.

3) A das conclusões da ciência jurídica, que se impõem em virtude do consenso dos


doutôres e da sua correspondência com a verdade jurídica; aqui se incluem, por
exemplo, os princípios gerais de direito.34

Aceitando esta classificação, em suas linhas gerais, discordamos, no entanto, da posição


sistemática nela atribuída ao “standard” jurídico. Como já vimos, há duas espécies de
“standards”, de natureza jurídica completamente diversa. Assim, verificamos que o
“standard” legal deriva a sua fôrça obrigatória da lei. Eis porque devemos classificá-la na
categoria dos atos jurídicos “lato sensu”, colocando-o ao lado da lei.

Do outro lado o “standard” jurisprudencial é uma elaboração da jurisprudência, da qual


deriva a sua fôrça obrigatória. Por isso, devemos classificá-la, dentro dos atos sociais de
fato com fôrça jurídica, como uma subespécie da jurisprudência e não como espécie
autônoma.

VII – Aplicação do “standard” jurídico

O sistema do “standard” jurídico não pode ser aplicado a todos os campos do direito. Os
seus próprios adeptos limitam a sua aplicação àqueles campos onde a preocupação de
adaptação e de evolução predomina sôbre a preocupação de segurança jurídica. Assim
observa Felix Frankfurter, há campos do contrôle legal onde a certeza – aplicação
mecânica de regras preestabelecidas – é realizável, e há outros campos, onde o direito
necessàriamente significa aplicação de “standards”.35

Os autores delineiam os campos de aplicação do “standard” e da norma jurídica.


Sanhoury, por exemplo, reserva o domínio da regra à definição dos delitos no direito
penal, às formalidades no direito processual, aos efeitos do comércio no direito
comercial, ao regime de propriedade nos direitos leais, ao estatuto da família no direito
civil, matérias essas que constituem elementos estáticos da organização econômica e
social de um país e que, por essa razão, se prestam melhor à fixidez da regra. O
“standard”, pelo contrário, é um elemento precioso de evolução no domínio da atividade
econômica e no domínio das relações entre as classes sociais, domínios êsses de
evolução constante e de perpétuo devir. Por isso, Sanhoury defende sua aplicação nos
seguintes campos: organização da indústria, relações comerciais, relações entre capital e
trabalho, associações de pessoas e de capitais, ou para retomar estas matérias no seu
aspecto jurídico: a noção de contrato; a noção de falta, de sociedade, de personalidade
jurídica, o contrato de locação de serviços, as diversas matérias da legislação industrial e
dos serviços públicos.36

A mesma divisão encontramos em Roscoe Pound, que considera que títulos imobiliários e
a negociabilidade de títulos de valor não dependem, nem deveriam depender de
circunstâncias. Tais matérias são governadas por regras e não são deixadas para júris e
comissões. De outro lado, o que é “due care in driving” não pode ser determinado de
maneira abstrata, de uma vez por tôdas, para todo motorista que chegar a dirigir. 37

O sistema dos “standards” encontra muita aplicação no Direito Administrativo, onde se

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O “standard” jurídico

relaciona com a discrição administrativa.38

Também o Direito do Trabalho, que, ao contrário do Direito Civil e do Direito Penal, é


precipuamente “ius aequum”, se serve de “standards”, tais como “falta grave”, “justa
causa” para despedida etc.39

Dentro dêsse campo do “standard” jurídico, vamos examinar mais detalhadamente três
aplicações práticas do “standard”, citadas por Sanhoury, 40 para a melhor compreensão
do seu funcionamento.

1) As restrições contratuais à liberdade do trabalho e o “standard” da “racionalidade”

Há duas categorias de contratos, onde semelhantes cláusulas podem ser inseridas:

a) o contrato de cessão de função de comércio, onde o cedente se obriga a não fazer


concorrência ao cessionário;

b) o contrato de locação de serviços, onde o empregador estipula que o empregado,


terminada a relação de emprêgo, não poderá estabelecer-se, por conta própria, no
mesmo ramo de negócios ou entrar no serviço de uma firma concorrente.

