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DIRETORIA DE PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS
ARACAJU, SE
2016
ii
ARACAJU, SE
2016
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FOLHA DE APROVAÇÃO
Banca Examinadora
AGRADECIMENTOS
Agradeço:
à Legião da Boa Vontade, nas pessoas de Valdenir Ferreira, Claudinei e Jandyra Prana, Vânia
Bandeira e Shirlei Lazari;
ao Fórum DCA-SE, na pessoa de Robson Anselmo, minha primeira influência para embarcar
nesse desafio envolvente da militância política;
ao prof. Dr. José Humberto de Góis Júnior (Betinho), seu incentivo e suas reflexões;
a Kátia Azevedo e Ana Maria Resende, a militância na coordenação do Fórum;
a Roberta, Débora, Sanádia Gama, Alessandra Góes, Andréa Fernandes e Aragão, Candice,
Gean de Paula, Conceição Branco, Eraldo, Marli Ribeiro, Ednaldo, Marisa Barros, Joilda,
Marcos Cabral, as irmãs Lucinha, Sandra e irmã Diva, as vivências enriquecedores da vida
militante;
ao Dr. Silvio Eusébio, à Dra. Conceição Figueiredo, à Dra. Lilian Carvalho e a Glícia
Salmeron, Danival Falcão e Nathália Dalto, a atuação comprometida na promoção da justiça;
aos amigos do UNICEF, em especial seu ex-coordenador para Bahia e Sergipe, Rui Pavan, as
oportunidades de aprendizado;
aos coletivos Instituto Braços e Fóruns Estaduais e Nacional DCA, na pessoa de Tiana Sento
Sé (in memoriam); Criança Não é de Rua, nas pessoas de Adriano Ribeiro e Bernardo
Rosemeyer; CUT; SINTESE; FACTUS e MNDH-SE, nas pessoas de Rosiana Queirós e
Oscar Gatica;
a todos aqueles que, utopicamente acreditando na possibilidade da mudança, fazem do seu
cotidiano espaço de luta por melhores condições de vida em comunidade, principalmente para
crianças e adolescentes pobres, indígenas e negras da periferia do mundo.
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Enquanto a violência dos opressores faz dos oprimidos homens proibidos de ser,
a resposta destes à violência daqueles se encontra infundida
do anseio de busca do direito de ser.
Paulo Freire
ix
RESUMO
ABSTRACT
This dissertation analyzes and discusses the importance of the State Forum for the Defence of Child
and Adolescent in Sergipe/DCA-SE Forum as unique space for the articulation and communication of
organised civil society. To do so, it focuses on its practices; it rescues its historical trajectory; it
analyzes the sense of the creation of the DCA Forums in general and it identifies strategies of
political participation used by civil society to promote rights in the manner designed by the
entities of the defense of children and adolescents hosted by the Statute of the Child and
Adolescent - ECA. The theoretical-methodological cutout has support on the reflections
brought about by the social critique theory of Human Rights and by the new Social
Movements. The survey data come from the personal experience of the author in the
composition of the Forum coordination and from documents (minutes and reports of
meetings, interviews disclosed in electronic communication midia, informational material
produced by the DCA Forum, internal regulations, normative acts, photographic records, in
addition to the acts, laws and resolutions passed by the State and Municipal Aracaju Councils
of Rights of the Child and the Adolescent of Sergipe) that indicate the magnification, the
organizational capacity, and the role strengthening of civil society in policy for children and
adolescents in the years 2000 to 2009 in Sergipe.
KEYWORDS: Social Participation. Child and Adolescent. DCA Forum. Children and Youth
Human Rights.
xi
QUADROS
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................15
4.1. FÓRUM DCA-SE: RELAÇÃO COM OS CONSELHOS DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO SISTEMA DE GARANTIA DE
DIREITOS - SGD ................................................................................................................................................81
4.2. FOMENTO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS INFANTO-JUVENIS: TRAJETÓRIA E
ESTRATÉGIAS POLÍTICO-PEDAGÓGICAS DO FÓRUM DCA-SE ........................................................................................93
4.2.1. Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente: A Incidência Política do Fórum DCA-SE....96
4.2.2. Construção da Unidade do Fórum DCA-SE: Investimento na Formação dos Sujeitos Individuais e
Coletivo ..................................................................................................................................................104
4.2.4. Violação de Direitos Humanos Infanto-Juvenis no Estado de Sergipe: Denúncia Constante .....116
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................137
APENSOS ......................................................................................................................................................148
ANEXOS ........................................................................................................................................................152
1
Segundo essa concepção, o ser humano não adulto, ou seja, aquele que o Estatuto da Criança e do Adolescente
define como criança (menor de 12 anos) e adolescente (menor de 18 anos), não era reconhecido como sujeito de
direitos, dotado de dignidade e necessitado de uma proteção específica em razão de seu estado psicológico
especial.
2
Redes são estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, de integrar novos nós, desde que
compartilhem os mesmos códigos (por exemplo, valores ou objetivos de desempenho). Uma estrutura social com
base em rede é um sistema aberto, altamente dinâmico, suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio.
Nesse sentido, o DCA-SE constitui uma rede.
3
A sede atual do CEDCA se encontra no Edifício Estado de Sergipe, conhecido por “Maria Feliciana”, Edifício
Travessa Baltazar Gois, 86, Aracaju, SE - CEP. 49010-500.
4
A sede atual do Instituto Braços está localizada na rua Itabaiana, nº 426, no centro de Aracaju/SE - CEP:
49010-170.
16
5
Por ser o Fórum DCA-SE espaço sem personalidade jurídica e sem recursos financeiros próprios, a dificuldade
de registrar muitos momentos de sua atuação foi sempre uma realidade. Os registros ficavam por conta da
disponibilidade dos participantes, pois o Fórum DCA-SE nunca contou com secretaria ou uma estrutura básica
mínima nesse sentido. Por vezes, alguns dos participantes se sentiam inseguros em fazer o registro de reuniões
ou não tinham como assumir essa tarefa em virtude da demanda de atividades nas entidades. Aliado a esse fato, a
não existência de sede própria dificultava a constituição de um acervo fixo que sempre dependeu da
disponibilidade de suas filiadas, levando a perdas e extravios de documentos. Por isso a reconstrução da
memória por parte dos que vivenciaram aquele momento se torna fundamental, mesmo que na época a
participação se tenha dado apenas como membro filiado e não como pesquisador.
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crítica dos Direitos Humanos6 e dos Novos Movimentos Sociais7, cujos autores denunciam as
centralidades eurocêntricas de tradição liberal e apontam para uma ampliação dos horizontes
discursivos dos Direitos Humanos, com compromisso emancipatório estabelecido a partir dos
sujeitos negados da História.
Assim, sobre o sentido dos direitos humanos e da libertação são evocadas ideias de
Rubio (2008; 2013; 2014), de Santos (1999; 2002; 2003; 2005; 2007), de Dussel (1995) e de
Flores (2008; 2009); relativamente aos processos pedagógicos de aprendizagem e
emancipação que permeiam as iniciativas de cunho coletivo para além dos espaços formais de
educação, como o objeto em estudo - o Fórum DCA-SE -, as reflexões se aprofundam em
Freire (1990; 1992; 1996; 2003); no tocante a políticas públicas, participação e movimento
social, a referência principal é Gohn (1997; 2003; 2005; 2007; 2010).
A análise da conjuntura se ampara no pensamento de Marx e Engels (1961; 1979;
1996; 2007) e Gramsci (1995; 1999) e a análise específica do direito da criança e do
adolescente tem fundamento nas reflexões de Faleiros (2009), de Rizinni (2009) e de Pilotti
(2009).
O materialismo histórico e dialético proposto pela teoria marxista e a ideia da
pesquisa participante constituem a diretriz metodológica desta dissertação, opção que prioriza
a análise qualitativa no processo empírico da investigação, mas que acolhe também a
memória militante da autora enquanto sujeito desta história, que se transforma
concomitantemente com o meio em que atua com outros sujeitos com quem compartilha
processos de luta por direitos desencadeados coletivamente.
Nesse sentido, os fundamentos buscados nas ideias de Carlos Rodrigues Brandão
sobre a pesquisa participante reafirmam a necessidade de sistematizar ações e práticas de
sujeitos sociais com projetos políticos voltados para intervenções de benefício coletivo. Nossa
participação busca contribuir na compreensão dos envolvidos no processo vivenciado pelo
Fórum DCA-SE, como totalidade.
6
É a teoria que considerada o homem agente criador do direito e não mero destinatário e defende a procura
conceitos e estratégias que permitam a constante mutação do direito, para que os homens possam, conforme sua
necessidade, procurar e reivindicar cada vez mais direitos.
7
São movimentos surgidos no final do século XX que têm na transformação cultural grande parte dos meios e
fins de sua ação; que incorporam tanto segmentos da classe média quanto pessoas à margem do mercado de
trabalho e da sociedade; que se articulam através de redes sociais com pautas reivindicatórias coletivas
orientadas para a convergência de interesses, a organização de ações conjuntas e a consecução de visibilidade
social; e que, diferentemente dos movimentos tradicionais, não visam “tomar o poder”, mas geralmente
constituem espaços políticos não institucionais que buscam alterar hábitos e valores da sociedade de modo a
interferir nas políticas estatais.
18
território cotidiano, sua realidade concreta, seu contexto histórico e social e se formam como
sujeitos coletivos situados na periferia do mundo - na América Latina, no Brasil, em Sergipe.
Quanto a outras categorias teóricas, pode-se dizer que a concepção de direitos
humanos infanto-juvenis aqui empregada parte da ideia de que esses direitos, apesar de terem
sido alcançados na lei, só se efetivam plenamente no cotidiano das lutas coletivas dos
agrupamentos específicos por condições dignas de vida, na perspectiva crítica apontada por
Joaquín Herrera Flores (2005) e David Sánchez Rubio (2008; 2013; 2014), a que se liga a
contribuição de Paulo Freire (2009) de que só há chances efetivas de superar as condições de
opressão por meio e a partir da “palavra que não silencia”, ou seja, da expressão da voz (que é
práxis) daquelas pessoas que vivem diretamente os efeitos da opressão, pois são os que
conhecem efetivamente o seu próprio sofrimento.
De Boaventura de Sousa Santos (2002), busca-se a importância de se reconhecerem
outras experiências e saberes, para que, do ponto de vista do conhecimento, nenhum saber se
coloque superior a outro reforçando as relações opressoras. Essa importância se torna
relevante frente a uma realidade, apontada por Sousa Santos (2002), de desvalorização e
desperdício de saberes considerados, sobretudo pelo saber científico europeu moderno, como
incredíveis (sem crédito algum). É a atitude de evidenciar, na diversidade as experiências
existentes no campo da criatividade organizativa de diferentes grupos sociais, que tal
realidade deve ser enfrentada (SOUSA SANTOS, 2002).
As concepções de hegemonia e de sociedade civil são buscadas em Gramsci (1999),
que considera a “direção intelectual e moral” de sua dimensão, situando-a na superestrutura
juntamente com a sociedade política (o Estado) e compreendendo-a como espaço de
organização da cultura que está inserida nessa superestrutura social. Nesse sentido, a
hegemonia não se estabelece apenas na esfera econômica (infraestrutura), mas principalmente
no campo cultural. Enquanto necessidade de materialização da direção, consciência e
identidade de classe, e de valores éticos, a disputa pela hegemonia ocorre, com
complementação a sociedade política, no espaço da sociedade civil, em que as classes buscam
ganhar aliados para obter essa hegemonia mediante direção e consenso.
As concepções de “movimento social”, “controle” e “participação social” assentam-
se nas reflexões de Maria da Glória Gohn (2005), para quem, após as décadas de 1970 de
1980, emergem novos atores e cenários políticos e novos formatos de participação social
como os diversos fóruns, que evidenciam a diversidade de pautas e contribuem para a
formação de novos sujeitos coletivos. Com base em algumas de suas reflexões, se analisa a
atuação do Fórum DCA-SE, bem como sua contribuição para a promoção dos direitos da
20
8
Por não haver concordância com esta análise específica de que redes de articulação, como os Fóruns, possam
ser identificados enquanto movimentos sociais e, mediante a ausência de categoria teórica que melhor os
definam, neste trabalho é utilizada a terminologia “movimentação social” para identificar o conjunto das ações e
iniciativas promovidas pelas entidades que compõem o Fórum DCA-SE. A terminologia “ação contundente” é
utilizada para enfatizar períodos de maior visibilidade e protagonismo deste Fórum na conjuntura política de
Sergipe, a partir de uma ação mais unificada em torno das políticas infanto-juvenis. Vale ressaltar que esta
movimentação social é ao mesmo tempo reativa e/ou propositiva diante das problemáticas sociais apresentadas.
Do mesmo modo, a ação contundente ora é preponderantemente reativa, ora é propositiva ou ambos
concomitantemente. Em geral a ação contundente reativa se dá em virtude do próprio contexto de luta por
direitos, que é dinâmico e, portanto, exige uma ação imediata reativa àquele cenário. A movimentação do Fórum
DCA-SE, em vários momentos, exige uma ação contundente que se dispõe a ser propositiva como constatamos,
por exemplo, na ação do Plano de Gestão de Medidas Socioeducativas. Embora este Plano tenha sido elaborado
como reação à forma como estava se operacionalizando a política socioeducativa local representou, ao mesmo
tempo, uma proposição de constituição de situações que antes não existiam, como veremos no capitulo 4 desta
dissertação.
21
9
Ver COSTA (1993), DEL PRIORE (1999) e RIZZINI (2000; 2007).
10
Ver ALBERTON (2005), BARROS (2005), FALEIROS (1995) e FREITAS (1997).
.
24
Rizzini e Pilotti (2009), por sua vez, fazem breve relato de como crianças e
adolescentes pobres e negros alvos da assistência pública e privada no Brasil foram
historicamente tratados. Na obra A Arte de Governar Crianças (a), os autores acabam por
“revelar disfarces, distorções e mitos, que se criaram em torno da infância-problema,
contribuindo para que novas propostas e políticas, condizentes com possíveis e distintas
perspectivas”, pudessem “surgir e florescer em nossa sociedade” (RIZZINI e PILOTTI, 2009,
p. 30).
A partir das exposições trazidas por Rizzini e Pilotti (2009), percebe-se que, durante
anos, a infância pobre foi considerada problema e caso de polícia, enquanto política pública.
Ao provocarem reflexões sobre de quem é efetivamente a responsabilidade sobre a criança
órfã, negligenciada, abandonada, maltratada e delinquente no Brasil, Rizzini e Pilotti (2009)
fazem retrospectiva significante acerca das ações direcionadas às crianças por meio das
diversas mãos (responsabilidades) pelas quais passaram em todos os tempos.
Nesse sentido, Rizzini e Pilotti (2009) revelam que nas mãos dos jesuítas, no período
colonial, o objetivo da intervenção era somente a evangelização. Nas mãos dos senhores, as
crianças eram as escravas e, expostas à precariedade dessa condição, morriam com
facilidade11. Sobre esse período, analisa Vicente Faleiros que “a criança escrava não era, pois,
11
Ver em “A Arte de Governar Crianças (a)”, de Rizzini e Pilotti, 2009, que era muito mais vantajoso,
economicamente falando, importar um escravo do que criar uma criança escrava. Mesmo após a Lei do Ventre
Livre, em 1871, que garantia a liberdade aos/às filhos/as das escravas nascidos após essa data, as crianças
continuaram nas mãos dos senhores. Estes optavam por mantê-las até os 14 anos, quando poderia ressarcir-se
dos “gastos” tidos durante anos com “trabalho gratuito”, para não dizer escravo, até os 21 anos. Assim, a prática
do abandono de crianças, escravas ou não, era uma prática cotidiana, mesmo nos países considerados
“civilizados”.
25
objeto de proteção por parte da sociedade. Sua sina estava traçada como propriedade
individual do senhor seu dono, como patrimônio e mão de obra” (FALEIROS, 2009, p. 206).
Ainda na mesma linha de raciocínio, nas mãos das Câmaras Municipais e da Santa
Casa de Misericórdia, no século XVIII, as crianças enjeitadas eram as crianças expostas nas
Rodas dos Expostos12. Com mortalidade bastante elevada, ficavam a mercê da determinação
do Juiz. Nos asilos, séculos XIX e XX, as crianças órfãs eram as abandonadas ou desvalidas
que precisavam ser regeneradas de acordo com as conveniências morais da época.
Ao passarem pelas mãos dos higienistas e dos filantropos, a única preocupação era
com as condições de higiene nas instituições de regeneração de crianças, consolidando a
importância do papel do médico nas instituições no século XIX. Nas mãos dos tribunais
passaram a ser alvo dos reformatórios e casas de correção; nas mãos da polícia, alvo de defesa
nacional, a que estava ligada a ideia de “limpeza” das ruas.
Nas mãos dos patrões, no século XIX, sob a alegação de que dessa forma retiravam
as crianças do ócio, argumento válido até os dias atuais para tentar justificar o alto índice de
exploração do trabalho infantil, elas foram exploradas, juntamente com as mulheres, como
trabalhadoras com salários baixíssimos no trabalho fabril.
Ainda, de acordo com essa mesma linha de pensamento, nas mãos do Estado, a
intervenção era meramente clientelista de encaminhamento das crianças pobres e negras às
poucas instituições oficiais públicas e privadas para serem “cuidadas”. Nessa perspectiva, só
restavam a esses “delinquentes” as escolas privadas de reforma, as colônias correcionais e os
presídios. Passadas (as crianças) à responsabilidade das forças armadas, na década de 1960, o
entendimento dos militares é de que a infância (pobre) era um problema que precisava ser
enfrentado como questão de segurança nacional.
Nas mãos dos juízes de menores, as ações eram direcionadas às crianças tidas como
em situação irregular, no sentido de se identificar as suas intenções, consideradas “menores”,
12
No século XVIII, surgem as Santas Casas de Misericórdia conhecidas como Roda dos Expostos ou dos
Enjeitados, a primeira em Salvador (1726) e depois no Rio de Janeiro (1738) (RIZINNI e PILOTTI, 2009, p. 19).
A motivação maior das Santas Casas era higienizar as ruas e diminuir o constrangimento social em lidar com a
exposição de restos de crianças mortas nas ruas, que serviam de alimento aos animais, quando não, uma forma
de exercer o controle sobre a infância abandonada naquele tempo, invisível e perdida. Muitas crianças, inclusive,
adoeciam dentro das Santas Casas e não conseguiam sobreviver, vítimas da fome e também de outros tipos de
maus tratos. Dessa forma, percebe-se que não havia preocupação em si com a criança e o adolescente, mas com
os estigmas de uma sociedade patriarcal, machista, conservadora e preconceituosa em relação não só aos filhos
nascidos fora do casamento, mas também em relação às mulheres. A Roda dos Expostos também funcionava
como uma tentativa de esconder os filhos fruto dos abusos sexuais e violências com que eram tratadas as negras
escravas, principalmente. Muitas dessas casas eram mantidas por ajuda social dos mesmos senhores dos
escravos. Como anteriormente exposto, o pano de fundo era exercer o controle social da não reconhecida
infância que insistia em aparecer na forma do aumento do abandono. Sobre o assunto, ver Rizzini e Pilotti
(2009).
26
13
Em 1941 foi criado o Serviço Nacional de Assistência a Menores – SAM, instituição que deveria orientar a
Política Pública para a infância e que em 1944, através do Decreto-Lei nº 6.865, vincula-se ao Ministério da
Justiça e aos juizados de menores para orientar e fiscalizar educandários particulares para fins de internação e
ajustamento social em entidades privadas, como os abrigos de “menores”. Após várias críticas realizadas por
parte da sociedade civil e do governo, alguns juízes condenaram o SAM como fábricas de delinquentes, escolas
do crime, lugares inadequados. O SAM dá lugar, em plena ditadura, à FUNABEM – Fundação Nacional de
Bem-Estar do Menor, criada em 1964, com o objetivo de “reeducar” o “menor” delinquente. A partir daí,
espalharam-se pelos Estados as conhecidas FEBEM - Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor. Com ênfase
na segurança, essas instituições na prática funcionaram como verdadeiras penitenciárias (VICENTE FALEIROS,
2009).
27
Vale ressaltar que a criança e o adolescente são segmentos da sociedade, que, diante
de situação de maus-tratos, necessitam, na maioria das vezes, de um terceiro que intervenha
oficialmente por/sobre/com ele, no sentido de denunciar violações de direitos humanos.
Colocando a infância e a adolescência pobre no bojo da discussão dos agentes formuladores
de política pública, detentores de poder, Vicente Faleiros (2009) chama a atenção para a
necessidade de se levar em conta elementos significativos de análise das relações políticas em
uma sociedade. Nesse contexto, Faleiros afirma que,
14
Concepção que vigorou entre 1927 e 1979 e consistiu em coisificar a infância sob controle repressivo estatal
para meninos e meninas compreendidos na “situação irregular”, culpabilizando e punindo principalmente a
família e as crianças e adolescentes empobrecidos.
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submetidos. Desse modo, é possível conhecer as causas de suas dores físicas e emocionais, de
que resultam, muitas vezes, altos índices de evasão escolar, desaparecimento, cometimento de
atos infracionais, inserção na rede de tráfico de pessoas, de órgãos e de drogas e suicídios,
entre outros.
Na linha da teoria da ação dialógica 15 de Paulo Freire, seria construir a política
pública a partir da realidade concreta do oprimido. Nesse sentido seriam dados, na prática,
passos efetivos para o rompimento com o antigo paradigma que concebia o segmento infanto-
juvenil como um “menor”16. A importância da política pública para a promoção de direitos
humanos de crianças e adolescentes está justamente na perspectiva crítica de entender os
direitos humanos enquanto participação/luta dos grupos mais vulneráveis para terem
realizadas concretamente suas principais reivindicações.
A operacionalização da política pública infanto-juvenil a partir dessa concepção só se
efetivará quando internalizada nos moldes de uma lógica emancipadora e libertadora, assim
como nos orienta Enrique Dussel. Essa lógica se relaciona diretamente com a ideia de contar a
História a partir da realidade concreta do “escravo que nasceu escravo e que nem sabe que é
uma pessoa” (DUSSEL, 1995, p. 19). Nesse contexto, nos alerta Dussel (1995) que
15
Teoria que se funda na colaboração, na união e na organização dos oprimidos entre si, para consecução de sua
libertação, através de síntese cultural que quebre as estruturas alienantes da sociedade. Ela defende que a
realidade social objetiva é resultante da ação subjetiva dos homens, que eles têm, portanto, o poder, o dever e o
direito de transformá-la.
16
Ser menor de idade é ter menoridade, isto é, como inscrito no ECA , ser criança, enquanto a idade for inferior
a 12 anos, ou ser adolescente, enquanto a idade for superior a 12 e inferior a 18 anos. “Ser um menor” tem
subjacente, mais que a menoridade, a ideia de insignificante, de menor valor, de pouco apreço, quando não de
desprezível, não merecedor de maior consideração.
