Sie sind auf Seite 1von 177

Francisco Roberto Caporal

José Antônio Costabeber

AGROECOLOGIA E EXTENSÃO RURAL


Contribuições para a Promoção do
Desenvolvimento Rural
SUSTENTÁVEL

Porto Alegre (RS)


2004
Sobre os autores

Francisco Roberto Caporal é Engenheiro Agrônomo formado pela Universidade Federal de


Santa Maria (1975), Mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal de Santa Maria (1991) e
Doutor pelo Programa de “Agroecología, Campesinado e Historia” (ISEC/ETSIAM), Universidad de
Córdoba, España (1998). Ingressou como Extensionista Rural na ASCAR-EMATER/RS em
dezembro de 1975, tendo sido Chefe de Escritório Municipal, Supervisor Regional, Subgerente
Regional, Assistente Técnico Regional e Diretor Técnico. É Assistente Técnico do Escritório
Regional da ASCAR-EMATER/RS de Santa Maria, sendo que está atualmente colaborando com o
Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural (DATER), Secretaria da Agricultura
Familiar (SAF), no Ministério do Desenvolvimento Agrário (Brasília, DF).
E-mail: caporal@emater.tche.br

José Antônio Costabeber é Engenheiro Agrônomo formado pela Universidade Federal de


Santa Maria (1978), Mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal de Santa Maria (1989) e
Doutor pelo Programa de “Agroecología, Campesinado e Historia” (ISEC/ETSIAM), Universidad de
Córdoba, España (1998). Ingressou como Extensionista Rural na ASCAR-EMATER/RS em
setembro de 1978, tendo sido Chefe de Escritório Municipal, Assistente Regional de Supervisão,
Supervisor Regional e Assessor Especial da Diretoria. Atualmente é Supervisor no Escritório
Regional da ASCAR-EMATER/RS de Santa Maria e membro do Grupo de Pesquisa “Sociedade,
Agricultura e Desenvolvimento Rural” (Curso de Pós-Graduação em Extensão Rural, Universidade
Federal de Santa Maria).
E-mail: costabeber@emater.tche.br
Agradecimentos

Reconhecendo que seria extremamente difícil citar a todas as pessoas, colegas, mestres e
instituições que direta ou indiretamente contribuíram para que esta obra se tornasse possível, nos
cabe fazer nesse momento uma referência muito especial à EMATER/RS-ASCAR (Associação
Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural e Associação Sulina
de Crédito e Assistência Rural), empresa à qual estamos vinculados há mais de 25 anos, pelas
oportunidades que tem nos concedido de trabalhar, estudar e refletir pela causa da Extensão
Rural, tendo como referencial o enfoque agroecológico e o conceito amplo de sustentabilidade.
Igualmente, expressamos nossa gratidão ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), que nos concedeu apoio institucional e financeiro em momentos muito
importantes de nossa formação acadêmica e profissional, especialmente durante os 4 anos em
que freqüentamos o Programa de Doutorado em Agroecologia, Campesinato e História, na
Universidade de Córdoba, Espanha. Nossos agradecimentos ficariam totalmente incompletos se
não mencionássemos aquelas pessoas que estiveram sempre presentes em todas as horas,
estimulando o trabalho contínuo e tolerando os muitos momentos de ausência: nossas famílias.
Dedicatória

Dedicamos este trabalho a Gustavo Martin Quesada.


AGROECOLOGIA E EXTENSÃO RURAL
CONTRIBUIÇÕES PARA A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

Francisco Roberto Caporal


José Antônio Costabeber

Sumário

Prefácio .......................................................................................................................................... 1
Introdução ...................................................................................................................................... 3
Por uma nova Extensão Rural: fugindo da obsolescência ......................................................... 5
1 Introdução ................................................................................................................................... 5
2 Breve histórico da Extensão Rural, no contexto do modelo de modernização da agricultura ...... 6
3 As conseqüências do modelo de desenvolvimento: impactos ambientais e transformações
sociais ......................................................................................................................................... 7
4 Os grandes desafios da década de 90 ...................................................................................... 11
5 Por uma Nova Extensão Rural .................................................................................................. 12
6 Considerações finais ................................................................................................................. 14
Transição agroecológica: do produtivismo à ecologização ..................................................... 17
1 A hegemonia do paradigma produtivista ................................................................................... 17
1.1 A revolução verde e seu estado de “crise” ....................................................................... 17
1.2 A biotecnologia como “resposta” à crise .......................................................................... 22
2 A emergência do paradigma da sustentabilidade ...................................................................... 25
2.1 Sobre o meio ambiente e desenvolvimento ..................................................................... 26
2.2 Sobre o marco do desenvolvimento sustentável .............................................................. 28
2.3 Sobre a agricultura e o contexto da sustentabilidade ....................................................... 34
3 A transição à uma agricultura com base ecológica .................................................................... 40
3.1 A ecologização da agricultura e as vias da transição ....................................................... 41
3.2 A transição desde o enfoque agroecológico .................................................................... 46
4 A modo de conclusão ................................................................................................................ 48
As bases para a Extensão Rural do futuro: caminhos possíveis no Rio Grande do Sul ........ 49
1 Introdução ................................................................................................................................. 49
2 Tendências da extensão rural em tempos de transição ecológica ............................................. 49
2.1 A “intensificação verde” como uma estratégia para a ação extensionista ........................ 53
2.2 A Agroecologia como orientação para a ação extensionista ............................................ 56
3 Elementos de uma proposta para a construção de uma “extensão agroecológica” ................... 61
3.1 Sobre o conceito de Extensão Rural Agroecológica ........................................................ 64
3.2 Sobre o “enfoque”, a “missão” e os “objetivos” da Extensão Rural Agroecológica ........... 66
3.3 As metodologias para uma Extensão Rural Agroecológica .............................................. 68
3.4 A exigência de um “novo profissionalismo” para a ação extensionista ............................. 73
3.5 Sobre o conteúdo das mensagens e a clientela da extensão pública do futuro ............... 75
Agroecologia e desenvolvimento rural sustentável: perspectivas para uma nova Extensão
Rural ............................................................................................................................................. 79
1 Introdução ................................................................................................................................. 79
2 A sustentabilidade como exigência para a construção de novas vias de desenvolvimento ....... 80
2.1 Principais enfoques da sustentabilidade .......................................................................... 81
2.2 Noções sobre desenvolvimento sustentável .................................................................... 84
2.3 Contextos de sustentabilidade ......................................................................................... 85
3 A Agroecologia como paradigma diretivo para a ação extensionista ......................................... 86
3.1 Conceito de Agroecologia ............................................................................................... 87
3.2 Princípios ou bases epistemológicas da Agroecologia .................................................... 89
3.3 A transição agroecológica no contexto da sustentabilidade............................................. 89
4 O compromisso social da Nova Extensão Rural ante os desafios e as perspectivas do
desenvolvimento rural sustentável ............................................................................................ 91
4.1 Missão institucional da EMATER/RS-ASCAR ................................................................. 92
4.2 Objetivos estratégicos da EMATER/RS-ASCAR ............................................................. 92
4.3 Estratégias de ação da EMATER/RS-ASCAR ................................................................. 93
5 Considerações finais................................................................................................................. 93
Agroecologia: enfoque científico e estratégico para apoiar o desenvolvimento rural
sustentável .................................................................................................................................. 95
1 Introdução ................................................................................................................................. 95
2 Do desenvolvimento rural convencional ao desenvolvimento rural sustentável......................... 95
2.1 Alguns elementos da trajetória desenvolvimentista na agricultura ................................... 95
2.2 A caminho da superação do modelo convencional de desenvolvimento ......................... 99
3 Construção teórica da Agroecologia ....................................................................................... 102
3.1 Gênese e emergência da ciência da Agroecologia ........................................................ 102
3.2 Agricultura sustentável sob a perspectiva agroecológica............................................... 109
4 Multidimensões da sustentabilidade a partir da Agroecologia ................................................. 111
4.1 Dimensão ecológica ...................................................................................................... 112
4.2 Dimensão social ............................................................................................................ 113
4.3 Dimensão econômica .................................................................................................... 113
4.4 Dimensão cultural.......................................................................................................... 114
4.5 Dimensão política .......................................................................................................... 114
4.6 Dimensão ética ............................................................................................................. 115
5 Paradigma agroecológico e sustentabilidade .......................................................................... 116
6 Considerações finais............................................................................................................... 118
Superando a Revolução Verde: a transição agroecológica no estado do Rio Grande do Sul,
Brasil .......................................................................................................................................... 121
1 Introdução ............................................................................................................................... 121
2 Alguns exemplos sobre externalidades negativas inerentes à agricultura convencional ......... 122
3 Conceitos básicos para orientar a transição da agricultura convencional a estilos de agricultura
sustentável ............................................................................................................................. 128
4 Dados da transição agroecológica no Rio Grande do Sul: superando o paradigma dominante130
5 Como conclusão ..................................................................................................................... 136
Segurança alimentar e agricultura sustentável: uma perspectiva agroecológica ................ 139
1 Introdução ............................................................................................................................... 139
2 Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável ...................................................................... 139
3 Agroecologia como base científica de uma agricultura sustentável......................................... 141
4 Transição agroecológica: a experiência no Rio Grande do Sul ............................................... 143
5 Ecologização e riscos associados........................................................................................... 145
6 Notas finais ............................................................................................................................. 147
Considerações finais ................................................................................................................ 149
Referências bibliográficas ........................................................................................................ 155

x
PREFÁCIO

Miguel Ángel Altieri, PhD.


Universidade da Califórnia, Berkeley (EUA)

O livro “Agroecologia e Extensão Rural: Contribuições para a Promoção do Desenvolvimento


Rural Sustentável”, de Francisco Roberto Caporal e José Antônio Costabeber, nos alerta sobre os
desafios que toda organização de extensão rural vinculada ao setor público deve enfrentar para
sair de seu imobilismo e transformar-se em instituição dinâmica impulsionadora de um novo
enfoque participativo e agroecológico de desenvolvimento rural. Porém, como bem se explicita no
livro, toda transformação institucional é o produto da transformação interna de seu pessoal e da
vontade política e liderança intelectual que propicie as mudanças necessárias.
O Rio Grande do Sul é um laboratório vivo desta nova concepção da Extensão Rural. A
EMATER/RS-ASCAR tem sabido aproveitar o momento histórico privilegiado pelo qual atravessa o
estado, e tem sabido definir sua missão histórica dando à agricultura familiar um papel protagônico
no desenvolvimento sustentável da região. A criação de parcerias estratégicas com organizações
de agricultores, ONGs, Universidades e certos setores progressistas do mundo privado tem sido a
chave para mobilizar todos os recursos humanos e materiais necessários para a tarefa, que
nenhuma organização por si mesma poderia assumir.
Caporal e Costabeber, dotados de uma rica experiência acadêmica e prática, entregam aqui
as bases teóricas e os elementos metodológicos para impulsionar uma estratégia de Extensão
Rural Agroecológica, delineando os desafios da transição agroecológica que conduzem a um
desenvolvimento rural sustentável que privilegie a agricultura familiar, a produção local, a
biodiversidade, o saber e a organização autóctone, a conservação dos recursos naturais, o auto-
abastecimento alimentar, a viabilidade econômica da pequena propriedade e a multifuncionalidade
da agricultura.
No Brasil de hoje, as instituições que não assumam as oportunidades de desenvolvimento
participativo e tecnologias com base agroecológica, aqui descritas, deixarão passar a possibilidade
de incrementar a produtividade da pequena agricultura em uma forma ambientalmente saudável,
economicamente viável, porém também socialmente justa e culturalmente aceitável. No país já
existe um acervo de experiências práticas de desenvolvimento agroecológico (tecnologias,
métodos participativos, formas organizativas, mercados alternativos) e o desafio consiste em como
articulá-las e escaloná-las de modo que alcancem a um número significativo de agricultores nas
várias regiões agroecológicas. Muitas vezes tudo o que se necessita é que as instituições de
extensão rural sirvam de facilitadores para que se formem as redes de intercâmbio de agricultor a
agricultor, para que assim flua a comunicação e a troca de experiências. Este é um desafio não
apenas político, mas também metodológico, uma vez que as lições e princípios que iluminarão o
caminho em direção a essa transição e escalonamento se encontram inseridas nas experiências
concretas no campo. É aqui onde a sistematização das experiências bem sucedidas é chave para
decifrar as luzes.
Experiências analisadas em outras regiões sugerem que alguns ingredientes de êxito
incluem:
• adoção de sistemas e tecnologias agroecológicas (diversificação e uso ou reciclagem de
recursos locais);
• enfoques participativos de aprendizagem e intercâmbio de informação;
• boas conexões entre agricultores e agências externas; e
• políticas conducentes e mercados solidários.
Entretanto, se as iniciativas de base têm que oferecer mais que um alívio temporal à
insegurança alimentar e às pressões ambientais, a expansão das iniciativas bem sucedidas deve
influenciar as políticas agrárias que determinarão se o desenvolvimento sustentável se cristalizará
ou não no longo prazo a níveis mais regionais. Em outras palavras, o futuro de uma agricultura
familiar com base agroecológica dependerá de se as políticas emergentes favorecerão ou minarão
as práticas consistentes com a sustentabilidade. Contudo, a mudança de políticas não é suficiente,
sendo necessária, ademais, a transformação institucional de maneira que existam mecanismos
para que os agricultores tenham acesso ao crédito, aos mercados, à informação e capacitação, à
tecnologia apropriada e o acesso à terra e outros recursos produtivos.
Em muitos casos a criação de modalidades alternativas de mercados é um fator chave para
dar viabilidade econômica à proposta agroecológica. Porém, não se pode esquecer que, na
maioria dos casos, o sucesso tem dependido mais dos esforços institucionais e mecanismos
políticos que têm dado um protagonismo chave aos agricultores, no sentido de que estes definam
seu próprio caminho em direção ao desenvolvimento. Assim, a extensão rural participativa evolui
mais além de seu papel tradicional de difundir tecnologias preconcebidas para transformar-se num
processo de mobilização e implementação da visão dos pobres, entregando elementos e opções
para o empowerment (empoderamento) dos agricultores.
Como bem descrevem Caporal e Costabeber, o caminho em direção a uma transição
agroecológica não é fácil e está cheio de desafios e de mudanças necessárias, tais como:
• incrementar o investimento na pesquisa e na extensão rural agroecológica;
• implementar políticas que reduzam os subsídios à agricultura convencional e que,
especialmente, privilegiem a transição agroecológica;
• melhorar a infra-estrutura e serviços nas zonas rurais mais marginais;
• dotar de oportunidades de mercados solidários aos pequenos agricultores;
• assegurar o acesso à terra e a outros recursos produtivos;
• estimular parcerias que favoreçam um processo participativo de extensão rural e que situe
claramente aos agricultores familiares no centro da estratégia de desenvolvimento sustentável.
Afortunadamente, “Agroecologia e Extensão Rural: Contribuições para a Promoção do
Desenvolvimento Rural Sustentável” nos proporciona elementos concretos para assumir esta
tarefa histórica improrrogável.

Berkeley (Califórnia), primavera de 2002.

2
INTRODUÇÃO

Essa obra, intitulada “Agroecologia e Extensão Rural: Contribuições para a Promoção


do Desenvolvimento Rural Sustentável”, constitui um conjunto de textos (artigos e capítulos de
tese), os quais, muito embora escritos em distintos momentos e atendendo diversos propósitos e
objetivos, sejam acadêmicos ou operacionais, guardam um fio condutor comum e são reveladores
de um processo em construção permanente. Isso significa que sua leitura deve ser compreendida
em função da época ou do contexto institucional em que os textos foram produzidos, se bem que o
conjunto das idéias apresentadas ainda representa em boa medida o pensamento e a posição de
seus autores no que toca aos desafios e possibilidades da Extensão Rural do serviço público
quando se leva em conta o complexo conceito de sustentabilidade e sua aplicação na promoção
de estilos de agricultura de base ecológica e na elaboração de estratégias de Desenvolvimento
Rural, sob a perspectiva da ciência da Agroecologia. A segunda ressalva diz respeito às eventuais
ênfases ou repetições de alguns temas que poderão ser facilmente percebidas em distintos
capítulos, o que resultou de um processo natural de desenvolvimento de algumas idéias ao longo
de mais de 10 anos de trabalho de seus autores. Eliminar essas passagens repetidas alteraria a
estruturação inicial de cada capítulo e, por conseguinte, poderia prejudicar a sua compreensão,
razão pela qual preferimos manter a escrita original e assumir algumas repetições de temas. Além
disso, conforme foi-se avançando, pareceu cada vez mais importante colocar ênfase no conceito
de Agroecologia (mesmo que isso significasse repetir em distintos contextos), pois ainda perduram
confusões conceituais que precisam ser gradualmente superadas, em benefício de todos os que
abraçam o enfoque agroecológico como base fundamental para o alcance de patamares
crescentes de sustentabilidade no agrícola e no rural em perspectiva de médio e longo prazos.
O Capítulo 1, “Por uma nova Extensão Rural: fugindo da obsolescência”, corresponde a
um artigo (Caporal e Costa Beber, 1994) escrito ainda em 1992 e publicado na Revista Reforma
Agrária. O Capítulo 2, “Transição agroecológica: do produtivismo à ecologização”, se refere
ao terceiro capítulo da Tese de Doutorado de Costabeber (1998). O Capítulo 3, “As bases para a
Extensão Rural do futuro: caminhos possíveis no Rio Grande do Sul”, se refere ao oitavo
capítulo da Tese de Doutorado de Caporal (1998). O Capítulo 4, “Agroecologia e
Desenvolvimento Rural Sustentável: perspectivas para uma nova Extensão Rural”, foi
elaborado por Caporal e Costabeber (1999) especialmente para abrir o primeiro número da
Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável (editada pela EMATER/RS-
ASCAR), com o propósito de ressaltar a Missão Institucional da empresa e seu vínculo com o
enfoque agroecológico1. O Capítulo 5, “Agroecologia: enfoque científico e estratégico para
apoiar o desenvolvimento rural sustentável”, também foi produzido a quatro mãos (Caporal e
Costabeber, 2002a), tendo sido publicado pela EMATER/RS-ASCAR como Texto Provisório para
Discussão2 como parte da Série Programa de Formação Técnico-Social, Sustentabilidade e
Cidadania. O Capítulo 6, “Superando a Revolução Verde: a transição agroecológica no estado
do Rio Grande do Sul, Brasil”, redigido por Caporal (2003), teve o objetivo de sintetizar alguns
dos esforços realizados e principais resultados alcançados na Gestão 1999-2002 da EMATER/RS-
ASCAR, período em que a Missão Institucional esteve explicitamente associada ao enfoque
agroecológico. O texto “Segurança alimentar e agricultura sustentável: uma perspectiva
agroecológica”, que corresponde ao sétimo e último Capítulo, foi publicado recentemente (2003)
na Revista Ciência & Ambiente, em número especialmente dedicado ao tema da Agricultura
Sustentável. Finalmente, em Considerações finais, apresenta-se uma síntese reflexiva a respeito

1
Versão similar foi publicada em: Etges, V. E. (org.). Desenvolvimento rural: potencialidades em
questão. Santa Cruz do Sul: EDUSC, 2001. p.19-52.
2
Versão simplificada desse texto foi publicada como “Análise multidimensional da sustentabilidade:
uma proposta metodológica a partir da Agroecologia”, na Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural
Sustentável, Porto Alegre, v.3, n.3, p.70-85, jul./set. 2002b.
dos grandes desafios que ainda persistem, mas que não são em absoluto irremovíveis, para que a
Agroecologia e a Extensão Rural (como Ciência e como serviço público de responsabilidade do
Estado, respectivamente), em suas interfaces e propósitos, possam contribuir decididamente na
promoção do Desenvolvimento Rural Sustentável. Para isso reproduzimos o texto “Construindo
uma Nova Extensão Rural no Rio Grande do Sul”, publicado como artigo de Opinião na Revista
Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável (Caporal e Costabeber, 2002c).
Esperamos que esta modesta obra, através dos textos aqui reproduzidos, contribua para o
avanço da perspectiva agroecológica especialmente no âmbito dos serviços de extensão rural da
esfera pública. Aliás, acreditamos firmemente que o contexto sócio-econômico, ambiental e político
que estamos assistindo é amplamente favorável a um processo de revalorização gradual da
missão extensionista. A disposição demonstrada pelo Governo Federal no sentido de valorizar a
agricultura familiar, de garantir apoio aos segmentos excluídos, de formular políticas públicas que
estimulam a produção de alimentos básicos e de implementar uma Política Nacional de Extensão
Rural (resguardada na competência da Secretaria da Agricultura Familiar do Ministério do
Desenvolvimento Agrário), são demonstrações muito evidentes da confiança e do importante papel
reservado à Extensão Rural pública como instrumento para apoiar a resolução de problemas
socioambientais contemporâneos. Associada à Agroecologia, enquanto campo de conhecimentos
de natureza multidisciplinar que pretende orientar a construção de estilos de agricultura de base
ecológica e a elaboração de estratégias de desenvolvimento rural sustentável, a Extensão Rural
poderá dar contribuição decisiva e demonstrar vitalidade segundo sua própria capacidade de
readequação e adaptação ao atual contexto sócio-econômico e político nacional.

4
Capítulo 1

POR UMA NOVA EXTENSÃO RURAL: FUGINDO DA OBSOLESCÊNCIA1

Francisco Roberto Caporal


José Antônio Costabeber

1 Introdução

Não podemos nos deixar levar pelo imobilismo conservador que continua aprisionando as
organizações públicas de extensão rural. As diferenciações sociais hoje presentes no meio rural, o
esgotamento do modelo de desenvolvimento rural baseado na modernização da agricultura, o
surgimento e crescimento de inúmeras entidades privadas de assistência técnica e a presença
marcante das ONGs exigem uma revisão drástica da extensão rural pública. A extensão rural
debate-se em enormes dificuldades. Para se ter uma idéia, além da questão formal, sob o ponto
de vista institucional e organizacional que se abate sobre o sistema desde a extinção da Empresa
Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural –EMBRATER, no início do Governo Collor, a
Extensão Rural oficial vive hoje momentos de dificuldade quanto ao seu papel, retomando
discussões já feitas nos anos 1980, por ocasião do “repensar”.
O esgotamento do modelo de crescimento imposto ao setor agrícola, via transformação da
base técnica da agricultura, que contou com o aporte de pesquisa e crédito subsidiado para
implantar a “modernização conservadora” da agricultura, trouxe consigo uma crise de identidade
para uma das filhas diletas do modelo, a extensão rural oficial (e até para similares privados).
Grosso modo, esta crise de identidade se dá em razão dos desafios impostos à extensão pela
própria realidade, pois, junto com o esgotamento do modelo tradicional de modernização do
campo, torna-se insuficiente o modelo difusionista/inovador praticado pela extensão nos últimos 45
anos. Assim como um exército, preparado para a guerra (interna ou externa), entra em crise em
tempos de paz, quando não tem no horizonte inimigos e objetivos, também a extensão rural, fora
do processo de modernização acelerada para cuja tarefa foi preparada, defronta-se com um
impasse quanto ao seu papel. Certamente, vive-se no Brasil um momento histórico privilegiado. O
paradigma perverso da Revolução Verde, desdobrado na mudança da base técnica e das relações
sociais na agricultura, está em coma.
O meio rural não pode continuar sendo visto, mesmo pelos mais cegos, como um
homogêneo-atrasado. O desenvolvimento dual da produção simples de mercadorias e do modo de
produção em suas diferentes expressões engendrou no campo uma enorme diferenciação social,
cuja manifestação mais evidente aparece na distância que existe entre uma minoria capitalista
muito rica e uma maioria assustadora de agricultores pobres, com e sem terra, resistindo contra as
forças que querem levá-los ao êxodo rural. Independente das possibilidade e do tempo em que se
possa admitir o advento de um novo paradigma para a agricultura2, é para atuar neste contexto,
pelo menos no curto e médio prazos, que a extensão rural precisa estar preparada. Já não se trata
de fazer bem o difusionismo rogeriano. A pura difusão de tecnologias já se mostrou insuficiente
como prática da extensão rural. Então, é preciso revolucionar as bases teóricas (redimensionando
seu papel), rever seu público prioritário e apossar-se de um novo referencial metodológico,
mecanismos capazes de abrir caminho para uma extensão rural apta a ocupar o espaço no qual
ainda poderá mostrar-se socialmente útil.

1
Publicado originalmente na Revista Reforma Agrária, São Paulo, v.24, n.3, p.70-90, set./dez. 1994.
2
Ver Mussoi (1993) e Graziano da Silva (1988).
2 Breve histórico da Extensão Rural, no contexto do modelo de modernização da
agricultura

A história da extensão rural já foi contada. Já se tornou enfadonho ouvir sobre o empenho do
grupo Rockefeler, ou mesmo sobre as adaptações dos modelos norte-americanos de extensão
para as etapas do extensionismo no Brasil. Deseja-se, sob este tópico, tão somente fazer uma
breve relação do papel desempenhado pela extensão rural no processo recente de modernização
da agricultura, até o aprisionamento desta no interior dos CAIs (Complexos Agroindustriais)3.
A partir dos anos 1950, quando se consolida a produção de bens de capital no Brasil, a
extensão rural passa a se implantar no país assumindo para si a tarefa de educar o homem do
campo para tirá-lo do atraso4. Era iniciado na época o processo de industrialização da agricultura e
não podia o desenvolvimento deste setor prescindir de políticas e instrumentos capazes de
assegurar o consumo crescente de bens industriais orientados para a produção agrícola. Era
preciso que o Estado (e, na época, com recursos externos) atuasse no sentido do modelo urbano-
industrial em andamento, devendo assegurar a educação (“direito de todos”) para o homem rural,
a fim de que este passasse a aceitar as mudanças que o modelo impunha. Desde então o
extensionismo tenta se adaptar ao grande revolucionamento das forças produtivas e relações de
produção inerentes ao modo de produção predominante e motriz do modelo de desenvolvimento.
Ainda na década de 1950 via-se como insuficiente a idéia de educar o homem do campo.
Era necessário acelerar o consumo intermediário da agricultura, enquanto que o trabalho com os
pequenos produtores não mostrava os resultados esperados. Inclusive algumas organizações
internacionais, como a AIA, tecem críticas ao pouco sucesso da extensão rural. Já expandidos por
vários estados do país, cria-se o sistema nacional (sob coordenação da Associação Brasileira de
Crédito e Assistência Rural – ABCAR) e começam a ser buscados novos caminhos. Fortalece-se o
trabalho junto aos jovens, no intuito de formar novos e bons agricultores.
A base rogeriana da extensão rural aposta na idéia de que a mudança social se dará a partir
da introdução de novas técnicas. Aprimoram-se as metodologias e criam-se novas e mais
abrangentes (como as campanhas), mas mesmo assim as respostas não estão à altura das
exigências do polo dinâmico da economia, o setor industrial. Todavia, a contribuição da extensão
rural neste período é expressiva. Trabalhando na interiorização e difusão das novas tecnologias
agrícolas, os extensionistas viram o campo mostrar um crescimento significativo no consumo de
bens industriais5. Não é sem razão, neste modelo, que em 1960, ao realizar um reunião de
avaliação, a extensão rural conclui que o trabalho com pequenos agricultores não dá os resultados
esperados e recomenda o trabalho com médios e grandes produtores, com aqueles que estejam
aptos a adotar as tecnologias modernas.
Ao advento da chamada industrialização do campo, que Kageyama (1987) situa a partir de
1965, vem somar-se à extensão rural mais um instrumento de política pública, o crédito rural
subsidiado, para cuja implantação houve contribuição de experts das organizações de extensão
rural. Cabe lembrar que nesta época as universidades já haviam incorporado a disciplina de
Extensão Rural como parte integrante do currículo das Ciências Agrárias. Professores faziam
cursos ministrados por extensionistas e se sedimentava no interior das faculdades de Agronomia e
Veterinária o ensino da extensão rural a partir do modelo agora claro e sistematizado de Everett
Rogers e seus seguidores (Caporal & Fialho, 1989). Criou-se um modo eficaz de reproduzir
profissionais da agropecuária para assumir acriticamente a tarefa difusionista levada avante pela
ACAR. Houve época em que os laços eram tão estreitos entre a ACAR e alguns cursos de
Ciências Rurais que os profissionais egressos dos mesmos eram dispensados de fazer concurso

3
Kageyama (1987) desenvolve tese segundo a qual o antigo setor agrícola se desintegrou, como tal,
passando a ser simples componente dos Complexos Agroindustriais.
4
Segundo Ammamm (1987), esta idéia de superação das dificuldades do campo, via educação, já
havia tido adeptos e iniciativas no Brasil em períodos anteriores.
5
Kageyama (1987: 9): “O crescimento do consumo intermediário como porcentagem do valor bruto da
produção agropecuária: de 11,1% em 1949 passou para 14,3% em 1959”.

6
para ingressar nas empresas de extensão rural. Note-se que os currículos também passaram a
ministrar as regras do crédito rural.
A extensão rural, aparelhada com o crédito à atividade agropecuária, continuou privilegiando
médios e grandes produtores. Diversos estudos mostram que a fatia do crédito rural contratado
com mini e pequenos produtores (usando as categorias que constam nos relatórios) foi sempre
infinitamente desproporcional ao seu número e necessidades em relação aos demais. Mesmo
assim não foram poucos os produtores com terra de tamanho reduzido que adquiriram tratores
super dimensionados para as suas necessidades e possibilidades de cultivo. Neste período,
segundo Kageyama (1987: 10), “a indústria passa a comandar a direção, as formas e o ritmo da
mudança na base técnica da agricultura”. Certamente este comando, por força do modelo, se
expressa também na prática da extensão rural. Com taxas negativas ao longo da década de 1970,
o crédito rural transformou-se no cavalo de batalha da extensão rural, cujo trabalho restringia-se
quase por completo aos procedimentos burocráticos e à assistência técnica ao empreendimento
financiado.
Mesmo com a criação da EMBRATER, as mudanças não foram substanciais. O modelo
EMBRATER, ao compreender o processo de exclusão da maioria das famílias rurais do
crescimento havido no período, propõe o trabalho com grandes e médios na base de tecnologia,
agregando para os agricultores de baixa renda um trabalho complementar de cunho social e
assistencialista. Sem se dar conta do processo no qual estava envolvida, a extensão rural depara-
se com a agricultura subordinada à agroindústria, bem como com os reflexos sócio-econômicos e
ambientais ocorridos durante esta trajetória.
Fazendo sua autocrítica a partir dos anos 1980, quando o modelo já dava mostras de sua
estagnação, o sistema de extensão rural não conseguiu dar um passo além da elaboração de um
novo discurso. De lá para cá, o sistema de extensão rural vive os reflexos que se abatem sobre o
setor ao qual se propôs a salvar o atraso. Trabalhando a partir de uma compreensão equivocada,
a extensão não se deu conta de que contribui para o agravamento dos danos ambientais e para o
acelerado processo de diferenciação social na agricultura. A partir daí, como se fora um ente
social, a extensão rural entra em período de anomia. Compreender a realidade dos anos 90 será a
base para a redescoberta de caminhos para a extensão rural.

3 As conseqüências do modelo de desenvolvimento: impactos ambientais e


transformações sociais

O intenso processo modernizador da agricultura brasileira acarretou impactos ambientais e


transformações sociais em magnitudes tão amplas que, por si só, justificam a revisão de todo o
modelo de desenvolvimento imposto ao setor agrícola. A literatura que trata dessas questões já é
bastante ampla e fornece uma visão satisfatória de que novos rumos devem ser tomados em
busca de um desenvolvimento rural equilibrado e sustentável no médio e longo prazos. Nesse
contexto, pretende-se aqui trazer alguns referenciais que evidenciam essa situação-problema, com
vistas a elaboração de propostas compatíveis com o que se espera de uma nova extensão rural.
Uma análise bastante objetiva das questões agrária e ecológica é apresentada por Graziano
Neto (1986). Nela percebe-se que o aumento da produção e produtividade agrícola foi fomentado
com enormes sacrifícios sociais e ambientais. A intensificação no uso de insumos químicos-
mecânicos na agricultura acelerou a degradação de solos, a contaminação do meio ambiente e a
agressão aos recursos naturais, com reflexo direto na qualidade de vida das populações rurais e
urbanas. A difusão dos pacotes tecnológicos, no entanto, não garantiu os esperados aumentos
nos rendimentos físicos da agricultura. Estudos da EMBRAPA6, por exemplo, mostram que, de
1964 a 1979, a produtividade dos 15 principais cultivos do Brasil cresceu apenas 16,8%. No
mesmo período, o consumo de fertilizantes químicos cresceu 124,3%, de inseticidas 233,6%, de
fungicidas 584,5%, de herbicidas 5.414,2% e de tratores 389,1%.

6
Citado pela FAO. Oficina Regional para América Latina y el Caribe. Desarrollo Agropecuario: de la
dependencia al protagonismo del agricultor. 2º ed., Santiago, Chile, 1992. (Serie Desarrollo Rural n.º 9).

7
A degradação dos solos, acelerada principalmente pela excessiva mecanização e pela
prática da monocultura, continua em ritmo assustador em várias regiões produtoras do país. Em
algumas situações as perdas de solos por erosão já atingem 150 t/ha.ano. Vale assinalar, nesse
aspecto, que o decréscimo da matéria orgânica no solo de 3,8% para 1,8% reduz a produtividade
agrícola em 25% (Pimentel, 1984). Como conseqüência de processos dessa natureza, novos
investimentos precisam ser canalizados para amenizar a desordem e para a manutenção artificial
da capacidade produtiva dos agroecossistemas. Ou, como diz Odum (1986: 57), “o conserto
contínuo é um dos custos das civilizações de alta energia”.
A mudança da base técnica na agricultura, conduzida com a decidida participação da
pesquisa agrícola e da extensão rural, nos remete para outra questão que hoje se reveste de
fundamental importância: a sustentabilidade ecológica e energética dos agroecossistemas. Vários
estudos (Costa Beber, 1989; Pereira Filho, 1991, entre outros) alertam que os agroecossistemas
especializados requerem maiores quantidades de energia auxiliar por unidade de área, de modo a
se perseguir, no curto prazo, maior produtividade e retorno do capital investido. Isto, todavia, não
garante uma maior eficiência ecológico-energética, mas, ao contrário, acelera o processo entrópico
e a degradação ambiental no médio e longo prazos. As pesquisas efetuadas por Paschoal (1979:
80), por exemplo, indicam que a evolução no consumo de praguicidas químicos mantém relação
com a expansão das monoculturas, ao mesmo tempo em que crescem em número absoluto as
pragas nas principais culturas brasileiras.
Além disso, essa agricultura moderna, alicerçada na especialização exagerada e no uso
abusivo de insumos, não-renováveis, apresenta maior vulnerabilidade às oscilações de preços da
energia no mercado internacional. A difusão de tecnologias intensivas em energias externas aos
estabelecimentos incrementa essa dependência e os riscos econômicos associados à produção.
Os estudos conduzidos por Castanho Filho & Chabariberi (1982) são ilustrativos dessa questão.
Segundo esses autores, o perfil energético da agricultura paulista já pode ser comparado com o de
alguns países desenvolvidos. Ou seja, há uma década atrás cerca de 80% do consumo de energia
no setor agrícola referiam-se a combustíveis fósseis. Sem dúvida, essa constatação sugere a
pesquisa de modelos tecnológicos menos esbanjadores de recursos naturais não-renováveis.
Por outro lado, os agroecossistemas assentados na diversificação de culturas –que abrem
maiores possibilidades de reciclagem energética, de utilização de insumos locais e de valorização
da mão-de-obra rural– e por isso mais adequados à pequena produção familiar, foram pouco
considerados nas políticas de modernização da agricultura. Com a ênfase na especialização,
justificada por ganhos de escala no curto prazo, esqueceram-se os problemas ecológicos daí
advindos. Esqueceu-se que “a redução da biodiversidade desestabiliza o agroecossistema e o
esforço para conservar a estabilidade implica na importação de energia, na degradação ambiental
e no aumento dos custos de produção” (Pereira Filho, 1991).
Hoje, é preciso que se revisem as políticas de pesquisa e de transferência de tecnologias
agropecuárias, partindo-se de uma distinção clara de interesses, características e potencialidades
de cada tipo de público. Nesse contexto parece prudente afirmar-se que a adequação tecnológica
nas pequenas unidades de produção passa, necessariamente, pela valorização das tecnologias
alternativas de menor custo e pelo uso racional dos recursos energéticos locais. Essa busca de um
novo modelo tecnológico para o setor primário dos países do Terceiro Mundo é também defendida
pela FAO. Um dos documentos diz que: “É imprescindível fazer a transição de uma agricultura
fortemente dependente de recursos materiais e financeiros externos aos estabelecimentos
(desenvolvimento exógeno) em direção a uma agricultura baseada em conhecimentos, em
tecnologias apropriadas, na ação protagônica das famílias rurais e no uso dos recursos que elas
possuem no seu próprio meio (desenvolvimento endógeno). Se trata de substituir, até onde seja
possível, os ‘insumos materiais’ por ‘insumos intelectuais’, ou potencializar aqueles por este” (FAO,
1992: 28). Isso ampliaria o leque de oportunidades para aquela maioria da população rural que se
vê seriamente ameaçada pela degradação ambiental, agravada pela pequena extensão das
glebas, marginalidade das terras, pressão demográfica e desamparo dos serviços assistenciais do
Estado.

8
Para finalizar, cabe destacar que os tópicos aqui apresentados, longe de esgotar um tema
tão vasto e complexo, tiveram tão somente o objetivo de alimentar a tese de que a extensão rural
possui um compromisso singular com a sustentabilidade ecológica da pequena produção. Por
conseguinte, a identificação de tecnologias alternativas mais adequadas e a compreensão da
lógica de produção desse extrato de produtores constituem um passo importante para uma nova
forma de atuação da extensão rural. Em suma, o modelo tecnológico gestado para a Revolução
Verde está esgotado e a sua difusão generalizada não pode continuar sendo o paradigma da ação
extensionista. Os ensinamentos de Schumacher (1983: 130) são oportunos para se defender
novos rumos para a tecnificação do campo: “Se o que foi modelado pela tecnologia, e continua
ser, parecer estar doente, seria talvez prudente dar uma olhada na própria tecnologia.”
Entretanto, a questão ambiental não pode ser tratada individualmente. É preciso que se
atente também para a grande diferenciação social havida no setor rural. Embora a extensão rural
não tenha se percebido, e isto se evidencia pelo persistente uso de categorias abstratas e irreais
como “pequenos”, “médios” e “grandes” produtores, houve no campo enormes transformações
sociais, trazendo à tona novos atores, o que precisa ser estudado para se chegar a um
entendimento mais próximo do público que deveria ser prioritário para a atuação extensionista nos
anos que se seguiram ao “milagre econômico”. Tomando como base um estudo de Ivaldo Gehlen,
pode-se melhor visualizar a configuração do quadro da diferenciação social no campo. Segundo o
autor, “Como processo social complexo, a modernização carrega consigo relações conflituosas
envolvendo atores e grupos sociais que constituem forças com diferentes interesses econômicos,
sociais e culturais. Interesses que se articulam como ‘vontades’ políticas e que podem se
expressar num projeto” (Gehlen, 1988: 12).
Diante dessa complexidade para determinar as categorias sociais presentes na agricultura, o
mesmo autor (Gehlen, 1988) empenha-se em mostrar as diferenciações, tomando como base para
sua análise as “classes sociais e relação com a terra”, o que parecer ser uma maneira adequada
no sentido de orientar a extensão rural quanto ao seu público prioritário. Este caminho parece
aproximar-se mais da realidade objetiva. Outros autores, como Sorj & Wilkinson (1983: 169),
apontam que no caso brasileiro o “processo de transformação das relações de produção da
agricultura se tem dado na direção de: i) depurar as relações de produção capitalistas nas grandes
empresas agrícolas; ii) fortalecer um importante setor de produtores familiares capitalizados; e iii)
gerar uma massa de pequenos produtores pauperizados (...)”. Por sua vez, Nakano (1981: 7)
prefere seguir com a certeza de que “existem apenas duas categorias analíticas com conteúdo
teórico bem definido: produtor simples de mercadorias e capitalista (ou empresa capitalista)”.
Sem querer dar conta deste debate teórico, para os fins desta reflexão sobre a extensão
rural e seu público, optou-se por ficar com as categorias propostas por Gehlen (1988), que são
assim constituídas:
a) Terra com fonte de poder:
• oligarquia agrária ou latifundiária
• grandes empresários (banqueiros, industriais, empreiteiros) ou neolatifundiários
b) Terra como fonte de riqueza material:
• burguesia capitalista (+ de 300 ha)
• empresariado rural (no sul chamados granjeiros: com 60 a 300 ha)
• semi-empresariado ou colono-forte (área geralmente inferior a 100 ha)
c) Terra com espaço de trabalho:
• pequenos proprietários, arrendatários, parceiros, ocupantes (com área não superior às
possibilidades de trabalho familiar)
• posseiros e ocupantes (meeiros, chacareiros, etc.)
• assalariados (permanentes, temporários, bóia-frias)
• biscateiros
• marginalizados
Como mostra esta distribuição de categorias sociais, não é mais possível que a extensão
rural e o Estado continuem trabalhando de forma indiferente em relação ao público. Os próprios
esforços e recursos escassos investidos nos serviços públicos exigem que se adote uma direção,

9
que deve, no mínimo, indicar o empenho estatal no sentido de resgatar a dignidade para a maioria
da população rural.
Como explica Gehlen (1988), o primeiro grupo, que tem a “terra como fonte de poder”,
articula-se de maneira a manter privilégios através da sua influência política. É uma minoria muito
rica. Certamente, este grupo social, embora muitas vezes exija a ação da assistência técnica
pública, e eles se fazem representar nos CITEs (Clubes de Integração e Troca de Experiências).
Cooperativas Rurais e Associações Rurais, por exemplo, não precisam do trabalho gratuito do
Estado, até porque, quando buscam por tecnologias, têm condições de pagar serviços privados de
alta qualificação e especificidade.
Quanto ao segundo grupo, o que se tem verificado é que ele procura a extensão rural para
atender suas demandas pontuais. Em geral são os que precisam do técnico na hora de emitir um
receituário agronômico, elaborar um plano de crédito exigido pelo banco, buscar benefícios de
programas especiais desenvolvidos pelos escritórios de extensão rural ou até mesmo para tarefas
clínicas (animais doentes, realização de “toque” para identificar prenhez, identificação de uma
praga ou moléstia desconhecida, serviços de topografia). Mesmo os chamados colonos fortes, na
sua maioria, não tomam iniciativa de buscar a extensão rural. Recebem os técnicos, mas em geral
não seguem as orientações. Normalmente buscam a extensão quando isto possa significar algum
tipo de favorecimento pessoal.
Desta forma, embora não se possa negar a importância do trabalho de assistência técnica
rural para os grupos sociais indicados nos itens a e b, certamente estes não devem constituir o
publico prioritário do serviço público. Ademais, estes agricultores têm maior facilidade de acesso
aos serviços técnicos oferecidos por cooperativas, empresas de assessoria, empresas
integradoras, etc. Por transitarem mais facilmente e com desenvoltura no meio urbano e por terem
mais acesso a informação, são os que estão mais aptos a suprir suas demandas por assistência
técnica, indo em busca das suas necessidades particulares. Resta, pois, para a extensão rural, e
este deve ser o público preferencial dos serviços oferecidos pelo Estado, o terceiro grupo, indicado
no item c, além de alguns segmentos dos colonos fortes. Com o conjunto dos marginalizados,
bóia-frias e assalariados, a extensão rural poderia atuar de maneira a assessorá-los em sua
organização, na busca de suprir necessidades básicas de alimentação e até mesmo prestando
assessoria quanto à legislação vigente ou oferecendo cursos capazes de aprimorar sua formação.
Não se pode esquecer o papel articulador que deve ser desempenhado pela extensão rural
para fazer chegar a este público outros serviços do Estado, tais como alfabetização, distribuição
de alimentos, orientações à saúde e habitação. O caráter assistencialista, que tem orientado a
ação extensionista junto a estes grupos, precisa dar lugar a uma prática social transformadora,
capaz de auxiliar este grande contingente de pessoas pobres que vivem no campo a readquirir sua
esperança. É preciso que o Estado interfira de maneira a fazer com que estas pessoas, que foram
alijadas do processo de crescimento, reencontrem a dignidade, possam se alimentar, ter uma
casa, ganhar salário adequado, garantir acesso à educação para seus filhos, ter direito nos
programas de alfabetização de adultos e nos serviços de saúde, de modo a fazer com que tenham
condições de assegurar sua subsistência e reprodução social. Parece ainda ser tarefa da extensão
rural a articulação com sindicatos e outras organizações governamentais e não governamentais
que igualmente têm este público como sua prioridade, fortalecendo assim a ação destas.
Por outro lado, no grupo indicado na letra c situam-se pequenos proprietários, arrendatários,
parceiros, ocupantes, posseiros e meeiros, que constituem um grupo social em transição. O
avanço do capitalismo no campo faz com que seja necessário que este grupo crie estratégias de
resistência e superação da situação em que vivem. São agricultores autônomos, em sua maioria
descapitalizados, empobrecidos, vivendo da forma de trabalho familiar, muitas vezes buscando no
assalariamento temporário de alguns membros da família os recursos necessários para suprir as
necessidades imediatas. Segundo Gehlen (1988: 20): “As tendências que se apresentam como
alternativa para esses atores sociais são, grosso modo, quatro: a) ascender para a condição de
semi-empresário ou ‘colono forte’ e, talvez, granjeiro; b) descender pela perda parcial ou total da
terra e, neste caso, mudar de estatuto profissional; c) subordinar-se às empresas integradoras, o
que significa praticamente abandonar sua condição de autônomos; d) permanecer na condição,

10
mas criando ou participando de novas estratégias de resistência e de afirmação econômica e
social”.
Para atuar junto a este público e com alguns segmentos dos colonos fortes, o processo
difusionista/inovador da extensão rural, baseado na transferência de tecnologia agropecuária, é
insuficiente. Receitas e pacotes não parecem ser caminhos adequados, até porque estas famílias
não terão as plenas condições de adotá-los. A extensão rural, que sempre optou pelo trabalho com
os segmentos mais aptos a adotar as tecnologias preconizadas, terá que revisar não só o seu
entendimento quanto ao tipo e o papel da tecnologia agropecuária, como, sobretudo, mudar
radicalmente sua forma de atuação, para que possa responder adequadamente às exigências
impostas pela realidade destas famílias rurais empobrecidas. Adicionalmente, deve ficar claro,
desde já, que apenas com o apoio do serviço de extensão rural e assistência técnica do Estado
não se estará assegurando que estes grupos sociais possam superar as dificuldades hoje vividas.
Outras políticas públicas específicas deverão ser buscadas e implementadas com urgência,
sabendo-se que este é o público preferencial do Estado e para ele deve ser dada prioridade.

4 Os grandes desafios da década de 90

Passada a chamada década perdida, os anos 1990 começaram com novas e grandes
decepções para o povo brasileiro. A Constituição de 1988, que trouxe a esperança de conquistas
sociais importantes, continua sem ser regulamentada na maioria dos seus dispositivos. O Governo
Collor, apresentado para a nação como tábua de salvação dos descamisados, acabou se
transformando num pesadelo para as maiorias empobrecidas. O nível de desemprego, no campo e
na cidade, assumiu taxas elevadíssimas, colocando em risco a estabilidade do tecido social. O
êxodo rural continuou, tal como cresceu a concentração da posse da terra. As anunciadas super-
safras não se refletiram em melhorias das condições de vida nem dos trabalhadores do campo,
nem dos assalariados urbanos. A retirada dos subsídios à agricultura (embora ainda se beneficie
de taxas inferiores às praticadas no mercado) desnudou o impasse das empresas rurais, cujas
interpelações junto ao Estado são indicadores claros da sua dificuldade de manter a taxa de lucro
que remunere o seu capital. A retratação dos preços dos produtos agrícolas e a sua enorme
defasagem em relação aos preços dos insumos e máquinas agrícola colocam mais um entrave
para a agricultura capitalista.
Os anos 1990 exigem que se retome o velho debate sobre o modo de produção na
agricultura. Cabe, inclusive, lembrar aqui o que diz Nakano (1981: 10): “Para a produção capitalista
poder coexistir lado a lado com a produção camponesa ou familiar é necessário uma condição
econômica adicional: que produza com produtividade substancialmente maior. Tanto a pequena
produção de subsistência como a moderna produção familiar são regidas internamente por
relações de produção que não requerem, como condição de existência, nem a taxa média de lucro
sobre o capital investido, nem a renda da terra. Apesar de seu caráter plenamente mercantil (mas
não-capitalista), a dinâmica interna destas unidades de produção está voltada para a
sobrevivência e reprodução familiar (ampliada)”. Esta tendência de enfraquecimento da agricultura
capitalista se torna ainda mais evidente quando se observa o crescimento dos mecanismos de
oligopolização no setor agroindustrial a montante e a jusante da atividade agroindustrial. Os
movimentos de reivindicação e de protestos, como os dos usineiros do sudeste/nordeste ou dos
arrozeiros do sul do país, bem como o grau de endividamento deste setores, mostram exatamente
que, sem o aporte de recursos públicos subsidiados, a agricultura capitalista se fragiliza.
Por outro lado, inseridos na esfera mercantil, as unidades de produção familiar sofrem
também com os processos de transferência de renda para os setores agroindustriais, comerciais e
financeiros. Daí porque, para assegurar sua sobrevivência e reprodução ampliada, deverão se
articular política e economicamente com base em novas estratégias e táticas. O uso adequado dos
meios de produção disponíveis –terra e mão-de-obra–, bem como a adoção de tecnologias
apropriadas, de baixo custo, parecem ser um caminho do qual a produção familiar não poderá
fugir. Observe-se que o uso adequado dos meios de produção poderá passar inclusive por formas
organizacionais capazes de maximizar o potencial disponível em um conjunto de unidades

11
familiares de produção. A disputa por bolsões de mercado local e regional, mesmo que para isto
seja necessário organizar-se para colocar em funcionamento pequenas agroindústrias ou
desenvolver a “indústria caseira de alimentos”, também já tem mostrado resultados favoráveis
quanto ao acréscimo da renda das unidades familiares.
Duas outras questões atuais estarão colocadas para o setor agropecuário nestes anos. Em
primeiro lugar destaca-se a problemática ambiental. Especialmente no que tange à pequena
produção, poderá se apresentar um novo mercado, para os chamados produtos naturais, não
contaminados. Esta tendência, já presente em outros países, poderá dar um novo impulso a este
setor. Todavia, cabe ressaltar que, em geral, dadas as condições históricas, o nível de degradação
ambiental das unidades familiares, seja em razão da sua localização geográfica, seja em razão do
uso intensivo da terra, exigirão um grande esforço de recuperação e conservação dos recursos
naturais. Os ensinamentos da Agroecologia ou da agricultura orgâno-científica, aliados às práticas
mecânicas adequadas a realidade, poderão se tornar necessidades inadiáveis. O outro aspecto de
fundamental importância para a desejada superação dos atuais níveis de dificuldades da pequena
produção diz respeito ao seu acesso ou não aos novos processos e produtos oferecidos a partir da
biotecnologia. A possibilidade de se apropriar de novos produtos e processos poderá significar, em
muitos casos, o passo decisório para vencer os limites impostos pela pequena área de terra
disponível, pouco capital ou escassez de mão-de-obra. A tendência de se criar regras de
patenteamento inadequadas aos interesses nacionais, entretanto, poderá, pelos elevados custos e
acesso seletivo, inviabilizar o seu uso pelas unidades familiares. Esta é uma questão aberta para o
debate que não pode ser esgotada neste trabalho7.
A década de 1990 e, possivelmente, os primeiros anos do próximo século, não apontam para
grandes transformações. Os desafios que temos hoje deverão ser os desafios que deveremos
enfrentar no futuro próximo. Assim, cabe à extensão rural redefinir-se face a esta realidade,
inclusive tendo presente a falta de política agrícola e, pior, a absoluta carência de uma política de
desenvolvimento rural orientada desde o Estado.

5 Por uma Nova Extensão Rural

Duas referências básicas precisam ser tomadas para se propor uma nova Extensão Rural. A
primeira diz respeito à crise do modelo de desenvolvimento imposto ao setor rural, cujo
desempenho prático mostrou-se frágil diante da realidade, excludente e concentrador de renda e
da terra, além de ter sido responsável por uma enorme degradação ambiental. A segunda
referência é quanto a própria extensão rural. Adaptada que foi ao modelo, a extensão tradicional
tornou-se insuficiente diante do quadro econômico-social dele conseqüente. Como diz Mussoi
(1993: 5): “O modelo foi (é) elitista e excludente. A reafirmação do modelo, mesmo com ‘novas
roupagens’ (travestido como neo-liberalismo), tende a agudizar a crise social. Um novo paradigma
de desenvolvimento deve ser pensado e debatido com a sociedade. Um paradigma que resgate a
enorme dívida social que se tem com a população brasileira (tanto rural como urbana), que para
ser alcançado depende de uma nova visão política, onde a transparência e a participação popular
sejam efetivas”.
Certamente, a Extensão Rural pode vir a ser um dos instrumentos para a construção deste
novo paradigma, capaz de abrir espaços para a construção/reconstrução da cidadania da maioria
do povo brasileiro. Apesar dos limites impostos ao aparelho de extensão rural pelo próprio Estado
e governos aos quais responde (Caporal, 1991), a extensão construiu, no passado mais recente,
um conjunto de espaços na esfera pública, capazes de permitir mudanças significativas em seu
que-fazer. Se não por outras razões, as entidades de extensão rural e assistência técnica da

7
A microeletrônica que, segundo Graziano da Silva (1988: 66), seria a única “nova tecnologia no
horizonte que pode criar um novo paradigma”, certamente está ainda distante sob o ponto de vista de sua
generalização na agricultura. Mais próxima e já disponível a alguns agricultores familiares, através das suas
organizações ou das instituições do Estado, a informática poderá se tornar um instrumento muito útil, no
curto prazo, especialmente como auxiliar para as tomadas de decisão.

12
esfera pública ocupam hoje posição de destaque entre as instituições do Estado, quer por sua
disciplina, pelo esforço de seus técnicos, pelo emprenho no sentido de bem gerir os recursos
públicos, pela transparência e, mais, pela abertura que tem se operado nos últimos anos face às
demandas dos movimentos sociais.
Não menos importante, para dar sustentação a possíveis mudanças, é o fato de ter a
extensão rural construído, ao longo de sua história, um certo grau de aderência aos chamados
pequenos agricultores, os quais aparecem como centro das preocupações da extensão rural
desde o repensar realizado nos anos 1980. Na EMATER/RS, por exemplo, o documento oficial
gerado a partir do debate amplo com a sociedade, realizado em 1986/87, aponta como objetivo da
Empresa: “Participar no processo de desenvolvimento rural através de uma metodologia de
educação não formal participativa, e da organização da população rural, prioritariamente junto aos
pequenos e médios agricultores rurais sem-terra e suas famílias, assentados nos projetos de
reforma agrária, tendo como base a sua realidade, visando a elevação do nível sócio-econômico,
cultural, político, tecnológico e a preservação do meio em que vivem” (EMATER/RS, 1987: 9). Nas
diretrizes quanto ao público, além de reafirmar a prioridade aos pequenos, o documento assevera:
“O latifúndio e a Empresa Rural não são público preferencial da Extensão Rural (...). Poderá a
Extensão Rural eventualmente, e não caracterizando assistência técnica individual, atendê-los
desde que isto não represente o comprometimento do objetivo de dar prioridade no atendimento
ao pequeno produtor” (EMATER/RS, 1987: 12) (grifo nosso). Logo, há, de certa forma permeando
o discurso extensionista, uma indicação explícita quanto ao desejo de direcionar o trabalho para o
“pequeno”.
Todavia, por não ter dado os instrumentos metodológicos necessários aos extensionistas,
bem como pela falta de decisão política clara quanto a adoção das diretrizes do repensar, a
extensão ampliou nos últimos anos a distância entre o seu discurso e a sua prática. Embora
trabalhando “prioritariamente com o pequeno agricultor”, a extensão rural deu preferência ao
conjunto dos mais abertos para aceitar inovações e mais aptos para adotá-las. Não se consolidou
o pedido enfático do ex-presidente da EMBRATER, Romeu Padilha de Figueiredo, que queria a
extensão rural trabalhando junto e ao lado dos mais pobres do campo, dos que foram deixados à
margem do processo gerado pelo modelo econômico.
Esta é, pois, a primeira e grande tarefa para a construção da nova extensão rural. Definir-se
claramente quanto ao seu público que, como já foi dito, deveria ser constituído por aqueles que
exploram suas unidades de produção com força de trabalho familiar, com ou sem terra,
assalariados, bóia-frias, marginalizados do campo. Esta opção deve vir acompanhada de uma
verdadeira vontade para defender os “interesses de classe” deste grupo social, pois só assim
poderão os extensionistas se colocar ao lado de seus assistidos. Outra grande e fundamental
mudança que se exige para a construção de uma nova extensão rural diz respeito as suas bases
teóricas e conceituais. Para que a extensão rural venha a contribuir no sentido do resgate da
cidadania e da dívida social que tem a nação com as maiorias subalternas do campo, é necessário
que seja revista sua compreensão quanto ao “processo educativo”, quanto à “comunicação” e, por
conseqüência, com relação a metodologia do trabalho dos extensionistas.
Historicamente, a extensão rural lançou mão do elenco teórico da Pedagogia Liberal,
basicamente das orientações das Escolas Tradicional e Tecnicista de educação. Em alguns
momentos transitou por caminhos da Escola Nova e da Teoria do Capital Humano, tendo
incorporado ao seu discurso dos anos 1980 as bases da Educação Libertadora. Entretanto, como
mostrou Silva (1992), a teoria da escola de educação libertadora não se incorporou à prática dos
extensionistas, os quais manifestam-se confusos quanto a linha pedagógica que seguem. A opção
decisiva pela Educação Libertadora, subsidiada por aportes de outras escolas de Pedagogia
Progressista8, é a segunda exigência que se faz à nova extensão rural. Com ela, passará a ter um
novo enfoque o próprio entendimento da comunicação rural e de prática social. As tradições
positivista, funcionalistas ou mesmo o sistemismo, que caracterizam a visão do mundo dos

8
Ver Silva (1993). Em sua Dissertação de Mestrado, o autor classifica as teorias pedagógicas em dois
grupos: Pedagogia Liberal e Pedagogia Progressista.

13
extensionistas e orientaram a sua prática, seriam rompidos a partir do momento em que uma
política formal na linha da educação libertadora passasse a dar o rumo nos processos de
capacitação e formação dos extensionistas. Sem dúvidas, a comunicação vertical e utilitarista
passaria por uma revisão no sentido de se tornar um processo dialógico, capaz de respeitar os
conhecimento e saberes dos sujeitos envolvidos.
O que a Extensão Rural não fez nos anos 1980 deverá operar para assegurar-se nova:
mudar radicalmente sua metodologia. Os tradicionais “métodos de extensão” desenvolvidos para
dar conta dos processos que levam à adoção de tecnologias que, em geral, caracterizam-se por
colocar o extensionista numa posição de dominador e os agricultores numa posição de dominados,
deverão dar lugar a uma nova postura metodológica. Técnicas como o “esquema do arco”,
pesquisa-ação, pesquisa-participante e outras que se baseiam no estudo da realidade, na
participação, no diálogo, na problematização, deverão ocupar o lugar do velho. A nova extensão
rural, para dar conta dos desafios postos pela realidade, precisa abrir-se à interferência do seu
público, voltar-se para suas demandas objetivas, reconstruir-se como instrumento das classes
subordinadas. A extensão rural exigida pela realidade sócio-econômica, política e cultural precisa,
pois, de grandes mudanças. Como lembra o documento da FAO (1992: 27), a generalização do
modelo atual de modernização é inviável: “(...) atualmente, não se consegue oferecer reais
oportunidades de modernização da agricultura a 10 por cento dos agricultores, em circunstâncias
de que, em coerência com a orientação do crescimento com eqüidade, se deveria oferece-las a
100 por cento deles (...). Na atual situação de crise dos países e da orientação neoliberal que
estão adotando, é praticamente impossível levar isto a cabo.”
Logo, além do aporte de tecnologias apropriadas, será necessário um esforço redobrado da
extensão rural no sentido da organização dos agricultores beneficiários e no apoio à formação
integral de toda a família, de maneira a potencializar suas capacidades criativas e de intervenção
na realidade, em busca de solução para os seus próprios problemas. O extensionista deverá
passar a entender o público como sujeito da história, respeitando e potencializando sua cultura e
seus conhecimentos, favorecendo a ação participativa do grupo familiar e da comunidade, em
detrimento ao paternalismo e às soluções prontas. Ao contrário do modelo problem-solving,
característico dos planos e projetos extensionistas, a nova extensão rural precisará fortalecer
estratégias de valorização e uso adequado dos recursos naturais disponíveis e do potencial
humano envolvido, de maneira a favorecer soluções endógenas mais adequadas, de menor custo
e sustentáveis sob o ponto de vista econômico e ambiental. A herança deixada, de que a Extensão
Rural sempre tem uma solução pontual para cada problema identificado, tem gerado nos
extensionistas uma sensação de impotência no momento em que se deparam com situações-
problemas cujas soluções escapam de seus referenciais tecnológicos. Metodologias capazes de
assegurar a participação e a ação organizada das famílias rurais, que permitam melhor
compreensão das causas dos problemas, o entendimento das conseqüências destas no processo
de desenvolvimento, bem como a possibilidade dialética de partir do concreto para o abstrato,
voltando à prática e à reflexão, deverão ser os instrumentos que darão o formato para a atuação
extensionista.

6 Considerações finais

A difusão dos pacotes tecnológicos engendrados nos países industrializados não mostrou,
até agora, ter sido a melhor estratégia para tirar a agricultura brasileira do subdesenvolvimento. A
atual dependência do setor agrícola por máquinas, equipamentos e insumos, intensivos em capital
e energia, aliada a uma maior subordinação aos grandes grupos industriais –fornecedores de
insumos e compradores/processadores da produção–, se faz sentir não somente naqueles setores
já modernizados, mas também nas unidades familiares de produção. Continuar a difusão deste
modelo, que privilegia o uso de recursos naturais não-renováveis, especialmente o petróleo, e que
desemprega a crescente força de trabalho do meio rural, é de fato pouco promissor. A competição
pela energia não-renovável, que se verifica a nível mundial, é um dos indicadores de que a
agricultura do petróleo não poderá ser estendida a totalidade dos agricultores de um país terceiro-

14
mundista, como é o caso do Brasil. Os dados apresentados por Tiezzi (1986: 66) são
esclarecedores da questão acima mencionada. Ou seja, atualmente, 6% da população mundial
consomem 1/3 dos recursos naturais. Em boa lógica matemática, para se manter o referido nível
de consumo, com os 2/3 de recursos restantes poderiam ser atendidos outros 12% da população,
totalizando 18%. Então, conforme o mesmo autor, os demais 82% da população ficariam fadados
a miséria absoluta. Com efeito, o paradigma tecnológico da Revolução Verde, que ainda norteia as
ações da extensão rural, deverá dar lugar a um modelo mais flexível, menos agressivo ao meio
ambiente e menos excludente economicamente, capaz de auxiliar na resolução dos grandes
problemas sociais ainda presentes no meio rural.
Cabe assinalar que, em 1979, na Conferência Mundial sobre Reforma Agrária e
Desenvolvimento Rural, promovida pela FAO, já “(...) se atribuía especial ênfase ao crescimento
com equidade e a mitigação da pobreza, a necessidade da participação de uma elevada proporção
da população rural (...) que haviam sido passados por alto e não se haviam beneficiado dos
anteriores esforços de desenvolvimento” (Maalouf, 1991: 202). Passados quase 15 anos desde
aquela conferência, percebe-se, no caso brasileiro, que a crítica ao modelo de desenvolvimento
excludente para a agricultura permanece tão atual como se tivéssemos perdido mais de uma
década de trabalho. Mais do que isso, as oportunidades para que um grande número de unidades
familiares de produção possa sair do subdesenvolvimento parecem ser cada vez mais escassas, o
que é mostrado pela agudização das contradições do processo de tecnificação imposto ao campo.
Nesse contexto, a resolução dos problemas mais prementes do público assistido pela
extensão rural não passa somente por um bom difusor, como se apregoava no passado, mas
pressupõe ações mais democráticas, dialógicas e participativas, capazes de tornar claro como e
em que momento a família rural poderá auferir ganhos econômicos e sociais, fruto das inovações e
da reorganização do processo produtivo. Ou, como ensinam Quesada et al. (1991: 25): “A questão
que se coloca não pode ser se vale a pena ou não adotar as novas tecnologias, mas, sim, sob que
condições elas devem ser adotadas e quais mecanismos garantirão que todos delas usufruam”. E
mais, é necessário que se identifiquem tecnologias mais adequadas aos sistemas de produção
das unidades familiares.
O esgotamento do modelo de crescimento imposto ao campo, via transformação da base
técnica da agricultura, está a exigir, pois, que a extensão rural busque novos caminhos para
tornar-se socialmente útil. Embora trabalhando prioritariamente com o pequeno agricultor, a
extensão rural, historicamente, tem dado preferência àqueles mais abertos para aceitar e mais
aptos para adotar as inovações tecnológicas. A construção da nova extensão rural, no entanto,
requer uma opção clara e decidida em favor dos mais pobres do campo. Nesse aspecto, aliás, é
oportuno mencionar algumas projeções efetuadas por Hayward (1991: 154), assessor agrícola do
Banco Mundial. Conforme esse autor, no futuro as iniciativas privadas organizar-se-ão para
atender a agricultura mais rentável, cabendo aos serviços de extensão rural governamentais os
aspectos mais comprometidos com a redução da pobreza, com a utilização de terras marginais e
com a proteção ao meio ambiente. Por sua vez, o presidente da CNA – Confederação Nacional da
Agricultura, durante o Seminário de Extensão Rural da Região Sul/Sudeste, em Vitória (ES), dia
12/04/93, disse que a extensão rural pública deve preparar-se para assistir os pequenos
produtores: “Não dá mais para fazer extensão rural estatal para médio e grande produtor”, afirmou.
A atenção justamente para a parcela rural mais pobre talvez constituirá o mais sério desafio a ser
enfrentado pela nova extensão rural nos anos 1990. Apoiar o desenvolvimento rural, em todas as
suas particularidades, subentende, pois, o comprometimento com aqueles setores que até agora
ficaram à margem do processo de crescimento econômico.
Para finalizar, é preciso dizer que a extensão rural não poderá avançar para esses novos
compromissos se não revolucionar suas bases teórico-conceituais e seus referenciais
metodológicos. Conforme já mencionado neste estudo, a opção decisiva pela Educação
Libertadora, subsidiada de outras escolas pedagógicas progressistas, constitui uma exigência para
que a extensão rural se mostre realmente nova, no sentido de contribuir para o resgate da
cidadania e da dívida social que tem a Nação com as maiorias subalternas do campo.

15
Capítulo 2

TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA: DO PRODUTIVISMO À ECOLOGIZAÇÃO1

José Antônio Costabeber

Neste capítulo serão analisados os elementos fundamentais do processo de transição


agroecológica. Estas análises são realizadas sob uma perspectiva geral, com o objetivo de dispor-
se de elementos suficientes para compreender o modo com que dito processo se manifesta na
agricultura familiar do Rio Grande do Sul.
O capítulo inicia com um primeiro item, no qual se analisam os traços característicos do
paradigma produtivista e suas crises tanto ecológica como social. Num segundo item se analisa a
emergência do paradigma da sustentabilidade como resposta à crise do produtivismo e como
forma integradora de distintas perspectivas (econômica, política, social, ambiental). Finalmente,
num terceiro item são expostos os elementos característicos do processo de ecologização da
agricultura, como forma concreta na qual se manifesta a transição agroecológica, ao ir
estendendo-se entre diversos estratos de agricultores novos estilos de agricultura orientados a um
uso mais equilibrado dos recursos naturais.

1 A hegemonia do paradigma produtivista

1.1 A revolução verde e seu estado de “crise”

Nos últimos cem anos da historia agrária se pode fazer referência a duas transições
agroecológicas em grande escala. Buttel considera que a primeira delas teve uns começos
balbuciantes na Europa e na América do Norte no final do século XIX e se estendeu até a metade
do presente século. Nessa transição se passou de umas agriculturas de “criação autóctone a
outras que cabe caracterizar no sentido amplo como agriculturas da Revolução Verde”. A segunda
transição agroecológica tem como essência um processo de “ecologização” da agricultura, e
acaba de começar2.
A primeira transição agroecológica supôs o declínio da influência das forças biofísicas na
determinação das práticas agrárias e o começo de uma fase na qual um reduzido número de
tecnologias genéricas fizeram possível uma significativa homogeneização das agriculturas
mundiais3. Além disso, a Revolução Verde –que representa precisamente a culminação desta
primeira transição– tem sido tradicionalmente associada à difusão internacional das chamadas
variedades de alto rendimento, a partir da Segunda Guerra Mundial. A principal realização
científica que deu suporte a esse processo foi a difusão de técnicas de criação de plantas
desenvolvidas na agricultura de clima temperado para as condições ambientais de regiões
tropicais e subtropicais. “Os altos rendimentos e as variedades de culturas positivamente sensíveis
ao uso de fertilizantes constituem a inovação central da ‘Revolução Verde’, principal veículo para a
transformação da agricultura do Terceiro Mundo por parte dos capitais agroindustriais

1
Referente ao Capítulo III da Tese Doutorado de Costabeber, J. A. (1998): Acción colectiva y
procesos de transición agroecológica en Rio Grande do Sul, Brasil. Programa de Doctorado en
Agroecología, Campesinado e Historia. Instituto de Sociología y Estudios Campesinos. Universidad de
Córdoba (España); 422 páginas, realizada sob a orientação do Prof. Eduardo Moyano Estrada e com o apoio
institucional da EMATER/RS-ASCAR e do CNPq.
2
Cf. Buttel, F. H. (1995): “Transiciones agroecológicas en el siglo XX: análisis preliminar”. Em:
Agricultura y Sociedad, nº 74, ene.mar./1995; pp. 9-37; p. 10.
3
Cf. Buttel (1995): “Transiciones agroecológicas ...”; op. cit. p. 10-11.
multinacionais”4. Não obstante, as bases teórica e prática para este desenvolvimento já estavam
estabelecidas desde o inicio do século XX, especialmente a partir da utilização de técnicas de
hibridação em sementes de milho nos Estados Unidos5.
O caso do milho híbrido nos Estados Unidos resulta paradigmático de como as inovações
genéticas hão sido tão rapidamente incorporadas aos avanços químicos e mecânicos para a
revolução tecnológica no campo. A utilização de variedades híbridas contribuiu de modo
significativo para a interrupção da tendência declinante da produtividade física acontecida no final
do século passado e inicio do século XX, e exerceu um importante “papel catalisador” na expansão
dos mercados de fertilizantes e produtos químicos para a proteção fitossanitária. Ademais, a
criação de plantas com características especiais minimizou as perdas em colheitas mecanizadas e
abriu caminho à mecanização completa do cultivo6.
Os avanços na genética vegetal foram, pois, acompanhados também de novas tecnologias
químicas e mecânicas, criando maiores oportunidades para que a agricultura incorporasse
crescentemente em sua base técnica os insumos produzidos industrialmente. “Todos os setores
agroindustriais, o de maquinaria agrícola, o químico e o de processamento, foram forçados a
adaptar suas estratégias de crescimento com o objetivo de incorporar as oportunidades
revolucionárias criadas pelas sementes híbridas e pela nova genética das plantas (...). A tendência
dominante tem sido a convergência das inovações mecânicas, químicas e genéticas para formar
um ‘pacote’ tecnológico complementar e de integração crescente, que incorpora tanto o processo
de trabalho como o processo natural de produção”. Como observam David Goodman e seus
colaboradores, a Revolução Verde –em seu intento persistente de controlar e modificar os
processos biológicos na agricultura–, “marca uma maior homogeneização do processo de
produção agrícola em torno a um conjunto compartilhado de práticas agronômicas e de insumos
industriais genéricos”7. O desenvolvimento e a aplicação dessas tecnologias genéricas permitiram,
pois, a superação relativa da variabilidade agroecológica local, até então determinante em grande
medida dos sistemas e formas de produção das agriculturas tradicionais.
Goodman e seus colegas se referem à ação empreendida pelos capitais industriais com o
objetivo de reduzir a importância da natureza na produção rural, especificamente como uma força
alheia à sua direção e controle. Designam com o termo apropriacionismo a este “processo
descontínuo, porém persistente, de eliminação de elementos discretos da produção agrícola, sua
transformação em atividades agrícolas e sua reincorporação na agricultura sob a forma de
insumos”. Neste processo diferentes aspectos da produção agrícola são transformados em setores
específicos da produção industrial. Como observam estes autores, “embora o apropriacionismo
tenha produzido mudanças nas características genéticas de organismos vivos através de técnicas
de hibridação, os processos biológicos subjacentes à produção rural continuaram sendo
determinados fundamentalmente por condições ambientais com base na terra”8.
Disto resulta que uma das características mais notáveis do desenvolvimento agrário deste
século “tem sido a cristalização de uma visão das novas tecnologias como uma força

4
Cf. Goodman, D.; Sorj, B.; Wilkinson, J. (1990): Da lavoura às biotecnologias: agricultura e
industria no sistema internacional. Rio de Janeiro: Editora Campus; p. 26-27 e 32.
5
Embora as técnicas de hibridação em milho já estavam dominadas e aplicadas em escala comercial
desde o inicio do século, a difusão em grande escala de variedades de cultivos de alto rendimento em
países do Terceiro Mundo foi facilitada grandemente pela instalação dos chamados Centros Internacionais
de Investigação Agrícola, tais como o CIMMYT (México) e o IRRI (Filipinas). Todo este trabalho contou com
o apoio técnico e operacional de institutos e agências subsidiadas por governos e instituições internacionais
de desenvolvimento. Uma boa síntese sobre as atividades da rede internacional de investigação agrícola
(CGIAR) e sua vinculação com as propostas e desafios de uma agricultura orientada à sustentabilidade,
pode ser vista em García-Ramos, F. J. (1995): “El sistema internacional de investigación agraria y el reto de
la agricultura sostenible”. Em: Cadenas Marín, A. (ed.): Agricultura y desarrollo sostenible. Madrid:
MAPA; pp. 329-360.
6
Cf. Goodman et al. (1990): Da lavoura às biotecnologias ...; op. cit. p. 32-33.
7
Cf. Goodman et al. (1990): Da lavoura às biotecnologias ...; op. cit. p. 26 e 34.
8
Cf. Goodman et al. (1990): Da lavoura às biotecnologias ...; op. cit. p. 1, 3 e 8.

18
revolucionária que em principio, se não na prática, é essencialmente autônoma a respeito da
sociedade (...). A tecnologia agrária, sob este ponto de vista, gira em torno a um pequeno grupo de
inovações que revolucionam a produção em grandes zonas”. Além disso, durante o auge do
projeto desenvolvimentista da Revolução Verde, a meados do século, havia uma concepção,
compartilhada, tanto pelos defensores como pelos detratores da trajetória de modernização, de
que “o avanço da tecnologia agrária [era] em grande medida independente da sociedade”. A
tecnologia era considerada, pois, como uma força relativamente autônoma, “cujas bases se
assentam nas próprias instituições de investigação científica”. Ou seja, seriam as decisões, as
atividades e os produtos tecnológicos de um reduzido grupo de cientistas as que desempenham
um papel relevante na configuração da estrutura e a produtividade das sociedades rurais9.
Buttel se refere a “idade dourada” da pesquisa agrícola estadunidense em sua fase “normal”
e base ideológica. Havia, segundo este autor, uma ideologia produtivista dominante: “a doutrina de
que produção aumentada é, intrinsecamente, socialmente desejável e de que todas as partes se
beneficiam de um produto aumentado”. Esta ideologia produtivista era eficaz, por uma parte, em
proporcionar um sentido compartilhado de propósitos entre os atores sociais da comunidade
(cientistas, formuladores de políticas para agricultura, organizações de agricultores,
agroindustriais) e enfatizava os benefícios coletivos das novas tecnologias; por outra parte, e ao
mesmo tempo, implicitamente ocultava o modo de distribuição dos benefícios e custos sociais da
mudança tecnológica10.
Sem o propósito de proceder uma avaliação crítica dos resultados da aplicação do modelo
tecnológico agroquímico nas últimas décadas, basta assinalar que, de modo geral, há uma visão
bastante negativa de suas causas e efeitos, especialmente no que se refere as alterações
ambientais e implicações sociais que tem causado. No contexto dos países industrializados, onde
a generalização da agricultura industrial tem sido mais intensa, algumas das críticas consideram
que “os indubitáveis êxitos alcançados pelas tecnologias agroindustriais no reduzido terreno das
melhorias de produtividade já não podem ser considerados como uma justificativa suficiente para a
continuidade de seu uso”11.
No contexto de alguns países do Terceiro Mundo, não se pode negar o enorme impacto que
teve a Revolução Verde, principalmente quando se considera o incremento da produção e
produtividade de importantes cereais (milho, trigo e arroz, por exemplo). Apesar disso, também
sobrelevou os problemas da equidade e os fracassos para alcançar a estabilidade e a
sustentabilidade da produção. Além disso, as experiências sugerem que existem importantes
limites para reproduzir o êxito dos tradicionais pacotes tecnológicos da Revolução Verde em áreas
agrícolas mais marginais, ao mesmo tempo em que já há sinais de diminuição nos rendimentos
das sementes melhoradas e da produção intensiva de altos insumos12. Michael Redclift, valendo-
se de dados de produção de vários países da Ásia e América Latina, argumenta que –apesar da
espetacular melhoria dos rendimentos agrícolas e da produção de cereais durante a década de

9
Cf. Buttel (1995): “Transiciones agroecológicas ...”; op. cit. p. 20-22.
10
Cf. Buttel, F. H. (1993): “Ideologia e tecnologia agrícolas no final do século XX: biotecnologia como
símbolo e substância”. Em: Ensaios FEE, Porto Alegre, vol. 1, nº 14; pp. 303-322; p. 306. A título de
exemplo, nos Estados Unidos a utilização de inseticidas químicos se multiplicou por doze entre 1945 e 1977,
se bem neste mesmo período as perdas ocasionadas por insetos quase se duplicaram, e as perdas por esta
causa foram similares às dos demais países. Cf. Perkins (1984) citado por Lowe, P.; Marsden, T.; y
Whatmore, S. (1993): “Introducción”. Em: Lowe, P.; Marsden, T.; y Whatmore, S. (coords.): Cambio
tecnológico y medio ambiente rural (procesos e reestructuraciones rurales). Madrid: MAPA, Serie
Estudios; pp. 17-27; p 22.
11
Cf. Munton, R.; Marsden, T.; y Whatmore, S. (1993): “El cambio tecnológico en una época de ajuste
agrario”. Em: Lowe et al. (coords.): Cambio tecnológico y medio ambiente rural ...; op. cit. pp. 179-215; p.
181.
12
Cf. Conway, G. R. & Barbier, E. D. (1990): After the green revolution: sustainable agriculture for
development. London: Earthscan; p. 11 e 22.