No direito inglês, tais restrições (“restraints of trade”), de início, eram expressamente


vedadas. Pouco a pouco, a jurisprudência inglêsa chegou a admitir estas restrições se
elas forem “razoáveis”. A validade ou não das restrições contratuais passou a ser
apreciada, portanto, pelo “standard” da “racionalidade” (caso Nordenfelt: 1894, A. C.
535). Graças ao emprêgo dêsse “standard” flexível e adaptável às circunstâncias
particulares de cada hipótese, a jurisprudência inglêsa pode dar a cada caso soluções
bem adaptadas às situações econômicas e sociais, soluções essas que a antiga regra da
proibição absoluta de qualquer restrição geral era incapaz de fornecer.

2) Teoria da imprevisão

Uma outra aplicação do “standard”, igualmente apresentada pela jurisprudência inglêsa,


se refere à fôrça obrigatória do vínculo contratual. Às vêzes acontece que, ao momento
da execução de um contrato, um fato que não estava previsto na época de sua
conclusão, e que não pode ser imputado às partes contratantes, torna a execução não
de todo impossível, como no caso de fôrça maior, mas muito mais onerosa do que
estava previsto. Êste elemento de impossibilidade não deve êle ser tomado em
consideração quando o credor exige do devedor e cumprimento de suas obrigações, e
não justifica êle a dissolução do contrato? A esta questão, a teoria da imprevisão, que se
desenvolveu principalmente depois da primeira guerra mundial e especialmente no
campo do direito administrativo, dá uma resposta afirmativa.

A jurisprudência inglêsa, que antigamente nem admitia a fôrça maior como escusa justa
para a não execução do contrato, com o tempo chegou a construir um “standard” de
“racionalidade” assim concebido: o acontecimento que torna impossível a execução do
contrato, pondo fim ao liame contratual, deve ser de tal caráter que não pode ser
razoàvelmente previsto pelas partes Contratantes. Com êsse “standard” de “previsão
razoável”, a jurisprudência inglêsa conseguiu dar conta não só do fato imprevisível, que
afeta a possibilidade de execução, mas também daquele, sem. tornar impossível a

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O “standard” jurídico

execução do contrato, impede a realização do seu fim.

Principalmente depois da primeira guerra mundial, a jurisprudência inglêsa continuou a


evoluir. O fato imprevisível não precisa tornar impossível a execução do contrato, nem
fazer desviar o seu fim, mas simplesmente tornar mais onerosa ou mais difícil a sua
execução. Ao “standard” da “previsão razoável” se juntou a teoria da “impossibilidade
comercial” com seu “standard” da “dificuldade excessiva”. Se um fato, que ultrapassa a
previsão razoável, colocou a execução do contrato num estado de impossibilidade
comercial, isto é, opõe à sua execução uma dificuldade excessiva, e não
necessàriamente uma impossibilidade material, isto é suficiente para justificar a
dissolução do contrato.

Assim, os juízes inglêses, por meio do “standard” da “previsão razoável”, fizeram evoluir
a jurisprudência através de etapas sucessivas, da impossibilidade material à
impossibilidade comercial, com seu critério de dificuldade excessiva, seguindo assim a
transformação contínua das circunstâncias econômicas, e, graças à aplicação de um
“standard” flexível, satisfazendo preocupações novas.

3 – A responsabilidade das relações da vizinhança

Êste exemplo é tirado da jurisprudência francesa. O proprietário, na exploração do seu


fundo, pode causar um prejuízo ao seu vizinho, sem haver qualquer intenção ou
negligência por sua parte. É o caso de um estabelecimento industrial ou de uma sala de
espetáculos que irradiam mau cheiro ou barulho que molestem os vizinhos, apesar de
tôdas as precauções razoáveis para impedir êste resultado. Nestas hipóteses, nenhuma
falta pode ser atribuída ao proprietário, que explora sua propriedade com tôdas as
cautelas possíveis. Em certos casos, porém, êle deve responder pelo dano que causou a
um vizinho, tanto a exoneração da responsabilidade ofenderia o nosso senso de
eqüidade e de equilíbrio social.

Por isso, a jurisprudência, francesa decidiu que, tôdas as vêzes que o inconveniente se
torna anormal, ultrapassa a medida de tolerância, o proprietário deve indenizar seu
vizinho. É o “standard” de “inconveniente normal de vizinhança” que fornece soluções
em harmonia com o progresso econômico e o desenvolvimento das máquinas, que
aumentaram os inconvenientes anormais entre vizinhos. Na aplicação dêsse “standard”,
tomam-se em consideração tôdas as circunstâncias particulares de uma hipótese
determinada: a situação dos imóveis a localidade onde se encontram, o gênero de
exploração, o estado social e econômico da época, a freqüência, duração e generalidade
dos inconvenientes.