17
De acordo com o ECA, art. 131, “o Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional,
encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta
Lei”.
18
O Sistema de Garantia de Direitos é composto por todos os agentes públicos e da sociedade civil que atuam
em torno do melhor interesse da criança no sentido de garantir sua proteção integral e especial. Para tanto, esse
sistema deve exercer as suas funções em rede articulada a partir de três eixos estratégicos de ação: promoção,
defesa e controle social dos direitos humanos de crianças e adolescentes.
30
19
Rompe-se nesse momento a tradicional forma de lidar com a pobreza no sentido de retirar crianças e
adolescentes do ambiente familiar por quaisquer motivos, entre estes, a falta de condição econômica da família,
abrigando-as ou colocando-as sobre os cuidados dos antigos orfanatos. Dessa forma, transfere-se a
responsabilidade da educação das crianças para um ente público ou privado e se institucionaliza a infância, o que
ainda ocorre, mas em dimensão menor devido aos incentivos promovidos pelo ECA. Ver Plano Nacional de
Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária de
2006.
20
Era comum antigamente, e ainda hoje persiste em algumas realidades, crianças e adolescentes serem retirados
de seus lares para trabalharem em “casas de família” economicamente favorecidas. O argumento, mais uma vez,
é a condição de pobreza de algumas famílias para cuidarem de seus filhos, mediante promessas de tratamento e
cuidados semelhantes aos direcionados a uma pessoa da família consanguínea. Desse modo, várias crianças
pobres, a partir do interesse no estudo, roupa e alimentação, são submetidas a maus tratos, inclusive ao abuso e à
exploração sexuais, uma vez que muitas crianças e adolescentes eram obrigados a iniciar sexualmente filhos dos
patrões quando não, o próprio patrão, além de outras situações. Esse procedimento frustra a esperança inicial por
melhores condições de vida de crianças e adolescentes, com gravíssimas consequências psicológicas, físicas e
emocionais. Sobre o assunto ver Luciane Potter Bitencourt, 2009, indicada nas referências deste trabalho.
31
e contextos sociais vivenciados por crianças e adolescentes. Isso se faz com sensibilidade e
leitura crítica, para ler e entender as entrelinhas quando adolescentes, por exemplo,
respondem com “rebeldia” para além da própria fase da adolescência, nos espaços de
educação formal ou fora deles. Isso significa desenvolver habilidades para entender os
diversos gritos e vozes, abafados por anos, de crianças e adolescentes, principalmente, as
pobres e negras.
Nas palavras de Dussel (1995), é ter consciência ética para dar resposta ao grito que
somente comove quando há sensibilidade para com a dor daquele que grita. Essa
sensibilidade, de acordo com esse autor, é anterior a qualquer atitude reflexa. Assim, para
Dussel (1995), a “responsabilidade” pelo “Outro” emerge como “ato de justiça”, enquanto
resposta exigida antes pelo “Outro”. É nesse sentido que o ECA provoca uma série de
possibilidades de ação concreta em relação ao segmento infanto-juvenil. Essas iniciativas
orientam para proteção integral de crianças e adolescentes, consideradas todas as suas
vulnerabilidades.
No entanto, mesmo com todo o esforço da Política de Assistência Social e a
implantação e implementação do Sistema Único de Assistência Social - SUAS, essa proteção
integral ainda não aconteceu, uma vez que a Política Pública para a Infância e a Adolescência
não recebeu dos gestores púbicos a atenção necessária, inclusive quanto a seu financiamento.
Muitos gestores, ao invés de entenderem que os recursos financeiros para essa área
representam investimentos na sociedade, os compreendem como gastos desnecessários e,
assim, apostam no assistencialismo que não emancipa, pelo contrário, vicia, tornando
dependente quem dela usufrui. As famílias pobres continuam sendo culpabilizadas pelos
insucessos da educação das crianças e adolescentes. Reproduzem com as crianças os famosos
“cala a boca”, muitas vezes expulsando do ambiente familiar e comunitário crianças e
adolescentes que não suportam esse universo revitimatizante.
Aliado à lógica de uma cultura baseada na relação binomial de inferior/superior,
oprimido/opressor, criança-adolescente/adulto, entre outras, o contexto capitalista neoliberal
contribui para o aumento das desigualdades entre as classes sociais e para a ampliação dessas
relações. As consequências são, como se viu, a oferta de políticas para ricos e políticas para
pobres. Uma categoria com todos os direitos garantidos e a outra com todas as carências e,
consequentemente, com a culpa e responsabilidade pelos ônus decorrentes. Desse modo, não
se consegue dar o salto necessário para promover direitos humanos de crianças e adolescentes
numa concepção crítica e libertadora. Sobre esse assunto, Dussel (1995) aponta que,
32
21
Abordagem teórica, desencadeada por ensaio-manifesto de Max Horkheimer intitulado Teoria Tradicional e
Teoria Crítica, publicado em 1937, que, em contraposição à teoria tradicional, de matriz cartesiana, busca aliar
teoria e prática. Ela propõe a dialética como método para entender a sociedade, através de investigação analítica
dos fenômenos estudados, relacionando-os fenômenos com as forças sociais que os provocam.
33
dispositivos legais. Embora o Fórum DCA-SE não tivesse consciência coletiva de que, em
muitos momentos, atuou nessas perspectivas, ainda assim se faz necessário comprendê-las
para que se possam relacionar momentos de fluxo e refluxo dessa rede relativamente à
hegemonia da concepção predominante, em determinados momentos numa linha mais crítica
de Direitos Humanos e de emancipação e em outros não. Considera-se que a atuação política
do Fórum segue na linha de raciocínio de Gohn, que compreende movimentos sociais
enquanto
que juridicamente se movimenta apenas quando há uma violação 22, as ações pré-violatórias
são pouco valorizadas e muitas vezes descredibilizadas em detrimento das ações pós-
violatórias, forma de atuação sobre a qual o Fórum também se debruçou por meio das
denúncias.
Nesse sentido, autores críticos, como Boaventura de Sousa Santos, por exemplo,
chamam a atenção para o fato de existirem tradições e costumes de diferentes valores e moral
diferenciada. Sousa Santos (2002) faz referência a iniciativas empreendidas pelos múltiplos
saberes, advindos de vários agrupamentos e que na prática são pouco valorizadas, inclusive
pelo saber científico. Sob esse aspecto, iniciativas como as do Fórum DCA-SE são, em Sousa
Santos (2002), uma experiência de produção de saber que precisa ser conhecida antes de ser
tratada ou julgada como vivência ou saber inferior. Esse autor argumenta que quando uma
cultura classifica outra como inferior se fortalecem as relações opressoras do ponto de vista
do conhecimento. Assim, se condenam vidas e saberes significantes e hegemonicamente tidos
como incredíveis (sem crédito algum).
Destaca Sousa Santos (2002) que nem todo conhecimento é efetivamente conhecido.
Por esse motivo, há muitas experiências desperdiçadas que precisam ser compartilhadas com
outros. Por isso a importância de se buscar reconhecê-las em seus valores, fomentando a troca
constante dos saberes identificados e diversos. Incorporado a esse sentido crítico dos direitos
humanos, Sousa Santos (2002) evoca a sensibilidade para perceber que a teoria crítica reflete
sobre o desafio de como intelectualmente se podem internalizar as culturas, de como elas se
diferenciam socialmente (de forma ética), razão da importância de se historicizar, estudar e
dar conhecimento da experiência de luta pelos direitos humanos e de quaisquer experiências
que se pretenda fazer conhecer, como a do caso em análise.
Nesse sentido, a teoria crítica busca estimular a ideia da necessidade que se tem
frente aos valores do fazer humano, do verdadeiro papel do intelectual em trazer o conceito de
espaço cultural enquanto lugar de encontro que se tem de construir. Na linha de pensamento
de Sousa Santos (2002), nenhuma cultura deve impor a sua dinâmica a nenhuma outra. Para
isso, é necessário perceber criticamente e de forma reflexiva os direitos humanos como
22
Para que o sistema de justiça brasileiro atue é necessário que seja provocado. Para tato será sempre necessário
que antes um direito seja violado. Dessa forma, se atua prevendo sempre a violação de direitos humanos e o
investimento nesse sentido são as ações pós-violatórias que acabam acumulando processos jurídicos que refletem
conflitos morosos de serem resolvidos pela justiça burocrática legitimada em nossa sociedade. Daí porque as
ações pré-violatórias de mediação de conflitos e de prevenção de violações, a partir da movimentação social que
se dá nos espaços de articulação da sociedade civil, serem tão importantes. São verdadeiros conhecedores de
suas realidades e capazes de propor o que lhe é mais útil, considerando a dignidade humana.
36
25
Numa perspectiva crítica de direitos humanos, há uma diferença entre identidade em que o próprio sujeito é
quem se autoafirma e se autodeclara, como o é (negro, quilombola, gay, outro), e identificação, em que esses
sujeitos são identificados, definidos por um olhar externo a ele. Daí as estigmatizações e estereotipações sobre os
sujeitos individuais e coletivos. As identificações podem levar à produção de estereótipos que, por sua vez,
produzem e reproduzem discriminações e violações de direitos humanos.
26
Numa lógica marxista somada a uma lógica crítica de direitos humanos, essa maioria do ponto de vista do
poder hegemônico é composta por uma minoria elitizada, branca e masculinizada.
38
27
Ver nota 7.
28
Ideia de educação informal e popular que se constrói no desenrolar das práticas coletivas.
29
Sobre o pluralismo jurídico, ver Antônio Carlos Wolkmer, indicado nas referências deste trabalho. Segundo
Wolkmer (2010), há uma tensão entre a norma e a realidade. Um abismo entre o dever ser e o ser que se revela
em diversos temas afetos e demonstram os limites do direito positivo. A teoria crítica dos direitos humanos
responde a essa contradição afirmando que a norma, enquanto direito humano positivado, é apenas um elemento
de propulsão e garantia, mas não é o único. E é nesse sentido que o pluralismo jurídico é priorizado. Para
Wolkmer, “É necessário, portanto, transpor o modelo jurídico individualista, formal e dogmático, adequando
conceitos, institutos e instrumentos processuais no sentido de contemplar, garantir e materializar os “novos”
[grifo do autor] direitos de natureza humana” (WOLKMER, 2010, p. 26). Sendo assim, embora se reconheça a
centralidade da lei, a sua efetivação depende de vários conjuntos de ações e mudanças socioculturais e
ambientais, das quais a legislação é apenas uma parte na busca para eliminar a tortura, a violência doméstica etc.
Nesse contexto, a interdisciplinaridade é uma forma de entender a complexidade dos diferentes contextos
socioculturais, demonstrando que no interior do direito também há questões políticas, econômicas, sociais que
precisam dialogar e se relacionar com outras áreas do conhecimento, como a sociologia, a filosofia, a economia
e, inclusive, os saberes populares. Tudo se complementariza e, assim, se, de um lado, tem-se que o campo do
direito não é tão eficiente, do outro, se percebe que tão pouco ele pode ser ignorado.
30
As práticas de escritórios populares de direito e centros de defesa de direitos humanos que, usando a lacuna
deixada pelo direito na norma jurídica, fazem, em conjunto com os movimentos sociais, interpretações das
complexidades de suas bandeiras de luta, que muitas vezes sensibilizam a sociedade e até mesmo o sistema de
justiça, em sua maioria reduzida exclusivamente à letra morta da lei. Nessa seara, de modo geral, o que a teoria
crítica vai apontar é que o investimento das lutas sociais ampliou e elevou o debate dos direitos humanos,
chegando a positivar muitos direitos. Isso apenas, no entanto, não basta, pois nem tudo o que está positivado é
efetivado. Sobre o assunto, ver leituras ligadas às expressões, “direito alternativo” (Brasil-positivismo de
combate), “pluralismo jurídico”, “crítica legal de estudos”, “uso alternativo de direito”, “outros direitos”, “crítica
jurídica”.
39
31
Foucault, nos chama a atenção para o cuidado em relação à conformação do indivíduo de suas próprias ideias
moldadas por saberes dominantes. Quando isso ocorre, tem-se o que Foucault chama de processo de
assujeitamento. O autor destaca formas de os sujeitos se confrontarem com o saber dominante ou de lidar com
esse tipo de situação de conformação. Por esse motivo, em Microfísica do Poder, Foucault (1979) valoriza o
local da crítica enquanto produção teórica não centralizada. Destaca que o reaparecimento de saberes que se
configuram como “saberes em baixa” (saber do delinquente, do marginal e outros) representam a crítica que
enuncia um confronto ou uma retomada. Nesse sentido, também aponta a genealogia do saber como descoberta
das lutas e memórias dos combates, no sentido do acoplamento do conhecimento com as memórias locais que a
ciência por si só acaba desqualificando para referendar unicamente os saberes, de um modo geral, dominantes. A
genealogia do saber é importante porque evidencia as problemáticas que estão em processos de luta e se
configura enquanto um empreendimento para libertar da sujeição os saberes históricos advindos desta, contra o
discurso meramente teórico e científico. Para superar o processo de assujeitamento, a subjetivação também seria
uma possibilidade do despertar de uma consciência do sujeito. Em resumo, para Foucault: "Temos que promover
novas formas de subjetividade através da recusa deste tipo de individualidade que nos foi imposto há vários
séculos" (1995, p. 239).
40
construção social. Nesse contexto, a infância torna-se objeto legítimo das Ciências Humanas e
Sociais, que rompe com modelos predominantes e tradicionais de concebê-la meramente
desenvolvimentista. Desse modo, a infância passa a ser concebida como ator social 32
(ROSEMBERG e MARIANO, 2010, p. 294).
Internacionalmente, no campo jurídico, constitui marco fundante do reconhecimento
de um novo olhar relacionado à infância, a Declaração dos Direitos da Criança33, promulgada
pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 1959. Entretanto, apesar de todos os
dispositivos legais que, de algum modo, explicitam os direitos infanto-juvenis no mundo,
somente aos poucos os países, e mediante pressão social, vão aderindo ao novo paradigma e
de modo ainda muito incipiente.
Concomitante com toda essa movimentação internacional pelos direitos da criança e
do adolescente, enquanto em 1979 um grupo de trabalho estabelecido pela Comissão de
Direitos Humanos da ONU iniciava a elaboração da Convenção sobre os Direitos da Criança
e do Adolescente, o Brasil vivia uma série de mobilizações sociais e populares pela
democracia e, consequentemente, pela garantia da dignidade infanto-juvenil e contra o regime
imposto da ditadura militar.
As alterações constitucionais ocorridas em 1988, mais precisamente, no campo da
criança e do adolescente, consubstanciadas posteriormente no ECA (1990), são fruto dessas
articulações da sociedade civil (SILVEIRA, 1998, p. 54). É nesse sentido que se entende que
inicialmente a mudança paradigmática na forma de conceber a criança e o adolescente
enquanto sujeito de direitos partiu de projeto político da sociedade civil organizada.
A abordagem do movimento da infância no país, mais precisamente articulados em
Fórum de Defesa da Criança e do Adolescente 34 , impulsionou a origem do Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA e suas bases doutrinárias. São vários os intelectuais que
32
Para se ter uma ideia de como se deu esse processo, Philippe Ariès, a partir da análise das obras de arte do
período, observou que as pinturas, até o século XVI, destacavam as crianças de modo “adultizado”, com a
mesma vestimenta dos adultos, apenas menores. No início do século XVII, ocorre uma inversão dessa tendência
artística. A criança passa a ser destacada com vestimentas diferentes e a ocupar a posição central na vida da
família. De acordo com Ariès, “foi no século XVII que os retratos de crianças sozinhas se tornaram numerosos e
comuns. Foi também nesse século que os retratos de família, muito mais antigos, tenderam a se organizar em
torno da criança, que se tornou o centro da composição (...) A descoberta da infância começou sem dúvida no
século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI.
Mas, os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do
século XVI e durante o século XVII” (1978, p.65).
33
A Declaração da Criança de vinte de novembro de 1959 teve sua base e fundamentos nos direitos à liberdade,
à educação, ao lazer e ao convívio social. No entanto, suas disposições são consideradas de natureza
programática, sem caráter coercitivo de obrigar o Estado a promover sua aplicação.
34
Foi criado em março de 1988 com a denominação de Fórum Nacional Permanente de Entidades Não
Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum Nacional DCA), como espaço
democrático da sociedade civil brasileira dedicado à articulação e à mobilização, sem distinções religiosas,
raciais, ideológicas ou partidárias, em prol dos direitos da infância e da adolescência.
41
registram a luta dos Fóruns DCA pelo Brasil para inserir no dispositivo legal uma concepção
de infância pautada no projeto político de promoção e proteção integral da criança e do
adolescente.
As percepções em relação à luta dos Fóruns DCA, de um modo geral, são também
atribuídas aos 'personagens' que formam o movimento de defesa dos direitos da criança e do
adolescente, que ganhou força no cenário nacional nos anos de 1980, acumulando ganhos
dentre os quais a inclusão da condição da criança e do adolescente como "prioridade absoluta"
e como “sujeito de direitos” na Constituição Federal de 1988.
É nesse sentido que se afirma que os registros demonstram a importância do trabalho
de diversas ONGs na organização e articulação em torno da elaboração, aprovação e
publicação desses dispositivos legais, que traduzem efeito da luta da própria sociedade civil
por uma nova concepção de infância enquanto integrada por sujeito de direitos.
Deve-se ressaltar a importância, no Brasil, das mobilizações sociais nos anos 1980
para enfrentar a ditadura militar. Com a criação, em 1983, pela CNBB – Conferência
Nacional de Bispos do Brasil, da Pastoral do Menor, desenvolve-se no país o trabalho direto
nas ruas, de educação popular baseado nos princípios do educador Paulo Freire. A propagação
da pedagogia freiriana35 motivou o estabelecimento de uma nova forma de lidar com crianças
e adolescentes em situação de rua no Brasil. E, em 1986, outro acontecimento muito
importante se deu com a criação do MNMMR - Movimento Nacional de Meninos e Meninas
de Rua, precedido, no início da década, pelo I Encontro Nacional dos Meninos e Meninas de
Rua, que contou com a participação de 500 crianças e adolescentes de todo o país, o que se
constituiu fato inédito no mundo inteiro. Sua relevância encontra-se no fato de que não eram
adultos que estavam reunidos para discutir as problemáticas da infância e propor alternativas a
elas, mas as próprias crianças e adolescentes em situação de rua, os próprios oprimidos, sem
interlocutores ou representantes (FÓRUM NACIONAL DCA, 2015).
Em 1987, é remetida à Assembleia Nacional Constituinte emenda “Criança
Prioridade Nacional”, em que se destacava a relevância das entidades se articularem e
consequentemente fortalecerem a pauta da infância. Criadas as condições favoráveis, em
março de 1988, diferentes grupos interessados na defesa da criança e do adolescente criaram,
35
Paulo Freire ganhou reconhecimento mundial por sua pedagogia do oprimido (1968), também conhecida como
pedagogia da libertação, da esperança (1992) e sua pedagogia da autonomia (1996). O ponto comum entre as
pedagogias é a ideia da necessidade de uma educação que deve ocorrer na simultaneidade entre os indivíduos e o
mundo, que mediatiza esse processo. Uma educação que valoriza a libertação dos cidadãos pelo fomento da
participação dos que estão em condição de oprimidos, contando com a realização conjunta da leitura crítica das
várias realidades existentes em cada local e não apenas teórica e nem em uma relação de via única em que um
indivíduo se sobrepõe ao outro com superioridade do saber.
42
A partir da definição dos textos dos Artigos 227 e 204 da Constituição Federal, em
1990, é promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, em substituição à lei
6.697, de 10/10/197936 (II Código de Menores). O FNDCA, ao longo de sua trajetória, tem
atuado decisivamente nas mobilizações e intervenções pela aprovação do capítulo da criança e
do adolescente na Constituição Federal de 1988 e na elaboração do ECA, articulando
campanhas importantes como “Criança Constituinte” e “Criança Prioridade Nacional’’ e
incentivando a implementação do ECA, no que tange à criação dos conselhos de direitos da
criança e do adolescente, nos âmbitos nacional, estadual e municipal, e a criação dos Fóruns
Estaduais e Municipais DCA37.
Segundo Vieira (1998), o ECA incorpora expectativas no âmbito dos direitos e das
políticas sociais, assim como inaugura novas relações e níveis de participação social, sendo
que “o processo de democratização possui um importante componente, que é o controle social
da administração pública. Isto significa dar grande interesse ao que vem da sociedade,
sobretudo da maioria dela” (VIEIRA, 1998, p. 17).
É a atuação política das ONGs articuladas em rede, analisada à luz do pensamento de
Sader, que leva à compreensão de que a atuação do Fórum DCA aponta para a ação de “uma
coletividade onde se elabora uma identidade e se organizam práticas através das quais seus
membros pretendem defender interesses e expressar suas vontades, constituindo-se nessas
lutas” (SADER, 1995, p.11). Nesse sentido, a dimensão político-normativa consubstanciada
no ECA é consequência da defesa do projeto político das entidades da sociedade civil do
campo infanto-juvenil articuladas no FNDCA, que conta também com a articulação e
mobilização concomitante dos Fóruns DCA nos Estados, fomentados especialmente pelo
MNMMR.
Assim, em âmbito nacional, esse paradigma foi construído pelo Fórum Nacional
38
DCA , e sua articulação em vários Estados serviu de parâmetro para os fóruns estaduais. A
partir dessa luta, com a promulgação do ECA, considerado na época acontecimento histórico,
36
O II Código de Menores, de 1979, adotou a doutrina jurídica de proteção do “menor em situação irregular”,
que abrangia os casos de abandono, prática de infração penal, desvio de conduta, falta de assistência ou
representação legal, entre outros. Essa lei de menores era instrumento de controle social da infância e da
adolescência vítima de omissões da família, da sociedade e do Estado em seus direitos básicos.
37
Além de realizar ações de mobilização política junto ao Congresso Nacional e à sociedade, resultando na
promulgação do ECA, que revoga o Código de Menores (Lei Federal 8.069 de 13 de julho), o FNDCA
participou das articulações e mobilizações para a criação, em 1991, do Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente – CONANDA, principal órgão deliberativo de política pública para a criança e o
adolescente no Brasil (FÓRUM NACIONAL DCA, 2015).
38
Ressalte-se que, por sua vez, o FNDCA foi criado a partir da impulsão de entidades como a Pastoral do
Menor, mas principalmente do MNMMR, que posteriormente com o FNDCA fomentou processo de mobilização
e articulação das próprias entidades nos Estados, a criação dos Fóruns Estaduais. Sobre o assunto, ver Darlene
Silveira (2008); Barbetta (1993).
44
o país inaugura no campo do direito na América Latina um novo paradigma no que diz
respeito ao modelo tutelar de 1919.
Vale ressaltar que apesar de a criança passar a ser tratada juridicamente enquanto
prioridade da política pública no Brasil em 1988, é somente em 1990, com o ECA, que se
instituiu no direito brasileiro a expressão “criança e adolescente enquanto sujeito de direitos
em condição peculiar de formação e desenvolvimento”, com garantia de proteção integral e
prioridade absoluta nas políticas públicas.