19
1970 e início dos anos 1980–, a partir do ano 1984 a situação tem sido muito distinta: “O impulso
dos primeiros anos da Revolução Verde desapareceu e se estabilizou a produção”13.
Atualmente, alguns analistas consideram razoável afirmar que os grandes incrementos na
produtividade agrícola ocorridos no pós-guerra não voltarão a ocorrer no caso de que se
mantenham as mesmas bases tecnológicas que caracterizaram a Revolução Verde14. Haveria que
considerar, por outra parte, que há na agricultura uma tendência predominante que consolida uma
espiral interminável na qual ciclos consecutivos de inovações, necessários para manter a
acumulação de capital, são repetidamente aclamados como solução a problemas surgidos em
parte desde ciclos anteriores. Assim, apesar de que o câmbio tecnológico do pós-guerra haja sido
um fator destacado da superprodução (no contexto dos países desenvolvidos) e dos problemas
ambientais da agricultura, segue-se anunciando novas tecnologias como se fossem a panacéia e
como se –aparte de seus múltiplos benefícios– não comportassem também seus próprios riscos
particulares, conseqüências indesejáveis e potencial perturbador15.
Desde esta perspectiva, uma das características fundamentais da agricultura no marco do
sistema capitalista de produção –enquanto atividade atomizada e aberta à competição– tem sido
atribuída à sua tendência e necessidade de incorporar continuamente inovações tecnológicas ao
processo produtivo, com o objetivo de reduzir os custos de produção e, por conseguinte, aumentar
as margens de rentabilidade econômica. As explicações deste processo de câmbio tecnológico
pelos sociólogos rurais têm sido bastante influenciadas pela teoria do treadmill of technology –a
“espiral tecnológica”–, desenvolvida pelo economista agrícola Willard Cochrane a meados do
século16.
Em essência, a teoria de Cochrane está construída em base a observações sobre o
processo de difusão-adoção de inovações e sugere que os agricultores inovadores desfrutam
vantagens econômicas de curto prazo –as “rendas de inovadores”– proporcionadas pela adoção
de novas técnicas e métodos de produção, em função de sua capacidade para reduzir a média dos
custos por unidade de produção. A utilização das novas tecnologias por inovadores e adotadores
precoces costuma originar um aumento da produtividade e da produção agregada de uma
determinada mercadoria beneficiada pelo progresso técnico, enquanto o preço de dita mercadoria
tende a declinar proporcionalmente devido a baixa elasticidade de demanda que costumam
apresentar os produtos agrícolas. Isso significa perdas econômicas para aqueles agricultores não
adotadores que, para manter seus níveis de renda, se vêem obrigados a acompanhar as mesmas
estratégias utilizadas por seus competidores –os inovadores e adotadores precoces.
Assim que, em palavras de Cochrane, “A posição do retardado [que fica para trás], que não
deseja ou não pode adotar as novas tecnologias, é trágica. O agricultor que pertence a uma seita
religiosa que não permite o desenvolvimento tecnológico, o velho ou o jovem agricultor que não
podem afrontar o custo inicial da tecnologia ou prática de produção, ou o tipo preguiçoso que

13
Cf. Redclift, M. (1993): “La función de la tecnología agraria en el desarrollo sostenible”. Em: Lowe et
al. (coords.): Cambio tecnológico y medio ambiente rural ...; op. cit. pp. 143-178; p. 167.
14
Cf. Winkelmann, D. L. (1993): “La Revolución Verde: sus orígenes, repercusiones, críticas y
evolución”. Em: Cubero, J. I. y Moreno, M. T. (coords.): La agricultura del siglo XXI. Madrid: Ediciones
Mundi-Prensa; pp. 35-45; p. 42.
15
Cf. Lowe, P. (1992): “Industrial agriculture and environmental regulation: a new agenda for rural
sociology”. Em: Sociologia Ruralis, vol. XXXII, nº 1; pp. 4-10; p. 8.
16
Cochrane, W. W. (1958): Farm prices. Minneapolis: University of Minnesota Press. Citado por
Buttel, F. H.; Larson, Olaf F.; & Gillespie Jr., G. W.(1990): The sociology of agriculture. Connecticut:
Greenwood Press. Nas traduções ao castelhano, “treadmill of technology” tem aparecido como “rueda
tecnológica de molino”, especialmente em Lowe et al. (coords.) (1993): Cambio tecnológico y medio
ambiente rural ...; op. cit.; e “espiral tecnológica”. Optamos por esta última tradução, utilizada recentemente
por Izcara Palacios, S. P. (1997): Modernización de la agricultura española y contaminación de las
aguas en relación con la aplicación de la política medioambiental de la Unión Europea. Departamento
de Ecología Humana y Población. Universidad Complutense de Madrid (Tesis Doctoral). As considerações
sobre a teoria da “espiral tecnológica”, a seguir, estão apoiadas sobretudo nos trabalhos de Buttel (1990, p.
129-130) e Izcara Palacios (1997, p. 28-38), recém mencionados.

20
prefere ir pescar, vêem como suas rendas diminuem. O preço relativo do produto cai na medida
em que uma técnica após outra é adotada nas explorações, porém os custos de produção não se
reduzem. Então, o agricultor que não adota as novas tecnologias e práticas se encontra cada vez
mais comprimido. O avanço tecnológico agrícola se converte para ele em um pesadelo”17.
Como dissemos, após o declínio dos preços dos produtos agrícolas provocado pelo
progresso técnico, aqueles agricultores não adotadores se verão forçados a usar a nova tecnologia
para também reduzir seus custos de produção. Entretanto, estes adotadores obtêm ganhos muito
pequenos da nova tecnologia: eles a adotam meramente para poder permanecer na atividade. Os
adotadores tardios e os não adotadores, por sua vez, serão forçados a abandonar a agricultura,
porque não são capazes de competir no mercado devido aos seus altos custos médios de
produção18.
Com efeito, como põem de manifesto Munton e seus colegas, “na medida em que se
desenvolvem as forças competitivas associadas com o processo de mudança tecnológica, o setor
agrícola em seu conjunto recebe uns benefícios econômicos cada vez mais escassos”,
determinando que a maior parte dos ganhos fique limitada aos investidores do setor industrial e a
um seleto e pequeno grupo de agricultores. Além disso, a espiral tecnológica “prima a adoção
generalizada de tecnologias intensivas em capital, que em geral não podem ser abandonadas
bruscamente ou sem pagar uma penalidade, devido a seu caracter global, de seu dilatado
horizonte de planificação e da dependência que resulta a sua crescente sofisticação”19. Em suma,
Cochrane vê o processo de câmbio tecnológico na agricultura como uma espiral, onde a grande
maioria dos agricultores é forçada a inovar continuamente em troca de receber pouco ou nenhum
beneficio das novas tecnologias20.
As biotecnologias, como exemplo concreto das novas e revolucionárias tecnologias deste
final de século, têm sido apresentadas como potencialmente capazes de solucionar os principais
problemas ecológicos derivados da aplicação dos critérios operativos do paradigma produtivista
convencional. Isto é, há uma visão positiva de que as biotecnologias agrícolas seriam mais limpas
que suas antecessoras “agroquímicas” ao possibilitar, por exemplo, a obtenção da resistência
biológica de cultivos a problemas de pragas e doenças. Por outra parte, e sob uma perspectiva
menos otimista, os conhecimentos biotecnológicos poderiam ser usados para a obtenção de
cultivos resistentes aos agroquímicos, mantendo assim a dependência da agricultura em relação a
produtos comerciais potencialmente daninhos ao meio ambiente. Neste caso, antes de representar

17
Cf. Cochrane, W. W. (1964): Farm prices: myth and reality. Minneapolis: University of Minnesota
Press; p. 97. Citado por Izcara Palacios (1997): Modernización de la agricultura española y
contaminación ...; op. cit. P. 30.
18
Não obstante, haveria que objetar que –se bem as inovações costumam ser introduzidas com a
finalidade de diminuir os custos de produção–, nos últimos anos têm levado a um aumento relativo destes
custos como porcentagem da renda agrícola. Na agricultura dos Estados Unidos, por exemplo, na década de
1940, aproximadamente 50% dos ingressos brutos dos agricultores se destinavam a cobrir os custos. Nos
anos 1970, esta porcentagem já alcançava 70%. Cf. Byman, W. J. (1993): “Las nuevas tecnologías en el
sistema agroalimentario y las relaciones comerciales entre Estados Unidos y la Comunidad Europea”. Em:
Lowe et al. (coords.): Cambio tecnológico y medio ambiente rural ...; op. cit. pp. 253-286; p. 260.
19
Disso também resulta que em muitos casos os agricultores estariam crescentemente afastados de
uma compreensão das tecnologias utilizadas em seu processo produtivo, limitando sua função de gestão a
tão somente “ler as instruções que traz a embalagem”. Cf. Munton et al. (1993): “El cambio tecnológico en
una época de ajuste agrario”. op. cit. p. 190-191.
20
A teoria da “espiral tecnológica” de Cochrane tem sido amplamente aceitada em recentes trabalhos
de sociologia rural como perspectiva orientadora, uma vez que efetivamente proporciona a articulação de
conhecimentos desde fontes muito diversas (sociologia rural, economia agrária, etc.). “A teoria de Cochrane,
no entanto, tem seus limites, em particular, em sua inaplicabilidade à agricultura industrial (...). Ademais, a
noção de espiral tecnológica da pouca atenção às origens da tecnologia, ou seja, ao porquê tecnologias que
deslocam trabalho ou beneficiam maiores operadores sobre unos menores vêm sendo desenvolvidas, um
tema que (...) mais recentemente tem constituído um importante enfoque de investigação para aqueles que
trabalham na sociologia da ciência agrária”. Cf. Buttel et al. (1990): The sociology of agriculture. op. cit. p.
130.

21
um processo revolucionário, o modelo biotecnológico poderia ser visto muito mais como um
processo evolutivo que dá continuidade ao modelo Revolução Verde. Na continuação serão
comentados brevemente alguns aspectos a respeito deste tema.

1.2 A biotecnologia como “resposta” à crise

Antes de considerar como finalizada a idade dourada que fazia referencia Buttel21, parece
que “poderíamos estar nos albores de uma nova e importante etapa de câmbio tecnológico na
agricultura, etapa esta determinada pelos descobrimentos no terreno da biotecnologia”22, na qual
novas expectativas são criadas sobre uma agricultura mais de acordo com as questões sociais e
ambientais. Sob esta perspectiva, o papel das biotecnologias e seus potenciais futuros de
aplicação em diversos campos da economia têm ocupado espaço notável nas discussões políticas
e acadêmicas neste último quarto de século23. No que se refere à ciência agrícola e à agricultura,
em particular, as especulações sobre o tema estiveram dirigidas sobretudo no sentido de uma
futura revolução biotecnológica ou biorrevolução: “A expectativa de conseguir indefinidamente
aumentos de produtividade comparáveis nos principais cultivos alimentares foi o fator subjacente
no auge da biotecnologia agrícola no princípio da década de 1980. E segue sendo um critério
relevante para avaliar a viabilidade e convivência de alternativas como a agricultura sustentável”24.
Junto a este potencial revolucionário e quase milagroso da biotecnologia aparece, uma vez
mais, uma dimensão ideológica. Na opinião de Buttel, na medida em que surge a biotecnologia,
idéias particulares sobre sua natureza e seu potencial revolucionário se tornaram dominantes,
tanto entre seus maiores defensores e proponentes, como também entre seus principais
oponentes25. As biotecnologias passaram a ser vistas como capazes de solucionar os problemas
resultantes da aplicação dos métodos da agricultura moderna, especialmente aqueles
relacionados com as contaminações ambientais produzidas pela utilização intensiva de produtos
agroquímicos e recursos energéticos não renováveis. Ademais, as biotecnologias têm sido vistas
também como potencialmente capazes de dar um novo dinamismo aos rendimentos dos cultivos e
aliviar a pressão crescente sobre os recursos naturais, reduzindo, ao mesmo tempo, os
requerimentos de combustíveis fósseis na atividade agrícola. No final da década de 1980, a
maioria dos políticos e ativistas da biotecnologia estavam essencialmente de acordo em seu
caracter mágico e transformador26, em seu potencial assombroso para melhorar a produção
agrícola27, e em sua capacidade para provocar uma revolução cujo impacto deixaria pequeno o da
anterior Revolução Verde28.

21
Cf. Buttel (1993): “Ideologia e tecnologia...”; op. cit.
22
Cf. Lowe, P.; Cox, G.; Goodman, D.; Munton, R.; y Winter, M. (1993): Cambio tecnológico, gestión
agraria y regulación de la contaminación: el ejemplo de Gran Bretaña”. Em: Lowe et al. (coords.): Cambio
tecnológico y medio ambiente rural ...; op. cit. pp. 97-142; p. 100.
23
Como ensinam Goodman e Wilkinson, as biotecnologias “estão cada vez mais integradas dentro do
sistema econômico, onde são vistas como inovações que transcendem potencialmente os limites de um
modelo de industrialização centrado nos recursos inorgânicos não renováveis. A capacidade tecnológica
para manipular o código genético com o fim de obter produtos completamente novos, desde drogas até
alimentos, passando pelos materiais biodegradáveis, e para manipular os microorganismos para converte-
los numa força produtiva a serviço da economia de energia/reciclagem de resíduos, configura o novo
paradigma bioindustrial”. Cf. Goodman, D. y Wilkinson, J. (1993): “Pautas de investigación e innovación en el
sistema agroalimentario moderno”. Em: Lowe et al. (coords.): Cambio tecnológico y medio ambiente rural
...; op. cit. pp. 217-251; p. 228.
24
Cf. Buttel (1995): “Transiciones agroecológicas ...”; op. cit. p. 21.
25
Cf. Buttel (1993): “Ideologia e tecnologia...”; op. cit. p. 303.
26
Cf. Buttel (1993): “Ideologia e tecnologia...”; op. cit. p. 314.
27
Cf. Hobbelink, H. (1992): “La diversidad biológica y la biotecnología agrícola. ¿Conservación o
acceso a los recursos?. Em: Ecología Política, nº 4; pp. 57-72; p. 63.
28
Cf. Tait, J. (1993): “Riesgos medioambientales y regulación de la biotecnología”. Em: Lowe et al.
(coords.): Cambio tecnológico y medio ambiente rural ...; op. cit. pp. 287-339; p. 289.

22
Desde um cenário otimista, portanto, o velho paradigma tecnológico da Revolução Verde,
orientador das pesquisas e investigações realizadas no âmbito da ciência agrícola “normal”, estaria
dando passagem a um novo paradigma, agora biotecnológico e assentado em novos referenciais
teóricos e instrumentais. A exemplo disso, e como já se comentou anteriormente, a tendência
intrínseca das inovações genéticas em sementes tem sido a de diminuir a influência da qualidade
da terra e do ambiente físico-químico como determinante da produção e produtividade agrícolas.
Porém, também se assinalou que as variedades de alto rendimento –base dos pacotes
tecnológicos da Revolução Verde– são fortemente dependentes de fertilizantes sintéticos e
agrotóxicos para maximizar seu potencial produtivo. Ou seja, os requerimentos nutricionais e de
proteção exigidos por estas variedades são atendidos através de uma crescente artificialização
agroecossistêmica. Neste contexto, as biotecnologias, em geral, e a engenharia genética, em
particular, prometem as ferramentas para a criação de variedades de plantas adaptadas a
ambientes até agora considerados como de menor capacidade produtiva. Neste caso são as
sementes que estariam se adaptando à condições ecossistêmicas adversas, o que poderia ser
usado em beneficio da humanidade ao permitir a obtenção de maiores níveis de produtividade e
lucratividade na produção agrícola, inclusive em solos mais empobrecidos e com menor fertilidade
natural29.
Entretanto, a utilização das biotecnologias vegetais pode aumentar, em vez de reduzir, a
dependência da atividade de produção de alimentos e fibras ao fornecimento de agroquímicos
sintéticos tradicionais. Como sugerem Goodman e seus colaboradores, “assim como na Revolução
Verde, os novos cultivares formarão o núcleo de ‘pacotes tecnológicos’, porém as sementes
originárias da engenharia genética garantirão que os agricultores ficarão muito mais presos aos
agroquímicos patenteados”30. Isto eqüivale a dizer que as biotecnologias não somente poderão
converter-se em um instrumento poderoso para dinamizar a produtividade agrícola, mas também
poderão propiciar os meios para aumentar o grau de monopolização da industria sobre a atividade
agrícola31.
Sob uma perspectiva ecológico-ambiental, parece que ainda não há uma definição clara
sobre o rumo que poderão tomar os produtos e inovações biotecnológicas para a agricultura.
Frederick Buttel, por exemplo, considera que a ideologia da biotecnologia “é uma extensão lógica
da ideologia produtivista da ciência agrícola pós-guerra”, havendo, ademais, “considerável
evidência a sugerir que a biotecnologia não terá nenhum efeito sobre o futuro previsível”. Mais
ainda, as atuais aplicações das mais poderosas e novas biotecnologias à agricultura “parecem
envolver um conjunto de produtos que seguem de forma evolutiva (e não revolucionária), a partir
da revolução petroquímica verde”. Assim, os esforços de investigação em tecnologias de natureza
biotecnológica estariam sendo dirigidos basicamente a atender a dois objetivos: a) corrigir os
problemas –especialmente os de repercussão ambiental– que têm sido provocados pelas
tecnologias anteriores; e b) prevenir retornos decrescentes e plateaus de produtividade que se
tornaram manifestos com as tecnologias petroquímicas atuais. As variedades tolerantes a
herbicidas (para racionalizar o controle de ervas daninhas e manter as vendas de agroquímicos)
constituem um perspicaz exemplo dado por Buttel sobre os novos produtos biotecnológicos de
aplicação na agricultura32, o que poderia conduzir a uma utilização maior, e não menor, de
produtos fitossanitários comerciais33.

29
Cf. Goodman et al. (1990): Da lavoura às biotecnologias ...; op. cit. p. 103.
30
Cf. Goodman et al. (1990): Da lavoura às biotecnologias ...; op. cit. p. 97-98.
31
Cf. Hobbelink (1992): “La diversidad biológica y la biotecnología ...”; op. cit. p. 63. Sobre esse tema,
ver também Hobbelink, H. (1987) (ed.): Más allá de la Revolución Verde - Las nuevas tecnologías
genéticas para la agricultura: desafío o desastre?. Barcelona: Lerna/ICDA. Utilizamos a versão
portuguesa de 1990: Biotecnologia: muito além da Revolução Verde. As novas tecnologias genéticas
para a agricultura: desafio ou desastre?. Porto Alegre: Pallotti.
32
Cf. Buttel (1995): “Transiciones agroecológicas ...”; op. cit. p. 21.
33
Cf. Byman (1993): “Las nuevas tecnologías en el sistema agroalimentario ...”; op. cit. p. 265. Em tal
contexto, caberia questionar –como faz Hobbelink–, porquê os recursos são orientados à produção de
cultivares resistentes aos agrotóxicos quando poderiam ser dirigidos para a produção de variedades

23
Sob esta óptica, os avanços tecnológicos esperados em base biotecnológica estariam em
linha com a trajetória petroquímica da agricultura do período pós-guerra, enquanto algumas
aplicações tecnológicas mais potencialmente significativas (como seriam a maior eficiência
fotossintética em vegetais e a fixação de nitrogênio atmosférico em cereais por meios biológicos)
tendem a envolver características poligênicas que apresentam, até agora, dificuldades para ser
manejadas com as técnicas atualmente disponíveis34. Isto torna pouco provável que grandes
aumentos de produção atribuíveis a um reduzido conjunto de fatores produtivos –tal como ocorreu
na Revolução Verde– se repitam no futuro como resultado da aplicação biotecnológica na
agricultura35.
Em linha com o raciocínio de Buttel, e valendo-nos da interpretação que realiza Tait,
poderíamos dizer que –quando se trata de indagar sobre nossa relação com a Natureza– seria
possível contemplar a biotecnologia de duas maneiras muito distintas. A primeira maneira seria
considerar a agricultura como atividade industrial basicamente artificial, tratando de minimizar seu
impacto sobre o entorno. Ao incrementar substancialmente a produtividade agrícola, a
biotecnologia possibilitaria a redução da área cultivada e daria a oportunidade de reabilitação em
grande escala dos ecossistemas naturais com base nos novos conhecimentos científicos e
tecnológicos disponíveis, reduzindo, ao mesmo tempo, a contaminação e o impacto negativo da
agricultura sobre o meio ambiente. A segunda maneira seria considerar a agricultura como uma
parte da Natureza, enfatizando seu alto grau de submissão às forças naturais. Neste caso, como
põe de manifesto Tait, a biotecnologia estaria conduzindo “a agricultura a um novo círculo vicioso
tecnológico, distanciando-a de uma possível sustentabilidade a longo prazo, somente alcançável
na base de colaborar com a Natureza, não de ir contra”36.
Além disso, seguindo ao mesmo autor, resulta razoável esperar que a biotecnologia pudera
ser mais “biológica” e mais “natural” que as anteriores tecnologias industriais de natureza química.
Não obstante, isso dependerá em grande medida de qual caminho seguirão as industrias no
futuro: gerar produtos que possam poupar fatores de produção (como seriam os cultivos
resistentes a pragas) ou fazer um uso maior de ditos fatores (por exemplo, os cultivos resistentes
aos herbicidas). Com efeito, as biotecnologias poderão exacerbar o grau de polarização entre
estes dois pontos de vista extremos acerca da relação agricultura e natureza: “Para quem a
agricultura é antes de tudo uma atividade industrial e não natural, seu sentido de domínio sobre a
Natureza será incrementado. Pelo contrário, para aqueles que consideram a agricultura como um
guia benigno da Natureza, a biotecnologia será uma ameaça para o sistema, ainda maior que a
anterior revolução química”37.
Por todo o anterior, poderia dizer-se que a transição para uma agricultura com base
biotecnológica, menos agressiva ao meio ambiente, mais justa socialmente e assentada em novos
valores que incorporem a dimensão ética na apropriação econômica dos recursos naturais, não

resistentes à pragas e doenças. Cf. Hobbelink, H. (1990): “As novas biotecnologias para o Terceiro Mundo.
Novas esperanças ou falsas promessas?”. Em: Hobbelink (ed.): Biotecnologia: muito além da Revolução
Verde ...; op. cit. pp. 105-168; p.145.
34
Cf. Buttel (1993): “Ideologia e tecnologia...”; op. cit. p. 315. Haveria que considerar, não obstante,
que as grandes empresas biotecnológicas estão muito bem posicionadas quando a investigação sobre a
fixação biológica de nitrogênio e a resistência de cultivos a problemas fitossanitários possa ser explorada
comercialmente. Cf. Goodman e Wilkinson (1993): “Pautas de investigación e innovación ...”; op. cit. p. 239.
35
Cf. Buttel (1995): “Transiciones agroecológicas ...”; op. cit. p. 21. Vale observar, seguindo a Enrique
Leff, que a atual ênfase da biotecnologia em resolver problemas derivados da prática do monocultivo poderia
abrir-se para novos desenvolvimentos, especialmente para o manejo múltiplo e integrado de recursos,
valorizando o saber etnobotánico e biotecnológico desenvolvido durante séculos pelas populações rurais do
Terceiro Mundo em suas práticas de policultivo e potenciando a biodiversidade e o uso sustentável dos
recursos naturais. Cf. Leff, E. (1994): Ecología y capital. Racionalidad ambiental, democracia
participativa y desarrollo sustentable. México: Siglo Veintiuno Editores; p. 330-331.
36
Cf. Tait (1993): “Riesgos medioambientales ...”; op. cit. p. 331.
37
Cf. Tait (1993): “Riesgos medioambientales ...”; op. cit. p. 332.

24
apresenta nenhuma garantia de sua realização no curto prazo38. As biotecnologias agrícolas
poderão ser utilizadas tanto “para corrigir o modelo agroquímico atual, para alcançar sistemas
mais sustentáveis ou para dar prioridade aos problemas do Terceiro Mundo, melhorando, por
exemplo, os rendimentos dos cultivos nas regiões pobres em recursos”39. Sua força
impulsionadora em direção a maiores níveis de sustentabilidade, entretanto, somente poderia dar-
se a partir de uma confluência de interesses sociais capazes de garantir umas metas
encaminhadas a formação de uma racionalidade de caráter ambiental desprovida do puro
reducionismo produtivista-instrumental. E isto certamente não será tarefa fácil. Como bem assinala
Buttel, a ecologização da agricultura poderá não ser consistente com o crescente impulso na
direção de política de comércio agrícola neoliberal. Em uma palavra, “o produtivismo de forma
alguma está morto e pode muito bem ressurgir se a ótica verde da agricultura se afundar”40.

2 A emergência do paradigma da sustentabilidade

Para alguns analistas, a crise ecológica atual significa uma novidade radical na história da
humanidade, novidade esta no sentido do caráter global e irreversível das alterações causadas à
ecosfera pelas práticas produtivas baseadas no excessivo consumo de recursos naturais41. Esta
problemática ambiental tem sido analisada por alguns autores como uma crise de civilização e
pode ser entendida, segundo Leff, sob diversas perspectivas. Por um lado, como o resultado da
pressão populacional sobre os finitos recursos do planeta e, por outro, como o efeito da
acumulação do capital e da maximização das taxas de ganhos no curto prazo, gerando modelos
tecnológicos que exploram os recursos naturais42. Como conseqüências imediatas deste processo,
se poderia estar assistindo a emergência de problemas macroecológicos, tais como o efeito estufa,
a redução da camada de ozônio, a contaminação química da água e dos alimentos, o esgotamento
da base dos recursos não renováveis e a dificuldade para a regeneração e manutenção da
capacidade produtiva dos agroecossistemas. Assim, pois, para Leff, a crise ambiental põe de
manifesto “o mito do desenvolvimentismo e mostra o lado oculto da racionalidade econômica
dominante”43.
Seja como seja, o certo é que a humanidade vive uma época em que se acentuam as
alterações sobre o meio ambiente e se modificam os processos sociais em escala global, em tal
magnitude que “os riscos aumentam mais rapidamente que nossa capacidade para controlá-los”44.
A partir disso, se generalizou aquilo que Jiménez Herrero denomina a síndrome do câmbio global,
assentada em três aspectos principais: a) a síndrome da ameaça à seguridade global, derivada da
destruição meio ambiental e que ameaça a viabilidade do sistema econômico mundial e a
sobrevivência humana; b) a síndrome dos limites ao crescimento, ao reconhecer-se a
impossibilidade do crescimento material ilimitado dentro de um planeta finito; e c) a síndrome da
interdependência entre pobreza e riqueza, resultante da intrincada inter-relação entre meio
ambiente e desenvolvimento humano. Esta síndrome do câmbio global tem propiciado a
consciência da insustentabilidade das práticas produtivas atuais e, ao mesmo tempo, a
possibilidade de integração conceitual entre meio ambiente e desenvolvimento. Os conceitos
chave que propiciam esta integração são, seguindo a Jiménez Herrero, a sustentabilidade e a
38
“As aplicações da biotecnologia podem acelerar ou desacelerar o aumento da entropia, tanto em
processos não sustentáveis como sustentáveis, tanto numa ordem internacional mais eqüitativa como numa
menos eqüitativa”. Cf. Droste, B. von y Dogsé, P. (1997): “El desarrollo sostenible. El papel de la inversión”.
Em: Goodland, R.; Daly, H.; El Serafy, S.; Droste, B. von (eds.): Medio ambiente y desarrollo sostenible:
más allá del Informe Brundtland. Madrid: Editorial Trotta; pp. 89-102; p. 100.
39
Cf. Goodman y Wilkinson (1993): “Pautas de investigación e innovación ...”; op. cit. p. 247.
40
Cf. Buttel (1993): “Ideologia e tecnologia...”; op. cit. p. 319.
41
Cf. Deléage, J. P. (1990): “¿Un capitalismo verdoso?”. Em: Ecología Política, nº 3, pp. 27-34; p. 28.
42
Cf. Leff (1994): Ecología y capital ...; op. cit. p. 68.
43
Cf. Leff (1994): Ecología y capital ...; op. cit. p. 283.
44
Cf. Comisión Mundial del Medio Ambiente y del Desarrollo (1992): Nuestro futuro común. Madrid:
Alianza Editorial, p. 58.

25
globalidade, constituindo-se estes nas “novas idéias-força que servem para impulsionar os
enfoques integradores entre meio ambiente e desenvolvimento, assim como, de forma paralela,
entre economia e ecologia”45.

2.1 Sobre o meio ambiente e desenvolvimento

Efetivamente, atualmente se tornou imprescindível refletir em termos ecológicos e ambientais


não como uma nostalgia do passado46, senão, ao contrário, como uma maneira mais realista de
privilegiar o longo prazo e de construir formas alternativas de desenvolvimento. Assim, se a
orientação ao crescimento econômico tem prevalecido e dominado as políticas
desenvolvimentistas do período pós-guerra como a única via para decolagem dos países do
Terceiro Mundo em direção aos padrões de produção e consumo dos do Primeiro Mundo47, os
anos oitenta se caracterizaram pela agudização de um debate político-acadêmico onde a noção de
“desenvolvimento” é contraposta à noção de “crescimento”. Na opinião de Goodland e seus
colegas, resulta absurdo seguir fazendo-se do crescimento econômico “convencional” o objetivo
indiscutível da política de desenvolvimento econômico. Este conceito de “crescimento de
transformação quantitativa” –baseado no uso crescente de matérias primas e energia– “é
insustentável e deve dar lugar a uma busca imaginativa de fins econômicos que façam um uso
menos intensivo dos recursos”48.
As estimativas levadas a cabo por Vitousek e seus colaboradores demonstram que,
atualmente, a economia humana se apropria –de maneira direta ou indireta– de 40% da produção
primária líquida da fotossíntese com base terrestre49. Enquanto chegar a este ponto exigiu todo o
tempo da história humana, a apropriação do produto fotossintético bruto poderia alcançar 80% no
ano 2030, em caso de que continuem as taxas atuais de crescimento da população e do
consumo50. Para Herman Daly, uma suposta apropriação de cem por cento da biomassa em base
terrestre caracterizaria um mundo “cheio” e constituiria uma situação improvável ecologicamente e
não desejável socialmente. Ademais, “ainda quando 40% seja menos da metade, é sensato
pensar que indica plenitude relativa, já que esta porcentagem se encontra há só um período de
distância de 80%, cifra que representa um grau de plenitude excessivo”51.
Desde esta perspectiva, já não se pode negar os grandes esforços acadêmicos e
institucionais que têm se realizado –especialmente a partir dos anos 1970– na busca de novos
45
Cf. Jiménez Herrero, L. M. (1996): Desarrollo sostenible y economía ecológica. Integración
medio ambiente-desarrollo y economía-ecología. Madrid: Editorial Síntesis; p. 33 e 40 (cursivas no
original).
46
Cf. Deléage (1990): “¿Un capitalismo verdoso?”. op. cit. p. 33.
47
As “etapas do crescimento econômico” tornaram mundialmente conhecido o economista Rostow.
Para ele, no processo de crescimento econômico cada sociedade há de passar pelas seguintes etapas: a)
sociedade tradicional; b) condições prévias para a decolagem; c) decolagem; d) caminho para a madurez; e
e) fase do consumo de massa. Cf. Rostow, W. W. (1965): Las etapas del crecimiento económico. México:
Fondo de Cultura Económica.
48
Cf. Goodland et al. (1997) (eds.): “Introducción”. Em: Medio ambiente y desarrollo sostenible ...;
op. cit. p. 14. Como distinguem Daly e Gayo, o crescimento econômico implica um incremento físico no
tamanho e é o resultado da acumulação ou assimilação de materiais (câmbios quantitativos), enquanto o
desenvolvimento econômico se refere à realização das potencialidades, à evolução de um estágio mais
completo, melhor ou diferente (câmbios qualitativos). Cf. Daly, H. E. y Gayo, D. (1995): “Significado,
conceptualización y procedimientos operativos del desarrollo sostenible: posibilidades de aplicación a la
agricultura”. Em: Cadenas Marín (ed.): Agricultura y desarrollo sostenible; op. cit. pp. 19-38; p. 21.
49
Vitousek, P. M. et al. (1986): “Human appropiation of the products of photo-synthesis”. Em:
Bioscience, vol. 34, nº 6; pp. 368-373. Citado por Daly, H. E. (1997): “De la economía del mundo vacío a la
economía del mundo lleno”. Em: Goodland et al. (eds.): Medio ambiente y desarrollo sostenible ...; op. cit.
pp. 37-50; p. 38.
50
Cf. Brown, L. R.; Postel, S.; y Flavin, C. (1997): “Del crecimiento al desarrollo sostenible”. Em:
Goodland et al. (eds.): Medio ambiente y desarrollo sostenible ...; op. cit. pp. 115-122; p. 119.
51
Cf. Daly (1997): “De la economía del mundo vacío a la ...”; op. cit. p. 38.

26
enfoques para subsidiar programas de desenvolvimento, tanto em países industrializados como
em países em desenvolvimento, com o fim de afrontar as questões ambientais e os desequilíbrios
sociais agravados pela aplicação dos critérios da racionalidade econômica produtivista nas últimas
décadas.
No plano acadêmico, o influente Relatório Limites do Crescimento, elaborado por uma
equipe do Massachussets Institute of Technology ao Clube de Roma (1972), pôs em questão o
otimismo dominante nos países industrializados sobre a possibilidade de sustentar o crescimento
econômico baseado no consumo ilimitado de recursos naturais não renováveis52. Ademais de
fundamentar empiricamente o incremento da escassez real destes recursos naturais e suas
implicações ambientais, o Relatório, coordenado por Donella Meadows, colocava em entredito a
crença de que o homem poderia seguir superando os obstáculos pelas vias tecnológicas com
independência dos limites biofísicos do planeta, despertando dessa forma a preocupação pelos
problemas ecológicos especialmente entre as populações das nações industrializadas.
As duas grandes crises do petróleo –ocorridas em 1973 e 1979– contribuíram para alertar
ainda mais sobre o perigo que representaria a aproximação aos limites físicos do planeta, e o risco
que suporia a transferência do modelo produtivista dos países industrializados aos países em
desenvolvimento. Em relação a agricultura, o trabalho de Pimentel e sua equipe –amplamente
difundido desde o inicio da década de 1970–, por exemplo, se tornou clássico ao colocar de
manifesto a insustentabilidade energética da agricultura moderna praticada nos Estados Unidos e
os riscos de expandir o modelo tecnológico da Revolução Verde às demais regiões do mundo
desenvolvido e em desenvolvimento53.
No plano institucional, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,
celebrada em Estocolmo em 1972, representou um importante passo em direção à integração dos
conceitos e estratégias relacionados com o “desenvolvimento” e o “meio ambiente”. Como observa
Jiménez Herrero, o próprio título desta Conferência expressava que “o meio ambiente não devia
ser concebido sob um sentido estritamente ‘físico-natural’, mas que, sendo uma realidade
sistêmica que nasce da interação entre o sistema natural e o sistema social, ademais do meio
físico, tem que contar com o meio construído e o meio sociocultural onde os homens desenvolvem
sua existência”54.
Os anos oitenta serão testemunhas de novos e importantes intentos de incorporar as
questões ambientais aos programas de desenvolvimento, alimentando os debates e propostas
iniciados na década anterior. Com efeito, quiçá o trabalho da Comissão Mundial do Meio Ambiente
e do Desenvolvimento (CMMAD) e a conseqüente publicação de Nosso Futuro Comum –o
conhecido Relatório Brundtland– em 1987, hajam sido o principal sucesso e a mais valiosa
referência em torno a qual se consolidou o desenvolvimento sustentável como marco conceitual e
estratégico para encarar a problemática ambiental e a conservação de recursos naturais desde
uma perspectiva política de longo alcance.
No inicio da década de 1990, a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, contribuiu para que se alcançara um maior
acordo político em torno a finalidade e objetivos do desenvolvimento sustentável. Um dos
resultados do Encontro do Rio foi a adoção de um programa de ação a longo prazo –a Agenda 21–
que senta as bases para pôr em prática o conceito de desenvolvimento sustentável e que constitui
uma resposta às questões formuladas no Relatório Brundtland. Com efeito, como veremos a
seguir, apesar da vaguidade de seu conceito e a dificuldade para definir indicadores operativos, o
desenvolvimento sustentável –como um objetivo de política– sugere a necessidade de uma
52
No modelo simulado de Meadows e seus colaboradores, os cinco elementos de interesse global
que estariam apresentando um crescimento exponencial são a população, a produção de alimentos, a
industrialização, o consumo de recursos naturais não renováveis e a poluição. Cf. Meadows, D. H.;
Meadows, D. L.; Randers, J.; Behrens III, W. W. (1978): Limites do Crescimento. São Paulo: Perspectiva;
p. 25.
53
Cf. Pimentel, D.; Hurd, L. E.; Bellotti, A. C.; Forster, M. J.; Oka, Y. N.; Sholes, O. D.; Whitman, R. J.
(1973): “Food production and the energy crises”. Em: Science, nº 182; pp. 443-449.
54
Cf. Jiménez Herrero (1996): Desarrollo sostenible y economía ecológica ...; op. cit. p. 95.

27
transição à sustentabilidade, onde “a ecologia e a economia se entreveram cada vez mais –nos
planos local, regional, nacional e mundial– até formar uma rede concatenada de causas e
efeitos”55.

2.2 Sobre o marco do desenvolvimento sustentável

O desenvolvimento sustentável, tal como concebido no Relatório Brundtland, é aquele


“desenvolvimento que satisfaz as necessidades da geração presente sem comprometer a
capacidade das gerações futuras para satisfazer suas próprias necessidades”. Esta genérica
formulação conceitual de desenvolvimento sustentável engloba em si outros dois conceitos
fundamentais: “o conceito de ‘necessidades’, em particular as necessidades essenciais dos
pobres, às quais se deveria outorgar prioridade preponderante”; e “a idéia de limitações impostas
pelo estado da tecnologia e a organização social entre a capacidade do meio ambiente para
satisfazer as necessidades presentes e futuras”. Além disso, isso implica uma transformação
progressiva da economia e da sociedade, aumentando o potencial produtivo e assegurando a
igualdade de oportunidades para todos56.
Na base desta proposta formulada pela CMMAD reside um pronunciado desafio político,
pondo em “mãos da humanidade” a responsabilidade de solucionar os problemas sociais,
econômicos e ambientais através de rápidas e decisivas ações: “o desenvolvimento sustentável
não é um estado de harmonia fixo, mas um processo de mudança pelo qual a exploração dos
recursos, a direção dos investimentos, a orientação dos progressos tecnológicos e a modificação
das instituições concordam com as necessidades tanto presentes como futuras”; e para que isso
possa concretizar-se, “o desenvolvimento sustentável deverá apoiar-se na vontade política”57. Dito
de outra maneira, o discurso do desenvolvimento sustentável “busca gerar um consenso e uma
solidariedade internacionais nos problemas ambientais globais, borrando os interesses opostos de
nações e grupos sociais, em relação com o usufruto e manejo dos recursos naturais para o
benefício das populações majoritárias e os grupos marginados”58.
Se bem os objetivos em direção ao desenvolvimento sustentável emanados desde a
CMMAD tenham tido ampla aceitação pela comunidade internacional, há unanimidade de opinião
de que ainda não existe uma definição clara e universalmente compartida sobre o conceito de
sustentabilidade59. Além disso, a expressão desenvolvimento sustentável apresenta dificuldades
para a elaboração de uma definição genérica que conserve precisão analítica, e sua verdadeira
força reside precisamente na sua “vaguidade”60. Como assinala Michael Redclift, seus significados
costumam ser distintos para ecologistas, planificadores, economistas e ativistas ambientais,
embora pudera parecer a existência de consenso sobre sua conveniência. Com efeito, seus
diversos significados para os diferentes grupos ao expor seus projetos e objetivos refletem “a
variedade de sesgos disciplinares, de diferença entre paradigmas e de disputas ideológicas”61.
A vaguidade do termo desenvolvimento sustentável é também apontada por Alonso Mielgo e
Sevilla Guzmán, para quem, ao ser o conceito de necessidade uma construção social, deixa
“abertas as portas de dito relatório [Brundtland] a qualquer ação que justifique o velho modelo

55
Cf. CMMAD (1992): Nuestro futuro común. op. cit. p. 25.
56
Cf. CMMAD (1992): Nuestro futuro común. op. cit. p. 67-68.
57
Cf. CMMAD (1992): Nuestro futuro común. op. cit. p. 29.
58
Cf. Leff (1994): Ecología y capital ...; op. cit. p. 79-80.
59
Cf. Hurrel, A. & Kingsbury, B. (1992): “The international politics of the environment: an introduction”.
Em: Hurrel, A. & Kingsbury, B. (eds.): The international politics of the environment. Actors, interests
and institutions. Oxford: Clarendon Press; pp. 1-50. Citado por Paniagua Mazorra, A.; Garrido Fernández,
F.; Gómez Benito, C.; y Moyano Estrada, E. (1996): Análisis conceptual de la cuestión ambiental en la
agricultura. Madrid: CSIC, Cuadernos de Trabajo del IEG; p. 7.
60
Cf. Redclift (1993): “La función de la tecnología agraria ...”; op. cit. p. 150.
61
Cf. Redclift, M. (1995): “Desarrollo sostenible: ampliación del alcance del debate”. Em: Cadenas
Marín (ed.): Agricultura y desarrollo sostenible. op. cit. pp. 39-70; p. 43.

28
economicista de desenvolvimento com uma nova cosmética meio ambiental”62. Para El Serafy,
pese a “vaguidade” do termo sustentabilidade, se trata de um conceito complexo e da definição de
Brundtland “não deve restar nada à validez de sua preocupação por abordar os problemas da
distribuição, nos quais se vê com acerto uma parte integrante do problema meio ambiental”.
Ademais, os intentos de definir de modo preciso a sustentabilidade não têm dado uns resultados
concretos e, segundo o mesmo autor, atualmente, “somos cada vez mais conscientes de que, a
efeitos práticos, a sustentabilidade deve perceber-se unicamente em termos aproximativos”63.
Além disso, como observa Jiménez Herrero, “a capacidade de convicção do termo
‘sustentável’ para qualificar o desenvolvimento se deriva muito mais de seu alcance implícito que
de seu conteúdo lingüístico explícito”, podendo significar tanto sostener ou sustentar, como
suportar ou tolerar. Apesar de sua ambigüidade, a idéia clave do termo sustentável reside na
noção de ‘sustentabilidade’ (como característica de um processo que pode manter-se
indefinidamente), e seu fundamento vem determinado pelo conceito de equilíbrio entre as
potencialidades e limitações existentes. Assim, o desenvolvimento humano requer um equilíbrio
dinâmico entre população, capacidade do meio ambiente e vitalidade produtiva, o que supõe que a
utilização de recursos não pode exceder “a capacidade de regeneração e de manutenção da
integridade e equilíbrio dos ecossistemas”64.
Na opinião de Redclift, a confusão existente sobre o significado da expressão
“desenvolvimento sustentável” provem da inexistência de consenso em relação ao que é
fundamentalmente o que se deve sustentar: se os níveis de consumo ou se os níveis de produção,
o que remete esta questão ao exame das relações “Norte-Sul” e das contradições inerentes às
desigualdades estruturais do sistema global, uma vez que seria o modelo de consumo dos países
do norte o que impede um desenvolvimento sustentável persistente em escala planetária65. De
fato, Nosso futuro comum não descarta o crescimento econômico como uma via adequada para
promover o desenvolvimento sustentável em escala global. Ao contrário, a partir da constatação de
que “a brecha que separa as nações ricas das pobres se amplia ao invés de reduzir-se”66, propõe
o incremento do crescimento entre cinco e dez vezes nos próximos anos como meta
imprescindível para atender as necessidades e aspirações da pobreza mundial e reduzir a
desigualdade internacional.
Nesta proposta de crescimento para todos radica um dos pontos mais polêmicos do
Relatório, pois, como puseram de manifesto alguns analistas, o conceito de desenvolvimento
sustentável formulado pela CMMAD “implica invariavelmente levantar a base mais que rebaixar a
cúspide”67, ademais de ser improvável que o mundo possa suportar uma economia duas vezes
superior –e muito menos entre cinco e dez vezes como propõe o Relatório. Não obstante, as

62
Cf. Alonso Mielgo, A. M. y Sevilla Guzmán, E. (1995): “El discurso ecotecnocrático de la
sostenibilidad”. Em: Cadenas Marín (ed.): Agricultura y desarrollo sostenible. op. cit. pp. 91-119; p. 103-
104 e 108.
63
Cf. El Serafy, S. (1997): “Sostenibilidad, medición de la renta y crecimiento”. Em: Goodland et al.
(eds.): Medio ambiente y desarrollo sostenible ...; op. cit. pp. 73-87; p. 73-74.
64
Cf. Jiménez Herrero (1996): Desarrollo sostenible y economía ecológica ...; op. cit. p. 40.
65
Neste contexto, e seguindo o mesmo autor, vale assinalar que o êxito do capitalismo industrial nas
sociedades desenvolvidas permitiu a obtenção de níveis de vida relativamente altos para a maioria da
população, e são poucas as pessoas que percebem as medidas necessárias à conservação ambiental como
ameaças para seus meios de vida. Daí que as proposições da gente são para conquistar melhor “qualidade
de vida”. Nas sociedades em desenvolvimento, por outro lado, os conflitos ambientais costumam ocorrer em
outros níveis (no atendimento das necessidades básicas, por exemplo) e os indivíduos são impulsados a
atuar de maneira “egoísta” em suas estratégias de sobrevivência, não havendo razões para recorrer “ao
idealismo ou ao altruísmo a fim de proteger o meio ambiente”. Cf. Redclift (1995): “Desarrollo sostenible:
ampliación del alcance del debate”; op. cit. p. 43-44.
66
Cf. CMMAD (1992): Nuestro futuro común. op. cit. p. 22.
67
Cf. Haavelmo, T. y Hansen, S. (1997): “De la estrategia consistente en tratar de reducir la
desigualdad económica ampliando la escala de la actividad humana”. Em: Goodland et al. (eds.): Medio
ambiente y desarrollo sostenible ...; op. cit. pp. 51-62; p. 53.

29
necessidades básicas que têm as populações carentes requerem um crescimento na utilização de
recursos nos países pobres, e isto, para ser alcançado, requereria umas reduções deste tipo de
crescimento nos países ricos68. Em palavras de Brown, “enquanto haja crescimento, há esperança
de que se possa melhorar a vida dos pobres sem que os ricos tenham que sacrificar seus
interesses. A realidade, no entanto, é no sentido de que alcançar uma economia global
ecologicamente sustentável não é possível sem que os afortunados limitem o seu consumo e
deixem lugar para que os pobres aumentem o seu”69.
Em todo caso, fica evidente que a sustentabilidade é um conceito enormemente complexo
ao englobar distintos problemas derivados da relação homem-natureza e das associações que se
estabelecem entre eles. De acordo com Myers, as principais associações de problemas que a
sustentabilidade tenta resolver se dariam: a) entre diferentes problemas ambientais; b) entre
diferentes esferas da atividade humana, como a proteção ambiental e o desenvolvimento; c) entre
o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento; d) entre a geração presente e as gerações
futuras; e) entre a proteção dos recursos naturais e as necessidades humanas básicas; f) entre a
ecologia e a economia; e g) entre a eficiência econômica e a equidade social70.
O conceito de sustentabilidade implica, portanto, a prudência de ter em conta outras
dimensões ademais da econômica. Ao analisar o termo sustentável, Daly e Gayo consideram que
este abarca três distintos aspectos: a) a sustentabilidade ecológica, que implica a manutenção das
principais características do ecossistema que lhe são essenciais para sua sobrevivência no longo
prazo; b) a sustentabilidade econômica, que se refere à gestão adequada dos recursos naturais
que torne atrativo continuar com o sistema econômico vigente; e c) a sustentabilidade social,
alcançada quando os custos e benefícios estejam distribuídos de maneira adequada tanto entre o
total da população atual (a equidade intra-geracional) como entre a geração presente e as
gerações futuras (a equidade inter-geracional)71.
No curto prazo estas três dimensões da sustentabilidade são conflituosas entre si e
maximizar uma delas (a economia, a ecologia ou a equidade) implica que seja sempre a custa das
demais que atuam como restrições. Como puseram de manifesto Daly e Gayo, dadas as relações
de interdependência que existem entre elas, no longo prazo seria conveniente que a ciência
humana procedera sua unificação numa meta comum: a “sustentabilidade do sistema econômico”.
Contudo, e com independência da definição que se tome, destacam estes autores a existência de
três características comuns no conceito de sustentabilidade: “se amplia a extensão do horizonte

68
Partindo da proposta de Brundtland de incrementar a renda per capita em 3% anual, ao cabo de
dez anos isso haveria aumentado, por exemplo, a renda dos etíopes em 41 dólares e dos estadunidenses
em 7.257 dólares. Resultados dessa natureza põem em tela de juízo o desejável das projeções do Relatório
Brundtland. Cf. Goodland et al. (1997) (eds.): “Introducción”. Em: Medio ambiente y desarrollo sostenible
...; op. cit. p. 17. Na opinião de Alonso Mielgo e Sevilla Guzmán, o Relatório enfatiza o crescimento
econômico para todo o mundo quando os limites físicos do planeta apontam como ecologicamente mais
plausível a distribuição da riqueza existente”. Assim, “o discurso dos organismos internacionais sobre o
desenvolvimento sustentável sugere, através do Relatório Brundtland, um método bastante parcial, já que
defende os interesses dos países do centro, ao pretender continuar com o modelo produtivo vigente,
propondo tão somente restringir o consumo ‘dentro dos limites ecologicamente possíveis’, quando estes não
chegam a definir-se em nenhum caso”. Cf. Alonso Mielgo y Sevilla Guzmán (1995): “El discurso
ecotecnocrático de la sostenibilidad”; op. cit. p. 108.
69
Cf. Brown et al. (1997): “Del crecimiento al desarrollo sostenible”; op. cit. p. 122. Ademais, “os
países industrializados têm um excesso de consumo, e portanto produzem sobrecontaminação. São (...) os
responsáveis da maioria dos casos nos que se tem chegado ao limite. Os 20% mais ricos da produção
mundial consomem mais de 70% da energia que se comercializa no mundo”. Cf. Goodland, R. (1997): “La
tesis de que el mundo está en sus límites”. Em: Goodland et al. (eds.): Medio ambiente y desarrollo
sostenible ...; op. cit. pp. 19-36; p. 22, 31 e 33.
70
Cf. Myers, M. (1993): “The question of linkages in environment and development”. Em: Bioscience,
nº 43; pp. 225-241. Citado por Paniagua Mazorra et al. (1996): Análisis conceptual de la cuestión
ambiental ...; op. cit. p. 7.
71
Cf. Daly y Gayo (1995): “Significado, conceptualización y procedimientos operativos del desarrollo
sostenible ...”; p. 21-22.

30
temporal; se exige uma valoração do meio ambiente mais adequada; e se busca a satisfação das
necessidades (presentes e futuras) surgindo o problema da equidade intra e inter-geracional”72.
Em linha com o raciocínio anterior, Atkinson considera que o fundamento da sustentabilidade
é o reconhecimento dos efeitos que poderão ter sobre as futuras gerações as atividades atuais de
uso dos recursos naturais. Sob este ponto de vista, a sustentabilidade seria factível de ser
alcançada desde que se pudera alcançar um bem estar humano per capita não decrescente
através do tempo. Isso implicaria, por sua vez, que cada geração transferisse à seguinte pelo
menos tanto capital quanto herdou. A identificação de que capital deve ser mantido ou conservado
leva Atkinson a distinguir o capital em três distintas categorias: a) o capital manufaturado
(máquinas, edifícios e estradas); b) o capital humano (conhecimentos e habilidades); e c) o capital
natural (recursos naturais renováveis e não renováveis)73.
Esta questão de qual capital deve ser mantido para as futuras gerações tem originado duas
escolas de pensamento diferentes: a escola da sustentabilidade débil e a escola da
sustentabilidade forte. Embora ambas as escolas reconheçam a existência de distintos tipos de
capital, não coincidem com relação a importância respectiva de cada tipo. Segundo Atkinson, a
escola da sustentabilidade débil “considera que a substituição de capital manufaturado (ou capital
humano) por capital natural é relativamente fácil” e que “a perda de capital natural não é
importante em si mesma, sempre e quando aumente a riqueza em forma de capital manufaturado
ou de capital humano”. No entanto, esta escola tem sido criticada por não levar em conta que
certos “serviços ambientais” (a oferta de biodiversidade, por exemplo) constituem sistemas de
manutenção da vida e para os quais não existem autênticos substitutos. A escola da
sustentabilidade forte, por sua vez, parte do suposto de que não há substitutos autênticos para
certos bens naturais. Ademais, tem em conta duas características essenciais de muitos ativos
naturais: a incerteza (não compreendemos o funcionamento completo dos sistemas ecológicos) e
a irreversibilidade (a perda de ativos naturais é definitiva) que, combinadas, demonstram a
pertinência de considerar com maior prudência o esgotamento do capital natural em suas diversas
formas74.
Os diferentes matizes que se dão ao conceito de sustentabilidade podem ser vinculados aos
distintos enfoques do desenvolvimento sustentável e de suas respectivas propostas de solução
aos conflitos gerados a partir da relação homem-natureza. Grosso modo estes enfoques se situam
em dois grandes grupos, segundo tenham mais peso em seu discurso a tecnologia ou a ecologia75.
O primeiro grupo estaria representado pelo enfoque tecnocêntrico, caracterizado por uma fé quase
ilimitada na tecnologia como solução dos problemas derivados da escassez e esgotamento dos
recursos naturais. Este grupo poderia ser dividido em outros dois subgrupos, segundo a atitude
que se tenha em relação ao capital natural: o enfoque de economia de fronteira, que supõe a
possibilidade de substituição perfeita entre capital humano e capital natural; e o enfoque de
economia ambiental, que considera que a substituição destes capitais não é perfeita e que,
portanto, se faz necessário considerar os custos sociais da degradação ambiental nas estratégias
de desenvolvimento. De maneira geral, os partidários do enfoque tecnocêntrico estariam mais
alinhados com a “sustentabilidade débil”, anteriormente indicada, que considera a possibilidade de
substituir capital natural por capital humano ou manufaturado.
O segundo grupo estaria representado pelo enfoque ecocêntrico, que propõe a consideração
de uma maior amplitude de aspectos que os existentes no atual pensamento econômico. A fé na
tecnologia como solução dos problemas é mais restringida neste enfoque, e a opção por um
câmbio no modelo de desenvolvimento econômico é apontada como a via mais adequada para
72
Cf. Daly y Gayo (1995): “Significado, conceptualización y procedimientos operativos ...”; p. 21-22.
73
Cf. Atkinson, G. (1995): “La sostenibilidad como resiliencia en sistemas agroecológicos”. Em:
Cadenas Marín (ed.): Agricultura y desarrollo sostenible; op. cit. pp. 281-299; p. 284-285.
74
Cf. Atkinson (1995): “La sostenibilidad como resiliencia ...”; op. cit. p. 285-286. Sobre este tema ver
também Andrés, R. y Urzainqui, E. (1995): “Comercio internacional agrario, GATT y desarrollo sustentable”.
Em: Cadenas Marín (ed.): Agricultura y desarrollo sostenible; op. cit. pp. 361-384; p. 376-377.
75
As considerações a seguir estão baseadas em Daly y Gayo (1995): “Significado, conceptualización
y procedimientos operativos ...”; op. cit. p. 22-24.

31
evitar possíveis catástrofes. Ao considerar a impossibilidade de substituição perfeita de capital
natural por capital humano ou manufaturado, a “sustentabilidade forte” seria o princípio reitor deste
enfoque, no qual também podem ser identificados dois subgrupos. Numa posição mais moderada
estaria o enfoque comunalista ou ecodesenvolvimento, caracterizado por seu intento de incluir os
princípios da termodinâmica dentro da ciência econômica. Numa posição mais extrema destacaria
o enfoque da ecologia profunda ou da economia em estado estacionário.
Herman Daly, um dos representantes máximos do enfoque ecocêntrico mais radical, defende
que a economia –ao ser um subsistema do ecossistema global– não poderá seguir crescendo
mais além de um ponto que se aproxima ao estado estacionário em sua dimensão física, embora
possa desenvolver-se qualitativamente. Partindo deste suposto, propõe o “desenvolvimento sem
crescimento, [isto é] uma economia fisicamente em estado estacionário que possa continuar o
desenvolvimento de uma maior capacidade de satisfação das necessidades humanas através de
um incremento da eficiência no uso dos recursos, porém sem incrementar o volume total de
transumos processados”. Neste caso, a sustentabilidade somente poderia ser alcançada se se
cumprira dois princípios: primeiro, que o nível de extração de recursos naturais não exceda a
capacidade regenerativa do meio ambiente; e, segundo, que o nível de emissão de dejetos ao
meio ambiente não supere a capacidade de assimilação dos ecossistemas receptores76.
Efetivamente, a falta de unanimidade em torno ao conceito de desenvolvimento sustentável
–popularizado desde o Informe Brundtland– tem suscitado pelo menos duas reações conflituosas
entre si. Seguindo a Goodland e sua equipe, uma delas seria a que propõe a continuidade do
crescimento e a expansão da economia –embora a um ritmo menos acelerado– como a única via
capaz de eliminar a pobreza. Trata-se de um realismo político que crê difícil, se não impossível, a
redistribuição da renda e a estabilidade demográfica. A outra reação seria a que defende o
desenvolvimento sem crescimento do uso de recursos e os dejetos ambientais mais além da
capacidade de suporte do ecossistema. Esta segunda reação constitui um realismo ecológico que
considera que a economia mundial já ultrapassou os limites sustentáveis do ecossistema global, e
que qualquer expansão levaria do estado atual de “insustentabilidade a longo prazo” ao estado de
“iminente colapso”. Para estes autores, se se quer avançar em direção ao desenvolvimento
sustentável, é a realidade política que deveria ceder terreno à realidade biofísica. Caberá à
humanidade decidir, portanto, entre uma planificação de uma transição ordenada ou esperar que
os limites físicos e o dano ao meio ambiente determinem “o ritmo e o curso da transição”77.
As diferenças de ênfase que se estabelecem entre as posições tecnocêntrica e ecocêntrica
podem ser vistas também como uma relação dialética baseada em três dilemas inerentes a todas
as sociedades: a) o desejo de transformar a natureza com o fim de ter maior certeza no
suprimento de bens naturais, frente à necessidade de conservar o mundo natural a fim de
assegurar a sobrevivência; b) uma preferência por melhorar as condições de vida da população a
curto prazo promovendo um incremento no uso dos recursos naturais, frente a uma preocupação a
longo prazo pelos efeitos negativos de dito aumento no consumo de recursos, efeitos que podem
pôr em perigo a viabilidade futura do sistema econômico; c) a crença de que a eficiência, como
forma de valorizar os investimentos, constitui a mais apropriada diretriz econômica, frente ao
reconhecimento de que o princípio de equidade deve resistir a tal objetivo de maximização (dilema
eficiência versus equidade)78.
Além disso, sobre a base destes três dilemas aos que se enfrentam as sociedades
contemporâneas estaria se desenvolvendo uma contínua negociação entre ecocentristas e
tecnocentristas. Não obstante, os elementos que compõem tais dilemas poderiam ser vistos muito
mais como complementares, alimentando-se mutuamente numa sociedade sustentável. Como

76
Cf. Daly y Gayo (1995): “Significado, conceptualización y procedimientos operativos ...”; op. cit. p.
24 e 33.
77
Cf. Goodland et al. (eds.) (1997): “Introducción”. Em: Medio ambiente y desarrollo sostenible ...;
op. cit. p. 15-16.
78
Cf. Paniagua Mazorra et al. (1996): Análisis conceptual de la cuestión ambiental ...; op. cit. p.
10.

32
disse Redclift, “o desenvolvimento sustentável pode tratar de satisfazer as necessidades humanas,
aspirar a manter o crescimento econômico, preservar o capital natural, ou as três coisas ao mesmo
tempo”79. Neste contexto, quando numa determinada sociedade os três dilemas, ou alguns deles,
resultam irreconciliáveis, significa, segundo O’Riordan, que não estão se produzindo as condições
necessárias para a sustentabilidade, embora também é possível a existência de fases de
estabilidade alternadas com outras fases de tensão80. Em todo caso, vale recordar, como já se
comentou antes, que os ecocentristas compartem a noção de sustentabilidade forte (o capital
natural e o capital humano ou manufaturado são complementares, porém não é possível a
substituição), enquanto que os tecnocentristas adotam a noção de sustentabilidade débil (o capital
natural e o capital humano ou manufaturado são intercambiáveis).
A sustentabilidade, vista sob uma óptica político-social, requer, segundo O’Riordan, o
cumprimento de cinco condições, a saber: a) uma forma de democracia que transcenda o marco
do Estado-nação; b) uma garantia para os direitos civis e a justiça social, que promova um uso
equilibrado dos recursos e que aprecie os direitos intrínsecos da natureza; c) a eliminação dos
regimes políticos frágeis em termos ambientais; d) a eliminação do princípio de exploração; e) o
estabelecimento de uma variedade de mecanismos não governamentais público-privado, para a
distribuição e gestão de recursos em áreas e comunidades com necessidade disso81.
Como podemos observar, quando se trata de definir as condições da sustentabilidade sob o
ponto de vista político-social, tal como aquelas propostas por O’Riordan, aparece uma combinação
de critérios éticos, morais, políticos e sociais, critérios que também têm sido admitidos desde
muitas outras disciplinas. Com efeito, as preocupações pelo meio ambiente e a equidade intra e
inter-geracional, por exemplo, ultrapassam a visão estrita de uma sustentabilidade alcançável em
base unicamente a modificações dos sistemas físicos; sugerem, além disso, que o alcance da
sustentabilidade em sentido amplo passaria por mudanças também no comportamento dos
agentes humanos, como seriam os valores e as atitudes sociais.
Por último, é necessário observar que o contexto da sustentabilidade se torna ainda mais
complexo ao propor-se a questão das escalas geográfica ou espacial onde operaria o
desenvolvimento sustentável. A princípio podem ser identificados dois níveis para os quais a
sustentabilidade resulta importante. O primeiro nível consideraria, desde uma perspectiva
ecológica, a interação entre as soluções propostas a problemas particulares e as que se referem a
problemas de caráter mais geral82. O segundo nível corresponderia aos distintos âmbitos sociais
ou territoriais de atuação. Estes âmbitos podem variar, por exemplo, desde o da exploração
agrária, passando pelo da região, até o âmbito nacional. A distinção dos diferentes níveis e
âmbitos da sustentabilidade são de grande importância, uma vez que “o que resulta sustentável a
um determinado nível pode que não o seja a outro”83.
Partindo dos diferentes níveis em que pode operar a sustentabilidade, diversos autores
consideram o nível local como o mais apropriado84, posto que tão somente nesta escala as

79
Cf. Redclift (1993): “La función de la tecnología agraria ...”; op. cit. p. 153.
80
Cf. O’Riordan, T. (1995): “Linking the environmental and social agendas”. Em: The
Environmentalist, nº 15; pp. 233-239. Citado por Paniagua Mazorra et al. (1996): Análisis conceptual de
la cuestión ambiental ...; op. cit. p. 10.
81
Cf. O’Riordan, T. (1993): “The politics of sustainability”. Em: Turner, R. K. (ed.): Sustainable
environmental economics and management. Principles and practice. Londres: Belhaven Press; pp. 37-
69. Citado por Paniagua Mazorra et al. (1996): Análisis conceptual de la cuestión ambiental ...; op. cit. p.
11.
82
Cf. Lemons, J. & Morgan, P. (1995): “Conservation of biodiversity and sustainable development”.
Em: Lemons, J. & Brown, D. A. (eds.): Sustainable development: science, ethics, and public policy.
Dordrecht: Kluwer; pp. 77-109; p. 99. Citado por Paniagua Mazorra et al. (1996): Análisis conceptual de la
cuestión ambiental ...; op. cit. p. 12.
83
Cf. Redclift (1993): “La función de la tecnología agraria ...”; op. cit. p. 153.
84
Cf. Martell, L. (1994): Ecology and society. An introduction. Oxford: Polity Press; Cf. também
Rucht, D. (1993): “Think globally, act locally? Needs, forms and problems of crossnational cooperation
among environmental groups”. Em: Liefferink, J. D.; Lowe, P. D. & Mol, P. J. (eds.): European integration

33
propostas e estratégias se tornariam suficientemente operativas para sua posta em prática e
poderiam ser assumidas pelos agentes humanos das comunidades implicadas. Desde esta
perspectiva, se assume que é necessário fixar mecanismos e pautas de coordenação –adaptadas
a origem, caráter e efeitos dos problemas ambientais–, devendo-se, em conseqüência, iniciar um
processo de institucionalização em unidades agregadas de maior dimensão. Assim, seria possível
abordar problemas de compensação entre comunidades pelos recursos que se utilizam no
processo de sustentabilidade85.
Efetivamente, se se quer avançar em direção ao desenvolvimento sustentável em sua
acepção mais ampla, parece haver consenso de que é necessário incorporar novas variáveis nas
análises da realidade, especialmente introduzindo-se as dimensões ecológicas e éticas (valores,
justiça social, etc.) nos distintos níveis em que se dá a relação homem-natureza. Como bem
sintetizou Daly, é indispensável que se gere “uma mudança de consciência nas sociedades tanto
dos países em vias de desenvolvimento como nos desenvolvidos, que permita a assimilação de
novos valores ecológicos, ou seja, a conformação de uma nova ética social”86.
Em suma, apesar da vaguidade e da imprecisão conceptual do desenvolvimento sustentável
até aqui observadas, assim como as dificuldades para definir indicadores de sustentabilidade
adequados a nova realidade que deseja construir a humanidade, fica como inspiração a
mensagem de Brundtland quando diz que “o desenvolvimento sustentável é um processo de
estudo e adaptação, mais que um estado definitivo de completo equilíbrio”87. Isso adquire
particular importância ao transladar-se o conceito de sustentabilidade aos sistemas agrários em
geral, pois, como se intentará demonstrar à seguir, embora o conceito de agricultura sustentável
tenha tido ampla repercussão e aceitação a nível internacional, sua precisão conceitual e a
definição de indicadores operativos ainda requerem uma tarefa de grande complexidade.

2.3 Sobre a agricultura e o contexto da sustentabilidade

A agricultura –não somente como uma atividade de natureza ecológico-biológica, mas


também como uma prática sociocultural e econômica– tem recebido nos últimos anos uma
destacada atenção a respeito do tema da sustentabilidade. De fato, como cremos haver
demonstrado ao longo dos itens anteriores, o advento da chamada agricultura moderna ou
industrializada no século XX se caracterizou pela incorporação crescente de métodos e técnicas
agroquímicas de produção que, de modo geral, têm sido considerados como fonte importante de
degradação de recursos naturais e de contaminação ambiental. Além disso, o processo de difusão
de tecnologias genéricas de tipo Revolução Verde –embora tenha sido potencialmente capaz de
promover o incremento da produção e produtividade da agricultura em diversas regiões do
mundo– tem sido bastante criticado por haver privilegiado aos agricultores mais dotados de
recursos e aos agroecossistemas com maior capacidade de resposta aos investimentos
tecnológicos, aumentado com isso as desigualdades sociais. Esta crítica se ajusta mais ao
contexto dos países do Terceiro Mundo, onde a agricultura moderna de alta produtividade passou
a conviver com agriculturas pouco produtivas e estagnadas tecnologicamente. E, não menos
importante, a dependência cada vez maior da agricultura a respeito do fornecimento de inputs
energéticos externos –para manter ou incrementar a produtividade– tem aumentado os problemas
econômicos dos agricultores ao aumentar os custos de produção e degradar a base de recursos
naturais. A conjugação de problemas econômicos, sociais e ecológicos na agricultura tem sido o
resultado de um contínuo processo de artificialização-degradação dos ecossistemas que, ademais
de pôr em risco as rendas agrícolas, tende a alimentar o processo entrópico a médio e longo

and environmental policy. Londres: Belhaven Press; pp. 75-96. Citado por Paniagua Mazorra et al. (1996):
Análisis conceptual de la cuestión ambiental ...; op. cit. p. 12.
85
Cf. Paniagua Mazorra et al. (1996): Análisis conceptual de la cuestión ambiental ...; op. cit. p.
12.
86
Cf. Daly e Gayo (1995): “Significado, conceptualización y procedimientos operativos ...”; op. cit. p.
37.
87
Cf. CMMAD (1992): Nuestro futuro común. op. cit. p. 92.

34
prazos88. Por suposto, estas dificuldades se fazem notar com mais intensidade naqueles países
onde a agricultura não está ao amparo de políticas de subsídios patrocinadas pelo Estado.
Tudo isto tem contribuído para que se comece a questionar o modelo tecnológico dominante,
tanto pelos problemas sociais e econômicos, como pelos desequilíbrios ecológicos e ambientais
que tem causado ou que, pelo menos, não tem sabido resolver. A suposta crise do modelo
tecnológico agrícola tem sido considerada muitas vezes como uma crise do paradigma
produtivista, e o discurso da produtividade a qualquer custo tem cedido espaço para a emergência
do discurso da sustentabilidade –esta reivindicada por muitos como um novo paradigma para a
agricultura do próximo século. Se até agora um bem organizado processo de produção agrária
supunha reproduzir continuamente os tradicionais fatores terra, trabalho e capital, a ênfase posta
na sustentabilidade agregaria “o meio ambiente como um quarto fator de produção”89.
Se bem é certo que as preocupações pela sustentabilidade agrária já estavam
implicitamente presentes nas propostas que defendiam uma “agricultura alternativa” nos anos
setenta, o debate e a produção acadêmica em torno ao tema receberam maior ímpeto nos anos
oitenta e, especialmente, a partir da publicação do Relatório Brundtland e da conseqüente
popularização da expressão desenvolvimento sustentável nos meios acadêmico, político e
institucional. Com efeito, as proposições em favor da agricultura sustentável devem entender-se
como parte do discurso mais geral do desenvolvimento sustentável e, portanto, não estão isentos
de contradições e dificuldades conceptuais e operativas90.
Neste contexto não é nossa intenção definir de um modo mais preciso o conceito de
agricultura sustentável. O propósito –mais modesto– das linhas que seguem é tão somente
assinalar alguns aspectos, propostas e princípios gerais que, na atualidade, dão sentido e
representam em boa medida o contexto da sustentabilidade em que se inserta a agricultura. Em
vez de fechar as portas para as agriculturas “alternativas”, mais bem pareceria que o discurso da
agricultura sustentável abre importantes vias para a diversidade dos sistemas agrários, todo o
contrario a homogeneidade característica do discurso tecnológico até agora dominante.
O Relatório Brundtland, embora sem oferecer formalmente um conceito de agricultura
sustentável, assinala que “a produção agrícola somente pode sustentar-se a longo prazo se não se
degrada a terra e a água que a sustenta”, o que exigiria uma nova orientação da intervenção
governamental que, através de políticas específicas, permitira a proteção “dos recursos de base
para manter, e ainda acrescentar, a produtividade agrícola e os meios de subsistência de todos os
habitantes do campo”. Sugere, ademais, que a agricultura sustentável “deve ter como meta elevar
não somente a produtividade e as rendas médias, mas também a produtividade e as rendas
daqueles que são pobres em recursos”91, pondo assim em evidência a necessidade de considerar
a equidade como parte das preocupações ambientais.
Desde a aparição do Relatório da CMMAD, se construíram pelo menos setenta definições de
agricultura sustentável, cada uma com suas próprias sutilezas e enfatizando diferentes valores,
prioridades e metas. O suposto implícito nestes intentos é a possibilidade de alcançar uma
definição correta de agricultura sustentável, embora uma definição precisa não parece possível: a
sustentabilidade é, em si mesma, um conceito complexo e polisêmico92. A agricultura sustentável

88
“O conserto contínuo é um dos custos das civilizações de alta energia”. Cf. Odum, E. P. (1986):
Ecologia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara; p. 57.
89
Cf. Glasbergen, P. (1992): “Agro-environmental policy: trapped in an iron law?”. Em: Sociologia
Ruralis, vol. XXXII, nº 1; pp. 30-48; p. 30.
90
Como bem sintetizou Cadenas Marín, é inevitável que a inconsistência conceptual de
desenvolvimento sustentável “impregne e se deslize até estender-se aos conceitos operativos relativos à
sustentabilidade dos sistemas agroecológicos e dos sistemas de produção agroalimentar”. Cf. Cadenas
Marín, A. (1995): “Conceptos y criterios operativos de sustentabilidad de sistemas de producción agraria,
forestal y alimentaria”. Em: Cadenas Marín (ed.): Agricultura e desenvolvimento sustentável; op. cit. pp.
71-89; p. 74.
91
Cf. CMMAD (1992): Nuestro futuro común. op. cit. p. 167 e 176.
92
Cf. Pretty, J. N. (1996): Regenerating agriculture. Policies and practice for sustainability and
self-reliance. London: Earthscan; p. 11. Uma categorização de distintas definições de sustentabilidade pode

35
está aberta, pois, a muitas interpretações, assumindo distintos significados para agricultores,
ambientalistas, economistas e sociólogos93.
Com independência das diferentes interpretações existentes –que, segundo Conway e
Barbier, podem ser inclusive contraditórias em alguns casos–, se aceita amplamente a agricultura
sustentável como uma meta que deve ser incorporada no desenho de projetos e nas políticas de
desenvolvimento. Não obstante, a coalizão de interesses em torno à relevância de promover a
agricultura sustentável não tem contribuído a clarificar os conceitos e definições sobre o tema. Por
conseguinte, sob o guarda-chuvas da agricultura sustentável se inclui, em opinião destes autores,
tudo aquilo que se percebe como “bom” ou benigno94.
Com efeito, podem ser encontradas muitas definições de agricultura sustentável, variando
desde formulações bastante simples até aquelas de elaboração mais complexa. Para Reijntjes e
seus colegas, por exemplo, a sustentabilidade no contexto da agricultura se refere basicamente à
“capacidade de seguir sendo produtivo e de, ao mesmo tempo, manter a base de recursos”95.
Desde um ponto de vista eminentemente agronômico, a agricultura sustentável poderia ser
definida também como um “sistema de produção agrária que persegue a conservação dos
recursos, a melhoria do meio e a viabilidade econômica das explorações, mediante uma adição de
agroquímicos de forma racionalizada, luta integrada para o controle de pragas, trabalho de
conservação e fomento de tecnologias de baixo custo”96. Altieri considera que os elementos
decisivos de um agroecossistema sustentável seriam a conservação dos recursos renováveis, a
adaptação das espécies cultivadas às condições ambientais e a conservação de níveis
moderados, porém sustentáveis, de produtividade. Em todo caso, o objetivo de tal estratégia seria
a sustentabilidade ecológica de longo prazo em lugar da produtividade de curto prazo97.
Definições mais elaboradas sugerem seis perspectivas chave para determinar a
sustentabilidade de um sistema de produção agroalimentar: a) a contabilidade ambiental, que

ser vista em Camino, R. y Müller, S. (1993): Sostenibilidad de la agricultura y de los recursos naturales:
bases para establecer indicadores. San José, C.R.: Instituto Interamericano de Cooperación para la
Agricultura/Proyecto IICA/GTZ.
93
Cf. Conway & Barbier (1990): After the green revolution ...; op. cit. p. 9.
94
Estas características “benignas” da agricultura sustentável seriam: a) produção estável, eficiente e
alta; b) insumos baratos, uso total de técnicas de agricultura orgânica e o conhecimento tradicional; c)
seguridade e auto-suficiência alimentar; d) conservação da biodiversidade; e) conservação dos valores
tradicionais; f) ajuda para as populações mais pobres; e g) alto nível de participação dos agricultores na
tomada de decisões. Cf. Conway & Barbier (1990): After the green revolution ...; op. cit. p. 9-10.
95
Cf. Reijntjes, C.; Haverkort, B.; & Waters-Bayer, A. (1992): Farming for the future. An
introduction to low-external-input and sustainable agriculture. Londres: MacMillan Press. Utilizamos a
edição castelhana de 1995: Cultivando para el futuro. Introducción a la agricultura sustentable de
bajos insumos externos. Montevideo: Editorial Nordan-Comunidad; p. 2. De maneira similar, o CGIAR –
Grupo Consultivo de Investigação Agrícola Internacional define a agricultura sustentável como a correta
gestão dos recursos agrários, a fim de que se possa satisfazer as cambiantes necessidades humanas e ao
mesmo tempo se conservem os recursos naturais e se respeite ou melhore o meio ambiente”. Cf. García-
Ramos (1995): “El sistema internacional de investigación agraria ...”; op. cit. p. 344.
96
Cf. Labrador Moreno, J. y Altieri, M. A. (1995): Manejo y diseño de sistemas agrícolas
sustentables. Madrid: MAPA, Hojas Divulgadoras, nº 6-7/94; p. 49.
97
Para alcançar a sustentabilidade ecológica de longo prazo o sistema de produção deveria: “a)
reduzir o uso de energia e recursos e regular o investimento total de energia de maneira a obter uma relação
alta de produção/investimento; b) reduzir as perdas de nutrientes mediante a contenção efetiva da lixiviação,
escorrimento, erosão e melhorar a reciclagem de nutrientes mediante a utilização de leguminosas, adubos
orgânicos, composto e outros mecanismos efetivos de reciclagem; c) estimular a produção local de cultivos
adaptados ao conjunto natural e sócio-económico; d) sustentar uma produção líquida desejada mediante a
preservação dos recursos naturais, isto é, mediante a minimização da degradação do suelo; e) reduzir os
custos e aumentar a eficiência e viabilidade econômica das granjas de pequeno e médio tamanho,
promovendo assim um sistema agrícola diversificado e flexível”. Cf. Altieri, M. A. (1995): “El ‘estado del arte’
de la agroecología y su contribución al desarrollo rural en América Latina”. Em: Cadenas Marín (ed.):
Agricultura y desarrollo sostenible. op. cit. pp. 151-203; p. 167-168.

36
identificaria os limites físicos; b) a produtividade, que se refere à produção por unidade de área; c)
a capacidade de carga, que apontaria ao máximo tamanho da população que o ambiente pode
suportar de uma maneira continuada; d) a viabilidade da produção, que consideraria a viabilidade
a longo prazo das unidades de produção agrárias, bem explorações ou grupos de explorações; e)
o abastecimento e segurança na produção, que partiria da auto-suficiência na produção de
alimentos como a chave da estabilidade política e econômica; e f) a equidade, que implicaria a
segurança alimentaria inter-geracional, incluindo uma distribuição eqüitativa dos alimentos98.
Para Conway e Barbier, a sustentabilidade agrícola pode ser definida como “a capacidade
para manter a produtividade seja de um campo de cultivo, de uma exploração ou de uma nação,
no caso de que haja tensão ou choque”. É a sustentabilidade que vai determinar a persistência da
produtividade de um agroecossistema sob condições conhecidas ou possíveis de ocorrer. A
sustentabilidade é “uma função das características intrínsecas de um sistema, da natureza e
intensidade das tensões e choques a que está sujeito o sistema, e dos inputs humanos que podem
ser introduzidos para conter estas tensões ou choques”99. Interessante na contribuição destes
autores é a introdução de uma perspectiva de análise agroecossistêmica, sob a qual a avaliação
da viabilidade de um ecossistema agrícola incluiria, ademais da sustentabilidade, outros três
critérios fundamentais: a) a produtividade, que se refere ao rendimento de produto valorado
(output) por unidade de insumo fornecido ao sistema (input); b) a estabilidade, que se define como
a constância de produtividade na presença de pequenas forças perturbadoras que provêm desde
os ciclos e flutuações normais no ambiente circundante; e c) a equidade, entendida como a
distribuição eqüitativa da produtividade do sistema agrícola entre os beneficiários humanos100.
Desde uma perspectiva mais ampla de desenvolvimento agrícola, Glico estabelece uma
importante distinção ao abordar o conceito de sustentabilidade. Partindo de um ponto de vista
eminentemente ecológico, define a sustentabilidade como a capacidade de um ecossistema de
manter constante seu estado através do tempo. Isto pode ser alcançado tanto de forma
espontânea na natureza (estado de clímax) como em situações onde haja intervenção humana
(estado de disclímax), sempre que se mantenha a equivalência entre as saídas e as entradas de
matéria, energia e informação, isto é, mantendo-se invariáveis o volume de biomassa, as taxas de
câmbio e os ritmos de circulação que caracterizam o estado constante do ecossistema em
questão101.
Contudo, sob uma ótica ambiental, Glico considera que a sustentabilidade supõe relações
muito mais complexas ao “incorporar plenamente a problemática relação entre a sociedade e a
natureza”, pois qualquer estratégia de desenvolvimento sempre implica, desde o ponto de vista
físico, uma transformação ou artificialização ecossistêmica sobre a base da intervenção do
homem. Assim, alcançar a sustentabilidade ambiental significa, sobretudo, alcançar uma
coexistência harmônica entre o homem e seu ambiente, evitando a deterioração do ecossistema
artificializado. Tudo isto requer a consideração de conceitos temporais (estratégias de
desenvolvimento de longo prazo); tecnológicos (acervo tecnológico e informação para equilibrar os
custos ecológicos da artificialização); e financeiros (disponibilidade de recursos materiais e
energéticos para realizar transformações de caráter sustentável)102.

98
Cf. Cadenas Marín (1995): “Conceptos y criterios operativos de sustentabilidade ...”; op. cit. p. 76-
85.
99
Segundo estes autores, o incremento da erosão de solos constitui um exemplo de tensão,
caracterizando-se por ser um fenômeno normalmente continuado, relativamente pequeno, previsível e com
efeito cumulativo no longo prazo. O choque se refere a um evento maior, como por exemplo o surgimento de
uma nova praga ou o inesperado incremento no preço dos insumos agrícolas. Sob condições de tensão ou
choque, a produtividade de um sistemas pode manter-se inalterada, pode diminuir e retornar ao nível
anterior ou fixar-se em um novo nível mais inferior, ou inclusive o sistema pode ruir-se completamente. Cf.
Conway & Barbier (1990): After the green revolution ...; op. cit. p. 37.
100
Cf. Conway & Barbier (1990): After the green revolution ...; op. cit. p. 39-43.
101
Cf. Glico, N. (1990): “Los factores críticos de la sustentabilidad ambiental del desarrollo agrícola”.
Em: Comercio Exterior, vol. 40, nº 12, dic./1990; pp. 1135-1142; p. 1135.
102
Cf. Glico (1990): “Los factores críticos de la sustentabilidad ambiental ...”; op. cit. p. 1136.