VIII – Objeções ao “standard” jurídico

A principal objeção feita ao sistema de “standards” se refere ao poder discricionário


conferido ao juiz, na aplicação do “standard”, abrindo a possibilidade de cair no arbítrio
puro.41

Em tôda a história do Direito, o mêdo da ação arbitrária dos magistrados tem sido um
pesadelo. Mas, como observa Felix Frankfurler, 42 nós não podemos pretender uma
certeza absoluta, movidos pelo desejo de excluir os perigos do poder discricionário.

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O “standard” jurídico

Apesar de não desconhecer os perigos da aplicação de um “standard” a casos


particulares, Frankfurter admite o sistema de “Standards”, reconhecendo que êle evita a
opressão e a injustiça – decorrentes de abstrações – que procuram encaixar
circunstâncias individuais em moldes universais, que não se adaptam à infinita variedade
da vida.

Além disso, a apreciação pessoal do juiz jamais poderá ser excluída, nem mesmo
através de normas jurídicas rígidas, pois, como observa Rodney L. Mott, cada frase
numa lei escrita tem um “range” variável de significado. Por esta razão, considera tôdas
as leia ambíguas, no sentido de que elas devem ser aplicadas a um número de situações
que caem entre o mínimo e o máximo “ranges” de significado, contido no estatuto. 43

A prova disso está nas divergências da jurisprudência e nas hesitações e contradições da


doutrina.

Outra objeção diz respeito à falta de certeza provocada pela aplicação dos “standards”, e
é apontada por Brêthe de la Gressaye e Laborde-Lacoste: “vago, êle deixa os homens na
incerteza sôbre a conduta a ser seguida”.44

Também essa objeção não tem procedência, pois o “standard” exatamente dá um guia,
um modêlo, uma diretiva, nos limites dos quais a atividade humana deve desenvolver-
se. Além disso, a aplicação dos “standards” não visa a banir a lógica do direito, e, com
isso, eliminar a maior garantia de certeza. Neste sentido, Roscoe Pound adverte que o
movimento em discussão não é um movimento que visa eliminar a lógica. É antes um
movimento para desenvolver uma técnica melhor no uso de outros instrumentos,
quando a lógica legal falhar ou fôr de pouca valia. Além disso, lembra Pound, a lógica
legal é suscetível de muito aperfeiçoamento, que de maneira alguma vai prejudicar a
certeza.45

IX – Conclusão: valor do “standard” jurídico como meio de integração do direito

Por tudo que acabamos de expor, podemos concluir, que, mesmo para um país de
tradição romanística, o “standard” jurídico é um instrumento técnico valioso, que fornece
ao direito um meio de evoluir, acompanhando as transformações sucessivas do meio
social.

Os “standards” mais comuns são o da “racionalidade” e o da “oportunidade”. Pelo


“standard” da “racionalidade” é dada uma limitação ao poder do juiz e o da
“oportunidade” introduz o senso de moderação no exercício do poder jurisdicional.

Como os autores são unânimes em reconhecer, a estabilidade absoluta das relações


jurídicas jamais poderá ser atingida. Por isso, temos de contentar-nos com uma
estabilidade relativa. Esta estabilidade relativa pode ser alcançada, como vimos nos
exemplos acima referidos, pela aplicação de “standards” jurídicos. Através de um
sistema de “standards” pode ser obtido o máximo de precisão e preservada a
flexibilidade, que é inerente à natureza dos “standards”. Desta maneira, podem ser
conciliadas as duas preocupações em conflito: a de estabilidade e a da adaptabilidade.
Estas preocupações são igualmente legítimas e irredutíveis uma à outra, de modo que
devem ser combinadas em proporções que variam com o tempo e a complexidade de

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O “standard” jurídico

cada ramo do direito.

1 V. Miguel Reale, “Filosofia do Direito”, 3.ª ed., 1962, vol. II, págs. 373 e 378.

2 Roscoe Pound, “Administrative Application of Legal Standards”, “in” “Selected Essays


on Constitutional Law”, Chicago, 1938, vol. IV, pág. 79.