Em 1991, a Lei nº 8.242 criou o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do
Adolescente, órgão diretamente responsável pela formulação de políticas públicas
especificamente para a criança e o adolescente. As articulações e mobilizações realizadas pelo
FNDCA, para incentivar a criação nos Estados de Fóruns DCA, foi relevante, no sentido de
mobilizar o máximo de entidades ligadas à infância em âmbito local a pensarem e discutirem
a infância a partir do novo paradigma, pensado pela sociedade civil a partir da luta social e
preceituado nos artigos 227 e 228 da Constituição Federal e 203 e 204 do ECA, que tratam
diretamente dos direitos da criança e do adolescente, e da Lei Orgânica da Assistência Social
- LOAS.
Toda a atuação do FNDCA, além de outras iniciativas, abrangeu participação no
Fórum Social Nordestino e Mundial; articulação de diagnósticos e relatórios sobre a situação
dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, apresentado pela sociedade civil;
articulação com os organismos internacionais em discussões relevantes, como o Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE; realização de seminários temáticos39,
eventos que colocaram o FNDCA no cenário político brasileiro como importante interlocutor
na promoção de políticas públicas de direitos humanos infanto-juvenis. Nas palavras do
Secretariado do Fórum Nacional DCA, em 2012:
39
Entre as temáticas se encontram a luta contra a redução da maioridade penal, 18 anos do ECA, Plano Nacional
de Convivência Familiar e Comunitária, Plano Decenal dos Direitos da Criança e do Adolescente, encontros de
adolescentes do FNDCA etc.
45
Quanto às disposições no âmbito da lei, Herrera Flores (2008) chama a atenção para
a enorme corresponsabilidade do jurista crítico acerca do sentimento de impotência e
desilusão que as reformas legais ao longo da história produzem em relação à cidadania.
Segundo esse autor, é necessário saber os limites de um instrumento para descobrir,
especialmente em tempos de crise, como usá-lo convenientemente e como complementá-lo
com outras formas de lutar (FLORES, 2008, p. 236). Assim, embora se compreenda, na linha
de Herrera Flores, que nenhum movimento se pode conformar com o direito de ter direitos
recepcionados na lei, esses instrumentos são importantes em termos de exigibilidade dos
direitos humanos até então não reconhecidos.
No caso da CF - Constituição Federal e da Lei 8.069, de 1990, ambas são marcos
referenciais de avanços significativos na luta infanto-juvenil, inclusive para legitimar a
importância da participação da criança e do adolescente diretamente no processo de
construção de políticas voltadas a eles, em contexto em que a realidade se tem mostrado
40
A Lei institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das
políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE. Para os efeitos desta, são
consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade. Aos adolescentes
com idade entre 15 (quinze) e 18 (dezoito) anos, aplica-se a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da
Criança e do Adolescente, e, excepcionalmente, o Estatuto da Juventude, quando não conflitar com as normas de
proteção integral do adolescente (Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013 - Estatuto Nacional da Juventude -
SINAJUVE).
46
diversa, com denúncias de torturas e maus tratos em diferentes dimensões, como castigos
físicos, violência psicológica e até extermínio de jovens e registros de mortes em unidades de
internação para adolescente 41.
Esse marco político legal rompe, juridicamente, com a concepção do “menor” 42 para
inaugurar um novo tempo: a era dos direitos, da promoção e proteção integral e absoluta da
infância, anteriormente invisível. Em outras palavras, pode-se afirmar que a partir dos
instrumentos legais consagrados na CF e, posteriormente, no ECA surgem efetivamente a
criança e o adolescente enquanto sujeitos da história, enquanto pessoas, enquanto seres
capazes, não mais inferiores, seres que sentem, que pensam, que têm direitos violados que
precisam ser respeitados e promovidos integralmente 43 pelas políticas públicas e com
prioridade especial - prioridade absoluta.
Traduz-se que a década de 1980 foi extremamente relevante, no ecoar de vozes antes
silenciadas. No que tange à luta dos movimentos sociais, sindicatos, fóruns DCA, militantes e
vários setores independentes da sociedade civil, entre estes crianças e adolescentes, esse
período representou forma de enfrentamento ao que estava posto hegemonicamente. As
iniciativas populares representaram produção de uma contra-hegemonia que denunciava as
diversas realidades opressoras em que se situavam vários segmentos da sociedade, as crianças
e os adolescentes.
É nesse período de mobilização e fortalecimento das lutas coletivas para
redemocratização do país pelas diretas-já, contra as formas ditatoriais de ofertar a política,
como a tortura, a repressão, o autoritarismo, entre outras, que algumas conquistas se deram.
41
Nossa experiência na coordenação do Fórum DCA-SE permite compartilhar situações também nas unidades
de internação para adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa testemunhadas no Centro de
Atendimento ao Menor – CENAM, como adolescentes nus, algemados, sendo agredidos com fortes jatos de
pressão de água advindos de mangueiras de bombeiros para apagar incêndios enquanto apanhavam com os
famosos cassetetes; ambientes insalubres, com jovens cumprindo internação em virtude da inoperância das
políticas públicas para prestar atendimento ao adolescente, por exemplo, em condição de deficiência mental ou
psicológica ou por uso de drogas, privados do direito à saúde, à educação, ao lazer, entre outros.
42
Vale ainda ressaltar, em que pese a discussão sobre o termo “menor de idade” ser justificada, que ele não é
referido apenas no código penal, mas também relacionado ao código civil. Ainda assim, o termo finda por
confundir a perspectiva da criança e do adolescente enquanto sujeitos de direitos, pois no Brasil, até bem pouco
tempo, o termo “menor” evocava a ideia apenas de referência ao código penal. O código civil reduziu a idade de
emancipação para os 18 anos apenas em 2002, o que demonstra que a utilização do termo, para fins de
contribuição para o rompimento com a concepção menorista, no sentido de ver a criança como um inferior,
incapaz, poderia ser substituída pelos termos criança e adolescente, mas a resistência a essa mudança ainda é
muito presente.
43
O ECA sugere que, para haver essa proteção integral, a política de atendimento à infância e à adolescência
seja substituída por um conjunto de ações integradas e articuladas. Assim, define os moldes dessa política de
atendimento o artigo 87 do ECA, que destaca: “são linhas de ação da política de atendimento: I- políticas sociais
básicas; II- políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo para aqueles que deles necessitem;
III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus tratos,
exploração, abuso, crueldade e opressão; IV – serviço de identificação e localização de pais; V – proteção
jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente”.
47
compreender outra lógica de educar que não seja a punitivo-repressiva, em que adultos,
muitas vezes, aplicam sua superioridade física para oprimir e promover violências. Reflexos
da ditadura militar reforçada pelos meios midiáticos de comunicação46.
Por fim, com base no exposto, vale considerar que, em que pese o Brasil ter uma das
mais avançadas leis da América Latina, o direito sozinho não consegue determinar todas as
práticas sociais. Por isso, é necessária a sensibilidade de um olhar atento para as demais
iniciativas, entre estas, as práticas político-pedagógicas que perpassam as instituições sociais,
como a escola, a comunidade e a família. Diante dessa realidade, a mudança exige “aceitar,
reconhecer, respeitar e promover o potencial e a capacidade humana, continuamente,
considerando as formas criativas e alternativas de enfrentar e transformar o mundo”
(FLORES, 2012, p. 238).
46
Atualmente existe por parte da sociedade civil ampla luta para democratizar os meios de comunicação. O
principal argumento dos que defendem e fazem essa luta é que as redes de comunicação são concessionárias
públicas e deveriam estar a serviço da população de um modo geral. Ocorre que na prática essas concessões
estão nas mãos de alguns grupos de empresários que estão a serviço de uma classe favorecida economicamente,
motivo pelo qual utilizam o recurso da concessão pautando algumas questões no sentido de sua criminalização. É
o caso do incentivo à criminalização da pobreza, da juventude pobre e negra, dos movimentos de luta pela
moradia, da comunidade LGBTT e do fomento da tolerância zero na sociedade, que leva por aceitar, por
exemplo, a prática de linchamentos públicos em nome de uma sociedade dividida estrategicamente entre cidadão
do bem (brancos e ricos) e cidadão do mal (pobres e negros).
3. O SENTIDO DA CRIAÇÃO DOS FÓRUNS DCA
época pela Ordem dos Advogados do Brasil em Sergipe (OAB/SE), que, de acordo com
Rocha e Correa (2009), havia mapeado as mortes.
Em torno dessa mesma temática, direito à vida de crianças e adolescentes,
articularam-se MNMMR/SE, Movimento Nacional de Direitos Humanos de Sergipe -
MNDH/SE e Anistia Internacional para lançar o “Dossiê sobre o Grupo de Extermínio de
Crianças e Adolescentes em Sergipe”. Essas mesmas entidades se encarregaram de divulgar e
fazer repercutir nacional e internacionalmente as informações coletadas e organizadas sobre o
tema.
Posteriormente, algumas dessas entidades passaram a se organizar em torno do
Fórum DCA-SE, cujo objetivo inicial era articular as entidades para criarem e ocuparem os
Conselhos de Direitos e, dessa forma, incidirem mais diretamente sobre a política pública para
a infância no Estado de Sergipe. Ainda no começo da década de 1990, o Fórum DCA-SE foi
constituído por representantes de entidades não governamentais e governamentais47.
Esse formato de participação se deu em razão da própria conjuntura, naquele
momento estimulada a operacionalizar alguns dos dispositivos consubstanciados no ECA,
como a criação dos conselhos paritários de direitos. Nesse contexto, o Fórum DCA-SE atuou
em 1990 com esse perfil até o cumprimento, naquele mesmo período, do seu objetivo maior: a
criação do conselho municipal dos direitos da criança e do adolescente - CMDCA e do
Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente - CEDCA-SE, conforme
previsto no ECA.
Foi desse modo que o Fórum DCA-SE contribuiu na criação, em 1991, dos dois
Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA-SE e CMDCA Aracaju)48, que
passaram a funcionar oficialmente com a composição paritária de participação e gestão
compartilhada entre os órgãos do governo e entidades da sociedade civil. Esse fato, de certo
modo, acabou desarticulando o Fórum DCA-SE, como se a razão de existir desse espaço fosse
única e exclusivamente a criação dos conselhos.
Em uma das reuniões do Fórum DCA-SE, o ex-presidente da Sociedade Afro-
Sergipana de Estudos e Cidadania – SACI, Robson Anselmo, relatou que, após as Leis
Estadual e Municipal de Aracaju, que finalmente criaram os conselhos de direitos, o Fórum
47
Nesse período algumas reuniões do Fórum DCA-SE chegaram a ser convocadas pelo próprio ente
governamental, representado pela Secretaria Municipal de Ação Social e Trabalho.
48
O CEDCA-SE foi criado pela Lei Estadual nº 3.062, em 11 de outubro de 1991, e o CMDCA de Aracaju, pela
Lei Municipal nº 1.764, em 3 de dezembro de 1991.
52
49
Atas de reunião, entrevistas, notícias publicadas (ver Apenso A desta dissertação), manifestos etc.
50
Ver Anexo A desta dissertação.
53
que a sociedade civil ganha espaço na luta contra-hegemônica e consegue conformar o poder
de modo a garantir maior espaço para as reivindicações sociais.
Na dialética desse processo de produção contra-hegemônica, Gohn (2009) destaca que
os movimentos sociais são os principais sujeitos da sociedade civil organizada, na qual “o
tema dos direitos é fundamental porque eles dão universalidade às questões sociais, aos
problemas econômicos e às políticas públicas, atribuindo-lhes caráter emancipatório”
(GONH, 2009, p.42). Apesar dos fluxos e refluxos destes movimentos, suas práticas são
educativas e não restringem ao aprendizado de conteúdos específicos transmitidos através de
técnicas e instrumentos do processo pedagógico, mas também abarcam que a luta pelos
direitos tem caráter histórico e processual e ocorre dentro e fora de espaços
institucionalizados, pois são parte da construção da cidadania, fontes e agências de produção
dos saberes e contra-hegemonia.
É nessa perspectiva que se analisa o período compreendido entre 2000 e 2009, no
qual as articulações em torno das exigências para colocar em prática os direitos da criança e
do adolescente se dão a partir das ações diretas promovidas pelo Fórum DCA-SE, após
determinado período de refluxo51. Nesse contexto, o Fórum DCA-SE debateu a necessidade
da participação popular enquanto força política social. A motivação maior era a preocupação
com a intervenção qualificada nas problemáticas gerais relacionadas à criança e ao
adolescente, através do fomento do diálogo permanente e enfrentamento qualificado das
arbitrariedades que frequentemente incorriam em graves violações.
Em suma, o Fórum DCA-SE buscou atuar de forma articulada, a partir de iniciativas
de intervenção nos espaços públicos externos e internos, de posicionamento em favor dos
direitos infanto-juvenis, de promoção de debates públicos e da incidência nos conselhos de
direitos, principalmente nos anos 2000 a 2009.
As estratégias adotadas pelo Fórum DCA-SE fizeram esse coletivo ser protagonista
na política da infância e da adolescência no Estado de Sergipe, tornando-se referência política
no Estado de Sergipe na defesa dos direitos humanos da criança e do adolescente, conforme
se verá no próximo capítulo.
51
Sobre o assunto, Maria da Glória Gohn (2002) explica que, a depender da conjuntura política que se estabeleça
em um período ou noutro, é possível que um movimento social ou determinada articulação social possa estar
mais ou menos mobilizada, pois, assim como esta pode impulsionar determinada pauta, também pode esmorecer
sem que, com isso, deixe de existir. A esse movimento, Gohn denomina fluxo e refluxo.
56
(...) a primazia explicativa das classes é muito mais defensável que a primazia
transformadora. Quanto a esta última, a prova histórica parece ser por demais
concludente quanto à sua indefensabilidade. Dando de barato que é fácil definir e
delimitar a classe operária, é muito duvidoso que ela tenha interesse no tipo de
transformação socialista que lhe foi atribuído pelo marxismo e, mesmo admitindo
que tenha esse interesse, é ainda mais duvidoso que ela tenha capacidade para
concretizá-lo. Essa indicação que parece hoje indiscutível tem levado muitos a
concluir pela impossibilidade ou pela indesejabilidade de uma alternativa socialista
(SANTOS, 1999, p. 41).
52
No materialismo histórico e dialético de Marx e Engels, a perspectiva transformadora da práxis e as
contradições impostas pela relação de dialeticidade permitem aos homens (e nós acrescentamos a terminologia
“mulheres”, pactuando com os movimentos feministas que entendem a dimensão política dessa inserção para
também visibilizar a importância das mulheres na transformação da sociedade) atuar de formas diferenciadas em
vários contextos da história. Nessa perspectiva, a emancipação humana é traduzida pelas relações sociais que
têm por característica primordial o domínio dos homens (e “mulheres”) sobre os processos históricos. Esse
domínio só é possível, em Marx, quando a responsabilidade da direção é coletiva e, ao mesmo tempo, consciente
do seu processo, e essa consciência, enquanto uma dimensão subjetiva, exerce um papel fundamental na
construção da emancipação dos homens e das “mulheres”, para a revolução do capital e do trabalho. É gerada em
diferentes espaços de formação do homem (e da “mulher”) e cabe a essa subjetividade (consciência) construir
uma sociabilidade que permita aos homens (e mulheres) a efetividade de sua emancipação e liberdade plena, a
partir das determinações históricas. Contudo, não basta a mera consciência de condição de ser explorado. É
preciso compreender ainda que a transformação ocorre em uma relação dialética. Isso implica dizer que a criação
de uma teoria revolucionária é uma questão objetiva (material) e subjetiva, sendo esta subjetividade gerada pela
práxis (MARX, 1961).
53
Ver Gohn (1997, 2009 e 2010); Castells (1999); Ricci (2010) eScherer- Warren (2006).
58
capital, principalmente no que tange à inserção das novas pautas, que incluem, denunciam e
anunciam elementos novos como as problemáticas e questões relacionadas às políticas da
criança e do adolescente, de gênero, de raça, de etnia, de meio ambiente e moradia, entre
outras. Ressalta-se, ainda, a perspectiva pedagógica e educativa que têm esses novos
movimentos sociais. São capazes de empreender mudanças entre os atores envolvidos que
permitam a estes dar, coletivamente, saltos significativos em momentos específicos da
conjuntura política, mesmo que limitados.
É nessa conjuntura que surge o FNDCA enquanto “espaço democrático da sociedade
civil dedicado à articulação e mobilização, sem distinções religiosas, raciais, ideológicas ou
partidárias e aberto à cooperação com instituições nacionais e internacionais 54 ” (FÓRUM
NACIONAL DCA, 2009, p. 51). De modo geral, os Fóruns DCA representam experiências de
fomento da participação das entidades não governamentais que atuam com crianças e
adolescentes. A realização de debates internos, cursos de qualificação e reuniões
permanentes, entre outros, significa investimento em uma participação, na linha de Paulo
Freire, dialógica e uma perspectiva de educação não formal voltada para o protagonismo de
suas organizações na luta pela garantia de direitos no segmento infanto-juvenil.
Isso não quer dizer que não haja e/ou não houve internamente forças contraditórias,
tensões e conflitos nesse espaço. Pelo contrário, pela própria definição do FNDCA é possível
considerar que sob o manto da bandeira da defesa dos direitos da criança e do adolescente há
espaço para vários projetos societários. Assim, do mesmo modo que há possibilidade para a
concretização de projeto coletivo pela proteção integral infanto-juvenil, há também projetos e
concepções individualistas de participação voltadas exclusivamente para a promoção pessoal
e/ou institucional, que atentam para a lógica neoliberal do capital.
São contradições e fragilidades encontradas nos Fóruns DCA, que, internamente,
contribuem para o acirramento de tensões e conflitos interinstitucionais, os quais, a depender
do que vigora em determinados períodos, podem levar a movimentos extremos com pautas
mais ou menos democráticas55. Nesse sentido, é que se reafirma a importância das reflexões e
54
A criação do FNDCA ocorreu no ano internacional da criança, por ocasião do Encontro da Criança
Internacional, na cidade de Genebra. Ver em “História do FNDCA”, disponível em:<
http://www.forumdca.org.br/historia>.
55
Um exemplo ocorrido recentemente no Brasil de como discursos conservadores podem se travestir de
democracia, esconder intenções autoritárias e descambar para intervenções igualmente ditatoriais foram as
manifestações de 2013 ocorridas no Brasil. As manifestações de junho de 2013 são um exemplo da disputa entre
dois projetos antagônicos que inicialmente apareceu sob a forma da luta pela qualidade e a tarifa zero do
transporte público. Paralelamente, pautas contra a corrupção, entre outras, foram-se evidenciando nas
manifestações até a divisão nas ruas de grupos distintos, em que os mais extremistas passaram a reivindicar
também uma sociedade apartidária e a intervenção militar, entre outros aspectos.
59
56
Nesse período, apesar de haver na coordenação entidades comprometidas com o processo emancipatório, a
coordenação se ampliou em número de instituições e burocratizou a participação, a coordenação e o seu próprio
funcionamento interno.
57
De acordo com o relatório do UNICEF (2010) sobre o impacto do racismo na infância, no Brasil vivem 31
milhões de meninas e meninos negros e 140 mil crianças indígenas. Eles representam 54,5% de todas as crianças
e adolescentes brasileiros. Vinte e seis milhões de crianças e adolescentes brasileiros vivem em famílias pobres.
Representam 45,6% do total de crianças e adolescentes do país. Desses, 17 milhões são negros. Entre as crianças
brancas, a pobreza atinge 32,9%; entre as crianças negras, 56%. A iniquidade racial na pobreza entre crianças
continua mantendo-se nos mesmos patamares: uma criança negra tem 70% mais risco de ser pobre do que uma
criança branca. O estudo conclui que a pobreza costuma ter sexo e cor, atingindo sobretudo, mulheres e pessoas
negras, índias ou pardas.
60
classes, adotada pelos movimentos sociais clássicos (sindicatos), para as pautas identitárias.
Segundo Gohn, os movimentos sociais têm caráter político (não partidário), “que criam e
desenvolvem um campo político de forças sociais na sociedade civil, contribuindo para seu
desenvolvimento político. Eles politizam as demandas socioeconômicas, políticas e culturais,
inserindo-as na esfera pública da luta política” (GOHN, 1999, p. 252). De acordo com Sousa
Santos,
presidência da República em 2014, com tentativas, tão logo passado o pleito eleitoral, de
desestabilizar e derrubar o governo do Partido dos Trabalhadores por meio de diversos
pedidos de destituição da presidenta Dilma Rousseff.
No caso específico dos Fóruns DCA, as contradições do discurso do apartidarismo se
traduzem na abertura de espaço para concepções que levam a entendimentos contraditórios
sobre a criança e o adolescente. Dá-se a abertura ainda para que sejam filiadas entidades que,
embora afirmem defender a criança e o adolescente, possuem representantes organizados em
partidos políticos que defendem, por exemplo, a redução da maioridade penal, além de outras
pautas desvinculadas da utopia transformadora e, mais grave, próprias de projetos de
dominação historicamente hegemonizados no Brasil.
Não se pode negar que, desde os anos 1990, ao se evitar o debate de transformação
e/ou ao se restringir a ação apenas ao atendimento e à distribuição recursos a entidades não
governamentais para a atenção direta, desobrigando o Estado quanto ao trabalho com crianças
e adolescentes, houve perda do protagonismo pautado em projeto da proteção integral efetiva
da criança e do adolescente e de sua compreensão como sujeitos de direitos no bojo de um
projeto de sociedade. Abre-se espaço, assim, para projetos individuais e/ou institucionais que
desalinhados, ou pouco alinhados, com a perspectiva emancipatória.
Em meio às contradições, após 2009, como pode constatar a autora deste trabalho, o
Fórum DCA-SE ainda conseguiu promover algumas intervenções importantes no campo das
discussões, principalmente em relação às medidas socioeducativas para adolescentes privados
de liberdade, promovendo audiências públicas em parceria com a OAB-SE e conselhos de
direitos. Gradativamente, porém, até os dias atuais, o Fórum DCA-SE foi deixando de ser
uma referência política para os atores e órgãos que atuam com o segmento infanto-juvenil. A
nosso ver, isso ocorreu porque, politicamente, o Fórum DCA-SE não se incorporou à luta de
classes58 e de transformação.
Se a pauta identitária, por um lado, foi importante, por outro, foi negativa do ponto
de vista do coletivo das entidades, por não perceber que essas pautas estão inseridas na luta de
58
Luta de classe, denominação criada pelo filósofo alemão Karl Marx, significa a oposição entre as diferentes
classes da sociedade. A luta de classes não é apenas um conflito, ela envolve a economia, a política e a sociedade
como um todo. As lutas de classes, que existem desde a Idade Média, ocorrem quando as classes dominantes
lutam contra os trabalhadores, exercendo seu poder de forma autoritária, o que acaba gerando conflitos, muitas
vezes violentos, com os representantes das classes inferiores ou dominadas. Marx e Engels acreditam que as
lutas de classes só acabarão com o fim do capitalismo e, por consequência, o fim da divisão da sociedade em
classes.