37
Farshad e Zinck sintetizam alguns dos principais aspectos reconhecidos em distintas
definições de sustentabilidade revisadas, a saber: a) a sustentabilidade se refere à continuidade
qualitativa e quantitativa no uso de recursos; b) a agricultura sustentável é dinâmica porque está
vinculada ao uso da terra (que reflete as necessidades cambiantes da população) e a flutuante
economia mundial; c) a sustentabilidade implica um estado de equilíbrio entre as atividades
humanas –influenciadas pelo comportamento social, conhecimentos adquiridos e tecnologias
aplicadas–, por um lado, e os recursos para a produção de alimentos, por outro; d) a
sustentabilidade significa alimentar a presente e as futuras gerações, o que requer uma infra-
estrutura melhorada e uma economia estável; e e) a agricultura sustentável implica a adequada
gestão dos recursos produtivos, de maneira a evitar a degradação ou contaminação do meio
ambiente. Na opinião destes autores, a equidade, por ser uma medida de como se distribuem os
benefícios aos agentes humanos, constitui um dos mais relevantes aspectos da
sustentabilidade103.
Doering considera que, com independência da definição que se tome, a noção implícita de
agricultura sustentável é que esta seria um sistema estruturalmente diferente dos sistemas atuais.
Implicaria, pois, uma menor utilização de inputs externos e a introdução de novos métodos de
gestão e novos sistemas de cultivo, privilegiando o melhor aproveitamento de recursos localmente
disponíveis. Estes métodos e sistemas de produção deveriam, por tanto, exercer uma mínima
pressão sobre o meio ambiente com o objetivo de permitir a manutenção da produtividade a longo
prazo104.
Além disso, como assinala Neher, existiriam três aspectos comuns à definição de agricultura
sustentável: a produtividade agrária, a qualidade ambiental e a prudência ecológica, e a viabilidade
sócio-econômica105. De maneira similar, Allen e seus colaboradores definem a agricultura
sustentável como aquela que “equilibra os interesses de qualidade ambiental, viabilidade
econômica e justiça social entre todos os setores da sociedade”106. Em todo caso, para que se
possa alcançar uma agricultura sustentável deveria haver uma conjugação equilibrada dos três
aspectos considerados (o econômico, o social e o ecológico).
Ao se analisar as distintas definições e propostas operativas de agricultura sustentável que
têm aparecido na literatura, parece haver consenso sobre as dificuldades para atingir, ao mesmo
tempo, os diversos objetivos compatíveis com a sustentabilidade agrária. Como põem de
manifesto Conway e Barbier, “é preciso fazer opções: a produtividade a expensas da equidade,
por exemplo, ou a sustentabilidade a expensas da produtividade. Dadas estas transações, não é
surpreendente que o alcance da agricultura sustentável apareça como uma tarefa difícil”107.
As dificuldades para definir com precisão os indicadores e critérios operativos do que seria
uma agricultura verdadeiramente sustentável têm levado a muitos autores a enumerar toda uma
serie de métodos e técnicas de produção que estariam mais de acordo com os princípios gerais
básicos da sustentabilidade. Muitas destas práticas agrárias sustentáveis se estabelecem em
contraposição à aquelas que têm sido dominantes no modelo agroquímico convencional nas
últimas décadas, e seu traço distintivo seria especialmente a maior valorização e aplicação dos

103
Cf. Farshad, A. & Zinck, J. A. (1993): “Seeking agricultural sustainability”. Em: Agriculture
Ecosystems and Environment, nº 47, pp. 1-12; p. 2.
104
Cf. Doering, O. (1992): “Federal policies as incentives or disincentives to ecologically sustainable
agriculture systems”. Em: Olson, R. K. (ed.): Integrating sustainable agriculture, ecology, and
environmental policy. New York: The Haworth Press; pp. 21-36; p. 22.
105
Cf. Neher, D. (1992): “Ecological sustainability in agricultural systems: definition and measurement”.
Em: Olson (ed.): Integrating sustainable agriculture ...; op. cit. pp. 51-61; p. 54.
106
Cf. Allen, P.; Van Dusen, D.; Lundy, J.; & Gliessman, S. (1991): “Integrating social, environmental,
and economic issues in sustainable agriculture”. Em: American Journal of Alternative Agriculture, vol. 6,
nº 1; pp. 34-39; p. 37.
107
Cf. Conway & Barbier (1990): After the green revolution ...; op. cit. p. 10-11. Cf. também Conway,
G. R. y Barbier, E. D. (1990): “Después de la revolución verde: agricultura sustentable para el desarrollo”.
Em: Agroecología y Desarrollo, nº 4, dic./1990; pp. 55-57; p. 56.

38
conhecimentos e recursos localmente disponíveis108. Assim, em vez de monoculturas produzidas
com elevados aportes de insumos químico-mecânicos, a agricultura sustentável estaria assentada
numa maior diversificação de culturas; integração de agricultura e pecuária; rotação de cultivos;
fertilização orgânica do solo; reciclagem de nutrientes; controle biológico de pragas, ervas
daninhas e doenças; redução do consumo energético; eliminação do uso de insumos
agroquímicos; incremento da biodiversidade; etc.
A maior ou menor utilização destas práticas sustentáveis caracterizaria os diversos estilos de
agricultura que podem ser qualificados como agricultura sustentável e que, de modo geral, são
usados para descrever alternativas ao modelo tecnológico dominante. Estas alternativas incluiriam,
por exemplo, a agricultura de baixos inputs externos, a agricultura ecológica, a agricultura
orgânica, a agricultura biodinâmica, a agricultura agroecológica, a permacultura, entre outras
denominações109. Com efeito, utilizando os têrmos de Conway e Barbier110, poderia dizer-se que o
conceito de agricultura sustentável funciona como um guarda-chuvas sob o qual se inclui toda uma
serie de tecnologias agrícolas, sistemas de produção e estilos de agricultura que, em maior ou
menor grau de intensidade e em distintos níveis, expressam os critérios ou princípios básicos que
definem a sustentabilidade.
Desde esta perspectiva, e com independência do estilo de agricultura de que se trata, um
sistema de produção seria sustentável, segundo Pretty, se persegue sistematicamente as
seguintes metas: a) uma mais completa incorporação de processos naturais, tais como a
reciclagem de nutrientes, a fixação de nitrogênio atmosférico e as relações predador-presa nos
processos de produção agrária; b) uma redução no uso de inputs externos e não renováveis com
maior potencial de dano ao meio ambiente e à saúde de agricultores e consumidores, e um uso
mais objetivo dos demais inputs no sentido de minimizar os custos variáveis de produção; c) um
acesso mais eqüitativo aos recursos produtivos e oportunidades, e evolução à formas socialmente
mais justas de agricultura; d) um maior uso produtivo do potencial biológico e genético das
espécies animal e vegetal; e) um maior uso produtivo das práticas e conhecimentos locais,
incluindo enfoques inovadores ainda não completamente entendidos pelos cientistas ou
largamente adotados pelos agricultores; f) um incremento da confiança e interdependência entre
agricultores e população rural; g) um melhoramento no equilíbrio entre estilos de agricultura,
potencial produtivo e restrições ambientais de clima e solo, de maneira a assegurar a
sustentabilidade dos níveis de produção a longo prazo; e h) a produção eficiente e rentável, com
ênfase na gestão agrária integrada e a conservação do solo, da água, da energia e dos recursos
biológicos111.
Efetivamente, a agricultura sustentável é muito mais um processo que um ponto final; mais
que um conjunto de técnicas, a sustentabilidade agrária pode ser vista como um enfoque que

108
Cf. Pretty (1996): Regenerating agriculture ...; op. cit. p. 8.
109
Cf. Pretty (1996): Regenerating agriculture ...; op. cit. p. 8.
110
Cf. Conway & Barbier (1990): After the green revolution ...; op. cit.
111
Cf. Pretty (1996): Regenerating agriculture ...; op. cit. p. 9. Desde outro ponto de vista, seria tanto
ou mais importante entender quando um agroecossistema deixa de ser sustentável, isto é, “quando já não
pode assegurar os serviços ecológicos, os objetivos econômicos e os benefícios sociais”. Segundo Altieri,
um agroecossistema deixaria de ser sustentável quando apresenta: “a) diminuição na capacidade produtiva
(devido a erosão, a contaminação com fitossanitários, etc); b) redução da capacidade homeostática de
adequar-se aos câmbios, devido a destruição dos mecanismos internos de controle de pragas ou das
capacidades de reciclagem de nutrientes; c) redução na capacidade evolutiva, devido, por exemplo, a
erosão genética ou a homogeneização genética através dos monocultivos; d) redução na disponibilidade ou
no valor dos recursos necessários para satisfazer as necessidades básicas (por exemplo, acesso a terra, a
água e a outros recursos); e) redução na capacidade de manejo adequado dos recursos disponíveis, devido
a uma tecnologia inapropriada ou a uma incapacidade física (enfermidade, desnutrição); f) redução da
autonomia no uso de recursos e tomada de decisões, devido à crescente diminuição de opções para os
produtores agrícolas e consumidores”. Cf. Altieri (1995): “El ‘estado del arte’ de la agroecología ...”; op. cit. p.
172-173.

39
permite encontrar um balanço entre os ótimos agronômicos, ambientais, econômicos e sociais112.
A agricultura sustentável não é um simples modelo ou pacote para ser imposto aos agricultores,
senão muito mais um processo de aprendizagem113. E, como tal, pode ser entendida como uma
meta, como um objetivo de chegada que trata de assegurar que todos os sistemas agrários
cumpram certos princípios básicos para a sustentabilidade. Vista sob esta ótica, a agricultura
sustentável poderia ser alcançada através de distintas vias ou estilos, chamem-se agricultura
ecológica, agroecológica, biológica, de baixos inputs, etc.114.

3 A transição à uma agricultura com base ecológica

Como vimos anteriormente, nos últimos anos foi se gerando um consenso de que é
necessário investigar e difundir formas de agricultura sustentável, embora ainda não exista uma
definição precisa e amplamente compartilhada de sustentabilidade. Há também evidência de que,
quando se trata de analisar princípios, propostas e estratégias orientadas a transição do atual
modelo produtivista em direção a sistemas agrários mais sustentáveis, seria preciso considerar –
ademais da dimensão tecnológica– a inter-relação de uma série de aspectos (econômicos, sociais,
ecológicos, políticos e culturais) da produção agrícola. De fato, a sustentabilidade é um conceito
complexo, construído socialmente, e seus significados dependem, por conseguinte, do contexto
em que se insere. Em qualquer caso, entretanto, “existe um acordo geral de que a sustentabilidade
tem uma base ecológica”115.
Com efeito, a transição agroecológica que começou neste final de milênio –a segunda
transição do século XX na classificação de Buttel– poderia ser definida como a passagem do
modelo produtivista convencional para formas de produção mais evoluídas sob o ponto de vista da
conservação dos recursos naturais e, consequentemente, mais sustentáveis no médio e longo
prazos. A característica fundamental deste processo de transição seria a ecologização da
agricultura, assumindo as considerações de caracter ambiental e biofísico um papel ativo na
determinação das práticas agrárias. Esta ecologização das práticas agrárias estaria, por sua vez,
crescentemente marcada por uma maior integração entre a Agronomia e a Ecologia –dois campos
de estudo até agora pouco explorados em suas complementaridades para gerar conhecimentos
relevantes à melhoria de métodos e técnicas de intervenção com fins agrícolas do homem sobre
os ecossistemas.
Há que ressaltar, não obstante, que o processo de ecologização da agricultura não se
apresenta como uma tendência unilinear de mudança a uma nova homogeneização das
agriculturas mundiais –como se havia suposto que ocorreria a partir da difusão internacional dos
pacotes da Revolução Verde. Ao contrario, é a noção mesma de que a intervenção humana no
processo de produção agrícola deve respeitar as especificidades, potencialidades e limitações
inerentes a cada ecossistema o que faz da ecologização um processo dinâmico, continuo,
multilinear e em constante adaptação às condições de tempo e de lugar. Ou seja, a ecologização
teria que adequar-se às diversas características ecossistêmicas que potencialmente intervêm na
sustentabilidade agrícola.
Alguns analistas consideram, no entanto, que não se pode pensar em propor modelos
alternativos que não sejam capazes de garantir níveis de produção e produtividade agrícola
similares aos alcançados com o modelo tecnológico dominante. Destacam, ademais, que foi tão
112
Cf. Flora, C. B. (1992): “Building sustainable agriculture: a new application of farming systems
research and extension”. Em: Olson (ed.): Integrating sustainable agriculture ...; op. cit. pp. 37-49; p. 38.
113
Cf. Pretty (1996): Regenerating agriculture ...; op. cit. p. 12.
114
Contudo, embora o tema da sustentabilidade da agricultura tenha chamado a atenção da
comunidade científica e de diversos profissionais ligados ao campo do desenvolvimento, haveria que ter em
conta o interrogante de se o trabalho dirigido à agricultura sustentável terá um caracter mais permanente ou
se constitui nada mais que uma “moda passageira”. Cf. Conway & Barbier (1990): After the green
revolution ...; op. cit. p. 9.
115
Cf. Gliessman, S. R. (1997): Agroecology: ecological processes in sustainable agriculture.
Chelsea: Ann Arbor Press; p. I-13 (cursivas anhadidas).

40
somente neste século –a partir do advento da agricultura moderna– que algumas sociedades
conseguiram superar o problema da escassez de alimentos e, inclusive, assegurar uma
superprodução agrícola e alimentar nunca antes alcançada na historia da humanidade. Tendo-se
em conta que na maior parte do planeta não se tem conseguido ainda um adequado suprimento
de alimentos, seria ilusório, portanto, “imaginar que possa perder força um modelo que tem
garantido a segurança alimentar de outros povos”116. Desde um ponto de vista mais otimista, por
outra parte, a predominância de modelos agrícolas “alternativos” sobre o modelo convencional
seria “somente uma questão de tempo”117.
Em todo caso, mudar o atual modelo produtivista por outro mais sustentável não seria, em
essência, uma simples opção que se apresenta à sociedade, mas seria muito mais um imperativo
ecológico, já que são problemas ambientais e suas manifestações sociais e econômicas as que
determinam a necessidade de maiores esforços com o objetivo de assegurar a sustentabilidade da
agricultura no médio e longo prazos. Isto é, há uma visão compartilhada de que o modelo
convencional é ecologicamente insustentável ou está caminhando nesta direção, e isto,
evidentemente, justifica os intentos de implementação de estilos ou sistemas de produção agrícola
–mais ou menos afastados do padrão dominante– que vêm se desenvolvendo nos anos mais
recentes.
Neste contexto, vários autores consideram que o atual modelo tecnológico inspirado na
Revolução Verde já estaria em fase de desagregação, se bem ainda não seria possível precisar
quanto tempo poderá tardar sua substituição por um novo modelo mais de acordo com os
princípios da sustentabilidade em sentido amplo. Ademais, não existe até agora uma perspectiva
clara de qual seria o padrão tecnológico resultante desta segunda transição agroecológica do
século. Atualmente, são muitas as tecnologias chamadas “alternativas” que já se incorporaram à
agricultura industrial, mostrando com isso o dinamismo do modelo convencional em absorver e
adaptar propostas e tecnologias que surgem inclusive desde o polo oposto e de contestação. Com
efeito, seria de esperar que o futuro modelo mescle “elementos da agricultura moderna com dados
novos da pesquisa agropecuária e da Agroecologia”118.

3.1 A ecologização da agricultura e as vias da transição

Mesmo reconhecendo que a tecnologia por si só não seria suficiente para solucionar os
problemas sócio-econômicos e ambientais que enfrenta a humanidade, alguns autores consideram
que “a transição em direção a uma agricultura sustentável depende do avanço do conhecimento
científico”119, ao mesmo tempo em que “ao setor tecnológico lhe corresponde uma participação
importante na consecução de sistemas agrícolas sustentáveis”120. Ou seja, os desafios suscitados
pela sustentabilidade – especialmente no contexto de países do Terceiro Mundo– exigem modelos
produtivos mais de acordo com os imperativos ecológicos e, ao mesmo tempo, mais adaptados às
circunstâncias sócio-econômicas e culturais da população rural121.

116
Cf. Veiga, J. E. (1995): “Entrevista”. Em: Agricultura Sustentável, Jaguariúna, ano 2, nº 1,
jan.jun./1995; pp. 5-10; p. 8. Ver também Veiga, J. E. (1996): “Agricultura familiar e sustentabilidade”. Em:
Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, vol. 13, nº 3; pp. 383-404.
117
Cf. Paschoal, A. D. (1995): “Modelos Sustentáveis de Agricultura”. Em: Agricultura Sustentável,
Jaguariúna, ano 2, nº 1; jan.jun./1995; pp. 11-16; p. 11.
118
Cf. Veiga (1995): “Entrevista”; op. cit. p. 7.
119
Cf. Veiga, J. E. (1995): “Entrevista”; op. cit. p. 8. Ver também Veiga, J. E. (1994): “Problemas da
transição à agricultura sustentável”. Em: Estudos Econômicos, São Paulo, vol. 24, nº especial; pp. 9-24.
120
Cf. Labrador Moreno y Altieri (1995): Manejo y diseño de sistemas agrícolas sustentables.
Madrid: MAPA, Hojas Divulgadoras, nº 6-7/94; p. 44-45.
121
Enrique Leff, por exemplo, considera necessário o desenvolvimento de inovações “apropriadas-
apropriáveis”, cujas características e requerimentos de capital as façam manejáveis pelos próprios
agricultores, o que suporia adotar uma política tecnológica seletiva e inovadora, orientada a proporcionar os
satisfatores a escala local e a gerar o desenvolvimento de um grande número de comunidades rurais. Cf.
Leff (1994): Ecología y capital ...; op. cit. p. 225.

41
Na opinião de Michael Redclift, por exemplo, hoje em dia seria possível distinguir duas vias
para o desenvolvimento da tecnologia agrária: a) a via de “alta tecnologia”, que se caracterizaria
pela adoção de tecnologias da engenharia genética combinadas com fatores de produção
industriais de origem comercial; e b) a via de “baixa tecnologia”, que privilegiaria a adoção de
tecnologias mais ajustadas aos recursos e procedimentos do pequeno agricultor. Não obstante,
parece haver evidência de que já alcançamos os limites da via de “alta tecnologia”, a julgar pela
estagnação e inclusive a queda dos rendimentos de alguns cereais em muitos países do Terceiro
Mundo. Também a via de “baixa tecnologia” apresentaria evidentes limitações, pois resulta pouco
provável que esta tecnologia, por mais apropriada que seja, possa solucionar os problemas
estruturais que enfrentam os agricultores das zonas de escassos recursos. Dadas estas
limitações, um dos desafios apresentados por Redclift é o desenvolvimento de uma “terceira via
tecnológica”, que poderia ser caracterizada como “baixa em fatores de produção e alta em
tecnologia”122.
Com efeito, a transição a uma agricultura que incorpore uma base ecológica –independente
do contexto em que se trata– não deveria ser entendida como um retorno romântico à tecnologias
“primitivas” de baixos rendimentos. Ao contrário, parece não haver dúvidas de que resultaria
absurdo qualquer intento de regressar às tecnologias agrícolas tradicionais, embora a
revalorização e o resgate de ditas tecnologias sim que poderiam contribuir à geração de novos
conhecimentos orientados ao desenvolvimento de uma agricultura assentada em bases ecológicas
e, talvez, menos dependente de inputs industriais intensivos em capital. Dito de forma breve, a
ecologização da agricultura não cria obstáculos para o avanço científico e o progresso tecnológico.
Se isto é assim, a partir da “terceira via baixa em fatores de produção e alta em tecnologia”,
proposta por Redclift, se poderia imaginar, grosso modo, distintas vias de transição ao longo de
um continuum. Mais perto de um dos pólos deste continuum se situariam as formas de “agricultura
alternativa” que –sob as orientações da Agroecologia– estariam buscando uma maior integração
entre os conhecimentos agronômicos, ecológicos e de outras disciplinas correlacionadas, com o
objetivo de gerar umas bases científicas e tecnológicas mais afastadas daquelas que até agora
têm caracterizado o modelo agroquímico convencional. Nas proximidades do polo oposto se
situariam as formas de “intensificação sustentável” que, se bem com algum grau e certo tipo de
“ecologização” de seu processo produtivo, continuariam muito próximas ao padrão tecnológico
dominante. Entre estas duas posições mais extremas, e em algum ponto do continuum, estariam,
por exemplo, as denominadas “agriculturas sustentáveis de baixos inputs externos”, que
combinariam características tanto da “intensificação sustentável” como da “agricultura alternativa”.
A idéia de continuum nos indica que não haveriam “tipos puros” de transição; ou seja, a
“intensificação sustentável”, por exemplo, poderia incorporar algumas características das
“agriculturas ecológicas”, enquanto estas poderiam beneficiar-se de avanços tecnológicos e
sistemas de gestão típicos da intensificação. Em qualquer caso, as características comuns dessas
três vias de transição, como veremos a seguir, seriam a incorporação do progresso técnico e o
processo de ecologização –em seu sentido genérico– da agricultura.
A expressão “intensificação sustentável” tem sido utilizada pela FAO para referir-se à
tendência tecnológica que apresentaria a agricultura mundial daqui até o ano 2010. A FAO estima
que seguirão aumentando não somente as pressões sobre os recursos naturais e a degradação do
meio ambiente, mas também o emprego de insumos na agricultura (fertilizantes inorgânicos e
pesticidas químicos), significando que “a intensificação da agricultura continuará sendo, em maior
medida que no passado, a base do crescimento da produção agrícola no futuro”123, especialmente
no contexto das agriculturas praticadas em áreas de alto potencial produtivo124.
122
Isto certamente não está isento de dificuldades, uma vez que sua consolidação dependeria de uma
maior colaboração no campo da investigação, de um consenso internacional sobre as aplicações práticas e,
principalmente, de uma visão há muito mais longo prazo das conseqüências que os modelos de
desenvolvimento convencionais acarretam sobre o meio ambiente. Cf. Redclift (1993): “La función de la
tecnología agraria ...”; op. cit. p. 175 (cursivas anhadidas).
123
Alexandratos, N. (Dir.) (1995): Agricultura mundial hacia el año 2010. Estudio da FAO. Madrid:
FAO y Mundi-Prensa; p. 57. A FAO reconhece, por outra parte, que “os rendimentos das zonas bem dotadas

42
O estudo da FAO considera, não obstante, que já não tem sentido debater sobre vantagens
ou inconvenientes da utilização de modelos tecnológicos com alto ou baixo nível de insumos
externos, uma vez que nenhuma das duas proposições proporciona uma resposta total. Propõe,
então, a transição para uma agricultura mais sustentável mediante uma integração equilibrada de
ambos os sistemas125.
Assim, a maior racionalização do processo produtivo –via redução de insumos industriais–
constituiria o objetivo principal destas agriculturas, incorporando, ao mesmo tempo, novos
processos e tecnologias consideradas ambientalmente mais sadias (o plantio direto e o controle
biológico de pragas, por exemplo), reduzindo os custos de produção, mantendo os níveis de
produtividade e diminuindo os impactos ecológicos da atividade agrícola. Seria talvez a mais
provável linha a ser seguida pela atual agricultura moderna praticada em países desenvolvidos e
em determinadas áreas de países em desenvolvimento. Poderia dizer-se que o modelo
produtivista estaria se adaptando à incorporação de uma “segunda geração tecnológica da
Revolução Verde”, aproveitando inclusive os avanços mais recentes da biotecnologia .
Por outra parte, a perspectiva de uma necessária intensificação da agricultura demandaria,
segundo a FAO, novos esforços de investigação orientados por duas dinâmicas principais: a) a de
promover aumentos sustentáveis da produtividade nas zonas de mais alto potencial; e b) a de
inverter a degradação atual e estabilizar, ou elevar, a produção nos entornos marginais. Em ambos
os casos os esforços deveriam completar-se com outras duas proposições complementares e
transversais: “a reabilitação e restabelecimento da ecologia e a exploração da sinergia dos
conhecimentos técnicos indígenas e a ciência moderna”126.
A transição em direção à ASBIE (Agricultura Sustentável de Baixos Inputs Externos) –o
ponto intermediário do continuum– pode ser entendida como “o processo de conversão de um
sistema agrícola convencional ou tradicional em desequilíbrio, a outro econômica, ecológica e
socialmente equilibrado127”. Seu principal objetivo seria a otimização dos recursos locais nas
agriculturas menos tecnificadas ou autóctones de regiões pouco aptas para um uso elevado de
inputs externos, especialmente em países em desenvolvimento. Poderia ser tomada como
representativa deste enfoque a obra de Reijntjes e seus colaboradores, produzida sob os
auspícios do ILEIA (Centro de Informação sobre Agricultura Sustentável de Baixos Insumos
Externos) (Holanda).
Para Reijntjes e seus colegas, a agricultura sustentável de baixos insumos externos se refere
aos sistemas agrícolas que “buscam obter o máximo resultado do uso de recursos localmente

de recursos onde a tecnologia com uso intensivo de insumos (revolução verde) obteve resultados
espetaculares no passado estão se estancando”, e que, ademais, “a degradação dos recursos está
aumentando tanto nas terras boas como nas marginais”. Cf. FAO (1995): “Objetivo: conseguir alimentos para
todos”. Em: El Boletín, nº 27, oct./1995, MAPA; pp. 6-12, p. 6. O Relatório Brundtland também reconhece as
ameaças que representam os insumos agroquímicos sobre a saúde humana e a vida das demais espécies
(“nos países em desenvolvimento morrem anualmente 10.000 pessoas envenenadas por pesticidas e ao
redor de 400.000 sofrem seus efeitos”); reconhece também que tem aumentado a quantidade de espécies
de insetos nocivos resistentes aos agrotóxicos e que se multiplicaram diversas pragas muito daninhas que
põem em risco a produtividade agrícola. Resulta curioso, no entanto, quando o mesmo Relatório afirma que
“o emprego de produtos químicos na agricultura não é nocivo em si mesmo”, propondo a partir disso a maior
utilização destes produtos naquelas regiões onde o nível de aplicação segue sendo baixo e as
conseqüências dos resíduos sobre o meio ambiente ainda não constituem um problema. Seus autores,
portanto, parecem concordar e tomar para si a crítica que dirigem às “administrações do meio ambiente”,
que “se concentraram principalmente em reparar os danos depois de ocorridos”. Cf. CMMAD (1992):
Nuestro futuro común; op. cit. p. 61 e 159 (cursivas anhadidas).
124
Com efeito, dito estudo parte da hipótese de que “a atual via tecnológica predominará durante os
próximos 15-20 anos, especialmente nas regiões de alto potencial”, embora reconheça que “haverá um
deslocamento progressivo em busca de soluções que sejam aplicáveis às zonas mais marginais”. Cf.
Alexandratos (1995): Agricultura mundial hacia el año 2010 ...; op. cit. p. 391.
125
Cf. Alexandratos (1995): Agricultura mundial hacia el año 2010 ...; op. cit. p. 389.
126
Cf. Alexandratos (1995): Agricultura mundial hacia el año 2010 ...; op. cit. p. 408.
127
Cf. Reijntjes et al. (1995): Cultivando para el futuro ...; op. cit. p. 109.

43
disponíveis, mediante a combinação de diferentes componentes do sistema agrícola (animais,
solo, água, clima e gente) de maneira que se complementem uns a outros e tenham os maiores
efeitos sinérgicos possíveis; buscam formas de utilizar insumos externos somente na medida em
que necessitam fornecer elementos cuja produção no ecossistema é deficiente, e buscam
melhorar os recursos biológicos, físicos e humanos disponíveis. Ao utilizar insumos externos, se
presta primordial atenção à reciclagem máxima e a provocar o menor impacto negativo ao meio
ambiente”. Em todo caso, a ASBIE estaria buscando a incorporação dos “melhores componentes
do saber e das práticas autóctones dos agricultores, de uma agricultura ecologicamente sensível,
da ciência convencional e dos novos enfoques científicos (sistemas, Agroecologia, biotecnologia,
etc.)”128.
Ademais, a transição desde o enfoque da ASBIE representaria não somente uma
racionalização na utilização dos recursos internos e externos, senão que estaria dirigida a resgatar
a participação e o saber dos agricultores na determinação das prioridades de investigação e na
geração de tecnologias adaptadas aos distintos contextos sócio-econômicos e ecológicos.
Mediante métodos de intervenção de caráter participativo, este enfoque propõe que se inicie a
investigação a nível de exploração agrícola, valorizando as capacidades e habilidades dos
agricultores como insumo para a inovação e adaptação tecnológica129. Além disso, como põem de
manifesto seus autores, isto “não substitui a investigação levada a cabo nas estações
experimentais nem os ensaios de campo manejados pelos cientistas”. Se trataria de “um processo
complementar que implica vincular o poder e as capacidades da ciência agronômica com as
prioridades e capacidades das comunidades rurais para desenvolver sistemas agrícolas produtivos
e sustentáveis”130.
Em síntese, poderia dizer-se que a transição sob a perspectiva da ASBIE prioriza o uso
racional dos recursos locais (humanos e naturais) e admite sua combinação com insumos
externos, enquanto que no enfoque da intensificação sustentável estaria implícita a idéia de
priorizar o uso racional de inputs externos, porém admitindo a integração equilibrada com insumos
locais. Por outra parte, a ênfase em métodos participativos, a valorização do saber dos agricultores
e a consideração de princípios ecológicos para o manejo adequado dos agroecossistemas
aproximaria a ASBIE às propostas de transição que, desde o enfoque agroecológico, estariam
apoiando a agricultura de base ecológica ou sustentável (popularizada como alternativa).
Como assinalamos, perto de um dos pólos do continuum estariam as formas de agricultura
alternativa (orgânica, biodinâmica, natural, biológica, ecológica, regenerativa, entre outras) que
vêm se conformando nas últimas décadas à margem do modelo produtivista convencional.
Particularmente a partir da década de setenta, estes estilos, em seu conjunto, passaram a ser
vistos como parte de um movimento de oposição aos princípios e práticas do modelo
convencional, suscitando a necessidade de implementar sistemas de produção mais sadios
ecologicamente e justos socialmente131. A expressão agricultura alternativa seria, pois, uma das
formas de identificação deste movimento. Com efeito, como sugere Paschoal, este termo “não
expressa um modelo, uma filosofia de agricultura”. Na sua opinião, agricultura alternativa “é tão
somente uma terminologia útil para reunir todos os modelos que têm idênticos propósitos e

128
Cf. Reijntjes et al. (1995): Cultivando para el futuro ...; op. cit. p. 21-22.
129
Como método de intervenção, os autores propõem o DPT - Desenvolvimento Participativo de
Tecnologias, caracterizado como “o processo de combinar o conhecimento autóctone e as capacidades de
investigação das comunidades agrárias locais com as das instituições de investigação e desenvolvimento de
maneira interativa, para identificar, gerar, provar e aplicar novas técnicas e práticas e fortalecer a capacidade
experimental e de manejo da tecnologia existente entre os agricultores”. Cf. Reijntjes et al. (1995):
Cultivando para el futuro ...; op. cit. p. 216.
130
Cf. Reijntjes et al. (1995): Cultivando para el futuro ...; op. cit. p. 122.
131
Segundo Paschoal, o têrmo agricultura alternativa se popularizou a partir do Relatório Holandês,
publicado em 1977 pelo Ministério da Agricultura e Pesca da Holanda, no qual se apresentavam análises de
todos os estilos não convencionais de agricultura. Cf. Paschoal (1995): “Modelos sustentáveis ...”; op.cit. p.
16.

44
técnicas semelhantes, que não se identificam com os intentos puramente econômicos, imediatistas
e pouco científicos da agricultura químico-industrial”132.
Atualmente, não parece ser tarefa fácil caracterizar os distintos estilos não convencionais
que têm se desenvolvido e continuam desenvolvendo-se em todo o mundo. Nicolas Lampkin, em
sua extensa obra Organic Farming, observa que existem pelo menos 16 diferentes termos para
designar o que ele preferiu chamar “agricultura orgânica”, se bem em alguns casos há pouca ou
nenhuma diferença de significados entre eles. No Reino Unido, por exemplo, “orgânico e biológico
significam a mesma coisa e são intercambiáveis”. Enquanto o termo “biológico” tem maior
aceitação em países do continente europeu, o “orgânico” é comumente mais utilizado em países
de língua inglesa e EUA. Não obstante, como assinala Lampkin, as vezes a diferença nos termos
pode indicar a existência de diferenças conceituais ou filosóficas entre os estilos considerados; a
agricultura Biodinâmica, por exemplo, genuinamente é parte de um conjunto filosófico que
compreende educação, religião e nutrição, ademais da própria agricultura. De qualquer maneira,
os princípios e práticas que subjazem nos distintos termos são, em essência, similares133.
Dito isso, e sem o propósito de aprofundar sobre as diferentes formas de manifestação da
agricultura alternativa, apresentamos no Quadro Nº 1 uma síntese sobre os principais
proponentes, princípios básicos e época de surgimento de alguns dos estilos não convencionais
que têm alcançado maior repercussão. Poderia dizer-se, seguindo a Miguel Altieri, que uma das
características comuns aos diversos estilos “alternativos” seriam as estratégias de produção
agrícola em base a conceitos ecológicos, “de tal maneira que o manejo resulte na reciclagem de
nutrientes e de matéria orgânica otimizada, fluxo e sistemas energéticos fechados, populações de
pragas equilibradas e crescente uso múltiplo da terra”134.
Mais recentemente, a Agroecologia –definida como uma ciência que orienta a aplicação dos
princípios e conceitos ecológicos ao desenho e gestão de agroecossistemas sustentáveis–135 tem
se apresentado como um enfoque teórico que proporciona as bases científicas para o
desenvolvimento da agricultura alternativa ou sustentável136. Reivindicando a aplicação de um
enfoque distinto daquele utilizado pela pesquisa agrícola convencional, a Agroecologia parte de
que é necessário entender o funcionamento dos ecossistemas naturais e revalorizar os
conhecimentos e capacidades dos atores locais para –a partir disso– desenhar modernos sistemas
agrícolas sustentáveis.

132
Cf. Paschoal (1995): “Modelos sustentáveis ...”; op. cit. p. 16.
133
Cf. Lampkin, N. (1992): Organic farming. Ipswich: Farming Press Books; p. 4.
134
Cf. Altieri, M. A. (1989): Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. Rio de
Janeiro: PTA/FASE; p. 18.
135
Cf. Gliessman (1997): Agroecology ...; op. cit. p. I-14.
136
É necessário matizar a distinção entre a “agricultura alternativa” e a “agroecologia”. Seguindo a
Miguel Altieri, poderia dizer-se que a agricultura alternativa, em suas diversas manifestações ou estilos,
constitui “um conjunto de práticas e tecnologias que permitem a utilização de certos insumos, e não de
outros”. A agroecologia é considerada como “uma ciência que apresenta uma série de princípios e
metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas (...) não é uma prática ou
um sistema de produção”. Cf. Altieri, M. A. (1995): “Entrevista”. Em: Agricultura Sustentável, Jaguariúna,
vol. 2, nº 2, jul.dez./1995; pp. 5-11; p. 6 (cursivas anhadidas).

45
Quadro 1. Principais estilos de “agricultura alternativa”: protagonistas e princípios básicos*.
Principais protagonistas e seguidores Princípios básicos e alcance
Albert Howard: desenvolve pesquisas na Índia Princípios: uso de composto, plantas de raízes
(anos vinte); publica An agricultural testament profundas, atuação de micorrizas na saúde dos
Agricultura na Inglaterra (1940). Técnicas aprimoradas por cultivos. Difundida em vários continentes. O
Orgânica L.E. Balfour (Método Howard-Balfour). IFOAN atua na harmonização de normas técnicas,
Introduzida nos EUA por J.I. Rodale (anos certificação de produtos e intercâmbio de
trinta). Outros: N. Lampkin (1990). informações e experiências.
Rudolf Steiner desenvolve uma série de Princípios: Antroposofia (ciência espiritual),
conferências para agricultores na Alemanha preparados biodinâmicos, calendário astrológico;
(anos vinte) e estabelece os fundamentos possui marcas registradas (Demeter y Biodyn).
Agricultura
básicos da biodinâmica. Pesquisas práticas Muito difundida na Europa. Presente no Brasil:
Biodinâmica realizadas nos EUA, Alemanha e Suíça (p.e. Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural,
Pfeiffer,1938; Koepf, Shaumann & Petterson, Estância Demétria e Instituto Verde Vida.
1974).
Mokiti Okada: funda a Igreja Messiânica e Princípios: composto com vegetais (inoculados
estabelece as bases da agricultura natural; M. com ‘microorganismos eficientes’), valores
Fukuoka: método semelhante, porém afastado religiosos e filosófico-éticos. Movimento
Agricultura
do caráter religioso (Japão-anos trinta). As organizado pela MOA-International e WSAA
Natural idéias de Fukuoka se difundiram na Austrália (EUA). Shiro Miyasaka dirige a atuação da MOA
como Permacultura através de B. Mollison no Brasil.
(1978).
Inicia com o método de Lemaire-Boucher Princípios: a saúde dos cultivos e alimentos
(França - anos sessenta). Grupo dissidente depende da saúde dos solos; ênfase no manejo
funda a ‘Nature et Progrès’. Grande influência de solos e na rotação de cultivos. Influenciada
Agricultura
do investigador francês Claude Aubert, que pelas idéias de A. Voisin e pela Teoria da
Biológica critica o modelo convencional e apresenta os Trofobiose (Chaboussou, 1980). Difundida na
fundamentos básicos de L’agriculture França, Suíça, Bélgica e Itália.
biologique (1974).
Surge nos EUA (anos setenta), estimulada Princípios: conceito de agroecossistema, métodos
pelo movimento ecológico e influenciada por ecológicos de análise de sistemas; tecnologias
trabalhos de Rachel Carson, W.A. Albrecht, suaves, fontes alternativas de energia. Está
Agricultura S.B. Hill, E.F. Schumacher. Na Alemanha difundida em vários países. Sua introdução no
Ecológica recebeu importante contribuição teórico- Brasil está ligada a J.A. Lutzenberger, L.C.
filosófica e prática do professor H. Vogtmann Pinheiro Machado, A.M. Primavesi, A.D. Paschoal
(Universidade de Kassel): Ökologicshe e S. Pinheiro, entre outros.
Landbau (1992).
* Fonte: elaboração própria a partir de Paschoal (1994, 1995); Ehlers (1996); e Jesus (1996).

3.2 A transição desde o enfoque agroecológico

Como vimos antes, sob a denominação de agricultura alternativa se inclui toda uma gama de
estilos não convencionais de agricultura que, desde o inicio do século, vêm se conformando –com
maior ou menor repercussão e alcance– em distintas regiões do mundo. A aplicação de princípios
e conceitos ecológicos constitui o fundamento básico dos estilos ecológicos de produção. Vale
recordar que, para os fins desta tese doutoral, tal como se indicou no Capítulo I, estes estilos estão
representados pela agricultura ecológica que se manifesta como resultado de um processo de
transição no âmbito de experiências associativas de agricultores familiares no Rio Grande do Sul.
Desde o enfoque agroecológico, Altieri considera a “agricultura alternativa” com base
ecológica como aquela que persegue “um meio ambiente balanceado, rendimento e fertilidade do
solo sustentáveis e controle natural de pragas, mediante o desenho de agroecossistemas
diversificados e o emprego de tecnologias auto-sustentáveis”. Constitui uma proposta tecnológica
apoiada em conceitos ecológicos, onde as complementaridades e sinergias resultantes da

46
combinação de espécies animais e vegetais em distintos arranjos espaço-temporais proporcionam
as bases para a otimização agroecossistêmica137.
Além disso, as características comuns aos sistemas alternativos com base ecológica são a
maior diversidade de cultivos, o uso de rotações com leguminosas, a integração da produção
animal e vegetal, a reciclagem e uso de resíduos agrícolas e o uso reduzido de agroquímicos
sintéticos. É o incremento da biodiversidade agrícola, não obstante, o que constitui o elemento
chave para o desenho e manejo de sistemas agrícolas, a fim de promover uma variedade de
processos de renovação ecossistêmica e prover serviços ecológicos que potencializam as metas
de uma produção sustentável a longo prazo138.
Em todo caso, como põe em evidência Gliessman numa de suas mais recentes obras, a
agricultura do futuro deverá ser não somente sustentável, mas também altamente produtiva com o
fim de proporcionar os alimentos requeridos por uma população que segue aumentando. Esse
duplo desafio –a sustentabilidade e a produtividade– ensina que não seria viável simplesmente
abandonar as práticas convencionais e retornar às práticas tradicionais, embora se reconheça que
a agricultura tradicional poderia proporcionar modelos e práticas úteis para o desenvolvimento de
uma agricultura sustentável. Se trata muito mais de buscar um novo enfoque para a agricultura e o
desenvolvimento agrícola que se construa sobre aspectos da conservação de recursos da
agricultura tradicional e de pequena escala, desenhando ao mesmo tempo conhecimentos e
métodos ecológicos modernos139.
A transição agroecológica, desde a perspectiva aqui adotada, pode ser definida como o
processo gradual de câmbio através do tempo nas formas de manejo e gestão dos
agroecossistemas, tendo como meta a passagem de um sistema de produção “convencional” (que
pode ser mais ou menos intensivo em insumos externos) a outro sistema de produção que
incorpore princípios, métodos e tecnologias com base ecológica. Nesta definição a idéia de “base
ecológica” da atividade agrária se refere a um processo de ecologização dinâmico, continuo e
crescente através do tempo, e sem ter um momento final determinado. Este processo de
ecologização implica não somente uma maior racionalização produtiva em base às especificidades
biofísicas de cada agroecossistema, mas também uma mudança de atitudes e valores dos atores
sociais em relação ao manejo dos recursos naturais e à conservação do meio ambiente.
Segundo Gliessman, podem ser distinguidos três níveis fundamentais no processo de
transição para agroecossistemas sustentáveis: a) O incremento da eficiência das práticas
convencionais para reduzir o uso e consumo de inputs caros, escassos e daninhos ao meio
ambiente; tem sido a principal ênfase da pesquisa agrícola convencional, resultando disso muitas
práticas e tecnologias que ajudam a reduzir os impactos negativos da agricultura convencional. b)
A substituição de inputs e práticas convencionais com práticas alternativas; a meta seria a
substituição de produtos e práticas intensivas em recursos e degradadoras do meio ambiente com
outras mais benignas desde o ponto de vista ecológico. Neste nível de transição a estrutura básica
do agroecossistema seria pouco alterada, podendo ocorrer, portanto, problemas similares aos dos
sistemas convencionais. c) O redesenho do agroecossistema para que funcione em base a um
novo conjunto de processos ecológicos. Neste nível se buscaria eliminar as causas dos problemas
que ainda continuam existindo nos dois níveis anteriores. Conforme o mesmo autor, em termos de
investigação já foram feitos bons trabalhos em relação à transição do primeiro nível ao segundo
nível, porém estão recém começando os trabalhos para a transição ao terceiro nível140.

137
É preciso ressaltar, seguindo a Altieri, que muitas das tecnologias propostas para implementar
sistemas “alternativos” já são parte de manejos agrícolas “convencionais” (como, por exemplo, as rotações
de cultivos, o manejo integrado de pragas, as técnicas conservacionistas de preparo do solo, o
melhoramento genético de cultivos, etc.). Cf. Altieri (1995): “El ‘estado del arte’ de la agroecología ...”; op. cit.
p. 156-157.
138
Cf. Altieri (1995): “El ‘estado del arte’ de la agroecología ...”; op. cit. p. 159-163. Para este autor, ao
agregar-se diversidade aos agroecossistemas –inclusive nos “modernos”–, pode-se obter, por exemplo, uma
maior abundância de inimigos naturais e um mais eficiente manejo de pragas.
139
Cf. Gliessman (1997): Agroecology ...; op. cit. p. I-14.
140
Cf. Gliessman (1997): Agroecology ...; op. cit. p. XX-7-8.

47
Gliessman considera que as práticas agrícolas convencionais constituem a principal área
para iniciar a transição em direção a sistemas mais sustentáveis. Em relação ao uso de
fertilizantes e pesticidas químicos, por exemplo, observa que há, por um lado, quem crê que essa
prática estaria contribuindo à degradação dos ecossistemas e, por outro lado, quem insiste que
sem ela haveria uma imediata redução dos níveis de produção e produtividade. No entanto,
assinala o mesmo autor, o desafio é justamente entender como os sistemas de produção poderiam
ser desenhados e gestionados de maneira a diminuir ou evitar nossa dependência a este tipo de
insumos. O enfoque agroecológico, que põe juntos a Agronomia e a Ecologia, ”abarca
simultaneamente o incremento da produtividade e o entendimento dos processos que fazem
possível a manutenção daquelas produtividades”141.

4 A modo de conclusão

O eixo central deste capítulo foi a crise do paradigma produtivista e as distintas respostas
que se tem dado para sair dela propondo novos modelos de agricultura. Os efeitos diferenciadores
dos modelos produtivistas, baseados na utilização de padrões tecnológicos de alto consumo de
inputs químicos e uso de maquinaria, têm significado, em ausência de políticas agrárias eficientes,
a exclusão de amplos setores da população agrícola, especialmente a formada pelos agricultores
familiares. Além disso, estes modelos têm provocado graves problemas de deterioração ambiental,
com riscos importantes para a saúde e o equilíbrio dos ecossistemas. Ante esse panorama,
distintas respostas têm surgido, destacando o paradigma da sustentabilidade, no qual se procura
integrar elementos econômicos, políticos, sociais e ambientais em prol de um uso mais equilibrado
dos recursos naturais.
O capítulo pôs de manifesto como as orientações a estilos de agricultura de base ecológica
constituem respostas importantes dos agricultores familiares para evitar a exclusão econômica e
social e, ao mesmo tempo, contribuir para a extensão de modelos agrícolas sustentáveis.

141
Cf. Gliessman, S. R. (1995): “Sustainable agriculture: an agroecological perspective”. Em:
Advances in Plant Pathology, vol. 11; pp. 45-57; p. 45-46.

48
Capítulo 3

AS BASES PARA A EXTENSÃO RURAL DO FUTURO: CAMINHOS POSSÍVEIS NO RIO GRANDE DO SUL1

Francisco Roberto Caporal

1 Introdução

A revisão bibliográfica e os dados empíricos apresentados nos capítulos anteriores nos


levam a concluir que, ante os desafios do desenvolvimento sustentável, os aparatos públicos de
extensão rural terão que transformar sua prática convencional para que possam atender às novas
exigências da sociedade. A crise socioambiental, gerada pelos estilos convencionais de
desenvolvimento e de extensão rural, recomenda uma clara ruptura com o modelo extensionista
baseado na Teoria da Difusão de Inovações e nos tradicionais pacotes da “Revolução Verde”.
Como vimos, a noção de desenvolvimento sustentável supõe o estabelecimento de estilos
de agriculturas sustentáveis que não podem ser alcançados mediante a simples transferência de
tecnologias. De fato, a transição agroecológica em curso indica a necessidade de construção de
conhecimentos sobre distintos agroecossistemas e variedades de sistemas culturais e condições
sócio-econômicas, o que determina que a extensão rural, como um dos instrumentos de apoio ao
desenvolvimento, adote estratégias, metodologias e práticas compatíveis com os requisitos deste
novo processo.
Deste modo, no Rio Grande do Sul a extensão rural da esfera pública se encontra frente a
um duplo desafio: por um lado, está sendo chamada a contribuir para o alcance de objetivos de
eqüidade e sustentabilidade no meio rural e, por outro, para que possa fazê-lo, necessita adotar
um modelo adequado a isso, o qual não pode ser igual ao modelo convencional de extensão rural
que conhecemos.
Assim, no presente capítulo, a partir dos conhecimentos adquiridos durante nossa vida
profissional, assim como ao longo de nossos estudos de doutorado e da elaboração desta Tese,
nos propomos a realizar as seguintes tarefas: examinar duas das proposições operativas para a
construção da agricultura sustentável que podem ser adotadas pela extensão, como alternativas
ao modelo convencional e, além disso, propor um conjunto de elementos que possam contribuir
para a reconversão da atividade de extensão rural em um serviço mais adequado às novas
orientações e requisitos do desenvolvimento sustentável, principalmente tendo em conta os
princípios e orientações teóricas da Agroecologia.

2 Tendências da extensão rural em tempos de transição ecológica

Os resultados do processo de modernização seletiva ocorrido no Rio Grande do Sul já são


bastante conhecidos. Por um lado, alcançamos em nosso estado elevados índices de
produtividade na maioria dos cultivos agrícolas2, principalmente naqueles monocultivos destinados
1
Referente ao Capítulo VIII da Tese de Doutorado de Caporal, F. R. (1998): La Extensión Agraria
del Sector Público ante los Desafíos del Desarrollo Sostenible: El caso de Rio Grande do Sul, Brasil.
Programa de Doctorado en Agroecología, Campesinado e Historia. Instituto de Sociología y Estudios
Campesinos. Universidad de Córdoba (España); 416 páginas, realizada sob a orientação do Prof. Eduardo
Sevilla Guzmán e com o apoio institucional da EMATER/RS-ASCAR e do CNPq.
2
Estudo recente, publicado pela Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul, mostra
que entre 1980 e 1995, houve um crescimento médio do PIB agrícola do estado, na ordem de 2,4% ao ano.
Assim mesmo, se demonstra que ocorreu um processo de intensificação dos cultivos que determinou um
aumento na produtividade da terra que, medida em toneladas de grãos por ha, passou de 1,5 para 2,7,
enquanto que, no mesmo período, houve uma redução da área plantada, da ordem de 1,7 milhões de ha.
Cf.: Grando, M. Z. (coord.) (1996).
à exportação, ainda que isso só tenha sido possível mediante a utilização de altas quantidades de
inputs modernos. Por outro lado, apreciamos os efeitos incontrolados e indesejáveis inerentes ao
modelo, como a concentração da terra, o aumento da diferenciação social no campo, a exclusão e
o êxodo rural de massas de camponeses. Ademais, este modelo desenvolvimentista levou à um
fenomenal processo de deterioração ambiental, sem precedentes históricos. Aspectos destas
falhas da modernização foram exemplificados em outro lugar deste trabalho.
Passadas as décadas da modernização, os novos enfoques sobre desenvolvimento
reconhecem a tragédia e os maus resultados e passam a preocupar-se com aspectos relativos à
eqüidade social e sustentabilidade ambiental. Todos se colocam em busca de modelos
alternativos, nascendo daí as correntes do desenvolvimento sustentável que determinariam a
necessidade de criar estilos de agricultura sustentáveis, ainda que não exista consenso sobre as
estratégias operativas que devem ser adotadas para se chegar a estas novas agriculturas. De
qualquer forma, estes novos enfoques se incorporam ao discurso extensionista e passam a ser
articulados da maneira difusa e contraditória que vimos no capítulo anterior, que não é plenamente
correspondida na prática dos agentes e das agências de extensão.
Não obstante, isso nos mostra que ainda que a extensão rural, enquanto aparato do Estado,
responde às políticas elaboradas pela visão hegemônica de desenvolvimento, também adota
certas orientações que atendem à demandas de setores e grupos subalternos sem que com isso
sua ação entre em contradição com os interesses gerais definidos pela estrutura de poder
dominante. Quer dizer, as atividades do aparato público de extensão respondem a pressões de
diferentes origens, mas tendem a adaptar-se ao modelo geral de desenvolvimento impulsionado
desde o Estado. Isto indica que o aparato extensionista continuará realizando suas ações segundo
o discurso dominante sobre sustentabilidade, caso não seja reorientado.
Ainda que as políticas públicas para a agricultura do Rio Grande do Sul não indiquem com
claridade quais serão as estratégias futuras para o desenvolvimento rural, parece evidente que os
enfoques atualmente dominantes determinam a busca de um novo padrão para o desenvolvimento
agrícola e rural que, em qualquer caso, e segundo todas as correntes de pensamento sobre
sustentabilidade, se exige a continuidade do processo de transição que está em curso em direção
da “ecologização da agricultura”.
Este processo, que está sendo considerado como a “segunda transição agroecológica” do
século XX, se caracteriza, entre outras coisas, pela “politização ecológica”, tanto da agricultura
como dos alimentos, de modo que “os movimentos ecologistas e afins passam a exercer uma
influência crescente sobre as políticas agrárias e alimentares” (Buttel, 1995: 11). Certamente esta
afirmação é mais válida para os países industrializados do “norte” que para a maioria dos países e
regiões empobrecidas do “sul”. Não obstante, também no “sul” existem discursos ambientalistas
orientados a superar o marco da “Revolução Verde”, os quais pressionam o Estado e seus
aparatos a realizar mudanças em suas políticas e estratégias de desenvolvimento.
Como já vimos antes, no capítulo em que tratamos sobre o tema do desenvolvimento
sustentável, existem várias tendências e discursos em disputa, cada uma das quais propondo,
desde sua posição ideológica, a perspectiva de “outro estilo de desenvolvimento”, que surge mais
como adaptação ou oposição aos modelos convencionais que, propriamente, como uma
concepção teórica acabada que pudesse superar a anterior. Entre as correntes de pensamento
sobre a sustentabilidade na agricultura é possível destacar duas que, em nossa opinião, se
constituem nos extremos de um processo de ecologização agrícola. Ambas querem garantir
“nosso futuro comum” neste planeta finito, ainda que para isso apresentem diferentes alternativas.
Por um lado, encontramos a corrente liberal, “oficialista”, que está preocupada com a
manutenção e incremento das taxas de crescimento econômico e da produtividade agrícola,
subordinando a estas variáveis os aspectos ambientais e sociais do desenvolvimento. Se trata da
chamada alternativa “ecotecnocrática” do desenvolvimento sustentável, a qual se faz operativa,
quanto ao desenvolvimento agrícola, mediante a proposição de um processo de “intensificação
verde”.
A outra corrente a que nos referimos, parte de una visão “conflitivista” e defende que o
desenvolvimento para ser sustentável deve atender, entre outros requisitos, os de eqüidade social,

50
produtividade, estabilidade e sustentabilidade ambiental. Neste caso, aparecem como aspectos
fundamentais para esta corrente de pensamento, as noções de variabilidade espacial dos
agroecossistemas; de co-evolução do homem com seu meio ambiente; de reconhecimento das
diferentes estruturas culturais; da importância da biodiversidade; assim como a necessidade da
distribuição da riqueza como alternativa ao crescimento econômico ilimitado. Dados tais
condicionantes teóricos, sua proposta operativa para a agricultura sustentável implicaria na
necessária integração, em níveis de igualdade, dos objetivos econômicos, sociais e ambientais do
desenvolvimento, sem aceitar as possibilidades de “trade-offs”, sugeridas pela Economia do Meio
Ambiente. Se trata, neste caso, da perspectiva que começa a ser conhecida como Agroecologia.
Como relatamos anteriormente, na atualidade parece que estas duas tendências se
apresentam como sendo os pólos extremos de um novo processo de desenvolvimento agrícola e
rural “alternativo”, estabelecendo novas características espaciais, sociais e tecnológicas para a
agricultura. Estes discursos e as novas configurações que atualmente se estão desenhando,
indicam que a homogeneidade buscada pelo modelo da Revolução Verde deverá dar lugar a
estratégias baseadas na diversidade dos sistemas agrícolas, de maneira que possam ser
observadas, ao mesmo tempo, as condições particulares dos agroecossistemas e dos agricultores
de cada região. Os níveis de deterioração ambiental e social, assim como as novas exigências das
sociedades em termos de alimentos limpos, serão variáveis fundamentais da “transição
agroecológica”, ainda que possam ser adotados diferentes pesos e medidas na hora de serem
estabelecidas as estratégias de desenvolvimento.
Assim, cremos que, pelo menos em nossa realidade, a tendência à agroecologização
baseada na orientação epistemológica da Agroecologia3, poderá prevalecer como uma estratégia
para a transição agroecológica para a agricultura familiar, especialmente, para as agriculturas
familiares pouco tecnificadas, assim como para a chamada agricultura de subsistência, onde as
tecnologias da Revolução Verde não foram adotadas, ou apenas tiveram uma penetração parcial.
Por outro lado, parece ser que a “intensificação verde”, poderá vir a ser a estratégia dominante
tanto para setores da “agricultura familiar consolidada” ou “capitalizada”, como para setores da
agricultura empresarial capitalista.
As duas tendências mencionadas já podem ser identificadas na realidade atual do Rio
Grande do Sul, onde o serviço público de extensão rural ainda atua mais orientado pela noção de
“intensificação verde”, enquanto as poucas ONG’s ecologistas e alguns funcionários,
investigadores e extensionistas do setor público, adotam as noções da Agroecologia como
estratégia para a transição ecológica. Em todo o caso, a “intensificação verde” está ocorrendo,
principalmente, naqueles monocultivos extensivos, nas zonas mais favoráveis, onde a inversão em
novas tecnologias e novas práticas agrícolas permitem alcançar resultados positivos em termos de
rendimentos físicos e benefícios econômicos imediatos. De outro lado, o setor dos chamados
pequenos agricultores, em geral situados em zonas mais marginais, que não adotaram (ou que já
estão sendo forçados, por condicionantes econômicos, a abandonar) as tecnologias da “Revolução
Verde”, tendem a constituir-se em público prioritário das estratégias baseadas na Agroecologia,
que estão começando pela substituição de insumos e por uma maior importância ao uso dos
recursos internos disponíveis nas propriedades.
Estas tendências, que apontam para o estabelecimento de um processo de ecologização de
dupla via, já aparecem referidas em documentos da FAO, do Banco Mundial e de expertos em
temas do desenvolvimento agrícola. Sobre isso, na Reunião Ministerial sobre Segurança Alimentar
Mundial, realizada em 1995, a FAO apresentou um documento no qual sustenta que “tendo em
conta a crescente escassez de terra idônea não utilizada, o crescimento agrícola dependerá da
intensificação. A força motriz desta intensificação será a nova tecnologia.” Assim mesmo,
reconhecendo a incapacidade de acesso às novas tecnologias por parte da maioria dos
agricultores, a Organização sugere outra possibilidade, afirmando que podem ser adotados
“métodos baseados na “Revolução Verde” para aumentar a produção em zonas com um potencial

3
Ver: Norgaard, R. B. (1989).

51
relativamente alto e, em segundo lugar, enfoques orientados a ‘sistemas’ para elaborar e difundir
tecnologias destinadas à maioria dos agricultores com poucos recursos” (FAO, 1995c: 11).
Outra análise semelhante aparece em um documento posterior, preparado para a
Conferência Mundial sobre Alimentação, intitulado “Enseñanzas de la Revolución Verde: hacia una
Nueva Revolución Verde”, no qual a Organização diz que “es más probable que los beneficios
derivados de una “Nueva Revolución Verde” se pongan de manifiesto antes y en mayor medida en
las zonas más fértiles”, que normalmente não são as terras agrícolas dos pequenos agricultores,
de modo que se sugere que, além de concentrar esforços naquelas zonas, é necessário, também,
fazer-se algo por aqueles agricultores das zonas marginais, como por exemplo, através da
“creación de entornos fiscales favorables y de políticas que les alienten a utilizar germoplasma
comprobado o mejorado procedente de recursos locales o especialmente desarrollado para
situaciones con bajo nivel de insumos...” (FAO, 1995b).
A estratégia principal dos organismos internacionais, ao estar determinada pela preocupação
com o aumento da população dos países “subdesenvolvidos” e pela conseqüente necessidade de
aumento da produção de alimentos desemboca, necessariamente, em uma ênfase sobre a noção
de “intensificação verde”. Esta, embora possa vir a constituir o elemento chave das futuras
políticas de desenvolvimento agrícola, não será a única possibilidade, já que se reconhece que tal
estratégia não é adequada para todos os agricultores e zonas agrícolas. Assim mesmo, apesar do
“otimismo tecnológico” que corresponde à noção de “intensificação”, também já se reconhece que
“no es probable que ni la biotecnología ni el mejoramiento genético consigan, por sí solos, elevar la
producción en forma que aumente la seguridad alimentaria”. (FAO, 1995b) Neste mesmo sentido,
se adverte que os esperados avanços na pesquisa de alternativas baseadas na biotecnologia
parece que não serão suficientes para garantir aumentos de produtividade nos mesmos níveis
obtidos em algumas regiões durante as décadas da Revolução Verde4, de modo que, ademais da
seletividade inerente ao acesso dos agricultores às novas tecnologias, nos enfrentaremos com a
insuficiência de tal estratégia para solucionar os problemas da maioria dos camponeses, exigindo
uma dupla via, se espera-se alcançar a todos5.
No Rio Grande do Sul, mesmo que não se manifeste claramente, encontramos que a
extensão parece que ainda está orientando suas diretrizes e ações, principalmente, na perspectiva
da “intensificação verde”, sem que isso signifique que seus agentes não possam atuar com base
em qualquer das opções tecnológicas “alternativas”. Isso se faz explícito através do discurso do
então Presidente da empresa, quando diz que não existe, “a priori, nenhuma restrição às
tecnologias de ponta, desde que elas respeitem a ética e certas características de
sustentabilidade”. Ademais, apela, aos funcionários de todos os níveis para que correspondam a
“essa nova expectativa da sociedade” (o desenvolvimento sustentável) e realizem um “grande
esforço” na busca de “sistemas e práticas sustentáveis”. Ao mesmo tempo, recomenda aos
planejadores do aparato de extensão que adotem o “desenvolvimento sustentável como pré-
requisito de seus projetos” e pede aos extensionistas locais que sejam “cuidadosos em suas
intervenções no meio rural, de modo que se alcance, rapidamente, o novo paradigma” (Rocha,
1996: 3).
Sem dúvida, se trata de um discurso que compromete o aparato de extensão com as novas
perspectivas do desenvolvimento sustentável, dando margem para o estabelecimento de uma
nova prática extensionista em nosso estado. Ou seja, o aparato extensionista reconhece a “nova
expectativa da sociedade” mas não estabelece uma orientação clara para a ação de seus agentes,
de modo que, na atualidade, aparecem diferentes possibilidades e orientações teóricas da
sustentabilidade agrícola nas diretrizes que conformam a prática extensionista.

4
Ver: Buttel, F. H. (1995: pp. 28-30).
5
Como disse Watts, L. H. (1987: 29), “porque se teve êxito com algumas variedades de trigo e arroz
(...) a Revolução Verde invadiu a imaginação de muita gente que ocupa posições-chave de liderança.
Desgraçadamente, nas mentes de alguns, se desenvolveu a crença de que o recorrer a uns enormes
avanços de natureza genética, química ou de outro tipo, pode proporcionar incrementos de produção tão
importantes que permitem descuidar-se outros aspectos do desenvolvimento agrícola (...)”.

52
2.1 A “intensificação verde” como uma estratégia para a ação extensionista

A “intensificação verde”, como aqui a entendemos, ocorre mediante a difusão e adoção de


tecnologias e práticas agrícolas ambientalmente mais limpas, destinadas a aumentar ou manter a
produtividade da agricultura, por unidade de superfície e de mão de obra, sendo uma estratégia
que vai dirigida, principalmente, àquelas zonas consideradas mais aptas e que podem dar
melhores respostas em termos de produção e produtividade, em menor espaço de tempo.
A corrente que defende a “intensificação verde” parte do principio de que o modelo agrícola
convencional, que tantos danos ambientais causou, pode ser transformado em um modelo
ecologicamente mais brando mediante a adoção de tecnologias “alternativas”, que causem
menores danos ao meio ambiente. Assim mesmo, vê nos avanços da biotecnologia uma forma de
resolver determinados problemas ambientais e, ao mesmo tempo, aumentar a produção de
alimentos. Isto não implica, portanto, em mudança do modelo de agricultura convencional, mas
que propugna mudanças dentro do modelo, razão pela qual alguns identificam esta proposição
como parte da construção de um “capitalismo verde”6. Esta, mesmo que seja a estratégia menos
compatível com as novas demandas da sociedade, seria a opção mais fácil e mais cômoda para a
extensão rural, por diversos motivos, que passamos a examinar.
Em primeiro lugar, se trata de uma alternativa que segue no marco teórico do “equilíbrio”, no
qual sempre esteve inserido o extensionismo público. Isto permitiria que o aparato de extensão
mantivesse sua “filosofia” de neutralidade, sem ter que realizar mudanças mais profundas em sua
estrutura nem em suas propostas teórico-metodológicas. Mesmo que tal perspectiva inclua os
discursos da eqüidade e da participação, para citar dois temas importantes, esta “alternativa” pode
ser realizada nos marcos do atual modelo de desenvolvimento agrícola e extensão rural. Por isso,
esta alternativa parece ser a mais compreensível para os “técnicos do governo” que “são por
tendência conservadores”, já que executam suas funções “dentro de uma instituição
conservadora”, de modo que “quando muito, arriscam reformas, com muito cuidado e muito
devagar”, que servem para melhorar o sistema vigente mediante “mudanças dentro do sistema,
não no sistema” (Demo, 1987: 88).
Como conseqüência, nesta estratégia ação extensionista se concentraria na transferência de
tecnologias e práticas ambientalmente amigáveis, testadas e recomendadas pelos centros oficiais
de pesquisa, de modo que, mesmo que adotasse alternativas metodológicas, como o enfoque de
sistemas agrícolas (como já aparece –1997- nos manuais e em experiências pontuais no campo),
não mudaria a essência do modelo de difusão de inovações, mas que o adaptaria, segundo dado
discurso da sustentabilidade. Este enfoque alternativo, que podemos denominar como enfoque da
“substituição de insumos”, já vem ocorrendo, em grande medida, nas práticas da extensão do Rio
Grande do Sul e do Brasil. Isto, que não implica na transformação de outros aspectos do atual
padrão convencional da agricultura, se mostra ambientalmente mais adequado, mas insuficiente
para enfrentar os problemas socioambientais que existem e continuarão se reproduzindo no meio
rural.
Em segundo lugar, esta alternativa parece ser mais compreensível para os extensionistas
que, em sua maioria, estão formados na “cultura difusionista” e que, portanto, entendem a

6
Neste sentido, a extensão rural, enquanto aparato do Estado, contribuiria para a construção daquilo
que Graziano da Silva chama de “Estado Verde” e que considera que é perfeitamente viável que venha a ser
criado. Este “Estado Verde” seria um Estado “igualmente capitalista, que preserva as relações sociais
vigentes, sem degradar a natureza.” Inclusive, continua este autor, “se pode conceber um ‘modelo de
acumulação perpétua’ em que alguns ‘capitalistas malvados’ poluem, enquanto outros ‘capitalistas
bondosos’ fabricam equipamentos para despoluir, socializando os custos via impostos indiretos.” Neste
Estado, “nossos ‘deputados verdes’ aprovariam leis que obrigariam o uso destes equipamentos e proibiriam
o uso de determinados agrotóxicos nocivos à saúde, os quais seriam cadastrados por associações de
defesa do meio ambiente, devidamente comprovados por informes técnicos assinados por agrônomos
credenciados”. Isto, como sabemos, já está ocorrendo na atualidade de muitos países, razão pela qual cabe
recordar a pergunta chave que faz nosso autor: “ Por acaso, este ‘admirável mundo verde alternativo’ seria
mais justo?” (Graziano da Silva, J.; 1987: pp.19-20).

53
agricultura como a aplicação de inovações técnicas, sem interpretar os efeitos sobre as relações
sociais que são inerentes às tecnologias que eles transferem. Por outro lado, este esquema
permitiria que os agentes de campo atuassem com maior segurança, já que somente mudariam as
tecnologias e práticas que deveriam manejar e para isso a empresa, os centros de pesquisa e,
inclusive, as empresas transnacionais do setor agrícola, podem oferecer a informação sobre os
novos componentes para o pacote de tecnologias que deveriam transferir aos agricultores. Isto,
como conseqüência, assegura o “prestigio social” dos profissionais já que eles passariam a ser os
detentores de um novo saber, considerado necessário para enfrentar os graves problemas
ambientais.
Em terceiro lugar, este “esverdecimento” do aparato atividade extensionista, traria um claro
fortalecimento à imagem pública da empresa, o que também influi na liberação de recursos locais
e internacionais para programas de extensão orientados por elementos ambientais Isto é, a
ambientalização dá prestigio à organização ao mesmo tempo que garante o fluxo dos recursos
financeiros fundamentais para sua sobrevivência. Isto, entretanto, pode significar que a empresa
tenha que se subordinar à determinadas políticas públicas ou à diretrizes de projeto de instituições
internacionais (tipo Banco Mundial), que continuam sendo contraditórias, como vimos antes,
mesmo que tenham introduzido em suas orientações o discurso da participação e esta mesma
tendência “verde”7.
Em quarto lugar, esta estratégia também atenderia à proposta da FAO, para quem a solução
para o quebra-cabeça do aumento da população, da fome e da desnutrição viria mediante o
aumento da produção agrícola8, de maneira que a extensão, ainda dentro de uma determinada
perspectiva ambientalista, continuaria tendo como principal objetivo o aumento da produção e da
produtividade. É essa uma tendência severamente criticada, pois como vimos antes, o conceito de
DRAS – Desenvolvimento Rural e Agricultura Sustentável, criado pela FAO e adotado pelo Banco
Mundial, é considerado inadequado já que “com esta continuada concentração de esforços na

7
A política do Banco Mundial sobre o meio ambiente continua sendo criticada por muitos autores que
estudam a orientação dominante nos “ciclos de projetos”. Entre outras coisas, se diz que o Banco ao mesmo
tempo em que libera recursos para projetos ambientais, os libera em maior volume para projetos que
causam sérios impactos ao meio ambiente. Ademais, os equívocos ambientais de algunos projetos só são
corrigidos quando e onde ocorrem fortes pressões populares ou de ONG’s ambientalistas. Ver, entre outros:
Bailee, S. e Breant, R. L. (1997: pp.93-9).
8
Esta proposta apareceria, possivelmente, pela primeira vez, no Informe da FAO, intitulado
“Agricultura Mundial: Hacia el año 2000” publicado em 1987, no qual, frente ao aumento da fome e da
crescente desnutrição das populações do “Terceiro Mundo”, se propõe como estratégia o aumento da
produção agrícola a taxas de 3% ao ano, até o ano 2000. Este aumento na produção deveria ser alcançado
por três caminhos complementares: ampliação da fronteira agrícola, aumento do número de colheitas por
ano nas mesmas terras e a intensificação da produção, através do uso crescente de insumos modernos,
principalmente, de fertilizantes químicos, sementes melhoradas, agrotóxicos e tratores agrícolas. Esta é,
entretanto, uma estratégia bastante contestada, posto que está provado, pelos próprios estudos da FAO
antes citados, que o aumento da produção e da produtividade não garantem a alimentação necessária para
os mais pobres do mundo, de maneira que as estratégias que não tenham em conta a distribuição eqüitativa
dos alimentos já demostraram sua incapacidade de alcançar aquele objetivo. É obvio que a FAO não
esqueceria de fazer referência aos ensinamentos da Revolução Verde sobre os problemas ambientais e de
incorpora-los em um documento deste tipo. Assim, em seu conjunto, as análises e recomendações
apresentam aspectos bastante favoráveis na perspectiva da agricultura sustentável no enfoque
ecotecnocrático. Tanto é verdade, que o documento adota uma das interpretações operativas do
desenvolvimento sustentável elaboradas pela Economia de Meio Ambiente, segundo a qual o capital total
que deve ser mantido (ou aumentado) pode ser dividido em quatro componentes distintos: o capital natural,
o capital humano, o capital institucional e o capital social, admitindo a possibilidade de trade-offs entre eles.
Quer dizer, pode-se admitir a redução do capital natural a fim de incrementar outro tipo de capital, desde que
se “atue com prudência”. Esta posição, ingênua e ideológica, só serve para justificar o atual modelo
econômico e a continuidade do processo de acumulação de capital, até porquê é impossível estabelecer
preços reais de mercado para os “recursos naturais”, e que permitissem fazer comparações entre o tipos
“abstratos” de capital que sugerem. As estratégias antes apresentadas também aparecem em diferentes
partes do acordo assinado em Roma sobre a Alimentação Mundial. (FAO, 1996d)

54
linha da intensificação agrícola, parece provável que se obtenha como resultado nenhuma
mudança apreciável nas políticas que contribuíram notavelmente para a degradação ambiental e
que estão associadas com a marginalização social e a pobreza” (Bailee e Braent, 1997: 87).
Ao contrario dos que defendem a noção de “intensificação verde”, nós entendemos, depois
de analisar os discursos de alguns seus principais proponentes, que se trata de una estratégia
incompatível com o imperativo ambiental e, especialmente, com qualquer perspectiva de
sustentabilidade a médio e longo prazo. E isso é assim, porque se trata de uma estratégia que
implica continuar (para alguns aumentar) com o uso de insumos químicos e outros inputs externos
que caracterizaram a Revolução Verde, que dependem de recursos naturais esgotáveis e que na
sua maioria são poluentes e trazem externalidades negativas incontroláveis.
Ademais, a noção de “intensificação verde”, tal como está sendo configurada, também é
problemática do ponto de vista da sustentabilidade ambiental já que não leva em conta os
problemas apontados pela Lei da Entropia e, também, por desconsiderar os comprovados efeitos
sócio-econômicos perversos do atual estilo de agricultura, que provavelmente seriam
“intensificados”. Assim mesmo, a “intensificação verde”, nos moldes preconizados por seus
ideólogos, ao mesmo tempo em que se apresenta como uma solução não adequada para todos os
agricultores, especialmente para os mais pobres, exigiria escalas de produção cada vez mais
elevadas, de modo que, é mais provável que contribua à continuidade do processo concentração
da terra e de exclusão social, que já foram denunciados como resultados negativos associados à
Revolução Verde. Portanto, tal modelo continuaria favorecendo a concentração das terras e
diminuindo os postos de trabalho na agricultura, para destacar somente alguns dos graves
problemas que já enfrentamos na atualidade.
Entretanto, associando esta noção de “intensificação verde” ao estilo de agricultura para o
qual parece que está pensada –grandes extensões; monocultivos; zonas mais aptas; intensiva em
capital e tecnologia– assim como aos pressupostos sobre o setor público de extensão agrária que
atualmente são dominantes –assistir aos pequenos agricultores familiares; executar ações de
caracter social; atuar onde hajam falhas do mercado e junto a setores não atendidos pela iniciativa
privada; etc.–, chegamos à conclusão de que a estratégia da “intensificação verde” não poderá
continuar sendo adotada pelo setor público de extensão, porque não é a mais adequada para o
tipo de agricultores e de agricultura a que o Estado deverá dar assistência.
Assim, as tendências indicam que, no futuro próximo, a “intensificação verde” que será
adotada como uma estratégia para a agricultura capitalista, será impulsionada principalmente
pelos técnicos vinculados ao setor agroindustrial e à ampla rede de escritórios de assistência
técnica privada existente no estado9. Isso, ademais de ser compatível com as políticas neoliberais
aplicadas ao setor público, coincide com as tendências indicadas por especialistas em extensão
que examinamos anteriormente, para quem o serviço de extensão já não pode ser executado com
exclusividade por parte do Estado, que deve responsabilizar-se por parte deste serviço e pela
função de coordenar a oferta destes serviços. Ou seja, existem condições objetivas para a adoção
de políticas públicas que estabeleçam, de acordo com a afirmação do Secretário de Agricultura do
Rio Grande do Sul, que “A extensão rural continuará sendo uma atividade pública” dirigida aos que
mais necessitam, mas que “será privada onde seja possível”.
Sobre isto, já se haviam manifestado os expertos que participaram da Consulta Mundial
sobre Extensão Agrária, realizada em 1989, quando, defendendo a importância dos serviços
públicos de extensão desde a perspectiva da transferência de tecnologia, diziam que “ainda que os
grandes produtores comerciais possam pagar pela assistência técnica e tenham boa disposição
para fazê-lo, os camponeses não estão em condições de fazê-lo. Cobrar dos pequenos
agricultores os serviços de extensão eqüivalerá, de fato, a negar-lhes, a curto prazo, o acesso
direto a uma melhor tecnologia e aos conhecimentos técnicos e de gestão (...). Sem acesso aos

9
Segundo datos da ABEPA – Associação Brasileira de Empresas de Planejamento Agrícola, no Rio
Grande do Sul existíam cerca de 320 escritórios privados de assistência técnica, com ao redor de 2.860
profissionais liberais. Informação que consta no “World Bank Discussion Paper, nº 236”, texto de Umaoi, D.
L. and Schwartz, L. (1994: 46)

55
serviços públicos de extensão, a maioria dos pequenos agricultores ficará à margem do processo
de desenvolvimento...”. Ademais, desde a perspectiva socioambiental, os participantes daquele
encontro diziam que a falta de acesso dos pequenos agricultores aos serviços de extensão “dará
lugar a níveis crescentes de degradação do meio ambiente e de empobrecimento humano [pois]
somente estes sistemas [de extensão pública] terão em conta os problemas ambientais e adotarão
práticas conservacionistas de recursos ligadas à agricultura sustentável” (FAO, 1991: 31).
Assim, parece estar evidente que a busca por assistência técnica privada será o caminho
lógico para aqueles setores da agricultura capitalista que podem pagar por estes serviços e estão
dispostos a seguir com seus processos de intensificação verde. Ao contrário, o serviço público de
extensão deveria prestar seu apoio aos pequenos agricultores familiares. Ademais, como foi dito
pela maioria de nossos entrevistados, os empresários agrícolas já não necessitam do setor público
para resolver seus problemas tecnológicos e têm condições de buscar, onde se encontrem, as
soluções para seus problemas.
Em função disso, entendemos que mesmo que o aparato público de extensão adote a
perspectiva da “intensificação verde” como uma de suas estratégias, esta não seguirá sendo uma
perspectiva dominante devido ao novo mandato que deverá executar em termos de
desenvolvimento rural10, de modo que esta alternativa pragmática para a agricultura sustentável,
baseada no determinismo tecnológico, poderá ser uma, mas nunca será a única estratégia da
extensão rural do futuro e, provavelmente, será a estratégia prioritária do setor privado e não do
setor público de extensão.