3 V. Enneccerus-Nipperdey, “Allgemeiner Teil des bürgerlichen Rechts”, 15.ª ed.,


Tübingen, 1959, 1.º vol., pag. 123.

4 Roscoe Pound, “An Introduction to the Philosophy of Law”, ed. revista, 1954, pág. 64.

5 A. – A. Al. Sanhoury, “Le Standard Juridique”, in “Recueil d’Études sur les Sources du
Droit, en l’Honneur de François Gény”, Paris, s/d, vol. II, pág. 145.

6 Roscoe Pound, “Courts and Legislation”, 1911, pág. 202.

7 Roscoe Pound, “Administrative Application of Legal Standards”, op. cit., pág. 77.

8 Roscoe Pound, “Adm. Application”, op. cit., pág. 90.

9 Sanhoury, op. cit., pág. 145.

10 R. Limongi França, “Das Formas de Expressão do Direito”, “in” “Rev. dos Tribs.”,
1965, vol. 354, pág. 17.

11 Sanhoury, op. cit., pág. 145.

12 Jean Brêthe de la Gressaye, Marcel Laborde-Lacoste, “Introduction Générale a l’Étude


du Droit”, Paris, 1947, pág. 128.

13 Felix Frankfurter, “The Task of Administrative Law”, “in” “Selected Essays on


Constitutional Law”, op. cit., pág. 4.

14 Roscoe Pound, “Adm. Application”, op. cit., pág. 85.

15 Claude du Pasquier, “Introduction à la théoric générale et à la philosophie du Droit”,


págs. 92/93, citado por Serpa Lopes, “Curso de Direito Civil”, 3.ª ed., 1960, pág. 59.

16 Serpa Lopes, op. e loc. cits.

17 James Grofton Rogers, “A Scientific Approach to the Free Judicial Decision”, “in”
“Recueil Gény”, op. cit., vol. II, pág. 555.

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18 V. Sanhoury, op. cit., págs. 145/146.

19 Francisco Campos, “Direito Administrativo”, 1958, vol. I, pág. 36.

20 Roscoe Pound, “Introduction”, op. cit., pág. 58.

21 M. Hauriou, “Fond de droit et police juridique”, págs. 36/52, citado por Sanhoury, op.
e loc. cits.

22 James Grofton Rogers, op. cit., pág. 564.

23 V. Enneccerus-Nipperdey, op. cit., pág. 305.

24 Roscoe Pound, “Adm. Application”, op. cit., pág. 87.

25 Pontes de Miranda, “Tratado de Direito Privado”, 2.ª ed., 1954, tomo I, pág. 69.

26 Du Pasquier e Serpa Lopes, op. e loc. cits.

27 V. Enneccerus-Nipperdey, op. cit., págs. 304 e segs. 318.

28 R. Limongi França, op. cit., pág. 17.

29 Pontes de Miranda, op. cit., pág. 70. No mesmo sentido, Enneccerus-Nipperdey: op.
cit., pág. 305.

30 R. Limongi França, op. cit., pág. 9.

31 Roscoe Pound, “Readings on the History and System of the Common Law”, 2.ª ed.,
1913, pág. 210.

32 J. Maury, “Observation sur les modes d’expression du droit, règles et directives”, “in”
“Études Lambert”, 1939, tomo I.

33 Roscoe Pound, “Adm. Application”, op. cit., pág. 83.

34 R. Limongi França, op. cit., pág. 18.

35 Felix Frankfurter, op. cit., pág. 5.

36 Sanhoury, op. cit., págs. 146/147.

37 Roscoe Pound, “Adm. Appl.”, op. cit., pág. 85.

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38 V. Francisco Campos, op. cit., pág. 7 e segs., e ainda Forsthoff, “Lehrbuch des
Verwaltungsrechts”, München, 1959.

39 V. Hellmer, “Rechtslexikon”, Fischer-Verlag, 1964, pág. 29.

40 Sanhoury, op. cit., págs. 148/565.

41 V. Sanhoury, op. cit., págs. 154/155.

42 Felix Frankfurter, op. cit., pág. 5.

43 Rodney L. Mott, “Natural Rights and legislative vagueness”, in “Recueil Gény”, op.
cit., vol. III, pág. 45.

44 Brêthe de la Gressaye, Laborde-Lacoste, op. cit., pág. 219.

45 Roscoe Pound, “Adm. Appl.”, op. cit., pag. 87.

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