62
59
Vera da Silva Telles (1993), em livro intitulado “Pobreza e cidadania”, afirma que ao longo dos anos a lei foi
usada para produzir a dominação e a exclusão dos pobres. Nessa obra, Telles reflete como se deu esse processo,
afirmando que o paradoxo da sociedade brasileira se revela na lógica que preside a atribuição de direitos
descompassada entre a existência formal destes - a lei; e a realidade da destituição das maiorias. Segundo Telles
(1993), o modelo de cidadania que coloca como dever do Estado a proclamação da justiça se constitui nesse
paradoxo, que finda desfazendo os efeitos igualitários dos direitos e repondo na esfera social desigualdades,
hierarquias e exclusões, o que revela o “ponto cego” da recente democracia brasileira.
60
Vale referendar aqui as reflexões trazidas por Florestan Fernandes (1987) em sua obra “A revolução burguesa
no Brasil: ensaio de interpretação sociológica”. Segundo Fernandes, no processo de efetivação da ditadura
militar, foi deflagrado um modelo capitalista, cujo pano de fundo foi a aceleração econômica, a partir da
dependência do capital externo e de uma dinâmica de organização de sociedade, cujos benefícios eram limitados
aos diversos estratos da burguesia em detrimento das massas populares, do povo oprimido, principalmente, dos
trabalhadores. Desse modo, ainda em Fernandes, encontra-se a análise de que esse processo aperfeiçoou as
formas de atuação autocráticas e sincréticas do Estado, consequentes daquilo que denomina de antigo regime.
Esse regime, que absorveu diversas formas políticas, tinha como manto a democracia restrita, oligarquismo e
fascismo, regimes políticos caracterizados por Fernandes como favorecedores da interlocução política dos
estratos burgueses com o Estado. Desse modo, eram reduzidas ao silêncio as classes subalternas e destinada aos
opositores políticos a submissão ou a repressão mais brutal (FERNANDES, 1987, p. 289-366).
63
Brasil foi um modelo de dominação autocrático, motivo pelo qual esse autor considera que a
sociedade de classes, no modelo capitalista dependente, deu continuidade a uma estrutura
social, que funcionou como um circuito fechado61.
Nesse contexto, algumas questões tornam-se desafiadoras, por exemplo: como
movimentos sociais, mesmo incorporando pautas novas, mantiveram o véu, de fato,
emancipador? O que a expressão “sociedade civil” significa do ponto de vista da perspectiva
“ongueira” e neoliberal? Qual a diferença para pensar a sociedade civil como “povo” ou como
“excluídos”, “classes subalternas”, “classes dominadas”, “classes oprimidas”?
Percebe-se, a partir da atuação do FNDCA e mesmo do Fórum DCA-SE, que ambos
se inserem no contexto da perspectiva “ongueira” de concepção, em que prevalece nesses
espaços a necessidade da captação de recursos financeiros para manter a ação política,
gerando também, para algumas entidades, a lógica da participação pela possibilidade de
captação de recursos e pelo domínio de entidades religiosas como, por exemplo, aquelas
vinculadas à igreja católica, sem denominação, porém, referente à Teologia da Libertação62.
Sobre o perfil de entidades militantes, vale considerar que Gohn (2013) buscou
demarcar as diferenças entre dois tipos de ONGs nos anos 90: as ONGs oriundas ou herdeiras
da cultura participativa, identitária e autônoma dos anos 70/80, intituladas militantes; e as
ONGs propositivas, que atuam segundo ações estratégicas, utilizando‐se de lógicas
instrumentais, racional e mercadológica, ONGs do terceiro setor63 (GOHN, 2013, p. 244).
Segundo Gohn (2013), as do segundo tipo surgem com maior articulação junto a
empresas e fundações ligadas aos programas e projetos das ONGs, que, face ao aparecimento
das novas pautas, como a de se trabalhar com os excluídos sobre questões de gênero, etnia,
idades, entre outros, “alteram seus planos de atuação voltados a projetos sociais patrocinados
61
Sobre o assunto ver, FERNANDES, Florestan. Circuito Fechado: quatro ensaios sobre o “poder institucional”.
São Paulo: Globo, 2010. (1ª Ed. 1976).
62
A teologia da libertação tem como propósito principal a libertação dos oprimidos, dos pobres e injustiçados,
primeiramente contra a fome, a miséria, a degradação moral, cuja realidade pertence aos bens do Reino de Deus
e estava nos propósitos de Jesus. Posteriormente, com “a reflexão sobre este dado real: em que medida aí se
realiza antecipatoriamente o Reino de Deus e de que forma o cristianismo, com o potencial espiritual herdado de
Jesus, pode colaborar, junto com outros grupos humanitários, nesta libertação necessária (...) o decisivo é que o
fato da libertação real ocorra” (BOFF, 2013). Disponível em <https:// leonardoboff. wordpress.com
/2013/04/26/papa-francisco-e-a-teologia-da-libertacao/>. Acessado em 26 de julho de 2015.
63
Segundo Gohn (2013), a atuação do Terceiro Setor tem gerado muitas contradições: de um lado, ele reforça as
políticas sociais compensatórias ao intermediar as ações assistenciais do governo; de outro, ele atua em espaços
associativos geradores de solidariedade e que exercem papel educativo junto à população, aumentando sua
consciência quanto aos problemas sociais e políticos da realidade. Para aprofundar a reflexão sobre as diferenças
entre os perfis das ONGs, ver Maria da Glória Gohn, em “Sociedade Civil no Brasil: movimentos sociais e
ONGs”.
64
64
O termo “mulher”, nesse trabalho, é acrescentado ao lado das expressões que, resumidas na palavra “homem”,
buscam dar sentido a noção de humanidade em que se insere a mulher. A desvinculação do termo mulher, ao
lado da expressão homem é uma escolha política nossa, como forma de retirá-la da subjetividade que a
inviabiliza do processo de transformação da realidade concreta como protagonista na História.
66
em que se toma ciência de seres trans-formadores do mundo por parte de quem reflete ou “re-
admira” o objeto ou realidade cognoscível (FREIRE, 1983, p.63).
Para ilustrar como ocorre a tomada de consciência e da conscientização, Freire, em
sua obra intitulada "Extensão ou Comunicação?" (1983), ao refletir sobre o processo de
aprendizado do homem do campo sobre as técnicas agrícolas, levanta a seguinte reflexão:
Se, antes, cortar uma árvore, fazê-la em pedaços, transformá-la em tábuas e construir
com elas mesas e cadeiras podia significar algo pouco mais além do que o trabalho
físico mesmo, agora, na “re-ad-miração”, estes atos ganham a significação
verdadeira que devem ter: a da práxis. A mesa e as cadeiras já não serão nunca mais
simplesmente mesa e cadeiras. São algo mais: são produtos de seu trabalho.
Aprender a fazê-las melhor, se este fosse o caso, deveria começar por esta
descoberta (FREIRE, 1983, p. 63).
É nesse sentido que os Fóruns DCA atuam igualmente como agentes pedagógicos,
para além de si mesmos, e abrem espaço para o debate público sobre temas diversos66, sempre
tendo como centro a prioridade absoluta na proteção integral dos direitos humanos infanto-
juvenis. Sobre a condição pedagógica de formação interna do Fórum, na tese de doutorado de
Maria Irene Gerassi (2007), cujo objeto de estudo é o Fórum DCA-Santo Amaro/SP, a
pesquisadora apresenta relatos que apontam para essa capacidade pedagógica do Fórum junto
a seus integrantes. Em entrevista transcrita naquele trabalho de pesquisa, lê-se:
66
São exemplos de temáticas e atividades promovidas pelos Fóruns DCA nos Estados, a exploração sexual de
crianças e adolescentes; as políticas públicas; a formação em orçamento público e fomento da criação das
Frentes Estaduais Parlamentares de Defesa da Criança e do Adolescente junto às casas legislativas, além da
mobilização e articulação de processos eleitorais da sociedade civil para comporem os conselhos de direitos.
67
O FDCA tem uma razão de existir: que as ONGs possam ter esse momento de
construção conjunta, entendendo que o que as entidades fazem com as crianças,
se algum dia se bastou em seus atendimentos, na atualidade existe um Estado
que dita para estas um ordenamento que por sua vez estabelece a prática que
deve ser direcionada às crianças e aos adolescentes. Principalmente depois do
ECA todos devem estar adequados a essas diretrizes e princípios que norteiam a
política que envolve a criança e o adolescente. Essa política não se basta no
atendimento nas entidades (...) é importante estar em sintonia, estar regrado e
compreendendo a política que norteia a prática em questão (ANJOS, 2010, p.
173).
Mesmo não sendo foco de análise deste trabalho, ainda assim vale considerar que,
especificamente, atuando no espaço do FNDCA algumas entidades reconhecem publicamente
a interinfluência entre o Fórum e as entidades e as entidades e o Fórum, com atuação do
FNDCA na conjuntura política do país ou na contribuição das entidades para o fortalecimento
do coletivo e vice-versa. Assim, destaca a Fundação Abrinq que,
É assim que a ação desse coletivo, nas diversas localidades em que se fez presente,
tornou-se aos poucos expressiva, repercutindo também nas práticas das entidades engajadas
67
Essa citação está registrada na introdução de uma das publicações do Fórum Nacional Permanente de
Entidades Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum Nacional DCA),
sobre a temática, Orçamento Público. Nos anos 2006 e 2007, o FNDCA realizou uma série de seminários em
parceria com os Fóruns Estaduais DCA e entidades filiadas. Esses seminários resultaram em uma coletânea de
publicações intituladas, “Aconteceu em 2006 e 2007”. Cada publicação aborda uma temática específica debatida
durante a realização dos seminários estaduais. São estas as temáticas: Orçamento Público – sistematização e
debates dos seminários sobre Orçamento Público; Gestão 2006 e 2007; Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo – SINASE – sistematização e debates dos seminários sobre SINASE nos Estados; Plano
Nacional de Convivência Familiar e Comunitária.
70
nesse espaço de formação política e controle social68, sobretudo no âmbito dos conselhos de
direitos e da discussão sobre políticas públicas.
Em termos de avanço, atuando em meio a todas as contradições e tensões próprias,
nos anos 1980 e 1990, o FNDCA é considerado “a mais importante rede de articulação de
entidades da sociedade civil brasileira de defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente,
com aproximadamente mil entidades, entre organizações filiadas, Fóruns e Frentes Estaduais”
(FÓRUM NACIONAL DCA, 2009, p. 59). Segundo Faleiros (2009), o seu processo de
criação contou com a articulação de um coletivo de entidades atuantes e, por isso, é
significativo e representativo do ponto de vista da defesa da infância brasileira.
A partir da análise de registros, como boletins eletrônicos, relatórios e atas de
reuniões do Fórum DCA-SE, encontrados na sede do Instituto Braços 69 , e do FNDCA,
encontrados por meio de endereços eletrônicos, e, ainda, da memória militante, percebe-se
que, desde sua criação, o FNDCA atua na ampliação e aplicação dos direitos assegurados à
criança e ao adolescente, através do fomento da participação e do fortalecimento da sociedade
civil organizada, além de se destacar nesse processo de fomento enquanto espaço que educa
enquanto se educa pedagogicamente. Sua contribuição passa pela inclusão dos direitos da
criança e do adolescente nas constituições estaduais e leis orgânicas municipais, oportunidade
que se colocou após a aprovação por unanimidade da Convenção Internacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente 70 , demonstrando que havia uma compreensão de que era
necessário tomar o espaço da institucionalidade.
A participação em espaços como os conselhos, por exemplo, passa a ser concebida
como intervenção social periódica e planejada, ao longo de todo o circuito de formulação e
implementação de uma política pública, uma vez que a ênfase passa a ser dada às políticas
68
No entanto, não é foco do trabalho estudar a mudança nas práticas internas de atendimento promovidas pelas
entidades.
69
O acervo de registros documentais relacionados ao Fórum DCA-SE estão dispostos na sede de uma de suas
entidades filiadas, denominada Instituto Braços, situada na rua Itabaiana, 426, no centro da cidade de Aracaju,
Estado de Sergipe. Diversas matérias relacionadas ao Fórum DCA-SE foram encontradas por meio de endereços
eletrônicos de meios de comunicação, conforme referências. As informações sobre o FNDCA foram encontradas
em livros e endereços eletrônicos. Essas informações constam nas referências desta dissertação. Ambos são
registros de pessoas que integraram o processo de criação dos Fóruns DCA, realizadas como forma de relatar um
tempo. No caso do FNDCA, as publicações relatam sistematizações de experiências, história do Fórum, entre
outros aspectos. Algumas dessas publicações contaram com o apoio de pessoas que integravam a academia. A
documentação relacionada a atas e relatórios de reuniões dos conselhos de direitos da criança e do adolescente
está disponível nos próprios conselhos e no Diário Oficial da União.
70
Logo após a realização do II Encontro Nacional dos Meninos e Meninas de Rua e a consequente ocupação do
plenário do Congresso Nacional ocorre a promulgação simbólica do Estatuto da Criança e do Adolescente. A
partir daí, o FNDCA articula a elabora o anteprojeto de regulamentação dos artigos 227 e 228 da Constituição
Federal (FÓRUM NACIONAL DCA, 2015).
71
públicas (GOHN, 2013). É nesse sentido que o termo sociedade civil é apropriado não só
pelos conselhos de gestão, mas também por fóruns diversos, como do Fórum DCA-SE.
A tendência à institucionalização 71 surgiu então como consequência e principal
característica desse tipo de participação, entendida como “inclusão no arcabouço jurídico
institucional do Estado, a partir de estruturas de representação criadas, compostas por
representantes eleitos diretamente pela sociedade de onde eles provem” (GOHN, 2013, p.
241).
Os Fóruns DCA trabalham com a perspectiva de fortalecimento da sociedade civil,
considerada em duas vertentes: de um lado, as organizações da sociedade civil ligadas às
entidades do Terceiro Setor e, do outro, as organizações voltadas ao exercício pleno do
controle social sobre as políticas públicas. Desse modo, fortalecer a sociedade civil através do
Fórum DCA-SE, em algum momento, também se faz mediante contradições próprias das
distinções dessas vertentes.
Isso ocorre porque, por um lado, fortalecer a sociedade civil para algumas entidades
do Fórum DCA-SE significa maior quantidade de recursos financeiros e, por consequência,
maior possibilidade de firmar parcerias com o Estado e todas as limitações anteriormente
refletidas neste trabalho. Por outro lado, fortalecer a sociedade civil, para outras entidades,
significa atuar como componente da ideia gramsciana de Estado 72. Disso decorre uma atuação
com foco para a formação completa do conceito de políticas públicas e da consolidação da
democracia por via da democracia participativa. Entendemos que se o Fórum DCA-SE atingiu
seu momento de efervescência política nos anos 2007 a 2009, que se deve a atuação alinhada
a esse último pensamento.
No entanto, nem sempre a visão gramsciana é a preponderante no Fórum DCA.
Assim, em determinados períodos da história, há também o enfraquecimento das ações deste
coletivo do ponto de vista da atuação para uma participação efetivamente democrática (sem
condicionamentos relacionados a uma atuação nivelada à execução de políticas públicas pelas
71
Nos Estados, de modo geral, a incidência política das entidades não governamentais nas questões relacionadas
à infância, após a criação dos Fóruns DCA, deu-se principalmente no campo do monitoramento da implantação
das exigências acolhidas pelo ECA, pela implementação institucional. Entre estas, pode ser notado o movimento
pela criação e implementação dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCAs e CMDCAs),
pela regularização das entidades de atendimento à criança e ao adolescente e pela criação, no âmbito municipal,
dos Conselhos Tutelares. Esses propósitos, além de justificarem o receio dos grupos de defesa e promoção de
direitos da criança e do adolescente quanto à não aplicação do ECA, assumem a condição de propósito da
participação de entidades governamentais e não governamentais.
72
Estado é a própria sociedade organizada de forma soberana, ou seja, é uma organização constituída de
instituições complexas, públicas e privadas, articuladas entre si, cujo papel histórico varia através das lutas e
relações de grupos específicos e poderes, que se articulam na busca da garantia da hegemonia dos seus
interesses.
72
próprias entidades da sociedade civil e não por quem tem o dever de sua execução – o
Estado).
Vale ressaltar que não constituíam preocupação do FNDCA nem do Fórum DCA-SE
debates sobre participação da “sociedade civil” relacionada à expressão popular de “povo”.
Em 1990, com o entendimento de que os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente
se fortalecem com a atuação da sociedade civil organizada, o FNDCA e, seguindo a mesma
lógica, o Fórum DCA-SE - experiência vivenciada por esta autora - buscaram
estrategicamente construir os meios para que a eleição de conselheiros, representantes dessa
sociedade em âmbito nacional e nos Estados, se desse mediante processo realizado a partir
dos atores que permanentemente se debruçam sobre a temática da infância no próprio interior
dos Fóruns DCA.
É desse modo que, em 1991, o FNDCA passou a atuar como colegiado eleitoral dos
representantes da sociedade civil para compor o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente – CONANDA (FÓRUM NACIONAL DCA, 2015). Essa estratégia tinha por
objetivo de ação política ampliar o interesse das entidades para participarem dos Fóruns DCA
e, posteriormente, ocuparem os espaços deliberativos de políticas públicas como os conselhos,
mas somente após a efetiva participação destas dos debates referentes à infância e à
adolescência nos parâmetros do ECA.
Essa estratégia fortalece a atuação dos conselheiros de direitos da sociedade civil, a
partir da formação e participação qualificada destes no FNDCA, e, consequentemente,
fortalece a atuação do próprio conselho. Em Sergipe, esse fortalecimento se verifica pela
quantidade e qualidade das proposições de políticas públicas encaminhadas ao Executivo,
principalmente nos períodos de 2007 a 2009, pelos conselhos estadual e municipal de
Aracaju, conforme se verá mais adiante.
Sobre as reuniões ocorridas no FNDCA com representantes da sociedade civil do
CONANDA, elas ocorriam frequentemente e funcionavam do seguinte modo: mensalmente
os conselheiros representantes da sociedade civil se reuniam com a coordenação colegiada
nacional do FNDCA, antecipadamente às reuniões do CONANDA 73, para traçar uma linha de
ação e prestar contas acerca das prioridades definidas em planejamento anual pelo coletivo de
entidades filiadas ao FNDCA. Nesse momento, eram compartilhadas as discussões e as
disputas de concepções travadas com os conselheiros representantes das organizações
73
O CONANDA é um conselho paritário de participação, com função deliberativa sobre as políticas públicas
nacionais relacionadas à criança e ao adolescente, sendo, portanto, órgão de consultoria do Executivo. Sua
composição é paritária, com metade dos conselheiros indicados pelo poder público e metade eleitos pela
sociedade civil em fórum específico para essa finalidade.
73
74
Assistencialismo caritativo é ajuda dispensada, às vezes pelo governo, mas mais usualmente por entidades
religiosas e filantrópicas, por caridade, por compaixão, por piedade, sem intuito de promover a emancipação do
assistido.
75
75
Ao se analisar a correlação de forças entre Estado e sociedade, definida por Poulantzas, percebe-se que o
Estado não possui poder próprio, sua força política está sediada no poder de classe, especificamente em meio à
luta de classes, motor fundamental de uma formação social dividida entre dominantes e dominados.
76
As tensões ocorrem entre segmentos da sociedade civil e representantes estatais porque, mesmo considerando
o estágio de respeito e representatividade alcançado ao longo da trajetória do próprio movimento pelos direitos
da criança e do adolescente para o processo de priorização e reconhecimento desse segmento social, passados
mais de vinte e cinco anos de aprovação do ECA, a sociedade civil, ainda encontra necessidade de se colocar na
condição de ator estratégico de tensão para fazer avançar a política de atendimento à população destinatária dos
direitos humanos infanto-juvenis. Para isso, faz-se necessário atuar de forma articulada e pedagógica.
76
Isso significa, para o aprendizado político, uma ilustração de como o Fórum DCA
pode ser ou se apresenta enquanto agente desse processo de formação política, dessa
pedagogia da contra-hegemonia.
Desse modo, à medida que o FNDCA e o Fórum DCA-SE cresciam, motivavam suas
entidades filiadas, ampliavam o debate, qualificavam os discursos e fortaleciam a ação na área
da infância nos locais de sua existência, concomitantemente com a criação de novos Fóruns
DCA, que se reproduziam pelos municípios.
Nos anos 2000, o FNDCA, além de manter a agenda de incidência na organização
das conferências da criança e do adolescente e no Plano Nacional de Enfrentamento da
Violência Sexual Infanto-Juvenil, participou dos processos de elaboração e aprovação do
“Orçamento Criança”, na Câmara dos Deputados, e começou a desenvolver melhores
mecanismos de comunicação sobre a infância e adolescência, como boletins eletrônicos,
páginas na rede mundial de computadores, produção de cartazes, folders, jornais, manifestos
políticos, artigos, assessoria de imprensa e publicações77.
É verdade que nem sempre as entidades absorviam o caráter pedagógico do FNDCA,
algumas, inclusive, almejavam apenas impor o caráter pedagógico de suas próprias entidades
para que servissem de projeto político. Essas iniciativas geravam conflitos e tensões também
77
Nos anos de 1990 a 2000 foram realizadas várias Assembleias Nacionais do FNDCA, com pautas que
priorizam o papel político das entidades não governamentais; a importância da participação nos conselhos
deliberativos de direitos, atribuições e competências do FNDCA; a sustentabilidade das organizações não
governamentais; a articulação e mobilização de campanhas nacionais importantes, como a erradicação do
trabalho infantil e a proteção ao trabalho do adolescente; a violência e exploração sexual contra crianças e
adolescentes; o ato infracional e medidas socioeducativas; a redução da maioridade penal; a importância dos
conselhos tutelares; o orçamento público e fundos e o fortalecimento dos Fóruns Estaduais, entre outros temas.