2.2 A Agroecologia como orientação para a ação extensionista

A Agroecologia vem se constituindo como um enfoque alternativo tanto para os estudos do


desenvolvimento rural como para o estabelecimento de uma nova forma de ver e entender o
desenvolvimento agrícola na perspectiva da sustentabilidade. Já tratamos, anteriormente, sobre o
conceito e princípios da Agroecologia, sendo necessário apenas resgatar aqui alguns aspectos
que, em nosso entendimento, justificam sua adoção como orientação para a prática da extensão
rural. Para iniciar, recordemos que, desde uma perspectiva normativa, a Agroecologia aparece
como um conjunto de “idéias ambientais e de sentimento social acerca da agricultura, cujo
conteúdo trata da produção, mas também da sustentabilidade ecológica dos sistemas de
produção” ainda que “mais estritamente, Agroecologia se refere ao estudo de fenômenos
puramente ecológicos que ocorrem nos campos de cultivo, tais como as relações entre parasitas e
hospedeiros, competições entre plantas, etc.” (Hecht, 1989: 28).
Assim mesmo, se trata de um novo enfoque para o estudo e manejo de sistemas agrícolas, e
oferece um marco teórico cujo fim é analisar os processos agrícolas de uma maneira mais ampla,
ou seja, ver a agricultura desde um enfoque sistêmico, destacando a sustentabilidade inerente aos
ciclos naturais e às interações biológicas (Altieri, 1995). Mas, além disto, a Agroecologia se
constitui como uma disciplina científica orientada ao estudo da agricultura desde uma perspectiva
ecológica, que pretende que o manejo ecológico dos recursos naturais corresponda a um enfoque
holístico, de modo que, mediante a aplicação de uma estratégia sistêmica, se possa reconduzir o
curso alterado da co-evolução social e ecológica mediante um controle das forças produtivas, que
ataque seletivamente as forças degradantes –de produção e de consumo– causadoras da atual
crise ecológica. (Sevilla Guzmán, 1995: 24).
Esta nova perspectiva teórica e operativa não coincide com o modelo tradicional de
transferência de tecnologias e inovações adotado pela extensão rural no período da Revolução
Verde e parece ser mais adequada que aquele quando se trata de buscar objetivos de eqüidade e
sustentabilidade. A Agroecologia adota os sistemas agrícolas –ecossistemas ou
10
A necessidade de um mandato específico para que a extensão rural pública atue sob uma
perspectiva ambientalista, entretanto, foi considerada como uma condição importante para uma ação
unificada desde o Estado. Inclusive, sobre isto, a Consulta sobre Extensão e Meio Ambiente, realizada en
1993, recomendava que cabería ao Estado “estabelecer políticas claras sobre meio ambiente e
desenvolvimento sustentável e definir mandatos para todas as instituições relevantes”. (FAO, 1994: 18)

56
agroecossistemas– como unidades fundamentais de estudo, ademais de entender o
agroecossistema como uma unidade onde co-evoluem culturas específicas e suas respectivas
formas de interação em e com o ambiente natural. Assim mesmo, enfatiza a importância dos
componentes de diversidade: biodiversidade ecológica e sociocultural. De igual forma destaca a
importância do desenvolvimento local e do conhecimento dos agricultores, que aparecem como a
base de um potencial endógeno capaz de impulsionar um modelo de desenvolvimento sustentável.
Antes de definir qual é o modelo tecnológico que deve ser adotado na agricultura, desde a
perspectiva da Agroecologia, é necessário estabelecer-se, pelo menos, as características gerais
da sociedade que queremos e como deveremos encaixar o imperativo ambiental e os problemas
sociais de nossa época nos objetivos de desenvolvimento que devem ser perseguidos. É
necessário observar que, desde o ponto de vista agroecológico, não se nega a importância das
ciências agrícolas11, ainda que se proponha uma forma distinta de intervenção nos
agroecossistemas, partindo de uma perspectiva de desenvolvimento local auto-sustentável, que é
oposta ao modelo hegemônico. Ademais, a Agroecologia expõe a necessidade de mudar a ênfase
convencional das ciências agrárias, tendo em conta as interações complexas entre pessoas,
cultivos, solos, animais, etc., que têm lugar dentro de cada agroecossistema e de forma
diferenciada entre eles12.
Como podemos ver, segundo esta corrente de pensamento, a intervenção extensionista, em
apoio ao desenvolvimento agrícola e rural, deveria seguir uma trajetória distinta daquela que foi
seguida tanto pelo modelo difusionista convencional como por aqueles enfoques da agricultura
sustentável baseados na “intensificação verde” ou na simples substituição de insumos e práticas
ambientalmente arriscadas e agressivas com o ambiente por outras mais amigáveis. Esta
diferença entre os enfoques extensionistas convencional e ecotecnocrático e o que poderíamos
chamar de uma “extensão agroecológica” pode ser realizada a partir de uma breve análise das
premissas básicas da Agroecologia. Passemos a isto.
Em primeiro lugar, a idéia de “sistema” e o “enfoque holístico” requerido pela Agroecologia,
determina a necessidade de uma visão dos agroecossistemas como uma totalidade, o que implica
não só na exigência de aproximações inter e intradisciplinares mas, sobretudo, a necessidade de
uma clara consciência sobre a importância dos atores sociais como parte desse todo. Isso implica,
também, na necessidade de uma abordagem antitética ao modelo funcionalista adotado para o
estudo convencional das ciências agrárias e para a ação extensionistas.
Em segundo lugar, ao reconhecer a existência de uma estreita relação entre a evolução das
culturas e do ambiente natural alterado pelo homem, as ações extensionistas deveriam partir de
estudos das realidades locais. As premissas acima expostas são claras ao apontar a existência de
uma estreita relação entre o desenvolvimento da cultura e o estilo de uso dos recursos atribuídos
pelo meio e, por conseguinte, sua co-evolução. Ambos se influem um ao outro, permanentemente.
Por tanto, o estudo de agroecossistemas deve levar em conta estas relações. Ao contrário dos
enfoques convencionais –segundo os quais os extensionistas eram formados para “destruir” a
subcultura camponesa considerada “atrasada” e responsável pelos obstáculos ao “progresso”–,
desde a perspectiva agroecológica o estudo de sociedades e grupos sociais exige não só o
respeito à diversidade cultural como a necessidade de integrar os aspectos culturais, sócio-
econômicos e ambientais, característicos de cada agroecossistema, mas também o desenho de
programas e estratégias de desenvolvimento que incluam todos estes fatores.
De igual modo, o ênfase no conhecimento local exige que o saber do extensionista não
continue sendo considerado como um saber dominante e o único saber válido. A compreensão de

11
Ainda que todavía não se tenha chegado a um consenso sobre as “crenças epistemológicas” que
regem a Agroecologia, Norgaard, R. B. (1989: 47) aponta que os Agroecólogos adotaram uma postura
pragmática, reconhecendo a importância da “ciência ocidental” mas, ao mesmo tempo, buscando as
“explicações dos povos tradicionais”.
12
Para melhor entender a Agroecologia como alternativa científica aos modelos convencionais de
desenvolvimento agrícola basta ver as premissas identificadas por Richard Norgaard ao tratar sobre os
aspectos epistemológicos da Agroecologia, aos quais nos referimos no capítulo IV. (Norgaard, R. B.; 1989:
pp. 46-7)

57
que as sociedades (grupos ou comunidades) desenvolveram um tipo de conhecimento próprio,
derivado de suas experimentações e segundo suas necessidades históricas e modos de vida
específicos, faz com que a Agroecologia proponha a reconstrução de sistemas agrícolas
tradicionais a partir dos conhecimentos tradicionais acumulados, sem negar a utilidade das
ciências convencionais e da integração de novos conhecimentos. Assim mesmo, a Agroecologia
destaca o papel conjunto que devem jogar agricultores e agentes externos na construção do
desenvolvimento e na adaptação de tecnologias adequadas para estas situações locais
específicas, de maneira que se restabelece a necessidade de considerar as características de
racionalidade próprias dos diferentes estilos de agricultura.
Assim, mesmo em realidades particulares como a do Rio Grande do Sul, onde os
conhecimentos tradicionais já não possuem a importância presente nos conhecimentos de
sociedades e grupos com maior “densidade cultural”, entendemos que os conhecimentos locais
devem servir aos extensionistas, pelo menos, como hipóteses iniciais de trabalho. Ou seja, parece
necessário reconhecer que a ciência formal não é a única forma de conhecimento e que outras
formas podem ser tão ou mais importantes que aquela, na hora de estabelecer estratégias de
desenvolvimento agrícola e rural.
Em terceiro lugar, cabe destacar a natureza do desenvolvimento proposto pela Agroecologia,
começando pelos elementos que oferece para estabelecer-se uma crítica “científica” ao modelo de
“modernização” da agricultura, com sua tendência à simplificação tanto da biodiversidade biológica
como cultural e sua tentativa de homogeneização dos modos de vida e da agricultura. Assim
mesmo, os princípios da Agroecologia nos ajudam a consolidar a crítica à “sociologia do
consenso”, com respeito às bases em que se fundou a extensão rural convencional, e segundo as
quais são dominantes as perspectivas de mudança social imposta desde fora, normalmente
baseando-se nos avanços da ciência e das tecnologias, que tenta a ruptura das relações e
condições de vida de populações que seus ideólogos consideravam “atrasadas”.
Por outro lado, seguindo a perspectiva agroecológica, a extensão rural deveria tratar de
potencializar estilos de desenvolvimento endógeno, ou seja, potencializar o uso dos meios
disponíveis, relativos às formas históricas, culturais, sociais, políticas, assim como as bases
econômicas já existentes. Assim mesmo, se considera como fundamental centrar atenção no uso
sustentável daqueles recursos localmente oferecidos pela natureza. Deste modo, as estratégias de
desenvolvimento, de uma “extensão rural agroecológica” não podem orientar-se simplesmente
pela acumulação de metas de crescimento econômico, de produção e de produtividade, mas
devem assumir uma orientação “pluridimensional” que inclua: os desejos e necessidades de
mudança das condições econômicas, mas que ao mesmo tempo leve à condições de segurança
alimentar, a melhores níveis de educação, de saúde e de bem estar, ao tempo que introduzem
uma maior eqüidade social e sustentabilidade ambiental aos sistemas agrícolas.
Como vemos, se trata de um enfoque capaz de contribuir, efetivamente, para que a extensão
possa atuar na construção de outro estilo de desenvolvimento. Isto não significa nenhum
retrocesso, como pensam alguns, senão que se trata de uma forma de buscar a necessária
sustentabilidade do processo produtivo agrícola e do desenvolvimento rural, em todas suas
dimensões: econômica, social, cultural, política e ambiental. Entretanto, em determinadas
circunstâncias, não está descartada a possibilidade de uma aproximação aos modelos tradicionais
de agricultura que se demonstraram mais sustentáveis que o modelo convencional13.
De todo o exposto até aqui, podemos concluir que, ao contrário da alternativa baseada na
“intensificação verde”, parece ser mais adequado que a extensão rural pública adote a perspectiva
da Agroecologia, pois, ademais de ser uma alternativa ambientalmente mais amigável, a longo
prazo, é esta a que permite estabelecer objetivos sincrônicos sem perder de vista a natureza
diacrônica inerente às metas do desenvolvimento sustentável. Assim mesmo, dados os elementos
13
Na realidade, como explica Buttel, F. H. (1995: 33) não seria uma surpresa muito grande “assistir no
futuro a uma nova ‘autoctonização’ de uma parte considerável da agricultura do Terceiro Mundo e de
algumas agriculturas do Primeiro Mundo. Na maioria dos casos, as agriculturas resultantes deste processo
ocorreriam em pequena escala, seriam de tipo interno, mas representariam unicamente uma restauração
parcial das agriculturas de criação autóctona, anteriores à Revolução Verde”.

58
que identificamos nos capítulos anteriores sobre a crise e o futuro da extensão rural do setor
público e a tendência a que passe a concentrar seus esforços junto às famílias rurais mais pobres,
na busca de objetivos de eqüidade e sustentabilidade, fica claro que a Agroecologia proporciona
os requisitos necessários para uma ação extensionista mais compatível com a realidade de seus
beneficiários, do que aqueles recomendados pela estratégia da “intensificação verde”.
Na figura abaixo fizemos uma tentativa de integrar os aspectos antes mencionados,
mostrando que as duas estratégias para a busca de sustentabilidade agrícola, poderão vir a ser
adotas por diferentes tipos de extensão, dada a natureza dos estilos de agricultura e de
agricultores que supõe.

Figura 1 – O público e o privado nas novas estratégias de desenvolvimento rural sustentável

59
OS SETORES PÚBLICOS E PRIVADOS
NAS NOVAS ESTRATÉGIAS DE DRS

DESENVOLVIMENTO RURAL
SUSTENTÁVEL

Agricultura Sustentável
Agricultura de Base Ecológica

Intensificação
Verde Estratégia
Dupla Rev. Verde Agroecológica

- Zonas mais aptas. - Inclui zonas menos aptas.


- Monocultivos. - Estratégias policultivos.
- Grandes superfícies. - Médias e pequenas áreas.
- Intensiva em capital. - Intensiva em trabalho.
- Substituição de insumos. - Estratégias locais.
- Novas tecnologias - Identificação/adaptação
industriais. de tecnologias segundo os
- Práticas ecológicas, sistemas culturais e os
orientadas pelo mercado agroecossistemas.

Assessoria Privada. Assessoria de ONG’s


Empresas Insumos. Extensão Rural Pública.
Cooperativas. Cooperativas.

60
No entanto, para que venha a adotar esta nova idéia, parece óbvio que é necessário realizar
mudanças na estrutura e na forma de ação da extensão rural pública, mudanças que podem ser
difíceis devido à natureza dos aparatos de Estado, mas que são possíveis, dado que “no está
eliminada, a priori, uma ação transformadora dentro do Estado, já que nenhum obstáculo é,
necessariamente, definitivo” (Demo, 1987: 89). Assim, dedicamos a próxima parte à elaboração de
alguns aspectos que, no nosso entendimento, necessita a extensão rural mudar, para que possa
adequar sua prática na direção de adotar os novos desafios traçados pela realidade. Ao mesmo
tempo, fazemos algumas proposições com respeito a estas mudanças.

3 Elementos de uma proposta para a construção de uma “extensão agroecológica”

Ao iniciar este item é necessário reafirmar que, apoiados nos achados desta investigação,
partimos do suposto de que apesar das políticas de ajuste do Estado, a atividade de extensão do
setor público, ainda continuará existindo por um longo período de tempo. Os estudos mais
recentes sobre extensão rural indicam que existe “uma crescente consciência de que privatizar
estes serviços, nem sempre é uma bendição”. Por isto mesmo, inclusive nos países capitalistas
desenvolvidos continuam existindo justificações para a participação “dos governos em uma
atividade social tal como a extensão agrária, devido às falhas do mercado, que não pode
responder por todas as funções econômicas”. Desta forma, se acredita que naqueles países “a
extensão financiada pelos governos permaneça como um pequeno mas significativo componente
do sistema de extensão”, o que parece ser uma tendência semelhante à que se observa no Rio
Grande do Sul. Assim mesmo, se pensa que é provável que a extensão rural redefina suas
atividades para concentrar-se em atividades consideradas bens públicos as quais não são bem
tratadas pelos mecanismos de mercado, assim como em áreas onde o mercado é improvável que
preste serviços, pelo menos a um nível socialmente ótimo” (Care, 1993: 342-6).
Outros autores também encontram justificativas semelhantes que indicam a necessidade
destes serviços.14 Como aponta Nagel (1997), esquemas como “a privatização e divisão de custos
são “propagandeados” em nome da melhora de eficiência e efetividade quando é certo que estão
motivados por problemas financeiros”. Esta posição, é defendida pela maioria dos analistas e
estudiosos da extensão, para quem o serviço público de extensão continua necessário já que é
óbvio que o setor privado será ativo somente quando obtenha retorno econômico e não será
movido por questões relativas ao interesse público. Igual posição defendem outros estudiosos do
tema, que entendem que, devido à participação seletiva, própria do setor privado, a oferta de
informações que se caracterizam como “bens públicos” deve continuar sendo uma
responsabilidade do setor público (...). [Assim], entidades públicas e organizações sem ânimo de
lucro devem trabalhar em conjunto para atender às necessidades daqueles que estarão em zonas
e condições não atendidas pelo setor privado (Umaoi & Schwartz, 1994: 31).
Todas as tendências também indicam que a extensão rural pública do futuro, inclusive em
países como o Brasil, deverá habilitar-se para desempenhar um papel fundamentalmente
orientado à busca de eqüidade no meio rural e sustentabilidade na agricultura, dado que estas
exigências são impostas ao Estado e que não podem ser resolvidas, pelo menos de forma
completa, no marco do mercado. Como vimos, as políticas neoliberais e os Planos de Ajuste
Estruturais, que induzem à diminuição do tamanho do Estado e, por conseguinte, de suas
organizações de extensão rural, ao mesmo tempo, exigem a redefinição do papel dos aparatos de
Estado, incorporando as novas condições e propostas sobre o desenvolvimento sustentável.
Dentro deste novo marco institucional, parece provável que o serviço público de extensão do
futuro estará dedicado a mitigar a pobreza e fazer mais “verde” a agricultura. No Rio Grande do
Sul, o Projeto Pró-Rural-2000, é um claro indicativo desta tendência, o que exigirá uma “mudança
radical” na prática extensionista para que se possa cumprir com os novos objetivos. Ou seja, se

14
Analisando a questão, a partir dos resultados alcançados com algumas variedades de alto
rendimento, Watts, L. H. (1987: 29) afirma que apesar destes resultados, “é demasiado simplista a hipótese
de que já não faz falta um programa de extensão...”

61
entende que se está estabelecendo um mandato que não poderá ser atendido pela extensão
convencional de natureza difusionista, de modo que se faz necessário uma mudança de
paradigma, sem a qual as tendências indicam que o serviço público de extensão desapareceria.
Como parte desta mudança de paradigma, parece necessário que o aparato de extensão
adote uma nova compreensão sobre desenvolvimento e agricultura sustentável de modo que
possa reconduzir a prática de seus agentes e o desenho de seus programas e projetos,
considerando todas as variáveis e condições particulares inerentes a sistemas naturais complexos
e agroecossistemas que foram transformados em função de determinações sócio-econômicas e
culturais específicas. Apesar de não haver um conceito unificado de agricultura sustentável,
parece haver um determinado nível de consenso no sentido de que as alternativas sustentáveis
devem considerar ademais da dimensão estritamente técnico-agronômica, as variáveis de
natureza econômica, sociais, culturais e ambientais que estão presentes em uma situação dada.
Isto significa que a busca de alternativas sustentáveis para a agricultura deve reconhecer que, é
muito provável, que em cada situação específica e em cada agroecossistema aquelas variáveis
não se apresentam de forma absolutamente idêntica, por isso as possíveis soluções encontradas
para uma determinada situação não serão, necessariamente, aplicáveis a situações semelhantes.
Isto confirma as teses segundo as quais a noção de sustentabilidade agrícola não é compatível
com o modelo difusionista da extensão rural.
Daí, se conclui que, mais que buscar um conceito ou modelos operativos normativos, ou
bem, o estabelecimento de novos pacotes tecnológicos para substituir os da “Revolução Verde”,
seria mais adequado que a extensão rural tratasse o tema da sustentabilidade desde a perspectiva
de uma “construção social”, centrando sua atenção na concepção de aprendizagem social. Ou
seja, reconhecendo que os agroecossistemas se constróem de diferentes formas, dado que os
discursos sobre a natureza e as práticas agrícolas de diferentes grupos sociais estão afetados pela
historia, pela economia, pela tecnologia, pela ciência, assim como pelos mitos, crenças,
conhecimentos, que geram a relação entre natureza e cultura15.
Neste sentido, a transição em direção à uma agricultura sustentável poderia ser entendida
como um processo permanente de aprendizagem e aplicação prática, que considere que a co-
evolução natural do homem com o seu meio ambiente e as transformações dos agroecossistemas,
que têm lugar dentro de um sistema planetário finito, de modo que alguns recursos naturais, uma
vez utilizados no processo de desenvolvimento não estarão disponíveis por uma segunda vez. Isso
determinaria a dimensão de temporalidade do modelo a ser adotado. Em tal transição deve-se
considerar, portanto, a necessidade de reduzir os efeitos entrópicos inerentes à transformação dos
ecossistemas naturais que ocorrem não só nos processos produtivos agrícolas, senão também
neles, assim como evitar o desperdício dos recursos naturais esgotáveis e de energia necessários
para manter os ciclos produtivos.
Por outro lado, a transição à agricultura sustentável, entendida como o resultado de um
processo de aprendizagem, implica, também, na necessidade de entender-se a importância das
relações sociais e dos compromissos individuais e coletivos que determinam a forma como os
homens intervêm na natureza, assim como os processos que adotam para a transformação da
natureza em bens de consumo e qual o significado destes bens para a sociedade ou grupo em
questão. Portanto, não se pode falar de agricultura sustentável desde uma perspectiva de pacotes
tecnológicos, senão que de uma procura persistente destinada a melhorar as relações dos homens
entre si e destes com a natureza.
Esta, entretanto, não costuma ser a perspectiva ambientalista mais presente em nosso meio.
Como vimos antes, no Rio Grande do Sul, os discursos ambientalistas dominantes, tanto na esfera
pública como nas organizações de agricultores, tendem a reproduzir os enfoques relacionados
com a transferência de tecnologias sustentáveis e estão mais centrados na necessidade de
encarar as dificuldades econômicas ditadas pelo atual modelo de desenvolvimento agrícola. Em
todo caso, estes mesmos discursos incluem, na sua noção de “sustentável”, a necessidade de
estratégias de reprodução das condições de vida e de produção dos agricultores familiares o que,

15
Sobre este tema, Ver: Escobar, A. (1996) e Röling, N. e Pretty, J. N. (1997).

62
necessariamente, implica na preservação dos recursos naturais sobre os quais se estabelecem
estas estratégias. Talvez por isso, todos os discursos recolhidos em nosso estado, condenam os
problemas socioambientais criados pelo modelo de desenvolvimento agrícola, e que foram
acelerados a partir das últimas quatro ou cinco décadas, de modo que refletem uma incerteza
sobre a possibilidade de resolver estes problemas nos marcos do atual modelo. Por isto, nos
discursos analisados, se fala da necessidade de transição à outro estilo de agricultura, mesmo que
não se saiba exatamente qual será o novo padrão agrícola a ser buscado.
Ademais, o imperativo ambiental está impondo aos Estados a adoção de políticas orientadas
a preservar a base de recursos naturais sobre a qual se assenta a atividade agrícola. Isso, ainda
que não esteja claro nas políticas da Secretaria de Agricultura que examinamos, já aparece em
outras instâncias na forma de leis e normativas de tipo ambiental que afetarão cada vez mais as
atividades agrícolas e as famílias rurais. Em razão disto, se exigirá da extensão rural pública
diferentes linhas de ação: por um lado, deverá disseminar entre as famílias rurais as informações
pertinentes sobre a legislação ambiental e, por outro, desenvolver uma tarefa de assessoria, de
caráter educativo, destinada a ampliar uma consciência conservacionista e ambientalista entre a
população, que conduza à formas sustentáveis de agricultura.
De fato, estas novas propostas ambientalistas redefinem parte das funções tradicionais da
extensão pública na medida em que passam a exigir a assunção de novos papeis. Sobre isso, se
diz que a partir de agora “um importante papel da extensão será fazer visível o estado do meio
ambiente”; quer dizer, destacar os problemas das práticas agrícolas convencionais, ajudando na
construção de práticas alternativas. Em segundo lugar, considerando que a agricultura sustentável
tem um caracter localmente definido, é necessário que a extensão trabalhe de forma conjunta com
os agricultores fazendo uso dos conhecimentos disponíveis entre eles. E, em terceiro lugar, a nova
extensão deveria, mais do que transferir tecnologias, ajudar aos agricultores nos processos de
aprendizagem16.
Assim, a nova extensão rural mais que simplesmente ensinar algo à alguém, como sempre
se fez, será um processo conjunto de “aprendizagem sobre o mundo”, capaz de contribuir à
transformação profunda de umas relações sociais que fazem com que o modo de realizar a
agricultura afete de forma negativa e incontrolável à natureza17. Portanto, considerando as
pressões existentes na atualidade, cabe examinar e sugerir algumas mudanças pelas quais
passará a extensão rural pública, o que fazemos a partir de algumas premissas destacadas do
cenário que construímos a partir da nossa pesquisa.
a) as tendências indicam que entre os objetivos do governo e da sociedade civil de nosso estado,
está presente a necessidade de manter e aumentar a produção agrícola, ainda que se passe a
exigir que as metas de produtividade sejam alcançadas sem causar mais danos ao meio
ambiente e à saúde pública, ademais de preservar a qualidade dos alimentos, o que vem
sendo proposto sob o guarda-chuvas da agricultura sustentável;
b) o Estado tende a concentrar seus esforços e recursos para minimizar os problemas sociais
existentes no campo, já que aproximadamente uma terceira parte da população rural se
encontra em condições de pobreza;
c) como constatamos, a extensão rural pública continua sendo vista como uma ferramenta
fundamental para a ação do Estado em estratégias de desenvolvimento rural, ainda mais
quando se trata de introduzir objetivos de eqüidade social e de sustentabilidade ambiental;
d) os efeitos das políticas de ajuste econômico, ao mesmo tempo em que determinam uma
precisão em direção à uma maior eficiência e redução de gastos por parte da extensão pública,
tendem a determinar que o Estado passe a oferecer os serviços públicos de forma seletiva aos
setores menos favorecidos;
e) quanto ao serviço público de extensão, as tendências indicam que deverá orientar sua atenção
àqueles setores da agricultura em que se encontram as famílias rurais que não podem
financiar a assessoria de empresas privadas.

16
Sobre estes desafios ao extensionismo, Ver: Röling, N. e Pretty, J. N. (1997: pp. 186-7)
17
Ver: Pretty, J. N. (1995: 1257)

63
Estas premissas, conduzem a pensar que a extensão do futuro deverá redefinir diversos
aspectos de sua missão e objetivos; de seu enfoque e metodologia; dos conteúdos de suas
mensagens; assim como a clientela que se propõe a alcançar. Ademais, isto deverá ser realizado
de forma participativa, de maneira que o que segue deve ser considerado como uma contribuição
para os debates sobre as mudanças que devem ocorrer na extensão rural da esfera pública e não
um receituário para elas.

3.1 Sobre o conceito de Extensão Rural Agroecológica

No primeiro capítulo, depois de examinar os diferentes conceitos de extensão, concluíamos


que a extensão rural ou agrária foi entendida como, uma deliberada intervenção, de natureza
pública ou privada, num espaço rural dado (uma fazenda, uma comunidade, um povoado, uma
microbacia hidrográfica, etc.), realizada por agentes externos ou por indivíduos do próprio meio,
orientada à realização de mudanças no processo produtivo agrosilvopastoril, ou em outros
processos socioculturais e econômicos inerentes ao modo de vida da população rural implicada.
Se trata, pois, de uma intervenção intencionada, movida por objetivos normativos e levada a cabo
através de um processo comunicativo que envolve inúmeros atores, possuidores de diferentes
conhecimentos e situados em posições assimétricas de poder.
Este, sem embargo, é um conceito insuficiente ao ser examinado à luz das novas propostas
do desenvolvimento sustentável e da agricultura sustentável. Assim, a partir de nossa pesquisa,
entendemos que no futuro os científicos e políticos deveriam orientar seus estudos e suas ações
no sentido se superar a noção convencional de extensão rural ou agrária, introduzindo em seu
conceito elementos relativos aos objetivos de eqüidade e de sustentabilidade.
Desde a perspectiva ecotecnocrática, provavelmente bastaria acrescentar ao conceito acima
exposto, a expressão “mudanças sustentáveis”, para dar à atividade extensionista uma nova
imagem. Entretanto, em vista do que concluímos sobre as necessidades de mudança na extensão,
entendemos que um conceito mais adequado e completo para a extensão rural do futuro,
orientada ao desenvolvimento sustentável, necessita ter em conta um conjunto de aspectos
complementares e explicativos. Neste sentido, arriscamos a propor um conceito de “Extensão
Rural Agroecológica” ou “extensão ecossocial”18, que sirva como contribuição para o avanço dos
estudos neste campo.
Elaboramos nosso conceito a partir de algumas palavras chaves que foram encontradas
repetidas vezes na nossa investigação, as quais aparecem de forma reiterada nos discursos sobre
a extensão de Rio Grande do Sul e na bibliografia consultada. A apropriação destas palavras nos
permitiu construir o conceito que apresentamos abaixo.
A Extensão Rural Agroecológica poderia ser definida como um processo de intervenção de
caráter educativo e transformador, baseado em metodologias de investigação-ação participante, que
permitam o desenvolvimento de uma prática social mediante a qual os sujeitos do processo buscam a
construção e sistematização de conhecimentos que os leve a incidir conscientemente sobre a
realidade, com o objeto de alcançar um modelo de desenvolvimento socialmente eqüitativo e
ambientalmente sustentável, adotando os princípios teóricos da Agroecologia como critério para o
desenvolvimento e seleção das soluções mais adequadas e compatíveis com as condições
específicas de cada agroecossistema e do sistema cultural das pessoas implicadas em seu manejo.

18
A expressão “extensão ecosocial” é utilizada por Sánches de Puerta, F. (1996), para quem este é
um dos “tipos ideais integrados de extensão agrária”. Como “tipo ideal” o autor entende que se trata de um
enfoque mais adequado para agências não governamentais, o que não corresponde com o que está
ocorrendo na prática concreta, onde agentes do setor público e algumas organizações passaram a adotar as
características deste enfoque.

64
Figura 2: Esquema simplificado sobre elementos da Extensão Rural Agroecológica

A EXTENSÃO RURAL AGROECOLÓGICA

Melhorar a Evitar Danos


Promover
Qualidade Condições
ao
de Vida Para Meio
c Ambiente

MÉTODOS/TÉCNICAS PARTICIPATIVOS
INVESTIGAÇÃO - AÇÃO - PARTICIPATIVA

PROCESSOS EDUCATIVOS
APRENDIZAGEM COLETIVA
VALORIZAÇÃO DO CONHECIMENTO LOCAL
AGRICULTURA COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL

OBJETIVOS:

AGRICULTURA SUSTENTABILIDADE + RENDA


SUSTENTÁVEL ESTABILIDADE + BES
PRODUTIVIDADE
EQÜIDADE
QUALIDADE DE VIDA

65
Como tentamos mostrar na Figura 2, se trata de um conceito mais amplo do que aquele que
vimos anteriormente, já que inclui a necessidade de uma praxis distinta da convencional e implica
reconhecer a existência de diferentes conhecimentos e estruturas de poder que influem nos
processos de desenvolvimento e agricultura sustentáveis. Ademais, recomenda que o manejo dos
recursos naturais e a adoção de opções tecnológicas sejam entendidos no marco de um processo
de natureza construtivista, o que implica na necessidade de pesquisa, aprendizagem e ação e que,
portanto, deve ser respeitoso às pessoas, suas condições objetivas, seus interesses e
necessidades. Assim mesmo, a natureza local e a importância que dá aos sujeitos sociais, conduz
a um modelo de decisão e ação que contempla o caráter histórico e os aspectos políticos do
desenvolvimento.
A adoção de tal conceito, ademais, pode contribuir para fortalecer os processos de
resistência que caracterizam as lutas históricas dos camponeses, frente às tendências gerais e
ameaças do desenvolvimento capitalista no campo. Não obstante, sua aplicação exige a
superação de alguns obstáculos, entre os quais cabe destacar aqui os seguintes:
a) A necessidade de imersão do agente: a compreensão da realidade e da vida das famílias
envolvidas no processo de desenvolvimento, o conhecimento dos agroecossistemas e o
estabelecimento das estratégias e práticas compatíveis com a realidade, só é possível se o
agente de extensão pudesse dispor do tempo suficiente e dedicar a atenção que exige cada
situação concreta. Isto não é compatível; em geral, com a busca de resultados imediatos em
termos de aumentos na produção e produtividade, o que caracteriza a extensão convencional.
b) O resgate do conhecimento local: exige a adoção de metodologias adequadas, que não sejam as
metodologias tradicionais utilizadas pela extensão. Assim mesmo, estas devem ajudar no
estabelecimento de uma “plataforma de negociação”, criando oportunidades para a integração do
conhecimento local com o conhecimento técnico.
c) Participação como direito: a participação não pode ser um processo parcial ou somente vigente
quando uma das partes acha que é necessária. Participação, neste caso, implica horizontalidade
na comunicação e igualdade nas oportunidades de e para expressar as opiniões e desenvolver as
ações; o que está assentado, necessariamente, em uma igualitária relação entre os atores
envolvidos.
d) O processo educativo: na nova extensão tem-se que garantir que o processo educativo seja
capaz de potencializar o crescimento dos sujeitos como cidadãos, de modo que os atores
participantes se envolvam em um processo em que saiam fortalecidas suas capacidades para
a ação individual/coletiva, inclusive junto à "sociedade maior". Já não se trata de uma
educação para a adoção de tecnologias transferidas por um agente que sabe, senão que de
um processo que permita desenvolver os conhecimentos e ter acesso à informações
suficientes que permitam a eleição e a decisão conscientes entre alternativas possíveis, a
partir da compreensão de sua própria realidade e das estruturas de dominação porque se vêm
afetados.
e) Sistematização das experiências: o registro sistematizado dos conhecimentos e das experiências
realizadas em terreno passa a ser um processo indispensável, tanto para facilitar sua socialização
entre os membros de cada grupo, como para futuras avaliações. Assim mesmo, é necessário
conhecer e sistematizar informações sobre os recursos internos disponíveis e suas possibilidades
de uso, assim como os obstáculos externos. Na nova perspectiva já não basta o registro referente
à adoção de tecnologias e práticas difundidas pela extensão.
A superação destes e outros obstáculos dependerá de importantes decisões políticas com
respeito a aspectos fundamentais do extensionismo, alguns dos quais estão abordados nos
capítulos que seguem.

3.2 Sobre o “enfoque”, a “missão” e os “objetivos” da Extensão Rural Agroecológica

66
Sobre o que se entende por “enfoques de extensão”, e seguindo o conceito recomendado
por Axinn19, pode-se dizer que a extensão pública para o desenvolvimento sustentável poderia
adotar uma mistura de aqueles enfoques que o autor identifica como “enfoque geral de extensão
agrícola” e o “enfoque da extensão baseada na participação”. Ou seja, se trata de estabelecer um
novo enfoque, que qualificaremos como de “institucional participativo”, no qual se mantenha o
espaço institucional público do aparato extensionista, extraindo dos governos e da organização de
extensão o controle absoluto sobre as decisões da empresa que até agora exerceram. Isto é,
assegurar maior controle social sobre o Aparato de Estado e suas ações. Assim mesmo, este
enfoque exige uma participação efetiva, tanto dos beneficiários como dos demais atores sociais
interessados, nos processos de gestão e planejamento, assim como uma mudança nas variáveis
pelas quais se mede o êxito dos programas e os procedimentos para a avaliação dos serviços.
Este novo enfoque, de imediato, exigiria mudanças estruturais e uma nova forma de
entender a gestão do aparato extensionista, uma vez que os mecanismos de controle deveriam ser
descentralizados e a gestão compartida entre agentes do Estado e representantes dos
beneficiários20. A administração de tipo “top-down” deve dar lugar a um modelo de gestão
compartido e democrático, pois “quanto maior é o grau de funcionamento autocrático da
administração central, tanto menos eficaz será a função educacional da extensão e tanto maior
será sua utilização como veículo da política estatal” (Watts, 1987: 31). Este modelo deveria
estimular o diálogo interno e estabelecer um clima favorável para a cooperação entre os
funcionários e destes com outras organizações do setor público, ONG’s, movimentos sociais e
outras organizações da sociedade civil (OSC) envolvidas em atividades de desenvolvimento rural.
Ademais, desde a perspectiva do conhecimento técnico, parece necessário mudar o modelo
piramidal em cujo topo estão os especialistas, que se consideram os donos do saber e que são os
mentores das diretrizes de projetos e orientações tecnológicas que devem ser executadas pelos
agentes de campo. Este modelo, que foi adequado às estratégias da Revolução Verde não parece
ser compatível com processos participativos.
Por outro lado, o planejamento, seguimento e avaliação do trabalho extensionista seriam
tarefas realizadas de forma conjunta por técnicos e agricultores, em diferentes níveis (regional e
municipal e comunidade, por exemplo), considerando sempre os aspectos relativos às condições
locais e adotando perspectivas de médio e longo prazo, pois só assim é possível entender a
efetiva participação e a busca do desenvolvimento rural sustentável21.
Ademais, dadas as premissas antes enunciadas, o contexto do Rio Grande do Sul indica que
a “missão” da extensão pública deverá centrar-se na necessidade de buscar um maior equilíbrio
social e ambiental, no meio rural. Dito em outras palavras, a missão historicamente determinada à
atividade extensionista, que esteve baseada na transferência de tecnologias para aumentar a
produção e produtividade, deverá dar lugar à tentativa de integrar as metas de produção agrícola
com os aspectos sociais, ambientais, culturais e políticos do desenvolvimento sustentável.
Portanto, no estabelecimento de um novo marco para o extensionismo, tem-se que considerar que
simplesmente buscar o “aumento da produtividade –objetivo histórico do desenvolvimento–
eqüivale a determinada coerência e ordem sociais e resulta na degradação ecológica e na
desordem” (Altvater, 1995: 130), coisas que se procura ajudar a superar com nova extensão.
Assim, a missão da extensão rural pública, desde a perspectiva socioambiental, deveria ser
contribuir ao desenvolvimento de modos de vida sustentáveis, particularmente para aqueles
grupos sociais com poucos recursos e oportunidades. Desde a perspectiva econômica e ecológica,
o extensionismo deveria contribuir para o fortalecimento de formas de agricultura ambientalmente
sustentáveis que garantam suficientes ingressos às famílias rurais com as quais se trabalha.
19
Ver: Axinn, G. H. (1988)
20
Como dizem Cristovão, A. e outros (1997: 58), na atualidade é corrente a utilização de algumas
dicotomias para o contraste entre diferentes abordagens dos programas de desenvolvimento, o que nos
parece adequado quando se trata da extensão. As dicotomias chaves indicadas por estes autores são:
centralizado x descentralizado; de cima para baixo x de baixo para cima; pré-desenhado x processo.
21
Sobre um modelo de avaliação participativo da atividade extensionista, no qual os beneficiários
podem assumir um papel protagônico, Ver: Deshler, D. (1997)

67
Para cumprir com sua nova missão a extensão deveria concentrar-se em quatro objetivos,
igualmente importantes e que seriam utilizados, também, como indicadores para o modelo de
sustentabilidade que se espera alcançar. Os objetivos que, em nossa opinião, deveriam ser
perseguidos são os seguintes: Sustentabilidade, Estabilidade, Produtividade e Eqüidade22. Estes
poderiam ser enunciados como segue:
a) garantir o apoio à construção e manejo de agroecossistemas sustentáveis de modo que,
apesar das restrições ecológicas e das pressões sócio-econômicas, possam ser alcançados e
mantidos adequados níveis de produção;
b) atuar de forma conjunta com os agricultores e suas organizações com o objeto de integrar os
fatores de produção disponíveis na zona e outros que estejam ao alcance dos mesmos, para
alcançar uma estabilidade na produção, que seja compatível com as condições ambientais,
econômicas e sociais prevalecentes;
c) apoiar os agricultores na seleção das tecnologias de produção capazes de reduzir riscos e
otimizar o uso dos recursos internos, de modo a alcançar, na totalidade dos sistemas
agrícolas, níveis de produtividade estáveis e que não afetem negativamente o equilíbrio
ecológico;
d) contribuir para a consolidação de formas cooperativas de produção que fortaleçam os laços de
solidariedade e que propiciem que o produto gerado nos agroecossistemas seja distribuído
uniformemente de maneira que atenda requisitos de segurança alimentar e geração de renda
para todas as famílias envolvidas.

3.3 As metodologias para uma Extensão Rural Agroecológica

Como vimos anteriormente, a metodologia de ação extensionista não pode seguir sendo a
tradicionalmente e até agora utilizada. Em efeito, uma Extensão Rural Agroecológica só pode ser
levada a cabo mediante metodologias que permitam colocar em marcha, estimular e apoiar
processos efetivamente participativos. Esta exigência, desenvolvida em nível das teorias foi citada
por todos os atores entrevistados em nossa pesquisa, como sendo uma das mudanças que devem
ocorrer na extensão rural de nosso estado. Isto mostra a importância capital deste tema.
No Rio Grande do Sul, o discurso da participação foi incorporado pelo aparato de extensão à
meados dos anos oitenta e faz parte das diretrizes e orientações de planejamento, as quais
estimulam a adoção de métodos participativos. Entretanto, a organização extensionista não
estabeleceu, pelo menos claramente, que tipo de participação deve ser adotada, na prática
cotidiana, por parte de seus agentes. Sabemos, não obstante, que não existe um único tipo de
participação, o que exige um maior aprofundamento sobre o tema, para saber onde estamos e
onde poderemos chegar se desejamos “construir” a agricultura sustentável como um processo de
aprendizagem coletivo. O quadro 1, contribui a diferenciar os estilos de participação e pode
mostrar indícios sobre quais seriam os mais adequados em vista das novas perspectivas para e
sobre a extensão.
Na atualidade, os enfoques participativos adotados pelos aparatos públicos de extensão,
como é o caso do Rio Grande do Sul, tendem a manter-se nos cinco primeiros tipos apresentados
no quadro a seguir, com especial destaque aos quatro primeiros. Estes tipos de participação se diz
que apresentam como principal problema, além do intercâmbio desigual desestimulante, a
incapacidade de alcançar efeitos posteriores positivos para a vida dos atores sociais envolvidos.
Inclusive os quatro primeiros tipos são adequados à toda sorte de manipulações, o que levaria a
negá-los como tipos reais de participação propriamente dita23.

22
Sobre os conceitos de produtividade, eqüidade, estabilidade e sustentabilidade dos
agroecosistemas, como indicadores de sustentabilidade, Ver: Altieri, M. A. (1995: pp. 168-174) e Conway, G.
(1990: pp. 39-43).
23
Cf. Pretty, J. N.(1995: 1253)

68
Quadro 1. Uma tipologia da participação: como as pessoas participam ou poderiam participar em
programas e projetos da extensão
Tipos de
Características dos diferentes tipos de participação
participação
1. Participação A participação é simplesmente um engano. Se dá a presença de pseudos
manipulada representantes das “pessoas” em um espaço oficial, sem que tenham sido
eleitas para representá-las. Assim mesmo, estes “representantes” não têm
nenhum poder real.
2. Participação As pessoas participam na medida em que lhes é contado o que foi decidido
passiva sem escutá-las ou aquilo que já está sendo realizado. Se trata de um anuncio
público, unilateral, realizado por uma administração ou gerente do projeto, para
informar aos “participantes”.
3. Participação As pessoas participam através de consultas realizadas à elas ou pelas
por consulta respostas que dão a determinadas perguntas. Agentes externos definem os
problemas e as formas de obter informações, controlando, assim, a análise. Tal
processo consultivo não permite que a tomada de decisão seja compartida.
Assim mesmo, os condutores do processo não têm nenhum compromisso no
sentido de levar em conta o ponto de vista das pessoas “participantes”.
4. Participação As pessoas participam sendo retribuídas com recursos em troca disso. Por
por incentivos exemplo: trabalho em troca de comida, dinheiro ou outro tipo de incentivo
materiais material. No caso da agricultura, os agricultores podem contribuir com os
campos de cultivo e seu trabalho, mas não participam na experimentação nem
no processo de aprendizagem.
5. Participação É a participação estabelecida por agências externas como um meio para
funcional alcançar os objetivos de determinado projeto. Se usa especialmente como um
meio para reduzir os custos dos projetos. As pessoas podem participar
mediante a formação de grupos para alcançar determinados objetivos
relacionados com o projeto. Tal participação pode ser interativa e levar à toma
de decisões compartidas. Não obstante, tende a ter lugar somente depois de
que as decisões mais importantes já foram adotadas pelos agentes externos.
No pior dos casos, as pessoas podem ser cooptadas somente para servir ao
alcance de metas externas.
6. Participação As pessoas participam, de forma conjunta, na análise da realidade,
interativa desenvolvimento dos planos de ação e na formação e/ou fortalecimento de
instituições locais. A participação é vista como um direito e não como um meio
para alcançar os objetivos do projeto. O processo envolve metodologias
interdisciplinares que adotam múltiplas perspectivas e utilizam processos de
aprendizagem sistemáticos e estruturados.
7. Participação As pessoas atuam de forma conjunta e com o apoio de organizações externas,
mediante que respeitando suas dinâmicas de ação social coletiva, complementam suas
acompanhamento carências, depois de serem demandadas pelos participantes e mediante
processos de aprendizagem coletiva. A seleção de alternativas e as decisões
são prerrogativas dos participantes.
8- Auto- As pessoas participam, independentemente de agentes ou instituições
mobilização externas, adotando iniciativas para mudar o sistema. Elas se envolvem com
instituições externas para obter os recursos e a assessoria técnica que
necessitam, mas mantém o controle sobre como os recursos que devem ser
utilizados. A auto-mobilização pode ser ampliada como prática de participação
se os governos ou as ONG’s oferecem estruturas de apoio. Esta auto-iniciada
mobilização pode estar orientada a desafiar a distribuição de riqueza e poder
existentes, ou em participar dela.
Fonte: Adaptado de Pretty (1995) e Gaventa (1998)

69
O quinto tipo, também bastante presente na prática da extensão rural, tende a manter os
agentes externos numa posição dominante, dado que as decisões do grupo de pessoas
participantes são, em geral, decisões periféricas, que estão subordinadas à (ou determinadas por)
decisões anteriores, de “nível mais elevado”. Isto ocorre em muitos projetos que estão pré-
desenhados por especialistas e que estabelecem, à priori, alguns aspectos dos projetos, como
pode ser a dimensão e escala ótimos ou determinado perfil tecnológico. Nestes projetos resta aos
participantes a possibilidade de influir sobre como colocá-los em prática.
Deste modo, parece estar claro que a Extensão Rural Agroecológica, deveria optar por um
dos três últimos tipos de participação (6,7,e/ou 8), isolados ou conjuntamente. Ou seja, apoiar as
iniciativas próprias dos beneficiários e estimular a participação como um direito, inclusive como um
direito no que diz respeito ao controle social sobre a própria ação da extensão rural e de seus
agentes. Estes três tipos de participação, por outro lado, seriam os mais adequados para
iniciativas extensionistas baseadas nos princípios da Agroecologia e que entendem a
sustentabilidade e a agricultura sustentável como uma construção social.
Nestes estilos de participação a ação através de grupos é um aspecto fundamental, inclusive
se diz que “uma especial característica desta mudança para práticas mais sustentáveis é a
importância dos grupos”, o que exigirá que os facilitadores sejam, além de tecnicamente bem
treinados, capacitados para que desenvolvam as habilidades necessárias para atuar com grupos e
organizações. Em função disso, a prática está ensinando que para desenvolver uma agricultura
sustentável os profissionais da extensão devem mudar de papel, de modo que o agente deixe de
atuar como um experto transferidor de tecnologias e passe a atuar como “um facilitador que
trabalha com os agricultores para aprender, desenvolver tecnologias e transformar-se em
experto”24.
É importante observar que “as abordagens e métodos participativos representam uma
oportunidade para construir melhores ligações entre os vários atores e melhorar o conhecimento
de uns pelos outros”. Assim mesmo, já foi demonstrado que quando são utilizados “o Diagnóstico
Rápido Participativo e outros métodos participativos, extensionistas e pesquisadores têm a
oportunidade de trabalhar em conjunto, formando uma mesma equipe. Eles trocam experiências e
conhecimentos e alcançam algum tipo de consenso com os agricultores sobre o que é mais
necessário.” Ademais, os agricultores participantes tendem a confiar mais nos profissionais e na
possibilidade de que estes lhes ajudem “sem impor soluções” (Pretty e Vodouchê, 1997: 53).
Nós, ainda que aceitando a existência de um grande número de abordagens e métodos
participativos, entendemos que a “investigação-ação participante” –que incluímos em nosso
conceito de Extensão Rural Agroecológica– pode ser realizada mediante a aplicação de
metodologias similares ao conhecido Diagnóstico Rural Participativo – DRP (Participatory Rural
Appraisal - PRA) que, em nossa opinião, se apresenta como uma interessante estratégia
metodológica para a intervenção extensionista na perspectiva do desenvolvimento sustentável.
Assim mesmo, questionamos a utilidade do DRR – Diagnóstico Rural Rápido, porque entendemos
que sua utilidade é limitada para estratégias de desenvolvimento e sua utilização tende a
transformar-se em um instrumento dos agentes externos para captar informações e pode também
ser uma fraude e frustrar aos atores envolvidos depois do já freqüente “abandono institucional
rápido” que costuma ocorrer, principalmente, naqueles projetos financiados por organizações de
cooperação em que os agentes extensionistas vêm do exterior ou apenas como consultores
temporários e não têm nenhum compromisso duradouro com as comunidades.
Por outro lado, pensamos que o DRP é uma metodologia mais adequada para o trabalho
com grupos em condições de maior carência, além de contribuir para a redução dos custos da
atividade extensionista. Sem dúvida, o DRP é um método participativo que permite uma maior
“apropriação e análise” das informações pelas próprias famílias rurais envolvidas, assim como seu
protagonismo no planejamento e nas ações. Ou seja , com o DRP se diminui o papel dos agentes
externos, ao mesmo tempo em que se aumenta o papel das famílias rurais em todas as etapas
dos ciclos de projeto em uma determinada localidade, comunidade, microbacia hidrográfica, etc.

24
Ver: Röling, N. (1993: 269)

70
Uma comparação entre Diagnóstico Rural Rápido e Diagnóstico Rural Participativo indica,
ademais, que o segundo é mais adequado para incrementar o poder local e a capacidade de gerar
instituições e ações locais, que são elementos chaves para estratégias que buscam a
sustentabilidade25.

Quadro 2. Alguns elementos para a comparação entre DRR e DRP


Elementos considerados Diagnóstico Rural Rápido Diagnóstico Rural Participativo
Período de maior uso Final dos setenta e anos 80 Final dos oitenta e anos 90
Fonte das principais inovações Universidades ONG’s
Atores principais Agentes externos População local
Principais usuários Agências de Apoio, Centros de ONG’s e Agências
Investigação e Universidades governamentais
Recurso chave que tem em Conhecimento local Potencialidade das pessoas
vista
Principal inovação Métodos e técnicas Comportamento
Estilo dominante Extrativo Participativo
Ação dos agentes externos Obter informação Facilitador do processo de
aprendizagem
Objetivos Coletar dados. Agentes Incrementar o poder das
externos aprender com a pessoas envolvidas
população local
Produto a longo prazo Planos, programas, projetos, Instituições e ações locais
publicações sustentáveis
Fonte: Adaptado de Chambers (1994: 98; 1997: 15)

Cabe mencionar que, recentemente, dada a evolução no uso e às adaptações ocorridas na


aplicação do Diagnóstico Rural Rápido e do Diagnóstico Rural Participativo, Chambers propõe
uma nova expressão, possivelmente, mais adequada, que ele chama de Aprendizagem e Ação
Participativa (Participatory Learning and Action – PLA). A nova expressão evita o “reducionismo”
inerente às palavras “appraisal” e “rural”, dado que já não se trata de um enfoque utilizado só no
meio rural e nem sequer apenas destinado à avaliação26.
A análise destes novos enfoques metodológicos, como já mencionamos, nos mostra que
recuperamos as noções chaves da Investigação-Ação Participativa, que de fato parece ser uma
metodologia adequada para a adoção dos princípios da Agroecologia. Entretanto, para que estas
mudanças metodológicas levem à novas estratégias de desenvolvimento e agricultura, é
necessário que a extensão rural supere o paradigma da transferência de tecnologias (TdT) e adote
um paradigma capaz de permitir uma aproximação às verdadeiras necessidades dos beneficiários
dos serviços públicos de extensão e que contribua para colocar em andamento uma ação
ambientalmente responsável e compatível com as exigências dos diferentes agroecossistemas e
sistemas culturais (voltamos a insistir). Uma das alternativas possíveis e que em nossa opinião
poderia ser perfeitamente adotada pela extensão rural do Rio Grande do Sul é o chamado enfoque
do “agricultor em primeiro lugar” (Farmer First)27.

25
Cf. Chambers, R. (1994 e 1997)
26
Ver: Chambers, R. (1997), o autor destaca que enquanto escrevía este libro, o Diagnóstico Rural
Participativo ainda era a expressão mais utilizada, mas que esta possivelmente deveria mudar para dar
conta de um enfoque que é mais amplo.
27
O que aqui propomos, não elimina o papel do profissional nos processos de desenvolvimento.
Neste sentido, cabe destacar que não coincidimos com a noção de Farmer-First contestada por Rogers, A.
(1996). Este autor pensa que esta “nova ideologia da extensão”, posto que parte das necessidades sentidas
pelos agricultores, pode levar ao equívoco de esquecer aspectos importantes presentes nas condições
locais, simplesmente porque não estão na relação de necessidades imediatas dos beneficiários.
Provavelmente sua análise tem que ver com certas aplicações de enfoques tipo Diagnóstico Rural Rápido -

71
Como se pode observar, o enfoque “Farmer-first” e a metodologia e técnicas de
“Aprendizagem e Ação Participativa” seriam capazes de dar à extensão rural da esfera pública
uma alternativa concreta para a superação da prática metodológica convencional do
extensionismo. Estas possibilidades, que à princípio pareciam ser apenas relativas à ação de
ONG’s, na atualidade já estão sendo utilizadas como estratégias de organizações governamentais
e, inclusive, já estão sendo adotadas em projetos patrocinados por organismos internacionais
como o Banco Mundial e a FAO28. As diferenças-chave entre os dois enfoques TdT e FF podem
ser observadas no quadro abaixo.

Quadro 3. Alguns elementos para a comparação entre o enfoque de Transferência de Tecnologias


(TdT) e o enfoque do “agricultor em primeiro lugar” (Farmer-first) (FF)
Elementos TdT FF
Estilos de agricultura para a Simples. Uniforme. Controlada Complexa. Diversificada.
qual é mais aplicável ou Propensa ao risco.
mais aplicado
Principal objetivo Transferência de tecnologias Aumentar o poder das pessoas
Análise das necessidades e Realizado por agentes externos Realizado pelos agricultores com
prioridades a facilitação de agentes externos
Ação dos agentes externos Passar recomendações, Informar sobre princípios,
mensagens e transferir pacotes métodos e oferecer uma cesta de
de práticas opções possíveis
O “menu” Previamente estabelecido Optativo, “a la carte”
Comportamento dos Ouvir mensagens, atuar em base Utilizar os métodos, aplicar os
agricultores às recomendações, adotar, princípios, escolher
adaptar ou não adotar os pacotes possibilidades na cesta de
opções e experimentar em suas
condições
Desejos e metas dos Difundir a adoção do pacote de Ampliar as possibilidades de
agentes externos tecnologias eleição pelos agricultores
buscando, que a adaptabilidade
pelos agricultores seja melhorada
Principal estilo de extensão Agente para agricultores Agricultores para agricultores
Papeis do agente de Professor. Treinador. Supervisor. Facilitador. Consultor.
extensão Provedor de serviços. Investigador e provedor de
opções.
Fonte: Adaptado de Chambers (1994: 68; 1997: 202)

Os estudos sobre esta tendência das organizações públicas a adotar enfoques participativos
indicam que existem pelo menos quatro motivações principais. A primeira, está mais diretamente
relacionada com a necessidade de sobrevivência das organizações governamentais do que
relacionada com a sua vontade de “abraçar idéias de bom governo como a democracia e a
distribuição de poder”. Isto ocorre, em geral devido às pressões externas por maior eficiência e
menores gastos. Em segundo lugar, esta mudança está sendo estimulada por algumas agências
internacionais de apoio e financiamento de projetos, para criar processos de decisão baseados
nas comunidades e associações locais. A terceira razão, para a adoção de enfoques participativos
por agências públicas de extensão, nasce do reconhecimento das falhas existentes nos enfoques
convencionais de investigação e desenvolvimento que já se mostraram ineficientes para resolver
as necessidades básicas das maiorias. E, a quarta motivação, está determinada pelo

DRR (Rapid Rural Appraisal - RRA), que foi desenvolvido a partir dos anos setenta e que, em geral,
apresenta a característica de ser “extrativo, com os agentes externos se apropriando e processando as
informações”. (Chambers, R.; 1994: 97)
28
Ver, entre outros: Chambers, R. (1997) ; Blackburn, J. e Holland, J. (1998); Thompson, J. (1998)

72
reconhecimento de experiências participativas realizadas com êxito pelo chamado “terceiro setor”,
as quais chamaram a atenção dos governos e formuladores de políticas, porque demonstram que
é possível melhorar os resultados do setor público, adotando estratégias participativas29.
Não se trata, pois, de uma simples análise de valor sobre a prática convencional da extensão
rural, senão de identificar que o futuro do extensionismo passa pela adoção de outro enfoque e de
uma estratégia metodológica participativa, ambos necessários ante os desafios sociais e
ambientais aos que se deve enfrentar a extensão rural da esfera pública no futuro. Ademais, como
diz Robert Chambers no prefácio ao livro intitulado “Who Changes?: Institutionaoizing participation
in development” (Blackburn e Holland, 1998), “A participação sustentada em estratégias de
desenvolvimento exige transformações em três domínios: métodos e procedimentos; cultura
institucional; e comportamento e atitudes pessoais. Os três são necessários e cada um deles
reforça os demais”. Assim mesmo, afirma que “cada um deles representa pontos de entrada para
as mudanças”. Ou seja, estamos frente à fronteira das mudanças, mas elas não serão um
“acontecimento” fruto do nada, senão que dependem sobretudo da vontade dos indivíduos.
Assim, entre os problemas propostos com respeito às possibilidades de mudança, uma
inquietude permanente, “é se nós, como profissionais do desenvolvimento, temos sentimentos e
mudaremos nosso comportamento”, isto é, se estamos dispostos a abraçar as possibilidades de
mudança e atuar de uma forma inversa à convencional. Os desafios estão postos para todos. Para
nós, os extensionistas, o principal desafio é se conseguiremos falar menos e escutar mais,
aprender a aprender e a facilitar processos de aprendizagem, ademais de “proporcionar opções” e
serviços responsáveis e comprometidos com os beneficiários, que sejam impulsionados por um
“novo profissionalismo”30.

3.4 A exigência de um “novo profissionalismo” para a ação extensionista

Os desafios ao estabelecimento da extensão para o desenvolvimento sustentável ainda vão


mais adiante, do que foi até aqui analisado, já que os estudiosos deste tema indicam que para que
ocorram mudanças sustentáveis na ação é necessário desenvolver-se um “novo
profissionalismo”31. Em efeito, como sabemos, uma das deformações geradas pelo modelo de
desenvolvimento agrícola ainda vigente, foi a transformação imposta aos modelos de educação e
32
formação de profissionais das ciências agrárias. Isto é reconhecido oficialmente pela EMATER/RS
como uma das dificuldades com respeito ao pessoal técnico da empresa, quando se diz que “a
formação acadêmica atual dos técnicos conduz a uma visão do todo que é fragmentada”, o que
dificulta a análise global dos agroecossistemas. (EMATER/RS, 1996: 225) E isto vale para toda a
extensão rural brasileira.
Em realidade, em vez de formar profissionais que entendam as condições específicas e
totalizadoras inerentes aos processos agrícolas, o ensino nas universidades e escolas agrícolas
brasileiras adotou um modelo que privilegia a divisão disciplinar, a especialização e, por
conseqüência, a difusão de receitas técnicas e pacotes tecnológicos. Assim, os profissionais egressos
destas instituições de ensino, em geral, não tiveram a oportunidade de chegar a uma compreensão
da agricultura como uma atividade que, ademais de sua "função de produzir bens", é um processo
que implica uma relação entre o homem e o ecossistema onde vive e trabalha, sem considerar que,
para muitos, pode ser também uma forma de vida. Em geral, durante a formação profissional não se
29
Cf. Thompson, J. (1998: pp. 108-110)
30
Cf. Chambers, R. (1997: 236) Não se trata, evidentemente, de uma mudança que afetaria só aos
extensiomistas. Assim, o autor também inclui responsabilidades para outros profissionais, dizendo que:
economistas e burocratas devem descentralizar e apoiar a diversidade local; professores de universidades,
institutos e escolas devem ir com seus alunos às povoações locais para aprender, devem revisar os
currículos, reescrever os livros de texto, dar menos aulas e ajudar mais a que os outros aprendam; assim
como faz recomendações para os líderes políticos, para o pessoal das ONG’s. etc.
31
Ver, entre outros: Chambers, R. (1994); Pretty, J. e Chambers, R. (1994); Pretty, J. N. (1995);
Röling, N. e Pretty, J. N. (1997).
32
Cf. Diáz Bordenave, J. (1977); FAO (1993); FAO (1994).

73
faz sequer um momento de integração das disciplinas. Cada uma delas é repassada aos alunos em
sua própria “gaveta”, isolada das demais e, quase sempre, alheia à realidade objetiva das pessoas e
dos processos agrícolas concretos. Esta primeira carência na formação impede ao profissional a
possibilidade de ter uma visão holística da realidade na qual vai atuar, o que minimiza sua
possibilidade de ter uma compreensão da agricultura a partir dos princípios básicos dos processos
naturais.
A segunda grande deformação na formação dos profissionais das ciências rurais e agrárias
está relacionada com a distância abstrata com que se trata ao homem-agricultor. Em geral, se estuda
muito sobre as máquinas e os insumos mas muito pouco sobre o homem e o papel decisivo que ele
tem na agricultura. O ensino costuma basear-se numa visão da agricultura como um técnicas
agrícolas aplicadas e pouco mais, sequer conseguindo integrar a agronomia com a ecologia.
Em terceiro lugar, e como conseqüência dos aspectos anteriormente considerados, as
disciplinas que tratam sobre a vida dos indivíduos, de suas relações, da sua cultura, da sociedade
onde vive e onde trabalha, costumam ser diminuídas em sua importância e, inclusive, costumam ter
muito menor peso no conjunto do programa de formação. Este é o caso da Sociologia, mas também o
é o caso da disciplina de Extensão Rural, que, quando está presente nos currículos, está destinada a
cumprir a tarefa de oferecer ao futuro profissional os instrumentos através dos quais pode impor seu
conhecimento diante do agricultor e garantir, mediante o uso de uma metodologia específica, a
reprodução do modelo no qual e para o qual foi preparado33. Ademais, não se pode esquecer, que
junto a isso existem umas fortes implicações ideológicas e políticas no ensino, traspassadas pela
dimensão “meritocrática” e de competição (status) presentes na questão educativa das sociedades
atuais, e que acabam introduzindo na formação dos profissionais alguns valores dominantes na
sociedade, que se reproduzem, posteriormente, nas atitudes individuais e na prática dos agentes.
Todo isto, em última instância, a formação determina um estilo de profissionalismo, que pode
ser entendido como um “profissionalismo normal”, ou seja, como aquele que se refere “ao
pensamento, valores, métodos e comportamentos dominantes em uma profissão ou disciplina” de
maneira que, “como a ciência normal, o profissionalismo normal é conservador”, baseado em “uma
estrutura centro-periferia do conhecimento, da geração de conhecimento, transmitida pela
educação e treinamento, pela hierarquia das organizações e por pautas de recompensa e
carreiras”, que tendem a reproduzir ações profissionais também conservadoras (Chambers, 1994:
3-4).
Assim sendo, pode-se afirmar que a nova extensão rural exige um “novo profissionalismo”,
que se caracterize, em primeiro lugar, pela capacidade de colocar e ver as pessoas antes das
coisas, com especial atenção aos grupos menos favorecidos. Como já se destacou, os métodos
ajudam, mas não são suficientes para construir novas relações entre agentes e beneficiários, de
modo que os profissionais da Extensão Rural Agroecológica deveriam assumir novos conceitos,
valores e comportamentos, ademais de novos métodos. Deve-se considerar que este “novo
profissionalismo” é necessário, inclusive porque os métodos não são neutros, já que
correspondem a contextos sociais, políticos e históricos, de modo que podem ser utilizados “para
levar a uma genuína capacidade de construção e organização, assim como podem ser utilizados
apenas para satisfazer objetivos externos” (Pretty, 1995: 1256).
Um “novo profissionalismo”, ademais, requer que se reconheça que nem sempre o que
pensamos e estabelecemos como necessidades dos indivíduos e grupos assistidos, corresponde
às necessidades sentidas por eles mesmos, de modo que o agente deveria estar,
quotidianamente, em busca dos valores próprios dos beneficiários. Por outro lado, estabelecer um
“novo profissionalismo” exige que, ao contrário da especialização profissional, se adote uma
formação mais multidisciplinar ou pelo menos se amplie a capacidade de interagir com outras
profissões e disciplinas. Como destacam diversos autores, este “novo profissionalismo” implica um
grande desafio, de modo que os agentes não devem se intimidar frente à complexidade e
incerteza, próprios de ações que devem estar baseadas no diálogo e na participação.

33
Ver: Caporal, F. R. e Fialho, J. R. D. (1989)

74
3.5 Sobre o conteúdo das mensagens e a clientela da extensão pública do futuro

Como vimos antes, a tendência à mudança do paradigma da extensão rural, indica a


necessidade de mudanças no conteúdo das mensagens dos agentes. Já não se trata de indicar
receitas ou difundir pacotes tecnológicos, senão de atuar como um “facilitador” e consultor. O novo
profissional deverá ter a capacidade de pesquisar, identificar e fazer disponíveis aos agricultores e
suas famílias um conjunto de opções técnicas e não técnicas, compatíveis com as necessidades
dos beneficiários e com as condições ambientais em que estão atuando. Se deve ter em conta que
não se trata de uma tarefa fácil. Ao contrário, se trata de enfrentar o desconhecido, com situações
complexas, com processos que exigem interação. Por tanto, é impossível predizer qual deveria ser
o conteúdo das mensagens, pois isso será resultado de situações de aprendizagem específicas e
diferenciadas.
Não obstante, o papel do extensionista, como agente de desenvolvimento, não perde seu
valor e sua importância, mesmo que o conteúdo de suas mensagens já não possa estar centrado
só, ou principalmente, na difusão de informação técnica. Assim mesmo, o problema tecnológico
antes tratado desde a perspectiva da difusão, na nova extensão terá que ter em conta os recursos
disponíveis na propriedade, a heterogeneidade com que se apresenta a problemática tecnológica
e as diferentes racionalidades adotadas pelos camponeses na gestão de seu modo de produção e
de vida.
Ademais, o desenvolvimento sustentável exigirá o manejo de informações-chave sobre
políticas públicas, assim como o conhecimento necessário para enfrentar os novos desafios que o
imperativo ambiental cria para a agricultura e as famílias rurais. Deste modo, as mensagens
deverão ser compatíveis com as exigências externas e com aquelas relativas ao manejo de
agroecossistemas complexos e diversificados, o que impede a elaboração previa de um discurso
tecnológico homogêneo. Assim mesmo, dentro de determinadas situações será fundamental que o
extensionista contribua na gestão de informações sobre mercados, principalmente os mercados
locais e regionais, assim como para o estabelecimento de mecanismos que possibilitem a
articulação dos agricultores com os consumidores e suas organizações, o que também não pode
ser previamente estabelecido.
Assim, é possível destacar que é necessário que os agentes desenvolvam habilidades para
apoiar processos de aprendizagem coletiva, de forma que os conhecimentos técnicos se
constituam em parte dos conhecimentos necessários para construir, juntamente com o
conhecimento dos beneficiários, outros conhecimentos, que sejam mais úteis e adequados à
realidade social, cultural, econômica e ambiental onde será empregado.
Com respeito aos beneficiários da extensão rural do futuro, todas as tendências indicam que
a realidade atual não recomenda que a extensão rural pública siga mantendo uma posição neutra.
Como apontou um dos nossos entrevistados, os governos e suas instituições devem discriminar
favoravelmente em benefício daqueles que mais necessitam dos serviços públicos. Foi esta a
tônica de todos os discursos recolhidos na realidade empírica estudada. Igualmente, é esta a
posição dominante entre os estudiosos e nas recomendações gerais sobre extensão agrária
pública que encontramos. Ademais, atualmente, tanto no Brasil como no Rio Grande do Sul,
parece que se está formando um consenso, que coincide com os discursos da maioria de nossos
entrevistados, no sentido de que os serviços públicos de extensão devem atender com
exclusividade às famílias rurais que trabalham em regime de agricultura familiar e dentro deste
conjunto, estabelecer prioridade para a ação junto àquelas famílias mais discriminadas, mais
pobres, mais afastadas das condições mínimas de desenvolvimento humano e material.
Em efeito, no Seminário sobre Agricultura Familiar e Extensão Agrária no Brasil, realizado
em 1995, a Federação dos servidores da extensão rural do País, juntamente com a CONTAG –
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, já propunham que “a extensão pública e
gratuita”, passasse a beneficiar “com exclusividade aos produtores rurais incluídos na definição de
agricultura familiar” (CONTAG/FAZER, 1995). A conformação de tal consenso apareceria de forma
ainda mais clara em meados de 1997, quando se realizou o Seminário Nacional sobre Assistência
Técnica e Extensão Rural, ocasião em que não só as entidades do setor público, mas também os

75
assessores técnicos, as organizações de agricultores e as ONG’s representadas no evento,
manifestaram a necessidade de que a “extensão rural pública e gratuita” orientasse suas ações
para a agricultura familiar e suas organizações representativas. Inclusive as organizações
responsáveis pela política e representação nacional da extensão rural brasileira, como o DATER e
a ASBRAER confirmavam tal tendência, ainda que não assumissem a tese da exclusividade.
Naquela ocasião, ocorreram manifestações no sentido de que “agricultura familiar e extensão
rural” podem constituir os elementos chaves para um novo modelo de desenvolvimento rural
(CONTAG e outros, 1997).
A partir destas observações e do antes exposto, é possível deduzir que a consolidação de
uma nova extensão rural, orientada pelo imperativo socioambiental e adotando um novo enfoque,
objetivos e metodologia, deverá atuar senão exclusivamente, quase exclusivamente, com as
famílias rurais que trabalham em formas de agricultura familiar, se inclinando a favor dos mais
pobres do campo, sendo que os demais agricultores deverão ser assistidos pelas empresas
privadas. Em resumo, pode-se dizer que as lições do passado e as tendências indicadas pelos
discursos atuais expressam a necessidade de superar os paradigmas dominantes no
desenvolvimento rural, na agricultura e na extensão rural. No quadro 4 podemos ver alguns
indicadores que permitem estabelecer diferenças entre a extensão rural convencional e a proposta
de Extensão Rural Agroecológica que desenvolvemos neste trabalho. Se trata de uma
aproximação à tipos ideais, de modo que, dependendo de condições específicas, as
características de uma podem aparecer misturadas às do outro tipo. O atual momento de
“transição agroecológica” e as pressões a que estão submetidos os aparatos públicos de extensão
se constituem, sem dúvida, em fatores favoráveis para a transformação da extensão convencional
em estilos de extensão agroecológica.

Quadro 4. Alguns elementos para a comparação entre tipos de extensão


Indicadores Extensão Rural Extensão Rural
convencional Agroecológica
Bases teóricas e Teoria da Difusão de Inovações. Desenvolvimento local.
ideológicas Conhecimento científico em primeiro Agricultor em primeiro lugar.
lugar. Resistência dos camponeses.
Principal objetivo Econômico. Incremento de renda e Ecossocial. Busca de estilos de desenvolvimento
bem estar mediante a transferência sócio-economicamente equilibrado e
de tecnologias. Aumento da ambientalmente sustentável. Melhorar as
produção e produtividade. condições de vida com proteção ao meio
ambiente.
Compreensão Base de recursos a ser explorada Base de recursos que deve ser utilizada
sobre meio para alcançar objetivos de produção adequadamente de forma a alcançar
ambiente e produtividade. Aplicação de estabilidade nos sistemas agrícolas. Evitar ou
técnicas de conservação. diminuir impactos ao ambiente e aos estilos de
vida.
Compreensão da Aplicação de técnicas e práticas Processo produtivo complexo e diversificado, em
agricultura agrícolas. Simplificação e que ocorre a co-evolução das culturas e dos
especialização. agroecossistemas.
Agricultura Intensificação verde. Aplicação de Orientação agroecológica. Tecnologias e
sustentável tecnologias mais brandas e práticas práticas adaptadas a agroecossistemas
conservacionistas em sistemas complexos e diferentes culturas.
convencionais.
Metodologia Para transferência de informações e Para recuperação e síntese do conhecimento
assessoramento técnico. local, construção de novos conhecimentos.
Participação funcional dos Investigação-ação participativa
beneficiários.
Comunicação De cima para baixo. Diálogo horizontal entre iguais. Estabelecimento
De uma fonte a um receptor. de plataformas de negociação.
Educação Persuasiva. Educar para a adoção Democrática e participativa.
de novas técnicas. Induzir ao Incrementar o poder dos agricultores para que

76
cambio social. decidam.
Papel do agente Professor. Repassar tecnologias e Facilitador. Apoio à busca e identificação de
ensinar práticas. Assessor técnico. melhores opções e soluções técnicas e não
técnicas

Além disso, é necessário considerar, também, o que se propõe à nível internacional, quanto
à integração do tema ambiental nos programas de extensão. Sobre isso, entre as conclusões da
Conferência Mundial sobre este tema (FAO, 1994), encontramos que se entende que apesar do
complexo que é integrar a questão ambiental nos programas de extensão, é inadequado continuar
com um modelo que divide a complexidade ambiental para tratar como fatores isolados. Assim
mesmo, se reconhece que existe um desencontro entre a natureza das instituições extensionistas
e o caráter dos problemas ambientais, principalmente devido ao fato de que foram copiados
modelos de extensão dos países desenvolvidos, que são orientados à “produção agrícola”, sem
considerar e entender a complexidade das variáveis socioculturais de outras realidades. E, por fim
se “redescobre”, que existe um “desafio pedagógico” para a integração do ambientalismo na
atividade extensionista, ou seja, a necessidade de novos modos de aprendizagem e de
conhecimento, mediante métodos participativos capazes de superar os modelos “top-down” (FAO,
1994: 13-4).
Se reforça, por tanto, a necessidade de mudar o paradigma extensionista de modo que
aquele que propomos acima, como alternativa para que a extensão rural pública possa incorporar
as novas variáveis do desenvolvimento sustentável, são apenas tópicos para uma mudança que
será mais profunda e que, necessariamente, deverá ocorrer. Os desafios à extensão, neste final
de década, tendem a acelerar ditas mudanças, o que também levará a outras transformações
institucionais. Assim mesmo, estas mudanças se darão no marco de uma complexa transição
ocasionada pela crise socioambiental gerada pelo modelo de desenvolvimento convencional, o
que indica a necessidade de construção de uma nova visão de mundo e novas opções por parte
da sociedade, que devem ser acompanhadas pelos profissionais da extensão. Assim, como já se
disse, a “transição para o desenvolvimento sustentável será um processo político intenso porque
criará na sociedade um novo quadro de ganhadores e perdedores”34 e, como constatamos, as
agências públicas de extensão rural estarão no meio deste processo político, não sendo possível
escapar deste debate.

34
Cf. Pearce, D. (1996: 288)

77
Capítulo 4

AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL: PERSPECTIVAS PARA UMA NOVA


EXTENSÃO RURAL1

Francisco Roberto Caporal


José Antônio Costabeber

"Entramos numa época de ilimitação e é nisso que temos o desejo de infinito (...). A sociedade capitalista é
uma sociedade que caminha para o abismo, sob todos os pontos de vista, por não saber se autolimitar. E
uma sociedade realmente livre, uma sociedade autônoma, deve saber se autolimitar, saber que há coisas
que não se pode fazer, que não se deve nem tentar fazer, ou que não se deve desejar. Vivemos neste
planeta que estamos destruindo (...). Tantas maravilhas em vias de extinção. Penso que deveríamos ser os
jardineiros deste planeta. Teríamos que cultivá-lo. Cultivá-lo como ele é e pelo que é (...). A tarefa é enorme
(...). Só que isto está muito longe não só do atual sistema quanto da imaginação dominante. O imaginário de
nossa época é o da expansão ilimitada (...). Isso é que é preciso destruir. É nesse imaginário que o sistema
se apoia" (Castoriadis, 1999).

1 Introdução

Em 1994, quando publicamos o texto intitulado Por uma nova extensão rural: fugindo da
obsolescência (Caporal e Costa Beber, 1994), dizíamos: "não podemos nos deixar levar pelo
imobilismo conservador que continua aprisionando as organizações públicas de extensão rural".
Ao mesmo tempo, propugnávamos por uma mudança drástica no papel da extensão rural pública,
para que esta pudesse, de fato, dar conta dos novos desafios socioambientais impostos pela
sociedade. Não era sem sentido, portanto, o alerta formulado naquela época, quando sugeríamos,
também, que "os ensinamentos da Agroecologia (...) poderão se tornar necessidades inadiáveis",
com vistas a promover a recuperação e a conservação dos recursos naturais no âmbito das
unidades familiares de produção. Igualmente, alertávamos para a necessidade imediata de um
enfoque extensionista orientado a resolver a problemática socioambiental decorrente da aplicação
do modelo convencional de desenvolvimento, em geral, e do modelo químico-mecânico na
agricultura, em particular. Felizmente, ainda que passados 5 anos, vemos agora se concretizando
um conjunto de mudanças no extensionismo rural do estado do Rio Grande do Sul, que pode vir a
tornar-se um novo paradigma ou uma nova referência para a prática da Extensão Rural no Brasil.
Com efeito, o presente artigo procura discorrer sobre algumas das bases teóricas que estão
dando suporte para a construção de uma nova Extensão Rural2 –aqui definida como Extensão
Rural Agroecológica–, que constitui-se num esforço de intervenção planejada para o
estabelecimento de estratégias de desenvolvimento rural sustentável, com ênfase na participação
popular, na agricultura familiar e nos princípios da Agroecologia como orientação para a promoção
de estilos de agricultura socioambiental e economicamente sustentáveis. Na realidade, se trata de
um enfoque de intervenção rural oposto ao difusionismo reducionista homogeneizador que, desde
meados do século XX, auxiliou a implantação do modelo de agricultura de tipo Revolução Verde.

1
Publicado primeiramente na Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto
Alegre, v.1, n.1, p.16-37, jan./mar. 2000a. Posteriormente, versão ligeiramente modificada foi publicada
como capítulo de livro em: Etges, V. E. (org.). Desenvolvimento rural: potencialidades em questão. Santa
Cruz do Sul: EDUSC, 2001. p.19-52.
2
Estamos nos referindo à EMATER/RS-ASCAR (Associação Riograndense de Empreendimentos de
Assistência Técnica e Extensão Rural), entidade que conta com Escritórios de extensão rural em 477
municípios do estado do Rio Grande do Sul e que congrega uma força de trabalho de 2.124 servidores,
entre técnicos e administrativos.
Neste contexto, o artigo inicia abordando alguns temas chaves da sustentabilidade, onde se
destacam duas correntes principais e antagônicas: a ecotecnocrática e a ecossocial. Isso ajuda à
compreensão de que o conceito de desenvolvimento sustentável apresenta uma grande
ambigüidade e que, portanto, para ser operacional, precisa ser relacionado não apenas com a
sustentabilidade econômica, mas também, e principalmente, com a sustentabilidade
socioambiental e cultural de sociedades concretas, permitindo assim a busca e a construção social
de contextos de sustentabilidade crescente no curto, médio e longo prazos, cabendo à Extensão
Rural um importante papel neste processo.
Na seqüência, se defende a adoção da Agroecologia como paradigma diretivo para
promover o manejo adequado dos recursos naturais e para reduzir os impactos sociais,
econômicos e ambientais negativos, causados pela mal denominada agricultura moderna. Após
uma rápida abordagem do conceito de Agroecologia e sua gênese no pensamento social
alternativo, são mencionadas as bases ou premissas epistemológicas que apoiam e dão
sustentação a este novo campo de conhecimentos. Se faz referência ainda ao processo de
ecologização, que representa precisamente a essência da transição que a agricultura estaria
experimentando a partir deste final de século. Como entendemos, a ecologização provavelmente
não será um processo unilinear, podendo seguir distintas vias, alinhadas ou com a corrente
ecotecnocrática (intensificação verde) ou com a corrente ecossocial (transição agroecológica), o
que implica também a necessidade de a Extensão Rural pública fazer a sua opção, definindo qual
caminho trilhará.
A opção da Extensão Rural do Rio Grande do Sul foi bastante clara, no sentido de apoiar o
processo de transição agroecológica, por entender que a agricultura é um processo de construção
social e que, portanto, são as famílias rurais quem devem assumir o papel de sujeitos ativos nos
processos de desenvolvimento sócio-econômico e cultural de suas comunidades. Por esta razão, o
artigo também expõe –em caráter informativo–a nova missão, os objetivos e as estratégias de
ação que atualmente estão orientando todos os esforços da Extensão Rural gaúcha. A ênfase
colocada na agricultura familiar (público exclusivo), na Agroecologia (base científica) e nos
métodos educativos e participativos (metodologia de intervenção democrática) vem demonstrando
a sua firme disposição de encarar os desafios da sustentabilidade como o núcleo fundamental de
sua mais nobre missão.
Como último ponto, o artigo traz algumas reflexões a respeito dos grandes desafios que
enfrenta a nova extensão rural que está sendo desenhada no Rio Grande do Sul. O seu sucesso
dependerá do que estamos denominando de um "novo profissionalismo", capaz de ver a
agricultura e os agricultores de modo distinto do que até agora conseguiu ver. É necessário
entender a agricultura em sua complexidade, que vai mais além de aspectos meramente
econômicos para incluir dimensões socioambientais e culturais importantes, sem as quais
dificilmente se poderá almejar, de fato, a construção do desenvolvimento rural sustentável em seu
sentido mais amplo. Assim, o difusionismo tecnicista precisa ser superado em favor da Extensão
Rural Agroecológica, conceito orientador da nova prática extensionista que apresentamos no final
do presente artigo.

2 A sustentabilidade como exigência para a construção de novas vias de


desenvolvimento

O desenvolvimento, em sua formulação mais ampla, significaria a realização de


potencialidades socioculturais e econômicas de uma sociedade em perfeita sintonia com o seu
entorno ambiental. Sua conceituação pioneira provavelmente se deva a Gaspar Friedrich Wolff,
quando, ainda no século XVIII, se referia ao desenvolvimento embrionário como o crescimento
alométrico (variação das relações entre as partes) em direção à forma apropriada do ser (Sevilla
Guzmán et al., 1999).
No entanto, a partir da construção do pensamento liberal, a aplicação do conceito de
desenvolvimento passou a conotar uma idéia de crescimento econômico, adotando como
parâmetro definidor do desenvolvimento os padrões de vida e de consumo alcançados pelas

80
nações ocidentais industrializadas. O conceito de desenvolvimento passaria a significar, portanto,
a corrida de sociedades distintas e heterogêneas em direção a um modelo de organização social e
econômica considerado “desenvolvido”, ou seja, “passar de uma condição indigna”, chamada
subdesenvolvimento, para um modelo de sociedade ocidental, capitalista e industrializada,
mediante estratégias geradoras de crescimento econômico (Esteva, 1996).
A partir da década de 1970, os resultados da aplicação das estratégias convencionais de
desenvolvimento já começavam a se mostrar insuficientes para dar conta das crescentes
condições de desigualdade e de exclusão social. Apesar do crescimento do PIB, as análises
destes resultados passavam a indicar que tais estratégias estavam ocasionando graves danos ao
meio ambiente. Os efeitos contaminantes dos agrotóxicos, dos resíduos, do lixo e das
contaminações gasosas, assim como vários outros problemas derivados do estilo de vida próprio
das sociedades altamente industrializadas, por exemplo, fariam nascer a consciência sobre a
incapacidade de controlar-se as externalidades3 inerentes ao modelo hegemônico e, portanto, se
impunha a necessidade de “outro desenvolvimento”.
Neste contexto, surgem novas orientações teóricas que, partindo dos impactos negativos
causados pelo modelo de desenvolvimento convencional até então adotado, propõem o uso de
conceitos mais abrangentes, tais como o “desenvolvimento com equidade” e o
“ecodesenvolvimento”4. Isto é, dada a comprovação de que os modelos centrados no imperativo
do crescimento econômico não alcançaram os objetivos pretendidos, o que seria posteriormente
declarado como algo impossível5, nascem as correntes ou enfoques da sustentabilidade como
uma resposta aos resultados destrutivos dos modelos de desenvolvimento e das tecnologias
implementados depois da segunda guerra mundial.