As pautas evidenciam possibilidades de avanços sobretudo pelo fomento da participação institucional para o
exercício do controle social. No entanto, por outro lado, evidenciam de igual modo um caráter contraditório do
Fórum em termos de autonomia frente a este controle social, uma vez que fica evidente a necessidade de
financiamento que as entidades têm para sua própria sustentabilidade, caso em que em grande parte são firmados
convênios com o próprio Estado. Em relação às campanhas, que também se fazem pedagógicas em seu processo
de mobilização e evidenciamento das problemáticas sociais, em 1994, o FNDCA articulou Campanha Nacional
com o tema “Não Toquem em Nossos Direitos”, em defesa dos direitos da criança e do adolescente e pela
moralização do Congresso Nacional, deflagrada em 1994. O FNDCA participou ainda de protestos importantes
como o da chacina da Candelária no Rio de Janeiro na reunião de Cúpula dos Governadores pela Infância; das
iniciativas para a criação em 1993 da Frente Parlamentar pela Criança e pelo Adolescente no Congresso
Nacional e instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional para investigar a
exploração sexual infanto-juvenil, que resulta na criação das CPIs da exploração sexual comercial de crianças e
adolescentes e de trabalho infantil de 1996 (FÓRUM NACIONAL DCA, 2015). Em relação à luta pela
erradicação do trabalho infantil, em 1997, foi criada a Comissão Interinstitucional da Região Centro-Oeste de
Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, com a participação de 1628 municípios. Em 1998, a
luta passou a ser travada em diversas frentes, com maiores expressões na Marcha Global Contra o Trabalho
Infantil, no Fórum pela Erradicação do Trabalho Infantil e nos fóruns estaduais e municipais sobre o tema. Logo
depois, foi realizada a Marcha Global pela Erradicação do Trabalho Infantil no Mundo. A Marcha saiu de vários
países rumo a Genebra, na Suíça, onde aconteceu a Conferência da Organização Internacional do Trabalho. No
mesmo ano, a Emenda Constitucional nº 20 proibiu o trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos,
salvo na condição de aprendiz (FÓRUM NACIONAL DCA, 2015).
78
em um universo de atores cada vez mais heterogêneos. Foi justamente desse modo que a
participação coletiva e individual dos sujeitos inseridos no Fórum se intensificou, os
significados foram surgindo e também apareceram na ação de cada um. Enfim, nesse
contexto, a criação dos Fóruns DCA, com base em Santos (2007), também se relacionou com
a produção de saberes informais que partiam do bojo da sociedade civil e se colocavam nos
espaços de troca de saberes. Por outro lado, a formação política da sociedade civil se dá
enquanto se produzem experiências políticas que têm como pretensão propor alternativas
contra-hegemônicas para a realidade cotidiana vivenciada. Afinal, a transformação deve-se
dar no campo dos processos culturais abertos, que tendem a potencializar a capacidade
humana da criatividade e da transformação do mundo: “hitos básicos de todo el processo de
humanización e de la humanidad” (FLORES, 2012, p. 238).
Mediante essa compreensão, que considera a dimensão do sentido de criação e luta
dos Fóruns em função da defesa dos direitos consagrados na lei e na promoção e proteção
integral dos direitos infanto-juvenis, vale especificar como essa atuação se deu no âmbito do
Estado de Sergipe, o que se fará no próximo capítulo.
4. PALAVRAS QUE NÃO SILENCIAM, POSSIBILIDADES QUE
EMANCIPAM: A TRAJETÓRIA POLÍTICA DO FÓRUM DCA-SE
78
Essa atuação é considerada da maior importância por ter revertido uma decisão de governo a partir das
pressões sociais realizadas por iniciativa do Fórum DCA-SE. Uma decisão governamental que contrariava
direitos conquistados.
81
A relação dos Fóruns DCA, de modo geral, com os conselhos de direitos tem sido de
parceria e cooperação, com ações articuladas e propositivas, sem perder a autonomia e a
possibilidade de questionar as decisões tomadas por esses órgãos 79.
Na tese de doutorado de Francisca Rodrigues Pinni, intitulada Fóruns DCA: fios que
tecem o movimento da infância e da adolescência na construção de caminhos para a
democracia participativa, a autora analisa depoimentos de articuladores dos Fóruns Estaduais
e conclui que a relação dos Fóruns, em geral, com os conselhos de direitos varia de Estado
para Estado, “tratando-se da interlocução dos Fóruns com os Conselhos dos Direitos da
Criança e do Adolescente, o entendimento é heterogêneo” (PINNI, 2006, p. 131).
Para alguns Fóruns, a interlocução é considerada boa e bem consolidada, com
diálogo sobre as pautas a serem trabalhadas nos conselhos, integração entre as entidades de
ambos os espaços (Fóruns e conselhos), incentivo ao fortalecimento e crescimento da
sociedade civil e contribuição recíproca para o avanço da pauta da infância. Nas palavras de
alguns representantes de fóruns estaduais, citados por Pinni (2006), é uma relação política
importante para promover as reflexões realizadas pela sociedade civil que atua diretamente
com crianças e adolescentes e colocar a ideologia do Fórum nos conselhos de forma mais
politizada a partir dos consensos produzidos pela sociedade civil (PINNI, 2006, p. 132).
O Fórum Estadual DCA-PR e o Fórum Estadual DCA-MS, por exemplo, constroem
uma interlocução com os conselhos estadual e municipais, de modo a favorecer a participação
social. Especificamente quanto ao Fórum DCA-PR, um de seus coordenadores afirmou ser
uma relação de “muito respeito por parte do Conselho e dos conselheiros governamentais. Em
vários momentos chamam o Fórum para acompanhar as ações” (PINNI, 2006, p. 132). Em
outros Estados, os próprios conselheiros de direitos solicitam o parecer do Fórum DCA sobre
assuntos mais específicos, como o orçamento público, ou levando suas pautas para serem
discutidas no Fórum, bem como ampliando os debates nos conselhos (nesse contexto, há
fóruns que se entendem como parte do conselho por causa das entidades da sociedade civil
que ocupam ambos os espaços).
79
A depender da conjuntura vivenciada em cada localidade, essa relação se dará de forma diferente. Ainda que
em determinado Estado ou município essa relação se dê de forma cooperativa, ocorrem momentos de tensão e
embates, o que altera essa relação do Fórum com os conselhos. Afinal, isso depende da configuraçãoassumida
por um espaço ou outro, mesmo considerando haver uma atuação similar em alguns aspectos, como a formação
continuada, a atuação política, o incentivo à participação social e o controle sobre as políticas públicas, entre
outros.
82
80
Nesse trabalho, Pinni cita ainda as considerações trazidas por integrantes do FNDCA, segundo os quais, no
caso deles, as interlocuções ocorrem por meio de reuniões mensais em que o secretariado senta com os
representantes da sociedade civil no CONANDA. Debatem-se temas considerados importantes pelo Fórum,
inclusive questões que deverão ser discutidas e votadas no âmbito do CONANDA. Em razão, sobretudo, de ser
grande parte das entidades presentes nessa reunião membros do Conselho Nacional. (PINNI, 2006).
81
Conforme o artº 6 da Resolução nº 13 do CONANDA, a defesa de direitos humanos está diretamente
relacionada à garantia do acesso à justiça por meio dos seus instrumentos jurídicos de proteção legal e à atuação
das entidades públicas e privadas para operacionalizar esse eixo. Pauta-se por assegurar a impositividade desses
mecanismos e sua exigibilidade, em concreto).
82
Conforme o art. 14 da Resolução nº 113, a promoção dos direitos humanos se refere à política de atendimento
dos direitos da criança e do adolescente, prevista no art. 86 do ECA, que é operacionalizada tanto pelas entidades
públicas como por entidades da sociedade civil organizada. Para a melhor efetividade desse eixo, deve articular
todas as políticas públicas no sentido de garantir a proteção integral da criança e do adolescente. O
desenvolvimento dessa política pública implica a satisfação das necessidades básicas do público infanto-juvenil;
a participação da população, por meio de suas organizações representativas; a formulação e controle das políticas
públicas; a descentralização político-administrativa; e o controle social e institucional (interno e externo) da sua
implementação e operacionalização.
83
(...) a ideia de gestão compartilhada (...) é a que reflete a ideia de um processo que
requer tempo, por esse motivo não podendo ser imposta. Os percalços que
possivelmente surgem nesse processo, como as resistências, devem ser quebrados
como uma maneira de ir solidificando essa nova modalidade de construção conjunta
com base na vontade, criatividade e adequação a cada realidade e demanda
(MONTEIRO et al, 2002, p. 57).
83
O ECA, em seu artigo 89, definiu que a função de membro do Conselho de Direitos é considerada de interesse
púbico relevante e não será remunerada.
84
84
Rubio defende que as complexidades devem ser consideradas, rompendo com a lógica cultural da
simplificação de realidades nada simples, “por que quanto mais mutilador é um pensamento, mais mutila seres
humanos e suas vidas” (RUBBIO, 2014, p. 76). Rubio (2014) trata dessa questão quando se refere ao paradigma
da simplicidade pensada pelo sociólogo Francês Edgar Morin. Esse paradigma se baseia na ideia de que “todo
ser humanos faz simplificações e significa parcial e limitadamente o real”, absolutizando, simplificando e, desse
modo, amputando tudo e sacrificando muitas vidas (RUBBIO, 2014, p. 76). Esse processo não é construído de
uma vez só e nem de uma vez por todas. É sutil e provoca muitas injustiças, uma vez que as pessoas vão aos
poucos simplificando as realidades e transformando essas simplificações em verdades absolutas, sem atentar
para as complexidades que envolvem cada uma delas. No caso dos conselheiros de direitos, muitas das tensões
advêm da própria falta de conhecimento em relação a essas realidades, por exemplo, vivencidas pelos grupos
vulneráveis e essas tensões se evidenciam através tentativas de cumprir suas próprias funções deliberativas:
decidir sobre as políticas públicas.
85
No âmbito do Executivo, no que tange à formulação e fiscalização de políticas públicas, a Constituição de
1988 prevê a participação da comunidade nos setores como saúde (CF, art. 198, III), a assistência social (CF, art.
204, II), educação (CF, art. 206, VI), cultura (CF, art. 216, § 1º) e criança e adolescente (CF, art. 227, § 1º), além
de prever a participação do usuário na Administração Pública direta e indireta (CF, art. 37, § 3º).
85
poder público passou a contar com representantes não governamentais na tomada de decisões,
na definição, acompanhamento, fiscalização e avaliação de resultados de políticas públicas.
Desse modo, tem-se que, culturalmente, a participação social não era priorizada
pelos governos; pelo contrário, o país – como já exposto – vivenciou processos ditatoriais
duradouros. Por meio do novo modelo de construção coletiva, os desafios e perspectivas se
evidenciaram em virtude de uma sociedade recém-saída desses contextos autoritários,
repressores e inibidores da participação e de processos democráticos. Acresce-se a esse
contexto, o modo conservador e centralizador de gestar os recursos e os assuntos públicos por
parte dos representantes do Estado, estabelecidos há muitos anos, sempre com olhar mais
atento para as políticas de segurança nacional, com foco no militarismo.
É por isso que se afirma que a efetiva assimilação, por parte de todos os atores
envolvidos nesse contexto, depende de uma mudança de cultura na forma de se conceberem a
política pública e a participação popular na composição de espaços decisórios de poder
público, além de repensar a forma como sempre foi concebida a criança e o adolescente,
diferentemente da concepção do “menor”, que foi construída ao longo da história do Brasil,
especialmente no século XX86.
Tomar decisões públicas com a sociedade civil não era uma prática, pelo contrário,
nunca foi sequer um desafio. Ao longo da história, foram muitas as perseguições e conflitos,
advindos das tentativas de participação e das reivindicações políticas por parte de grupos
sociais organizados. O processo de luta pela redemocratização do país é um exemplo, tendo
em vista as tentativas de anulá-lo e de evitar o avanço da democratização do Estado, ou seja,
que os valores democráticos se institucionalizassem, de modo a não mais se admitir a
presença do autoritarismo na condução do Estado (CARVALHO, 2002, p. 43). Por outro lado,
como dito anteriormente, para a grande maioria da sociedade, controlada por uma política
assistencialista, que cria e estimula o acomodamento frente a “pacotes e serviços prontos”,
esse fato transforma em desafio a necessidade de participar.
José Murilo de Carvalho (2002), em sua obra intitulada “Cidadania no Brasil: O
longo caminho”, descreve como se deu o processo de construção da cidadania e de
participação brasileira ao longo dos anos, desde o período colonial. Desse modo, Carvalho
(2002) demonstra o enraizamento cultural das nocivas práticas de intimidação, exploração,
submissão, perseguição, anulação e violência a que foram submetidas as camadas populares
no Brasil historicamente. Essas práticas se refletiram em um modelo de participação que, em
86
Sobre o assunto, ler artigo “Da concepção do “menor” ao surgimento da criança e do adolescente enquanto
sujeito de direitos: uma compreensão histórica”, de autoria de Anjos e Maia, 2014.
86
grande parte, foi fragmentado, por ter sido um processo de conquista “ingênuo e viciado” a
receber os comandos de um Estado e das camadas dominantes da sociedade despreparadas
para formas de gestão democráticas.
Sobre o processo desencadeado com a construção e, posteriormente, com
promulgação da Constituição de 1988, segundo Carvalho,
87
Para Sousa Santos, os problemas modernos se relacionam diretamente como novo regime de acumulação do
capital expresso pela globalização neoliberal, que “dissocializa o capital, libertando-o dos vínculos sociais e
políticos que no passado garantiram alguma distribuição social” (SOUSA SANTOS, 2005, p. 30). Além disso,
esse regime, mais intenso que no passado, promove a submissão da sociedade ao valor de que toda atividade é
mais organizada se estiver atrelada e organizada sob as regras do mercado. Em ambas as situações, as
consequências nefastas são a “distribuição extremamente desigual dos custos e de oportunidades produzidos pela
globalização neoliberal no interior do sistema mundial, com aumento das desigualdades sociais entre países ricos
e pobres e entre ricos e pobres no interior do mesmo país” (SOUSA SANTOS, 2005).
88
Para aprofundar esse debate, ver Boaventura de Sousa Santos, em “Democratizar a Democracia: os caminhos
da democracia participativa”.
87
SANTOS, 2005, p. 57), o que implica questionar uma gramática social e estatal de exclusão e
propor, como alternativa, outra gramática social, mais inclusiva (SOUSA SANTOS, 2005).
Com base na relação entre a prática política e o direito consubstanciado na lei, ou
seja, na atuação dentro dos cânones da legalidade, Antônio Carlos Wolkmer afirma que “é
fundamental destacar, na contemporaneidade, as novas formas plurais emancipatórias e contra
hegemônicas de legitimação do Direito” (WOLKMER, 2008, p. 180). Nesse sentido,
Wolkmer considera ainda que o empenho maior que se deve ter frente ao cenário de
mundialização neoliberal, sem deixar de estar consciente e de agir no âmbito cultural da
diversidade e da legitimidade local, é
Com isso, Wolkmer (2008) chama a atenção para a necessidade de se ter consciência
e de lutar contra imposições padronizadas. Sugere o pluralismo democrático como
instrumento de luta para combater as mazelas da globalização e legitimar, como estratégia
contra-hegemônica, a afirmação dos direitos humanos emergentes. Apesar de todas as
ponderações, a interferência direta dos indivíduos e da sociedade civil na tomada de decisão
sobre as políticas públicas, típica do modelo de administração participativa, enuncia o
coroamento da democracia participativa (CAPACITASUAS, CADERNO I, 2013, p. 130),
necessitando apenas a sua colocação em prática efetiva.
Embora não se possa afirmar que se enraizou essa concepção de participação nos
Fóruns DCA e no Fórum DCA-SE especificamente, no período estudado, os fóruns em geral
atuam para o incentivo à ocupação dos espaços de discussão e deliberação de políticas
públicas para que estes sejam ocupados de forma efetiva e crítica por parte dos atores sociais,
que devem desenvolver a capacidade de construir consensos e lidar com os dissensos.
Denota-se que, apesar dos ganhos na letra da lei, na prática, a cultura da democracia
participativa ainda é um desafio que precisa ser estimulado, aprendido e fortalecido, seja nos
conselhos, seja nos Fóruns DCA. No caso dos conselhos, na percepção de Vitalle, há uma
compreensão por parte dos fóruns de que estes
uma nova cultura política, menos hierarquizada e mais aberta aos anseios da
sociedade civil (VITALLE, 2011, p. 14).
sociedade civil, que se colocou na condição de ator estratégico para a construção conjunta da
política pública, sem abrir mão de outras formas de organização exclusivamente da sociedade
civil, como o Fórum DCA-SE89.
Nesse contexto, os representantes do Fórum DCA-SE assumem a responsabilidade
de manter sintonia em sua ação política, provocando debates e reflexões que envolvem sua
organização interna, seus instrumentos emancipatórios e inibidores de participação, além de
buscar compreender a dinâmica estatal e as contradições da relação Estado-sociedade,
promover denúncias de violações de direitos e compartilhar informações sobre a realidade
vivenciada pelas crianças e adolescentes nas ONG,’s e nas entidades públicas de
atendimento. Em complemento, o Fórum DCA-SE ajuda a construir alternativas coletivas,
tendo como meio a promoção de diálogos interinstitucionais e com outros movimentos
sociais, sindicatos, conselhos e gestores públicos.
Especificamente sobre a relação do Fórum DCA-SE com os conselhos de direitos
(CEDCA-SE e CMDCA-Aracaju), depois de criados com a contribuição do Fórum DCA-SE,
no início dos anos de 1990, essa rede da sociedade civil se desarticulou, conforme será
explanado no próximo item. No entanto após sua reorganização, nos anos 2000, preponderou
uma relação de recíproca, porém crítica, parceria pela efetivação dos direitos humanos
infanto-juvenis. Os documentos analisados, como atas de reunião, resoluções, regimento
interno do CEDCA-SE e alguns documentos do CMDCA-Aracaju, além de relatórios do
Fórum DCA-SE, bem como registros feitos por alguns veículos da mídia sergipana 90 ,
mostram que, principalmente do período de 2005 a 2009, o Fórum DCA-SE contribuiu para a
efetividade do trabalho de ambos os conselhos. Essa atuação passou também pela construção
conjunta de modelos de conferências dos direitos da criança e do adolescente, em âmbito
municipal e territorial, bem como pela formação de jovens, publicação de notas conjuntas91,
formação de conselheiros da sociedade civil sobre orçamento público e reuniões conjuntas do
Fórum DCA-SE, do CEDCA-SE e do CMDCA-Aracaju, entre outras iniciativas.
Por haver constantes discussões, sobretudo entre conselheiros não governamentais
integrantes do Fórum com outros membros de articulação da sociedade civil sobre as pautas
e/ou temas debatidos nos conselhos, em vários momentos, deu-se um nivelamento crítico de
89
Os conselhos de direitos representam espaços legítimos desse exercício ainda em disputa, considerando que a
sua criação e implantação nos Estados e municípios, nos moldes previstos em lei, não representam efetivamente
a concretização de uma cultura participativa para a promoção dos direitos sociais, mas uma tentativa de
implementação.
90
Ver Apenso A desta dissertação.
91
Disponível no CEDCA-SE. Ata da 5ª (quinta) Reunião Ordinária do Conselho Estadual dos Direitos da
Criança e do Adolescente. Pauta: reunião conjunta com CMDCA-Aracaju para tratar das medidas
socioeducativas de privação de liberdade para adolescentes. Aracaju, 27 de maio de 2009.
90
concepções sobre a infância. Isso refletia no posicionamento político institucional, ainda que
esse acordo sobre os fundamentos e as práticas a serem desempenhadas pelos órgãos se desse
de forma temporária.
Assim, atuando com papéis bem definidos: os conselhos encarregados por deliberar
sobre a política pública e o Fórum DCA-SE responsável por articular a participação da
sociedade civil, tanto nos conselhos quanto em espaços externos a ele, além de incentivar o
exercício do protagonismo social quanto à formulação e execução de políticas públicas, este
adotou, como uma de suas principais estratégias político-pedagógicas, a incidência sobre
esses espaços, como se verá adiante.
Por não estar vinculado ao Estado, sem se confundir com órgão ou entidade do poder
público, o Fórum DCA pôde atuar com maior autonomia frente a governos e autoridades
estatais, embora, na sua atuação, tenha-se restringido à interlocução institucional, sobretudo à
ação junto ao Estado para evitar a perda de direitos e/ou promover a efetivação daqueles
legalmente reconhecidos, ou seja, não vem sendo e não foi, no período estudado, uma atuação
para além do Estado, com vistas à construção de transformações sociais e estruturais
profundas. Para Gohn, essa característica parece ser uma vantagem dos movimentos sociais
contemporâneos.
Ao analisar, por exemplo, a relação entre sociedade civil e os conselhos da área da
educação, Gohn afirma:
A exigência de uma democracia participativa deve combinar lutas sociais com lutas
institucionais e a área da educação é um grande espaço para essas ações, via a
participação em conselhos, fóruns e, no novo século, em conferências nacionais.
Consideramos estes últimos como parte de um novo modo de gestão dos negócios
públicos – que foi reivindicado pelos próprios movimentos sociais nos anos 80,
quando eles lutaram pela democratização dos órgãos e aparelhos estatais –; eles
fazem parte de um novo modelo de desenvolvimento que está sendo implementado
em todo o mundo – da gestão pública estatal via parcerias com a sociedade civil
organizada objetivando a formulação e o controle de políticas sociais; eles
representam a possibilidade da institucionalização da participação via uma de sua
forma de expressão – a cogestão; a possibilidade de desenvolvimento de um espaço
público que não se resume e não se confunde com o espaço governamental/estatal; e,
finalmente, a possibilidade da sociedade civil intervir na gestão pública via parcerias
com o Estado. Os conselhos ampliam o espaço público, sendo ainda agentes de
mediação dos conflitos. Como tal, carregam contradições e contraditoriedades.
Podem alavancar o processo de participação de grupos organizados como podem
estagnar o sentimento de pertencimento de outros – se monopolizados por
indivíduos que não representem de fato as comunidades que os indicaram/elegeram.
Eles não substituem os movimentos de pressão organizada de massas, que ainda são
sempre necessários para que as próprias políticas públicas ganhem agilidade
(GOHN, 2013, p. 242).
É válido considerar que, mesmo ressaltando a importância das análises de Gohn para
entender o Fórum DCA-SE no período de 2000 a 2009, como proposto neste trabalho,
91
sobretudo por ser Gohn uma referência no campo dos estudos sobre espaços de participação,
como fóruns e conselhos, é preciso lançar uma divergência teórica quanto a suas ideias.
Primeiro, não parece adequado classificar redes de articulação, como fóruns de defesa de
direitos, como “movimentos sociais”, mesmo que sob novos formatos.
O Fórum DCA-SE, por exemplo, não tem a capacidade de mobilização de massas
própria dos movimentos sociais e, também, não coloca em debate a maneira como está
constituída a ordem social. No máximo, consegue levantar alguns pontos para debates
públicos de concepções, porém, parece absorver os efeitos da relação que o Estado impõe à
sociedade civil, a quem é atribuída responsabilidade pelo atendimento direto a crianças e
adolescentes, o que a coloca em uma situação de pragmatismo. O debate se acomoda às
preocupações com a promoção cotidiana e com a administração de conflitos acerca do que
acaba se tornando “prestação de serviços” na perspectiva de consumo de políticas públicas.
Nesses moldes, a luta política acaba limitada à ação para evitar a perda direitos e, em
alguns casos, para impedir a perda e/ou redução de recursos públicos para o desempenho de
ações de atendimento. Do mesmo modo, a noção de gestão delineada na citação acima parece
invocar um formato de tomada de decisão governamental que a confunde com
“gerenciamento” do que se chama “negócios públicos”. Com isso, insere-se a participação da
sociedade civil em um contexto que anula a compreensão dos problemas sociais em meio à
análise de como está estruturada toda a sociedade, além de reduzir os processos de
reivindicação ao que se poderia chamar de reivindicação de direitos situada no espaço do
Estado. Em outras palavras, ao pensar a participação nesses moldes, a autora não se
desvencilha da forma neoliberal de relação entre Estado e sociedade civil (LYRA FILHO,
1980).
No caso do Fórum DCA-SE, essa modalidade de ação política compreendida dentro
do que Gohn (2013) denomina “gestão dos negócios públicos” representa uma limitação de
sua própria práxis. Do ponto de vista da luta política, percebe-se que a atuação do Fórum em
estudo não se deu para criar nada novo. Talvez, sua ação tenha sido importante para manter
direitos e, com isso, evitar retrocessos nas políticas públicas. Por essa razão, é possível
afirmar que o Fórum DCA-SE se coloca em uma linha de ação que, no fundo, é desenhada
pelo próprio Estado, especialmente, porque essa articulação de entidades não governamentais
não atua no campo da tentativa da superação da ordem estabelecida, mas projeta uma ação
dentro dessa ordem, para colocar em prática o que está previsto na lei, sem apontar para
possibilidades além disso.
92
necessidade é do âmbito do dever do Estado e não uma concessão de mérito eventual face a
uma fragilidade de um indivíduo” (CAPACITASUAS, CADERNO I, 2013, p. 22).
Esse novo modelo orientou toda iniciativa, seja do poder público ou da sociedade
civil, no que tange à oferta de serviços públicos direcionados aos grupos vulneráveis, em
específico a criança e o adolescente, quanto às “funções de proteção social, vigilância social e
defesa de direitos socioassistenciais” (CAPACITASUAS, CADERNO I, 2013, p. 62). Essa
discussão deve permear sempre os espaços deliberativos de políticas públicas ou de entidades
que se propõem a realizar o controle social. O objetivo é romper com a lógica assistencialista
de prestar serviço a crianças e adolescentes para efetivar mecanismos potencializadores dos
sujeitos em sua dimensão coletiva, tendo como fundamento a realização de direitos.
Sendo assim, o Fórum DCA-SE, provocado por suas coordenações, atuou nessa
direção motivando as entidades sociais a refletirem sobre sua atuação imediata no campo da
política de atendimento e, com isso, assumirem uma preocupação com o cumprimento de
direitos de todas as crianças e adolescentes do município de Aracaju e do Estado de Sergipe.
Nesse contexto da dinâmica da política pública para a infância, o Fórum buscou orientar
também as entidades filiadas sobre a necessidade de adequação das instituições de
atendimento aos pré-requisitos exigidos pela lei, contribuindo também com a função
fiscalizadora do CMDCA Aracaju92.
Entre os anos de 2000 e 2009, o Fórum DCA-SE utilizou estratégias políticas e
pedagógicas que, do ponto de vista do investimento na participação social, permitiram a
possibilidade conjunta de conferências, reuniões, denúncias e formação técnica e política,
entre outras. Essas ações colocaram o Fórum DCA-SE em lugar de destaque no cenário
político sergipano e o transformaram em ator estratégico na política infanto-juvenil do Estado.
A retomada do processo de articulação, fundado na qualidade da participação das
entidades da sociedade civil nos espaços institucionais, se deu no ano 2000, quando a
coordenação do Fórum DCA-SE foi assumida pelo MNMMR-SE 93 e pela SACI (essa
92
Os conselhos municipais da criança são os órgãos responsáveis pela concessão de registros às organizações da
sociedade civil sediadas em sua base territorial, que prestam atendimento a crianças e adolescentes e suas
respectivas famílias, bem como monitoram as ações das entidades de atendimento para efetivação do PNAS
(CONANDA, 2007, p.23).
93
De modo geral, é o MNMMR que instiga a criação do FNDCA e posteriormente contribui com o FNDCA para
a criação e fortalecimento dos demais Fóruns estaduais. A existência do MNMMR em quase todos os Estados
brasileiros facilitou todo o processo de articulação para a criação e fortalecimento dos Fóruns DCA nacional e
estaduais. Por ser seu fomentador mais expressivo assume as primeiras coordenações desses espaços nos locais
onde foram criados. De acordo com Darlene Silveira (2008), “o MNMMR torna-se um importante articulador,
em 1988, da formação do Fórum Nacional Permanente de Entidades Não governamentais de Defesa dos Direitos
da Criança e do Adolescente – Fórum DCA. Este Fórum expressa a necessidade de “uma articulação nacional de
95
entidades atuantes na área de defesa e promoção dos direitos da infância e juventude”, cujos propósitos
voltavam-se também para a “alteração no plano legal ” (DARLENE SILVEIRA, 2008, p. 45).
94
Sobre o assunto é válido ressaltar que, ao assumir a coordenação provisória do Fórum DCA-SE em 2005, não
foi encontrado qualquer registro de memória de reunião do Fórum DCA-SE produzido pela coordenação
anterior, salvo o regimento interno e a carta de princípios. O que se sabe em relação a esse processo de
desarticulação do Fórum DCA-SE, em virtude do fechamento do MNMMR-SE, é através de memórias obtidas
por diálogos informais com o ex-presidente da SACI, Robson Anselmo, também integrante do MNMMR-SE.
96
compor a coordenação definitiva do Fórum DCA, nos moldes regimentais95, e a LBV foi
escolhida para coordenar o Fórum até 200996.
No que concerne às estratégias97 , quatro preocupações se destacaram no fazer do
Fórum entre constituição e retomadas: 1- a incidência política do Fórum DCA-SE sobre os
conselhos de direitos da criança e do adolescente; 2 - a construção da unidade a partir da
formação do sujeito individual e coletivo; 3 - a conquista da visibilidade pública do Fórum
DCA-SE enquanto espaço fundamental de intervenção na área infanto-juvenil de Sergipe pela
ocupação dos espaços políticos e meios de comunicação; e, por fim, 4 - a realização constante
da denúncia qualificada das violações de direitos humanos infanto-juvenis no Estado de
Sergipe. Sobre cada uma dessas estratégias, discorrer-se-á adiante, buscando analisá-las com
base em referenciais críticos da teoria social.
Para realizar essa estratégia, o Fórum DCA-SE utilizou, como tática política,
constituir-se enquanto colegiado eleitoral das entidades a disputarem os referidos conselhos.
Isso foi possível devido às próprias orientações do CONANDA e do FNDCA e à atuação
articulada das entidades da sociedade civil com os conselhos do Estado e do município de
Aracaju. Em 2005, o Fórum DCA-SE articulou a escolha das entidades não governamentais
para compor o CMDCA-Aracaju. Estando no conselho, as entidades filiadas ao Fórum DCA
95
O Fórum DCA-SE conta em sua organização também com a expedição de atos normativos, cujo fim é
publicizar suas decisões coletivas. Os atos normativos dispõem sobre organização de eleição do Fórum DCA-SE,
bem como convocação de assembleias ordinárias e extraordinárias para realização de eleição da coordenação,
elaboração de planejamento estratégico, de critérios de filiação ao Fórum DCA-SE, entre outros. Para participar
das reuniões do Fórum DCA-SE, por exemplo, a entidade não precisa necessariamente ser registrada em algum
conselho. Após a filiação, essa iniciativa é fomentada a todo o tempo. No caso da coordenação do Fórum DCA-
SE, somente podem assumi-la as entidades que: “forem registradas no Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente-Aracaju”, conforme, art. 5º do Ato normativo nº 001/2006, do Fórum DCA-SE que
dispõe sobre o processo de eleição da coordenação colegiada do Fórum.
96
No início da coordenação provisória exercida pela LBV, havia cinco entidades filiadas ao Fórum DCA-SE,
que eram aquelas que compareciam às reuniões convocadas para tratar da reorganização do Fórum. Ao final de
2009, estavam filiadas à articulação trinta e cinco instituições.
97
Para colocar em prática as estratégias, por exemplo, de ocupar espaços de participação política da sociedade
civil, o Fórum DCA-SE participou de debates e atividades, como reunião descentralizada do CONANDA; posse
da nova presidência do Tribunal de Justiça; discussões sobre o reordenamento dos abrigos, através da Casa Santa
Zita e Cristo Redentor; da alteração da resolução do CMDCA-Aracaju sobre o desempenho das funções do
Conselho Tutelar; coordenou a eleição de representantes da sociedade civil do CEDCA e CMDCA-Aracaju;
integrou o seminário regionalizado de avaliação dos 18 anos do ECA, ocorrido em Recife, com a participação de
vinte representantes; além de fiscalizar as unidades de cumprimento de medidas socioeducativas de Sergipe.
Outra ação do Fórum foi o incentivo ao protagonismo juvenil, com a realização de formação continuada
exclusivamente para adolescentes, realização de oficinas de construção de propostas de adolescentes em
conferências Estadual, territoriais e municipais. Em 2007, o Fórum DCA-SE mobilizou-se para garantir a
participação de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação nas conferências. Pela
primeira vez na história de Sergipe, houve adolescentes nessa condição como delegados nas conferências
municipal de Aracaju, estadual e nacional dos direitos da acriança e do adolescente.
97
98
Sobre este assunto ler, OLIVEIRA, Virgílio Cézar da Silva e; PEREIRA, José Roberto; OLIVEIRA, Vânia A.
R. DE. Os conselhos gestores municipais como instrumentos da democracia deliberativa no Brasil. CADERNOS
EBAPE. BR, v. 8, nº 3, artigo 3, Rio de Janeiro, set. 2010 p. 422-437.
99
Por meio da Resolução nº 06/2007, o CEDCA-SE manifesta a necessidade de alteração da Lei 3.062, de 1991,
que trata da criação do Conselho Estadual, para que não mais devam existir entidades fixas como membros do
órgão. Em 2008, a Lei 6.446 foi aprovada na Assembleia Legislativa de Sergipe nos termos da resolução nº
06/2007. Isso demonstra a atuação das entidades do Fórum DCA-SE para o fortalecimento da política pública
para criança e adolescente em Sergipe, uma vez que a Lei democratiza o processo de composição do CEDCA-SE
e abre espaço para a constituição do Fórum DCA-SE como colégio eleitoral para a escolha das entidades da
sociedade civil (Art. 4º, II).
98
entidade, o que constituía impedimento para seu assento no conselho. Sua atuação se deu por
meio das entidades filiadas e parceiras que carregavam consigo as concepções e pautas
elaboradas e pactuadas no espaço de articulação da sociedade civil.
Contar com um representante da sociedade civil na presidência do CEDCA-SE,
atuando articuladamente com o Fórum DCA-SE, favoreceu o fortalecimento da participação
social em prol da infância, uma vez que esse ator estratégico tinha a compreensão política do
papel de ambos os espaços. Essa relação trouxe como resultado também uma atuação mais
politizada do próprio conselho em sua dimensão externa. O próximo passo foi eleger as
entidades da sociedade civil para compor o conselho com instituições que participavam
constantemente das discussões sobre a infância no Fórum DCA-SE como colégio eleitoral100.
No âmbito do CMDCA-Aracaju, as entidades conselheiras já haviam sido eleitas a
partir de um pacto estabelecido internamente no Fórum DCA-SE em 2005. Faltava apenas a
formalização dessa escolha por meio do colégio eleitoral e a eleição para a presidência com o
apoio do Fórum DCA-SE, o que se concretizou em 2007.
As entidades conselheiras apoiadas pelo Fórum DCA-SE buscavam intervir e
participar das deliberações desse coletivo atentas ao que era pactuado coletiva e
antecipadamente pela própria sociedade civil organizada, levando em consideração a doutrina
da proteção integral à criança e ao adolescente e a PNAS. Uma tática utilizada pelo coletivo
foi realizar, antes e/ou após as reuniões de ambos os conselhos, discussões internas acerca dos
temas e da conjuntura política do Conselho específico, de modo que os conselheiros da
sociedade civil compartilhassem com as demais entidades integrantes do Fórum DCA-SE os
conteúdos debatidos nas reuniões e suas dinâmicas. Com isso, o coletivo avaliava e definia
novas estratégias de inserção, reflexão, introdução de novas pautas e intervenções que
entendia necessárias.
Quanto ao CEDCA-SE, os registros demonstram que, nos períodos compreendidos
entre os anos de 2007 a 2009, sua gestão aprovou o maior número de resoluções com
preponderância direta para a política pública infanto-juvenil, diferentemente de anos
100
Ainda em 2008, através da Resolução nº 015/2008, o CEDCA-SE regulamentou o processo de escolha das
entidades da sociedade civil para ocupar vagas no Conselho. Por esse ato, o Fórum DCA-SE passou a ser o
colégio eleitoral das entidades da sociedade civil. Isso somente ocorreu porque as organizações conselheiras do
CEDCA representantes não governamentais eram também membros do Fórum DCA-SE e defenderam ser esse
espaço o mais apto para sediar essa escolha, uma vez que, além de ser um lugar de formação, também permitia
reconhecer as instituições mais preparadas para o exercício da representação da pauta da infância e da
adolescência frente ao governo.
99
101
Esses dados são resultado de uma pesquisa realizada por TATAGIBA, em 2002, sobre as deliberações dos
conselhos de direitos pelo Brasil.
100
Fonte: Construção da autora baseada nas Resoluções do Conselho Estadual dos Direitos da
Criança e do Adolescente de Sergipe, no período de 2002 a 2014.
102
Para, juntamente com a articulação de instituições, proceder à análise e compreensão mais complexa das
condições de crianças e adolescentes em todo o Estado de Sergipe, com vista à tomada de decisões, o Fórum
DCA-SE estimula a participação das entidades do interior nos conselhos municipais de suas localidades.
101
importância da realização de debates territoriais para além dos debates municipais. No contra-
argumento, os conselheiros representantes da sociedade civil e integrantes do Fórum DCA-SE
defenderam a importância de fomentar a prática da participação e do diálogo local sobre as
problemáticas específicas da infância e da adolescência e depois reunir os municípios
próximos para estimular neles a prática da avaliação de suas realidades no conjunto, no
sentido de identificarem situações similares e diferenciadas em cada realidade para tentar
propor alternativas a partir dos atores que vivem suas próprias realidades concretas. Após
deliberação do CEDCA-SE pela realização dessas conferências, as próprias entidades do
Fórum DCA-SE se motivaram a participar na disponibilização militante de pessoal, além dos
conselheiros, para contribuir no processo dialógico no âmbito do formato das conferências,
ensejando o fomento da participação comunitária na leitura crítica de suas realidades, a partir
do conhecimento das pautas infanto-juvenis, e da descoberta dos problemas que afligem a
infância e a adolescência.
Existem outros exemplos que refletem a politização do CEDCA-SE e sua ação
articulada com o Fórum DCA-SE nas políticas públicas e no fomento à participação das
entidades no Fórum. Assim, pode-se citar, entre outros, o encaminhamento de indicações à
Assembleia Legislativa do Estado para mudanças na Lei nº 3.062/1991, que dispõe sobre a
criação do CEDCA-SE; a Resolução nº 15/2008, que dispõe sobre o processo de escolha das
entidades da sociedade civil para compor o colegiado eleitoral 103 CEDCA-SE; a Resolução nº
07/2008, que trata de procedimentos para garantir a integridade física de adolescentes
encaminhados às unidades de medida socioeducativa de internação e de internação provisória;
a Resolução nº 09/2009, que trata da criação do grupo de trabalho para monitorar,
contextualizar e atualizar o plano de gestão do sistema socioeducativo de Sergipe; a
Resolução conjunta CEDCA-SE e CMDCA-Aracaju nº 10/2009, que dispõe sobre o
cumprimento do preceito legal da prioridade dispensada às crianças e adolescentes no
atendimento do Instituto Médico Legal/IML em caso de violência sexual.
Além dessas Resoluções, foi necessário regulamentar o processo interno de escolha
da presidência do Conselho, tendo em vista as repercussões geradas pela presença da
sociedade civil atuando de forma articulada entre si e por meio do presidente do órgão na
constituição das pautas e das concepções que foram sendo implantadas nas políticas para a
infância e adolescência no Estado. Se antes esse era espaço que não importava muito porque
103
A legitimação, por parte dos conselhos de direitos, definindo em Lei o Fórum DCA-SE como colegiado
eleitoral das entidades a comporem esses espaços coroou a incidência política do Fórum DCA-SE sobre os
conselhos de direitos estadual e municipal de Aracaju.
103
não tinha impactos para o governo estadual, não expunha as fragilidades das políticas
públicas, não se constituía como lugar de denúncia e não provocava a opinião pública para
discutir a violação de direitos, com a atuação do Fórum, formando, mobilizando, debatendo e
incitando uma posição coerente com a legislação e com discussões emancipatórias sobre a
infância, agora ele passou a merecer atenção por parte dos governantes, que impuseram aos
seus representantes a impossibilidade de faltar a reuniões, ademais de criar meios para
assumir a presidência do órgão. Em complemento, agentes do governo passaram a tentar
destituir a coesão das entidades da sociedade civil no Conselho, que atuavam como expressão
de uma articulação maior, promovida nas reuniões do Fórum DCA-SE. Ofereceram-se cargos
a determinados integrantes, tentou-se evitar uma candidatura de instituições não
governamentais para a sucessão à mesa diretora do órgão e, ao que parece, se estabeleceu
como meta vencer a sociedade civil, provocando empate na votação até que algum
representante não governamental mudasse o seu voto, faltasse à assembleia de eleição ou que
houvesse uma desistência coletiva da disputa pela presidência do Conselho. Por meses, as
eleições foram remarcadas devido à previsão de empate no número de votos de cada chapa.
Em complemento, o governo tentava criar condições para que a sociedade civil
desistisse de se manter na disputa pela presidência do órgão deliberativo. Todas as vezes que
algum membro indicado pelo governo parecia aberto à negociação ou demonstrava simpatia
pela candidatura não governamental, havia troca desse representante para sustentar o empate.
Enquanto isso, o governo, por meio da não liberação de recursos e/ou não
contratações necessárias (de empresas, de lugares, compra de material, entre outras) tentava
impedir que se realizassem conferências e outros eventos programados pelo Conselho para
discutir a política pública e, como era comum nesses momentos, realizar as denúncias de
violação de direitos de crianças e adolescentes e mobilizar a opinião da população sergipana.
Ao expor a presidência e o Conselho como um todo, que não conseguia manter seus
compromissos de debate como outros agentes governamentais e não governamentais pelo
Estado, o governo tentava minar a confiança e o prestígio social dos membros não
governamentais do órgão deliberativo, adquiridos após a atuação mais efetiva do CEDCA-SE.
Nesse sentido, a Resolução nº 11/2009, que redefiniu o processo de eleição para a
presidência do Conselho para o biênio 2009/2011 e, entre outras coisas, determinou que as
chapas apresentassem programa de trabalho, mais do que uma Resolução preocupada com a
organização interna do Conselho Estadual, acabou revelando o impacto que o Fórum DCA-
SE, com a práxis política de seus membros, possuía quanto ao tema da infância nesse
momento histórico.
104
4.2.2. Construção da Unidade do Fórum DCA-SE: Investimento na Formação dos Sujeitos Individuais e
Coletivo
Construir uma unidade entre as entidades da sociedade civil foi um dos primeiros
desafios que se colocou para o Fórum DCA-SE. Assim, para o cumprimento dessa intenção
estratégica, inicialmente pensada pela coordenação do Fórum, as táticas utilizadas passaram
pela necessidade de ampliar o número de entidades filiadas e qualificar a participação. Para
tanto, o Fórum DCA-SE investiu na realização de visitas às ONGs e no diálogo com seus
presidentes sobre a importância da filiação, participação e acompanhamento efetivo das
reuniões do Fórum DCA-SE e dos conselhos de direitos.
104
O governo da época era liderado pelo Partido dos Trabalhadores e trocava todos aqueles que produzissem
discordâncias públicas quanto ao seu modo de gestão como agentes capazes de desestabilizar o governo. Por
isso, agia na tentativa de neutralizar as discordâncias.
105
105
O sentido de hegemonia neste trabalho é buscado em Gramsci, que combinou a força e o convencimento com
cada um desses aspectos do poder existente. Para Gramsci, tanto as classes dominantes quanto as classes
dominadas podem exercer o seu poder hegemônico a partir de sua capacidade de persuasão e de direção, muito
mais do que pela força da dominação. No caso das classes dominantes isso ocorre quando estas “passam a se
apoiar na capacidade de difundir sua ideologia e fazer com que as classes dominadas e exploradas – ou uma
parte delas – consegue impor sua hegemonia sobre o conjunto da sociedade, dando uma base sólida de seu
poder”. Essa forma de impor a hegemonia traz consequências desastrosas para a classe trabalhadora no campo da
dominação e cooptação desta (SADER, 2005, p. 8). Já as classes dominadas e exploradas o fazem mediante a
necessidade de organizar não apenas sua força, mas também a sua capacidade de que sua ideologia, seus valores
e sua visão de mundo possam conquistar outros setores populares da sociedade.
109
106
Campanha de âmbito nacional, coordenada pelo Comitê Nacional de Enfretamento a Situação de Moradia nas
Ruas, vivenciada por crianças e adolescentes pelo Brasil. Tem como objetivo criar e implementar a estrutura
política, institucional, humana e operativa para o desenvolvimento de uma política nacional de enfrentamento a
situação de moradia nas ruas, vivenciada por crianças e adolescentes em todas as regiões do país. Para tanto,
busca criar condições permanentes de articulação com os agentes públicos e privados e a sociedade civil
organizada para um diálogo sobre o fenômeno da moradia de rua de crianças e adolescentes; criar as condições
110
de priorização para destinação de recursos aos programas e entidades de acolhimento como ferramenta eficaz de
combate à moradia de rua de crianças e adolescentes; nos Estados, formular mecanismos convencionais de
pesquisa sobre o fenômeno de crianças e adolescentes de rua para construção de intervenções pautadas em
diagnósticos fundamentados e, portanto, mais precisos (sobre o assunto ver sítio da campanha na internet:
http://www.criancanaoederua.org.br/).
107
Há registros de entrevistas concedidas pelo coletivo e de matérias divulgadas pelos meios de comunicação
sobre esse evento, uma vez que, a partir desse momento, os meios de comunicação televisivos também
começaram a solicitar a posição do Fórum DCA-SE sobre temáticas envolvendo crianças e adolescentes.
111
108
Ver matéria relacionada em: “Semasc e UFS trabalham diagnóstico para população em situação de rua”.
Disponível em <http://www.institutomarcelodeda.com.br/semasc-e-ufs-trabalham-diagnostico-para-populacao-
em-situacao-de-rua/>. Acessado em 25 de maio de 2015.
109
Nessas oportunidades, também provocavam o vereadores e deputados a pensar na necessidade de criação e
efetivação de Frentes Parlamentares pela Criança e pelo Adolescente. Anos depois, foi efetivada a Frente
Parlamentar no âmbito da Assembleia Legislativa de Sergipe.