2.1 Principais enfoques da sustentabilidade

Se crescimento econômico havia sido a palavra mágica das quatro primeiras décadas do
desenvolvimentismo, contemporaneamente o discurso sobre o desenvolvimento incorporou,
definitivamente, a problemática socioambiental. Disso decorre que a busca de respostas à
problematização da relação entre natureza e sociedade passasse a ser articulada mediante o que
Escobar (1995) chama de “diálogo de discursos” entre três correntes de pensamento: a liberal, a
culturalista e a ecossocialista.
Apesar da complexidade de cada um destes discursos ambientalistas, utilizamos neste texto
uma classificação mais simplificada, reunindo os discursos culturalista e ecossocialista –por seus
pontos de convergência– numa só perspectiva, que aqui chamamos de corrente ecossocial. Assim
mesmo, o discurso liberal, por sua estreita vinculação com a tecnocracia mundial, denominamos
aqui corrente ecotecnocrática.
Entendemos que é de suma importância adotar a classificação e diferenciação dos discursos
sobre sustentabilidade, na medida em que o uso do conceito de desenvolvimento sustentável tem
permitido toda a sorte de ocultações de natureza ideológica, que leva a uma profunda confusão, já

3
Externalidade é um conceito utilizado na economia para caracterizar os custos e/ou beneficios
(presentes ou futuros) que são externos ao mercado. ‘’Em sentido amplo, define todos os efeitos da
atividade econômica que são externos ao mercado (...). Em um sentido mais restringido e habitual, define os
efeitos ambientais da atividade econômica, entendendo-se que podem haver externalidades positivas e
negativas’’ (Bermejo, 1994).
4
Ver, por exemplo, Sachs (1986).
5
Tal como ficaria demonstrado em 1972 por Meadows et al. (1978) e por trabalhos subsequentes,
como o Informe Global 2000, publicado em 1980, onde se confirma a tese dos limites e se assegura que o
estilo de vida dos países desenvolvidos não poderia ser estendido a todos os países do mundo, por que isto
suporia uma grave ameaça à vida sobre a terra (Barney, 1982).

81
que esconde as discrepâncias de fundo existentes entre as diferentes escolas de pensamento
sobre sustentabilidade (Caporal, 1998)6.
a) Corrente ecotecnocrática
Construída nos marcos da Teoria do Equilíbrio, a corrente ecotecnocrática “nasce do
coração da modernidade ocidental” (Escobar, 1995), e sua versão mais conhecida é aquela
difundida pelo Relatório Brundtland7. Partindo da necessidade de um crescimento econômico
continuado –ainda que aceitando os limites impostos pela Natureza–, tenta, por um lado, resolver
a equação entre crescimento, sociedade e meio ambiente mediante a adoção de um otimismo
tecnológico e de artifícios econômicos. Por outro lado, esta perspectiva tenta solucionar a
problemática socioambiental e os limites ao crescimento, mediante mecanismos de mercado,
como podem ser o estabelecimento de preços a produtos e serviços da natureza, a cobrança de
taxas ou impostos pela deterioração ambiental ou o artifício de internalização das externalidades8.
No que se refere à agricultura, esta orientação teórica se torna operativa através da idéia da
“intensificação verde”, ou seja, pressupõe que é possível seguir o mesmo padrão tecnológico
dominante, incorporando uma nova geração de tecnologias, teoricamente menos danosas ao meio
ambiente. Entretanto, sua estratégia está alicerçada no aprofundamento permanente da
intensificação tecnológica em áreas de “alto potencial produtivo”, através do “uso abundante de
insumos industriais”, conformando assim o que vem sendo chamado de Revolução Verde Verde
ou Revolução Duplamente Verde. Por outro lado, desconsidera os já amplamente conhecidos
efeitos sociais, econômicos e ambientais perversos da modernização tecnológica do campo,
especialmente no contexto dos ditos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.
Esta hipótese tecnicista, calcada no otimismo tecnológico, segue sendo excludente sob o
ponto de vista socioambiental e não enfrenta questões chaves da sustentabilidade, na medida em
que nela não há espaço para pensar-se a preservação da biodiversidade e nem mesmo para
respeitar a diversidade cultural. Deste modo, a Revolução Verde Verde seguiria sendo um esforço
de homogeneização do padrão agrícola dominante, adaptado aos agricultores que podem adotar
as novas tecnologias, sem haver a preocupação com as externalidades negativas
comprovadamente inerentes a tal modelo, ou até mesmo tentando estabelecer preços e taxas
fictícias a modo de internalizar os custos destas externalidades mediante formulações
econométricas.
b) Corrente ecossocial
Quase ao mesmo tempo em que se conformava o discurso ecotecnocrático do
desenvolvimento sustentável, nasceriam também correntes de pensamento ditas "alternativas",
cujo discurso –que mais nos interessa neste momento– agrupamos sob a denominação de
ecossocial. Provavelmente, uma das primeiras abordagens contemporâneas nesta perspectiva,
como novo enfoque para analisar a problemática do desenvolvimento, tenha nascido ainda na
década de setenta, a partir do surgimento do conceito de ecodesenvolvimento9.
A noção de ecodesenvolvimento sustenta a idéia da necessidade de um novo critério de
racionalidade que fosse amparado por duas dimensões de solidariedade: a solidariedade
diacrônica, com respeito às gerações futuras, mas sem esquecer a solidariedade sincrônica, que
deve ser estabelecida entre as gerações presentes. Além disso, supõe o pluralismo tecnológico,

6
De maneira similar, Sevilla Guzmán (1997) identifica duas correntes: a) aquela formada pelos
seguidores do pensamento científico convencional (perspectiva do equilíbrio) e b) aquela identificada com o
pensamento alternativo (perspectiva do conflito).
7
Este Relatório, divulgado a partir de 1987, ficou popularizado como Nosso futuro comum (CMMAD,
1992).
8
Tais mecanismos, adotados tanto pela Economia do Meio Ambiente como pela Economia dos
Recursos Naturais, têm sua origem na vertente da Economia Neoclássica e não passam de uma tentativa de
“esverdeamento” da Economia convencional.
9
"O Ecodesenvolvimento é um estilo de desenvolvimento que em cada ecorregião insiste nas
soluções específicas de seus problemas particulares, levando em conta os dados ecológicos da mesma
forma que os culturais; as necessidades imediatas como também as de longo prazo (...) sem negar a
importância dos intercâmbios ..." (Sachs, 1986).

82
calcado na importância da utilização das tecnologias tradicionais e modernas de forma adequada,
respeitando as condições do ecossistema local e, ao mesmo tempo, estando de acordo com as
necessidades e decisões conscientes dos atores envolvidos nos processos de desenvolvimento.
Se adverte, desde então, que o mercado é imperfeito e incapaz de resolver todos os problemas –
especialmente os socioambientais–, podendo, inclusive, gerar um "mau desenvolvimento" (Sachs,
1986).
O enfoque defendido por Sachs e seus seguidores, de certa maneira, parece estar
influenciado pelas "correntes humanistas", na medida em que se admite a possibilidade de que os
homens manifestem "comportamentos altruístas", indo contra a idéia do indivíduo econômico
racional, da economia neoclássica. Contudo, o ecodesenvolvimento não descarta a necessidade
de planejamento para o desenvolvimento nem a influência dos governos e suas políticas,
particularmente quando se trata de enfrentar as imperfeições do mercado capitalista. Mesmo
assim, está em desacordo com a noção de globalização defendida pelo liberalismo econômico
ecológico (Sachs, 1981; Sachs, 1986).
Na seqüência da formulação teórica antagônica à perspectiva liberal, encontramos os
enfoques culturalista e ecossocialista. O discurso articulado sob o enfoque culturalista se opõe à
corrente liberal, defendendo uma posição contrária ao desenvolvimento e criticando a cultura
ocidental, a ciência e a tecnologia moderna, consideradas como as principais causadoras da atual
crise10. Os culturalistas enfatizam “a cultura como instancia fundamental de nossa relação com a
natureza”, dirigindo suas críticas aos que tentam subordinar a natureza mediante o que vem sendo
chamado de esverdeamento11 da economia. No discurso culturalista está bem presente a idéia da
natureza como um ente autônomo, fonte de vida não somente material mas também espiritual,
existindo, portanto, uma continuidade indivisível entre os mundos humano, material e espiritual
(Escobar, 1995).
De modo semelhante, a elaboração teórica dos ecossocialistas também parte da crítica à
corrente liberal, destacando-se, porém, pelo seu interesse e centralidade na Economia Política.
Temas como a teorização da natureza do capital em sua “fase ecológica” e a crítica ao mercado –
por sua incapacidade de responder tanto aos desafios da pobreza como aos desafios ambientais–,
fazem parte do marco teórico dos ecossocialistas, que também sugerem estratégias alternativas
não apenas no que se refere à organização do trabalho como também às formas de produção e
comercialização. Além disso, defendem um desenvolvimento que respeite os distintos modos de
vida e as diferentes culturas e que favoreça a preservação da biodiversidade. Em síntese,
propõem uma mudança no sistema e nas orientações econômicas dominantes, em favor de novas
estratégias que, baseadas na descentralização dos processos produtivos, sejam compatíveis com
as condições ecológicas e capazes de incorporar as identidades étnicas e seus respectivos
valores culturais.
Continuando a acumulação teórica da corrente ecossocial, encontramos contribuições vindas
da "teoria marxista ecológica", que tenta explicar, a partir de uma nova visão de mundo, uma nova
perspectiva de transição ao socialismo, determinado pela dupla contradição do capitalismo.
Destacamos, neste sentido, as contribuições de O'Connor, que, analisando as contradições do
capitalismo sob a perspectiva do "neo-marxismo ecológico", afirma que a continuidade da
acumulação capitalista só é possível mediante a continuidade da exploração e da contaminação
da natureza. Assim, pois, já não se trataria simplesmente de um problema de reprodução das
condições de produção, senão que estaríamos frente a ameaça de viabilidade do ambiente social
e natural como meio de vida (O'Connor, 1990)12.
10
Para informações mais detalhadas sobre este tema, ver Sachs (1996).
11
Ver Delèage (1992) e O’Connor (1994), por exemplo.
12
Reforçando esta análise, os autores do "Manifesto Ecossocialista" (Antunes et al., 1993) asseguram
que "nenhuma contradição leva em si mesma a solução para superar de maneira global o atual sistema.
Nenhuma contradição é absoluta. A novidade de nossa época consiste em que afloram ao mesmo tempo a
maioria das contradições", o que permite crer que podem crescer diferentes formas de intervenção de
distintos atores sociais, determinando transformações multidimensionais em direção a uma sociedade mais
justa e respeitosa ao meio ambiente.

83
A modo de síntese, podemos dizer que, embora seus seguidores não formem um grupo
homogêneo, a corrente ecossocial se caracteriza por suas reivindicações de mudanças estruturais
profundas na sociedade e de um novo pacto de solidariedade, permitindo a construção de um
novo projeto histórico e a busca de novos rumos nas estratégias de desenvolvimento.

2.2 Noções sobre desenvolvimento sustentável

O que mais encontramos na literatura contemporânea sobre sustentabilidade é, por um lado,


o esforço de muitos autores em estabelecer um conceito de desenvolvimento sustentável e, por
outro lado, o trabalho de outros tantos mostrando as insuficiências dos conceitos existentes. Com
isso, não pretendemos negar o avanço do conhecimento científico na construção de um novo
paradigma ou na tentativa de estabelecer um conceito consensuado de desenvolvimento
sustentável, pelo menos entre aqueles que aderem a tal paradigma. O que queremos dizer é que
não podemos ficar imobilizados por esta falta de consenso, até porque este pressuposto da ciência
convencional –de que para agir no sentido da sustentabilidade é necessário um conceito claro e
operacionalizável– tem seu contraponto na história de determinados grupos sociais que
alcançaram importantes contextos de sustentabilidade, ainda que desconhecendo a lógica formal
ocidental do significado de um conceito.
Sendo assim, e no marco das aproximações necessárias para o estabelecimento da
Extensão Rural Agroecológica defendida neste texto, optamos por fugir da armadilha conceptual
do desenvolvimento sustentável e partir de elementos orientadores que impulsionem estratégias
de ação dirigidas à construção de contextos de sustentabilidade compatíveis com a noção de
“desenvolvimento local agroecológico” (Sevilla Guzmán, 1999). Sob esta perspectiva, iniciamos
por negar os conceitos ecotecnocráticos, uma vez que, ademais de serem extremamente vagos,
tentam desviar o foco da atenção sobre o desenvolvimento e suas dimensões sócio-políticas,
éticas, culturais e ambientais para dimensões mais estritamente técnico-econômicas, obviando os
compromissos ideológicos e minimizando as contradições internas das estratégias propostas.
Esta negação vem acompanhada da compreensão de inevitáveis relações entre o
desenvolvimento sustentável da corrente ecotecnocrática (liberal) e a globalização neoliberal
baseada no mercado, assim como na evidente relação centro-periferia que “determina o
estabelecimento de pautas de desigualdade social e de distribuição do poder, da propriedade, da
riqueza, do status e dos privilégios, tanto a nível internacional como no interior de uma sociedade
específica” (Sevilla Guzmán e Alonso Mielgo, 1994).
Portanto, o marco teórico para uma Nova Extensão Rural deverá orientar-se pela busca
contínua de estratégias que impulsionem padrões sócio-culturalmente desejáveis e que estejam
apoiados na evolução histórica dos grupos sociais em sua co-evolução com o ecossistema em que
estão inseridos. Isto implica a necessidade de construir “contextos de sustentabilidade” e de
resistência etnoecológica compatíveis com a realidade do público beneficiário da extensão rural.
Também exige compreender, desde o início, que a agricultura familiar13 é, ao mesmo tempo,

13
São três as características essenciais que definem a agricultura familiar brasileira: a) a gestão da
unidade produtiva e os investimentos nela realizados são executados por indivíduos que mantêm entre si
laços de parentesco ou de matrimônio; b) a maior parte do trabalho é igualmente proporcionado pelos
membros da família; e c) a propriedade dos meios de produção (embora nem sempre a terra) pertence à
família, e é em seu interior que se efetua sua transmissão em caso de falecimento ou aposentadoria dos
responsáveis pela unidade produtiva (FAO/INCRA, 1996). Apesar da existência destas características
comuns, não podemos perder de vista a enorme heterogeneidade existente no seio da agricultura familiar
brasileira. Conforme sugere o Ministério da Agricultura e Abastecimento (MAA, 1996), esta se divide em três
grandes categorias, segundo o seu estágio de desenvolvimento tecnológico e perfil sócioeconômico: a)
Agricultura familiar consolidada, constituída por estabelecimentos familiares integrados ao mercado e com
acesso a inovações tecnológicas e a políticas públicas. A maioria funciona em padrões empresariais, alguns
chegando até mesmo a integrar o chamado agribusiness; b) Agricultura familiar em transição, constituída por
estabelecimentos que têm acesso apenas parcial aos circuitos da inovação tecnológica e de mercado, sem
acesso à maioria das políticas e programas governamentais; embora não estejam consolidadas como

84
unidade de produção, de consumo e de reprodução e que, portanto, funciona mediante uma lógica
de produção combinada de valores de uso e de mercadorias, objetivando sua reprodução.
Obviamente, se trata de uma lógica diferente daquela que impulsiona a agricultura capitalista.
Por tudo isto, o trabalho com a agricultura familiar –sob a ótica da construção de contextos
de sustentabilidade– exige de parte dos “agentes de desenvolvimento” (OGs ou ONGs) a
compreensão de que os agricultores tradicionais (ou camponeses, se se prefere), no processo de
inserção em sua matriz social, estão submetidos a um contexto ecológico específico e sua
socialização ocorre mediante um processo de aprendizagem, experimentação e erro, mediados
pelo conhecimento de processos biológicos e sociais já presentes no seu entorno sociocultural.
Desta forma, como ensina Iturra (1993), o saber dos camponeses se desenvolve na sua
heterogênea ligação ao grupo doméstico e ao grupo de trabalho e, portanto, a “conduta
reprodutiva rural” é o resultado de uma acumulação de conhecimentos –uma epistemologia– sobre
o sistema de trabalho que não vem de livros e textos, mas sim da relação entre as pessoas, seu
ambiente e as interações resultantes desta relações. Nesta perspectiva, a busca de
sustentabilidade na agricultura e no desenvolvimento rural implica reconhecer a existência deste
saber –construído mediante uma lógica indutiva– que vai sendo estabelecido na história dos
grupos sociais na medida em que se vê fazer, se escuta para poder dizer, explicar e devolver este
conhecimento. Sendo, pois, a agricultura uma atividade humana, ela é uma construção social que,
além de ser ambientalmente determinada, está subordinada a determinados condicionantes
socioculturais, entre os quais se destaca o conhecimento ou o saber local.
Deste modo, a ação extensionista orientada ao desenvolvimento sustentável deverá ser
desviada de sua histórica concepção difusionista (baseada no “ensino”) e para dar lugar a uma
prática social baseada na “aprendizagem”, isto é, na construção de saberes adequados para
impulsionar estilos de agricultura e de manejo dos recursos naturais capazes de estabelecer
patamares crescentes de sustentabilidade.
Com isso queremos dizer que, mais do que dispor de um preciso conceito de
desenvolvimento sustentável, necessitamos trabalhar na identificação e construção de saberes
ecológicos, agronômicos, econômicos e sociais que nos permitam, de forma participativa,
desenvolver processos toleráveis de exploração da natureza e compatíveis com as exigências de
reprodução social da agricultura familiar em seus diferentes extratos ou segmentos. Sendo assim,
deveremos estar sempre atentos para as noções de sustentabilidade, produtividade, estabilidade,
equidade e qualidade de vida, tal como estão enunciadas nos objetivos da Extensão Rural do Rio
Grande do Sul. Elas poderão nos ajudar na construção de contextos de sustentabilidade, a
exemplo do que se indica a seguir.

2.3 Contextos de sustentabilidade

A sustentabilidade não é algo estático ou fechado em si mesmo, mas faz parte de um


processo de busca permanente de estratégias de desenvolvimento que qualifiquem a ação e a
interação humana nos ecossistemas. Este processo deve estar orientado por certas condições
que, no seu conjunto, permitam a construção e a conformação de um contexto de sustentabilidade
crescente no curto, médio e longo prazos. Como exemplo, citamos as seguintes condições:
a) Ruptura das formas de dependência que põem em perigo os mecanismos de reprodução,
sejam estas de natureza ecológica, sócio-econômica e/ou política.

empresas, possuem amplo potencial para a sua viabilização econômica; e c) Agricultura familiar periférica,
constituída por estabelecimentos rurais geralmente inadequados em termos de infra-estrutura e cuja
integração produtiva à economia nacional depende de fortes e bem estruturados programas de reforma
agrária, crédito, pesquisa, assistência técnica e extensão rural, agroindustrialização, comercialização, entre
outros.

85
b) Utilização daqueles recursos que permitam que os ciclos de materiais e energias existentes no
agroecossistema14 sejam o mais parcimonioso possível.
c) Utilização dos impactos benéficos que se derivam dos ambientes ecológico, econômico, social
e político existentes nos distintos níveis (desde a propriedade rural até a ‘’sociedade maior’’).
d) Não alteração substantiva do meio ambiente quando tais mudanças, através da trama da vida,
podem provocar transformações significativas nos fluxos de materiais e energia que permitem
o funcionamento do ecossistema, o que significa a tolerância ou aceitação de condições
biofísicas em muitos casos adversas.
e) Estabelecimentos dos mecanismos bióticos de regeneração dos materiais deteriorados, para
permitir a manutenção a longo prazo das capacidades produtivas dos agroecossistemas.
f) Valorização, regeneração e ou criação de conhecimentos locais, para sua utilização como
elementos de criatividade, que melhorem a qualidade de vida da população, definida desde
sua própria identidade local.
g) Estabelecimento de circuitos curtos para o consumo de mercadorias, que permitam uma
melhoria da qualidade de vida da população local e uma progressiva expansão espacial,
segundo os acordos participativos alcançados por sua forma de ação social coletiva.
h) Potenciação da biodiversidade, tanto biológica como sociocultural (Sevilla Guzmán, 1999).
Como se pode apreciar, a construção de contextos de sustentabilidade poderá servir de guia
para que as ações da extensão rural se distanciem gradualmente do caminho perverso
representado pela intensificação tecnológica que desconsidera as agressões ao meio ambiente –e
suas conseqüências de médio e longo prazos–, a exclusão social de importantes segmentos da
sociedade e a perda de autonomia das populações rurais em relação aos seus anseios e projetos
de desenvolvimento. Além disso, ajudaria recuperar formas de organização social e de
conhecimento e saber local, que se contraponham ao modelo de desenvolvimento hegemônico,
tratando de potencializar a máxima ecológica, que propõe agir localmente e pensar globalmente.
Em poucas palavras, meio ambiente e sociedade constituem os dois pilares básicos de toda e
qualquer proposta de extensão rural dirigida à promoção da qualidade de vida, à inclusão social e
ao resgate da cidadania no campo, e isto implica a busca permanente de contextos de
sustentabilidade crescente.

3 A Agroecologia como paradigma diretivo para a ação extensionista

O paradigma agroecológico, como um enfoque de intervenção inovador e multidisciplinar,


vem sendo construído a partir de uma clara e cientificamente comprovada crise no atual modelo
tecnológico e de organização da produção dominante na agricultura15. Esta crise se manifesta sob
múltiplas dimensões da atividade humana e, portanto, sua superação depende da produção de

14
O agroecossistema corresponde a “um sistema ecológico e sócioeconômico que compreende
plantas e/ou animais domesticados e as pessoas que nele vivem, com o propósito de produção de
alimentos, fibras ou outros produtos agrícolas” (Conway, 1997).
15
Embora não sendo o principal propósito deste texto examinar os impactos positivos ou
negativos causados pelo modelo da Revolução Verde, cremos que é necessário reproduzir a crítica
ecológica tão bem sintetizada por Martínez Alier, um dos mestres da Economia Ecológica. Diz este autor:
“Hoje nos damos conta dos efeitos ambientais da agricultura moderna (contaminação dos alimentos, da
água, destruição ou abandono dos recursos genéticos, uso de energias esgotáveis dos combustíveis
fósseis). Estes efeitos não são medidos pelo mercado, e por isso os economistas lhes dão o nome de
externalidades, ou seja, efeitos externos ao mercado. Então, devemos duvidar de que a agricultura moderna
seja realmente mais produtiva, pois os aumentos consideráveis de produtividade (por hectare ou ainda mais
por hora de trabalho) se medem diminuindo o valor dos insumos do valor da produção, e dividindo o
resultado pela quantidade do insumo cuja produtividade medimos. Assim, a produtividade da agricultura
moderna é por hectare e, ainda mais, por hora de trabalho, maior que a da agricultura tradicional, porém,
claro está, os valores da produção e dos insumos estão mal medidos por não incluir as externalidades e por
não contar a destruição das próprias condições da produção agrária. Esta é, em resumo, a crítica ecológica”
(Martínez Alier, 1994).

86
novos conhecimentos e do progresso científico e tecnológico adaptado às circunstâncias sócio-
econômicas e culturais das populações rurais. Nesse contexto, a Agroecologia –entendida como
campo de conhecimento e de investigação– oferece ferramentas importantes para subsidiar a
intervenção da Nova Extensão Rural em suas estratégias de promoção do desenvolvimento rural
sustentável.

3.1 Conceito de Agroecologia

Vem dos estudos camponeses e da recuperação do "populismo agrário russo" a corrente


mais atual e alternativa ao pensamento ecotecnocrático da sustentabilidade. Neste sentido, a partir
dos anos oitenta, começaria a se conformar a Agroecologia como perspectiva teórica alternativa.
Sustentados no "neo-narodnismo ecológico" ou "neo-populismo ecológico", seus autores
recuperam, a partir de uma análise científica, a necessidade de conservação da biodiversidade
ecológica e cultural, assim como o enfoque sistêmico para a abordagem dos aspectos relativos ao
fluxo de energia e de materiais nos sistemas econômicos. Assim, o neo-populismo ecológico,
ainda que faça uma crítica radical à ciência e tecnologias modernas, não nega a ciência, mas
propugna por uma "modernidade alternativa", afastando-se da idéia de progresso a qualquer custo
e do entusiasmo cego com respeito às tecnologias ditas modernas.
No processo de conformação deste novo paradigma, encontramos ainda categorias chaves
para a construção de um modelo alternativo de desenvolvimento rural, buscadas em Chayanov16,
tais como a importância dada à especificidade cultural, a noção de economia moral camponesa e a
idéia de desenvolvimento desde baixo, assim como o reconhecimento de um certo "potencial anti-
capitalista" determinado pela particular racionalidade econômica dos camponeses.
Igualmente, dando suporte teórico à perspectiva ecossocial, encontra-se o chamado
"enfoque termodinâmico da economia" (Garrido, 1995), cuja noção de sustentabilidade se vincula
à necessidade de considerar o balanço energético dos sistemas produtivos. Estes estudos têm
contribuído para a conformação da chamada Economia Ecológica, uma corrente alternativa à
economia convencional que, como assinala um de seus teóricos mais proeminentes, "não se trata
de um ramo do tronco comum da Teoria Econômica habitual, senão de uma revisão a fundo, talvez
um ataque destrutivo, contra a ciência econômica" (Martínez Alier, 1994), ao recuperar a noção de
oikonomia como um processo destinado "ao aprovisionamento material e energético das
comunidades humanas" (Bermejo, 1994), aproximando, desta forma, a Ecologia e a Economia17.
De maneira similar, a partir dos estudos agronômicos encontramos as contribuições das
correntes alternativas ao modelo herdado da Revolução Verde, as quais propõem um novo padrão
de desenvolvimento agrícola mediante o manejo ecologicamente adequado dos recursos naturais
e da correta seleção de tecnologias, de maneira a alcançar-se sustentabilidade, estabilidade,
produtividade e eqüidade nos processos produtivos. A Agroecologia, como síntese e aplicação do
pensamento alternativo, vem recolhendo as contribuições destas diferentes fontes teóricas e
transformando-se num novo paradigma científico, capaz de dar as respostas para as novas e
decisivas perguntas que haverão de ser formuladas a partir deste final de século.
Assim, conceituar a Agroecologia pressupõe, inicialmente, vincular seus interesses e suas
pretensões no campo da agricultura e da sociedade. Num trabalho que já completa 10 anos, Hecht
(1989) mostra que, por um lado, e sob uma perspectiva mais superficial, a Agroecologia
geralmente incorpora idéias ambientais e de sentimento social a respeito da agricultura. Isso
constitui sua característica normativa ou prescritiva, uma vez que inclui determinados aspectos da
sociedade e da produção que ultrapassam os limites da agricultura propriamente dita18. Por outro

16
Ver, por exemplo, Chayanov (1974); Shanin (1988); Sevilla Guzmán (1990); Sánchez de Puerta
(1994); Sánchez de Puerta y Sevilla Guzmán (1987).
17
Sobre este tema, ver também Martínez Alier (1995) e Martínez Alier y Schlüpmann (1992).
18
Conforme Hecht, o uso contemporâneo do termo Agroecologia data dos anos setenta. Suas raízes
estão nas ciências agrícolas, no movimento ambiental, na ecologia, nas análises de agroecossistemas
indígenas e em estudos de desenvolvimento rural (Hecht, 1989).

87
lado, e sob um ponto de vista mais restrito, a Agroecologia se refere ao estudo de fenômenos
puramente ecológicos que ocorrem no âmbito dos cultivos (relação predador/presa, competição
cultivos/ervas invasoras, entre outros), o que traduz o enorme potencial de aplicação deste campo
de conhecimentos para resolver questões tecnológicas na agricultura, favorecendo assim o
desenho e a gestão de agroecossistemas sustentáveis19.
Tendo-se como referência as contribuições de importantes pesquisadores, podemos definir a
Agroecologia como a ciência ou disciplina científica que apresenta uma série de princípios,
conceitos e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas, com
o propósito de permitir a implantação e o desenvolvimento de estilos de agricultura com maiores
níveis de sustentabilidade no curto, médio e longo prazos (Altieri, 1995b).
Assim entendida, a Agroecologia proporciona as bases científicas para apoiar o processo de
transição a estilos de Agricultura Sustentável20 nas suas diversas manifestações e/ou
denominações: Ecológica, Orgânica, Biodinâmica, Agroecológica, Regenerativa, Baixos Insumos
Externos, Biológica, entre outras. Sob esta ótica, não podemos confundir a Agroecologia –
enquanto disciplina científica ou ciência– com uma prática ou tecnologia agrícola, um sistema de
produção ou um estilo de agricultura (Altieri, 1995a).
Também podemos dizer que a Agroecologia se aproxima ao estudo da agricultura numa
perspectiva ecológica, embora sua estrutura teórica não se limite a abordar os aspectos
meramente ecológicos ou agronômicos da produção, uma vez que sua preocupação fundamental
está orientada a compreender os processos produtivos de uma maneira mais ampla. Isto é, encara
os agroecossistemas como unidade fundamental de estudo, onde os ciclos minerais, as
transformações energéticas, os processos biológicos e as relações sócio-econômicas são
investigadas e analisadas em seu conjunto. Dito de outro modo, a pesquisa agroecológica
preocupa-se não com a maximização da produção de uma atividade em particular, mas sim com a
otimização do agroecossistema como um todo, o que implica uma maior ênfase no conhecimento,
na análise e na interpretação das complexas interações existentes entre as pessoas, os cultivos,
os solos e os animais (Altieri, 1989; Altieri, 1995b).
Uma definição mais ampla é proporcionada por Sevilla Guzmán e González de Molina
(1996), para quem a Agroecologia corresponde a um campo de estudos que pretende o manejo
ecológico dos recursos naturais, para –através de uma ação social coletiva de caráter participativo,
de um enfoque holístico e de uma estratégia sistêmica– reconduzir o curso alterado da coevolução

19
Para que um agroecossistema caminhe em direção à sustentabilidade, é preciso perseguir
sistematicamente as seguintes metas: a) uma mais completa incorporação de processos naturais, como são
a reciclagem de nutrientes, a fixação do nitrogênio atmosférico e as relações predador-presa nos processos
de produção agrária; b) uma redução no uso de inputs externos e não renováveis com maior potencial de
dano ao meio ambiente e à saúde dos agricultores e consumidores, assim como um uso mais objetivo dos
demais inputs no sentido de minimizar os custos variáveis de produção; c) um acesso mais eqüitativo aos
recursos produtivos e oportunidades, e a evolução em direção a formas socialmente mais justas de
agricultura; d) um uso mais produtivo do potencial biológico das espécies animal e vegetal; e) um uso mais
produtivo das práticas e conhecimentos locais, incluindo enfoques inovadores ainda não completamente
entendidos pelos cientistas ou largamente adotados pelos agricultores; f) um incremento da confiança e
interdependência entre agricultores e população rural; g) uma melhoria no equilíbrio entre estilos de
agricultura, potencial produtivo e restrições ambientais de clima e solo, de maneira a assegurar a
sustentabilidade dos níveis de produção a longo prazo; e h) uma produção eficiente e rentável, com ênfase
na gestão agrária integrada e na conservação do solo, da água, da energia e dos recursos biológicos (Pretty,
1996).
20
Sob o ponto de vista agroecológico, a agricultura sustentável é aquela que, partindo de uma
compreensão holística dos agroecossistemas, seja capaz de atender, de maneira integrada, aos seguintes
critérios: a) uma baixa dependência de inputs comerciais; b) o uso de recursos renováveis localmente
acessíveis; c) a utilização dos impactos benéficos ou benignos do meio ambiente local; d) a aceitação e/ou
tolerância das condições locais, antes que a dependência da intensa alteração ou controle do meio
ambiente; e) a manutenção a longo prazo da capacidade produtiva; f) a preservação da diversidade
biológica e cultural; g) a utilização do conhecimento e da cultura da população local; e h) a produção de
mercadorias para o consumo interno e para a exportação (Gliessman, 1990).

88
social e ecológica, mediante um controle das forças produtivas que estanque seletivamente as
formas degradantes e expoliadoras da natureza e da sociedade. Em tal estratégia, dizem os
autores, joga um papel central a dimensão local como portadora de um potencial endógeno que,
por meio da articulação do saber local com o conhecimento científico, permita a implementação de
sistemas de agricultura alternativa potencializadores da biodiversidade ecológica e da diversidade
sociocultural.

3.2 Princípios ou bases epistemológicas da Agroecologia

Norgaard, estudioso da agricultura numa perspectiva holística e sistêmica, nos oferece


importantes ensinamentos sobre o que ele considera as bases epistemológicas da Agroecologia.
Na realidade, estas bases epistemológicas são os princípios ou as premissas que orientam, no
todo ou em parte, a ação dos profissionais que abraçam a Agroecologia como campo do
conhecimento em seu sentido mais amplo. No seu conjunto, elas mostram que, historicamente, a
evolução da cultura humana pode ser explicada com referência ao meio ambiente, ao mesmo
tempo em que a evolução do meio ambiente pode ser explicada com referência à cultura humana.
Ou seja: a) Os sistemas biológicos e sociais têm potencial agrícola; b) este potencial foi captado
pelos agricultores tradicionais através de um processo de tentativa, erro, aprendizado seletivo e
cultural; c) os sistemas sociais e biológicos coevoluíram de tal maneira que a sustentação de cada
um depende estruturalmente do outro; d) a natureza do potencial dos sistemas social e biológico
pode ser melhor compreendida dado o nosso presente estado do conhecimento formal, social e
biológico, estudando-se como as culturas tradicionais captaram este potencial; e) o conhecimento
formal, social e biológico, o conhecimento obtido do estudo dos sistemas agrários convencionais, o
conhecimento de alguns insumos desenvolvidos pelas ciências agrárias convencionais e a
experiência com instituições e tecnologias agrícolas ocidentais podem se unir para melhorar tanto
os agroecossistemas tradicionais como os modernos; f) o desenvolvimento agrícola, através da
Agroecologia, manterá mais opções culturais e biológicas para o futuro e produzirá menor
deterioração cultural, biológica e ambiental que os enfoques das ciências convencionais por si sós
(Norgaard, 1989).
Sob esta perspectiva, é oportuno destacar que, atualmente, um importante segmento da
pesquisa e da experimentação em Agroecologia ainda se concentra em temas do campo
agronômico, ou seja, se apresenta bastante vinculado aos aspectos tecnológicos da produção
agropecuária. No entanto, como já foi dito antes, a conformação de estilos alternativos de
agricultura que incorporem práticas, métodos e técnicas mais sensíveis ambientalmente requer,
obrigatoriamente, um repensar de todo o modelo tecnológico dominante, uma vez que é preciso
pesquisar, identificar e difundir métodos, técnicas e procedimentos que sejam poupadores de
recursos naturais não renováveis, que causem menor degradação e contaminação do meio
ambiente e que tenham maior sensibilidade social em relação as possibilidades de incorporação
das populações rurais nos processos de desenvolvimento. Nessa ótica, e isto provavelmente
constitua a principal virtude da Agroecologia –enquanto campo de estudos de caráter
multidisciplinar–, suas pretensões e contribuições vão muito além dos aspectos meramente
tecnológicos ou agronômicos da produção, incorporando dimensões mais abrangentes e
complexas que incluem tanto variáveis econômicas, sociais e ambientais, como variáveis culturais,
políticas e éticas da produção agrícola. Estas são condições importantes quando se têm em conta
as possibilidades de transição da agricultura convencional para estilos de produção com base
ecológica e, portanto, com maiores graus de sustentabilidade no médio e longo prazos.

3.3 A transição agroecológica no contexto da sustentabilidade

Em sua acepção semântica, o termo transição pode designar simplesmente a ‘‘ação ou o


efeito de passar de um modo de ser ou de estar a outro distinto’’, ou a ‘‘passagem de um estado a
outro’’. Sob esta ótica, a transição pode se referir tanto a fenômenos naturais (câmbios climáticos,
por exemplo) como a fenômenos sociais (processos de mudança social, por exemplo). É

89
importante ter clareza de que estes fenômenos não são estáticos, mas, ao contrário, sempre
incluem a idéia de processo ou dimensão dinâmica e, por conseguinte, a variável tempo ou
dimensão temporal (Costabeber, 1998).
Para falarmos sobre a transição agroecológica, é necessário mencionar inicialmente o que
alguns autores consideram como a primeira transição da agricultura neste século XX. Essa
primeira transição foi representada especialmente pela passagem da chamada agricultura
tradicional para a agricultura baseada em insumos industriais, mais conhecida como agricultura
moderna ou convencional, o que significou a crescente dependência da agricultura em relação à
industria, bem como a relativa homogeneização das agriculturas mundiais e fortes agressões ao
meio ambiente. Na verdade, esse processo de mudança foi relativamente longo, tendo iniciado
ainda no final do século passado, a partir dos avanços da mecânica e dos descobrimentos da
química agrícola e também da genética vegetal. De qualquer modo, o principal fenômeno que
marca esta transição ficou conhecido em todo o mundo como Revolução Verde, que teve seus
principais efeitos a partir dos anos 1950.
Vários autores sugerem que, a partir deste final de século, a agricultura mundial estaria
começando a experimentar um novo processo de transição, cuja essência seria o processo de
ecologização ou ambientalização (greening process). Este processo de ecologização ou
ambientalização corresponderia à extensão ou introdução de valores ambientais não apenas nas
práticas agrícolas, mas também na opinião pública e nas agendas políticas, constituindo assim
uma força sócio-ecológica combinada, a partir da qual as considerações de caráter socioambiental
e biofísico assumem um papel ativo da determinação das tecnologias agrícolas (Buttel, 1993;
Buttel, 1994). Podemos entender isso melhor dizendo que a ecologização é marcada por uma
maior integração entre a Agronomia e a Ecologia, dois campos de estudo até agora pouco
explorados em suas complementaridades para gerar experiências e conhecimentos relevantes e
para tornar mais eficiente a intervenção humana com fins agrícolas nos agroecossistemas. No
entanto, a ecologização da agricultura não necessariamente seguirá um processo unilinear –a
exemplo do que se propugnava com a difusão dos pacotes tecnológicos da Revolução Verde em
várias partes do mundo–, podendo seguir distintas vias, alinhadas ou com a corrente
ecotecnocrática ou com a corrente ecossocial.
Essas distintas vias da transição, que –em maior ou menor grau– incorporam certos
elementos da ecologização, podem ser imaginadas ao longo de um continuum. Mais perto de um
dos pólos deste continuum estariam situadas as formas de intensificação verde que, se bem com
algum grau e certo tipo de "ecologização" de seus processos produtivos, continuariam muito
próximas ao padrão tecnológico dominante. Nesse caso, o atual modelo convencional de produção
agrícola estaria se adaptando à incorporação de uma nova geração tecnológica da Revolução
Verde (ou, como preferem alguns, uma Revolução Duplamente Verde), aproveitando inclusive os
avanços mais recentes da Biotecnologia e da Engenharia Genética (o uso de sementes
transgênicas e o plantio direto convencional com herbicidas, por exemplo). Em síntese, a via
representada pela intensificação verde prioriza a utilização de insumos externos e de origem
industrial, embora admita sua integração equilibrada com insumos localmente disponíveis. O
processo de ecologização seguiria uma lógica que obedece essencialmente aos estímulos de
mercado (a Natureza como subsistema da Economia).
Nas proximidades do polo oposto do continuum, se situariam aquelas formas de agricultura
ditas alternativas que, sob os ensinamentos da Agroecologia, estariam buscando uma maior
aproximação e integração entre os conhecimentos agronômicos, ecológicos, sociais e de outras
disciplinas correlacionadas, com o objetivo de gerar umas bases científicas e tecnológicas mais
afastadas daquelas que até agora têm apoiado o modelo agroquímico convencional. Suas
características principais seriam: estratégias de produção agrária baseadas em conceitos
ecológicos; conhecimento científico integrado ao conhecimento local, como forma de gerar um
novo e mais qualificado conhecimento; participação ativa da população rural na determinação das
formas de manejo dos agroecossistemas; maior valorização da biodiversidade e da diversidade
cultural. A meta seria, fundamentalmente, alcançar sistemas de produção economicamente
viáveis, ecologicamente equilibrados, socialmente justos e culturalmente aceitáveis. Em suma, a

90
ecologização não seria essencialmente orientada ao mercado, mas incorporaria valores
ambientais e uma nova ética de relação do homem com a natureza (a Economia como subsistema
da Natureza)21.
Feitas estas considerações, e dito de uma maneira bastante simplificada, podemos definir a
transição –caracterizada pelo processo de ecologização– como a passagem do modelo
produtivista convencional ou de formas de agricultura tradicional à estilos de produção mais
complexos sob o ponto de vista da conservação e manejo dos recursos naturais, o que contempla
tanto a via da intensificação verde como a via da transição com base na Agroecologia. Não
obstante, agregando mais complexidade ao conceito, podemos entender a transição –neste caso,
agroecológica– como o ”processo social orientado à obtenção de índices mais equilibrados de
sustentabilidade, estabilidade, produtividade, eqüidade e qualidade de vida na atividade agrária”, a
única via capaz de atender requisitos de natureza econômica e socioambiental, entre outros.
Nesse contexto, e pensando nas bases teóricas para a Nova Extensão Rural, a transição
agroecológica se refere a um processo gradual de mudança, através do tempo, nas formas de
manejo dos agroecossistemas, tendo-se como meta a passagem de um modelo agroquímico de
produção (que pode ser mais ou menos intensivo no uso de inputs industriais) à outro modelo ou
estilos de agricultura que incorporem princípios, métodos e tecnologias com base ecológica.
Essa idéia de base ecológica se refere a um processo de evolução contínua, multilinear e
crescente no tempo, porém sem ter um momento final determinado. Porém, por se tratar de um
processo social, isto é, por depender da intervenção e da interação humana, a transição
agroecológica implica não somente a busca de uma maior racionalização econômico-produtiva
com base nas especificidades biofísicas de cada agroecossistema, mas também uma mudança
nas atitudes e valores dos atores sociais em relação ao manejo e conservação dos recursos
naturais. Por incluir considerações de natureza diversa (econômica, social, cultural, política,
ambiental, ética, entre outras), o processo de transição agroecológica não dispensa o progresso
técnico e o avanço do conhecimento científico (Costabeber, 1998).

4 O compromisso social da Nova Extensão Rural ante os desafios e as


perspectivas do desenvolvimento rural sustentável

A crise socioambiental com que nos defrontamos neste final de século colocou em xeque as
bases teóricas e metodológicas que sustentaram o estabelecimento do atual modelo de
crescimento econômico e sua reiterada inobservância dos limites impostos pela natureza. Entre
nós, as irracionalidades do modelo hegemônico –que alguns teimam em confundir com
desenvolvimento– se expressam em forma de miséria, fome, desemprego e outros mecanismos de
exclusão social.
Diante da complexidade e gravidade do momento atual, somos levados à perplexidade e
chamados pelos setores hegemônicos a continuar o processo de “reprodução ampliada” do
mesmo modelo que, rebatizado com o nome de “Revolução Verde Verde” e aplicado mediante
estratégias de Intensificação Verde, continua sendo o catecismo dominante nos centros de poder
econômico.
Neste exato momento, entretanto, o exemplo que aqui tomamos, da Extensão Rural pública
do Rio Grande do Sul –demonstrando sua capacidade e sua visão de futuro– mostra que, para ser
Nova, ela busca desatar-se das amarras do neo-liberalismo e suas correntes ecotecnocráticas e
empreende uma desafiadora jornada, propondo-se a realizar uma nova Missão, assim como novos
objetivos e novas estratégias, todos subordinados aos ideais da sustentabilidade ambiental e da
equidade social.

21
Entre as duas posições mais extremas, e em algum ponto do continuum, estariam, por exemplo, as
denominadas agriculturas sustentáveis de baixos insumos externos, que combinariam características tanto
das agriculturas da intensificação verde como das agriculturas resultantes da aplicação dos princípios da
Agroecologia.

91
A Missão de qualquer estilo de Extensão Rural que se pretenda Nova está destinada a nos
ajudar no direcionamento de ações e atividades que promovam novos estilos de desenvolvimento
e de agricultura, que respeitem não só as condições especificas de cada agroecossistema, mas
também a preservação da biodiversidade e da diversidade cultural22. Tendo como base um manejo
ecologicamente prudente e adequado dos recursos naturais –sustentado na participação ativa dos
atores sociais envolvidos–, as ações extensionistas deverão permitir, entre outras coisas, a
produção de alimentos limpos para atender as necessidades da população urbana e rural.
O ideal de sustentabilidade –apoiado nos princípios da Agroecologia–, que conforma o
núcleo da nova extensão rural gaúcha, exige que passemos a entender a agricultura como um
processo de construção social e não simplesmente como a aplicação de algumas poucas
tecnologias industriais geradoras de dependência. Isso, sem dúvidas, determina uma certa
insegurança para todos quantos fomos formados e treinados para atuar como difusores de
tecnologias e a partir de uma visão parcializada da realidade e do processo produtivo agrícola.
Os desafios de uma Nova Extensão Rural estão consubstanciados na nova Missão, nos
objetivos e nas estratégias de ação desenhadas coletivamente, como orientadoras e sinalizadoras
da extensão rural do Rio Grande do Sul, como podemos ver a seguir.

4.1 Missão institucional da EMATER/RS-ASCAR

Promover a construção do desenvolvimento rural sustentável, com base nos princípios da


Agroecologia, através de ações de assistência técnica e extensão rural e mediante processos
educativos e participativos, objetivando o fortalecimento da agricultura familiar e suas
organizações, de modo a incentivar o pleno exercício da cidadania e a melhoria da qualidade de
vida.

4.2 Objetivos estratégicos da EMATER/RS-ASCAR

A missão da extensão rural está orientada por cinco objetivos principais que, no seu
conjunto, expressam o compromisso social de trabalhar para a obtenção de níveis mais
equilibrados de sustentabilidade, estabilidade, produtividade, equidade e qualidade de vida. Ou
seja:
a) Sustentabilidade: buscar um crescente apoio à conservação, à manutenção e ao manejo de
agroecossistemas sustentáveis, de modo que, apesar das restrições ecológicas e das
pressões sócio-econômicas, possam ser alcançados e mantidos níveis adequados de
produção agrícola.
b) Estabilidade: atuar de forma conjunta com os agricultores familiares e suas organizações, com
o objetivo de integrar os recursos disponíveis localmente e outros que estejam ao alcance dos
mesmos, com vistas a alcançar uma estabilidade na produção que seja compatível com as
condições ambientais, econômicas e socioculturais predominantes.
c) Produtividade: apoiar os agricultores familiares na seleção de tecnologias de produção
capazes de reduzir riscos e otimizar o uso de recursos internos, de modo a alcançar, na
totalidade dos sistemas agrícolas, níveis de produtividade compatíveis com a preservação do
equilíbrio ecológico.
d) Eqüidade: contribuir para a consolidação de estratégias associativas que fortaleçam os laços
de solidariedade e que propiciem a justa distribuição do produto gerado nos agroecossistemas,
de modo que atenda requisitos de segurança alimentar e de geração de renda para todas as
famílias envolvidas.

22
“O próprio conceito de agroecossistema possui uma natureza holística, motivo pelo qual o seu
estudo requer uma visão tanto histórica e sociológica como antropológica, por um lado, e um enfoque
baseado inicialmente na circulação dos fluxos de materiais e energia e nas formas de consumo e
degradação endossomáticos e exossomáticos, por outro” (Sevilla Guzmán e González de Molina, 1996).

92
e) Qualidade de vida: agir interativamente nas áreas econômica, sociocultural e ambiental, de
forma a maximizar o emprego e gerar renda desconcentradamente, promovendo a defesa da
biodiversidade e da diversidade cultural, o incremento da oferta de produtos "limpos", a
soberania alimentar e a qualidade de vida da população.

4.3 Estratégias de ação da EMATER/RS-ASCAR

a) Privilegiar o uso de metodologias participativas que permitam aos agricultores e suas famílias
transformarem-se em sujeitos do seu processo de desenvolvimento, valorizando os distintos
saberes e o intercâmbio de experiências que permitam a ampliação da cidadania e da inclusão
social.
b) Incorporar uma compreensão holística e sistêmica dos processos sócio-econômicos
condicionados pelo ambiente, em substituição à visão compartimentada.
c) Estimular e apoiar formas de diagnóstico e planejamento capazes de gerar e solidificar uma
dinâmica de participação ativa nos níveis local, regional e estadual.
d) Apoiar a consolidação de uma rede de parcerias, envolvendo organizações públicas e privadas
comprometidas com a agricultura familiar, dinamizando a construção de propostas orientadas
ao desenvolvimento sustentável.
e) Estimular e apoiar as formas associativas de reflexão e ação, respeitando-se as questões de
gênero, as particularidades locais e regionais, assim como a história, a dinâmica de evolução e
as aspirações de cada grupo social envolvido.
f) Tomar o agroecossistema como unidade básica de análise, planejamento e avaliação dos
sistemas de produção agrícola.
g) Apoiar a implementação da reforma agrária como um instrumento concreto de
desenvolvimento rural sustentável.

5 Considerações finais

Vale lembrar que, na velha lógica cartesiana, o bom profissional da extensão rural era aquele
capaz de acumular mais conhecimentos sobre umas poucas especialidades ou técnicas e que
estivesse apto a desenvolver as habilidades necessárias para transferir conhecimentos aos
agricultores, atuando de modo a fazê-los adotar aquelas orientações tidas como superiores, por
sua natureza e validação “científica”. Neste contexto, o conhecimento dos agricultores era tido
como algo obsoleto e eles mesmos eram vistos como atrasados e responsáveis pelo atraso da
sociedade. Em geral, eram simplesmente rotulados em categorias de “adotadores” de inovações23.
A busca do desenvolvimento e da agricultura sustentável, a que nos referimos antes, exige
de todos nós uma nova postura e um novo tipo de atuação que estamos definindo como um “novo
profissionalismo”24. O novo profissional da Extensão Rural, mais do que um simples difusor de
pacotes tecnológicos intensivos em capital, deve estar preparado para compreender que os
agroecossistemas ou sistemas agrícolas coevoluem com os sistemas sociais e biológicos. Isto é,
esta coevolução está acompanhada pela evolução dos homens e mulheres que praticam a
agricultura, os quais, ao longo de sua história e mediante processos de tentativa e erro,
adaptaram-se e adaptaram as condições mais adequadas para produzir nos seus diferentes
ambientes sociais e biofísicos.
Portanto, é preciso reconhecer que entre os agricultores e suas famílias existe um saber, um
conjunto de conhecimentos que, embora não sendo de natureza científica, é tão importante quanto
os nossos saberes. Disso resulta que nossa ação –ao mesmo tempo em que deve ser respeitosa
para com os saberes dos demais–, deve ser capaz de contribuir para a integração destes
diferentes saberes, buscando a construção social de conhecimentos adequados para o

23
Sobre este tema, ver as obras clássicas de Rogers (1962, 1995)
24
Ver, neste sentido, Chambers (1994).

93
desenvolvimento dos potenciais agrícolas de cada agroecossistema e dos potenciais de
desenvolvimento sustentável presentes em cada comunidade.
Nesta perspectiva, a participação popular emerge como um direito e passa a exigir uma nova
prática extensionista, uma verdadeira práxis social, que só é possível quando adotamos uma
postura democrática e quando realizamos nossa tarefa com base em metodologias e princípios
pedagógicos libertadores. Para tanto, necessitamos conformar um novo perfil de extensionistas:
por um lado, estamos desafiados a compreender a agricultura a partir dos princípios básicos da
Agronomia e da natureza e, de outro lado, devemos nos capacitar para atuar potencializando os
recursos e conhecimentos locais.
O enfoque a ser adotado pela Nova Extensão Rural também exigirá dos extensionistas a
capacidade de compreender os aspectos relacionados à vida dos indivíduos e suas relações
sociais, assim como os aspectos da história dos diferentes atores individuais e coletivos com os
quais atuamos. Somente assim poderemos nos aproximar das verdadeiras necessidades, valores
e aspirações que orientam sua busca permanente por melhores condições de vida e bem estar
social. Como apoiá-los na construção do desenvolvimento rural sustentável sem conhecer as
necessidades, os valores e as motivações que sustentam e dão sentido às suas decisões?
Mesmo sem esgotar um tema tão complexo, somos levados a reconhecer que, hoje,
extensionistas e pesquisadores têm a felicidade de vivenciar os desafios de novos tempos e que,
portanto, não devemos nos intimidar frente às incertezas e inseguranças próprias dos grandes
desafios. Ao contrário, devemos usar nossa capacidade, nossa energia, nossa criatividade e nossa
inspiração para estimular o diálogo construtivo e a participação de todos os atores sociais com os
quais nos relacionamos. Sem dúvida, isto nos ajudará na construção de uma nova extensão rural.
Nesse contexto, e diante do imperativo socioambiental, defendemos a prática de uma Nova
Extensão Rural e propomos o conceito de Extensão Rural Agroecológica como orientação principal
para a execução de nossas ações em prol do desenvolvimento rural sustentável. Esta Extensão
Rural Agroecológica pode ser definida como o “processo de intervenção de caráter educativo e
transformador, baseado em metodologias de investigação-ação participante que permitam o
desenvolvimento de uma prática social mediante a qual os sujeitos do processo buscam a
construção e sistematização de conhecimentos que os leve a incidir conscientemente sobre a
realidade”. Ela tem o objetivo de alcançar um modelo de desenvolvimento socialmente eqüitativo e
ambientalmente sustentável, adotando os princípios teóricos da Agroecologia como critério para o
desenvolvimento e seleção das soluções mais adequadas e compatíveis com as condições
específicas de cada agroecossistema e do sistema cultural das pessoas envolvidas no seu manejo
(Caporal, 1998).
A construção dessa Nova Extensão Rural iniciou a tomar forma a partir do momento em que
começaram a ser incorporados aos debates os novos anseios da sociedade rural e urbana, com
relação a um novo projeto de desenvolvimento, e na medida em que foram buscadas orientações
teóricas baseadas em um paradigma alternativo ao convencional.
O avanço deste processo de construção exige a continuidade da interação da Extensão
Rural com a sociedade civil organizada. No entanto, parece claro que a consolidação do processo
de mudança em curso exigirá ainda o comprometimento e a responsabilização das instituições de
ensino e pesquisa, pois, como todos nós sabemos, a transição do modelo agroquímico para estilos
de agricultura de base ecológica requer um urgente progresso tecnológico e um significativo
avanço do conhecimento científico. Igualmente, se faz necessária a formação de profissionais
qualificados para atuarem em projetos de desenvolvimento rural que contemplem o interesse local
e comunitário, orientados pelo imperativo socioambiental.

94
Capítulo 5

AGROECOLOGIA: ENFOQUE CIENTÍFICO E ESTRATÉGICO PARA APOIAR O DESENVOLVIMENTO


1
RURAL SUSTENTÁVEL

Francisco Roberto Caporal


José Antônio Costabeber

1 Introdução

O objetivo central desse artigo é contribuir para o aprofundamento do debate teórico sobre
Agroecologia nos meios técnico e acadêmico do Rio Grande do Sul e do Brasil. Partimos da
hipótese de que as sociedades brasileira e mundial, assim como as Ciências, estão
experimentando um singular processo de transformação, característico de uma "revolução
paradigmática”, na qual os paradigmas convencionais que orientaram o desenvolvimento e a
agricultura –e que foram hegemônicos nos últimos cinqüenta anos– vêm sendo substituídos por
orientações teóricas baseadas em novos valores éticos e socioambientais. A conformação deste
novo paradigma exige o aprofundamento do debate teórico-conceitual, criando espaços para a
constituição do correspondente colégio invisível que irá compartilhar um conjunto de “regras e
padrões para a prática científica” (Kuhn, 1987) e dar continuidade à construção de conhecimentos
que sustentarão sua operacionalidade.
Como parte deste processo de mudança, surge a Agroecologia: uma nova ciência, ou
enfoque científico, destinada a apoiar e dar sustentação à transição dos atuais modelos de
desenvolvimento rural e de agricultura convencionais para estilos de desenvolvimento rural e de
agriculturas sustentáveis (Caporal e Costabeber, 2000a; 2000b; 2001). Neste sentido, nos
propomos a resgatar conceitos e princípios que permitam delimitar este novo campo de
conhecimentos, de forma a superar entendimentos equivocados que, muitas vezes, têm levado à
utilização do termo Agroecologia como sinônimo de agricultura ecológica ou orgânica, quando na
verdade ele se refere a uma ciência e não a um estilo de agricultura e, muito menos, a um
conjunto de práticas ou tecnologias agrícolas2.
Ademais, pretendemos contribuir, embora de forma resumida, para um melhor entendimento
da gênese da Agroecologia como paradigma diretivo e do seu potencial para dar suporte a
estratégias de desenvolvimento rural sustentável. Concluímos que qualquer estratégia de
desenvolvimento rural, que pretenda responder ao imperativo socioambiental do novo milênio,
considerando a noção de sustentabilidade em suas múltiplas dimensões, somente poderá ter
sucesso se estiver apoiada nos princípios desta nova ciência: a Agroecologia. Entendemos que é
só a partir desse novo enfoque e de sua moderna abordagem teórica, de natureza multidisciplinar
e multidimensional, baseado numa visão sistêmica e holística, que poderemos avançar na
construção de estratégias operativas adequadas às exigências de um novo modelo de
desenvolvimento rural.

2 Do desenvolvimento rural convencional ao desenvolvimento rural sustentável


2.1 Alguns elementos da trajetória desenvolvimentista na agricultura

1
Publicado inicialmente como texto provisório para discussão. Porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR,
2002a. (Série Programa de Formação Técnico-Social da EMATER/RS. Sustentabilidade e Cidadania, texto
5).
2
É justamente o seu status de ciência, campo de conhecimento ou disciplina científica que justifica a
Agroecologia como substantivo próprio e, portanto, com “A” maiúsculo.
No seu texto publicado no The Development Dictionary, Gustavo Esteva (1996) deixa claro
que a noção de desenvolvimento, particularmente após a Segunda Guerra, assumiu uma
dimensão importante na geopolítica dos Estados Unidos da América, como parte da estratégia
mais geral adotada por aquele país para consolidar sua hegemonia. Nesse contexto, o conceito de
desenvolvimento passou a ser teorizado como um modelo a ser perseguido, enquanto
subdesenvolvimento representava a expressão relacional oposta, utilizada para identificar países
e/ou regiões que, aos olhos dos especialistas norte-americanos, eram considerados atrasados.
Para os atrasados, recomendava-se uma receita única: superar a condição “indigna” de
subdesenvolvimento, vencendo etapas que os levassem à alcançar o modelo padrão de sociedade
ocidental, capitalista e industrializada, que se auto-considerava desenvolvida. Usado desta forma,
o termo desenvolvimento trazia implícita uma conotação de evolução, progresso, maturação e
modernização: conceitos-chave nas teorias e estratégias operativas das políticas
desenvolvimentistas vigentes desde então.
Dentro do marco teórico do desenvolvimentismo, posterior à Segunda Guerra Mundial,
poderíamos destacar alguns enfoques que assumiram especial relevo e que, portanto, têm um
particular interesse quando procuramos entender porque nossa sociedade se encontra no atual
estado de caos sócio-econômico e ambiental3. Entre estes enfoques, destacou-se no pensamento
liberal hegemônico a teoria das Etapas do Crescimento Econômico, de Walt Rostow (1965), a qual
contribuiu para o estabelecimento de estratégias que pretendiam levar as sociedades a sair de sua
condição de atraso (sociedade tradicional) em direção a um modelo de sociedade desenvolvida
(de alto consumo). Ideologicamente apresentada com o subtítulo Um manifesto não comunista, a
obra de Rostow foi bem acolhida e adotada como referência pelos conservadores. Entretanto,
seguir tal orientação foi um equívoco pois, como assinala André Gunder Frank, as etapas e teses
de Rostow absolutamente não correspondiam à realidade presente e passada dos países
subdesenvolvidos cujo desenvolvimento pretendiam orientar. Também equivocadamente, Rostow
atribuía uma história aos países considerados desenvolvidos e negava a história dos demais
países (Frank, 1971: 37-43). Em nossa opinião, e concordando com análises realizadas por
diversos autores, o problema do subdesenvolvimento resulta da incorporação submissa e
dependente de sociedades e países a um sistema mundial de expansão mercantilista e depois
capitalista que gerou este subdesenvolvimento, mantendo e agravando a situação de dependência
dos países periféricos. Ou, conforme sugere Frank (1971), tais orientações levaram ao
“desenvolvimento do subdesenvolvimento”.
Na mesma esteira da ideologia desenvolvimentista, surgiriam outros enfoques, como aqueles
trazidos pelas Teorias do Dualismo Econômico. Estas, partindo da hipótese de que era difícil
explicar o funcionamento das economias dos países subdesenvolvidos através de modelos
neoclássicos de setor único, se preocuparam em compreender as relações (ou ausência de
relações) entre um setor tradicional atrasado (agrícola-rural) e um setor moderno crescente
(urbano-industrial). Entre os dualistas, destacou-se Lewis (1954), para quem o setor moderno era
aquele que usava mais energia fóssil e capital reproduzível. Em sua teoria, a agricultura de
subsistência, “atrasada”, era a expressão do setor tradicional. Para os dualistas, a agricultura de
subsistência dispunha de excedente de mão-de-obra e, assim, tornava-se possível a transferência
de parte desta mão-de-obra para setores industriais e comerciais urbanos. Com isto também se
estabeleceriam condições para pressionar para baixo os salários urbanos. Adicionalmente,
segundo este pensamento, caberia à agricultura aportar excedentes para favorecer o
desenvolvimento de outros setores da economia. Para que esta lógica funcionasse, propunham a
intermediação do Estado, através de políticas públicas favoráveis a estas transferências do rural
ao urbano.
De um modo geral, os teóricos e analistas da época tinham o propósito de desvendar como
se dava o processo de crescimento econômico, tomando a agricultura tradicional como um setor
que limitava ou impedia o processo de crescimento. No seu entendimento, a agricultura deveria
seguir a lógica da especialização, abandonando toda e qualquer outra atividade presente no meio

3
Ver, por exemplo, La explosión del desorden, de Ramón Fernández Durán (1993).

96
rural. Aliás, analisando o desenvolvimento capitalista nos Estados Unidos, Rosa Luxemburg
destacaria que “O desenvolvimento da produção capitalista extirpou da economia rural todos os
seus setores industriais, para concentrá-los na produção industrial urbana” (Luxemburg, 1976:
343-4).
No que diz respeito mais especificamente ao desenvolvimento agrícola, e seguindo as bases
teóricas anteriores, surgiriam proposições complementares, mais estritamente voltadas a explicar
o que deveria ser feito para transformar as sociedades rurais atrasadas em sociedades
compatíveis com os enfoques de progresso e modernidade. Ao mesmo tempo, passariam a ter
maior importância as orientações teóricas destinadas a mostrar as formas de intervenção capazes
de levar a este processo de mudança. Entre elas, podem ser destacadas a Teoria da Mudança
Tecnológica, a Teoria dos Insumos de Alto Rendimento e a Teoria da Difusão de Inovações.
Para os teóricos vinculados à Teoria da Mudança Tecnológica, a atenção deveria ser
concentrada na reorganização dos insumos produtivos, de modo a alcançar-se maior eficiência e
maior rendimento por unidade de insumo utilizado na agricultura. Enfoque bastante semelhante
apareceria na Teoria dos Insumos de Alto Rendimento, tratada com especial vigor por Theodore
Schultz em seu livro Transforming traditional agriculture (Transformando a agricultura tradicional).
Segundo esse autor (Schultz, 1964; 1968), os agricultores tradicionais eram racionais e eficientes
na utilização dos recursos disponíveis, de modo que o problema do desenvolvimento agrícola
deveria ser atribuído às escassas oportunidades técnicas e às dificuldades econômicas por eles
enfrentadas. Nesta lógica, a resolução do problema do desenvolvimento agrícola não era uma
simples questão de adequação no uso dos recursos disponíveis, nem de adequação de inovações
criadas pelos próprios agricultores. Era necessário introduzir novas variáveis nos sistemas
agrícolas, materializadas em forma de insumos de alta eficiência que dessem resultados imediatos
em termos de aumento de produtividade da terra e da mão-de-obra4.
Esta trajetória de teorias e estratégias voltadas para o desenvolvimento agrícola e rural, sob
uma perspectiva liberal conservadora, em muito contribuiu para o surgimento de uma crise
socioambiental sem precedentes na história. Avaliando os resultados da Revolução Verde, a
maioria dos analistas conclui que, apesar de ter havido aumento da produtividade agrícola em
várias regiões do mundo, desde o início estava claro que as melhorias obtidas enfrentavam
limitações inerentes aos próprios enfoques adotados. Dito em outras palavras, a Revolução Verde,
que transformou-se no modelo básico para a mudança na agricultura, contribuiu para elevar a
produtividade nas propriedades e regiões em que as rendas já eram mais elevadas, mas nada
conseguiu fazer para melhorar a situação dos pobres do campo. Ao contrário, ampliou a exclusão
e as desigualdades sociais, ademais de agravar os efeitos negativos da agricultura sobre o meio
ambiente5. A própria FAO admite que os ensinamentos sócio-econômicos derivados da Revolução
Verde obrigaram a que se prestasse mais atenção aos problemas de eqüidade, do meio ambiente
e da tecnologia, além da necessidade de observar-se as condições gerais oferecidas pelo entorno
(FAO, 1995a). Com efeito, o desenvolvimentismo trilhou uma trajetória de escassos resultados,
tanto que os fracassos ocorridos nas décadas de 1950 e 1960 levariam ao nascimento de novas
estratégias de desenvolvimento, apoiadas pelo Banco Mundial e outros organismos internacionais,
como por exemplo os Programas de Desenvolvimento Rural Integrado6.

4
Com base neste tipo de orientação, foram instalados os Centros Internacionais de Pesquisa
Agrícola, destinados a criar as chamadas Variedades de Alto Rendimento, promovendo-se assim as
condições técnicas objetivas para a implantação da Revolução Verde em diversas partes do mundo. Para
Martínez Alier (1994: 141), na verdade, tratava-se de criar variedades de alta resposta aos insumos
industriais.
5
Sobre esse assunto, ver Redcliff (1993; 1995), Shiva (1991) e Carroll et al. (1990).
6
O fracasso desenvolvimentista também foi responsável pela retomada do debate sobre a
necessidade de realização da Reforma Agrária, dado que a distribuição da terra nos países
subdesenvolvidos era identificada como um dos elementos estruturais responsáveis pelo mau
desenvolvimento. Ver, nesse sentido, FAO. CMRADR. Conferência Mundial sobre Reforma Agrária e
Desenvolvimento Rural. Roma: FAO, 1979.

97
Entretanto, até aqui ainda não nos referimos aos enfoques teóricos que procuravam orientar
sobre a forma de promover as mudanças tecnológicas na produção agrícola. Dentre estes
enfoques, teve maior influência a denominada Teoria da Difusão de Inovações. Ela apareceu em
1962, quando Everett Rogers publicou a primeira edição do seu livro Diffusion of innovations
(Rogers, 1962; 1995), uma obra que passaria a ser referência para todas as ações difusionistas
realizadas pelos serviços de Extensão Rural no Terceiro Mundo, fazendo escola, também, em
países como Holanda, Espanha, Irlanda e Israel, entre outros. Colocando ênfase na necessidade
de transformar o camponês em agricultor, este enfoque tratava a problemática da adoção de
inovações como uma questão individual, relacionada com educação e informação, atitudes e
valores, e as inter-relações entre indivíduos. Em sua teoria da subcultura camponesa, Rogers
considerava os agricultores como fatalistas, sem espírito inovador, pouco imaginativos, contrários
à cooperação, localistas e com uma estreita visão do mundo, assim como limitados em suas
aspirações, mutuamente desconfiados em suas relações, não predispostos a poupar, e
familísticos. Enfim, foi construída uma figura caricaturesca dos camponeses para justificar a
necessidade de sua total transformação, uma vez que tais características não contribuíam para o
alcance das mudanças desejadas.
A teoria da Difusão de Inovações era multidisciplinar, trazendo orientações sobre como
deveriam atuar os agentes de desenvolvimento para disseminar novas idéias e novas tecnologias
em um dado sistema social. Através de um processo de informação de cima para baixo (dos
agentes para os agricultores), esperava-se que os indivíduos passassem a tomar decisões no
sentido de adotar inovações tecnológicas. Partia-se do princípio de que toda a inovação era,
necessariamente, boa para os agricultores. Não obstante, em 1969, Rogers & Svenning
publicariam outra importante obra, intitulada Modernization among peasants (Modernização entre
os camponeses), na qual já faziam algumas referências sobre os perigos do difusionismo.
Recordando que poucos dos 900 estudos sobre difusão realizados até aquela época tinham como
base empírica a realidade brasileira, eles sugeriam “cautela na aplicação de descobertas de
pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos à realidades culturais diferentes” (Rogers &
Svenning, 1969; 1973)7.
Um dos passos seguintes dentro do difusionismo clássico foi a estratégia de C&V –
Capacitação e Visita (Training and Visit) que, adotada como política do Banco Mundial a partir de
1980, pretendia acelerar o processo de modernização da agricultura8. Os resultados, contudo, não
foram satisfatórios. Embora analistas do Banco identifiquem seus aspectos positivos, também é
certo que o modelo deixou de ter a importância que havia adquirido. Mais tarde se recomendaria,
inclusive, a incorporação de elementos do Farming System Research como forma de melhorar o
modelo C&V, principalmente em seus componentes relativos à participação dos agricultores e
adaptação e transferência de tecnologias9.
7
Seguidor de Rogers e pertencente à Escola de Rehovot (cidade onde se encontravam o Centro de
Estudos de Colonização e a Faculdade de Agricultura de Israel), Raanan Weitz publicaria, no início dos anos
setenta, sua obra De campesino a agricultor, onde sugeria a existência de três tipos de agricultura: a de
subsistência, a diversificada ou mista e a especializada, afirmando que a passagem de uma a outra ocorreria
ao longo do tempo e mediante a contínua adoção de inovações (Weitz, 1973). Esta Escola também teve
influência nas políticas de Desenvolvimento Rural Integrado (DRI), iniciadas nos anos 1970, no Brasil. A
título de exemplo, cabe lembrar que o Banco do Nordeste do Brasil promoveu a tradução do trabalho de
Weitz (1979), intitulado Integrated rural development: the Rehovot approach, uma espécie de cartilha
adotada nos programas de DRI no nordeste brasileiro.
8
No caso da Extensão Rural do setor público no Rio Grande do Sul, a aplicação desta estratégia ficou
conhecida pelo apelido de Projetão.
9
Como assinala o próprio Banco Mundial (1994a: 6), o modelo de C&V, desenvolvido por
especialistas do Banco, era considerado como um importante instrumento para apoiar o crescimento da
agricultura, principalmente quando alinhado a programas de ajuste do setor. Inclusive, segundo informe do
Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, “o objetivo central do modelo C&V era transformar os
ineficientes e ineficazes serviços de extensão rural em serviços que pudessem alcançar objetivos
específicos, particularmente em transferência de tecnologia” (Naciones Unidas, 1991: 10). Neste mesmo
documento, se afirma que o Banco Mundial foi o principal difusor do modelo C&V, tendo nele aplicado 34%

98
Os sucessivos fracassos das estratégias do difusionismo deram lugar a vários estudos
críticos sobre os impactos do modelo, dos quais nasceriam novas e diferentes estratégias de
intervenção nos processos de promoção do desenvolvimento agrícola e rural. Como exemplo,
aparecem, nos Estados Unidos da América, os trabalhos de Robert Chambers e Michael Cernea10,
com seus respectivos enfoques do FF – Farmer First (O agricultor em primeiro lugar) e FSR –
Farming System Research (Pesquisa em sistemas de produção). Em geral, estes enfoques
questionam a ausência dos agricultores no desenho de pesquisas científicas e na definição de
orientações tecnológicas, propugnando pela defesa da participação desses agricultores, como
atores e sujeitos, nos processos de desenvolvimento e na aplicação de tecnologias agrícolas.
Todavia, há diferenças fundamentais entre ambos, na medida em que o FSR tratava apenas de
buscar a validação de tecnologias por parte dos agricultores, perdendo o poder sistêmico e
holístico que pretendia em suas origens. Seguindo o debate e aportações na linha destes
enfoques, apareceria, em 1994, a obra de Scoon & Thompson propondo o BFF – Beyond Farmer
First (Além do agricultor em primeiro lugar), que centrava sua atenção na importância do
conhecimento local11.
Nos últimos anos, as abordagens críticas ao modelo convencional difusionista vêm
defendendo a necessidade absoluta de que a participação dos agricultores e a valorização do
conhecimento local façam parte do núcleo central das estratégias de desenvolvimento rural. Esta
tendência encontra sustentação nos princípios da Agroecologia e pode se tornar operativa a partir
do estudo multilinear das distintas dimensões da sustentabilidade.

2.2 A caminho da superação do modelo convencional de desenvolvimento

A idéia e o ideal de sustentabilidade nascem da imposição da crescente consciência sobre a


insustentabilidade dos modelos de desenvolvimento que vimos antes. Segundo Trainer (1990),
uma revisão de estudos realizados por aproximadamente cem autores, que tratam sobre os
resultados das políticas de desenvolvimento, mostrou que ditos resultados foram muito pequenos,
ou até nulos, para 40 a 50% da população do Terceiro Mundo. Por outro lado, ainda que somente
nos anos recentes a temática do desenvolvimento sustentável tenha passado a destacar-se nas
agendas de cientistas, políticos e setores da sociedade civil organizadas, convém lembrar que
datam da década de 60 os primeiros alertas sobre as externalidades negativas dos enfoques de
desenvolvimento agrícola e rural. Neste sentido, em 1961, por exemplo, seria criado o WWF
(World Wild Fund). Rachel Carson, em 1962, publicaria seu livro Silent spring (Primavera
Silenciosa), denunciando efeitos nocivos dos pesticidas organoclorados sobre o meio ambiente.
Mais tarde, em 1971, seria criada a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural
(AGAPAN), uma das primeiras entidades ambientalistas em nosso país12. Em 1973, Schumacher
publicaria o clássico Small is beautiful (traduzido ao português como “O negócio é ser pequeno”),
onde apresentava seu ponto de vista sobre um outro possível projeto de sociedade. Ele se
concentrava nos problemas de escala e dimensões apropriadas das atividades econômicas e nas
tecnologias, defendendo que o pequeno empreendimento não só é possível, senão que é mais
apropriado13.

dos 2,2 bilhões de dólares destinados a programas de extensão rural. Ressalte-se que este modelo chegou
a ser adotado em 90% dos mais de 40 projetos financiados pelo Banco nos anos 1980 e início dos anos
1990. Adicionalmente, e segundo o Banco Mundial, se tratava de um modelo hierárquico de extensão, que
se centraria exclusivamente na tecnologia e que transmitiria aos agricultores, com rigorosa periodicidade,
mensagens selecionadas e oportunas (Banco Mundial, 1996d: 2).
10
Ver, por exemplo, Chambers (1983), Chambers, Pacey & Thrupp (1989) e Cernea (1985).
11
Mais detalhes sobre estas abordagens podem ser encontrados em Sánchez de Puerta (1996).
12
Há registros de que a entidade ambientalista pioneira no Brasil foi a União Protetora da Natureza –
UPN, fundada em 1950 por Henrique Roessler.
13
Observe-se que a questão-chave com que Schumacher inicia sua reflexão é absolutamente atual.
Já no prefácio do citado livro, ele pergunta: “Vamos seguir aferrando-nos a um estilo de vida que,
crescentemente, esvazia o mundo e devasta a natureza por meio de sua ênfase excessiva nas satisfações

99
Como podemos observar, não é de hoje que os modelos convencionais de desenvolvimento
e de desenvolvimento agrícola e rural vêm sendo criticados. Entretanto, a força construtiva dos
enfoques orientados à sustentabilidade passaria a tornar-se sem retorno a partir de 1971, com a
publicação de Blueprint for survival, documento-chave nas discussões da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972. Posteriormente,
teríamos a publicação do livro The limits of growth (Limites do crescimento), por Meadows e sua
equipe. Esta obra já alertava sobre a impossibilidade de conciliar as políticas de promoção do
crescimento econômico com a necessária proteção ao meio ambiente, pregando a necessidade de
se estabelecer um “estado de equilíbrio global”, mediante o controle das forças que tendiam a
aumentar ou diminuir a população e o capital (Meadows et al., 1978). Confirmando suas teses
iniciais, Meadows e seus colegas publicariam, em 1991, Beyond the limits of growth (Mais além
dos limites ao crescimento), onde afirmam que as conclusões de 1972 não previam uma
catástrofe, mas pretendiam lançar o desafio de “como alcançar uma sociedade materialmente
suficiente, socialmente eqüitativa e ecologicamente perdurável, mais satisfatória em termos
humanos que a sociedade de nossos dias, obcecada pelo crescimento econômico” (Meadows et
al., 1994: 21)14.
Estas primeiras advertências foram, daí para a frente, seguidas de muitas outras que
nasceram como resultado de estudos e conferências sobre desenvolvimento e meio ambiente, o
que pode ser visualizado, em parte, no resumo apresentado no quadro a seguir:

Quadro1 – Eventos e alertas de advertência sobre a insustentabilidade dos processos de


desenvolvimento convencional
Ano Obras/Eventos Repercussões/Alertas
1962 • “Primavera silenciosa” (Rachel • Impactos dos agrotóxicos (organo-clorados)
Carson) sobre a saúde e o meio ambiente (cadeias
tróficas).
1970 a • Primeiro trabalho do Clube de • Primeiros estudos “oficiais” (modelagem)
1972 Roma • É impossível o crescimento econômico infinito
- “Blueprint for survival” (Dennis com recursos naturais finitos.
e Donella Meadows). • Alertas para a necessidade de outro enfoque de
- “Limites do crescimento” desenvolvimento, menos agressivo ao meio
(Meadows et al.) ambiente.
1972 • Conferência de Estocolmo • Sociedades ricas “descobrem” a existência de
um só mundo.
• A culpa é dos subdesenvolvidos.
• Criação do PNUMA.
1973 • “Small is beautiful” (E. F. • O desenvolvimento pode ser sustentável se for
Schumacher)) – Traduzido baseado na pequena propriedade. É viável
para “El pequeño es hermoso” economicamente e mais integrado à natureza.
e “O negócio é ser pequeno”
1974 • Segundo trabalho do Clube de • As crises atuais não são passageiras e suas
Roma soluções só podem ser alcançadas no contexto
- ”La humanidad ante la do sistema mundial.
encrucijada” (Mihahjlo • A busca de solução exige cooperação e a
Mesarovic) adoção de estratégias não tradicionais
1976 • Terceiro trabalho do Clube de • As soluções requerem uma “nova ética global”,
Roma (Jan Tinbergen) baseada na “cooperação”.
1980 • Informe Global 2000 • Diagnóstico: a vida no planeta está ameaçada.

materiais, ou vamos empregar os poderes criativos da ciência e da tecnologia, sob controle da sabedoria, na
elaboração de formas de vida que se enquadrem dentro das leis inalteráveis do universo e que sejam
capazes de atender as mais altas aspirações da natureza humana?” (Schumacher, 1983).
14
Para mais detalhes sobre os informes do Clube de Roma, ver Tamames (1995).

100
(encomendado pelo • Conclusão: o modelo de desenvolvimento não é
Presidente Carter – EUA) extensível. O estilo de vida do “norte” não pode
chegar a todos, pois o planeta não suportaria.
1987 • Informe Brundtland (Nosso • Conceito oficial de Desenvolvimento Sustentável
Futuro Comum) da CMMAD (proposições ainda centradas no crescimento
econômico).
1992 • Rio 92 (Conferência sobre • Carta da Terra
Meio Ambiente e - Agenda 21 (Código de comportamento para o
Desenvolvimento) século XXI).
• Carta Climática
- Ações para evitar os efeitos da mudança em
andamento.
• Acordo sobre Biodiversidade
1996 • “Our stolen future” (Colborn et • Novos estudos que comprovam os impactos dos
al., 1996) – Traduzido para “O agrotóxicos e outros agentes químicos sobre a
futuro roubado” (1997). saúde humana e animal.

1996 • Conferência da Alimentação •


FAO e Banco Mundial: há alimentos para todos.
(Roma) O problema é de distribuição e de capacidade de
acesso aos alimentos.
• Meta: reduzir a fome de 50% dos famintos até
2025.
1997 • Rio + 5 • Alerta: “nada mudou”.
2002 • Rio + 10 (Conferência de • A ser realizada em setembro, suscita a retomada
Johanesburg) dos debates.
Fonte: elaboração própria a partir de Caporal (1998)

Novos estudos e contribuições, decorrentes das novas visões sobre o processo de


desenvolvimento, passaram a incorporar, de forma cada vez mais evidente, a problemática da
sustentabilidade. Mais especificamente sobre o desenvolvimento rural, foram sendo construídas e
propostas alternativas aos modelos convencionais, ainda que no âmbito da tecnocracia mundial
passasse a prevalecer o que alguns autores (Alonso Mielgo y Sevilla Guzmán, 1995) chamam de
enfoque ecotecnocrático do desenvolvimento sustentável. A FAO, por exemplo, adotou, desde
1988, o conceito de desenvolvimento sustentável como “o manejo e a conservação da base dos
recursos naturais e a orientação da mudança tecnológica e institucional, de maneira que assegure
a contínua satisfação das necessidades humanas das atuais e futuras gerações. O
desenvolvimento sustentável é aquele que (nos setores agrícola, florestal e pesqueiro) conserva a
terra, a água, os recursos genéticos vegetais e animais; é ambientalmente não degradante,
tecnicamente apropriado, economicamente viável e socialmente aceitável” (FAO, 1995b).
Conforme esta Organização, para que se possa alcançar os objetivos da Agricultura e
Desenvolvimento Rural Sustentável (ADRS), a maior parte dos países em desenvolvimento não
terá outra opção senão a de intensificar a agricultura (AS-PTA, 1992), o que colocava em suspeita
a real possibilidade de se alcançar níveis mais elevados de sustentabilidade na agricultura de tais
países15.
Por sua parte, ainda na esfera institucional-burocrática, o Banco Mundial proporia o
desenvolvimento sustentável como aquele que é capaz de atender a três objetivos centrais e

15
Reunidos na Holanda, em 1992, representantes de ONG’s criticaram o conceito adotado pela FAO,
afirmando que a primeira opção, pela intensificação através da especialização, não é sustentável e levaria a
uma reprodução dos erros do passado, enquanto a segunda opção, pela intensificação mediante a
diversificação, somente seria válida se se entender “intensificação” como “otimização”, e não como
“maximização” do uso da terra e para o aumento da produção (AS-PTA, 1992). Apesar das críticas
recebidas, a FAO manteve o conceito de ADRS (ver FAO, 1994 e 1995b).

101
mutuamente relacionados, a saber: o crescimento econômico, a diminuição da pobreza e o manejo
ambientalmente saudável dos recursos naturais. Contudo, conforme a conceituação do próprio
Banco Mundial, quando julgado necessário e desejável, seria admissível aceitar “trade-offs”
(intercâmbios) entre os objetivos de crescimento, alívio da pobreza e manejo ambiental sadio
(Pezzey, 1992), o que demonstra uma visão equivocada, resultante do viés ecotecnocrático antes
referido. Nessa mesma linha, organizações regionais, a exemplo do IICA, definem a
sustentabilidade da agricultura e dos recursos naturais como “o uso dos recursos biofísicos,
econômicos e sociais segundo sua capacidade, em um espaço geográfico, para, através de
tecnologias biofísicas, econômicas, sociais e institucionais, obter bens e serviços, diretos e
indiretos da agricultura e dos recursos naturais, para satisfazer as necessidades das gerações
presentes e futuras” (IICA, 1992: 29-30).
Seguindo o esforço de construção de um conceito orientador, a Conferência sobre
Desenvolvimento Sustentável das Américas, que reuniu representantes dos países americanos em
Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), afirma que a “sustentabilidade exige, primeiro e sobretudo, um
conjunto de princípios e práticas que tratem, de modo equilibrado, as dimensões econômicas,
sociais e ambientais do desenvolvimento”, alertando, entretanto, que “o desenvolvimento
sustentável não supõe que todos os países se encontrem no mesmo nível de desenvolvimento,
nem que adotem critérios uniformes para alcançá-lo”. Isto é, ainda que o desenvolvimento
sustentável exija responsabilidades de todos, estas são, por sua vez, diferenciadas, dadas as
tendências e problemas existentes em cada país. Não obstante, os chefes de Estado reconheciam
que “sem um combate decisivo à pobreza, será impossível proteger a integridade do sistema
natural que nos sustenta”, já que “tentar proteger nossos sistemas ecológicos, desconhecendo as
necessidades humanas, constitui uma impossibilidade política, moral e prática”. Portanto, a
estratégia central para o “Desenvolvimento Sustentável das Américas”, além de aperfeiçoar a
legislação, deve “promover e fortalecer a participação cidadã”, assim como “melhorar o acesso
popular ao conhecimento e às tecnologias” (OEA, 1996).
Como podemos ver, ao longo das últimas décadas e a partir da trajetória clássica do
desenvolvimentismo, passaria a ocorrer a conseqüente construção de correntes do tipo
ecotecnocrático, originando, desde então, mais de cem conceitos já catalogados sobre
sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. Por outro lado, a partir da crítica ao modelo
convencional de desenvolvimento, vamos encontrar outras escolas de pensamento que se
contrapõem aos pressupostos antes enunciados e que, a partir do resgate histórico da questão
camponesa e de uma nova visão da relação entre a Agronomia e a Ecologia, passariam a
estabelecer as bases para sustentar uma nova construção paradigmática: a Agroecologia.

3 Construção teórica da Agroecologia

3.1 Gênese e emergência da ciência da Agroecologia

Fugindo do âmbito das correntes teóricas convencionais do Consenso, a ciência da


Agroecologia nasce como uma escola que se adere à perspectiva sociológica do Conflito16, tendo
sua construção baseada no pensamento social alternativo e em elementos, recolhidos de
diferentes ciências, que se fazem necessários para a sua construção enquanto enfoque científico:
um novo paradigma. Ainda que não seja aqui o lugar para resgatar o “Estado da Arte” da
Agroecologia (Altieri, 1995), vale mencionar pelo menos alguns dos aportes que vêm sendo
buscados para a construção desta nova e emergente Ciência. Poderíamos iniciar fazendo
referência aos autores que identificam a gênese da Agroecologia no movimento narodnista russo
e/ou no neo-populismo russo17. No primeiro caso, estes autores destacam a presença de uma

16
Ver Havens, 1972.
17
“Durante os séculos XVIII e XIX, teve lugar, desde uma perspectiva científica, o que se poderia
definir como a gênese do pensamento social agrário”. Iniciando-se “uma tradição intelectual na qual se

102
ênfase na defesa das comunidades e suas formas de autonomia18 e, no segundo caso, destacam
as aportações da Escola da Organização da Produção e do Programa de Agronomia Social19, o
qual, para alguns autores, constituiria a gênese da verdadeira Extensão Rural20. Esta gênese e os
primeiros passos na construção do enfoque Agroecológico já foram bem detalhados por Sevilla
Guzmán (1990; 1995b). cabendo aqui apenas resgatar alguns de seus principais aspectos.
Mais recentemente, a partir de um enfoque culturalista, encontramos contribuições da
análise antropológica que propõem o resgate de conhecimentos e saberes locais (indígenas,
camponeses) como forma de assegurar que a intervenção humana nos agroecossistemas e o
desenvolvimento da agricultura respeitem os aspectos culturais. Autores ligados a este enfoque
entendem que, historicamente, uma coevolução dos sistemas social e biológico assegurou uma
sustentabilidade relativa dos sistemas agrícolas tradicionais, o que teria sido rompido pela
introdução da agricultura moderna. A reconstrução de processos de produção agrícola
sustentáveis recomendaria, portanto, que se partisse do conhecimento das anteriores formas de
coevolução do homem e da natureza (Norgaard, 1984; 1989).
Outras contribuições à formulação do paradigma agroecológico vêm sendo recolhidas da
Economia Ecológica que, a partir da crítica à economia convencional, propõe uma revisão
profunda em conceitos-chave da agricultura moderna, como rentabilidade ou produtividade física
por unidade de área ou de mão-de-obra, sugerindo, por exemplo, que a sustentabilidade dos
sistemas agrícolas deve ter em conta tanto as externalidades como os balanços energéticos da
produção agrícola. Assim mesmo, a Economia Ecológica contribui à Agroecologia quando
incorpora em suas análises as Leis da Termodinâmica, para provar que, sob o ponto de vista
energético, a agricultura convencional apresenta menor produtividade que a agricultura tradicional,

misturam o ativismo político e a análise social, conhecida genericamente como o populismo russo” (Sevilla
Guzmán, 1995b).
18
Reiterando a importância da “práxis intelectual e política” do populismo russo, em sua luta contra o
capitalismo, ainda no século XIX, aparecem orientações em defesa do “desenvolvimento rural local”. São
daquela época orientações estratégicas que alertavam para os riscos das formas de dominação e
submissão que uma minoria vinha exercendo sobre o povo, “mediante falsas fórmulas de participação”,
criando obstáculos para o “desenvolvimento físico, intelectual e moral do indivíduo” e estimulando a
competitividade, de forma a romper com os laços de solidariedade característicos do campesinato. Na
mesma linha de ação, esta corrente sugeria a extensão das relações sociais de tipo coletivo, recomendando
aos intelectuais que fossem “fundir-se ao povo”, para desenvolver “com ele, em pé de igualdade, formas de
cooperação solidária” que permitissem o progresso com inclusão social. Nessa perspectiva, os populistas
russos, ao contrário dos marxistas clássicos, defendiam a passagem direta ao socialismo, sem ter que
descer ao “inferno do capitalismo” e, para isso, propunham um modelo de desenvolvimento que tivesse o
campesinato como elemento central. O populismo russo, portanto, se negava a pagar um preço elevado pelo
progresso, como a perda de vidas humanas ou a destruição do meio ambiente, afirmando que era preciso
fortalecer o “estado de solidariedade” entre os camponeses, pois a solidariedade se constituiria numa
resistência contra a “natureza competitiva do capitalismo”. Nasceria, a partir dessas orientações, a proposta
de “ida ao povo”: uma práxis política e intelectual (anos sessenta do século XIX) que recomendava a
realização de um “intercâmbio simétrico” entre camponeses e intelectuais. Para os seus seguidores, a
autêntica reabilitação da ciência se daria não só pelos livros, mas também pelo que poderiam os intelectuais
aprender com o povo (Sevilla Guzmán, 1990; 1995b). Na seqüência desta tradição, e ainda de acordo com
Sevilla Guzmán (1990), aparecem os chamados “anarquistas agrários”, para quem os valores éticos,
igualitários e morais deveriam anteceder e subordinar a tecnologia e o progresso. Eles propugnavam pela
defesa “da propriedade coletiva com posse individual, combinada com a exigência de auto-regulação política
a escala local”.
19
Por volta dos anos 1920, Alexander Chayanov e a corrente neo-populista desenvolveram a sua
proposta de Agronomia Social, propondo que os próprios camponeses deveriam definir, de baixo para cima,
seus modelos de desenvolvimento. Ademais, propugnavam pelo progresso técnico na agricultura a partir das
formas existentes e em perfeita sintonia com o progresso sócio-econômico e cultural das famílias
camponesas. Ver Chayanov (1974; 1987), Sevilla Guzmán (1990), Shanin (1988), Sánchez de Puerta
(1994), Sánchez de Puerta y Sevilla Guzmán (1987).
20
Ver Sánchez de Puerta y Sevilla Guzmán (1987), Sánchez de Puerta (1994).

103
sendo, pois, insustentável no médio e longo prazos21. Em linha similar, a Ecologia Política trata de
mostrar os descompassos entre o que chamamos de “desenvolvimento” e os resultados negativos
em termos ambientais e sociais gerados pelas estratégias desenvolvimentistas. Daí que o enfoque
agroecológico não pode restringir-se aos processos locais e à agricultura, mas deve considerar
uma dimensão local vinculada a uma visão global das estratégias e políticas voltadas para o
desenvolvimento.
Estas construções teóricas levariam o professor Joan Martínez Alier, da Universidade
Autônoma de Barcelona, a desenvolver sua tese sobre o Ecologismo Popular ou Ecologismo dos
Pobres. Conforme argumenta esse autor, “os movimentos sociais dos pobres são lutas pela
sobrevivência, e são, portanto, movimentos ecologistas (qualquer que seja o idioma no qual se
expressam), pois seus objetivos são as necessidades ecológicas para a vida: energia (...), água e
ar limpos, espaço para morar. Também são movimentos ecologistas porque habitualmente tratam
de manter ou devolver os recursos naturais à economia ecológica, fora do sistema de mercado
generalizado, da valoração crematística22, da racionalidade mercantil, o que contribui para a
conservação dos recursos naturais já que o mercado os subvaloriza” (Martínez Alier, 1994).
Numa perspectiva mais agronômica, vinda de outra vertente que contribui para a formação
do paradigma agroecológico, vamos encontrar as contribuições recolhidas de uma nova
aproximação entre a Agronomia e a Ecologia, dois campos de estudo até agora pouco explorados
em suas complementaridades, cuja interação pode gerar conhecimentos relevantes na ótica da
intervenção humana no manejo de agroecossistemas sustentáveis. Como lembra Stephen
Gliessman, embora esta aproximação já venha ocorrendo ao longo da história da ciência, “apenas
recentemente foi devotada mais atenção à análise ecológica da agricultura”, sendo que “uma das
primeiras ocasiões de cruzamento fértil entre a Ecologia e a Agronomia ocorreu no final dos anos
1920, com o desenvolvimento do campo da ecologia de cultivos” (Gliessman, 2000: 51-2). Não
obstante, a reorientação dos enfoques de pesquisa acabou determinando um viés funcional, onde
os conhecimentos ecológicos, via de regra, serviam apenas para estabelecer os momentos de
intervenção do homem nos campos de cultivo, a fim de buscar, de forma artificial, o reequilíbrio
temporário das interações solo-planta-insetos-patógenos.
Incorporando parte dos conceitos antes enunciados e apresentando-se como contraponto à
crise socioambiental, nasceria, no início dos anos 1980, o conceito de Ecodesenvolvimento. Para o
professor Ignacy Sachs, um dos teóricos mais proeminentes dessa corrente, o
Ecodesenvolvimento corresponde a um estilo de desenvolvimento socialmente desejável,
economicamente viável e ecologicamente prudente. Elementos deste estilo de desenvolvimento
estariam presentes nas formas de racionalidade camponesa, razão pela qual se deveria buscar,
junto aos agricultores, as potencialidades naturais e culturais capazes de dar sustentação a outro
estilo de desenvolvimento. Também está presente na noção de Ecodesenvolvimento a
necessidade de respeitar os ciclos naturais; reutilizar resíduos, para minimizar o desperdício
energético; e buscar a diversificação das atividades, para alcançar a desejada e tão necessária
complementaridade ecológica, oposta ao monocultivo e à especialização. Nesta perspectiva, o
Ecodesenvolvimento se opõe à racionalidade puramente mercantilista e selvagem dos modelos
convencionais, ao adotar a proteção ao meio ambiente como um critério horizontal das orientações
para o desenvolvimento, ao lado de outras dimensões fundamentais, como a cultural, a econômica
e a social, que devem estar presentes em qualquer projeto que vise o desenvolvimento sustentável
(Sachs, 1981; 1986).
Outra importante contribuição ao enfoque agroecológico vem da chamada corrente “neo-
marxista”. Alguns de seus adeptos rompem com a idéia de unilinearidade do processo de
desenvolvimento, propondo uma redefinição de dicotomias do tipo tradicional-moderno.
Recuperam, ademais, a necessidade de se partir da análise de situações reais, onde se
expressam formas concretas de produção e processos de trabalho nas quais a tecnologia joga um

21
Ver Martínez Alier (1994; 1995) e Martínez Alier y Schlüpmann (1992).
22
A palavra crematística é utilizada na Economia Política e se refere ao estabelecimento de preços
das mercadorias.

104
papel central. Como assinala Sevilla Guzmán, “Este tipo de análise parte do suposto de que as
diferentes formas de exploração aparecem como articulação de distintos processos de trabalho e
que cada um destes processos mantém relações específicas de apropriação da natureza, ou
relações ecológicas (...). Portanto, em cada processo de trabalho os homens estabelecem uma
relação específica com o meio ambiente, que pode ser depredadora ou restauradora do equilíbrio
ecológico (...), e isto depende, em boa medida, do caráter das relações de produção” (Sevilla
Guzmán, 1995b: 41-2). Tal perspectiva ecossociológica leva os Agroecólogos a considerar a força
das relações de produção como determinante dos processos de reprodução social e das
respectivas formas de apropriação ecológica e social dos recursos naturais. Daí porque, sob a
perspectiva que aqui defendemos, a Agroecologia não pode ser reduzida a um conjunto de
técnicas agronômicas aplicadas à agricultura, mas precisa ser entendida como um enfoque
científico capaz de oferecer, também, as ferramentas para a comparação entre diferentes formas
de produção e suas respectivas lógicas de reprodução social e de apropriação da natureza.
Por isso, para ajudar no entendimento acerca dos processos sócio-econômicos e culturais
antes mencionados, o enfoque agroecológico recolhe contribuições mais recentes dos Estudos
Camponeses, como as oferecidas pelo professor mexicano Víctor Manuel Toledo. Seus estudos
mostram que as formas de exploração camponesa e capitalista apresentam resultados
diferenciados, tanto sob o ponto de vista ecológico como sob o ponto de vista social. “A produção
camponesa sempre implica na combinação de valor de uso e valor de troca, razão pela qual o
camponês, como produtor rural e consumidor, é afetado por processos naturais e pelas ativas
forças do mercado” (Toledo citado por Sevilla Guzmán, 1995b: 43)23. O modo de produção
capitalista, ao contrário, se orienta simplesmente pelo máximo benefício e pela lógica do lucro, o
que conduz a uma relação anti-ecológica entre o homem e a natureza24.
Ademais, Toledo proporia o que considera como a base para um novo paradigma,
formulando a seguinte hipótese: “Em contraste com os mais modernos sistemas de produção rural,
as culturas tradicionais tendem a implementar e desenvolver sistemas ecologicamente corretos
para a apropriação dos recursos naturais” (Toledo, 1993). Os trabalhos de Toledo, que vêm
contribuindo para a construção do paradigma Agroecológico, destacam características do modo de
produção camponês, muitas delas presentes na nossa agricultura familiar tradicional, tais como: a)
uma auto-suficiência relativamente alta na produção. As unidades familiares aparecem como
unidades de produção e consumo, onde predomina a produção de valores de uso sobre a
produção de valores de troca; b) a predominância do trabalho familiar, uma reduzida adoção de
insumos externos e um reduzido uso de combustíveis fósseis; c) a unidade familiar funciona como
lugar de produção, de consumo e de reprodução social e econômica; d) a produção combinada de
valores de uso e de mercadorias (valores de troca) é orientada pela lógica da reprodução da
unidade familiar; e) por dispor de pouca terra e por razões tecnológicas, ainda que tenha na
agricultura sua principal atividade, a subsistência, por vezes, depende de atividades agrícolas ou
não agrícolas dentro e/ou fora da propriedade (Toledo, 1993)25.

23
Outra importante contribuição dos estudos camponeses, que tem alimentado o enfoque
agroecológico, vem dos trabalhos antropológicos realizados por Angel Palerm, a quem é dado um lugar de
destaque na construção “epistemológica precursora da Agroecologia atual” (Sevilla Guzmán, 1995b: 45).
Conforme Palerm, ao contrário das teorias que defendiam o fim do campesinato, o que se necessita é uma
“teoria de sua continuidade e uma práxis derivada de sua permanência histórica”. Ademais, diz ele, o “futuro
da organização da produção agrícola parece depender de uma nova tecnologia, centrada no manejo
inteligente do solo e da matéria viva, por meio do trabalho humano, utilizando pouco capital, pouca terra e
pouca energia inanimada. Este modelo, antagônico ao da empresa capitalista, já tem sua proto-forma no
sistema camponês” (Palerm, 1980).
24
Daí que autores, como O’Connor (1990), vêm insistindo na análise do que identificam como a
“segunda contradição do capitalismo”, ou seja, a condição inerente de destruição da base de recursos da
qual depende. Tais interpretações levariam à conclusão de que a acumulação capitalista é, por definição,
antiecológica.
25
Contribuições similares são proporcionadas por Raul Iturra, em seu texto “Letrados y Campesinos”,
ao afirmar que “O saber do campesinato se aprende na heterogênea ligação entre grupo doméstico e grupo

105
Assim, ao contrário das teorias convencionais que defendem a idéia de que o
desenvolvimento é fruto de uma mudança sociocultural e tecnológica introduzida desde fora das
sociedades e grupos sociais, o enfoque agroecológico entende que a busca do desenvolvimento
deve partir de uma estratégia centrada no “desenvolvimento endógeno”, mas não isolado da
sociedade maior. Neste sentido, a Agroecologia defende a necessidade de que as estratégias de
desenvolvimento rural considerem o potencial endógeno, tanto ecológico como humano, assim
como suas relações com os sistemas econômicos. Significa então que, teórica e
metodologicamente, a Agroecologia parte dos marcos sociais da unidade familiar de produção e
das comunidades, dos grupos, das cooperativas e de outras formas de cooperação e
sociabilização em que estejam organizados os agricultores. “A agricultura familiar é, portanto, o
locus privilegiado de atores capazes de construir estratégias sustentáveis”, já que, como sustenta
Iturra, “as unidades familiares têm o controle sobre os meios de produção, sobre a terra, sobre os
saberes e, em geral, sobre os processos de trabalho, quer dizer, exercem o controle sobre os
mecanismos de produção e, eventualmente, de todos ou de parte dos mecanismos de reprodução”
(Iturra citado por Sevilla Guzmán, 1995a: 14). Esta centralidade na dimensão local da agricultura
vem acompanhada de uma necessária visão sistêmica que recoloque, dialeticamente, o local em
relação ao mundo em que este está imerso.
Não menos importantes nesta construção paradigmática são as contribuições metodológicas
vindas dos enfoques centrados no desenvolvimento local ou endógeno, assim como aquelas
trazidas por certos enfoques de sistemas agrários26. Neste sentido, são buscadas orientações
metodológicas desenvolvidas ainda na década de 1960, por Paulo Freire (1975; 1983), como a
Investigação-Ação Participante (IAP), ou de importantes autores, como Orlando Fals Borda (1980),
que recomendam, como método de intervenção, um enfoque de IAP capaz de combinar pesquisa
científica, educação de adultos e ação política, de modo a buscar a construção de conhecimentos
capazes de elevar o poder dos grupos sociais explorados. Ademais, sugerem que, mediante estas
metodologias, é possível transformar os grupos sociais em protagonistas dos processos de
desenvolvimento, a partir da defesa dos seus interesses de grupo. Teórica e metodologicamente, é
básico para o paradigma agroecológico compreender o conjunto destas orientações, pois elas
apontam para estilos de desenvolvimento centrados na participação que, por sua vez, se traduzem
como uma resposta endógena e dialética mais adequada à construção de processos de busca de
patamares superiores de sustentabilidade. Dito em outras palavras, no enfoque agroecológico o
desenvolvimento local deve assentar-se sobre uma posição sócio-política construída a partir de
valores, capacidades, conhecimentos e elementos culturais dos grupos sociais organizados e
implicados nos processos de desenvolvimento.
Nesta perspectiva, o conhecimento local torna-se um elemento central, assim como são
centrais e devem ser respeitadas as matrizes culturais dos diferentes grupos sociais. Por isso
mesmo, a intervenção dos agentes externos deve ocorrer mediante metodologias de investigação–
ação participativa capazes de desvendar o potencial endógeno e fortalecer as estratégias
sustentáveis já existentes27, ao mesmo tempo em que vão sendo gestadas e desenvolvidas novas
estratégias a partir da integração do conhecimento científico com o conhecimento local28. Estas
estratégias devem partir sempre da identidade socioambiental presente na realidade, a qual se

de trabalho (...). O conhecimento do sistema de trabalho, a epistemologia, é resultado desta interação, onde
a lógica indutiva é aprendida na medida em que se vê fazer e se escuta, para poder dizer, explicar e
devolver o conhecimento nas relações de parentesco e vizinhança. Este autor, comparando o saber dos
camponeses ao saber letrado, afirma que a conduta reprodutiva rural é resultado de uma acumulação que
não se faz nos textos, senão diretamente sobre as pessoas e os laços que tecem” (Iturra, 1993).
26
Ver Cristóvão (2000), para o primeiro, e Pinheiro (2000), para o segundo caso.
27
Partimos de onde estamos, da realidade concreta, porque ela é resultado de um processo histórico
com raízes socioculturais profundas, o que não pode ser menosprezado ou negado.
28
Sob a perspectiva de uma agricultura mais sustentável, a própria FAO viria a recomendar esforços
de pesquisa que contemplem a preocupação ambiental e a integração desses conhecimentos: “a
reabilitação e restabelecimento da ecologia e a exploração da sinergia dos conhecimentos técnicos
indígenas e a ciência moderna” (Alexandratos, 1995: 408).

106
expressa pelas racionalidades econômica e ecológica, que são cultural e socialmente
determinadas. As estratégias de desenvolvimento rural propostas pela Agroecologia devem
considerar, ademais, o comportamento reprodutivo das unidades familiares de produção não
isoladamente, mas na matriz de seu universo sociocultural, significando que o desenho de
agroecossistemas sustentáveis somente será possível se entendermos os comportamentos
econômico, social, ecológico e cultural presentes na realidade. Adicionalmente, considerando que
as racionalidades econômica e ecológica presentes no conhecimento local são o resultado da
unidade entre agricultura e cultura –unidade esta construída mediante ensinamentos históricos e
métodos de tentativa e erro desenvolvidos no cotidiano das atividades humanas–, a Agroecologia
sustenta a necessidade de uma perspectiva sistêmica e um enfoque holístico, ainda que a
intervenção participativa e localmente intencionada determine alto grau de especificidade para as
estratégias de desenvolvimento rural.
Embora todos os esforços pelo e para o desenvolvimento rural pretendam, como objetivo
final, melhorar o nível de vida da população beneficiária, é óbvio que o marco teórico que orienta
tais esquemas de desenvolvimento é o determinante, em última instância, pela natureza das
estratégias levadas a cabo junto às comunidades rurais. Foi assim quando se implantaram os
padrões e modelos tecnológicos da Revolução Verde, mediante estratégias difusionistas
orientadas pelo pensamento liberal. E será novamente assim quando se pretenda a busca da
hegemonia de outro enfoque, nitidamente orientado para mudanças no modelo de
desenvolvimento e no padrão tecnológico, baseando-se, portanto, nos marcos teóricos do
pensamento conflitivista, que estão na gênese da orientação teórica da Agroecologia.
Entretanto, não param aí as contribuições ao paradigma agroecológico. Miguel Altieri,
Stephen Gliessman, Eduardo Sevilla Guzmán, Manuel González de Molina, Peter Rosset, Gordon
Conway, Enrique Leff, Víctor Manuel Toledo, Clara Nicholls e Jules Pretty29, entre outros
importantes estudiosos, têm prestado inestimável apoio nesta construção coletiva, a partir de
diferentes campos do conhecimento. Assim, destacaríamos, por sua expressão intelectual e
aportação científica, os trabalhos do chileno Miguel Altieri (professor em Berkeley, Califórnia) e do
norte-americano Stephen Gliessman (professor em Santa Cruz, Califórnia). Ambos são os maiores
expoentes do enfoque científico da Agroecologia a partir de uma nova e mais estreita aproximação
da Ecologia com a Agronomia.
Em seus escritos, Altieri, por exemplo, tem definido a Agroecologia como um enfoque teórico
e metodológico que, lançando mão de diversas disciplinas científicas, pretende estudar a atividade
agrária sob uma perspectiva ecológica. A Agroecologia baseia-se no conceito de agroecossistema
como unidade de análise –ultrapassando a visão unidimensional–, tendo como propósito, em
última instância, proporcionar as bases científicas (princípios, conceitos e metodologias) para
apoiar o processo de transição do atual modelo de agricultura convencional para estilos de
agricultura sustentável (ver Figura 1), em suas diversas manifestações e independentemente de
suas denominações. Então, mais do que propriamente uma disciplina específica, a Agroecologia
constitui um enfoque científico que afeta e reúne vários campos de conhecimento (as diversas
setas representam as contribuições que são recolhidas de outras ciências ou disciplinas), uma vez
que “reflexões teóricas e avanços científicos, recebidos a partir de distintas disciplinas”, têm
contribuído para conformar o seu atual corpus teórico e metodológico (Guzmán Casado et al.,
2000: 81). Sob esta perspectiva, o enfoque agroecológico pode ser definido como “a aplicação dos
princípios e conceitos na Ecologia no manejo e desenho de agroecossistemas sustentáveis”, como
nos ensina Gliessman (2000), num horizonte temporal (a seta maior representa a transição como
um processo gradual, contínuo e multilinear através do tempo) que dê cabida à construção e
expansão de novos saberes socioambientais, alimentando assim o processo de transição
agroecológica.

29
Ver, por exemplo, Altieri (1989; 1992; 1994; 1995; 2001), Gliessman (1990; 1995; 1997; 2000),
Pretty (1995;1996), Conway (1997), Conway e Barbier (1990a; 1990b), González de Molina (1992),
González de Molina e Sevilla Guzmán (1993), Carroll, Vandermeer & Rosset (1990), Leff (1994), Toledo
(1990; 1991; 1993), Guzmán Casado, González de Molina y Sevilla Guzmán (2000).

107
Esta definição se expande na medida em que a Agroecologia se nutre de outros campos de
conhecimento e de outras disciplinas científicas, assim como de saberes, conhecimentos e
experiências dos próprios agricultores, o que permite o estabelecimento de marcos conceituais,
metodológicos e estratégicos mais amplos e com maior capacidade para orientar não apenas o
desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis, mas também processos de
desenvolvimento rural sustentável. É preciso deixar bem claro, porém, que a Agroecologia não
oferece, por exemplo, uma teoria sobre Desenvolvimento Rural, sobre Metodologias Participativas,
e tampouco sobre Investigação-Ação Participativa ou sobre Métodos para a Construção e
Validação do Conhecimento Técnico. Mas busca nos conhecimentos e experiências já acumuladas
em Investigação-Ação Participativa, por exemplo, um método de intervenção que, ademais de
manter coerência com as bases epistemológicas da Agroecologia, contribua na promoção das
transformações sociais necessárias para gerar padrões de produção e consumo mais
sustentáveis.

Figura 1. Agroecologia e Sustentabilidade*

Agricultura Agroecologia Agricultura


(princípios, conceitos e
Convencional metodologias) Sustentável

*Esta Figura foi adaptada de Miguel Altieri, conforme esquema por ele apresentado no Curso sobre
“Agroecologia: Enfoque Técnico-Agronômico”, realizado para Extensionistas Rurais da EMATER/RS-
ASCAR, em Sobradinho (RS), 14 a 18.11.2000.

Adicionalmente, é preciso enfatizar que tal processo adquire enorme complexidade, tanto
tecnológica como metodológica e organizacional, dependendo dos objetivos e das metas que se
estabeleçam, assim como do “nível” do processo de transição que nos propomos a alcançar. De
acordo outra vez com Gliessman, podemos distinguir três níveis fundamentais no processo de
transição ou conversão para agroecossistemas sustentáveis. O primeiro diz respeito ao incremento
da eficiência das práticas convencionais para reduzir o uso e consumo de inputs externos caros,
escassos e daninhos ao meio ambiente. Esta tem sido a principal ênfase da investigação agrária
convencional, resultando disso muitas práticas e tecnologias que ajudam a reduzir os impactos
negativos da agricultura convencional. O segundo nível da transição se refere à substituição de
inputs e práticas convencionais por práticas alternativas. A meta seria a substituição de insumos e
práticas intensivas em capital e depredadoras do meio ambiente por outras mais benignas sob o

108
ponto de vista ecológico. Neste nível a estrutura básica do agroecossistema seria pouco alterada,
podendo ocorrer, então, problemas similares aos que se verificam nos sistemas convencionais. O
terceiro e mais complexo nível da transição é representado pelo redesenho dos agroecossistemas,
para que estes funcionem em base a um novo conjunto de processos ecológicos. Nesse caso se
buscaria eliminar as causas daqueles problemas que não resolvidos nos dois níveis anteriores. Em
termos de investigação já foram feitos bons trabalhos em relação à transição do primeiro ao
segundo nível, porém estão recém começando os trabalhos para a transição ao terceiro nível
(Gliessman, 2000: 573-5).
Como se pode perceber, os três níveis da transição agroecológica, propostos por Gliessman,
afastam ainda mais a idéia equivocada de Agroecologia como um tipo de agricultura, um sistema
de produção ou uma tecnologia agrícola, por mais bondosa que esta possa ser. Além disso, estas
breves considerações dão a dimensão exata da complexidade dos processos socioculturais,
econômicos e ecológicos envolvidos e reforçam a natureza científica da Agroecologia, bem como o
seu status de enfoque ou campo de conhecimentos multidisciplinar e orientado pelo desafiante
objetivo de construção de estilos de agricultura sustentável, no médio e longo prazos.

3.2 Agricultura sustentável sob a perspectiva agroecológica

A exigência de novos enfoques de desenvolvimento e de estratégias e políticas condizentes


com o objetivos de sustentabilidade, em todas as suas dimensões, levaram a busca de conceitos
de desenvolvimento rural sustentável e, por conseguinte, de agricultura sustentável. A construção
teórica e os marcos operativos da desejada agricultura sustentável, partem da insuficiência do
modelo modernizador, mas também buscam ensinamentos do período anterior à Revolução
Verde, quando muitos movimentos já se enfrentavam aos danos causados pela introdução da
química e da motomecanização na agricultura. Deste modo, ainda que a consciência ampliada
sobre a insustentabilidade da agricultura moderna seja algo bastante recente, a sua proposição
não é nova, pois em 1912, Hopkins, por exemplo, já falava sobre “agricultura permanente”,
conceito adaptado nos anos 1920 pelo Departamento de Assuntos Internos dos Estados Unidos.
Foi a partir dessa época que, tanto no Japão como em países da Europa, nasceram diversos
movimentos de oposição à agricultura convencional, como os autodenominados natural,
biodinâmico e orgânico. Também são identificados diversos “movimentos rebeldes” nascidos da
oposição à fertilização química e à práticas agrícolas desfavoráveis aos processos biológicos
(Ehlers, 1996). Já nos anos 1930, nasceria nos Estados Unidos o movimento de alerta sobre a
erosão dos solos, tema que seria destaque no informe anual do Departamento de Agricultura
daquele país, em 1938, inaugurando orientações de pesquisas sobre a relação entre as práticas
agrícolas e a ocorrência de erosão do solo. Estas e outras iniciativas, entretanto, foram
minimizadas em sua importância, na medida em que os esquemas de desenvolvimento baseados
na modernização da agricultura passaram a ser dominantes, dando lugar à Revolução Verde e, em
conseqüência, ao aceleramento das transformações na base técnica da agricultura.
Não obstante a força dos modelos modernizantes, ao longo do último meio século,
permaneceram vivas algumas formas de resistência, ao mesmo tempo em que foram feitos muitos
alertas sobre os problemas causados pela modernização30. Na esteira desses alertas e
reconhecendo a gravidade dos problemas, apareceria, em 1989, o informe Agricultura Alternativa,
publicado pelo Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos (NCR, 1989), no qual o
National Research Council indicava problemas gerados pela agricultura modernizada e admitia a
importância das agriculturas tradicionais com respeito à preservação do meio ambiente, assim
como recomendava a realização de pesquisas sobre práticas agrícolas alternativas.
Nesta época, o professor J. M. Davidson, falando a seus colegas, afirmava: “Nós, dos Land-
Grant Colleges, estamos enfrentando muitos dilemas, um dos quais é a desconfiança de grupos e
consumidores interessados pela qualidade dos alimentos, pelos recursos naturais (...). E esta

30
As obras de Carson (1962) e de Schumacher (1972), mencionadas anteriormente, são exemplos
genuínos destes alertas.

109
desconfiança é bem justificada (...), pois, depois das denúncias de Rachel Carson, nós
afirmávamos que os pesticidas não causavam danos ao meio ambiente; agora nós admitimos que
causam. Quando se denunciava a presença de nitratos nas águas subterrâneas, nós
respondíamos que isto era impossível. Entretanto, agora nós admitimos que é possível. Quando
questionados a respeito da presença de pesticidas nos alimentos, nós contestávamos que, se
utilizados nas quantidades recomendadas, os produtos agrícolas estariam livres de pesticidas;
agora nos admitimos que não”. Embora tarde, o reconhecimento do professor Davidson se
constituiria em uma clara demonstração dos efeitos incontrolados das tecnologias agrícolas
“modernas” e, muitas vezes, não reconhecidos nos meios científicos (Pesek, 1994)31.
Como resultado deste debate, foi instituído nos Estados Unidos o programa LISA – Low
Input Sustainable Agriculture (Agricultura Sustentável de Baixos Insumos). Discutia-se, então, a
conveniência de desenvolver conhecimentos necessários para o estabelecimento de uma
agricultura menos dependente de insumos externos, recomendando-se mais pesquisas em
propriedades rurais, com a participação de agricultores (“on farm research” e “on farm
comparisons”) (Pesek, 1994). Nasceria, a partir daí, o que o ILEIA32 define como ASBIE –
Agricultura Sustentável de Baixos Insumos Externos, ou seja, um estilo de agricultura que visa
“obter o máximo resultado do uso dos recursos localmente disponíveis, mediante a combinação de
diferentes componentes do sistema agrário”; buscar “formas de utilizar insumos externos somente
na medida em que se necessita introduzir elementos cuja produção é deficiente no
agroecossistema”; e melhorar os recursos biológicos, físicos e humanos disponíveis (Reijntjes e
outros, 1992; 1995: 21-2) 33.
Por outra parte, nos Estados Unidos da América, uma lei de 1990 (Food, Agriculture,
Conservation and Trade Act) conceituaria a agricultura sustentável como “um sistema integrado de
práticas de cultivo e produção animal com aplicação local específica que, a longo prazo, atenderá
às necessidades humanas de alimentos e fibras, melhorará a qualidade do meio ambiente e a
base dos recursos naturais da qual depende a economia agrícola, fará um uso mais eficiente dos
recursos não renováveis e integrará, quando seja apropriado, ciclos e controles biológicos
naturais; além de sustentar a viabilidade econômica dos estabelecimentos agrícolas e elevar a
qualidade de vida dos agricultores e da sociedade como um todo” (Bird & Ikerd, 1994).
Ainda que não seja este o lugar para uma revisão sobre os conceitos de agricultura
sustentável, podemos ver que, ao longo dos últimos anos, ocorreu um avanço neste esforço de
conceituação. Nesse sentido, vamos encontrar mais tarde o conceito sugerido por Miguel Altieri,
para quem a agricultura sustentável é um modo de fazer agricultura destinado a atender a
necessidade de produção através do tempo, mediante o uso de tecnologias e formas de manejo
ecologicamente adequadas, tais como a diversificação de cultivos, o manejo ecológico do solo e o
controle biológico de pragas. Não se trataria de perseguir a maximização dos rendimentos físicos,
mas sim de buscar a otimização dos sistemas agrícolas como um todo. Ao contrário dos enfoques
economicistas e modernizantes ainda dominantes, o objetivo principal do enfoque agroecológico
não é a intensificação de sistemas agrícolas simplificados e orientados à máxima produtividade
física de determinada monocultura, mas o alcance de maiores colheitas possíveis, de maneira
estável e continuada, a longo prazo. Isso exige que se considere a estabilidade ecológica, a
eqüidade social e a aceitabilidade cultural dos estilos de agricultura a serem implementados
(Altieri, 1994).
Nessa mesma linha de argumentação, Sevilla Guzmán defende que o conceito de
sustentabilidade, quando aplicado à agricultura sob a perspectiva agroecológica, corresponde à
31
Acreditamos que, transportada para os dias atuais, a reflexão do Professor Davidson nos levaria a
pensar de forma crítica sobre a questão dos cultivos e alimentos transgênicos.
32
Centro de Informação sobre Agricultura Sustentável de Baixos Insumos Externos (Holanda).
33
Rivera adota a definição de agricultura sustentável elaborada por Ragland, a partir do conceito de
Desenvolvimento Sustentável do Informe Brundtland (CMMAD, 1992), dizendo que “agricultura sustentável
significa o manejo e a conservação da base de recursos naturais e a orientação para a mudança
tecnológica, para assegurar o atendimento continuado das necessidades humanas por alimentos, água,
abrigo, roupas e combustíveis, para as gerações atuais e futuras” (Rivera, 1991).

110
“condição de um agroecossistema para manter sua produção através do tempo, superando, por
um lado, as tensões e forçamentos ecológicos e, por outro, as pressões sócio-econômicas”. Logo,
a definição agroecológica de sustentabilidade implica um manejo dos recursos naturais que seja,
ao mesmo tempo, ecologicamente sadio, economicamente viável, socialmente justo, culturalmente
adaptável e socioculturalmente humanizado (Sevilla Guzmán, 1995a: 24-5).
Num esforço de síntese, Gliessman afirma que, sob o ponto de vista agroecológico, a
agricultura sustentável é aquela que, partindo de uma compreensão holística dos
agroecossistemas, seja capaz de atender, de maneira integrada, aos seguintes critérios: a) uma
baixa dependência de inputs comerciais; b) o uso de recursos renováveis localmente acessíveis; c)
a utilização dos impactos benéficos ou benignos do meio ambiente local; d) a aceitação e/ou
tolerância das condições locais, antes que a dependência da intensa alteração ou controle do meio
ambiente; e) a manutenção a longo prazo da capacidade produtiva; f) a preservação da
diversidade biológica e cultural; g) a utilização do conhecimento e da cultura da população local; e
h) a produção de mercadorias para o consumo interno e para a exportação (Gliessman, 1990;
2000).
No nosso entendimento, a agricultura sustentável, construída a partir da aplicação dos
princípios e conceitos da Agroecologia, exige, entre outras coisas, o estudo dos fluxos de energia
e materiais inerentes aos processos produtivos, ademais de estudos da biodiversidade existente e
do potencial biótico de cada agroecossistema. Sob o ponto de vista social, a agricultura
sustentável requer que se encare a desigualdade e a exclusão como enfermidades
ecossistêmicas, sugerindo a necessidade de atenção na busca de eqüidade. Além disso, exige
que se tenha sempre presente a necessidade de adoção de metodologias participativas e
democráticas, capazes de favorecer tomadas de decisão compatíveis com a realidade, tanto em
aspectos relativos à produção agrícola, como naqueles que digam respeito aos destinos de um
dado grupo social.

4 Multidimensões da sustentabilidade a partir da Agroecologia

Desde a Agroecologia, a sustentabilidade deve ser vista, estudada e proposta como sendo
uma busca permanente de novos pontos de equilíbrio entre diferentes dimensões que podem ser
conflitivas entre si em realidades concretas34. Nesta ótica, a sustentabilidade pode ser definida
simplesmente como a capacidade de um agroecossistema manter-se socioambientalmente
produtivo ao longo do tempo. Portanto, a sustentabilidade em agroecossistemas (ou, se
preferirmos, em etnoecossistemas, para incluir a dimensão das culturas humanas no manejo dos
ecossistemas agrícolas), é algo relativo que pode ser medido somente ex-post. Sua prova estará
sempre no futuro (Gliessman, 2000). Por esta razão, a construção do desenvolvimento rural
sustentável, a partir da aplicação dos princípios da Agroecologia, deve assentar-se na busca de
contextos de sustentabilidade crescente, alicerçados em algumas dimensões básicas (Figura 2).
No marco desse artigo, entendemos que as estratégias orientadas à promoção da agricultura e do
desenvolvimento rural sustentáveis devem ter em conta, pelo menos, seis dimensões relacionadas
entre si, quais sejam: ecológica, econômica, social (primeiro nível), cultural, política (segundo
nível) e ética (terceiro nível)35. Assim, embora não sendo este um trabalho conclusivo sobre tema
tão complexo, é mister que façamos uma primeira aproximação ao que está subentendido em

34
Aliás, está cada vez mais de moda falar das “novas tecnologias” como algo moderno, indispensável,
portador do progresso e economicamente desejável. No entanto, na maioria das vezes o que é “socialmente
desejável” e/ou “ambientalmente prudente” simplesmente está fora das discussões, interessando pouco
saber quem são os que de fato se beneficiam dessas “novas tecnologias”.
35
Se entendermos o Desenvolvimento Rural Sustentável como uma melhoria crescente destas seis
dimensões, então será mais fácil estabelecer as estratégias necessárias para caminhar-se na direção da
sustentabilidade. O maior desafio, entretanto, está em estabelecer indicadores que sejam capazes de
mostrar os avanços e/ou retrocessos nos níveis de sustentabilidade relativa de um dado agroecossistema.
Por suposto, isto nos remete à necessidade de urgentes esforços de pesquisa para estabelecer indicadores
e metodologias para medi-los, e isso deveria ser feito nas condições reais dos diferentes agroecossistemas.

111
cada uma destas dimensões, destacando alguns aspectos que poderiam ser úteis para na
definição de indicadores para posterior acompanhamento e monitoramento dos contextos de
sustentabilidade alcançados num dado momento.

Figura 2. Multidimensões da sustentabilidade**

Ética

Cultural Política

Ecológica Econômica Social

** Fonte: elaboração própria.

4.1 Dimensão ecológica

A manutenção e recuperação da base de recursos naturais –sobre a qual se sustentam e


estruturam a vida e a reprodução das comunidades humanas e demais seres vivos– constitui um
aspecto central para atingir-se patamares crescentes de sustentabilidade em qualquer
agroecossistema. Portanto, "cuidar da casa” é uma premissa essencial para ações que se queiram
sustentáveis, o que exige, por exemplo, não apenas a preservação e/ou melhoria das condições
químicas, físicas e biológicas do solo (aspecto da maior relevância no enfoque agroecológico),
mas também a manutenção e/ou melhoria da biodiversidade, das reservas e mananciais hídricos,
assim como dos recursos naturais em geral. Não importa quais sejam as estratégias para a
intervenção técnica e planejamento do uso dos recursos –uma microbacia hidrográfica, por
exemplo–, mas importa ter em mente a necessidade de uma abordagem holística e um enfoque
sistêmico, dando um tratamento integral a todos os elementos do agroecossistema que venham a
ser impactados pela ação humana. Ademais, é necessário que as estratégias contemplem a
reutilização de materiais e energia dentro do próprio agroecossistema, assim como a eliminação
do uso de insumos tóxicos ou cujos efeitos sobre o meio ambiente são incertos ou desconhecidos
(por exemplo, os OGMs – Organismos Geneticamente Modificados). Em suma, o conceito de
sustentabilidade inclui, em sua hierarquia, a noção de preservação e conservação da base dos
recursos naturais como condição essencial para a continuidade dos processos de reprodução
sócio-econômica e cultural da sociedade, em geral, e de produção agropecuária, em particular,
numa perspectiva que considere tanto as atuais como as futuras gerações.
Como sugestão de alguns aspectos relacionados à dimensão ecológica que podem ajudar
na definição de indicadores, poderíamos citar: a) conservação e melhoria das condições físicas,
químicas e biológicas do solo; b) utilização e reciclagem de nutrientes; c) incremento da

112
biodiversidade funcional; d) redução do uso de recursos naturais não renováveis; e) proteção dos
mananciais e da qualidade da água; f) redução das contaminações por agrotóxicos; g)
preservação e recuperação da paisagem natural.

4.2 Dimensão social

Ao lado da dimensão ecológica, a dimensão social representa precisamente um dos pilares


básicos da sustentabilidade, uma vez que a preservação ambiental e a conservação dos recursos
naturais somente adquirem significado e relevância quando o produto gerado nos
agroecossistemas, em bases renováveis, também possa ser eqüitativamente apropriado e
usufruído pelos diversos segmentos da sociedade. Ou seja, “a eqüidade é a propriedade dos
agroecossistemas que indica quão equânime é a distribuição da produção [e também dos custos]
entre os beneficiários humanos. De uma forma mais ampla (...), implica uma menor desigualdade
na distribuição de ativos, capacidades e oportunidades dos mais desfavorecidos”. Sob o ponto de
vista temporal, esta noção de eqüidade ainda se relaciona com a perspectiva intrageracional
(disponibilidade de sustento mais seguro para a presente geração) e com a perspectiva
intergeracional (não se pode comprometer hoje o sustento seguro das gerações futuras) (Simón
Fernández e Dominguez Garcia, 2001). A dimensão social inclui, também, a busca contínua de
melhores níveis de qualidade de vida mediante a produção e o consumo de alimentos com
qualidade biológica superior, o que comporta, por exemplo, a eliminação do uso de insumos
tóxicos no processo produtivo agrícola mediante novas combinações tecnológicas, ou ainda
através de opções sociais de natureza ética ou moral. Nesse caso, é a própria percepção de riscos
e/ou efeitos maléficos da utilização de certas tecnologias sobre as condições sociais das famílias
de agricultores que determina ou origina novas formas de relacionamento da sociedade com o
meio ambiente, um modo de estabelecer uma conexão entre a dimensão social e a ecológica, sem
prejuízo da dimensão econômica (um novo modo de “cuidar da casa” ou de “administrar os
recursos da casa”).
Outros aspectos indicativos de êxito ou de fracasso das estratégias orientadas pela
dimensão Social, poderiam ser: a) produção de subsistência (quali-quantitativa) nas comunidades
rurais; b) auto-abastecimento local e regional; c) qualidade de vida da população rural; d) acesso à
educação; e) acesso à serviços de saúde e previdência social; f) auto-estima das famílias rurais; g)
adesão à formas de ação coletiva baseadas em processos participativos.

4.3 Dimensão econômica

Estudos têm demonstrado que os resultados econômicos obtidos pelos agricultores são
elementos-chave para fortalecer estratégias de Desenvolvimento Rural Sustentável. Não obstante,
como está também demonstrado, não se trata somente de buscar aumentos de produção e
produtividade de cultivos e criações a qualquer custo, pois eles podem ocasionar reduções de
renda e dependências crescentes em relação a fatores externos, além de danos ambientais que
podem resultar em perdas econômicas no curto ou médio prazos. Ademais, a sustentabilidade de
agroecossistemas supõe a necessidade de obter-se balanços energéticos positivos nos cultivos e
criações, sendo necessário compatibilizar a relação entre produção agropecuária e consumo de
energias não renováveis. Aliás, como bem nos ensina a Economia Ecológica, a insustentabilidade
de agroecossistemas pode se expressar pela obtenção de resultados econômicos favoráveis às
custas da depredação da base de recursos naturais que são fundamentais para as gerações
futuras, o que põe em evidência a estreita relação entre a dimensão econômica e a dimensão
ecológica. Por outro lado, a lógica presente na maioria dos segmentos da agricultura familiar nem
sempre se manifesta apenas através da obtenção de lucro, mas também por outros aspectos que
interferem em sua maior ou menor capacidade de reprodução social. Por isso, há que se ter em
mente, por exemplo, a importância da produção de subsistência, assim como a produção de bens
de consumo em geral, que não costumam aparecer nas medições monetárias convencionais, mas
que são importantes no processo de reprodução social e nos graus de satisfação dos membros da

113
família. Igualmente, a soberania e a segurança alimentar de uma região se expressam também na
adoção de estratégias baseadas em circuitos curtos de mercadorias e no abastecimento regional e
microrregional, não sendo possível, portanto, desconectar a dimensão econômica da dimensão
social.
Outros aspectos que poderíamos utilizar para o estabelecimento de indicadores, são: a)
melhoria da renda familiar; b) garantia da produção de alimentos; c) estabilidade na produção e
produtividade; d) redução das externalidades negativas que implicam em custos para a
recuperação do agroecossistema; e) redução nos gastos com energia não renovável e insumos
externos; f) ativação da economia local e regional; g) agregação de valor à produção primária; h)
presença de estratégias de pluriatividade.

4.4 Dimensão cultural

Na dinâmica dos processos de manejo de agroecossistemas –dentro da perspectiva da


Agroecologia– deve-se considerar a necessidade de que as intervenções sejam respeitosas para
com a cultura local. Os saberes, os conhecimentos e os valores locais das populações rurais
precisam ser analisados, compreendidos e utilizados como ponto de partida nos processos de
desenvolvimento rural que, por sua vez, devem espelhar a “identidade cultural” das pessoas que
vivem e trabalham em um dado agroecossistema. A agricultura, nesse sentido, precisa ser
entendida como atividade econômica e sociocultural realizada por sujeitos que se caracterizam por
uma forma particular de relacionamento com o meio ambiente. Esta faceta da dimensão cultural
não pode e não deve obscurecer a necessidade de um processo de problematização sobre os
elementos formadores da cultura de um determinado grupo social. Eventualmente, estes
elementos devem ser relativizados em sua importância, considerando-se as repercussões
negativas que possam ter nas formas de manejo dos agroecossistemas, descartando-se aqueles
procedimentos ou técnicas que não se mostrem adequados nos processos de construção de
novas estratégias na relação sociedade-natureza. Ou seja, práticas culturalmente determinadas,
mas que sejam agressivas ao meio ambiente e prejudiciais ao fortalecimento das relações sociais
e às estratégias de ação social coletiva, não devem ser estimuladas. De qualquer modo,
historicamente a Agricultura foi produto de uma relação estruturalmente condicionada envolvendo
o sistema social (a sociedade, os agricultores) e o sistema ecológico (o meio ambiente, os
recursos biofísicos), o que, em sua essência, traduz-se numa importante base epistemológica da
Agroecologia, tal como nos ensina Norgaard (1989). Mais do que nunca, esse reconhecimento da
importância do saber local e dos processos de geração do conhecimento “ambiental e socialmente
útil” passa a ser crescentemente valorizado em contraponto à idéia ainda dominante, mas em
processo de obsolescência, de que a agricultura poderia ser homegeneizada com independência
das especificidades biofísicas e culturais de cada agroecossistema.
Como elementos que poderiam ser considerados no estabelecimento de indicadores de
sustentabilidade, podemos citar: a) correspondência das técnicas agrícolas com a cultura local; b)
incorporação do conhecimento local nas formas de manejo; c) resgate e aplicação dos saberes
locais sobre a biodiversidade; d) resgate e respeito aos hábitos culturais que tenham relação como
etapas de processos produtivos; e) observação de elementos culturais determinantes da
diversificação da produção e sua relação com segurança alimentar; f) valores culturais e sua
relação com o calendário de trabalho agrícola.

4.5 Dimensão política

A dimensão política da sustentabilidade tem a ver com os processos participativos e


democráticos que se desenvolvem no contexto da produção agrícola e do desenvolvimento rural,
assim como com as redes de organização social e de representações dos diversos segmentos da
população rural. Nesse contexto, o desenvolvimento rural sustentável deve ser concebido a partir
das concepções culturais e políticas próprias dos grupos sociais, considerando-se suas relações
de diálogo e de integração com a sociedade maior, através de representação em espaços

114
comunitários ou em conselhos políticos e profissionais, numa lógica que considera aquelas
dimensões de primeiro nível como integradoras das formas de exploração e manejo sustentável
dos agroecossistemas. Como diz Altieri, sob a perspectiva da produção, a sustentabilidade
somente poderá ser alcançada “no contexto de uma organização social que proteja a integridade
dos recursos naturais e estimule a interação harmônica entre os seres humanos, o
agroecossistema e o ambiente”, entrando a Agroecologia como suporte e com “as ferramentas
metodológicas necessárias para que a participação da comunidade venha a se tornar a força
geradora dos objetivos e atividades dos projetos de desenvolvimento [rural sustentável]”. Citando a
Robert Chambers (1983), o mesmo autor lembra que, assim, espera-se que os agricultores e
camponeses se transformem nos “arquitetos e atores de seu próprio desenvolvimento” (Altieri,
2001: 21), condição indispensável para o avanço do empoderamento dos agricultores e
comunidades rurais como protagonistas e decisores dos rumos dos processos de mudança social.
Nesse sentido, deve-se privilegiar o estabelecimento de plataformas de negociação nas quais os
atores locais possam expressar seus interesses e necessidades em pé de igualdade com outros
atores envolvidos. A dimensão Política diz respeito, pois, aos métodos e estratégias participativas
capazes de assegurar o resgate da auto-estima e o pleno exercício da cidadania.
Entre os aspectos que podem auxiliar no estabelecimento de indicadores de sustentabilidade
referentes à dimensão política, mencionamos: a) presença de formas associativas e de ação
coletiva; b) ambiente de relações sociais adequado à participação; c) existência de espaços
próprios à construção coletiva de alternativas de desenvolvimento; d) marco institucional favorável
à intervenção e participação dos atores sociais locais; e) existência de representação local em
defesa de seus interesses no âmbito da sociedade maior.

4.6 Dimensão ética

A dimensão ética da sustentabilidade está diretamente relacionada com a solidariedade intra


e intergeracional e com novas responsabilidades dos indivíduos com respeito à preservação do
meio ambiente. Não obstante, como tratamos anteriormente, a crise em que estamos imersos é
uma crise socioambiental, até porque a história da natureza não é apenas ecológica, mas também
social. Portanto, qualquer novo contrato ecológico deverá vir acompanhado do respectivo contrato
social. Tais contratos, que estabelecerão a dimensão Ética da sustentabilidade, terão que tomar
como ponto de partida uma profunda crítica sobre as bases epistemológicas que deram
sustentação ao surgimento desta crise. Neste sentido, precisamos ter clareza de que o que está
verdadeiramente em risco não é propriamente a natureza, mas a vida sobre o Planeta, devido à
forma como nos utilizamos dos recursos naturais. Sendo assim, a dimensão ética a que nos
referimos exige pensar e fazer viável a adoção de novos valores, que não necessariamente serão
homogêneos. Para alguns dos povos do norte rico e opulento, por exemplo, a ética da
sustentabilidade tem a ver com a necessidade de redução do sobre-consumo, da hiper-poluição,
da abundante produção de lixo e de todo o tipo de contaminação ambiental gerado pelo seu estilo
de vida e de relação com o meio ambiente. Para nós, do sul, provavelmente a ênfase deva ser em
questões como o resgate da cidadania e da dignidade humana, a luta contra a miséria e a fome ou
a eliminação da pobreza e suas conseqüências sobre o meio ambiente. Ademais, como lembra
Leff (2001: 93), “A ética ambiental vincula a conservação da diversidade biológica do planeta com
respeito à heterogeneidade étnica e cultural da espécie humana. Ambos os princípios se conjugam
no objetivo de preservar os recursos naturais e envolver as comunidades na gestão de seu
ambiente”. Assim, a dimensão ética da sustentabilidade requer o fortalecimento de princípios e
valores que expressem a solidariedade sincrônica (entre as gerações atuais) e a solidariedade
diacrônica (entre as atuais e futuras gerações). Trata-se, então, de uma ética da solidariedade
(Riechmann, 1997) que restabelece o sentido de fraternidade nas relações entre os homens. Na
esteira dessa dimensão, a busca de segurança alimentar inclui a necessidade de alimentos limpos
e saudáveis para todos e, portanto, minimiza a importância de certas estratégias de produção
orgânica dirigida pelo mercado e acessível apenas a uma pequena parcela da população.
Igualmente, esta dimensão deve tratar do direito ao acesso equânime aos recursos naturais, à

115
terra para o trabalho e a todos os bens necessários para uma vida digna. Esta dimensão exige
rever a posição do homem apenas como força de trabalho e consumidor alienado. Aliás, esta
revisão de sentido ético nos faria questionar inclusive certas posições dos veículos de
comunicação que sugerem nossa absoluta imbecilidade, quando somos chamados a “ver” apenas
“aquilo que querem nos mostrar”. Em suma, quando se aborda o tema da sustentabilidade, a
dimensão ética se apresenta numa elevada hierarquia, uma vez que de sua consideração
podemos afetar os objetivos e resultados esperados nas dimensões de primeiro e segundo nível.

5 Paradigma agroecológico e sustentabilidade

Desde que começou a se constituir o paradigma agroecológico e desde que foram


retomadas ações no sentido da construção das “agriculturas alternativas”, a referência à
Agroecologia tem sido bastante positiva, pois nos faz lembrar de estilos de agricultura menos
agressivos ao meio ambiente, que promovem a inclusão social e proporcionam melhores
condições econômicas aos agricultores familiares, especialmente àqueles com poucos recursos de
terra e de capital. Nesse sentido, são comuns as interpretações que vinculam a Agroecologia com
“uma vida mais saudável”; “a produção agrícola dentro de uma lógica em que a Natureza mostra o
caminho”; “uma agricultura socialmente justa”; “o ato de trabalhar dentro do meio ambiente,
preservando-o”; “o equilíbrio entre nutrientes, solo, planta, água e animais”; “o continuar tirando
alimentos da terra sem esgotar os recursos naturais”; “um novo equilíbrio nas relações homem e
natureza”; “uma agricultura sem destruição do meio ambiente”; “uma agricultura que não exclui
ninguém”; entre outras expressões. Dito em outras palavras, o uso do termo Agroecologia nos tem
trazido a idéia e a expectativa de uma nova agricultura, capaz de fazer bem aos homens e ao meio
ambiente.
Entretanto, está cada vez mais evidente que ocorre uma profunda confusão no uso do termo
Agroecologia, o que tem levado a interpretações conceituais diversas que, em muitos casos,
acabam prejudicando o entendimento da Agroecologia como uma ciência que estabelece as bases
para a construção de estratégias de desenvolvimento rural sustentável e, principalmente, de
agricultura sustentável. Não raro, o uso equivocado do termo tem confundido a Agroecologia com
um modelo de agricultura, com produtos ecológicos, com a adoção de determinadas práticas ou
tecnologias agrícolas menos agressivas e, inclusive, com a oferta de produtos “limpos”, em
oposição àqueles característicos da Revolução Verde. Exemplificando, é cada vez mais comum
ouvirmos frases equivocadas do tipo: “existe mercado para a Agroecologia”; “a Agroecologia
produz tanto quanto a agricultura convencional”; “a Agroecologia é menos rentável que a
agricultura convencional”; “a Agroecologia é um novo modelo tecnológico”. Em algumas situações,
chega-se mesmo a ouvir que, “agora, a Agroecologia é uma política pública”. Apesar da provável
boa intenção do seu emprego, nenhuma dessas frases e expressões estão corretas, se
entendermos a Agroecologia como enfoque científico.
Na verdade, estas e outras interpretações, além de expressar um enorme reducionismo do
significado mais amplo do termo Agroecologia, lhe atribuem definições que são imprecisas e
incorretas sob o ponto de vista conceitual e estratégico, mascarando sua potencialidade para
apoiar processos de desenvolvimento rural sustentável. O que estamos tentando dizer é que,
como resultado da aplicação dos princípios, conceitos e metodologias da Agroecologia, podemos
alcançar estilos de agricultura de base ecológica e, assim, obter produtos de qualidade
biológica superior. Mas, para respeitar aqueles princípios, esta agricultura deve atender
requisitos sociais, considerar aspectos culturais, preservar recursos ambientais, apoiar a
participação política dos seus atores e permitir a obtenção de resultados econômicos
favoráveis ao conjunto da sociedade, numa perspectiva temporal de longo prazo que inclua
tanto a presente como as futuras gerações (ética de solidariedade).
Nossa opção pela terminologia “agricultura de base ecológica” tem a intenção de distinguir,
primeiramente, os estilos de agricultura resultantes da aplicação dos princípios e conceitos da
Agroecologia (estilos que, teoricamente, apresentam maiores graus de sustentabilidade no médio
e longo prazos) em relação ao tão propalado modelo de agricultura convencional ou agroquímica

116
(um modelo que, reconhecidamente, é mais dependente de recursos naturais não renováveis e,
portanto, incapaz de perdurar através do tempo). A opção pela terminologia agricultura de base
ecológica tem a intenção, também, de marcar diferenças importantes entre ditos estilos e as
agriculturas que poderão resultar das orientações emanadas da corrente da intensificação verde,
cuja tendência parece ser a incorporação parcial de elementos de caráter ecológico nas práticas
agrícolas (greening process), o que constitui uma tentativa de “recauchutagem” do modelo da
Revolução Verde, sem, porém, qualquer propósito ou intenção de alterar fundamentalmente as
frágeis bases que até agora lhe deram sustentação36.
Em segundo lugar, a distinção entre Agroecologia e estilos de agricultura ecológica é de
suma importância em relação a outros estilos de agricultura que, embora apresentando
denominações que dão a conotação da aplicação de práticas, técnicas e/ou procedimentos que
visam atender certos requisitos sociais ou ambientais, não necessariamente terão que lançar ou
lançarão mão das orientações mais amplas emanadas do enfoque agroecológico. A título de
exemplo, não podemos, simplesmente, entender a agricultura ecológica como aquela agricultura
que não utiliza agrotóxicos ou fertilizantes químicos de síntese em seu processo produtivo. No
limite, uma agricultura com esta característica pode corresponder a uma agricultura pobre,
desprotegida, cujos praticantes não têm ou não tiveram acesso aos insumos modernos por
incapacidade econômica, por falta de informação ou por ausência de políticas públicas adequadas
para este fim. Ademais, opção desta natureza pode estar justificada por uma visão estratégica de
conquistar mercados cativos ou nichos de mercado que, dado o grau de informação que possuem
alguns segmentos dos consumidores a respeito dos riscos embutidos nos produtos da agricultura
convencional, supervalorizam economicamente os produtos ditos “ecológicos”, “orgânicos”, ou
“limpos”, o que não necessariamente assegura a sustentabilidade, através do tempo, do sistema
agrícola em questão37.
Na realidade, uma agricultura que trata apenas de substituir insumos químicos convencionais
por insumos “alternativos”, “ecológicos” ou “orgânicos” não necessariamente será uma agricultura
ecológica em sentido mais amplo. É preciso ter presente que a simples substituição de
agroquímicos por adubos orgânicos mal manejados pode não ser solução, podendo inclusive
causar outro tipo de contaminação. Como bem assinala Nicolas Lampkin, “é provável que uma
simples substituição de nitrogênio, fósforo e potássio de um adubo inorgânico por nitrogênio,
fósforo e potássio de um adubo orgânico tenha o mesmo efeito adverso sobre a qualidade das
plantas, a susceptibilidade às pragas e a contaminação ambiental. O uso inadequado dos
materiais orgânicos, seja por excesso, por aplicação fora de época, ou por ambos motivos,
provocará um curto-circuito ou mesmo limitará o desenvolvimento e o funcionamento dos ciclos
naturais” (Lampkin, 1998: 3).
Por outro lado, Riechmann (2000) lembra que “alguns estudos sobre agricultura ecológica
põem em evidência que as colheitas extraem do solo mais elementos nutritivos que os aportados
pelo adubo natural, sem que pareça diminuir a fertilidade natural do solo. Isto convida a pensar
que na produção agrícola nem tudo se reduz a um aporte humano de adubo e um processo
vegetal de conversão bioquímica, segundo a visão reducionista inaugurada por Liebig, mas que
entre as lides humanas e o crescimento da planta se intercalam processos ativos que têm lugar no

36
Como temos tentado ressaltar em outras lugares (Caporal, 1998; Costabeber, 1998; Caporal e
Costabeber, 2000a; 2000b; 2001), o processo de ecologização da agricultura não necessariamente seguirá
uma trajetória linear, podendo seguir distintas vias, mais próximas ou alinhadas com a corrente
ecotecnocrática ou com a corrente ecossocial, havendo diferenças fundamentais entre as premissas ou
bases teóricas que sustentam cada uma dessas correntes. E são essas diferenças que marcam os espaços
de ação e de articulação dos distintos atores sociais comprometidos com uma ou com outra perspectiva.
37
Em recente artigo em que analisam a evolução e dificuldades da “produção biológica” em Portugal,
Cristóvão et al. (2001) apontam que o produtor biológico “médio” apresenta perfil distinto do produtor
convencional médio, “em termos de idade, nível de escolaridade e formação profissional, sendo suas
explorações dominantemente médias a grandes e estritamente ligadas ao mercado”. Por sua vez, os
consumidores de produtos biológicos formam “um nicho ainda restrito, constituído por elementos com maior
poder de compra, mais informados e com mais consciência em matéria de saúde humana e ambiente”.

117
solo por causa de uma ação combinada de caráter químico e biológico ao mesmo tempo”. Citando
Naredo (1996), o mesmo autor sugere que “nem a planta é um conversor inerte nem o solo é um
simples reservatório, mas ambos interagem e são capazes de reagir modificando seu
comportamento. Por exemplo, a aplicação de doses importantes de adubo nitrogenado inibe a
função nitrificadora das bactérias do solo, assim como a disposição da água e nutrientes
condiciona o desenvolvimento do sistema radicular das plantas. Em suma, se impõe a
necessidade de estudar não apenas o balanço do que entra e do que sai no sistema agrário, mas
também o que ocorre ou poderia ocorrer dentro e fora do mesmo, alterando a relação planta, solo,
ambiente” (Riechmann, 2000).
Ademais, nossas análises permitem afirmar que simplificações como as acima mencionadas
–que centram os esforços e recursos apenas na mudança da base técnica, objetivando gerar
produtos diferenciados e de nicho– podem provocar um novo tipo de “espiral tecnológica”38,
gerando novas contradições e um outro tipo de diferenciação social entre os agricultores
familiares. Neste sentido, queremos alertar que, atualmente, já é possível observar-se a existência
de uma categoria de “agricultores familiares ecológicos”, que sequer está sendo considerada como
uma outra categoria nos estudos sobre a agricultura familiar brasileira39. Ou seja, estamos diante
do perigo potencial de se ampliar as diferenças entre os agricultores que têm e os que não têm
acesso a serviços de assistência técnica e extensão rural, crédito, pesquisa, etc., assim como
entre os que dispõem e os que não dispõem de assessoria para se organizar em grupos com o
objetivo de conquistar os nichos de mercado que melhor remunerem pelos produtos limpos ou
ecológicos que oferecem (Costabeber, 1998). A massificação do enfoque agroecológico via
políticas públicas e com o decisivo apoio do Estado em áreas estratégicas (Extensão Rural,
Pesquisa Agropecuária e Crédito), tal como vem sendo feito no Rio Grande do Sul, é talvez a
única forma razoável de impedir a ampliação dessas novas contradições tão típicas do sistema
capitalista.
Em síntese, é preciso ter clareza que a agricultura ecológica e a agricultura orgânica, entre
outras denominações existentes, conceitual e empiricamente, são o resultado da aplicação de
técnicas e métodos diferenciados, normalmente estabelecidas de acordo e em função de
regulamentos e regras que orientam a produção e impõem limites ao uso de certos tipos de
insumos. Não obstante, e como já dissemos antes, estas escolas ou correntes não
necessariamente precisam estar atreladas ou seguir as premissas básicas e os ensinamentos
fundamentais da ciência da Agroecologia, tal como aqui foi definida. Todo o antes mencionado,
simplesmente, serve como reforço à idéia que estamos defendendo, segundo a qual os contextos
de agricultura e desenvolvimento rural sustentáveis exigem um tratamento mais eqüitativo a todos
os atores envolvidos –especialmente em termos das oportunidades a eles estendidas–, buscando-
se uma melhoria crescente e equilibrada daqueles elementos ou aspectos que expressam os
incrementos positivos em cada uma das seis dimensões da sustentabilidade.

6 Considerações finais

Como vimos, a Agroecologia proporciona as bases científicas e metodológicas para a


promoção de estilos de agricultura sustentável (perspectiva multidimensional), levando-se em
conta o objetivo de produzir quantidades adequadas de alimentos de elevada qualidade biológica
para toda a sociedade. Apesar de seu vínculo mais estreito com aspectos técnico-agronômicos

38
Sobre o treadmill of technology, ver Cochranne (1964).
39
Ao serem os primeiros a adotar as técnicas orgânicas e/ou ecológicas e a levar os seus produtos a
um mercado diferenciado ou de nicho, onde há consumidores dispostos a pagar um preço adicional pelo
diferencial de qualidade destes produtos isentos de contaminantes químicos, os agricultores ecológicos ou
orgânicos se distinguem dos demais, tanto sociocultural como economicamente, passando a formar uma
outra categoria de agricultores familiares. Estas primeiras evidências empíricas recomendam estudos
urgentes e capazes de elucidar os processos de diferenciação social em curso –dado o fenômeno antes
mencionado– e seu impacto sobre a estrutura e definição da agricultura familiar enquanto conceito sócio-
econômico.

118
(tem sua origem na agricultura, enquanto atividade produtiva), essa ciência se nutre de diversas
disciplinas e avança para esferas mais amplas de análise, justamente por possuir uma base
epistemológica que reconhece a existência de uma relação estrutural de interdependência entre o
sistema social e o sistema ecológico (a cultura dos homens em coevolução com o meio ambiente).
Assim, a título de considerações finais queremos destacar que: a) há consenso de que o
atual modelo de desenvolvimento rural e de agricultura convencional é insustentável no tempo,
dada sua grande dependência de recursos não renováveis e limitados. Ademais, este modelo tem
sido responsável por crescentes danos ambientais e pelo aumento das diferenças sócio-
econômicas no meio rural; b) a par disso, está em curso uma mudança de paradigma na qual
aparece com destaque a necessidade de buscar-se estilos de desenvolvimento rural e de
agricultura que assegurem maior sustentabilidade ecológica e eqüidade social; c) a noção de
sustentabilidade tem dado lugar ao surgimento de uma série de correntes do desenvolvimento
rural sustentável, entre as quais destacamos aquelas alinhadas com a perspectiva ecotecnocrática
e aquelas que vêm se orientando pelas bases epistemológicas da Agroecologia, numa perspectiva
ecossocial; e d) a construção deste processo de mudança tem impulsionado uma transição
agroambiental, que se materializa pelo estabelecimento de diferentes estilos de agriculturas
ecológica ou orgânica, entre outras denominações, além de novos enfoques de desenvolvimento
local ou regional que levam em conta as realidades dos distintos agroecossistemas.
Não obstante, observa-se que os diferentes enfoques conceituais e operativos, que vêm
sendo adotados pelas distintas correntes da sustentabilidade, estão levando a um afastamento
cada vez mais evidente entre as posições por elas assumidas na perspectiva do desenvolvimento
rural sustentável. De um lado, a corrente agroecológica sugere a massificação dos processos de
manejo e desenho de agroecossistemas sustentáveis, numa perspectiva de análise sistêmica e
multidimensional. Outras correntes, por sua vez, se orientam, principalmente, pela busca de
mercados de nicho, centrando sua atenção na substituição de insumos químicos de síntese por
insumos orgânicos ou ecológicos, restringindo-se, portanto, aos dois primeiros níveis da transição.
Como evidência das principais diferenças de enfoque entre as correntes, destacamos os dois
aspectos a seguir:
• Enquanto a corrente agroecológica defende uma agricultura de base ecológica que se
justifique pelos seus méritos intrínsecos ao incorporar sempre a idéia de justiça social e
proteção ambiental, independentemente do rótulo comercial do produto que gera ou do nicho
de mercado que venha a conquistar, outras propõem uma “agricultura ecologizada”, que se
orienta exclusivamente pelo mercado e pela expectativa de um prêmio econômico que possa
ser alcançado num determinado período histórico, o que não garante sua sustentabilidade no
médio e longo prazos, porque, no limite teórico, uma agricultura ecologizada mundialmente não
guardaria espaço para um diferencial de preços pela característica ecológica ou orgânica de
seus produtos.
• Enquanto a corrente agroecológica sustenta a necessidade de que sejam construídos
processos de desenvolvimento rural e agriculturas sustentáveis que levem em conta a busca
do equilíbrio entre as seis dimensões da sustentabilidade, outras correntes, por estarem
orientadas principalmente pela expectativa de ganhos econômicos individuais, acabam
minimizando certos compromissos éticos e socioambientais. Sob a perspectiva de uma
agricultura ecologizada e desprovida destes compromissos, podemos até supor que venha a
existir uma monocultura orgânica de larga escala, baseada em mão-de-obra assalariada, mal
remunerada e movida a chicote. Essa monocultura ecológica poderá até atender aos anseios e
caprichos de um consumidor informado sobre as benesses de consumir produtos agrícolas
“limpos”, “orgânicos”, isentos de resíduos contaminantes. No entanto, o grau de informação ou
de esclarecimento de dito consumidor talvez não lhe permita identificar ou ter conhecimentos
das condições sociais em que o denominado produto orgânico foi ou vem sendo produzido;
talvez, nem mesmo lhe interesse saber. Neste caso, no limite teórico e sob a consideração
ética acima mencionada, nenhum produto será verdadeiramente “ecológico” se a sua produção
estiver sendo realizada às custas da exploração da mão-de-obra. Ou, ainda, quando o não uso

119
de certos insumos (para atender convenções de mercado) estiver sendo “compensado” por
novas formas de esgotamento do solo ou de degradação dos recursos naturais.
Finalmente, temos consciência de que os desafios para fazermos avançar o enfoque
agroecológico, numa perspectiva de agricultura e desenvolvimento rural sustentáveis, ainda são
muito grandes e complexos, mas não são, em absoluto, intransponíveis. Sua superação depende,
primeira e principalmente, da nossa própria capacidade de diálogo e de aprendizagem coletiva,
assim como do reconhecimento de que a sustentabilidade encerra não apenas abstrações teóricas
e perspectivas futuristas, mas também elementos práticos que devem ser adotados em nosso
cotidiano. Soma-se a isso o fato de que muitos dos já comprovados impactos negativos causados
pela agricultura química ainda não penetraram na opinião pública na intensidade necessária,
retardando o debate e a possível tomada de consciência da sociedade, no sentido de apoiar a
construção processos de desenvolvimento rural e de estilos de agricultura mais ajustados à noção
de sustentabilidade. Destaque-se ainda que a socialização de conhecimentos e saberes
agroecológicos entre agricultores, pesquisadores, estudantes, extensionistas, professores,
políticos e técnicos em geral –respeitadas as especificidades de suas áreas de atuação–, é, e
seguirá sendo, uma tarefa imperativa neste início de milênio. Se isto é verdadeiro, todos nós temos
o dever –e também o direito– de trabalharmos pela ampliação das oportunidades de construção de
saberes socioambientais necessários para consolidar um novo paradigma de desenvolvimento
rural, que considere as seis dimensões (ecológica, social, econômica, cultural, política e ética) da
sustentabilidade. Como enfoque científico e estratégico de caráter multidisciplinar, a Agroecologia
apresenta a potencialidade para fazer florescer novos estilos de agricultura e processos de
desenvolvimento rural sustentáveis que garantam a máxima preservação ambiental, enfatizando
princípios éticos de solidariedade sincrônica e diacrônica.

120
Capítulo 6

SUPERANDO A REVOLUÇÃO VERDE: A TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA NO ESTADO DO RIO GRANDE


1
DO SUL, BRASIL

Francisco Roberto Caporal

1 Introdução

Uma das grandes transformações ocorridas na nossa agricultura, a partir dos anos 50, foi
resultado da implantação da chamada Revolução Verde, cujo pacote tecnológico básico se montou
a partir das sementes de Variedades de Alto Rendimento e de um conjunto de práticas e insumos
agrícolas necessários para assegurar as condições para que as novas cultivares alcançassem
níveis crescentes de produtividade. Não é este o lugar para revisitar os debates sobre a Revolução
Verde, nem é objeto deste artigo voltar à crítica ao modelo de agricultura convencional e aos
impactos negativos por ele gerados. Ainda que façamos referência a alguns deste aspectos, o que
importa aqui é informar sobre os esforços que vêm sendo feitos e os resultados que vêm sendo
alcançados no estado do Rio Grande do Sul – Brasil, a partir da implementação de ações de
Assistência Técnica e Extensão Rural baseadas nas noções de agroecologização e de transição
agroecológica.
O Rio Grande do Sul, por tradição histórica e condições agroclimáticas, foi um dos primeiros
estados brasileiros onde a Revolução Verde ganhou expressão, mas foi também pioneiro na luta
ambientalista e na batalha contra as externalidades negativas dos pacotes tecnológicos,
especialmente no que diz respeito aos agrotóxicos. A consciência acerca dos impactos da
Revolução Verde sobre o meio ambiente e sobre a saúde foi geradora de crescentes movimentos
de resistência de parcela importante da sociedade gaúcha, que reivindica, desde meados dos
anos 1980, a necessidade de banir alguns pesticidas, diminuir o uso de agrotóxicos, eliminar
práticas agrícolas danosas ao solo e às águas superficiais e subterrâneas, eliminar as queimadas
e reduzir o desmatamento, entre outras questões. Tais movimentos trazem entre suas bandeiras a
luta por uma agricultura nova, socialmente justa e ambientalmente sustentável, para usar
expressões que se popularizaram nas últimas décadas.
Como exemplo do pioneirismo ambientalista do Rio Grande do Sul, cabe lembrar as
importantes ações realizadas pela AENORGS – Associação dos Engenheiros Agrônomos do
Noroeste do Rio Grande do Sul, no início dos anos 1980, assim como a primeira Lei de
Agrotóxicos, aprovada pela Câmara de Vereadores de Santa Maria, Rio Grande do Sul, seguida
pela Lei que regulou o uso dos pesticidas no estado, não sem que fosse duramente combatida e
alterada em aspectos importantes devido ao poder usado por algumas multinacionais do setor. Ao
lado deste movimento contrário aos venenos agrícolas, vimos crescer também outras ações
importantes, tais como a busca por novas alternativas de manejo e proteção do solo, das
pastagens e das matas.

1
Este texto foi escrito para expressar o reconhecimento do autor ao grande esforço que vem sendo
realizado pela maioria dos(as) trabalhadores(as) da empresa de Extensão Rural do Rio Grande do Sul
(EMATER/RS-ASCAR) para impulsionar o processo de transição agroecológica no estado. O artigo traduz,
ainda, uma homenagem às famílias rurais que estão sendo protagonistas do processo de ecologização que
vem ocorrendo no RS, bem como às pessoas e entidades que contribuíram para o alcance de importantes
resultados no período 1999-2002. Agradecemos aos colegas Dulphe Pinheiro Machado Neto, Gervásio
Paulus e José Antônio Costabeber, pelas contribuições que deram para aperfeiçoar este trabalho.
Agradecemos, também, aos especialistas em Agroecologia, tanto do Brasil como do exterior, que, durante
os últimos 4 anos, aportaram seus conhecimentos em apoio ao trabalho da EMATER/RS. Santa Maria(RS),
março de 2003.
Este pioneirismo da população do Rio Grande do Sul, que é contemporâneo de movimentos
de protesto e resistência ressurgidos em países da Europa sob a bandeira do ambientalismo (e da
inclusão social), criou no estado gaúcho as bases necessárias para que houvesse um avanço
significativo na construção de outros estilos de agricultura. Observe-se que foi também no início
dos anos 1980 que apareceram as primeiras experiências de agricultura orgânica e/ou ecológica
em nosso estado, tanto estimuladas por ONGs, como apoiadas por extensionistas rurais
vinculados ao setor público (Costabeber, 1988).
Dado este contexto, o artigo pretende mostrar que, apesar de parecer utópico, é possível
caminhar para a produção de alimentos de melhor qualidade biológica, livres de agrotóxicos e
produzidos de forma ambientalmente mais amigável, sempre e quando haja interesse da
sociedade, ou de parte dela, e um amplo apoio técnico e de políticas públicas. Os dados
apresentados neste trabalho demonstram que, apesar de todos os obstáculos e limitações de
natureza técnico-científica, econômica e metodológica, é possível criar condições para que
possamos ter uma agricultura mais sustentável, reduzindo drasticamente os impactos ao meio
ambiente, ao mesmo tempo em que se estimula a inclusão social e a melhoria da qualidade de
vida da população rural. Os números da transição agroecológica que está em curso no Rio Grande
do Sul e que aqui estão relacionados ao trabalho da empresa de assistência técnica e extensão
rural (EMATER/RS)2, servem ainda para reforçar as teses que defendem a agricultura familiar
como a forma de organização da produção mais adequada quando o objetivo da agricultura deixa
de ser exclusivamente o lucro obtido pela produção de commodities e passa a guiar-se, também,
por parâmetros e indicadores ecossociais.
A ecologização de parte significativa da produção dos agricultores assistidos pelos
extensionistas da EMATER/RS, o grande número de unidades familiares de produção envolvidas
neste processo e a ampla gama de cultivos que estão sendo trabalhados de forma ambientalmente
mais amigável sugerem que cabe ao Estado e à sociedade estimular estas iniciativas para que
rapidamente mais gente possa ter acesso a uma alimentação mais sadia, com a segurança de que
serão mantidas as bases de recursos naturais necessários para as futuras gerações.