110
Ver, no Apenso A desta dissertação, relação de matérias e entrevistas divulgadas pela imprensa sergipana
sobre esse assunto.
112
111
O seminário estadual foi uma parceria entre o Fórum DCA-SE e o Conselho Municipal de Indiaroba, o que
demonstra também a relação das entidades do Fórum com outros conselhos municipais. Alguns representantes da
sociedade civil desse conselho já estavam filiados ao Fórum DCA-SE e vários outros conselhos municipais de
direitos já compreendiam a necessidade da atuação articulada com outras organizações, inclusive aquelas que se
dedicavam exclusivamente à mobilização da sociedade civil.
113
112
Sobre o medo utilizado como política estratégica, vale considerar que, em nosso continente, a utilização
política dos medos ocultos e silenciados, mas representados no crime, têm alimentado o debate da redução da
idade penal, concretizando propostas legislativas e de emendas às constituições que visam o endurecimento do
castigo aos menores de 18 anos. Ao se indagar sobre a solução que se estaria produzindo para o problema do
cometimento de atos infracionais por adolescentes, “trata-se, inevitavelmente, de enfrentar-se com a pesada
definição da finalidade do castigo e dos fundamentos que legitimam a intervenção do sistema penal sobre a vida
– presente e futuro – de um sujeito” (SPOSATO; MATOS, 2015, p. 192).
114
113
O “Selo UNICEF Município Aprovado” é um reconhecimento internacional que o município pode conquistar
a partir de um diagnóstico e de dados levantados pelo UNICEF. Os municípios que se inscrevem conhecem
melhor sua realidade e as políticas voltadas para a criança e o adolescente. Com dados concretos e participação
popular, o município tem condições de avaliar suas políticas e repensar estratégias para alcançar os objetivos que
estão relacionados aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Mais informação, acessar:
<http://www.unicef.org/brazil/pt/where_9763.htm>.
115
para a infância. Sobre isso, em dado momento, a coordenação do UNICEF, quando visitava
Sergipe, realizava reuniões com a coordenação do Fórum DCA-SE para análise da conjuntura
política do Estado e construção de discursos a serem empregados nas reuniões com o
governador. Após esses momentos, nova avaliação era promovida pela coordenação do Fórum
DCA-SE com o UNICEF para planejar ações futuras em busca da melhoria das condições de
vida de crianças e adolescentes. Os resultados dessa relação se davam na propagação do
discurso do Fórum DCA-SE em entrevistas concedidas pelo UNICEF sobre suas reuniões
com o governo do Estado e/ou com outros gestores públicos, além de negociações realizadas
que priorizavam as pautas anteriormente destacadas pelo coletivo da sociedade civil. O
gráfico 2 demonstra a divulgação dada às pautas do Fórum, bem como o período de maior
repercussão destas na imprensa sergipana114.
Pela ilustração, afere-se que os anos de 2007 a 2009 constituíram marcos da atuação
política do Fórum DCA-SE. Havia legitimidade para a chamada de reuniões, publicações,
posicionamentos públicos, articulações e interlocuções, seja com os atores do SGD, seja com
os gestores públicos, incluindo-se o governo do Estado e também a imprensa. Além disso,
ainda como resultado da visibilidade, pode-se dizer que, além dos conselhos de direitos115,
114
Ver, no Apenso A desta dissertação, relação das matérias publicadas.
115
No âmbito dos conselhos, várias atas mencionam o reconhecimento do CEDCA-SE da importância do
coletivo do Fórum DCA-SE acompanhar suas discussões. Na 4ª (quarta) Reunião Ordinária do Conselho
Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, por exemplo, realizada em junho de 2009, os conselheiros
propuseram a “formação de uma Comissão para a analisar a Organização e Relatório das Conferências,
sugerindo a participação do Fórum DCA-SE e do FACTUS” (CEDCA-SE, 2009), explicando que a Comissão de
Políticas Públicas responsável por essa pasta estava sobrecarregada; Na 6ª (sexta) Reunião Ordinária do
116
somam-se parcerias com outra articulação pelos direitos da criança e do adolescente, com o
Fórum Associativo de Conselheiros Tutelares de Sergipe (FACTUS), que, como instituição
da sociedade civil, acabou se filiando ao Fórum DCA-SE, confirmando a disposição dessa
articulação maior em pensar a política pública para a infância em todos os seus aspectos; com
a rede de reordenamento dos abrigos e a rede cidade criança, que possibilitou discussões sobre
a atuação dos operadores de direitos em sua relação com os conselhos tutelares; e com os
agentes atuantes nas unidades de cumprimento de medidas socioeducativas em meio fechado.
Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, realizada em julho de 2009, foi sugerido por
conselheiro da sociedade civil que fosse realizada uma atividade conjunta do CEDCA-SE com outros segmentos
da sociedade, entre estes, o Fórum DCA-SE. Os trechos acima demonstram a relação de parceria entre o
CEDCA-SE e o Fórum DCA-SE sem que fosse comprometida a postura autônoma do Fórum DCASE frente ao
CEDCA no que tange, quando necessário, a realização da crítica ao poder público, por exemplo. A autonomia do
Fórum estava justamente em sua postura de não abrir mão nem da crítica pública nem das disputas de
concepções.
117
116
Em 2007 e 2008, o FNDCA, em parceria com o INESC – Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos, a
ANCED - Associação Nacional de Centros de Defesa da Criança e do Adolescente e a SEDH/PR - Secretaria
Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, promoveu curso aprofundado sobre o orçamento
público. A formação foi dividida três módulos de quatro dias cada um e em momentos distintos e foi direcionado
às entidades nacionais filiadas ao FNDCA e aos Fóruns Estaduais DCA, que assumiram o compromisso de
reproduzir a experiência nos Estados.
117
A iniciativa da formação contou ainda com a parceria de algumas entidades. Dentre estas, é preciso
considerar o apoio político e técnico promovido pelo Centro de Cultura Luiz Freire - CCLF nesta atividade. O
CCLF é entidade filiada ao FNDCA e, entre tantas especialidades institucionais, tornou-se referência em análises
orçamentárias para a criança e para o adolescente. Mediante o convite realizado pelo Fórum DCA-SE para ajudá-
lo a se debruçar sobre as questões que envolvem contas públicas e desse modo realizar a leitura crítica do
orçamento público estadual, a entidade logo se prontificou em um compromisso militante com esta pauta. Assim,
o curso foi realizado em Aracaju em um módulo de três (3) dias. Seu conteúdo programático foi definido
conjuntamente com a entidade parceira com o objetivo de sensibilizar os participantes a identificarem nas peças
orçamentárias as prioridades do governo, o quantitativo financeiro destinado à infância e adolescência e quais os
caminhos possíveis para negociações em favor da criança e do adolescente. A formação direcionada às entidades
filiadas e parceiras do Fórum DCA-SE, como sindicatos, a exemplo da CUT (Central Única dos Trabalhadores),
SINTESE (Sindicatos dos Trabalhadores da Educação em Sergipe) e CTB (Central Trabalhadores Brasileiros);
representantes de movimentos sociais, a exemplo do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra),
além de assessores parlamentares afinados com a pauta infanto-juvenil, incentivou os participantes a levantar
informações quanto aos temas mais relacionados às suas pautas de reivindicação 117 nas peças orçamentárias,
como o Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA).
Desse modo, embora o curso tenha sido dado em um módulo de três dias em Aracaju, na prática, a formação se
iniciou muito antes com a busca pelas entidades dos documentos que poderiam subsidiar a formação, tendo sido
necessário para tanto articulação política, pois, ao iniciar a busca por esses dados, o Fórum DCA-SE encontrou
várias dificuldades no que tange ao diálogo com gestores públicos e disponibilização das peças orçamentárias.
Estas somente foram repassadas ao coletivo mediante pressões políticas realizadas com o apoio do CEDCA-SE.
No entanto, nem todos os municípios conseguiram adquirir tais peças, ficando o aprendizado de que lidar com as
questões orçamentárias exige articulação, “jogo de cintura” e capacidade para negociar. Essa iniciativa
possibilitou ao coletivo um conhecimento sobre os dados reais de recursos financeiros manejados pelo poder
público, subsidiando inclusive as decisões do CEDCA-SE nas discussões sobre as políticas públicas.
118
118
A Fundação Renascer do Estado de Sergipe é o órgão responsável pelo planejamento e execução da Política
Pública voltada à Criança e ao Adolescente do Estado. Nesta, inclui-se a atenção quanto à execução das medidas
protetivas (abrigos para crianças) e socioeducativas (unidades de internação permanente, semiliberdade e
internação provisória para adolescentes autores de ato infracional).
119
Para ver as matérias relacionadas a esse momento referente à formação, as divulgações, a realização do ato
público na AL, os conteúdos debatidos e denunciados, ver nas referências matérias intituladas: “Entidades
cobram mais recursos para crianças e adolescentes”; “Fórum Convoca Entidades Para Acompanhar votação do
Orçamento Público amanhã”, “Entidades cobram mais recursos para crianças e adolescentes”. Embora essa
pauta tenha sido bem repercutida pela imprensa sergipana, esta pesquisa não contemplou a busca de informações
sobre o Fórum DCA-SE nos meios de divulgação impresso, motivo pelo qual não constam nas referências outras
fontes de divulgação além das matérias encontradas na internet.
120
No município de São Cristóvão, estudantes do curso de direito da UFS – Universidade Federal de Sergipe,
que participaram de minicurso sobre orçamento público ministrado pelo Fórum DCA-SE, realizaram
posteriormente o mesmo curso com uma comunidade dessa localidade. De posse das informações sobre os dados
orçamentários desse município, a própria comunidade, juntamente com os estudantes, ocupou a Câmara de
Vereadores a fim de chamar a atenção dos vereadores acerca da necessidade de melhores investimentos para os
119
povoados deste município, a exemplo do saneamento básico. Embora os recursos não tivessem sido ampliados
para essa comunidade, o êxito da vivência se deu no campo da experiência adquirida para a realidade específica
e, mais ainda, no campo do empoderamento da comunidade para realizar a denúncia, o que ocorreu também em
outras localidades do Estado de Sergipe.
121
A concepção de que a prioridade absoluta da criança e do adolescente deve se dar também no orçamento
público buscou fomentar a ampliação dos recursos para a infância e adolescência. Entretanto, os gestores
públicos ainda não conseguiram colocar essa ideia em prática efetiva. Segundo o CONANDA (2007), nesse
processo ter capacidade para informar com transparência e disponibilidade dos recursos, diagnósticos, planos,
projetos, gestão orçamentária por parte dos representantes do poder público e incentivar o levantamento de
informações pelas organizações da sociedade civil é fundamental (CONANDA, 2007), mas não é uma realidade
ainda, pois, como se viu, as mudanças levam tempo para se efetivarem na prática, mesmo que estas tenham se
dado no campo da letra da lei. Por esse motivo, as iniciativas da sociedade civil de chamar a atenção para essa
realidade e para a necessidade de a sociedade e os gestores entenderem que a leitura crítica do orçamento deve-
se tornar uma prática cotidiana na ação, tanto dos cidadãos quanto dos agentes públicos, são muito relevantes
para fomentar a mudança de cultura em relação às questões que envolvem recursos da comunidade.
120
compreensão pedagógica das medidas, apesar dos conflitos de concepção ocorridos entre os
agentes de segurança das unidades de medida socioeducativa e militantes do Fórum DCA,
principalmente devido à tentativa das entidades de aproximar a função de segurança da
dimensão pedagógica. Os agentes de segurança alegavam que não eram agentes
socioeducativos e que se sentiam diminuídos quando se tratava de aliar seu trabalho ao caráter
educacional, sobretudo após terem sido recepcionados e formados inicialmente pelo
DESIPE123. Foi importante, por exemplo, inserir nos debates, que contaram com a presença de
muitos agentes de segurança e também de policias militares, a concepção da disciplina e
segurança da sociedade civil a partir da perspectiva pedagógica, conforme o trecho a seguir
destacado no item “III – DA ROTINA DE SEGURANÇA”, do plano de gestão das unidades:
123
A transferência da gestão das unidades se deu justamente no momento em que o Estado chamava os
concursados aprovados para o cargo de agente de segurança das unidades de medidas socioeducativas de
internação, internação provisória e semiliberdade. Sem qualquer formação sobre a função da socioeducação e
segurança em unidades de privação de liberdade para adolescentes, após a transferência da gestão e entrada dos
policiais e agentes penitenciários no CENAM, os concursados findaram sendo recepcionados e acolhidos
inicialmente por esses profissionais. Com eles, aprenderam a dinâmica cotidiana do fazer a segurança sem
qualquer preocupação com a perspectiva pedagógica, causando uma série de prejuízos ao campo da concepção
socioeducativa. Em trabalho de conclusão de curso de especialização [Lato Sensu] em Violência, Criminalidade
e Políticas Públicas, realizado por Carla Correia (2009) e intitulado “A In(Ter)Venção Do Corpo De Agentes
Policiais Militares No Centro De Atendimento Ao Menor De Aracaju”, que teve por objetivo avaliar o que
significou a presença dos policiais militares no CENAM para o processo de ressocialização dos adolescentes,
pode ser encontrado o seguinte depoimento coletado em entrevista: “A questão do concurso e a forma como ele
foi elaborado, para substituição dos agentes que eram contratados há muito tempo, foi muito mal feito. Foi muito
mal elaborado. Foi um concurso onde não se cumpriram as metas e ocorreu que não se capacitou quem deveria
estar trabalhando lá e aconteceu isso que a gente viu: fugas, rebeliões. O que se compreendia, o que estava claro
era que não existia um projeto político-pedagógico para o adolescente que se encontrava lá. E quando você não
sabe pra onde caminha, qualquer caminho serve. E eles utilizaram um caminho que aparentava ser o da violência
física e psicológica. Foi um dos momentos mais críticos, com intervenção dos conselhos, da OAB, do Fórum
DCA” (Depoimento de um representante da sociedade civil) (CORREIA, 2009, p. 49). Nesse sentido, concorda-
se com a análise da pesquisadora quanto ao fato de que esse processo demonstra em grande parte o dano que foi
para a concepção pedagógica da medida socioeducativa a transferência da gestão da unidade de socioeducação
para adolescentes em cumprimento de medida de internação, internação provisória e semiliberdade, ao DESIPE
e aos militares. Para a formação dos agentes de segurança em especial, “não foi planejado um curso de seis
meses antes para o pessoal adquirir técnicas de segurança. Eles simplesmente foram pegos e colocados lá”
(CORREIA, 2009, p. 49). O prejuízo já havia sido muito grande em relação à formação e acolhimento dos
agentes de segurança.
122
Embora essa ação do Fórum DCA-SE tenha marcado a sua efervescência política,
contando com a atuação articulada dos conselhos de direitos, cujos presidentes participavam
ativamente da construção de estratégias e táticas políticas em prol da infância, a
operacionalização do Plano de Gestão não é alcançada em sua totalidade. Segundo avaliação
posterior feita pelo coletivo das entidades, houve ganhos importantes e algumas experiências
exitosas124 com a aplicação parcial do Plano, que, porém, foi posteriormente engavetado pelo
governo estadual 125 e mesmo o grupo de trabalho, que deveria ter sido criado para sua
elaboração e monitoramento, acabou não sendo formalmente criado pelo Governador, apesar
do trabalho realizado pela sociedade civil e da entrega efetiva dos resultados de suas
discussões em forma de Plano de Gestão.
124
Em 2008, a Fundação Renascer, na gestão da Secretária Ana Lúcia, investiu em oficinas de hip hop para
adolescentes e, nesse mesmo ano, vários adolescentes iniciaram práticas de confecção de grafites, mudando o
visual interno das unidades, dando a identidade dos jovens. Além disso, os adolescentes começaram a compor
letras de música que descreviam suas próprias realidades e fomentavam ainda reflexões importantes do ponto de
vista das causas que levam o adolescente a cometer atos infracionais. Era exposta a realidade de violência
vivenciada durante a infância por parte da família ou mesmo nas instituições por que eventualmente tinham
passado. Essas composições resultaram no lançamento de dois CDs, a realização de vários shows no Estado e
apresentação durante VIII Conferência dos Direitos da Criança e do Adolescente (esferas Municipal, Estadual e
Nacional).
125
No dia 27 de maio de 2009, foi realizada reunião conjunta CMDCA-Aracaju e CEDCA-SE, com participação
da coordenação e das entidades do Fórum DCA-SE, para tratar de outras denúncias relacionadas às medidas
socioeducativas de privação de liberdade para adolescentes. Essa reunião, que contou ainda com representação
de conselheira do CONANDA e dos conselheiros tutelares, integrantes do Fórum DCA-SE e do CEDCA-SE,
teve o relato de maus-tratos a adolescentes em unidades de internação. Apresentou-se ainda o fato de os
presidentes dos CEDCA-SE e do CMDCA-Aracaju junto com a coordenadora do Fórum DCA-SE terem
pessoalmente se dirigido ao juiz substituto da 17ª Vara de Execuções de Medidas Socioeducativas para relatar a
existência de adolescentes com marcas de violência e tortura e solicitar que este determinasse o exame corpo de
delito em dezessete adolescentes, cujos nomes lhe foram entregues pelos representantes do CEDCA, CMDCA e
Fórum. Após o relato dos fatos testemunhados e a denúncia realizada, os Conselhos aprovaram, tendo a presença
majoritária de representes da sociedade civil, os seguintes encaminhamentos: 1 - carta aberta assinada pelo
CEDCA, FACTUS, CMDCA e FÓRUM DCA; 2 - comissão de sindicância mista composta por 05 pessoas;
sendo 03 do CEDCA (esfera não governamental: Ana Cristina e Marcelo Leite e governamental: Danival Falcão)
e 02 do CMDCA (José Humberto de Góes Junior – organização não governamental – e um representante do
município a ser indicado posteriormente). A comissão teria como foco a apuração da fuga (24/05/2009) e a
rebelião ocorrida no dia 18/05. Seu prazo de trabalho seria de trinta dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo
período; 3 - criação do grupo de trabalho para monitorar, contextualizar e atualizar o plano de gestão do sistema
socioeducativo do estado de Sergipe, formado pelo CEDCA, Fórum DCA, FACTUS, OAB, SEIDES, Polícia
Militar, CMDCA/Aracaju, sendo coordenado pela comissão de políticas públicas para a infância e a adolescência
do CEDCA (CEDCA, 2009). Nessa reunião ainda foi aprovada a Resolução nº 10/2009 a respeito do
cumprimento do princípio da absoluta prioridade no atendimento de crianças e adolescentes, sobretudo nos casos
de violência sexual.
123
Vale ressaltar que, durante todo esse processo, já havia uma compreensão por parte
das entidades integrantes do Fórum que os resultados poderiam não ser alcançados conforme
a proposta ou que outros efeitos poderiam surgir de toda a ação política desempenhada. O
mais importante era o processo, era desenvolver a ação tendo clareza do que se buscava, de
quais eram os princípios que a moviam e perceber que alguns resultados são visíveis no
momento histórico em que se dá ação política e outros necessitam de anos para serem
produzidos e assimilados.
Quanto à recusa do Estado de Sergipe em realizar a Conferência Estadual de Direitos
Humanos, em 2008, chegou ao conhecimento do Fórum DCA-SE, através de integrante do
Fórum DCA-SP que Sergipe seria o único Estado do país a não realizar a Conferência
Estadual de Direitos Humanos, sob a justificativa da não previsão orçamentária para esse fim
por parte da Secretaria de Justiça – SEJUC. A partir dessa informação, o Fórum DCA-SE
iniciou uma série de articulações para denunciar a situação e, ao mesmo tempo, sensibilizar a
sociedade em geral sobre a importância das Conferências. Por meio destas, viabilizaram-se
debates, diálogos e reflexões crítico-coletivas com o poder público acerca das realidades
vivenciadas por diversos grupos que se encontravam em condição de vulnerabilidade e
opressão, como era o caso da maioria dos participantes da Conferência de Direitos Humanos.
Essas discussões tiveram por objetivo a busca de alternativas conjuntas com vistas à melhoria
das condições de vida da população mais oprimida, como a criança e o adolescente.
Para a realização da Conferência de Direitos Humanos, o Fórum DCA-SE iniciou
articulações e contatos com parlamentares (do âmbito Estadual e Federal) sensíveis à pauta
dos direitos humanos. Estes atuaram como mediadores do diálogo entre a sociedade civil,
representada pelo Fórum DCA-SE e pelo Movimento de Direitos Humanos, e o governo do
Estado, por meio do Secretário de Justiça. Desse modo, foi possível reverter a decisão do
governo que instituiu GT - Grupo de Trabalho para organizar o evento.
Apesar disso, o Fórum DCA-SE produziu uma Carta Aberta126, que foi veiculada nos
meios de comunicação, para informar a população sobre o conturbado processo de realização
da Conferência. Ao mesmo tempo, fez críticas à postura do governo em relação a algumas
temáticas de direitos humanos, como a situação enfrentada pelas famílias do MOTU e pelos
adolescentes privados de liberdade, e, por último, expôs os motivos que fizeram o Fórum
DCA-SE se negar a integrar o GT instituído pelo governo.
126
Ver “Carta Aberta - Posicionamento do Fórum DCA-SE Sobre a Conferência de DH Em SE”, disponível em
<http://infanciaurgente.blogspot.com.br/2008/08/carta-aberta-posicionamento-do-frum-dca.html>. Acessado em
25 de abril de 2014.
124
Constatado que a conferência não permitiria com o seu formato abarcar a pluralidade
de temas que envolvem a pauta dos direitos humanos e/ou contemplar uma participação ampla
e plural dos vários segmentos da sociedade, o Fórum DCA-SE decidiu não integrar o GT
constituído pelo governo para organizar a Conferência Estadual de Direitos Humanos.
Contudo, participou do evento e apresentou para aprovação pela plenária moção de exigência
para a criação de uma Secretaria de Direitos Humanos vinculada diretamente à pessoa do
governador 127 , bem como moção de repúdio ao governo, que, por meio da Secretaria de
Segurança Pública, empreendeu a violação de Direitos Humanos contra o MOTU -
Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos.
Quanto à ameaça à vida de membro do Fórum DCA-SE por sua atuação no
município de Barra dos Coqueiros, em 2009, o representante de associação do município
Barra dos Coqueiros foi eleito presidente do CMDCA-Barra dos Coqueiros. Desde então,
formalizou ao Ministério Público denúncias quanto à falta de estrutura para funcionamento do
conselho de direitos e do conselho tutelar, que resultou em bloqueio das contas da prefeitura
da Barra dos Coqueiros para que fosse priorizado o investimento em políticas públicas à
infância e adolescência; ao transporte escolar clandestino de crianças, que contava com a
participação de policiais e tinha a conivência do município (resultou na realização constante
de blitz de fiscalização e apreensão de veículos); à falta de merenda escolar em todas as
escolas do município e dos povoados, que resultou em um Termo de Ajuste de Conduta
assinado pelo prefeito da Barra dos Coqueiros, Gilton dos Anjos, em audiência no Ministério
Público; à existência de uma rede de abuso e exploração sexuais infanto-juvenil, que resultou
também na realização de blitz para o combate da situação e ao uso de drogas. Não muito
depois das denúncias, o militante teve seu estabelecimento comercial invadido por homens
armados e encapuzados. O militante conseguiu fugir, mas sua irmã foi violentamente
agredida.