2 Alguns exemplos sobre externalidades negativas inerentes à agricultura


convencional

Como já foi dito, este artigo não se propõe a retomar o debate sobre a Revolução Verde.
Entretanto, ainda que de forma sintética, faz-se necessário relacionar alguns dos impactos
negativos do estilo convencional de agricultura que vimos tornar-se hegemônico no nosso meio e
que sugerem a urgência de mudanças no padrão técnico que predomina em nossa agricultura.
Talvez o primeiro aspecto a observar é que o modelo da “modernização conservadora” tornou-se
hegemônico embora não seja acessível para a maioria dos agricultores e seja responsável, pelo
menos parcialmente, pela exclusão de famílias inteiras e de assalariados rurais. Isto quer dizer
que, mesmo sendo dominante, se trata de um modelo que foi implantado parcialmente, isto é, ele
chegou apenas a parte das regiões, parte dos agricultores, parte dos cultivos e das criações, de
forma seletiva, ao mesmo tempo incluindo e excluindo agricultores. Trata-se de um modelo que
levou à redução dos níveis de segurança alimentar3 que existiam em diferentes regiões do estado,
especialmente naquelas em que passou a predominar a monocultura de soja no período do verão
e de alguns cereais, como o trigo, no inverno. Da mesma forma, dito modelo levou a um aumento
na pobreza rural, para citar alguns elementos que podem ajudar nesta reflexão.

2
EMATER/RS é a sigla da Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e
Extensão Rural empresa que funciona em conjunto com a ASCAR – Associação Sulina de Crédito e
Assistência Rural. Para maiores informações ver: www.emater.tche.br .
3
Nos referimos à produção de alimentos básicos para o consumo interno. Se observarmos as áreas
cultivadas com feijão, por exemplo, e a produtividade média desta cultura, vamos verificar que houve
estancamento e/ou redução ao longo das últimas décadas.

122
Por outro lado, vimos também que a opção por um determinado estilo de desenvolvimento
rural e a adoção de um correspondente modelo de modernização da agricultura trouxeram consigo
impactos indesejáveis, e muitas vezes incontroláveis, seja pela forma como se implantou esse
processo, seja pela natureza em si das tecnologias difundidas, especialmente no que se refere ao
uso dos insumos e dos tipos de manejo de solo que passamos a adotar. Assim mesmo, a
simplificação extremada de nossos agroecossistemas, inerente ao modelo baseado em
monoculturas, contribuiu para reduzir a biodiversidade, do mesmo modo que a necessidade de
ocupação de maiores áreas e o crescente uso da madeira para diversos fins, principalmente
energéticos, levaram ao aumento do desmatamento. As figuras que seguem são ilustrativas destes
fatos.
No Rio Grande do Sul, segundo estudo realizado pela FATEC – Fundação de Apoio à
Tecnologia e à Ciência, da UFSM – Universidade Federal de Santa Maria, divulgado em 1983, o
desmatamento levou a uma redução criminosa da cobertura florestal nativa, que passou dos 40%
originais para apenas 5,62%, ou seja, dos 10.764.000 hectares restavam 1.585.731 hectares com
cobertura florestal (Ferreira; Gausmann, 1996).

Figura 1: Cobertura florestal no Rio Grande do Sul (original e em 1983):

Fonte: Ferreira; Gausmann (1996)

Felizmente, a crescente consciência ambiental da população e a rigorosa legislação sobre


desmatamento e queimadas, além de aspectos sócio-econômicos (que levaram à redução da área
cultivada), contribuíram para que o problema da cobertura florestal fosse minimizado. Hoje,
segundo o novo Inventário Florestal Contínuo do Estado do Rio Grande do Sul, estudo realizado
por especialistas da UFSM através de convênio com a SEMA – Secretaria Estadual do Meio
Ambiente, o estado conta com uma cobertura de 17,53% de florestas nativas. O quadro abaixo
mostra a evolução da cobertura florestal em relação ao estudo de 1983.

Quadro 1: Evolução da cobertura florestal no Rio Grande do Sul (1983-2001):

1983 2001 Acréscimo


Floresta
2 2
Área km % Área km % Área km2

123
Natural 15.857,31 5,62 49.556,29 17,53 33.698,98

Plantada 1.743,96 0,62 2.747,48 0,97 1.003,50

Total 17.601,27 6,24 52.303,77 18,50 34.702,50


Fonte: SEMA/UFSM (2002) –Não publicado.

No que tange à erosão, já foram constatados problemas mais graves nas décadas de 1960 a
1990. Pesquisas demonstraram que em áreas com manejo convencional eram perdidas, em
média, até 25 toneladas de solo fértil por hectare/ano. Atualmente, muitas áreas continuam
sofrendo perdas desta ordem, embora tenham ocorrido avanços na adoção de práticas que
ajudaram a reduzir as perdas de solo, como, por exemplo, a redução da queima das restevas, a
diminuição ou eliminação da lavração e da gradagem, e o aumento dos períodos com cobertura
vegetal. Estima-se que as perdas de solo estejam ao redor de 10 a 12 t/ha/ano em áreas de
plantio convencional sem cobertura vegetal, entre 3 a 4 t/ha/ano em áreas de plantio convencional
com cobertura vegetal e menos de 2 t/ha/ano em áreas com plantio direto.4 Há, portanto,
problemas de manejo e conservação dos solos que precisam continuar sendo alvo de ações
preservacionistas, sob pena de prejuízos incalculáveis à nossa base de recursos naturais.
Mas um dos problemas mais graves e ainda extremamente preocupantes da agricultura
convencional diz respeito ao uso dos agrotóxicos. Segundo dados disponíveis, o Rio Grande do
Sul tem se mantido entre o segundo ou terceiro estado maior consumidor de agrotóxicos do Brasil.
Nossa média, em 2002, se situava na casa dos 2,62 kg por hectare/ano. Os gastos com pesticidas
agrícolas no Brasil superam a casa dos US$ 2,7 bilhões por ano. Segundo estudo da Universidade
de São Paulo – USP, a taxa de crescimento anual do consumo de pesticidas, entre 1988 e 1998,
foi de 4% na América do Norte, 4,6% na Europa Ocidental e 5,4% na América Latina. No Brasil,
entre 1993 e 1998 esta taxa foi de 6,7% ao ano.5 Observe-se que o consumo de herbicidas entre
1978 e 1998 cresceu 5,4 vezes (Alves Filho, 2002).
Dados da ANDEF – Associação Nacional dos Defensivos Agrícolas, dão conta de que em
1999 as vendas totais de agrotóxicos no Brasil foram superiores a 288.000.000 de kg de produtos
comerciais, o que significou um valor total de vendas na casa dos US$ 2.329.067.000 (ANDEF,
2003). Isto é, no Brasil gastamos mais de 8 bilhões de reais em venenos agrícolas somente em
1999 (se tomarmos como referência a cotação atual de R$ 3,6 por dólar).
Mesmo desconsiderando os aspectos de natureza sócio-econômica, que têm sido
apresentados como mais um alerta sobre os efeitos perversos da Revolução Verde, teríamos
suficientes justificativas para a necessidade de mudança no modelo convencional da agricultura
mediante a análise dos impactos dos venenos agrícolas sobre a saúde e o meio ambiente. É
sabido que as externalidades negativas relacionadas diretamente com o uso de agrotóxicos,
constituem um problema de difícil equacionamento se não houver mudança no padrão técnico da
agricultura. Enquanto o modelo convencional continuar sendo adotado, os impactos dos venenos
agrícolas à saúde e ao meio ambiente não se resolvem, nem mesmo com o chamado “uso
adequado” e/ou mediante “ações educativas para o bom uso”, o que está sendo amplamente
demonstrado pela realidade.
E o mais grave é que os risco dos venenos agrícolas não são, propriamente, uma novidade,
pois, já nos idos de 1962, a professora e pesquisadora Rachel Carson, estudando os venenos

4
Observe-se que a adoção da prática do plantio direto em sistema convencional levou ao aumento no
uso de herbicidas. Os dados que apresentaremos mais adiante mostram que é possível processar a
transição do plantio direto com o uso de herbicidas para o plantio direto sem o uso de herbicidas. Segundo
José Prado Alves Filho (2002), entre 1987 e 1997, a quantidade de herbicidas comercializados no Brasil
passou de 51.936 toneladas para 132.574 toneladas de produto comercial, o que seguramente apresenta
relação com a adoção da prática do plantio direto que foi crescente neste período.
5
Ver: Gazeta Mercantil Digital, Goiás, Ano III, n. 584. Quarta Feira, 07 de fevereiro de 2001.

124
agrícolas organoclorados (conhecidos como DDT, Pó de Gafanhoto, BHC, Aldrin, etc...), identificou
um conjunto de problemas relacionados a estes venenos e fez o seguinte alerta: “Estamos
expondo populações inteiras a agentes químicos extremamente venenosos. Agentes químicos
que, em muitos casos, têm efeitos acumulativos. Atualmente, este tipo de exposição começa a
acontecer tanto antes como depois do nascimento. Ninguém sabe ainda quais serão os resultados
deste experimento, já que não há nenhum paralelo anterior que possa nos guiar”(Carson, 1962).
Semelhante preocupação foi manifestada, no final da década de 1980, pelo professor
norteamericano J. M. Davidson. Fazendo um mea culpa em nome da ciência, o professor, em uma
palestra a seus colegas pesquisadores, afirmava: “Nós, dos Land-Grant Colleges (equivale a
nossas universidades), estamos enfrentando muitos dilemas, um dos quais é a desconfiança de
grupos e consumidores interessados pela qualidade dos alimentos, pelos recursos naturais (...). E
esta desconfiança é bem justificada (...), pois, depois das denúncias de Rachel Carson, nós
afirmávamos que os pesticidas não causavam danos ao meio ambiente; agora nós admitimos que
causam. Quando se denunciava a presença de nitratos nas águas subterrâneas, nós
respondíamos que isto era impossível. Entretanto, agora nós admitimos que é possível. Quando
questionados a respeito da presença de pesticidas nos alimentos, nós respondíamos que, se
utilizados nas quantidades recomendadas os produtos agrícolas estariam livres de pesticidas;
agora nos admitimos que não estão” (NCR, 1989). Embora tarde, o reconhecimento do professor
Davidson se constituiria em uma clara demonstração dos efeitos incontrolados de certas
tecnologias agrícolas “modernas”, muitas vezes, não reconhecidos ou não admitidos nos meios
científicos.
Preocupa que tais manifestações de cientistas, não tenham sido levadas a sério, embora sua
pertinência fique evidente quando vemos as pesquisas atuais, das quais são trazidos, a seguir,
alguns exemplos ilustrativos e elucidativos, de diferentes lugares, antes de passar-se a examinar
porque é tão desejável a mudança no padrão técnico da nossa agricultura e porque são tão
importantes os resultados da transição agroecológica que vem ocorrendo no Rio Grande do Sul.
Do ponto de vista ambiental, um dos graves problemas é causado pelos agrotóxicos está
relacionado com a quantidade de embalagens contaminadas que continuam sendo espalhadas no
nosso entorno rural e urbano (apesar da legislação vigente). E não é pouca coisa. Segundo a
ANDEF, mais de 300 milhões de embalagens de agrotóxicos foram consumidas entre 1987 e
1997. Em média, seriam 30 milhões por ano. Cabe perguntar: onde estarão e quais os danos
causados por estas embalagens e pelos resíduos contidos nelas? Até quando seguiremos usando
tanto veneno e descartando tanta embalagem no nosso meio ambiente? Quando os responsáveis
por este abuso serão punidos?
No Quadro 2 aparece um resumo de um levantamento sobre embalagens, dando uma
pequena dimensão da enorme problemática que envolve o descarte destes resíduos.

Quadro 2: Levantamento de embalagens de agrotóxicos 1987-1997 (em unidades)

Tipos de embalagens Total


Metálicas 15.402.360
Plásticas 133.795.318
Vidros 35.808.789
Hidrossolúveis 3.855.993
Sacos plásticos 58.966.317
Sacos de papel 13.274.430
Cartuchos de cartolina 21.525.545
Caixas coletivas de papelão 25.770.290
Fibrolatas 3.369.828
Fonte: ANDEF(2003).

Mas, além dos aspectos econômicos e ambientais relacionados com os agrotóxicos, a


contaminação de alimentos, embora se suponha que tenha diminuído, continua existindo e, em

125
muitos casos, as pesquisas não são divulgadas para evitar prejuízos aos agricultores e a outros
elos da cadeia produtiva. Apesar disto, algumas informações vêm a público, como uma recente
pesquisa que demonstra que a contaminação está na nossa mesa: “Morango temperado com
endosulfan e tetradifon; mamão com dicofol e metamidofós; alface com ditiocarbamatos e
clorotalonil. São apenas alguns exemplos de agrotóxicos não autorizados para essas culturas, mas
detectados nos alimentos em um estudo da ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária”.6
Esta informação, que é só uma pequena ponta do iceberg da contaminação dos alimentos, é
suficiente para colocar em dúvida a qualidade de tudo o que estamos consumindo.
Mas o problema dos venenos agrícolas não pára por aí. Há evidências, inclusive no Rio
Grande do Sul, da probabilidade de relação entre intoxicação por pesticidas (ditiocarbamatos, por
exemplo) e a ocorrência de casos de suicídio7, assim como há pesquisas relacionando o uso de
agrotóxicos com a ocorrência de malformações de fetos humanos.
Nos países vizinhos também estão presentes problemas semelhantes. Em 2002, no Chile,
foram registradas 659 intoxicações graves causadas por agrotóxicos, segundo um estudo da
Escuela de Agronomía de la Universidad Iberoamericana. Na América Central cresce a
preocupação com os casos de envenenamento.8 No Peru, organizações ambientalistas
protestaram frente aos escritórios de Bayer, que é a principal empresa produtora e importadora de
pesticidas naquele país, reivindicando que a multinacional se responsabilize pelo destino dos 7
milhões de embalagens de venenos agrícolas por ano que são descartadas no ambiente.9
Estas breves referências dão conta de que estamos, de fato, diante de uma problemática
mais séria do que se imagina, pois não se trata apenas de “controlar o uso da tecnologia”, ou de
fazer o “uso correto dos pesticidas”, como recomendam alguns, pois, se fosse assim, não teríamos
fatos semelhantes em países ditos desenvolvidos. Vejamos alguns exemplos do drama alarmante
da contaminação por agrotóxicos.
Nos Estados Unidos, há autores que estão afirmando que “mulheres que vivem em áreas
onde são utilizados pesticidas agrícolas apresentam maiores possibilidades de sofrer abortos
espontâneos ou de ter filhos com malformações, como indicam pesquisadores da University of
North Carolina, em Chapel Hill.10

6
“As análises foram realizadas em quatro Estados - São Paulo, Minas, Paraná e Pernambuco - com
1.295 amostras de nove tipos de alimento: alface, banana, batata, cenoura, laranja, maçã, mamão, morango
e tomate. Cerca de 83% das amostras (1.051) continham resíduos de agrotóxicos e 22% (233) estavam em
desacordo com a legislação: 74 com resíduos de produtos não autorizados para aquele alimento, 94 com
resíduos acima do permitido e 65 com os dois problemas. Embora o Brasil não disponha de dados
suficientes que reflitam a situação de contaminação nos alimentos, é possível supor que o problema seja
significativo, considerando-se que o País é um dos maiores mercados consumidores de agrotóxicos do
mundo, aliado ao fato de que as Boas Práticas Agrícolas (BPA) não estão asseguradas, afirma o relatório. O
gerente-geral de toxicologia da Anvisa, Luiz Cláudio Meirelles, classificou alguns dos resultados como
alarmantes”. Ver: Instituto de Pesquisas Transdisciplinares (2003).
7
Ver: Falk, J.W. ; Carvalho, L. A.; Silva, L. R.; Pinheiro, S. (1996).
8
Los costos estimados directos de los envenenamientos por pesticidas son valorados en América
Central en un 2.5% anual del total del GDP agrícola. De estos costos totales, casi el 50% se debe a muertes
intensionales, 25% debido a muertes accidentales, y cerca de un 25% debido a envenenamientos sin
consecuencias fatales. Larson, B. A. ; Perez, J. M. (1999).
9
Ver: Rapal, Nota de Prensa: organizaciones ambientalistas protestam frente a las oficinas de la
Bayer por la contaminación que están generando los envases de plaguicidas en los valles agrícolas del
Peru. Disponível na Internet, em: www.geocites.com/rap_al (Arquivo capturado em 16/03/2001).
10
El estudio, que involucró a cerca de 700 mujeres residentes en 10 condados californianos, demostró
un mayor riesgo de muerte fetal, desde 40% a 120%, entre madres que vivían cerca de cultivos en donde
habitualmente se fumigaba con pesticidas de diferentes clases: fosfatos, piretroides, hidrocarbonos
halogenados, carbamatos y disruptores endocrinos. Los científicos compararon los casos de 73 mujeres
cuyos embarazos finalizaron debido a defectos fetales, con 611 controles (mujeres con embarazos que
terminaron con recién nacidos normales). Los investigadores encontraron que el mayor riesgo de muerte
fetal por defectos de malformaciones ocurrió cuando la exposición a los pesticidas fue entre la tercera y la
octava semana de gestación. A su vez, el riesgo fue aun mayor si la embarazada vivía dentro de una milla

126
Outro estudo, realizado por Paul Mills e Sandy Kwong, com uma amostra de trabalhadores
rurais da Califórnia (USA), mostrou que estes assalariados rurais têm em média 60% mais
probabilidade de contrair câncer. Segundo estudo comparativo realizado pelo Registro do Câncer
da Califórnia, os agricultores e agricultoras têm 59% mais probabilidade de sofrer de leucemia,
70% mais de sofrer de câncer estomacal, 63% mais de sofrer de câncer cervical e 68% mais de
sofrer de câncer endometrial, perto do útero.11 Diferentes pesquisadores confirmam o problema
californiano ao afirmarem que “A agricultura é uma das ocupações mais perigosas nos Estados
Unidos. A taxa de mortalidade dos trabalhadores agrícolas no país está estimada em 20,9 para
cada 100 mil trabalhadores agrícolas.12 Nesta mesma linha, estudo do Centers for Disease Control
and Prevention (CDC), realizado em 2001, mostra que, dos 34 pesticidas testados, 19 aparecem
no sangue ou na urina das pessoas pesquisadas através de uma nova técnica de análise.13
Ainda no campo da saúde pública encontram-se estudos que indicam a relação direta entre
a contaminação por agrotóxicos e a incidência de câncer de mama. Neste sentido, o grupo de
pesquisa coordenado pelo Doutor Nicolás Olea Serrano, do Departamento de Radiologia e
Medicina Física, da Faculdade de Medicina da Universidade de Granada, na Espanha, revelou
recentemente que “aumenta a evidência da relação que existe entre o câncer de mama, a piora da
qualidade seminal masculina ou as malformações do feto e a exposição prolongada a alguns
pesticidas de uso agrícola e outros produtos industriais.”14 Ainda na Espanha, José Santamarta
(2001) adverte que tem ocorrido uma drástica redução na quantidade de espermatozóides por
ejaculação, o que coloca em risco a capacidade de fertilização dos homens examinados.15
Por fim, mesmo sabendo que estas informações não esgotam o assunto (há centenas de
trabalhos disponíveis em diversas páginas de internet), cabe citar aqui algumas preocupações
adicionais apresentadas por José Santamarta (2001), em seu texto “A ameaça dos disruptores
endócrinos”, onde o autor destaca que “o mercado mundial de pesticidas agrícolas movimentou
algo em torno de 20 a 30 bilhões de dólares em 1999 e incluía 1.600 substâncias químicas”, o que
dá uma dimensão do poder econômico envolvido. Mas além disto, surgem outras preocupações
quando se sabe que, no período que vai de 1945 a 1999, “o poder biocida por quilograma das
substâncias químicas foi multiplicado por 10”, o que aumenta os risco à saúde e ao meio ambiente.
E isto é ainda mais grave, pois como diz o autor, “atualmente os métodos de análise somente

cuadrada de la zona en donde se utilizaron pesticidas. Diponível na Internet em:


www.drogueriadellitoral.com/nota12.htm (Fonte: Epidemiology, 12(2):148, March 2001).
11
Artigo publicado na Revista de la Industria Médica. “El análisis incluyó entre otros a unos mil
miembros de la Unión de Trabajadores Agrícolas (UFW) enfermos de cáncer.” Disponível na Internet em:
www.laopinion.com
12
“En California, el estado con la economía agrícola más grande del país, las labores del campo son
realizadas por una fuerza de trabajo de 600 mil hombres y mujeres. De 1991 a 1996, el Departamento de
Regulación de Pesticidas (Department of Pesticide Regulation--DPR) de la Agencia de Protección Ambiental
de California (California Environmental Protection Agency) reportó 3.991 casos de envenenamiento
ocupacional causados por pesticidas agrícolas; un promedio de 665 casos por año.” Ver: Campos
Envenenados: Los trabajadores agrícolas y los pesticidas en California - Resumen Ejecutivo por Margaret
Reeves and Kristin Schafer - Red de Acción sobre Plaguicidas de Norteamérica (Pesticide Action Network
North America); Kate Hallward - Unión de Campesinos (United Farm Workers of America); Anne Katten -
Fundación de Asistencia Legal Rural de California (California Rural Legal Assistance Foundation). Disponível
na Internet em : Pesticide Action Network North America – PANNA <www.panna.org>
13
Disponível na Internet em: PANUPS-Pesticide Action Network Updates Service (17/02/03).
www.panna.igc.org/resources/panups/panup20030214.dv.html > Nesta mesma página web é possível
encontrar trabalho realizado por pesquisadores da Universidade de Washington evidenciando a
contaminação por pesticidas em crianças em idade pré-escolar e mostrando que as crianças que se
alimentavam com produtos orgânicos não apresentavam resíduos de pesticidas no sangue e na urina.
14
Nicolás Olea Serrano é professor do Dpto. de Radiología y Medicina Física, da Facultad de
Medicina da Universidad de Granada, Espanha. Disponível em: http://revistacampus.ugr.es/inves.html
Recomendamos ainda a leitura da tese de doutorado de Ijoni Hilda Costabeber (1999), citada na bibliografia.
15
Ver: Colborn, T; Dumanoski, D; Myers, J. P. (1996).

127
detectam um terço dos mais de 600 pesticidas em uso”.16 Segundo Alves Filho (2002), o Brasil
contava, no ano 2000, com 444 ingredientes ativos e 854 marcas comerciais de agrotóxicos e
afins, o que representava um total de 1.981 diferentes apresentações destes produtos, com uso
permitido.
Portanto, se a sociedade e os governos estão verdadeiramente inclinados a que se busque
um desenvolvimento sustentável, que assegure melhor qualidade de vida para as populações,
uma das metas a ser perseguida é a construção de estilos de agricultura sustentável, o que exige
romper com o modelo convencional e montar estratégias capazes de assegurar um processo de
transição à estilos de agricultura ecológica, para que, no menor prazo possível, possam ser
banidos os agrotóxicos da nossa comida, do nosso corpo e de nosso meio ambiente.

3 Conceitos básicos para orientar a transição da agricultura convencional a estilos


de agricultura sustentável

Quando, em 1999, a empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do


Sul - EMATER/RS estabeleceu como sua Missão Institucional a promoção do Desenvolvimento
Rural Sustentável, com base nos princípios da Agroecologia17, estava sendo delineado um claro
compromisso com objetivos socioambientais amplamente reclamados pela sociedade. Para
alcançar tais objetivos, a EMATER/RS adotou um esquema operativo diferenciado, sustentado em
um enfoque participativo, que põe ênfase no desenvolvimento local e que, seguindo os princípios
da Agroecologia, parte da análise sistêmica e de uma visão de totalidade – holística – dos
agroecossistemas. Nesta perspectiva, o desenvolvimento rural, antes visto simplesmente como a
busca de mais crescimento econômico, passa a incorporar o conjunto das dimensões da
sustentabilidade.18 Cabe destacar que, dentro desta nova forma de ver o desenvolvimento rural,
surge a necessidade de incorporar novas noções sobre agricultura e novos conceitos, dentre os
quais ganha força a idéia da agricultura não apenas com a aplicação de um conjunto de técnicas,
mas como uma atividade humana e, portanto, devendo ser entendida como uma construção social
que, além de ser ambientalmente determinada, também está subordinada a condicionantes
socioculturais, caracterizando-se por ser um processo multilinear. Do mesmo modo, nesta nova
perspectiva da extensão rural, é chave o conceito de coevolução19, porque ajuda a entender a
existência de uma estreita relação entre a evolução dos diferentes sistemas culturais (dos grupos
humanos) e a evolução do meio ambiente em que os grupos sociais estão inseridos. Mas, além
destas noções basilares, para ser operacional e realista uma proposta que visa a “promoção do
16
Ademais, corremos ainda o grande risco de basearmos julgamento sobre o perigo dos venenos
agrícolas a partir das informações sobre toxicidade. Conceitos como o de DDA – Dose Diária Aceitável e
DL50 – Dose Letal 50 precisam ser pelo menos questionados quanto ao grau de segurança que podem dar
aos usuários e aos não usuários de venenos e aos consumidores de alimentos tratados com estes produtos.
A DDA, que se refere à quantidade “segura” de contaminação por dia que pode ser ingerida pelo homem,
sem que ocorram maiores riscos, é algo impossível de controlar no dia-a-dia. A Dose Letal 50, que seria
aquela capaz de matar 50% de uma população de cobaias, já traz em si um certo grau de incerteza ao
extrapolarmos parâmetros medidos em animais para a espécie humana. E mais, a DL50 trata de casos de
intoxicação aguda (normalmente resultado de uma alta contaminação em pouco tempo) mas não diz nada
quando se trata de exposições de médio ou longo prazos a doses moderadas, como é a maioria dos casos
que encontramos no cotidiano das pessoas que aplicam pesticidas. Portanto, não há indicadores de
segurança quando se fala de uso de agrotóxicos, o que há é a certeza de que estamos espalhando no
ambiente e nas pessoas quantidades cada vez maiores de produtos químicos cuja ação foge do nosso
controle.
17
Ver: EMATER/RS-ASCAR (2002). A Missão Institucional referida está assim enunciada: Promover a
construção do desenvolvimento rural sustentável, com base nos princípios da Agroecologia, através de
ações de assistência técnica e extensão rural, mediante processos educativos e participativos, com o
objetivo de fortalecer a agricultura familiar e suas organizações, de modo a incentivar o pleno exercício da
cidadania e a melhoria da qualidade de vida.
18
Ver: Caporal, F. R. e Costabeber J. A. (2002b) e Costabeber, J. A. e Caporal, F. R. (2003)
19
Ver: Norgaard, R. B. (1997).

128
Desenvolvimento Rural Sustentável, com base nos princípios da Agroecologia”, num cenário
complexo e de evidente degradação socioambiental, a práxis da Extensão Rural Agroecológica20
exige a adoção de outros pilares de sustentação, de outros conceitos fundamentais, entre os quais
destacam-se os conceitos de processo de ecologização e de transição agroecológica.
Na sua essência o processo de ecologização corresponde à introdução de valores
ambientais nas práticas agrícolas, na opinião pública e nas agendas políticas. Este processo
constitui uma força sócio-ecológica combinada, a partir da qual as questões de caráter
socioambiental e biofísico assumem papel ativo na determinação das tecnologias agrícolas (Buttel,
1994) e se constitui na mola propulsora de uma ação transformadora na agricultura e no
desenvolvimento rural, na medida em que exige que as instituições passem a mover-se na busca
de objetivos ecossociais. Contudo, é necessário entender que, dadas as condições objetivas da
realidade, a ecologização da agricultura não poderá seguir um processo unilinear, sendo mais
possível que ocorram distintas vias da transição, que incorporem diferentes enfoques de
ecologização.21
Este processo de ecologização na agricultura se dá ao longo do tempo e, portanto, mediante
uma transição agroecológica, que se constitui na passagem do modelo produtivista da agricultura
convencional à estilos de produção mais complexos sob o ponto de vista da conservação e manejo
dos recursos naturais, ou seja, um processo social orientado à obtenção de índices mais
equilibrados de sustentabilidade, estabilidade, produtividade, eqüidade e qualidade de vida na
atividade agrícola. Logo, a transição agroecológica se refere a um processo gradual de mudança,
através do tempo, nas formas de manejo dos agroecossistemas, tendo como meta a passagem de
um modelo agroquímico de produção à estilos de agricultura que incorporem princípios, métodos e
tecnologias com base ecológica. Entretanto, por se tratar de um processo social, a transição
agroecológica implica não somente numa maior racionalização econômico-produtiva com base nas
especificidades biofísicas de cada agroecossistema, mas também numa mudança nas atitudes e
valores dos atores sociais em relação ao manejo e conservação dos recursos naturais, o que não
dispensa o progresso técnico e o avanço do conhecimento científico (Costabeber, 1998). Este

20
A Extensão Rural Agroecológica pode ser definida como o “processo de intervenção de caráter
educativo e transformador, baseado em metodologias de investigação-ação participante que permitam o
desenvolvimento de uma prática social mediante a qual os sujeitos do processo buscam a construção e
sistematização de conhecimentos que os leve a incidir conscientemente sobre a realidade. Ela tem o
objetivo de alcançar um modelo de desenvolvimento socialmente eqüitativo e ambientalmente sustentável,
adotando os princípios teóricos da Agroecologia como critério para o desenvolvimento e seleção das
soluções mais adequadas e compatíveis com as condições específicas de cada agroecossistema e do
sistema cultural das pessoas envolvidas no seu manejo (Caporal, 1998).
21
Imaginadas ao longo de um continuum, teríamos, mais perto de um dos pólos, as formas de
intensificação verde que, com algum grau e certo tipo de ecologização, continuariam próximas ao padrão
tecnológico dominante. Nesse caso, o modelo convencional estaria se adaptando a uma nova geração
tecnológica da Revolução Verde, aproveitando inclusive os avanços mais recentes da Biotecnologia e da
Engenharia Genética. Esta via prioriza a utilização de insumos externos e de origem industrial, embora
admita sua integração equilibrada com insumos locais. Em síntese, o processo de ecologização seguiria
uma lógica que obedece essencialmente aos estímulos de mercado (a Natureza como subsistema da
Economia). Nas proximidades do pólo oposto deste continuum teórico, se situariam as formas de agricultura
ditas alternativas que, apoiadas pelos princípios da Agroecologia, buscariam maior aproximação e
integração entre os conhecimentos agronômicos, culturais, ecológicos, sociais e de outras disciplinas
correlatas, com o fim de gerar base científica e tecnológica mais afastada daquela que apoia o modelo
agroquímico. Suas características seriam: estratégias baseadas em conceitos ecológicos; conhecimento
científico integrado ao conhecimento local; participação ativa da população rural na determinação das
formas de manejo dos agroecossistemas; maior valorização da biodiversidade e da diversidade cultural. A
meta seria alcançar sistemas de produção economicamente viáveis, ecologicamente equilibrados,
socialmente justos e culturalmente aceitáveis. Em suma, a ecologização não seria essencialmente orientada
ao mercado, mas estaria centrada na segurança alimentar, incorporando valores ambientais e uma nova
ética na relação homem-natureza (a Economia como subsistema da Natureza). Caporal, F. R. e Costabeber,
J. A. (2001)

129
processo, como ensina Gliessman (2000), exige, entre outras coisas, uma nova e qualificada
aproximação entre Agronomia e Ecologia.
Foi, pois, a partir das bases conceituais acima resumidas que os extensionistas rurais da
EMATER/RS impulsionaram um vigoroso processo de transição agroecológica no Rio Grande do
Sul, cujos primeiros resultados são destacados em seguida.

4 Dados da transição agroecológica no Rio Grande do Sul: superando o paradigma


dominante

Os dados que são apresentados na seqüência representam parte do resultado do trabalho


dos agentes de extensão rural da EMATER/RS-ASCAR, em conjunto com agricultores e entidades
parceiras, consolidados em novembro de 2002. Foram recolhidos através de consulta aos 480
Escritórios Municipais da empresa. Além dos relatórios normais, foi utilizado um questionário,
distribuído em sistema informatizado, para avaliar os avanços na transição agroecológica, cujos
dados foram analisados por especialistas da Divisão de Apoio Técnico ao Desenvolvimento Rural
Sustentável, existente no Escritório Central, depois de previamente examinados por técnicos dos
10 Escritórios Regionais que apoiam e supervisionam o trabalho das equipes municipais.22
Como o enfoque agroecológico não implica apenas em mudanças na base técnica da
agricultura, mas também na busca de melhorias na qualidade de vida e nas condições para o
exercício da cidadania da população rural participante dos processos de desenvolvimento rural
sustentável, antes da apresentação dos dados da transição na agropecuária, cabe destacar outros
resultados relacionados com os aspectos acima mencionados. Iniciemos com a questão da
cidadania.
Um dos problemas evidenciados no meio rural do estado e que está relacionado com a
exclusão dos cidadãos, diz respeito à carência de documentação, principalmente por parte das
mulheres rurais. Pois, para atacar este problema, agentes de extensão rural realizaram 251
eventos, envolvendo 19.632 mulheres das mais diversas regiões do estado, visando provê-las de
documentação básica. Esta ação, apoiada pelo Governo do Estado, por Prefeituras Municipais e
por diferentes instituições, assegurou que milhares de agricultoras passassem a ter seus
documentos, facilitando assim o acesso a outros benefícios previstos na legislação.
No campo da melhoria da qualidade de vida, várias iniciativas poderiam ser mencionadas,
mas, pela sua importância (e pela tradição de sua presença entre as atividades da EMATER/RS),
cabe ressaltar as ações em saneamento básico (esgoto doméstico) que beneficiaram 23.053
famílias. Por outro lado, 53.630 famílias rurais foram beneficiadas com práticas que melhoraram a
qualidade da água de consumo doméstico.
Com o objetivo de enfrentar problemas de saúde através de outras ações preventivas, foram
realizados programas de controle mecânico e biológico de vetores/simulídeos, que mobilizaram
533 escolas e 1.120 comunidades rurais e dos quais participaram 36.272 famílias.
A Educação Ambiental é outra atividade de destaque e que vem se mostrando fundamental
no processo de transição agroecológica em curso. Neste sentido, agentes de extensão rural de
todo o Rio Grande do Sul realizaram diferentes programas, seminários e cursos de Educação
Ambiental, muitos deles envolvendo outras entidades, alcançando a participação de 79.271
famílias, 3.042 comunidades rurais e 1.802 escolas de primeiro e segundo grau.
Outro trabalho que vem ganhando expressão no estado, não só pelo seu significado cultural,
mas também pela sua importância econômica e para a saúde, vem sendo realizado a partir do
resgate do conhecimento popular sobre Plantas Medicinais. Os dados mostram que pelo menos
26.545 famílias estão participando de atividades nesta área, estando implantados 1.102 hortos de
plantas medicinais variadas e sendo cultivados 298,9 hectares. Somente em 2002, foram
realizados, pelos agentes de extensão rural da EMATER/RS, 88 seminários e/ou cursos de
capacitação em Plantas Medicinais, aos quais acorreram 7.060 pessoas.

22
Ver: EMATER/RS (2002 a).

130
Visando abrir o mercado institucional para os produtos da agricultura familiar, as primeiras
experiências envolveram 1.176 escolas, com 99.472 alunos que passaram a ter a merenda escolar
baseada na compra de produtos localmente produzidos e oriundos da agricultura familiar de suas
respectivas regiões. Há vários exemplos de escolas que estão adquirindo produtos ecológicos
para a merenda escolar, o que tem contado com o apoio de Prefeituras Municipais.
Entre outras inúmeras ações no campo da saúde, da cidadania e do bem-estar social, cabe
destacar ainda que 51.910 famílias participaram de atividades que trataram de estabelecer
conhecimentos básicos para o combate do desperdício de alimentos produzidos nas pequenas
propriedades e 88.356 participaram em ações orientadas a estimular e melhorar a utilização dos
produtos para o consumo nas propriedades rurais. Estas iniciativas evidenciam que a preocupação
com a segurança alimentar constitui um elemento central da proposta agroecológica antes
mencionada.

Quadro 3: Resumo das ações ambientais e sanitárias no meio rural do RS:

Atividades Resultados
Número de Número de Número de
famílias comunidades escolas
Melhorias da qualidade da água para 53.630 - -
consumo doméstico
Melhorias na destinação do esgoto 23.053 - -
doméstico
Ações em Educação Ambiental 79.271 3.042 1.802
Programas de controle mecânico e/ou 36.272 1.120 533
biológico de vetores/simulídeos
Fonte: Pesquisa EMATER/RS-ASCAR (2002).

Com respeito à questão da transição agroecológica, especificamente na agropecuária,


esforço este que vem sendo realizado por agricultores do Rio Grande do Sul assistidos pelos
extensionistas da EMATER/RS, os dados demonstram a existência de um grande número de
famílias rurais que estão participando deste processo, assim como uma expressiva variedade de
culturas e criações que estão sendo cultivados ou manejados ecologicamente ou em fase de
transição para uma produção de base ecológica.
Conforme está registrado no Relatório da Gestão 1999-2002, da EMATER/RS-ASCAR, até o
final de 2002 haviam sido implantadas 138 feiras semanais de produtos ecológicos, com 880
feirantes. Nesta mesma época, os extensionistas rurais estavam assessorando 4 cooperativas e
354 grupos de agricultores ecológicos, que envolviam quase 4.000 participantes.
Também foram expressivas as ações de ecologização da agricultura e as ações
conservacionistas. Neste sentido, é preciso destacar o crescimento significativo da área do estado
com cobertura vegetal no inverno, que é um período crítico com respeito à erosão, assim como as
iniciativas para realizar a prática de plantio direto sem o uso de herbicidas, como podemos ver no
quadro abaixo.

Quadro 4: Ações conservacionistas e de ecologização da agricultura:

Ação/Atividade Número de Área


agricultores (hectares)
Área terraceada no ano 3.941 23.894
Área com cobertura vegetal no inverno 110.070 857.917
Milho: Plantio Direto SEM herbicida 7.666 23.407
Soja: Plantio Direto SEM herbicida 2.858 19.811
Trigo: Plantio Direto SEM herbicida 2.247 14.148

131
Fonte: Pesquisa EMATER/RS-ASCAR (2002).

Ademais, cabe registrar que foram realizadas importantes ações e obtidos muitos resultados
positivos no que diz respeito ao Manejo de Pragas e controle biológico da lagarta da soja. Em
2002 foram monitorados 31.083 ha de lavouras de 2.397 agricultores e o uso de Baculovirus
anticarsia foi realizado por 696 agricultores, em 12.681 ha.23
Quanto aos demais resultados alcançados nas culturas e criações, o estudo feito pela
EMATER/RS teve o cuidado de levantar dados gerais das principais atividades agropecuárias
assistidas pelos agentes de extensão rural. Vejamos alguns destes dados em atividades
escolhidas que envolvem a produção animal, onde procurou-se evidenciar a adoção de
tecnologias alternativas, mais compatíveis com a prevenção da saúde animal e mais adequadas
do ponto de vista ambiental.

a) Bovinocultura de Leite

Quadro 5: Aspectos do perfil dos produtores de leite assistidos pela EMATER/RS e algumas das
práticas alternativas adotadas:
Total de agricultores assistidos pela EMATER/RS 38.505
Número médio de vacas por agricultor 7 vacas
Produtores de leite adotando sistema de pastoreio rotativo 13.950
Produtores que usam tratamentos de enfermidades com
medicamentos fitoterápicos e/ou homeopáticos 6.612
Total de matrizes dos produtores assistidos 254.892
Total de litros de leite/ano x 1000 687.575
Fonte: Pesquisa EMATER/RS-ASCAR (2002).

Com respeito aos produtores de leite assistidos pela extensão rural, cabe destacar a adoção
de duas práticas ambientalmente mais amigáveis, como o sistema de pastoreio rotativo (em alguns
lugares conhecido como “leite a pasto”), adotado por 36% dos assistidos, assim como a adoção de
medicamentos a base de fitoterápicos e/ou uso de medicamentos homeopáticos por 17% dos
agricultores assistidos. Quanto aos medicamentos alternativos para controle de endo e
ectoparasitas dos animais, a EMATER/RS publicou um livro de autoria de extensionistas rurais que
vem sendo usado como manual de referência para este tema.24

b) Suinocultura
Na suinocultura a transição também começa a desenhar-se a partir da introdução de práticas
inovadoras como a criação de suínos sobre cama e o sistema de criação ao ar livre (SISCAL).

Quadro 6: Aspectos do perfil dos suinocultores assistidos pela EMATER/RS e práticas alternativas
adotada:
Total de agricultores assistidos 7.505
Agricultores que adotaram sistema de criação ao ar livre 271

23
Cabe destacar que, entre outras inúmeras contribuições que foram além das fronteiras do trabalho
cotidiano da extensão rural, as atividades da EMATER/RS permitiram a construção e socialização de
conhecimentos sobre Agroecologia entre diferentes públicos e em diferentes lugares do Brasil e de outros
países. Apenas como exemplo citamos a edição da Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural
Sustentável (em 2002, a revista completou seu terceiro ano, com 12 edições de 3.000 exemplares e
distribuição gratuita), assim como os Seminários Internacionais sobre Agroecologia que apresentaram uma
evolução de 582 participantes, em 1999, para 3.087 participantes, em 2002, reunindo pesquisadores,
estudantes agricultores, técnicos e demais interessados de vários estados e países.
24
Ver: Garcia, J. P. O. e Lunardi, J. J. Práticas alternativas de prevenção e controle das doenças
dos bovinos. Porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR. 2001.

132
Agricultores que adotaram sistema de criação sobre cama 301
Fonte: Pesquisa EMATER/RS-ASCAR (2002).

Ainda que seja bastante complexa a transição a um padrão mais ecológico na suinocultura,
já há indícios de mudanças no padrão convencional de criação de suínos, especialmente na fase
de crescimento e engorda. Em alguns municípios, especialmente devido aos aspectos ambientais,
foram estabelecidas políticas de incentivo à criação de suínos sobre cama (palha, maravalha,
casca de arroz, etc.), pois este sistema tem se mostrado menos contaminante e com resultados
econômicos iguais ou semelhantes aos sistemas convencionais, além de assegurar maior bem-
estar aos animais e menor incidência das enfermidades que são freqüentes nos sistemas de
confinamento.

c) Olericultura, Fruticultura e Produção de grãos


Quanto ao processo de transição agroecológica na agricultura, a pesquisa tomou como
referência três categorias: “Agricultura Convencional”, em “Transição – Substituição de Insumos”, e
em fase de “Redesenho dos Sistemas/Atividades Agrícolas”, de acordo com as definições que
constam do Box 1, abaixo. Com isto, procurou-se diferenciar etapas do processo de transição no
qual estão trabalhando agricultores assistidos e extensionistas rurais da EMATER/RS, de modo
que tais informações pudessem permitir uma avaliação sobre o andamento do processo de
ecologização tanto na produção de olerícolas, como na fruticultura e na produção de grãos, cujos
dados selecionados são apresentados a seguir, ressalvando que a pesquisa realizada pela
EMATER/RS-ASCAR, através de um sistema informatizado enviado a todos os Escritórios
Municipais, apresenta dados de outras atividades agropecuárias, além dos aqui mencionados.

Box 1: Referencial conceitual dos níveis de transição da agricultura convencional para estilos de
agricultura de base ecológica, adotado na pesquisa realizada pela ASCAR-EMATER/RS.

Sistema Convencion al: que inclui também agricultores assistidos que vêm, simplesmente,
reduzindo o uso de insumos químicos, por razões econômicas ou outras, sem preocupar-se com a
adoção de insumos ou práticas alternativas.
Tr ansição -Substituição: agricultores assistidos que vêm realizando processos de
substituição de insumos químicos (adubos químicos e agrotóxicos) por insumos alternativos de
base ecológica.
Tr ansição -Redesenho: agricultores assistidos que, além do processo de substituição de
insumos, vêm realizando o redesenho de suas propriedades, a partir de um enfoque ecológico e
sistêmico (estão realizando simultaneamente e de forma integrada, diversos processos, tais como:
manejo ecológico do solo, rotação e diversificação de culturas, integração de sistemas agrícolas e
de criação animal, florestamento e reflorestamento conservacionista, manejo de sistemas
agroflorestais, entre outras técnicas e práticas agrícolas de base ecológica).
Fonte: EMATER/ RS (2002a).

c.1) Olericultura
Produtores de hortigranjeiros têm demonstrado grande capacidade de enfrentar os desafios
da transição agroecológica em praticamente todos os seus cultivos. No quadro que a seguir
constam dados de apenas 4 grandes cultivos que podem ser representativos dos resultados nesta
área.

Quadro 6: Olericultura - Número, área e aspectos da transição agroecológica dos assistidos pela
EMATER/RS, em quatro produtos selecionados.
Agricultores assistidos (Nº) Área assistida (ha)
Culturas
Categorias Categorias

133
Sistema Sistema
Transição Redesenho Transição Redesenho
Convencional Convencional
Alho 1.015 163 8 1.345 214 1,8
Batata 2.326 565 132 3.316 227 68
Cebola 3.374 1.662 334 4.027 309 46
Tomate 1.268 379 175 573 106,8 44
Fonte: Pesquisa EMATER/RS-ASCAR (2002).

No quadro 7, é possível verificar o somatório relativo às culturas de alho, batata, cebola e


tomate, mostrando que somente nestes quatro cultivos de hortigranjeiros já são mais de 3.400
agricultores (aproximadamente 30% do total de assistidos nestas 4 olerícolas – é provável que
haja repetição de agricultores) que estão tratando de mudar seus sistemas de produção, atingindo
uma área total de 1.017 ha (aproximadamente 10% da área assistida). Estes dados demonstram o
grau de dificuldade técnica e cuidados com os riscos inerentes à transição para sistemas
ecológicos, o que leva agricultores e técnicos a iniciarem as mudanças tecnológicas em pequenas
áreas. Muitos destes agricultores fazem parte das feiras de produtos ecológicos citadas
anteriormente.

Quadro 7: Resumo do número de agricultores e área em transição e redesenho:


Totais de 4 culturas Em Transição Redesenho Totais
de olerícolas
Número Agricultores 2.769 649 3.418
Área (ha) 857 160 1.017

c.2) Fruticultura
Também na fruticultura há numerosos exemplos dos esforços no sentido da transição
agroecológica. O levantamento feito pela EMATER/RS restringiu-se a algumas das principais
atividades da fruticultura do Rio Grande do Sul, cujos dados são mostrados, parcialmente, no
quadro 8, abaixo. Como é possível observar, apenas em 10 espécies da fruticultura, mais de
10.600 agricultores estão em fase de transição ou já com redesenho de suas
propriedades/atividades agrícolas, o que alcança uma área de aproximadamente 15.000 ha. Isto
significa que quase 50% do agricultores e da área assistida pelos técnicos da EMATER/RS, nas
espécies de frutas acima relacionadas, encontram-se em processo ou já mudaram seus sistemas
para estilos de fruticultura de base ecológica.

Quadro 8: Fruticultura - Número, área e aspectos do processo de transição agroecológica dos


assistidos da EMATER/RS, em dez cultivos selecionados:
Agricultores assistidos (Nº) Área assistida (ha)
Categorias Categorias
Culturas
Sistema Sistema
Transição Redesenho Transição Redesenho
Convencional Convencional
Abacaxi 98 34 11 188 37 6,9
Banana 1.332 610 219 4.975 2.117 504
Bergamota 1.281 976 235 2.312 1.547 431
Figo mesa/ind. 259 528 118 1.785 383 68
Laranja 2.542 1.963 375 3.315 3.086 493
Limão 159 175 31 88 123 19,5
Melancia 606 245 40 1.784 699 99
Morango 302 174 57 95 48 57
Pêssego mesa 1.065 625 60 1.399 425 49

134
Uva comum 5.721 3.720 499 10.444 4.471 318
Totais 13.365 9.050 1.645 26.385 12.936 2.045,4
Fonte: Pesquisa EMATER/RS-ASCAR (2002).

c.3) Grandes lavouras de grãos


No levantamento realizado pela EMATER/RS foram coletados dados sobre várias culturas,
incluindo dados separados de arroz irrigado e de sequeiro, de feijão safra e safrinha, assim como
de diferentes formas e finalidades de cultivo do milho. Para os objetivos deste artigo, são
apresentados apenas os dados de cinco culturas, tendo sido agregadas as informações relativas
às lavouras de arroz do sequeiro mais irrigado e de feijão safra mais safrinha.
Como é possível observar no Quadro 9, os dados destas 5 grandes culturas de grãos do Rio
Grande do Sul mostram que a transição agroecológica deixou de ser um fato restrito aos
hortigranjeiros como se enfatizou por muitos anos, para estabelecer-se como um processo
possível nas áreas agricultura extensiva.

Quadro 9: Produção de Grãos – Número, área e aspectos da transição agroecológica entre


agricultores assistidos pela EMATER/RS, em cinco cultivos selecionados:
Agricultores assistidos (Nº) Área assistida (ha)
Categorias Categorias
Culturas Sistema Sistema
Transição Redesenho Transição Redesenho
Convencional Convencional
Arroz 2.445 626 581 31.643 4.153 453
Feijão 13.870 5.115 1.525 15.986 5.100 1.524
Milho 59.458 14.360 2.238 254.956 51.068 7.456
Soja 28.013 6.554 995 338.832 65.089 7.188
Total verão 103.786 26.655 5.339 641.417 125.410 16.621
Trigo 6.979 2.186 161 58.164 14.895 655
Fonte: Pesquisa EMATER/RS-ASCAR (2002).

Em alguns cultivos, como o do feijão, dos 20.510 agricultores assistidos pelos técnicos da
EMATER/RS, cerca de 32% aderiram ao processo de transição ou já iniciaram o redesenho de
seus sistemas. Com respeito à área, é importante observar que de um total de 22.610 hectares
assistidos 29% já se encontram em processo de transição ou em sistemas redesenhados, o que
explica as razões do rápido crescimento da oferta de feijão ecológico. Como exemplo da
possibilidade e viabilidade deste processo de ecologização da nossa agricultura, nos permitimos
mencionar os excelentes resultados alcançados pelos produtores ecológicos de feijão na Região
administrativa da EMATER/RS que tem como sede o município de Santa Maria. Nesta região,
programas coordenados pelo Engenheiro Agrônomo e Assistente Técnico Regional, MSc. Paulo
Renato Poerschke25, levados a cabo por extensionistas rurais de 20 municípios, evidenciam que
não só é possível produzir ecologicamente, como é factível obter produtividade superior ao
sistema convencional e com isto aumentar a renda dos agricultores. Os resultados na safra
2002/2003, obtidos pelos agricultores participantes dos Programas de Produção Ecológica de
Feijão das microrregiões Centro-Serra e Quarta Colônia, foram, respectivamente, de 675 Kg/ha e
1.029 Kg/ha nas áreas com manejo ecológico, contra 673 Kg/ha e 858 Kg/ha nas áreas com
manejo convencional, corroborando resultados de anos anteriores. Isto leva o referido Assistente
Técnico a afirmar que “a produção de feijão, com base em princípios agroecológicos, na região, é
uma realidade com tendência de crescimento, agregando novos produtores e contribuindo para a
melhoria do nosso meio ambiente e qualidade de vida de produtores e consumidores” (Poerschke,
2003).

25
Agradecemos ao colega Paulo Renato Poerschke pela oportunidade de divulgar os dados deste
importante trabalho.

135
Resultados semelhantes têm sido observados em outras regiões e municípios do estado do
Rio Grande do Sul, tanto na cultura do feijão como em outros cultivos de grãos, o que pode ser
evidenciado pelo resumo que consta no quadro 10, indicando o expressivo número de agricultores
que estão participando do processo de ecologização em uma quantidade de área não
menosprezável para os cinco cultivos selecionados.

Quadro 10: Totais de área e agricultores em transição e redesenho nos cinco cultivos
selecionados:
Totais 5 grandes Convencional Em Transição Redesenho
culturas de grãos
Número agricultores 110.765 28.841 5.500
Área (ha) 699.581 140.305 17.276
Fonte: Pesquisa EMATER/RS-ASCAR (2002).

De um total de 140.156 agricultores que recebem assistência técnica nestes cinco cultivos,
29.391 (20,9% do total) estão com suas lavouras em processo de transição ou já redesenharam
suas propriedades/atividades. Do total de 857.162 hectares assistidos, 157.581 hectares estão em
“transição-substituição de insumos” ou em fase de “redesenho”, o que representa mais de 18% da
área total dos produtores assistidos nestas 5 culturas.

5 Como conclusão

Como é sabido, o ideal de sustentabilidade que vem sendo construído nas últimas décadas
teve um grande impulso a partir de 1972, com a Conferência de Estocolmo, e ainda requer
grandes transformações nos modos de vida e nos padrões de produção e consumo vigentes nas
sociedades. Seria dispensável afirmar que qualquer patamar de sustentabilidade que se almeje
alcançar vai exigir grandes cuidados com a base de recursos naturais da qual dependem a atual e
as futuras gerações. Por isto mesmo, o desenvolvimento sustentável exige a construção de estilos
de desenvolvimento rural e de agricultura sustentáveis. A atividade agrícola, na perspectiva da
sustentabilidade, deve proteger e conservar os recursos naturais não renováveis assim como deve
produzir alimentos sadios, livres de contaminantes químicos (e acessíveis a toda a população).
Ademais, a agricultura para ser sustentável não pode ser causadora de êxodo rural, assim como
não pode ser responsável pela contaminação do ar, do solo e das águas. Também não pode ser
geradora de externalidades incontroláveis que afetem negativamente a saúde de homens e
animais.
Portanto, caminhar no sentido da construção de estilos de agricultura de base ecológica faz
parte do imperativo socioambiental da nossa época. Não obstante, dadas as complexas condições
objetivas impostas pelo padrão de desenvolvimento rural e da agricultura (sejam elas de natureza
econômica, social, cultural ou política), ou mesmo pelos limitantes ambientais determinados pelos
níveis de degradação dos agroecossistemas (que precisam ser recuperados para permitir a
construção destes novos estilos de agricultura sustentável), a busca da sustentabilidade precisa
ser guiada por um processo de ecologização permanente e continuo no tempo e por uma transição
agroecológica gradual e segura.
Estes passos estão sendo seguidos no Rio Grande do Sul. Em pouco mais de três anos de
atividades inovadoras da Extensão Rural, com base nos princípios da Agroecologia, a busca por
novos patamares de sustentabilidade no desenvolvimento rural e na agricultura se espalhou pelas
diferentes regiões do estado, fruto da grande capilaridade e abrangência que se pode obter
quando uma empresa de extensão rural da dimensão da EMATER/RS se coloca a serviço de
objetivos maiores da sociedade. Isto serve também para demonstrar a importância do papel do
Estado, de suas instituições e das políticas públicas na potencialização e disseminação de
processos de transição da agricultura convencional a estilos de agricultura e desenvolvimento rural
sustentáveis.

136
Os resultados, ainda que pequenos diante do tamanho da agricultura do estado do Rio
Grande do Sul, servem para revelar que a transição agroecológica é possível, particularmente
quando se trata da agricultura familiar. Ademais, fica claro que agricultores familiares e
extensionistas rurais estão dispostos a enfrentar novos desafios e riscos, construir novos e mais
adequados conhecimentos e tecnologias, de modo a responder aos anseios da sociedade maior
que, como eles, espera um futuro com qualidade para seus descendentes.
Os dados antes apresentados refletem, com clareza e transparência, o enfoque
agroecológico que foi adotado pela EMATER/RS. Não se trata de um enfoque que dirige todos os
esforços apenas para estimular a produção orgânica e atender nichos de mercado, mas de algo
mais amplo e com o olhar no futuro. Por um lado, os dados demonstram que houve grande
empenho no trabalho com práticas de tipo conservacionistas/ambientalistas e em ações de
Educação Ambiental. Por outro lado, mostram que os agentes de extensão rural continuaram
atuando com todos os agricultores, inclusive com aqueles que optaram por seguir com seus
sistemas convencionais de agricultura, sem excluí-los das oportunidades de contato com os
técnicos da extensão rural e da participação em atividades de socialização de conhecimentos
sobre Agroecologia. Aliás, uma das virtudes do enfoque agroecológico está justamente na noção
de transição da agricultura convencional para a agricultura sustentável. A transição agroecológica
não implica em uma revolução, mas sim em um processo que exige, antes de nada, consciência
ambiental e compromisso com as futuras gerações.
Como também mostram os dados acima, o fato de mais de 100.000 agricultores terem
adotado práticas de cobertura vegetal do solo no inverno e mais de 70.000 famílias terem
participado em seminários e cursos de educação ambiental em 2002, são indicativos de que há
uma boa base já construída para alicerçar a continuidade do processo de transição agroecológica
neste estado. De igual forma, há um importante referencial para a transição agroecológica, na
medida em que quase 60.000 agricultores familiares com repetição (porque alguns constam dos
dados de diferentes cultivos) já estão empenhados em ecologizar suas atividades agropecuárias.
Isto é, cerca de 10% da agricultura familiar do RS já atingiu esta meta e que, portanto, o Rio
Grande do Sul conta com suficientes exemplos para orientar e ampliar tais iniciativas.
Saber que uma expressiva parcela dos agricultores familiares do Rio Grande do Sul está
realizando um processo de transição para estilos de agricultura sustentável, diminuindo impactos
ao meio ambiente e à saúde e preservando os recursos naturais é, sem dúvidas, um fator de
grande esperança para as futuras gerações, assim como indica um aspecto favorável para a
melhoria da qualidade de vida das gerações atuais. Continuar esta caminhada cotidiana é o novo
desafio. Certamente a sociedade reconhecerá os esforços daqueles que hoje estão mostrando,
por suas ações concretas, que é possível construir outros processos de desenvolvimento rural e
outros estilos agricultura, mais sustentáveis e duradouros no tempo.

137
SEGURANÇA ALIMENTAR E AGRICULTURA SUSTENTÁVEL: UMA PERSPECTIVA AGROECOLÓGICA1

Francisco Roberto Caporal


José Antônio Costabeber

1 Introdução

O modelo agrícola convencional, centrado no uso abusivo de recursos naturais e de


agroquímicos de síntese, permitiu aumentar a produção e produtividade de alguns cultivos em
certas regiões, causando porém forte agressão ao ambiente e comprometendo a sua
sustentabilidade a longo prazo. Ademais, prioriza a produção de commodities e responde mais ao
mercado do que às reais necessidades alimentares da população. Esta situação só poderá ser
revertida no momento em que o projeto de desenvolvimento nacional definir o atendimento das
demandas alimentares e nutricionais como a principal meta da produção agropecuária, já que
existem hoje 44 milhões de brasileiros que não têm atendida sequer sua dieta quantitativa. A
segurança alimentar e nutricional sustentável requer, no entanto, a implementação de estilos de
Agricultura Sustentável baseados nos princípios científicos da Agroecologia. A verdadeira
modernização da agricultura exige que o manejo dos recursos naturais e a seleção de tecnologias
usadas no processo produtivo sejam o resultado de uma nova forma de aproximação e integração
entre Ecologia e Agronomia. Os estilos de agricultura deverão ser compatíveis com a
heterogeneidade dos agroecossistemas, levando-se em conta os conhecimentos locais, os
avanços científicos e a socialização de saberes, além do uso de tecnologias menos agressivas ao
ambiente e à saúde das pessoas.

2 Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável

A expressão segurança alimentar, como conceito orientador para políticas públicas,


apareceu em 1974, durante a Conferência Mundial da Alimentação promovida pela Organização
das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Em 1996, a mesma FAO estabelecia
um conceito mais ambicioso, ao afirmar que se trata de assegurar o acesso aos alimentos para
todos e a todo o momento, em quantidade e qualidade suficientes para garantir uma vida saudável
e ativa. A partir deste conceito, ficou patente a importância de uma agricultura que produza
alimentos básicos (e não apenas commodities), com adequada qualidade biológica. Ademais,
alerta para a necessidade de que a agricultura seja mais respeitosa com o meio ambiente, de
modo a assegurar a conservação da base de recursos naturais indispensável para a produção ao
longo do tempo. Esta preocupação se justifica quando o organismo das Nações Unidas
encarregado de zelar pela agricultura e pela alimentação dos povos, diagnostica que, ao longo das
décadas de Revolução Verde, houve um crescimento significativo da fome no mundo. No mesmo
período cresceu o êxodo rural e aumentou a pobreza tanto rural como urbana. Hoje existem no
mundo mais de 800 milhões de pessoas passando fome. No Brasil, apesar de não haver consenso
sobre os números apresentados nas estatísticas, há pelo menos 44 milhões de habitantes sem as
condições alimentares adequadas.
Se por um lado estamos diante de um problema de acesso aos alimentos, por outro,
estamos diante de uma carência na produção de comida para atender às necessidades de todos
os brasileiros, quer em quantidade, quer em qualidade.
No que tange à qualidade dos alimentos que estão sendo ofertados à população, cabe
registrar que pesquisa realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) mostrou,
por exemplo, que 81,2% das amostras de alimentos analisadas continham resíduos de
agrotóxicos, sendo que 22,17% apresentavam contaminação acima dos limites máximos

1
Publicado inicialmente In: Ciência & Ambiente, Santa Maria, v.1, n.27, p.153-165, jul./dez. 2003.
permitidos pela legislação. Além disso, a Agência identificou a presença de resíduos de
agrotóxicos não autorizados para determinadas culturas2.
Sobre a questão da quantidade, o padrão agrícola dominante no país tem deixado a desejar
quando o assunto é a produção de alimentos básicos. As estimativas da super safra de 2002/2003
ilustram bem o aumento da produção de alguns grãos, especialmente soja e milho, mas não
mostram a debilidade na produção e na oferta de alimentos básicos para a dieta dos 44 milhões de
brasileiros que ainda não têm acesso aos alimentos em quantidade suficiente. Observe-se que,
segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento3, das 120,2 milhões de toneladas de
grãos produzidas no ano agrícola 2002/2003, 52,209 milhões de toneladas correspondem à
produção de soja, sendo que cerca de 37,2 milhões de toneladas de produtos do complexo soja
destinam-se à exportação.
Em relação ao volume total de produção, o consumo nacional de soja em grão na
alimentação humana é pouco expressivo, até porque a ingestão desta leguminosa não faz parte
dos hábitos alimentares da maioria da população. Sabe-se também que as campanhas que
visavam aumentar o consumo de soja na alimentação humana no Brasil não alcançaram os
resultados esperados4. Por outro lado, na mesma safra assiste-se a uma redução no volume de
arroz produzido5, este sim um produto plenamente incorporado na dieta nacional. No que se refere
ao trigo, apesar da variação positiva esperada, cabe salientar que o país produz apenas 4,514
milhões de toneladas, das 10,691 milhões de toneladas que consome. A resultante dessa situação
é óbvia: o país precisará importar alimentos básicos, como arroz, trigo, feijão, batata e leite6, pois
as quantidades atualmente produzidas são insuficientes para atender a demanda dos 170 milhões
de habitantes; e poderão ser ainda mais insuficientes caso o Programa Fome Zero obtiver
sucesso.
A tabela 1 ilustra a deficiência na produção de alimentos básicos quando o objetivo é a
inclusão dos 44 milhões de brasileiros que hoje passam fome.

Tabela 1. Programa Fome Zero: projeção da necessidade quantitativa de alimentos*


7
Provisão mínima Necessidade Consumo
8 Acréscimo
Alimentos Decreto Lei 399/38 quantitativa anual brasileiro em 2002
9 no consumo
Unidade Quantidade mil t/l mil t
1. Carnes kg 6,0 2.014,0
1.1. bovina kg 3,0 1.007,0 6.459.8 16%
1.2. frango kg 3,0 1.007,0 5.862,8 17%

2
ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Anvisa investiga alimentos contaminados por
agrotóxicos. Boletim Informativo da Anvisa, Brasília, n.25, p.4-5, novembro de 2002.
3
COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Quadro de suprimentos. Brasil: oferta e demanda
brasileira. 2003 (http://www.conab.gov.br/download/indicadores/0301-Oferta-e-demanda-brasileira.pdf).
4
Nesse sentido, a experiência da campanha intitulada “Soja Solidária”, por exemplo, implantada na
Argentina no recente período de crise e crescimento da pobreza e da fome, enfrentou muitas resistências e
não resolveu o problema alimentar. Ao contrário, serviu para que o Ministério da Saúde daquele país
divulgasse cartilhas orientando sobre os riscos à saúde que a alimentação à base de soja pode trazer, tanto
para crianças de pequena idade como para idosos.
5
A produção de arroz caiu de 10,626 milhões de toneladas, colhidas na safra 2001/2002, para 10,441
milhões de toneladas, na safra 2002/2003 (CONAB, Op. cit.).
6
Em 2002, o Brasil importou 780,20 mil toneladas de arroz em casca e 450,00 mil toneladas de milho
em grão (CONAB, Op. cit.).
7
Necessidade mínima de alimento/mês. O Decreto Lei 399/38 ainda inclui o pão francês (6 kg),
banana (90 unidades), açúcar (3 kg) e manteiga (90 g).
8
Para 44,04 milhões de pessoas. De acordo com o Projeto Fome Zero, os 44 milhões de pessoas
correspondem a 9.324 mil famílias com renda familiar per capita de até US$ 1,08 por dia. Conforme o
Dieese, uma família é constituída de 2 adultos e duas crianças, considerando para fins de quantidade que o
consumo de uma família corresponde a de 3 adultos.
9
Fontes: carnes, feijão e arroz (CONAB), óleo (ABIOVE), batata e tomate – produção (IBGE), leite –
milhões litros (CNA).

140
2. Leite l 15,0 5.035,0 22.100,0 23%
3. Feijão kg 4,5 1.510,5 2.712,7 56%
4. Arroz (benef.) kg 3,0 1.007,0 8.076,8 12%
5. Batata kg 6,0 2.014,0 2.864,0 70%
6. Tomate kg 9,0 3.021,0 3.076,0 98%
7. Café em pó kg 0,6 201,4 780,0 26%
8. Óleo de soja kg 1,5 503,5 2.935,0 17%
10
Fonte: Pernambuco, G. Elaboração: Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Conforme os dados aqui apresentados, para que o Brasil possa alcançar o objetivo de
segurança alimentar e nutricional sustentável, para toda a sua população, são necessárias
políticas públicas que: a) disponibilizem mais recursos para estimular e bem remunerar a produção
de alimentos básicos compatíveis com os hábitos alimentares predominantes em cada região do
país; e b) destinem recursos para um amplo processo de reconversão da agricultura, ou seja, um
processo de transição do sistema convencional, baseado na agroquímica, para uma agricultura
sustentável, que se fundamenta nos princípios da Agroecologia. A implementação destas políticas,
essenciais para a segurança alimentar e nutricional dos brasileiros, ainda carece de decisão
política dos governos federal, estaduais e municipais, razão pela qual, no marco deste artigo,
optou-se apenas por registrar esta questão em forma de alerta.
Nesta perspectiva, cabe salientar ainda a importância da reforma agrária e da agricultura
familiar na construção de estratégias de desenvolvimento rural sustentável e de aumento e
consolidação da produção nacional de alimentos básicos. Conforme tem sido defendido ao longo
de décadas, o desenvolvimento rural brasileiro carece de uma vigorosa reforma da estrutura
fundiária e de políticas consistentes de fortalecimento da agricultura familiar. Existem no Brasil
4.139.369 estabelecimentos rurais familiares que, embora ocupando apenas 30,5% da área total e
dispondo de 25,3% do financiamento, respondem por 37,9% do Valor Bruto da Produção (VBP) e
por 76,85% da mão-de-obra ocupada na agricultura. Os agricultores familiares produzem 24% do
VBP total da pecuária de corte, 52% da pecuária de leite, 58% dos suínos e 40% das aves e ovos.
Além disso, respondem pela produção de 33% do algodão, 31% do arroz, 72% da cebola, 67% do
feijão, 97% do fumo, 84% da mandioca, 49% do milho, 32% da soja, 46% do trigo, 58% da
banana, 27% da laranja, 47% da uva, 25% do café e 10% da cana-de-açúcar, o que demonstra a
grande importância estratégica deste setor11.
Logo, uma vez estabelecidas como meta a busca de segurança alimentar e nutricional
sustentável e a incorporação de um contingente enorme de brasileiros como consumidores de
alimentos, seria pouco inteligente desconsiderar a relevância do segmento familiar rural. Vale
ressaltar, ademais, que a agricultura de base familiar é mais apropriada para o estabelecimento de
estilos de agricultura sustentável, tanto pelas características de maior ocupação de mão-de-obra e
de diversificação de culturas, que são próprias desta forma de organização da produção, quanto
pela sua maior capacidade de proceder ao redesenho de agroecossistemas de maneira mais
acorde aos ideais de sustentabilidade12.

3 Agroecologia como base científica de uma agricultura sustentável


Não raramente tem-se confundido a Agroecologia com modelo de agricultura, com processo
de produção, com produto ecológico, com prática ou tecnologia agrícola, com política pública, com
modo de vida e até com movimento social. Apesar da boa intenção do seu emprego, essas

10
Pernambuco, G. Fome Zero aumentará o consumo da cesta básica. Revista Gleba (Informativo
Técnico da CNA), Brasília, ano 47, n.189, p.1-2, nov./dez. 2002.
11
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária. Novo retrato da agricultura familiar: o Brasil redescoberto. Brasília: MDA, 2000.
12
Toledo, V. M. Agroecología, sustentabilidad y reforma agraria: la superioridad de la pequeña
producción familiar. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.3, n.2, p.27-36,
abr./jun. 2002.

141
imprecisões podem mascarar a potencialidade que possui o enfoque agroecológico para apoiar o
desenvolvimento agrícola e rural13. Ainda que haja diversas interpretações conceituais, a
Agroecologia corresponde fundamentalmente a um campo de conhecimentos de natureza
multidisciplinar, que pretende contribuir na construção de estilos de agricultura de base ecológica e
na elaboração de estratégias de desenvolvimento rural, tendo-se como referência os ideais da
sustentabilidade numa perspectiva multidimensional de longo prazo14. Como ciência, a
Agroecologia apresenta uma série de princípios, conceitos e metodologias que permitem o estudo,
a análise, o desenho, o manejo e a avaliação de agroecossistemas15. Suas bases epistemológicas
mostram que, historicamente, a evolução da cultura humana pode ser explicada com referência ao
meio ambiente, ao mesmo tempo em que a evolução do meio ambiente pode ser explicada com
referência à cultura humana16, o que tem especial significado quando se pretende alcançar
melhores patamares de sustentabilidade.
Sob o ponto de vista agroecológico, existe relativo consenso de que a agricultura sustentável
é aquela que, a partir de uma compreensão holística dos agroecossistemas, seja capaz de
atender, de maneira integrada, aos seguintes critérios: a) baixa dependência de input comerciais;
b) uso de recursos renováveis localmente acessíveis; c) utilização dos impactos benéficos ou
benignos do meio ambiente local; d) aceitação e/ou tolerância das condições locais, antes da
dependência da intensa alteração ou tentativa de controle sobre o meio ambiente; e) manutenção
a longo prazo da capacidade produtiva; f) preservação da diversidade biológica e cultural; g)
utilização do conhecimento e da cultura da população local; e h) produção de mercadorias para o
consumo interno e para a exportação17. Para Altieri, a expressão agricultura sustentável se refere
à “busca de rendimentos duráveis, a longo prazo, através do uso de tecnologias de manejo
ecologicamente adequadas”, o que requer a “otimização do sistema como um todo e não apenas o

13
Caporal, F. R.; Costabeber, J. A. Agroecologia: enfoque científico e estratégico. Agroecologia e
Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.3, n.2, p.13-16, abr./jun. 2002d.
14
Caporal, F. R.; Costabeber, J. A. Análise multidimensional da sustentabilidade: uma proposta
metodológica a partir da Agroecologia. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre,
v.3, n.3, p.70-85, jul./set. 2002b.
15
Os agroecossistemas são considerados como a unidade fundamental de estudo, nos quais os ciclos
minerais, as transformações energéticas, os processos biológicos e as relações socioeconômicas são vistas
e analisadas em seu conjunto (Altieri, M. A. El “estado del arte” de la agroecología y su contribución al
desarrollo rural en América Latina. In: Cadenas Marín, A. (ed.). Agricultura y desarrollo sostenible.
Madrid: MAPA, 1995. p.151-203). Tem-se um agroecossistema sustentável “quando os componentes tanto
da base social como da base ecológica combinam-se em um sistema cuja estrutura e função reflete a
interação do conhecimento e das preferências humanas com os componentes ecológicos do
agroecossistema” (Gliessman, S. R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto
Alegre: Editora da Universidade – UFRGS, 2000).
16
Altieri, M. A. Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. Rio de Janeiro:
PTA/FASE, 1989. Altieri, M. A. El “estado del arte” de la Agroecología... Op. cit. Altieri, M. A. Agroecologia:
a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. 3. ed. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001.
(Síntese Universitária, 54). Toledo, V. M. La racionalidad ecológica de la producción campesina. In: Sevilla
Guzmán, E. & González de Molina, M. (eds.). Ecología, campesinado e historia. Madrid: La Piqueta, 1993.
p.197-218. Norgaard, R. B. A base epistemológica da Agroecologia. In: ALTIERI, M. A. (ed.). Agroecologia:
as bases científicas da agricultura alternativa. Rio de Janeiro: PTA/FASE, 1989. p.42-48. Norgaard, R. B. A
co-evolutionary environmental sociology. In: Redclift, M. & Woodgate, G. (eds.). The International
Handbook of Environmental Sociology. Cheltenham, UK: Edward Elgar, 1997. p.158-168. Conway, G.
The doubly green revolution: food for all in the twenty-first century. London: Penguin Books, 1997. Sevilla
Guzmán, E. & González de Molina, M. (eds.). Ecología, campesinado e historia. Madrid: La Piqueta, 1993.
González de Molina, M. Agroecología: bases teóricas para una historia agraria alternativa. Agroecología y
Desarrollo, n. 4, p. 22-31, dic. 1992.
17
Gliessman, S. R. Quantifyng the agroecological component of sustainable agriculture: a goal. In:
Gliessman, S. R. (ed.). Agroecology: researching the ecological basis for sustainable agriculture. New York:
Springer-Verlag, 1990. p.366-399.

142
rendimento máximo de qualquer produto específico”18. Por sua parte, o Centro de Agroecologia da
Universidade da Califórnia, Campus de Santa Cruz (EUA), definiu agricultura sustentável como
“aquela que reconhece a natureza sistêmica da produção de alimentos, forragens e fibras,
equilibrando, com equidade, preocupações relacionadas à saúde ambiental, justiça social e
viabilidade econômica, entre diferentes setores da população, incluindo distintos povos e
diferentes gerações”19.
Tomando-se como referência as proposições de Stephen Gliessman, o enfoque
agroecológico corresponde à aplicação de conceitos e princípios da ecologia no manejo e desenho
de agroecossistemas sustentáveis20, uma orientação teórico-metodológica que adquire enorme
complexidade, dependendo especialmente do nível de sustentabilidade que se deseja alcançar.
Segundo o mesmo autor, existem três níveis fundamentais no processo de conversão para
agroecossistemas sustentáveis. O primeiro diz respeito ao incremento da eficiência das práticas
convencionais para reduzir o uso de insumos externos caros, escassos e daninhos ao meio
ambiente. Esta tem sido a principal ênfase da pesquisa agrícola convencional, resultando em
muitas práticas e tecnologias que ajudam a reduzir os impactos negativos da agricultura, mas sem
eliminá-los. O segundo nível da transição se refere à substituição de insumos convencionais por
insumos alternativos. A meta seria a substituição de insumos e práticas intensivas em capital e
agressivas ao ambiente, por outras mais benignas sob o ponto de vista ecológico. Neste nível, a
estrutura básica do agroecossistema ainda seria pouco alterada, podendo ocorrer, então,
desequilíbrios similares aos que se verificam nos sistemas convencionais. O terceiro e mais
complexo nível da transição é representado pelo redesenho dos agroecossistemas, para que
passem a funcionar com base em um novo conjunto de processos ecológicos. Somente
alcançando esse terceiro nível seria possível a minimização das causas que geram os problemas
na agricultura convencional. Em termos de pesquisa e de produção tecnológica, já foram feitos
importantes trabalhos em relação ao processo de transição do primeiro ao segundo nível. Porém,
os trabalhos para a transição ao terceiro nível estão recém começando21
A necessidade de alcançar o terceiro nível da transição torna-se óbvia, na medida em que
hoje se reconhece que a agricultura convencional, num pequeno tempo histórico, mostrou-se não
somente portadora de um processo entrópico ambientalmente destrutivo, mas também
responsável pela crescente diminuição da biodiversidade dos agroecossistemas, especialmente
em razão da adoção de grandes monoculturas22. Não obstante, estudos mostram que a
biodiversidade é responsável por maior estabilidade ecológica nos agroecossistemas e que,
quanto maior for a simplificação, menor será a estabilidade ecológica proporcionada pelas inter-
relações das comunidades de plantas e animais com o seu meio ambiente físico e químico23.

4 Transição agroecológica: a experiência no Rio Grande do Sul

18
Altieri, M. A. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. Guaíba: Editora
Agropecuária, 2002a. 592 p.
19
Gliessman, S. R. Op. cit., 2000.
20
Gliessman, S. R. Op. cit., 2000.
21
Gliessman, S. R. Op. cit., 2000: 573-5.
22
Como conseqüência da modernização, “a agricultura atual reduziu a diversidade ao máximo. Das
cerca de 80.000 plantas comestíveis que se considera que existem, somente são utilizadas umas 200 e,
destas, apenas 12 são alimentos básicos importantes para a humanidade”. Ao mesmo tempo, ocorreu uma
enorme perda da variabilidade genética, com aumento do risco de danos por ataques de insetos e doenças
(Sarandón, S. J. La agricultura como actividad transformadora del ambiente. El impacto de la agricultura
intensiva de la Revolución Verde. p.32-33. In: Sarandón, S. J. (ed.). Agroecología: el camino hacia una
agricultura sustentable. Buenos Aires: Ediciones Científicas Americanas, 2002. p.23-47.). Observe-se que
este quadro dramático poderá piorar se houver a adoção de sementes geneticamente modificadas em larga
escala.
23
Altieri, M. A. Agroecología: principios y estrategias para diseñar sistemas agrarios sustentables.
p.50-51. In: Sarandón, Santiago J. (ed.). Op. cit., p.49-56.

143
Com base no conjunto de conceitos antes referidos, a experiência que vem sendo realizada
no Rio Grande do Sul demonstra que o processo de transição agroecológica é possível, desde que
existam políticas favoráveis, incluindo serviços públicos e gratuitos de assistência técnica e
extensão rural voltados para esse objetivo24. Os resultados alcançados no período de 1999-2002
mostram que um número significativo de unidades familiares de produção está participando desse
processo, e que está havendo a adoção maciça, por parte de agricultores gaúchos, de diversas
práticas ambientalmente recomendáveis. Como exemplo, pode-se citar que, em 2002, 110.070
agricultores assistidos pela EMATER/RS-ASCAR utilizaram cobertura vegetal de inverno em
857.917 hectares. No mesmo ano, quase 13.000 agricultores realizaram plantio direto de soja,
milho e trigo sem o uso de herbicidas, em mais de 57.000 hectares. Além disso, 13.950
agricultores passaram a usar o sistema de pastoreio rotativo na pecuária leiteira, enquanto 6.612
destes adotaram o uso de medicamentos fitoterápicos e/ou homeopáticos no tratamento de seus
animais.
Outros dados confirmam a tendência positiva da transição agroecológica que está em curso.
Segundo relatório da EMATER/RS-ASCAR, são significativos os resultados em termos de número
de agricultores que vêm participando desse processo25. A empresa realizou o levantamento dos
dados segundo três estágios de transição para estilos de agricultura de base ecológica, adaptados
dos níveis sugeridos por Gliessman26 (2000), conforme os seguintes conceitos:
• Convencional-Racionalização: agricultores assistidos que vêm, simplesmente, reduzindo o uso
de insumos químicos, por razões econômicas ou outras, sem maior preocupação com a
adoção de insumos ou práticas alternativas.
• Transição-Substituição: agricultores assistidos que vêm realizando processos de substituição
de insumos químicos (fertilizantes químicos e agrotóxicos) por insumos alternativos de base
ecológica.
• Transição-Redesenho: agricultores assistidos que, além do processo de substituição de
insumos, vêm realizando o redesenho de suas propriedades, a partir de um enfoque ecológico
e sistêmico (estão aplicando, simultaneamente e de forma integrada, diversas técnicas e
práticas agrícolas de base ecológica, tais como: manejo ecológico do solo, rotação e
diversificação de culturas, integração de sistemas agrícolas e de criação animal, florestamento
e reflorestamento conservacionista, manejo de sistemas agroflorestais, etc.).
A partir dessa categorização de níveis de transição, e tomando-se como referência as
principais culturas agrícolas, cabe destacar, a título de exemplo, os seguintes avanços na
transição agroecológica no Estado:
a) Relativo às culturas de alho, batata, cebola e tomate, 7.983 agricultores assistidos pela
EMATER/RS-ASCAR estavam no estágio Convencional-Racionalização (9.261 hectares),
2.769 no estágio Transição-Substituição (857 hectares) e 649 no estágio Transição-Redesenho
(160 hectares).
b) Na fruticultura, tomando-se por base apenas os dados de produtores de abacaxi, banana,
bergamota, figo, laranja, limão, melancia, morango, pêssego e uva, 13.365 agricultores
estavam no estágio Convencional-Racionalização (26.385 hectares), 9.050 no estágio
Transição-Substituição (12.936 hectares) e 1.645 no estágio Transição-Redesenho (2.045
hectares).
c) Com referência à produção de grãos, aqui exemplificada pelas culturas de arroz, feijão, milho,
soja e trigo, os dados constantes na tabela 2 mostram possibilidades concretas no processo de
transição também em cultivos que estão entre os que experimentaram os maiores impactos da
Revolução Verde.

24
EMATER/RS. Marco Referencial para uma Nova Extensão Rural: Avanços Institucionais da
EMATER/RS-ASCAR – Gestão 1999-2002. Porto Alegre: EMATER/RS, 2002b.
25
EMATER/RS. Relatório de Gestão: 1999-2002. EMATER/RS-ASCAR. Porto Alegre: EMATER/RS,
2002a.
26
Gliessman, S. R. Op. cit., 2000.

144
Tabela 2. Produção de grãos: número de agricultores e área em transição agroecológica em cinco
cultivos selecionados (Safra 2001-2002)
Agricultores assistidos (n.º) Área assistida (hectares)
Estágios Estágios
Culturas
Convencional- Transição- Transição- Convencional- Transição- Transição-
Racionalização Subsituição Redesenho Racionalização Substituição Redesenho
Arroz 2.445 626 581 31.643 4.153 453
Feijão 13.870 5.115 1.525 15.986 5.100 1.524
Milho 59.458 14.360 2.238 254.956 51.068 7.456
Soja 28.013 6.554 995 338.832 65.089 7.188
Trigo 6.979 2.186 161 58.164 14.895 655

Além desses resultados, cabe destacar que agricultores assistidos pela EMATER/RS-
ASCAR e apoiados por suas cooperativas, participantes dos Programas de Ecologização da
Cadeia Produtiva do Feijão, nas microrregiões Centro-Serra e Quarta Colônia27, obtiveram, na
safra 2002/2003, respectivamente, 675 Kg/ha e 1.029 Kg/ha nas áreas com manejo ecológico,
contra 673 Kg/ha e 858 Kg/ha nas áreas com manejo convencional28, evidenciando produtividades
superiores no sistema de produção ecológica em relação ao sistema de produção convencional,
assim como aumento da renda para os agricultores, melhoria do meio ambiente e oferta de
alimentos com melhor qualidade biológica.
Ainda, dados do mesmo relatório indicam que, no final de 2002, havia, no Rio Grande do Sul,
138 feiras semanais de produtos ecológicos, com participação de 880 feirantes29. Na mesma
época, os extensionistas rurais assessoravam 4 cooperativas ecológicas e 354 grupos de
agricultores ecológicos, com quase 4.000 participantes, o que reforça a possibilidade de
ecologização dos sistemas agrícolas.

5 Ecologização e riscos associados

O enfoque agroecológico, baseado nas noções de ecologização30 e de transição


agroecológica, vem apoiando o processo de modernização socioambiental da agricultura, de modo

27
Estas duas microrregiões estão situadas em área de abrangência do Escritório Regional da
EMATER/RS de Santa Maria.
28
Poerschke, P. R. Feijão Ecológico: Resultados da Safra 2002/2003. Informativo Técnico
Regional. Santa Maria, Escritório Regional da EMATER/RS, 2003. n.02/03, 2p. (mimeo).
29
EMATER/RS. Relatório de Gestão: 1999-2002. Op. cit., 2002.
30
O conceito de ecologização aqui utilizado está inspirado na perspectiva adotada por Buttel, como a
introdução de valores ambientais nas práticas agrícolas, na opinião pública e nas agendas políticas para a
agricultura (Buttel, F. H. Environmentalization and greening: origins, processes and implications. In: Harper,
S. (ed.). The greening of rural policy international perspectives. London: Belhaven Press, 1993. p.12-26.
Buttel, F. H. Transiciones agroecológicas en el siglo XX: análisis preliminar. Agricultura y Sociedad, n.74,
p.9-37, ene./mar. 1994.). Ver também: Caporal, F. R. La extensión agraria del sector público ante los
desafíos del desarrollo sostenible: el caso de Rio Grande do Sul, Brasil. Córdoba, 1998. 517f. (Tese de
Doutorado) Programa de Doctorado en Agroecología, Campesinado e Historia, ISEC-ETSIAN, Universidad
de Córdoba, España, 1998. Costabeber, J. A.. Acción colectiva y procesos de transición agroecológica
en Rio Grande do Sul, Brasil. Córdoba, 1998. 422f. (Tese de Doutorado) Programa de Doctorado en
Agroecología, Campesinado e Historia, ISEC-ETSIAN, Universidad de Córdoba, España, 1998. Caporal, F.
R.; Costabeber, J. A. Agroecologia e desenvolvimento rural sustentável: perspectivas para uma nova
Extensão Rural. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.1, n.1, p.16-37,
jan./mar. 2000a. Caporal, F. R.; Costabeber, J. A. Agroecologia e desenvolvimento rural sustentável:

145
a assegurar a produção de alimentos em quantidade e qualidade. Nessa perspectiva, a idéia de
ecologização não se limita a obedecer apenas estímulos de mercado, mas incorpora valores
ambientais e orientação para a construção de uma nova ética de relação da sociedade com a
natureza, conformando a transição agroecológica. Transição definida como um processo gradual
de mudança, através do tempo, nas formas de manejo dos agroecossistemas, que tem como meta
a conversão do modelo agroquímico de produção agropecuária para estilos de agricultura que
incorporem princípios, métodos e tecnologias de base ecológica. Esse complexo processo, que
vem sendo experimentado em vários lugares e que aqui foi exemplificado com resultados obtidos
no Rio Grande do Sul, mostra que é possível caminhar em busca da segurança alimentar e
nutricional sustentável, sempre que seja adotada a Agroecologia como enfoque científico e
estratégico para apoiar o processo de mudança31.
Porém, vale lembrar que hoje existem várias correntes disputando o conceito de agricultura
sustentável e adotando distintos métodos e tecnologias. Pelo menos duas grandes correntes do
desenvolvimento sustentável se apresentam como alternativas para orientar estratégias rumo à
agricultura sustentável. A ecotecnocrática parte de um otimismo tecnológico, relacionado à
capacidade de uma substituição sem fim dos recursos naturais não renováveis por novas
tecnologias e novos materiais. Na agricultura estaria representada pela intensificação verde que,
embora manifestando um certo tipo de ecologização, continuaria muito próxima ao padrão
tecnológico dominante. Já a corrente ecossocial recomenda a prudência tecnológica, dada a
aceitação de que os recursos naturais necessários para a manutenção da vida sobre o planeta são
limitados e finitos. Na agricultura, materializar-se-ia em estilos de produção de base ecológica,
aproximando conhecimentos ambientais, econômicos e socioculturais e conformando assim a
transição agroecológica32. O imediatismo e a orientação das decisões baseadas apenas na busca
de resultados econômicos têm feito com que muitas agriculturas alternativas não estabeleçam as
condições necessárias para a sustentabilidade no médio e longo prazos, até porque nem sempre
seguem os princípios da Agroecologia. Ademais, considerando o recrudescimento que se percebe
nas estratégias ecotecnocráticas da sustentabilidade (a ecologização sob a forma de intensificação
verde), no intuito de implementar uma Nova Revolução Verde, que busca resultados econômicos
de curto prazo e coloca a fome como um problema de mercado, corre-se o risco de que o modelo
atualmente hegemônico venha a ser mantido e, portanto, não se criem as condições para resolver
o problema da oferta de comida e da melhoria da qualidade dos alimentos no Brasil.
Nessa ótica, cabe alertar que, embora constituindo um imperativo socioambiental de
interesse de toda a sociedade, a construção de estilos de agricultura sustentável exige que sejam
tomados cuidados especiais para que se evite a emergência de riscos associados ao processo de
ecologização em curso. Evidências empíricas estão mostrando o surgimento de novos fenômenos,
ainda pouco estudados, tais como: a) uma nova onda de diferenciação social no campo, motivada
pela variável ecológica; b) uma expansão na oferta de alimentos limpos apenas para
consumidores melhor informados e com maior poder aquisitivo; c) um incremento gradual na
exportação de alimentos orgânicos, destinando-se os produtos de categoria inferior ao consumo
interno; d) o privilégio de prestação de serviços de assistência técnica e extensão rural para os
novos adotadores precoces, ou seja, aqueles que se destaquem na adoção de tecnologias verdes
derivadas de uma nova onda difusionista; e) o aparecimento de novos e sofisticados pacotes
tecnológicos verdes; f) a consolidação de mercado de insumos orgânicos e de novas formas
geradoras de dependência, a exemplo da importação de insumos industriais alternativos; g) a
aceitação de perdas ambientais de longo prazo como contrapartida para ganhos econômicos de

perspectivas para uma nova Extensão Rural. In: Etges, V. E. (org.). Desenvolvimento rural:
potencialidades em questão. Santa Cruz do Sul: EDUSC, 2001. p.19-52.
31
Caporal F. R.; Costabeber, J. A. Agroecologia: enfoque científico e estratégico para apoiar o
desenvolvimento rural sustentável (texto provisório para discussão). Porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR,
2002a. (Série Programa de Formação Técnico-Social da EMATER/RS. Sustentabilidade e Cidadania, texto
5).
32
Altieri, M. A. Op. cit., 1989; 1995; 2001.

146
curto prazo, derivados da implantação de monoculturas orgânicas; e h) a exploração da mão-de-
obra e a degradação do trabalho para viabilizar certas formas de produção orgânica em escala33.
Estes riscos, hipoteticamente associados ao processo de ecologização (mas que não são
inerentes à Agroecologia enquanto ciência que pretende orientar a construção de estilos de
agricultura sustentável e a elaboração de estratégias de desenvolvimento rural também
sustentável), parecem coincidir com a crescente influência das determinações de mercado e de
preços diferenciados como estímulo a diferentes tipos de produção ecológica, o que poderia levar
a novas formas de exclusão e dominação. Cabe alertar que a simples adoção de técnicas
orgânicas para a produção de produtos ecológicos não é condição suficiente para se alcançar a
segurança alimentar na perspectiva da sustentabilidade de longo prazo, podendo levar, inclusive,
ao surgimento de outros fenômenos socioambientais indesejáveis, além dos já citados. Portanto,
as hipóteses mencionadas pretendem servir como um alerta no sentido de que a busca da
segurança alimentar e nutricional sustentável, à luz da dimensão ética, inclui a necessidade de
oferta de alimentos limpos e saudáveis para todos, o que não se obtêm com a simples adoção de
certas estratégias de agricultura orgânica ou de substituição de insumos dirigidas pelo mercado e
cuja produção resulta acessível apenas a uma pequena e privilegiada parcela da população.

6 Notas finais

Ao contrário do processo de co-evolução sociocultural e ecológico que vigorou ao longo de


mais de 10.000 anos de agricultura, os últimos 100 anos têm se caracterizado por um crescente
processo de artificialização da natureza. Esta mudança é comandada pela adoção maciça de
tecnologias industriais, rompendo a dinâmica de manutenção dos equilíbrios ecológicos em favor
de uma vigorosa busca de maior produtividade física, em detrimento da longevidade34 dos
sistemas de produção agrícola. Isso se agravou na medida em que as chamadas tecnologias
modernas, ao serem incorporadas como conhecimento nas matrizes culturais dos grupos sociais
envolvidos, quase sempre determinaram o rompimento de estratégias tradicionais, reduzindo
drasticamente a sustentabilidade socioambiental dos agroecossistemas e causando uma
crescente perda na qualidade e diversidade dos alimentos e matérias-primas produzidas.
Adicionalmente, observa-se que o modelo convencional de desenvolvimento agrícola levou a uma
debilidade crescente na relação entre as populações rurais e seus territórios, entre a produção de
alimentos e as necessidades básicas das populações, devido, especialmente, ao rompimento do
processo de co-evolução sociedade-natureza.
A erosão sociocultural e a perda de valores que antes orientavam as estratégias de
produção e consumo e que asseguravam a manutenção de certos equilíbrios ecológicos, como
parte dos mecanismos de reprodução social, causaram, também, a perda da qualidade alimentar e
nutricional, como conseqüência do estreitamento da variabilidade genética. No limite desse
processo, os agricultores e a sociedade em geral passaram a ter uma dieta menos diversificada, a
consumir alimentos contaminados por agrotóxicos e com menor qualidade biológica. Inclusive no
meio rural, a insegurança alimentar de muitas famílias de agricultores está presente e se expressa
numa crescente dependência aos mercados para a aquisição de alimentos básicos, o que também
tem como causa a redução da diversificação da produção. A realidade indica a existência de
milhões de famintos que devem ser incluídos no Programa Fome Zero, e isto exigirá um aumento
na produção de alimentos básicos e, portanto, o fortalecimento da agricultura familiar, além de
novas políticas de apoio à produção e comercialização dos produtos agrícolas da cesta básica.
Sem querer dar conta dos inúmeros obstáculos conjunturais e estruturais que barram o
alcance da segurança alimentar e nutricional sustentável, não há como se negar o óbvio: são
necessários novos e urgentes avanços científicos e tecnológicos que considerem a

33
Costabeber, J. A.; Caporal, F. R.. Possibilidades e alternativas do desenvolvimento rural
sustentável. In: VELA, H. (org.). Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural Sustentável no
MERCOSUL. Santa Maria, UFSM/Pallotti. 2003. p.157-194.
34
Odum, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1986.

147
heterogeneidade e a diversidade biológica e sociocultural presentes no meio agrícola e rural. As
projeções mostram que o combate à fome no Brasil, através de programas do tipo Fome Zero,
requer não apenas o aumento do poder aquisitivo dos consumidores, mas também o incremento
da produção de alimentos básicos, o que exige avanços no campo técnico-agronômico, como
forma de garantir capacidade produtiva e sustentabilidade dos sistemas de produção.
De igual modo, a reforma agrária e o fortalecimento da agricultura familiar devem fazer parte
das estratégias de desenvolvimento rural, pois têm a potencialidade de contribuir, de forma
decisiva, para a produção de alimentos básicos em quantidade e qualidade. A consolidação
desses avanços requer a democratização do conhecimento, o que coloca nas mãos de
universidades, escolas agrárias e institutos de pesquisa uma importante parcela da
responsabilidade que tem o Estado de promover estilos de agricultura sustentável, com base em
princípios ecológicos. Decididamente, a segurança alimentar e nutricional sustentável não poderá
ser alcançada sem a construção de uma agricultura também sustentável.

148
CONSIDERAÇÕES FINAIS1

Francisco Roberto Caporal


José Antônio Costabeber

Esta reflexão parte do entendimento de que o desenvolvimento, em sua formulação mais


ampla, significa a realização de potencialidades sociais, culturais e econômicas de uma sociedade,
em perfeita sintonia com o seu entorno ambiental e com seus valores políticos e éticos. De igual
modo, entendemos que a noção de subdesenvolvimento que nos foi impingida, ao longo das
últimas cinco décadas, é resultado de uma criação ideológica e relacional que, comparando
realidades distintas, estabeleceu o que era entendido por sociedade desenvolvida, para logo
carimbar com a marca subdesenvolvidas todas as demais sociedades ou nações que não se
encontravam nas condições tidas como de desenvolvimento. Nesse sentido, fomos estimulados e
orientados a associar-nos a uma linha de pensamento linear e cartesiano que pretendia ser a
única via possível para o desenvolvimento agrícola e rural. Ademais, nos ensinaram que o
desenvolvimento era sinônimo de crescimento econômico, permanente e ilimitado, e que as
sociedades “atrasadas” deveriam superar etapas, deixando para trás as velhas tradições,
incorporando, paulatinamente, os ícones e ensinamentos da modernização. A busca pelo
“progresso” passou a ser uma corrida marcada por um voraz consumo de recursos naturais não
renováveis.
No contexto desenvolvimentista, a transição para uma agricultura “moderna” passou a
significar o rompimento com as tradições e conhecimentos dos agricultores e sua substituição por
tecnologias genéricas, em geral importadas e, algumas vezes, testadas e validadas em nossos
centros de pesquisa. No mesmo esforço, as escolas de nível médio e superior das Ciências
Agrárias foram transformadas em laboratórios para a formação de profissionais e técnicos de
receitas. As bases científicas da Agronomia deram lugar a um processo de transmissão de
informações muitas vezes desconectadas da realidade social e ambiental, enfatizando aspectos
parcializados das etapas da produção agrícola. A natureza, nessa lógica, passou a ser vista
simplesmente como um conjunto de recursos a serem consumidos pelo homem ou como um
depósito para dejetos e resíduos químicos usados nos processos produtivos. Vale lembrar que
sequer logramos instalar no país condições mínimas para analisar adequadamente todos os
agentes químicos que utilizamos na agricultura.
Passadas algumas décadas de desenvolvimentismo, estamos vendo cair por terra um por
um dos ícones da modernização agrícola. A Revolução Verde, que prometia resolver o problema
da fome no mundo, revelou-se um fracasso, existindo hoje mais de 800 milhões de famintos em
nosso planeta. É bem verdade que houve uma melhoria na produção e na produtividade de alguns
produtos, em algumas regiões e em alguns países. Entretanto, esse sucesso relativo da estratégia
da modernização agrícola foi acompanhado de graves problemas sociais, econômicos e
ambientais que, paulatinamente, passaram a se expressar na forma de diferenciação e exclusão
social, empobrecimento e endividamento de agricultores. Sabemos que, pouco a pouco, muitos
dos cientistas que ensinavam e recomendavam o uso dos pacotes tecnológicos vêm agora
reorganizando seus conhecimentos e abdicando de certas convicções técnicas, dados os
problemas que foram se evidenciando. Do mesmo modo, imersos que estamos em uma crise
socioambiental de grandes proporções, pensar o desenvolvimento nos levou a uma reflexão crítica
sobre o papel de instituições de apoio ao desenvolvimento rural, como são os serviços de
extensão rural pública ou privada.

1
Este texto foi originalmente publicado com o título “Construindo uma Nova Extensão Rural no Rio
Grande do Sul”, como artigo de Opinião na Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável,
Porto Alegre, v.3, n.4, p.10-15, out./dez. 2002.
Como todos sabemos, a crítica ao extensionismo convencional se iniciou com Paulo Freire,
nos anos 60, e teve seu auge no período da Nova República, com o chamado Repensar da
Extensão Rural. Esta crítica ganhou novos contornos nos anos 1990, quando passaram a se
destacar duas grandes correntes: a da privatização e/ou transferência do serviço (e recursos) de
assistência técnica e extensão rural (ATER) para o terceiro setor (ONGs, OCIPs, municipalização,
etc.) e aquela que seguirá defendendo a necessidade de uma extensão rural pública, gratuita e de
qualidade para a agricultura familiar (que se consolidou no Workshop Nacional de ATER,
promovido pela FASER, ASBRAER, CONTAG, FAO e MA, em 1997). Já no final da década de
1990, estava claro que era insuficiente, senão desnecessária, uma ATER pública para transferir os
mesmos pacotes tecnológicos aos agricultores. Inúmeros estudos também mostravam que o papel
do Estado no desenvolvimento rural precisava ser outro, estimulando outras formas de
desenvolvimento e estilos de agricultura de base ecológica compatíveis com os preceitos da
sustentabilidade. Ademais, as lições do passado mostravam que a metodologia de intervenção no
processo de desenvolvimento rural deveria pautar-se pelo respeito às experiências históricas,
valores culturais e éticos, assim como às diversidades étnicas e ambientais das comunidades
rurais.
No Rio Grande do Sul, as recomendações do Workshop Nacional de 1997, assim como os
novos estudos sobre ATER voltaram a ser discutidos em 1998 e conformaram as bases para os
debates ocorridos por ocasião da posse da nova diretoria da EMATER/RS-ASCAR (Gestão 1999-
2002), passando a ser um importante insumo para a construção do Planejamento Estratégico da
Nova Extensão Rural, levado a cabo pelos Colegiados Funcional e Executivo, ainda no primeiro
semestre de 1999. Daí nasceu a nova Missão Institucional da EMATER/RS-ASCAR, que se
propõe a “Promover a construção do desenvolvimento rural sustentável, com base nos princípios
da Agroecologia, através de ações de assistência técnica e de extensão rural e mediante
processos educativos e participativos, objetivando o fortalecimento da agricultura familiar e suas
organizações, de modo a incentivar o pleno exercício da cidadania e a melhoria da qualidade de
vida”.
Não foi por acaso que o Conselho Técnico e Administrativo – CTA abriu suas portas ao
ingresso das várias entidades de representação da agricultura familiar e movimentos sociais
(estando dadas as condições para a inclusão de representações de pescadores artesanais,
indígenas e quilombolas). Isso permitiu que o CTA se tornasse ainda mais democrático e
representativo do público da ATER. Também não foi por acaso que a Missão Institucional orientou
para cinco grandes eixos: a) o desenvolvimento rural sustentável; b) a Agroecologia como base
científica; c) a ATER com base em metodologias educativas e participativas; d) o fortalecimento da
agricultura familiar e suas organizações; e e) o resgate da cidadania e melhoria da qualidade de
vida. Estes preceitos nasceram de um ideal de sustentabilidade e eqüidade social (presentes nos
debates sobre desenvolvimento e desenvolvimento rural, desde os anos 1970) e do imperativo
socioambiental da nossa época, sustentando a inclusão da Agroecologia não como um programa
ou projeto, mas sim como a base científica e orientadora de todas as ações da Nova Extensão
Rural, uma Extensão Rural que, além de contribuir nos processos sócio-econômicos, procura
articular a dimensão ecológica nas estratégias de desenvolvimento rural culturalmente aceitáveis e
capazes de manter e dar estabilidade ao tecido social das unidades de produção familiar, ao
mesmo tempo em que busca reduzir impactos negativos nos agroecossistemas, produzir alimentos
sadios e assegurar a geração de postos de trabalho e de renda no meio rural.
Sob esta perspectiva, a Nova Extensão Rural incorpora princípios e enfoques técnicos e
metodológicos distintos dos convencionais, direcionando suas ações para a promoção de estilos
de agricultura e de desenvolvimento rural que respeitem as condições específicas de cada
agroecossistema e apoiem a preservação e o resgate da diversidade biológica e cultural. Tendo
como objetivo um manejo ecologicamente prudente dos recursos naturais –sustentado na
participação ativa dos atores envolvidos–, as ações extensionistas passaram a orientar-se pela
busca de segurança alimentar e produção de alimentos de qualidade biológica superior,
privilegiando, ademais, a construção de plataformas de negociação para assegurar a participação
popular e o diálogo entre os sujeitos envolvidos no processo. Assim, o ideal de sustentabilidade,

150
que conforma o núcleo da Nova Extensão Rural, exige que entendamos a agricultura como um
processo de construção social e não simplesmente como a aplicação de algumas tecnologias
geradoras de dependência e de externalidades negativas.
Diante deste desafio, a ATER gaúcha adotou um novo conceito, o de Extensão Rural
Agroecológica, entendida como uma “intervenção de caráter educativo e transformador, baseado
em metodologias de investigação-ação participante que permitam o desenvolvimento de uma
prática social mediante a qual os sujeitos do processo buscam a construção e sistematização de
conhecimentos que os leve a incidir conscientemente sobre a realidade. Ela tem o objetivo de
alcançar um modelo de desenvolvimento socialmente eqüitativo e ambientalmente sustentável,
adotando os princípios teóricos da Agroecologia como critério para o desenvolvimento e seleção
das soluções mais adequadas e compatíveis com as condições específicas de cada
agroecossistema e do sistema cultural das pessoas envolvidas no seu manejo”. Esta Extensão
Rural Agroecológica se constitui num esforço de intervenção planejada, para o estabelecimento de
estratégias de desenvolvimento rural sustentável, com ênfase na participação popular, na
agricultura familiar e nos princípios da Agroecologia, como orientação para a promoção de estilos
de agricultura socioambiental e economicamente sustentáveis. Na realidade, se trata de um
enfoque de intervenção no meio rural oposto ao difusionismo reducionista e homogeneizador que
auxiliou a implantação do modelo de agricultura de tipo Revolução Verde.
A noção de desenvolvimento rural sustentável, como sabemos, supõe o estabelecimento de
estilos de agricultura sustentável que não podem ser alcançados mediante a simples transferência
de tecnologias, característica chave da “antiga extensão rural”. De fato, a transição agroecológica
indica a necessidade de construção de conhecimentos sobre distintos agroecossistemas,
determinando que a Nova Extensão Rural privilegie estratégias, metodologias e tecnologias
compatíveis com os requisitos desse novo processo. Reafirmamos que essa nova perspectiva
teórica e operativa não coincide com o modelo tradicional (centrado na transferência de
tecnologias e adotado pela extensão convencional) e parece ser mais adequada quando se trata
de buscar objetivos de eqüidade e sustentabilidade, até porque o enfoque agroecológico encara os
sistemas agrícolas –ou agroecossistemas– como unidades fundamentais de estudo, onde co-
evoluem culturas específicas em interação entre si e com o ambiente natural, exigindo nova
abordagem nas formas de intervenção.
Desde a perspectiva da Agroecologia, então, antes de definir qual modelo tecnológico deve
ser adotado na agricultura, é necessário buscar a identificação de valores e princípios que
orientarão a construção de uma sociedade que contemple o imperativo ambiental e o
enfrentamento aos problemas sócio-econômicos de nossa época. Ressalte-se que esse enfoque
propõe formas distintas de intervenção nos agroecossistemas, partindo de uma perspectiva de
desenvolvimento local sustentável e tendo em conta as interações complexas entre pessoas,
cultivos, solos, animais e outros, que têm lugar dentro de cada agroecossistema e de forma
diferenciada entre eles.
Operacionalmente, a Nova Extensão Rural tem em conta, em primeiro lugar, a idéia de
sistemas e o enfoque holístico, adotando uma visão dos agroecossistemas como uma totalidade, o
que implica a exigência de uma nova e continuada formação técnico-social dos extensionistas e,
sobretudo, o reconhecimento da importância da participação dos atores sociais como parte desse
todo. Em segundo lugar, parte do reconhecimento de que existe uma estreita relação entre o
desenvolvimento da cultura humana e as estratégias de apropriação dos recursos naturais não
renováveis, isto é, cultura e natureza se influenciam mútua e permanentemente, devendo os
estudos de agroecossistemas levar em conta estas relações de interdependência, o que
pressupõe a necessidade de recuperação da história de vida dos diferentes grupos sociais com
quem estabelece uma interface. Assim, ao contrário dos enfoques convencionais, segundo os
quais os extensionistas eram formados para substituir a sub-cultura camponesa (considerada por
alguns autores como atrasada e obstáculo ao progresso), desde a perspectiva da Extensão Rural
Agroecológica o estudo de sociedades e grupos sociais exige não só o respeito à diversidade
cultural, mas a capacidade de integrar e sistematizar aspectos históricos, culturais, sócio-
econômicos e ambientais presentes em cada agroecossistema.

151
A ênfase no saber local exige que o conhecimento do extensionista não continue sendo
considerado como o único válido. A compreensão de que os grupos ou as comunidades
desenvolveram conhecimentos próprios, derivados de suas experimentações e segundo suas
necessidades históricas e modos de vida específicos, determina que a Nova Extensão Rural
passasse a adotar uma nova prática. Neste sentido, a Agroecologia destaca o papel conjunto que
devem ter os agricultores e os agentes externos na construção, desenvolvimento e adaptação de
tecnologias para situações locais específicas, de maneira que se restabeleça a necessidade de
considerar as racionalidades e lógicas próprias dos diferentes estilos de agricultura, na perspectiva
de construir contextos de sustentabilidade.
Seguindo essa lógica, a Nova Extensão Rural procura potencializar estilos de
desenvolvimento endógeno e promover o uso parcimonioso dos recursos naturais e meios
disponíveis, relativos às formas culturais, sociais, políticas, assim como às bases econômicas
existentes. Considera-se que as estratégias agroecológicas de desenvolvimento rural não podem
orientar-se simplesmente pela acumulação de metas de crescimento econômico, produção e
produtividade, mas devem apoiar também aquelas mudanças que conduzam a uma maior
segurança alimentar, a melhores níveis de educação, de saúde e bem estar, ao mesmo tempo em
que promovam uma maior eqüidade social e que garantam maior proteção ambiental nos
processos produtivos. Essas estratégias devem ter como eixo central as várias dimensões da
sustentabilidade: econômica, social, ambiental, cultural, política e ética.
A Nova Extensão Rural ainda parte do pressuposto de que, se os objetivos de proteção
ambiental e de inclusão social são realmente uma exigência da sociedade do terceiro milênio, faz-
se necessário que o Estado atue de forma decisiva, provendo serviços de ATER, públicos e
gratuitos, à agricultura familiar e a outros públicos que necessitam de seu apoio. Mesmo sem
entrar no debate teórico que trata acerca de Bens Públicos e Bens Privados, é preciso assinalar
que o serviço de Extensão Rural Agroecológica, como processo educativo e responsável por parte
da formação dos agricultores, que defende o meio ambiente, trabalha para a produção de
alimentos sadios e apoia estratégias de desenvolvimento de interesse da sociedade, constitui um
importante Bem Público. Então, sua oferta gratuita deve ser assumida como uma obrigação
permanente do Estado.
Finalmente, a práxis da Nova Extensão Rural pretende contribuir para a construção de
estilos de desenvolvimento rural que persigam a solidariedade entre as gerações atuais, sem
perder de vista a solidariedade que deve ser construída entre as atuais e as futuras gerações.
Contudo, nenhuma mudança institucional ou na prática dos agentes de Extensão Rural poderá
ocorrer sem que se estabeleça um processo permanente de formação-ação-reflexão, como forma
de superação gradual dos obstáculos que surgem nessa caminhada. Qualquer proposta
transformadora precisa enfrentar também certos entraves característicos das Instituições, assim
como um certo grau de resistência interna às mudanças, a carência de conhecimentos novos que
passam a ser requeridos, a exigência de esforços para a construção e internalização de novas
bases teóricas e metodológicas. É preciso superar ainda a eventual resistência advinda de setores
da sociedade rural que por ventura se sintam menos contemplados em seus interesses e
expectativas. Ademais, nenhuma transformação profunda nas organizações de Extensão Rural da
esfera pública, ou a ela conveniada, pode ser alcançada sem o decisivo apoio do Estado.
Em síntese, o serviço oficial de Extensão Rural do Rio Grande do Sul, como Bem Público,
vem demonstrando ser possível a existência de uma empresa com o porte estrutural da
EMATER/RS (que é, provavelmente, uma das maiores instituições de ATER da América Latina),
que responda aos novos anseios da sociedade e ao processo de ecologização que está em curso
no mundo inteiro. Por essa razão, acreditamos, de forma convicta, que as mudanças introduzidas
na Extensão Rural gaúcha vêm fazendo com que EMATER/RS se converta em paradigma para
uma Nova Extensão Rural: uma Extensão Rural Agroecológica. O esforço empreendido e os
resultados alcançados pela EMATER/RS, nos últimos 4 anos, no que diz respeito à capacitação de
extensionistas e agricultores, à produção de material técnico, à adoção de metodologias
participativas, ao resgate de conhecimentos locais, à melhoria da qualidade de vida, à realização
de eventos de nível internacional e ao processo de transição agroecológica, apenas para citar

152
alguns avanços, servem como parâmetro para a comparação com o passado e como referência
para o futuro. Esta é a nossa opinião.

153
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRATOS, N. (dir.). Agricultura mundial hacia el año 2010. Estudio de la FAO. Madrid:
FAO y Mundi-Prensa, 1995.
ALLEN, P.; VAN DUSEN, D.; LUNDY, J.; & GLIESSMAN, S. Integrating social, environmental, and
economic issues in sustainable agriculture. American Journal of Alternative Agriculture, v.6,
n.1, p.34-39, 1991.
ALONSO MIELGO, A. M. y SEVILLA GUZMÁN, E. El discurso ecotecnocrático de la sostenibilidad.
In: CADENAS MARÍN, A. (ed.). Agricultura y desarrollo sostenible. Madrid: MAPA, 1995.
p.91-119.
ALTIERI, M. A. ¿Por qué estudiar la agricultura tradicional?. In: GONZÁLEZ ALCANTUD, J. A. y
GONZÁLEZ DE MOLINA, M. (eds.). La tierra. Mitos, ritos y realidades. Barcelona: Anthopos,
1992. p.332-350.
ALTIERI, M. A. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. 3.ed. Porto Alegre:
Editora da Universidade – UFRGS, 2001. (Síntese Universitária, 54).
ALTIERI, M. A. Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. Rio de Janeiro:
PTA/FASE, 1989.
ALTIERI, M. A. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. Guaíba: Editora
Agropecuária, 2002a. 592 p.
ALTIERI, M. A. Agroecología: principios y estrategias para diseñar sistemas agrarios sustentables.
In: SARANDÓN, Santiago J. (ed.). Agroecología: el camino hacia una agricultura sustentable.
Buenos Aires: Ediciones Científicas Americanas, 2002. p. 49-56.
ALTIERI, M. A. El “estado del arte” de la agroecología y su contribución al desarrollo rural en
América Latina. In: CADENAS MARÍN, A. (ed.). Agricultura y desarrollo sostenible. Madrid:
MAPA, 1995. p.151-203. (Serie Estudios).
ALTIERI, M. A. Entrevista. Agricultura Sustentável, Jaguariúna, v.2, n.2, p.5-11, jul./dez. 1995.
ALTIERI, M. A. Sustainable agriculture. In: Encyclopedia of Agricultural Science, v.4, Berkeley:
Academic Press, 1994. p.239-247.
AMMANN, S. B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. 6° ed. São Paulo:
Cortez, 1987.
ANDRÉS, R. y URZAINQUI, E. Comercio internacional agrario, GATT y desarrollo sustentable. In:
CADENAS MARÍN, A. (ed.). Agricultura y desarrollo sostenible. Madrid: MAPA, 1995. p.361-
384
ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Anvisa investiga alimentos contaminados por
agrotóxicos. Boletim Informativo da Anvisa, Brasília, n.25, p.4-5, novembro de 2002.
AS-PTA (org.). Agricultura sustentável (Texto para Debate, 45). Rio de Janeiro: AS-PTA, 1992.
ATKINSON, G. La sostenibilidad como resiliencia en sistemas agroecológicos. In: CADENAS
MARÍN, A. (ed.). Agricultura y desarrollo sostenible. Madrid: MAPA, 1995. p.281-299.
BANCO MUNDIAL. Agricultural extension and research: achievements and problems in national
systems (Resumen). Reporte n.15828. Washington: World Bank. Disponível na rede Internet via
www. Arquivo capturado dia 08.12.1997. URL: (http://www.worldbank.org/html/oed/s15828.htm),
1996d.
BANCO MUNDIAL. Agricultural extension: lessons from completed projects. In: OED special
study (Office memorandum, april 1994). Washington: World Bank, 1994a.
BARNEY, G. O. El mundo en los arboles del año 2000: Informe Global 2000. Madrid: Tecnos,
1982.
BERMEJO, R. Manual para una economía ecológica. Madrid: Catarata, 1994.
BIRD, G. W. & IKERD, J. Agricultura sustentável: um sistema do século XXI. In: Estudos
Econômicos, São Paulo, n.24 (especial), p.99-144, 1994.
BRASIL. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Secretaria de Desenvolvimento Rural.
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Brasília, 1996.
BROWN, L. R.; POSTEL, S.; FLAVIN, C. Del crecimiento al desarrollo sostenible. In: GOODLAND,
R.; DALY, H.; EL SERAFY, S.; DROSTE, B. (eds.). Medio ambiente y desarrollo sostenible:
más allá del Informe Brundtland. Madrid: Editorial Trotta, 1997. p.115-122.
BUTTEL, F. H. Environmentalization and greening: origins, processes and implications. In:
HARPER, S. (ed.). The greening of rural policy international perspectives. London:
Belhaven Press, 1993. p.12-26.
BUTTEL, F. H. Ideologia e tecnologia agrícolas no final do século XX: biotecnologia como símbolo
e substância. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.1, n.14, p.303-322, 1993.
BUTTEL, F. H. Transiciones agroecológicas en el siglo XX: análisis preliminar. Agricultura y
Sociedad, n.74, p.9-37, ene./mar. 1994.
BUTTEL, F. H.; LARSON, O. F.; & GILLESPIE JR., G. W. The sociology of agriculture.
Connecticut: Greenwood Press, 1990.
BYMAN, W. J. Las nuevas tecnologías en el sistema agro-alimentario y las relaciones comerciales
entre Estados Unidos y la Comunidad Europea. In: LOWE, P.; MARSDEN, T.; WHATMORE, S.
(coords.). Cambio tecnológico y medio ambiente rural (procesos y reestructuraciones
rurales). Madrid: MAPA, 1993. p.253-286. (Serie Estudios).
CADENAS MARÍN, A. Conceptos y criterios operativos de sustentabilidad de sistemas de
producción agraria, florestal y alimentaria. In: CADENAS MARÍN, A. (ed.). Agricultura y
desarrollo sostenible. Madrid: MAPA, 1995. p.71-89.
CAMINO, R. y MÜLLER, S. Sostenibilidad de la agricultura y de los recursos naturales: bases
para establecer indicadores. San José, C.R.: Instituto Interamericano de Cooperación para la
Agricultura/Proyecto IICA/GTZ, 1993.
CAPORAL F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia: enfoque científico e estratégico para apoiar
o desenvolvimento rural sustentável (texto provisório para discussão). Porto Alegre:
EMATER/RS-ASCAR, 2002a. (Série Programa de Formação Técnico-Social da EMATER/RS.
Sustentabilidade e Cidadania, texto 5).
CAPORAL, F. R. & FIALHO, J. R. D. A disciplina de extensão rural no Curso de Agronomia da
UFSM: análise geral e sugestão de um novo programa. Santa Maria: UFSM, 1989. (mimeo).
CAPORAL, F. R. A extensão rural e os limites à prática dos extensionistas do serviço
público. Santa Maria: 1991. 221p. (Dissertação de Mestrado) Curso de Pós-Graduação em
Extensão Rural, Universidade Federal de Santa Maria, 1991.
CAPORAL, F. R. La extensión agraria del sector público ante los desafíos del desarrollo
sostenible: el caso de Rio Grande do Sul, Brasil. Córdoba, 1998. 517f. (Tese de Doutorado)
Programa de Doctorado en Agroecología, Campesinado e Historia, ISEC-ETSIAN, Universidad
de Córdoba, España, 1998.
CAPORAL, F. R.; COSTA BEBER, J. A. Por uma nova extensão rural: fugindo da obsolescência.
Reforma Agrária, São Paulo, v.24, n.3, p.70-90, set./dez. 1994.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e desenvolvimento rural sustentável:
perspectivas para uma nova Extensão Rural. Agroecologia e Desenvolvimento Rural
Sustentável, Porto Alegre, v.1, n.1, p.16-37, jan./mar. 2000a.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e desenvolvimento rural sustentável:
perspectivas para uma nova Extensão Rural. In: ETGES, V. E. (org.). Desenvolvimento rural:
potencialidades em questão. Santa Cruz do Sul: EDUSC, 2001. p.19-52.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e sustentabilidade. Base conceptual para
uma nova Extensão Rural. In: WORLD CONGRESS OF RURAL SOCIOLOGY, 10., Rio de
Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: IRSA, 2000b.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia: enfoque científico e estratégico.
Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.3, n.2, p.13-16, abr./jun.
2002d.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Análise multidimensional da sustentabilidade: uma
proposta metodológica a partir da Agroecologia. Agroecologia e Desenvolvimento Rural
Sustentável, Porto Alegre, v.3, n.3, p.70-85, jul./set. 2002b.

156
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Construindo uma Nova Extensão Rural no Rio Grande do
Sul. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.3, n.4, p.10-15,
out./dez. 2002c.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Segurança alimentar e agricultura sustentável: uma
perspectiva agroecológica. In: Ciência & Ambiente, Santa Maria, v.1, n.27, p.153-165, jul./dez.
2003.
CARROLL, C. R.; VANDERMEER, J. H.; ROSSET, P.M. (eds.). Agroecology. New York:
McGraw-Hill, 1990.
CARSON, R. Silent Spring. Boston: Houghton Mifflin, 1962.
CASTORIADIS, C. Basta de Mediocridade!. Le Monde Diplomatique. Edição brasileira, v.1,
n.zero, dez. 1999. (Disponível na Internet http://www.diplo.com.br/9912/castoriadis.htm, dia
25/12/99).
CERNEA, M. M. (ed.). Putting people first. Sociological variables in rural development.
Washington: World Bank, 1985.
CHAMBERS, R. Challenging the professions: frontiers for rural development. London:
Intermediate Technology Publications, 1994.
CHAMBERS, R. Rural development: putting the last first. London: Longman, 1983.
CHAMBERS, R.; PACEY, A. & THRUPP, L.A. Farmer first: farmer innovation and agricultural
research. Rugby: Intermediate Technology Publications, 1989.
CHAYANOV, A. V. La organización de la unidad económica campesina. Buenos Aires: Nueva
Visión, 1974.
CHAYANOV, A. V. Sobre la teoría de los sistemas económicos no capitalistas. In: ARICÓ, J.
(comp.). Chayanov y la teoría de la economía campesina. México: Ediciones Pasado y
Presente, 1987. p.49-79.
COCHRANE, W. W. Farm prices: myth and reality. Minneapolis: University of Minnesota Press,
1964.
COLBORN, T; DUMANOSKI, D; MYERS, J. P. O futuro roubado. Porto Alegre: L&PM, 1996.
COMISIÓN MUNDIAL DEL MEDIO AMBIENTE Y DEL DESARROLLO. Nuestro futuro común.
Madrid: Alianza Editorial, 1992.
COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Quadro de suprimentos. Brasil: oferta e
demanda brasileira. 2003 (http://www.conab.gov.br/download/indicadores/0301-Oferta-e-
demanda-brasileira.pdf).
CONWAY, G. R. & BARBIER, E. D. After the green revolution: sustainable agriculture for
development. London: Earthscan, 1990a.
CONWAY, G. R. y BARBIER, E. D. Después de la revolución verde: agricultura sustentable para el
desarrollo. Agroecología y Desarrollo, n.4, p.55-57, dic. 1990b.
CONWAY, G. The doubly green revolution: food for all in the twenty-first century. London:
Penguin Books, 1997.
COSTA BEBER, J. A. Eficiência energética e processos de produção em pequenas
propriedades rurais. Santa Maria: 1989. 295p. (Dissertação de Mestrado) Curso de Pós-
Graduação em Extensão Rural, Universidade Federal de Santa Maria, 1989.
COSTABEBER, Ijoni Hilda. Residuos organoclorados persistentes en grasa mamaria y su
relación con los hábitos alimentarios: repercusiones sanitarias. Córdoba, 1999. 315f.
(Tese de Doutorado). Programa de Doctorado en Ciencia y Tecnología de los Alimentos,
Universidad de Córdoba, España, 1999.
COSTABEBER, J. A.. Acción colectiva y procesos de transición agroecológica en Rio
Grande do Sul, Brasil. Córdoba, 1998. 422f. (Tese de Doutorado) Programa de Doctorado en
Agroecología, Campesinado e Historia, ISEC-ETSIAN, Universidad de Córdoba, España, 1998.
COSTABEBER, J. A.; CAPORAL, F. R.. Possibilidades e alternativas do desenvolvimento rural
sustentável. In: VELA, H. (org.). Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural Sustentável
no MERCOSUL. Santa Maria, UFSM/Pallotti. 2003. p.157-194.
COSTABEBER, J. A.; MOYANO, E. Transição agroecológica e ação social coletiva. Agroecologia
e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.1, n.4, p.50-60, out./dez. 2000.

157
CRISTÓVÃO, A. F. A. C. Ambiente e desenvolvimento de áreas rurais marginais. O caminho
tortuoso para uma relação potencialmente frutuosa. Agroecologia e Desenvolvimento Rural
Sustentável, Porto Alegre, v.1, n.1, p.46-56, jan./mar. 2000.
CRISTÓVÃO, A.; KOEHNEN, T.; STRECHT, A. Produção agrícola Biológica (Orgânica) em
Portugal: evolução, paradoxos e desafios. Agroecologia e Desenvolvimento Rural
Sustentável, Porto Alegre, v.2, n.4, p.37-47, out./dez. 2001.
DAILY, H. (comp.). Economía, ecología, ética. Ensayos hacia una economía en estado
estacionario. México: Fondo de Cultura Económica, 1989.
DALY, H. E. De la economía del mundo vacío a la economía del mundo lleno. In: Goodland, R.;
Daly, H.; El Serafy, S.; Droste, B. (eds.). Medio ambiente y desarrollo sostenible: más allá del
Informe Brundtland. Madrid: Editorial Trotta, 1997. p.37-50.
DALY, H. E. y GAYO, D. Significado, conceptualización y procedimientos operativos del desarrollo
sostenible: posibilidades de aplicación a la agricultura. In: CADENAS MARÍN, A. (ed.).
Agricultura y desarrollo sostenible. Madrid: MAPA, 1995. p.19-38.
DELÈAGE, J. P. ¿Un capitalismo verdoso?. Ecología Política, Barcelona: Icaria, n.3, p.27-34,
1992.
DOERING, O. Federal policies as incentives or disincentives to ecologically sustainable agriculture
systems. In: OLSON, R. K. (ed.). Integrating sustainable agriculture, ecology, and
environmental policy. New York: The Haworth Press, 1992. p.21-36.
DROSTE, B. y DOGSÉ, P. El desarrollo sostenible: el papel de la inversión. In: GOODLAND, R.;
DALY, H.; EL SERAFY, S.; DROSTE, B. (eds.). Medio ambiente y desarrollo sostenible: más
allá del Informe Brundtland. Madrid: Editorial Trotta, 1997. p.89-102.
EHLERS, E. Agricultura sustentável. Origens e perspectivas de um novo paradigma. São Paulo:
Livros da Terra, 1996.
EL SERAFY, S. Sostenibilidad, medición de la renta y crecimiento. In: GOODLAND, R.; DALY, H.;
EL SERAFY, S.; DROSTE, B. (eds.). Medio ambiente y desarrollo sostenible: más allá del
Informe Brundtland. Madrid: Editorial Trotta, 1997. p.73-87.
EMATER/RS. Marco Referencial para uma Nova Extensão Rural: Avanços Institucionais da
EMATER/RS-ASCAR – Gestão 1999-2002. Porto Alegre: EMATER/RS, 2002b.
EMATER/RS. Relatório de Gestão: 1999-2002. EMATER/RS-ASCAR. Porto Alegre:
EMATER/RS, 2002a.
EMATER/RS. Seminário: Extensão Rural – Enfoque Participativo. Porto Alegre: EMATER/RS,
1987.
ESCOBAR, A. El desarrollo sostenible: diálogo de discursos. Ecología Política, Barcelona: Icaria,
n.9, p.7-25, jun. 1995.
ESTEVA, G. Development. In: SACHS, W. (ed.). The development dictionary: a guide to
knowledge as power. London: Zed Books Ltd., 1996.
FALEIROS, V. P. Saber profissional e poder institucional. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1987.
FALK, J. W.; CARVALHO, L. A ; SILVA, L. R. e PINHEIRO, S. Suicídio e doença mental em
Venâncio Aires, RS: Conseqüência do uso de agrotóxicos organoclorados? Relatório Preliminar
de Pesquisa. Disponível em (http://galileu.globo.com/edic/133/agro2.doc) Acesso dia
12/02/2002.
FALS BORDA, O. Aspectos teóricos da pesquisa participante: considerações sobre o significado e
o papel da ciência na participação popular. In: BRANDÃO, C. R. (org.). Pesquisa participante.
São Paulo: Editora Brasiliensis, 1980. p.42-62.
FAO. CMRADR. Conferência Mundial sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural. Roma:
FAO, 1979.
FAO. Enseñanzas de la Revolución Verde: hacia una nueva Revolución Verde. Roma: FAO,
1995a.
FAO. Nuevas orientaciones para el sector agrícola, forestal y pesquero: estratégias para la
agricultura y el desarrollo rural sostenibles. Roma: FAO, 1995b.
FAO. Objetivo: conseguir alimentos para todos. In: El Boletín, n.27, MAPA, p.6-12, oct. 1995c.

158
FAO. Oficina Regional de la FAO para América Latina y el Caribe. Desarrollo agropecuario: de la
dependência al protagonismo del agricultor. 2.ed. Santiago, Chile: FAO, 1992. (Serie
Desarrollo Rural n° 9).
FAO. Report of the expert consultation on integrating environmental and sustainable
development themes into agricultural education and extension programmes. Expert
Consultation realizada em Roma, 30.11 a 03.12.1993. Roma: FAO, 1994.
FAO/INCRA. Perfil da agricultura familiar no Brasil: dossiê estatístico. Brasília: 1996.
FARSHAD, A. & ZINCK, J. A. Seeking agricultural sustainability. Agriculture Ecosystems and
Environment, n.47, p.1-12, 1993.
FERNÁNDEZ DURÁN, R. La explosión del desorden. La metrópoli como espacio de la crisis
global. Madrid: Fundamentos, 1993.
FERREIRA, T. N.; GAUSMANN, E. Extensão Conservacionista, Educação Ambiental,
Capacitação Técnica e Pesquisa: Rio Grande do Sul, Brasil. Artigo apresentado no Seminário
sobre Manejo de Bacias Hidrográficas no Cone Sul da América Latina. Blumenau, SC, de 18 a
22 de novembro de 1996. 34 p. (mimeo).
FLORA, C. B. Building sustainable agriculture: a new application of farming systems research and
extension. In: OLSON, R. K. (ed.). Integrating sustainable agriculture, ecology, and
environmental policy. New York: The Haworth Press, 1992. p.37-49.
FONSECA, M. T. L. A extensão rural no Brasil. Um projeto educativo para o capital. São Paulo:
Loyola, 1985.
FRANK, A. G. Sociología del desarrollo y subdesarrollo de la sociología: el desarrollo del
subdesarrollo. Barcelona: Anagrana, 1971.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 19.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 13.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 7.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
GARCÍA-RAMOS, F. J. El sistema internacional de investigación agraria y el reto de la agricultura
sostenible. In: CADENAS MARÍN, A. (ed.). Agricultura y desarrollo sostenible. Madrid:
MAPA, 1995. p.329-360.
GARRIDO, A. Enfoques alternativos de economía ambiental y su significado en pos de una
agricultura sostenible. In: CADENAS MARÍN, A. (ed.). Agricultura y desarrollo sostenible.
Madrid: MAPA, 1995. p.121-147. (Serie Estudios).
GAZETA MERCANTIL Digital. “Comércio Envenenado”. Ano III, n. 584. 07/02/2001. Disponível na
Internet em: www.gazetamercantildf.com.br/go/jornal/9027.htm) Acesso dia 07/02/2001.
GEHLEN, I. Transformações sociais agrárias no sul do Brasil. Ijuí-RS, 1988. 28p. (mimeo).
GLASBERGEN, P. Agroenvironmental policy: trapped in an iron law?. Sociologia Ruralis, v.
XXXII, n.1, p.30-48, 1992.
GLICO, N. Los factores críticos de la sustentabilidad ambiental del desarrollo agrícola. Comercio
Exterior, v.40, n.12, dic./1990, p.1135-1142, 1990.
GLIESSMAN, S. R. (ed.). Agroecology: researching the ecological basis for sustainable
agriculture. New York: Springer-Verlag, 1990.
GLIESSMAN, S. R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre:
Editora da Universidade – UFRGS, 2000.
GLIESSMAN, S. R. Agroecology: ecological processes in sustainable agriculture. Chelsea: Ann
Arbor Press, 1997.
GLIESSMAN, S. R. Quantifyng the agroecological component of sustainable agriculture: a goal. In:
GLIESSMAN, S. R. (ed.). Agroecology: researching the ecological basis for sustainable
agriculture. New York: Springer-Verlag, 1990. p.366-399.
GLIESSMAN, S. R. Sustainable agriculture: an agroecological perspective. Advances in Plant
Pathology, v.11, p.45-57, 1995.
GONZÁLEZ DE MOLINA, M. Agroecología: bases teóricas para una historia agraria alternativa.
Agroecología y Desarrollo, n.4, p.22-31, dic. 1992.

159
GONZÁLEZ DE MOLINA, M. y SEVILLA GUZMÁN, E. Ecología, campesinado e historia. Para una
reinterpretación del desarrollo del capitalismo en la agricultura. In: SEVILLA GUZMÁN, E.;
GONZÁLEZ DE MOLINA, M. (eds.). Ecología, campesinado e historia. Madrid: La Piqueta,
1993. p.23-129.
GOODLAND, R. La tesis de que el mundo está en sus límites. In: GOODLAND, R.; DALY, H.; EL
SERAFY, S.; DROSTE, B. (eds.). Medio ambiente y desarrollo sostenible: más allá del
Informe Brundtland. Madrid: Editorial Trotta, 1997. p.19-36.
GOODLAND, R.; DALY, H.; EL SERAFY, S.; DROST, B. (eds.). Medio ambiente y desarrollo
sostenible: más allá del Informe Brundtland. Madrid: Editorial Trotta, 1997.
GOODMAN, D. y WILKINSON, J. Pautas de investigación e innovación en el sistema
agroalimentario moderno. In: LOWE, P.; MARSDEN, T.; WHATMORE, S. (coords.). Cambio
tecnológico y medio ambiente rural (procesos y reestructuraciones rurales). Madrid:
MAPA, 1993. p.217-251. (Serie Estudios).
GOODMANN, D., SORJ, B. & WILKINSON, J. Da lavoura às biotecnologias. Agricultura e
indústria no sistema internacional. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1990.
GRAZIANO NETO, F. Questão agrária e ecologia. Crítica da moderna agricultura. São Paulo:
Brasiliense, 1986.
GUZMÁN CASADO, G.; GONZÁLEZ DE MOLINA, M.; SEVILLA GUZMÁN, E. (coord.).
Introducción a la Agroecología como desarrollo rural sostenible. Madrid: Ediciones Mundi-
Prensa, 2000.
HAAVELMO, T. y HANSEN, S. De la estrategia consistente en tratar de reducir la desigualdad
económica ampliando la escala de la actividad humana. In: GOODLAND, R.; DALY, H.; EL
SERAFY, S.; DROSTE, B. (eds.). Medio ambiente y desarrollo sostenible: más allá del
Informe Brundtland. Madrid: Editorial Trotta, 1997. p.51-62.
HAVENS, A. E. Methodological issues in the study of development. Sociología Ruralis, v.12,
n.3/4, 1972. Proceedings of the Third World Congress for Rural Sociology, Baton Rouge,
Louisiana, p.253-272.
HAYWARD, J. A. Extensión agraria: Experiencia y planteamientos del Banco Mundial. In:
SWANSON, B. E. (ed.). Informe de la consulta mundial sobre extensión agraria. Roma:
FAO, 1991. p.133-155.
HECHT, S. B. A evolução do pensamento agroecológico. In: ALTIERI, M. A. (ed.). Agroecologia:
as bases científicas da agricultura alternativa. Rio de Janeiro: PTA/FASE, 1989. p.25-41.
HOBBELINK, H. (ed.). Biotecnologia: muito além da Revolução Verde. As novas tecnologias
genéticas para a agricultura: desafio ou desastre?. Porto Alegre: Pallotti, 1990.
HOBBELINK, H. As novas biotecnologias para o Terceiro Mundo. Novas esperanças ou falsas
promessas?. In: HOBBELINK, H. (ed.). Biotecnologia: muito além da Revolução Verde. As
novas tecnologias genéticas para a agricultura: desafio ou desastre?. Porto Alegre: Pallotti,
1990. p.105-168.
HOBBELINK, H. La diversidad biológica y la biotecnología agrícola. ¿Conservación o acceso a los
recursos?. Ecología Política, nº 4, p.57-72, 1992.
HURREL, A. & KINGSBURY, B. The international politics of the environment: an introduction. In:
HURREL, A. & KINGSBURY, B. (eds.). The international politics of the environment. Actors,
interests and institutions. Oxford: Clarendon Press, 1992. p.1-50.
IICA. Tecnología y sostenibilidad de la agricultura en América Latina: desarrollo de un marco
conceptual. San José, costa Rica: GTZ/IICA, 1992.
INSTITUTO DE PESQUISAS TRANSDISCIPLINAR. Perigo ronda o prato, da salada à sobremesa.
Disponível na Internet em (www.ipetrans.hpg.com.br ). Acesso dia 22/11/2002.
ITURRA, R. Letrados y campesinos: el método experimental en la antropología económica. In:
SEVILLA GUZMÁN, E.; GONZÁLEZ DE MOLINA, M. (eds.). Ecología, campesinado e
historia. Madrid: La Piqueta, 1993. p.131-152.
IZCARA PALACIOS, S. P. Modernización de la agricultura española y contaminación de las
aguas en relación con la aplicación de la política medioambiental de la Unión Europea.

160
Madrid, 1997. (Tesis Doctoral) Departamento de Ecología Humana y Población. Universidad
Complutense de Madrid, España, 1997.
JESUS, E. L. Da agricultura alternativa à agroecologia: para além das disputas conceituais.
Agricultura Sustentável, Jaguariúna, v.3, n.1/2, p.13-27, jan./dez. 1996.
JIMÉNEZ HERRERO, L. M. Desarrollo sostenible y economía ecológica. Integración medio
ambiente-desarrollo y economía-ecología. Madrid: Editorial Síntesis, 1996.
KAGEYAMA, A. (coord.). O novo padrão agrícola brasileiro: do complexo rural aos complexos
agroindustriais. Campinas-SP, 1987. (mimeo).
KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987.
LABRADOR MORENO, J. y ALTIERI, M. A. Manejo y diseño de sistemas agrícolas
sustentables. Madrid: MAPA, Hojas Divulgadoras, n.6-7/94, 1995.
LAMPKIN, N. Agricultura Ecológica. Madrid: Ediciones Mundi-Prensa, 1998.
LAMPKIN, N. Organic farming. Ipswich: Farming Press Books, 1992.
LARSON, B. A. e PEREZ, J. M. Sustainability and Agricultural Externalities in Central América at
the Intensive Margin: A critical Review and Synthesis of the literature. Development Discussion
Paper, n. 699 – Central América Projects Series. Harvard University. May, 1999. 52p. Disponível
na Internet em: (www.incae.ac.cr/ES/clacds/investigacion/pdf/hiid699-cen716.pdf) . Acesso dia
18/02/2003.
LEFF, E. Ecología y capital. Racionalidad ambiental, democracia participativa y desarrollo
sustentable. México: Siglo Veintiuno Editores, 1994.
LEFF, E. Saber ambiental. México: Siglo Veintiuno Editores, 1998.
LEFF, E. Saber ambiental. Sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis:
PNUMA e Ed. Vozes, 2001.
LEMONS, J. & MORGAN, P. Conservation of biodiversity and sustainable development. In:
LEMONS, J. & BROWN, D. A. (eds.). Sustainable development: science, ethics, and public
policy. Dordrecht: Kluwer, 1995. p.77-109.
LEWIS, W. A. Economic development with unlimited supplies of labour. In: The Manchester
School of Economic and Social Studies, v.XXII, n.2, p.139-191, may, 1954.
LOWE, P. Industrial agriculture and environmental regulation: a new agenda for rural sociology.
Sociologia Ruralis, v.XXXII, n.1, p.4-10, 1992.
LOWE, P.; COX, G.; GOODMAN, D.; MUNTON, R.; WINTER, M. Cambio tecnológico, gestión
agraria y regulación: el ejemplo de Gran Bretaña. In: LOWE, P.; MARSDEN, T.; WHATMORE,
S. (coords.). Cambio tecnológico y medio ambiente rural (procesos y reestructuraciones
rurales). Madrid: MAPA, 1993. p.97-142. (Serie Estudios).
LOWE, P.; MARSDEN, T.; WHATMORE, S. (coords.). Cambio tecnológico y medio ambiente
rural (procesos y reestructuraciones rurales). Madrid: MAPA, 1993. (Serie Estudios).
LUXEMBURG, R. A acumulação do capital. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
MAALOUF, W. D. Experiencias de la FAO en la extensión agraria en el marco del desarrollo
agrícola y rural. In: SWANSON, B. E. (ed.). Informe de la consulta mundial sobre extensión
agraria. Roma: FAO, 1991. p.195-238.
MANN, S. A. & DICKINSON, J. M. Obstáculos ao desenvolvimento da agricultura capitalista.
Traduzido por Zander Navarro. Porto Alegre, 1978. (mimeo).
MARTELL, L. Ecology and society. An introduction. Oxford: Polity Press, 1994.
MARTÍNEZ ALIER, J. De la economía ecológica al ecologismo popular. 2.ed. Barcelona: Icaria,
1994.
MARTÍNEZ ALIER, J. Indicadores de sustentabilidad y conflictos distributivos ecológicos. Ecología
Política, Barcelona: Icaria, n.10, p.35-43, dic. 1995.
MARTÍNEZ ALIER, J.; SCHLÜPMANN, K. La ecología y la economía. Madrid: Fondo de Cultura
Económica, 1992.
MEADOWS, D. H. et al. Más allá de los límites del crecimiento. Madrid: El País/Aguilar, 1994.
MEADOWS, D. H.; MEADOWS, D. L.; RANDERS, J.; BEHRENS III, W. W. Limites do
Crescimento. São Paulo: Perspectiva, 1978.

161
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária. Novo retrato da agricultura familiar: o Brasil redescoberto. Brasília: MDA, 2000.
MUNTON, R.; MARSDEN, T.; WHATMORE, S. El cambio tecnológico en una época de ajuste
agrario. In: LOWE, P.; MARSDEN, T.; WHATMORE, S. (coords.). Cambio tecnológico y
medio ambiente rural (procesos y reestructuraciones rurales). Madrid: MAPA, 1993. p.179-
215. (Serie Estudios ).
MUSSOI, E. M. Necessidade de novos paradigmas de desenvolvimento e um repensar das
instituições de pesquisa, extensão e ensino, a partir das demandas concretas da
sociedade. Vitória (ES), 1993. (mimeo).
MYERS, M. The question of linkages in environment and development. Bioscience, n.43, p.225-
241, 1993.
NACIONES UNIDAS. Agricultural extension. New York: UNDP/ONU, 1991
NAKANO, Y. A destruição da renda da terra e da taxa de lucro na agricultura. Economia Política,
1(3):3-16, jul/set. 1981.
NAREDO, J. M. Sobre la reposición natural y artificial de agua y de nutrientes en los sistemas
agrarios y las dificultades que comporta su medición y seguimiento. In: GARRABOU Y
NAREDO (ed.). La fertilización en los sistemas agrarios. Una perspectiva histórica. Madrid:
Argentaria-Visor, 1996 (Colección "Economía y Naturaleza").
NCR - National Research Council. Agricultura Alternativa. 1989. Citado em: PESEK, J. Historical
Perspective. In: HATFIELD, J. L. & KARLEN, D. L. (eds.). Sustainable agriculture systems.
London: Lewis Publishers, 1994. p.1-19.
NCR. NATIONAL RESEARCH COUNCIL. Alternative agriculture. Wasnington-DC: National
Academy Press, 1989.
NEHER, D. Ecological sustainability in agricultural systems: definition and measurement. In:
OLSON, R. K. (ed.). Integrating sustainable agriculture, ecology, and environmental
policy. New York: The Haworth Press, 1992. p.51-61.
NORGAARD, R. B. A base epistemológica da Agroecologia. In: ALTIERI, M. A. (ed.).
Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. Rio de Janeiro: PTA/FASE, 1989.
p.42-48.
NORGAARD, R. B. A coevolutionary environmental sociology. In: REDCLIFT, Michael and
WOODGATE, Graham. The International Handbook of Environmental Sociology.
Cheltenham, UK: Ed. Edward Elgar. 1997. p.158-168.
NORGAARD, R. B. Traditional agricultural knowledge: past performance, future prospects, and
institutional implications. American Journal of Agricultural economics, v.66, n.5, p.874-878,
1984.
O’CONNOR, J. Las dos contradicciones del capitalismo. Ecología Política, Barcelona: Icaria, n.3,
p.111-112, 1990.
O’CONNOR, M. El mercadeo de la naturaleza: sobre los infortunios de la naturaleza capitalista.
Ecología Política, Barcelona: Icaria, n.7, p.15-34, 1994.
O’RIORDAN, T. Linking the environmental and social agendas. The Environmentalist, n.15,
p.233-239, 1995.
O’RIORDAN, T. The politics of sustainability. In: Turner, R. K. (ed.). Sustainable environmental
economics and management. Principles and practice. Londres: Belhaven Press, 1993. p.37-
69.
ODUM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1986.
OEA. Para o desenvolvimento sustentável nas Américas. Documento da reunião de Cúpula
sobre desenvolvimento sustentável e declaração de Santa Cruz de la Sierra. Bolívia, Santa
Cruz de la Sierra, 17.09.96 [on line]. disponível na rede internet via www. Arquivo capturado em
23.04.97. URL:http://coord-rds.org.bo/cumbre/revport/htm
PALERM, A. Antropólogos y campesinos: los límites del capitalismo. In: Antropología y
marxismo. México: Nueva Imagen, 1980.

162
PANIAGUA MAZORRA, A.; GARRIDO FERNÁNDEZ, F.; GÓMEZ BENITO, C.; y MOYANO
ESTRADA, E. Análisis conceptual de la cuestión ambiental en la agricultura. Madrid: CSIC,
Cuadernos de Trabajo del IEG, 1996.
PASCHOAL, A. D. Modelos Sustentáveis de Agricultura. Agricultura Sustentável, Jaguariúna,
a.2, n.1, p.11-16, jan./jun. 1995.
PASCHOAL, A. D. Produção orgânica de alimentos: agricultura sustentável para os séculos XX
e XXI. Guia técnico e normativo para o produtor, o comerciante e o industrial de alimentos
orgânicos e insumos naturais. Piracicaba: Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”,
USP, 1994.
PEARCE, D. W. y TURNER, K. R. Economía de los recursos naturales y del medio ambiente.
Madrid: Colégio de Economistas/Celeste Ediciones, 1995.
PEREIRA FILHO, O. P. Implicações ecológicas da utilização de energia em
agroecossistemas. Santa Maria: 1991. 132p. (Dissertação de Mestrado) Curso de Pós-
Graduação em Extensão Rural, Universidade Federal de Santa Maria, 1991.
PERNAMBUCO, G. Fome Zero aumentará o consumo da cesta básica. Revista Gleba
(Informativo Técnico da CNA), Brasília, ano 47, n.189, p.1-2, nov./dez. 2002.
PESEK, J. Historical perspective. In: HATFIELD, J. L. & KARLEN, D. L. (eds.). Sustainable
agriculture systems. London: Lewis Publishers, 1994. p.1-19.
PEZZEY, J. Sustainable development concepts. An economic analysis (World Bank
Environment Paper Number 2). Washington: World Bank, 1992.
PIMENTEL, D. Comparative energy flows in agricultural and natural ecosystems. In: Anais do
Seminário Internacional “Ecossistemas, Alimentos e Energia”, Brasília, 2-6 set. 1984,
FINEP/PNUD/UNESCO, 1984. 4v. p.75-98.
PIMENTEL, D.; HURD, L. E.; BELLOTTI, A. C.; FORSTER, M. J.; OKA, Y. N.; SHOLES, O. D.;
WHITMAN, R. J. Food production and the energy crises. Science, n.182, p.443-449, 1973.
PINHEIRO, S. L. G. O enfoque sistêmico e o desenvolvimento rural sustentável: uma oportunidade
de mudança da abordagem hard-systems para experiências com soft-systems. Agroecologia e
Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.1, n.2, p.27-37, abr./jun. 2000.
POERSCHKE, P. R. Feijão Ecológico: Resultados da Safra 2002/2003. Informativo Técnico
Regional, n.02/03. Santa Maria, Escritório Regional da EMATER/RS, 2003. 2p. (mimeo).
PRETTY, J. N. Participatory learning for sustainable agriculture. World Development, v.23, n.8,
p.1247-1263, aug. 1995.
PRETTY, J. N. Regenerating agriculture: policies and practice for sustainability and self-reliance.
London: Earthscan, 1996.
QUESADA, G. M.; PEREIRA FILHO, O. P.; COSTA BEBER, J. A. & NEUMANN, P. S. Energia,
organização social e tecnologia. Ciência & Ambiente, v.2, n.2, p.13-29, jan/jun. 1991.
REDCLIFT, M. Desarrollo Sostenible: ampliación del alcance del debate. In: CADENAS MARÍN, A.
(ed.). Agricultura y desarrollo sostenible. Madrid: MAPA, 1995. p.39-70.
REDCLIFT, M. La función de la tecnología agraria en el desarrollo sostenible. In: LOWE, P.;
MARSDEN, T.; WHATMORE, S. (coords.). Cambio tecnológico y medio ambiente rural
(procesos y reestructuraciones rurales). Madrid: MAPA, 1993. p.143-178.
REEVES, M.; SCHAFER, K.; HALLWARD, K.; KATTEN, A. Campos envenenados: los
trabajadores agrícolas y los pesticidas en California - Resumen Ejecutivo. Disponível na
Internet. In: Pesticide Action Network North America – PANNA.(www.panna.org)
REIJNTJES, C.; HAVERKORT, B.; WATERS-BAYER, A. Cultivando para el futuro. Introducción
a la agricultura sustentable de bajos insumos externos. Montevideo: Editorial Nordan-
Comunidad, 1995.
REIJNTJES, C.; HAVERKORT, B.; WATERS-BAYER, A. Farming for the future. An introduction
to low external Input and sustainable agriculture. Netherlands. Macmillan/ILEA, 1992.
RIECHMANN, J. Agricultura ecológica y rendimientos agrícolas: aportación a un debate
inconcluso. Documento de Trabajo 2/2000. Madrid: Fundación 1° de Mayo, 2000. (mimeo).
RIECHMANN, J. Ética y ecología: una cuestión de responsabilidad. Documento de Trabajo
4/1997. Barcelona: Fundación 1o de Mayo, 1997. (mimeo).

163
RIVERA, W. M. Agricultural extension worldwide: a critical turning point. In: RIVERA, W. M. &
GUSTAFSON, D. J. Agricultural extension worldwide institucional evolution and forces for
change. New York: Elseiver, 1991. p.189-201.
ROGERS, E. & SVENNING, L. (ed.). Modernization among peasants: the impact of
communication. New York: Holt, Rinehart and Winston Inc., 1969.
ROGERS, E. M. Diffusion of innovations. 4.ed. New York: Free Press, 1995.
ROGERS, E. M. Diffusion of innovations. New York: Free Press, 1962.
ROGERS, E. M. La subcultura de los campesinos. In: ROGERS, E. M. y SVENNING, L. (ed.).
Modernización entre los campesinos. México: Fondo de Cultura Económica, 1973.
ROGERS, E. M. y SVENNING, L. (ed.). Modernización entre los campesinos. México: Fondo de
Cultura Económica, 1973.
ROSSET, P. A nova revolução verde é um sonho. Agroecologia e Desenvolvimento Rural
Sustentável, v.1, n.4, p.12-13, out./dez. 2000.
ROSTOW, W. W. Las etapas del crecimiento económico. México: Fondo de Cultura Económica,
1965.
RUCHT, D. Think globally, act locally? Needs, forms and problems of crossnational cooperation
among environmental groups. In: LIEFFERINK, J. D.; LOWE, P. D.; & MOL, P. J. (eds.).
European integration and environmental policy. Londres: Belhaven Press, 1993. p.75-96.
SACHS, I. Ecodesarrollo: concepto, aplicación, beneficios y riesgos. Agricultura y Sociedad,
n.18, p.9-32., ene./mar. 1981.
SACHS, I. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986.
SACHS, W. (ed.). The development dictionary: a guide to knowledge as power. London: Zed
Books, 1996.
SÁNCHEZ DE PUERTA, F. Chayanov and russian social agronomy (1918). European Journal of
Agricultural Education and Extensión, v.1, n.3, p.15-34, 1994.
SÁNCHEZ DE PUERTA, F. Extensión agraria y desarrollo rural. Madrid: MAPA, 1996.
SÁNCHEZ DE PUERTA, F.; SEVILLA GUZMÁN, E. El neopopulismo de la agronomía social de
Alexander V. Chayanov. In: Congreso de Antropología, 4., Alicante, abr. 1987. Comunicación
presentada ... (mimeo)
SANTAMARTA, J. A ameaça dos disruptores endócrinos. Agroecologia e Desenvolvimento
Rural Sustentável, Santa Maria, v.2, n.3, p.18-29, jun./set. 2001.
SARANDÓN, S. J. La agricultura como actividad transformadora del ambiente. El impacto de la
agricultura intensiva de la Revolución Verde. In: SARANDÓN, S. J. (ed.). Agroecología: el
camino hacia una agricultura sustentable. Buenos Aires: Ediciones Científicas Americanas,
2002. p. 23-47.
SCHULTZ, T. W. Modernización de la agricultura. Madrid: Aguilar, 1968.
SCHULTZ, T. W. Transforming traditional agriculture. New Hawen: The Yale University, 1964.
SCHUMACHER, E. F. O negócio é ser pequeno. Um estudo de economia que leva em conta as
pessoas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.
SCOON, I. & THOMPSON, J. (eds.). Beyond farmer first. Rural people knowledge, agricultural
research and extension practice. London: Intermediate Technology Publications, 1994.
SEMA/UFSM. Inventário Florestal Contínuo do RS. Documento não publicado, disponível na
Internet em (http://www.sema.rs.gov.br/sema/html/cobflinve2.htm). Porto Alegre: SEMA. 2002.
Acesso dia 14/02/2003.
SEVILLA GUZMÁN, E. El marco teórico de la Agroecología. In: Materiales de Trabajo del Ciclo de
Cursos y Seminarios sobre Agroecología y Desarrollo Sostenible en América Latina y
Europa. Módulo I - Agroecología y Conocimiento Local (La Rábida, 16 a 20 de enero de 1995).
Huelva, La Rábina: Universidad Internacional de Andalucía, 1995a. p.3-28.
SEVILLA GUZMÁN, E. Ética ambiental y Agroecología: elementos para una estrategia de
sustentabilidad contra el neoliberalismo y la globalización económica. Córdoba: ISEC-ETSIAM,
Universidad de Córdoba, España, 1999. (mimeo).
SEVILLA GUZMÁN, E. Origem, evolução e perspectivas do desenvolvimento sustentável. In:
ALMEIDA, J.; NAVARRO, Z. (org.). Reconstruindo a agricultura: idéias e ideais na

164
perspectiva do desenvolvimento rural sustentável. Porto Alegre: Editora da Universidade –
UFRGS, 1997. p.19-32.
SEVILLA GUZMÁN, E. Para una sociología del desarrollo rural integrado. In: Materiales de Trabajo
del Ciclo de Cursos y Seminarios sobre Agroecología y Desarrollo Sostenible en América
Latina y Europa. Módulo II – Desarrolo Rural Sostenible (La Rábida, 27 a 31 de marzo de
1995). Huelva, La Rábina: Universidad Internacional de Andalucía, 1995b. p.3-76.
SEVILLA GUZMÁN, E. Redescubriendo a Chayanov: hacia un neopopulismo ecológico.
Agricultura y Sociedad, n.55, p.201-237, 1990.
SEVILLA GUZMÁN, E.; ALONSO MIELGO, A. Para una teoría centro-perifería desde la
Agroecología. In: Libro de Actas del Congreso de la Sociedad Española de Agricultura
Ecológica, 1., Toledo, España, 1994. p.448-460.
SEVILLA GUZMÁN, E.; GONZÁLEZ DE MOLINA, M. (eds.). Ecología, campesinado e historia.
Madrid: La Piqueta, 1993.
SEVILLA GUZMÁN, E.; GONZÁLEZ DE MOLINA, M. Sobre la agroecología: algunas reflexiones
en torno a la agricultura familiar en España. In: GARCÍA DE LEÓN, M. A. (ed.). El campo y la
ciudad. Madrid: MAPA, 1996. p.153-197. (Serie Estudios).
SEVILLA GUZMÁN, E.; GUZMÁN CASADO, G.; ALONSO MIELGO, A. Agroecología y
desarrollo rural sostenible. Córdoba: ISEC-ETSIAM, Universidad de Córdoba, España, 1999.
(mimeo).
SHANIN, T. El mensaje de Chayanov: aclaraciones, fallas de comprensión y la teoría de desarrollo
contemporáneo. Agricultura y Sociedad, n.48, p.141-172, jul./set. 1988.
SHIVA, V. The violence of the Green Revolution. Third World agriculture, ecology and politics.
Penang: Third World Network, 1991.
SILVA, A. A. Concepções de processo educativo no âmbito da extensão rural e suas
repercussões na prática dos extensionistas: um estudo através da EMATER/RS. Santa
Maria: 1992. 218p. (Dissertação de Mestrado) Curso de Pós-Graduação em Extensão Rural,
Universidade Federal de Santa Maria, 1992.
SILVA, J. G. As possibilidades e as necessidades da ciência e da tecnologia na área das
ciências agrárias. Campinas: UNICAMP, 1988. (mimeo).
SIMÓN FERNÁNDEZ, X.; DOMINGUEZ GARCIA, D. Desenvolvimento rural sustentável: uma
perspectiva agroecológica. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto
Alegre, v.2, n.2, p.17-26, abr./jun. 2001.
SORJ, B. & WILKINSON, J. Processos sociais e formas de produção na agricultura brasileira. In:
Sociedade e política no Brasil pós-64. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. p.164-183.
TAIT, J. Riesgos medioambientales y regulación de la biotecnología. In: LOWE, P.; MARSDEN, T.;
WHATMORE, S. (coords.). Cambio tecnológico y medio ambiente rural (procesos y
reestructuraciones rurales). Madrid: MAPA, 1993. p.287-339.
TAMAMES, R. Ecología y desarrollo sostenible. La polémica sobre los límites del crecimiento.
Madrid: Alianza Editorial, 1995.
TIEZZI, E. Tempos históricos, tempos biológicos – a terra ou a morte: problemas da “nova
ecologia”. São Paulo: Nobel, 1988.
TOLEDO, V. M. Agroecología, sustentabilidad y reforma agraria: la superioridad de la pequeña
producción familiar. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.3,
n.2, p.27-36, abr./jun. 2002.
TOLEDO, V. M. El juego de la supervivencia: un manual para la investigación etnoecológica en
Latinoamérica. Santiago: CLADES, 1991.
TOLEDO, V. M. La racionalidad ecológica de la producción campesina. In: SEVILLA GUZMÁN, E.;
GONZÁLEZ DE MOLINA, M. (eds.). Ecología, campesinado e historia. Madrid: La Piqueta,
1993. p.197-218.
TOLEDO, V. M. Modernidad y ecología: la nueva crisis planetaria. Ecología Política, n.3, p.9-22,
1990.
TRAINER, F. E. Environmental significance of development theory. Ecological Economics, n.2,
p.277-286, 1990.

165
VEIGA, J. E. Agricultura familiar e sustentabilidade. Cadernos de Ciência & Tecnología, Brasília,
v.13, n.3, p.383-404, 1996.
VEIGA, J. E. Entrevista. Agricultura Sustentável, Jaguariúna, a.2, n.1, p.5-10, jan./jun. 1995.
VEIGA, J. E. Problemas da transição à agricultura sustentável. Estudos Econômicos, São Paulo,
v.24, nº especial, p.9-24, 1994.
VITOUSEK, P. M.; EHRLICH, P. R.; EHRLICH, A. H.; & MATSON, P. A. Human appropiation of the
products of photosynthesis. Bioscience, v.34, n.6; p.368-373, 1986.
WEITZ, R. De campesino a agricultor: una estrategia de desarrollo rural. México: Fondo de
Cultura Económica, 1973.
WEITZ, R. Desenvolvimento rural integrado. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 1979.
WINKELMANN, D. L. La Revolución Verde: sus orígenes, repercusiones, críticas y evolución. In:
CUBERO, J. I. Y MORENO, M. T. (coords.). La agricultura del siglo XXI. Madrid: Ediciones
Mundi-Prensa, 1993. p.35-45.

166

Das könnte Ihnen auch gefallen