Diante do caso, o Fórum DCA-SE realizou denúncias, buscou o apoio político de
entidades e órgãos de âmbito nacional e local, de parlamentares e, ainda, emitiu notas, entre as
quais, conforme o seguinte excerto de uma delas:
127
Essa Secretaria foi criada no ano de 2011, com o argumento do governador de que estaria atendendo a uma
sugestão do Secretário de Justiça e da Ministra de Direitos Humanos.
125
de Bares deste município (...) Preocupados com a situação, nós entidades filiadas ao
Fórum DCA-SE, vimos por meio desta Nota Pública solicitar PARCERIA, APOIO
POLÍTICO E PROTEÇÃO para (nome omitido), a toda rede de comunicação, aos
órgãos locais competentes e organismos de âmbito nacional e internacional no
sentido de dar VISIBILIDADE PÚBLICA à situação relatada, que vem acontecendo
na atual administração do município da Barra dos Coqueiros do Estado de Sergipe, a
fim de que possamos também, fortalecer e garantir os princípios constitucionais da
democracia, da participação político-popular e combater o movimento nacional de
criminalização e perseguição aos movimentos sociais através de suas lideranças, que
vem crescendo no país. Por fim, o Fórum DCA-SE entende que os acontecimentos
relatados se constituíram e se constituem em atentados contra a vida de (nome
omitido) e, portanto, se eles continuarem a acontecer, as autoridades públicas devem
ser responsabilizadas, uma vez que os fatos já foram narrados e o caso já se tornou
público, tendo sido inclusive divulgado pela mídia e no próprio parlamento
128
sergipano (FÓRUM DCA-SE, 2015) .
Após as denúncias feitas pelo Fórum DCA-SE, o caso ganhou repercussão nacional
e uma série de articulações ocorreu para tentar garantir proteção à liderança, entre estas,
reuniões com o Secretário de Segurança Pública, com o Comandante-Geral da Polícia
Militar e com a promotoria de controle externo da atividade policial, todas articuladas com
apoio da Frente Parlamentar Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. Ainda
assim, a liderança teve seu empreendimento comercial incendiado, sendo o defensor, em
seguida, inserido no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos ameaçados de
morte, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.
Com a pressão da sociedade civil, deu-se o afastamento dos policiais civis e militares
que estavam relacionados às denúncias e, talvez, às novas ações contra a liderança. Acabou,
porém, prevalecendo, nesse caso específico, a versão constituída pela polícia civil de que os
atos praticados contra o integrante do Fórum DCA-SE na Barra dos Coqueiros haviam sido
praticados por sobrinho seu, supostamente envolvido com o tráfico de drogas. Isso foi
utilizado para desacreditar o Fórum, bem como todos que lhe davam apoio para garantir a
integridade física e psicológica do militante.
De volta à ação em geral do Fórum, é importante destacar que as exposições públicas
na mídia eram acordadas entre os dois conselhos (Estadual e Municipal de Aracaju) e o
Fórum DCA-SE. Essa forma de trabalho garantiu a pressão social sobre os governos, chamou
atenção de outras instituições para se filiarem e recorrerem à articulação da sociedade civil,
128
Por motivos de segurança, este trabalho preservará o nome da pessoa que sofreu violência, bem como outras
fontes dessas informações relacionadas. Apenas informa que o caso foi encaminhado para o governo do Estado
de Sergipe, CONANDA, ANCED, FNDCA, Conselho Federal da OAB, UNICEF, MNDH, Justiça Global, Rede
ANDHI, Frente Parlamentar Nacional pela Infância e Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da
República – SEDH/PR.
126
que se evidenciou, nesse processo, como espaço de união, articulação, interlocução e força da
sociedade civil organizada, além de foro legítimo para tratar de assuntos referentes à criança e
ao adolescente.
No final de 2008 e início de 2009, o Fórum já não conseguia participar de todas as
demandas que lhe eram trazidas devido à ausência de recursos financeiros que possibilitassem
a logística e a presença nos espaços. Frise-se que as atividades eram, em sua maioria,
executadas com dificuldades e financiadas a partir da consciência crítica e política das
entidades e militantes do Fórum DCA-SE. Com a participação de entidades não
governamentais situadas no interior do Estado, promoveu-se a descentralização e
interiorização das ações do coletivo. Dessa forma, o Fórum passou a apoiar a atuação das
entidades filiadas nos municípios de Indiaroba, Poço Verde, Estância, São Cristóvão, Barra
dos Coqueiros, Simão Dias e Ribeirópolis, também a partir da consciência crítica e política
das entidades e militantes dessas cidades.
Considerando o conjunto das iniciativas do Fórum DCA-SE, avaliar sua atuação em
algumas situações é possível frente ao que é imediatamente perceptível, a exemplo das
iniciativas destacadas nesta dissertação. No entanto, o impacto de seu investimento em muitas
situações, como em relação à mudança de cultura, é difícil mensurar, uma vez que os seus
resultados ainda não aconteceram ou, se já tiverem ocorrido, não são perceptíveis por
completo. O mais importante é observar que a postura política adotada pelo Fórum DCA-SE
foi o que gerou todo o processo de construção promovido nesse período. No entanto, também
cabe destacar que não se abriu mão do diálogo, da problematização, da reflexão e da ação
conjugadas, o que permite afirmar que a luta política e a denúncia, desempenhadas nos anos
de 2007 a 2009, tiveram uma conotação pedagógica para todos os integrantes do Fórum e para
agentes públicos que puderam conviver com toda a ação.
A participação unificada e, com a formação contínua no processo, cada vez mais
qualificada da sociedade civil, fortaleceu-se e se deu visibilidade não apenas ao próprio
espaço do Fórum DCA-SE, mas também aos conselhos deliberativos de políticas públicas
infanto-juvenis, que passaram a assumir de fato seu papel no Estado de Sergipe, no município
de Aracaju e, possivelmente, com a interiorização do Fórum, em outros municípios
sergipanos.
É nesse sentido que o Fórum DCA-SE pode ser pensado também enquanto espaço
pedagógico de dimensão política, que compreende a educação e as questões mais essenciais
da existência humana, pois atua sobre o pensar, o fazer e o sentir dos sujeitos. Como afirma
Paulo Freire (2005), o processo de libertação exige de homens e mulheres a comunhão de
127
ações a partir do diálogo, que só se concretiza por meio da humildade nas relações mantidas
na busca conjunta do conhecimento. Assim, nesse processo, o diálogo é o encontro de homens
e mulheres para ser cada vez mais. No caso do Fórum DCA-SE, o diálogo se inicia desde a
escolha das pautas a serem refletidas e dialogadas até a ação concreta realizada e avaliada
posteriormente.
Nesse contexto, percebe-se que, “promovendo a percepção da percepção anterior e o
conhecimento do conhecimento anterior, a descodificação, desta forma, promove o
surgimento de nova percepção e o desenvolvimento de novo conhecimento” (FREIRE, 2005,
p. 127). Mediante o novo e no encontro dos sujeitos, promovidos pelo diálogo e mediatizados
pelo mundo, se pronuncia e se modifica o mundo. Em outras palavras, na tentativa de
pronunciar o mundo novo, modifica-se a realidade, pois “o mundo pronunciado, por sua vez,
se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar”
(FREIRE, 2005, p. 90), sem que exista palavra verdadeira que não seja na práxis.
Daí se dizer, em Freire, que a “palavra verdadeira seja transformar o mundo” em um
contexto em que problematizar deve ser o pano de fundo das investigações e descobertas,
rumo à libertação de homens e mulheres, de crianças e adolescentes, enfim dos oprimidos,
pois nenhuma “ordem” opressora suportaria que os oprimidos todos passassem a dizer: por
quê? Esta é a razão por que a concepção problematizadora da educação não pode servir ao
opressor.
Nesse contexto, cada pessoa que constrói na coletividade necessita vivenciar as
etapas de formação, tanto na ação como na reflexão. Essa formação, entendida como prática
de educação não formal, pois se situa além do espaço exclusivamente escolar, trata de uma
educação que valoriza estrategicamente o caráter político da construção social e a perspectiva
pedagógica que a caracteriza como práxis autêntica do trabalho, da ação-reflexão, da palavra.
Afinal, “não é no silencio que os homens se fazem, mas na palavra (...)” (FREIRE, 2005,
p.90).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
129
Ver Alonso (2009), Nunes (2014) e Gohn (2009).
129
atuação, aponta para uma práxis que busca superar os verbalismos próprios dos que refletem
sem atuar e os ativismos próprios dos que atuam sem refletir.
O engajamento nas lutas sociais seguiu, paralelamente à construção deste trabalho,
no Movimento Nacional de Direitos Humanos de Sergipe, catalisando, nesse cenário de tantas
ameaças às instituições democráticas e aos direitos humanos, ainda mais a reflexão sobre a
dimensão democrática e de atuação de espaços como o Fórum DCA.
Este diálogo crítico com a academia, entre os saberes populares e os científicos, entre
o discurso e a ação, precisa ser constantemente incentivado e alimentado, posto que a
realidade somente vai tomar o curso de uma ação transformadora em direitos humanos se
tanto a academia for chamada à luta quanto os militantes forem chamados a refletir sobre suas
ações.
Desse modo, considerando o histórico de lutas desde a década de 1980, que culminou
em 1990, com o Estatuto da Criança e do Adolescente, salienta-se que a implementação do
projeto político de proteção, promoção e defesa integral da criança e do adolescente, dentro de
um Sistema de Garantia de Direitos, integra o sentido da existência e da luta dos Fóruns DCA,
tanto nacionalmente quanto nos Estados.
A percepção inicial era de que o Fórum DCA-SE se caracterizava enquanto
movimento social capaz de transformar radicalmente as estruturas basilares da sociedade. No
entanto, o processo de investigação levou a perceber que o Fórum chamou a atenção para
pautas importantes e até conseguiu alcançar certas conquistas, no entanto, além de não ter
como elementos uma perspectiva de movimento de massa, os impactos de sua luta vão no
sentido da manutenção dos direitos já adquiridos, o que por si só é relevante e significativo,
mas não alcança o sentido inicial projetado.
Em que pese a teoria dos novos movimentos sociais considerar que fóruns 130 e
conselhos tenham atuado enquanto parceiros dos movimentos ou mesmo substituído alguns
dos movimentos sociais de massa característicos das décadas anteriores a 1990, mediante a
nova conjuntura social de fomento da criação de novos espaços de participação, com ênfase
nas pautas identitárias, como a criança e o adolescente, nossa percepção é de que essas redes,
bem como outras configurações de participação social do período pós 1990 não parecem se
constituir enquanto tais.
130
Fórum Social é um espaço de debate democrático de ideias, aprofundamento da reflexão, formulação de
propostas, troca de experiências e articulação de movimentos sociais e redes, ONGs e outras organizações da
sociedade civil que se opõem a toda forma de dominação.
130
131
A mobilização social é a confluência um grupo de pessoas, de uma comunidade ou de uma sociedade para
decidir e agir com objetivo comum, em busca de resultados decididos e desejados por todos.
131
No caso do Fórum DCA-SE, percebe-se que essa rede conseguiu alcançar algumas
vitórias relevantes no sentido, como dito, de não se retroceder nas conquistas já adquiridas no
campo dos direitos. Entretanto, do ponto de vista da análise e da reflexão do Fórum, são
perceptíveis também os limites dessa atuação frente a sua condição de espaço interclassista
atuando em uma sociedade capitalista. Na sociedade capitalista neoliberal, a lógica do
mercado influencia boa parte das instituições da sociedade civil, o que define os limites da
atuação do Fórum DCA-SE, pois, enquanto para algumas entidades filiadas ao Fórum
fortalecer a sociedade civil significasse atuar com foco nas políticas públicas e na
consolidação da democracia participativa, para outras talvez tivesse significado a
possibilidade para obtenção de maior quantidade de recursos financeiros e, por consequência,
maior possibilidade de firmar parcerias com o Estado, como refletido neste trabalho.
Por esses contextos, é inevitável constatar que, a depender da hegemonia
preponderante no Fórum, podem-se abrir espaços eventualmente para projetos individuais
e/ou institucionais não alinhados com perspectiva emancipatória, comprometendo a
autonomia das entidades e do próprio Fórum DCA, principalmente se nesse momento a
preocupação das entidades for seguir alinhamento com as ações do governo.
Por outro lado, vale chamar a atenção para a natureza não estatal do Fórum DCA-SE,
como ponto relevante na análise que o coloca em condição de maior independência e
autonomia frente aos agentes e instituições públicas, em que pese isso, ao mesmo tempo,
colocar em evidência suas contradições. Apesar da natureza não estatal do Fórum DCA-SE,
ele atuou, em alguns momentos, em função de exercício na instrumentalidade do Estado, sob
a forma de luta para se inserir nos conselhos de direitos. A contradição não se encontra em
atuar na esfera estatal com vistas a interferir nas políticas públicas voltadas à infância e à
adolescência, mas na intenção de ocupar esse espaço em função de obter algum “benefício”
pessoal, político ou financeiro, em favor de sua própria organização. Chama-se a atenção,
assim, para a limitação de algumas entidades do Fórum DCA de não perceberem
possibilidades de mudança para além dessa institucionalidade, o que indica momentos de
fragilidade do Fórum DCA-SE, evidenciados, principalmente, quando entidades filiadas
recebiam do governo estadual ou municipal recursos financeiros ou possuíam o interesse em
receber tais benefícios, sob a forma de convênios.
Interessa destacar o fato de que essas e outras contradições, limites e fragilidade do
Fórum geraram disputas internas de concepções sobre o seu fazer coletivo, o fazer das
próprias entidades nos seus locais de atendimento, a perspectiva assistencialista e não
132
vivência. Luta, como dito, compreendida como processo contínuo de relação direta entre os
envolvidos, que se faz mediante a ação-reflexão-ação, visando a mudanças mais estruturais do
ponto de vista da luta de classes e atuação que se pense para além dos marcos definidos pelo
próprio Estado, através de demonstração das causas da miséria no mundo, que se descortina
para a sociedade em geral em volta ao próprio capitalismo gerador das mazelas sociais, e da
denúncia do capitalismo, controla o comportamento humano e segue se alimentando da
marginalidade e de suas consequências.
Na linha do exposto nesta dissertação, é preciso, portanto, apostar nos direitos
humanos numa dimensão crítica, enquanto projeto ético-político de sociedade, com foco no
respeito às coletividades e seus saberes e na valorização da dignidade humana, para além do
direito positivado. Desse modo, é possível romper com o silêncio que não transforma,
pronunciar outro mundo mais fraterno. O diálogo, que se estabelece nos gestos e nas palavras
que denunciam a opressão na periferia do mundo, impulsiona possibilidades emancipadoras,
criativas e de respeito às diversas formas de produção de saberes, inclusive os que ainda são
desconhecidos. Decorrem daí a necessidade de se continuar investigando o tema e a
importância deste trabalho e, bem ao estilo freireano, o protagonismo do Fórum Estadual de
Defesa da Criança e do Adolescente, como fonte de palavras que não silenciam e de
possibilidades que emancipam.
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<http://www.pucrs.br/edipucrs/direitoshumanos.pdf>. Acessado em 19 de julho de 2015.
Busca realizada por palavras-chaves tais como: “Fórum DCA/SE”; “cenam fórum dca-se”; “plano de gestão cenam
governador”; “lançamento Campanha Criança não é de rua em Sergipe”; “Seminário criança e adolescente na
agenda política 2008”. A busca ainda foi realizada a partir de nomes de antigos e recentes coordenadores do Fórum
DCA-SE, como: “Robson Anselmo Fórum DCA-SE”; “Lídia Rêgo Fórum DCA-SE”; “Lídia Anjos Fórum DCA-
SE”; “Sanádia Gama Fórum DCA-SE”; “Nathália Dalto Fórum DCA-SE”
ANEXOS
TÍTULO I – DA CONSTITUIÇÃO
DA FILIAÇÂO
Art.3º - O Fórum DCA-SE terá um número ilimitado de entidades filiadas, sendo sua adesão
realizada através de solicitação em formulário especifico.
DA DESFILIAÇÃO
Art.5º - As entidade que faltarem a quatro (04) reuniões seguidas do Grupo Temático ou a três
(03) Assembleias Gerais consecutivas, sem devida justificativa, serão desfiliadas;
Art.6º - Serão desfiliadas as entidades que solicitarem por escrito o seu afastamento.
I- Assembleia Geral;
II- Coordenação Colegiada
III- Grupos Temáticos
IV- Secretaria Executiva
DA ASSEMBLEIA GERAL
Art.9º - A Assembleia Geral ocorrerá a cada (03) três meses, sendo precedida de convocação
expedida pela Coordenação Colegiada constando dia, horário, local e assuntos a serem
debatidos.
Parágrafo Único – A Convocação deve ser encaminhada às entidades com pelos menos (08)
dias de antecedência.
Art.10º - A Assembleia Geral será instalada pela Coordenação Colegiada do Fórum DCA-SE,
em primeira chamada com a presença de (2/3) dois terço das entidades filiadas. E (01) uma
hora depois com a presença de (20%) vinte por cento das entidades filiadas.
DA COORDENAÇÃO COLEGIADA
Art.15º - A Coordenação Colegiada será constituída por quatro (04) entidades de promoção e
de defesa e por quatro (04) entidades juvenis, bem como por quatro (04) entidades suplentes,
sendo duas (02) por cada categoria de entidades.
Art.17º - A Coordenação Colegiada se reunirá uma vez por mês, em primeira convocação com
a presença de (2/3) dois terço dos membros e em segunda convocação, meia hora depois, com
a presença de (20%) vinte por cento dos seus membros.
Parágrafo Único – Toda entidade filiada ao Fórum DCA-SE deve estar vinculada
organicamente a pelo menos a (01) um Grupo Temático. Sendo vedada a não vinculação a
qualquer um deles.
Parágrafo Único – O grupo temático sobre o Protagonismo juvenil não poderá ser constituído
somente por entidades juvenis, com representação exclusiva de adolescentes.
Art.26º - Cada grupo temático deverá apresentar a conclusão sobre o seu tema e ou demanda
proposta no prazo de no máximo (30) trinta dias, prorrogáveis por mais (10) dez dias.
Art.27º - A sistematização dos trabalhos realizados pelos grupos devem ser entregues à
Coordenação Colegiada com o parecer assinado por seus membros.
DA SECRETARIA EXECUTIVA
Art.29º - A Secretaria Executiva será exercida por qualquer uma das entidades que compõem
a Coordenação Colegiada. Sendo que a eleita deve oferecer as condições estruturais para o
exercício do encargo.
Art.31º - A entidade que ocupa a função de Secretaria Executiva não tem direito a voto nas
Assembleias Gerais, enquanto Secretaria.
Art.32º - A eleição da coordenação colegiada ocorrerá a cada dois (2) anos, quando se conclui
o mandato em vigor.
156
Art.33º - Será constituída uma comissão eleitoral para cada pleito a pelo menos seis (06)
meses antes da Assembleia Geral extraordinária incumbida de realizar a eleição.
Art.34º - A Comissão Eleitoral será composta por duas (02) entidades de promoção e defesa e
por (02) entidades juvenis, conforme alude o art.15.
Art. 35º - No dia da Assembleia Geral Extraordinária para eleição da coordenação colegiada,
a Comissão Eleitoral assume a Direção e Coordenação da referida Assembleia.
Art.37º - Após apuração dos votos, no mesmo dia da votação, a chapa vencedora será
aclamada e automaticamente empossada, sendo desfeita a Comissão Eleitoral.
Art.38º - Para que as entidades possam concorrer ao cargo de coordenação colegiada serão
analisados os seguintes pontos, sob efeito de impugnação de candidatura:
DOS DEVERES
Art.42º - O Fórum Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Sergipe não pode
acumular patrimônio material e financeiro.
Art.44º - Este Regimento Interno não pode ser alterado para atender interesses específicos e
corporativos das entidades filiadas ao Fórum DCA-SE.
Art.45º - Este Regimento Interno só pode ser alterado para permitir o alcance dos objetivos
do Fórum DCA-SE e para ampliar o processo democrático interno.
Art.47º - Este Regimento Interno entra em vigor na data de sua aprovação em Assembleia
Geral.
Entidades Representantes
LEGIAO DA BOA VONTADE LÍDIA ANJOS E TATIANE
SILVA
CENTRO DOM JOSÉ BRANDÃO DE CASTRO ELIS E SIMONE
INSTITUTRO RECRIANDO DÉBORA
LAR FABIANO DE CRISTO FATIMA E CANDICE
LAR INFANTIL CRISTO REDENTOR ROBERTA
INSTITUTO E CRECHE MENINO JESUS ANDRÉA ARAGÃO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO E ESTUDO AFRO-BRASILEIRO --
“LELIA GONZALEZ”
GRUPO ABAÔ VAL
CRILIBER - CRIANÇA E LIBERDADE ASSOC. DE CULTURA, LUIZ BONFIM
ARTE E EDUCAÇAO
INSTITUTO SOCIAL DAS MEDIANEIRAS DA PAZ IRMÃ LUCINHA
CÁRITAS DE SERGIPE ANDERSON
ASSOCIAÇÃO CATÓLICA BOM PASTOR ESMERALDINA
IPAESE
AMO – ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA ONCOLOGIA LEILA CARLA
APAE-ASSOC. DOS AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS DE CARLA VANESSA E ESTER
ARACAJU
CASA SANTA ZITA IRMÃ SANDRA
CENTRO COMUNITÁRIO ASSITENTE SOCIAL TEREZINHA JOELMA
MEIRA-
PASTORAL DO MENOR IRMÃ DIVA E IVANE
CENTRO DE INTEGRAÇAO RAIO DO SOL EDILENE
MOPS - MOVIMENTO POPULAR DE SAÚDE DO ESTADO MARCELO
LAR INFANTIL NOSSA SENHORA SANTANA – LAR DE ZIZI IVANE
SESC – SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO
IBEM – INSTITUTO BENEFICENTE EMANUEL CONCEIÇÃO BRANCO
ASSOC. SERGIPANA DE EQUOTERAPIA - YERE E ARLITA
AMAMB – ASS. MOR. AMIG. DA NOVA BRASÍLIA MARLI E BRUNO
INSTITUTO BRAÇOS ROBSON ANSELMO E
EDILBERTO
ASSOCIAÇÃO RAINHA DA PAZ EVERALDO
ASCOSUL ADNALDO E MARCELO
CÁRITAS DE ESTÂNCIA EDNALDO
CUT – CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES GLAUCIENE
FACTUS – FÓRUM ASSOCIATIVO DOS CONSELHEIROS ALESSANDRA E MARISA
TUTELARES DE SERGIPE
CONSELHO EGIONAL DE PSICOLOGIA TATIARA E ISABEL