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São Paulo
2012
Copyright © 2012 by autores
Editora responsável
Adélia Maria Mariano da S. Ferreira
Revisão
Equipe de publicação do I EEPFOL
ISBN 978-85-99829-64-6
CDU 811.134.3
CDD 469
Catalogação elaborada por Ruth Simão Paulino
SUMÁRIO
Apresentação ................................................................................................................................................................... 5
As organizadoras
5
VOCABULÁRIO E ENSINO: UMA ANÁLISE
LÉXICO-SEMÂNTICA DA CANÇÃO BATELAJE,
DE EDVALDO SANTANA
Beatriz Daruj Gil1
Resumo: Neste trabalho será apresentada uma análise léxico-semântica da canção Batelaje,
de Edvaldo Santana (2004), por meio de uma metodologia de análise semântica semasiológica,
em que as escolhas lexicais serão sistematizadas em campos semânticos com vistas a revelar
o tema do discurso. Pretende-se mostrar como essa análise pode integrar uma prática de
ensino de português para estrangeiros com ênfase no ensino do vocabulário.
Abstract: In this work it will be presented a lexicon-semantical analysis of the song Batelaje, by
Edvaldo Santana (2004), using a methodology of semasiologic semantical analysis in which the
lexical choices will be systematized in semantic fields aiming to reveal the subject of the song.
It intends to show how this type of analysis may be integrated in the teaching of Portuguese
Language for foreigners by emphasizing the importance of the learning vocabulary.
Os campos semânticos
Por meio do estabelecimento de campos semânticos, pode-se verificar a inserção
do vocabulário da língua em uma estrutura, o que faz com que os campos sejam funda-
mentais para um estudo sistemático do vocabulário.
O campo lexical (que corresponde a campo semântico) é um paradigma formado
por lexemas que dividem uma zona de significação comum e se apresentam em oposição
uns com os outros (COSERIU, 1997). Pode também ser definido como paradigma formado
por um contínuo de conteúdo lexical, repartido em lexemas que se opõem entre si
pelos semas (VILELA, 1994).
A análise semântica de um conjunto lexical, realizada por meio do estabeleci-
mento dos campos semânticos, identifica o significado do léxico do corpus, eliminando
possíveis outros significados para iguais significantes, definindo assim a posição que
ocupam esses signos no sistema.
Quando a análise semântica feita por meio dos campos desloca-se do nível
do sistema para o do discurso, pode-se observar como o léxico organiza uma face da
experiência humana em uma determinada situação de enunciação, dando forma ao
pensamento humano, à cultura e à ideologia.
Batelaje
Edvaldo Santana
Considerações finais
Domínio da língua voltado à experiência, o léxico organiza e categoriza a realidade,
além de divulgar, em sua permanente reelaboração, todos os processos de transformação
social e cultural. As escolhas lexicais, depreendidas do acervo lexical da língua, revelam
visões de mundo de um enunciador e recortes de uma cultura.
Na prática de ensino do léxico do português, as unidades lexicais, apresentadas
em seu uso discursivo e no campo semântico, colaboram com a reflexão sobre o tema
a que está submetido o conjunto de lexias estudadas, levando o aluno a conhecer ou
reconhecer dada experiência cultural construída linguisticamente.
Referências
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COSERIU, Eugenio. Princípios de semântica estructural. Madrid: Editorial Gredos,
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POTTIER, Bernard. Lingüística geral: teoria e descrição. Rio de Janeiro: Editora Presen-
ça/Universidade Santa Úrsula, 1978.
SANTANA, Edvaldo. Batelaje. In: Amor de Periferia (CD). São Paulo: Produção inde-
pendente, 2004.
Abstract: With the teaching of Portuguese to Speaker of Other Languages (PSOL) development,
the didactic book publications (DBs) had increased, therefore with them, the “same subject”
can be taught to many people. Estimating that the language is learned by means of texts -
objects of study and thought (BAKHTIN, 2000), this work analyzes the genre letter asking
an advice in two DBs of PSOL. There is an intention to observe the presentation of the genre,
its different boardings and how/if they continuously prepare the pupils for the examination
proficiency of Celpe-Bras.
Introdução
O ensino de português para falantes de outras línguas (PFOL) é uma área ainda
nova, no Brasil, no âmbito de pesquisas e projetos, mas seu surgimento se deu com a
colonização do país e com a catequização dos índios (ALMEIDA FILHO, 1992). Porém,
a partir da década de 1960 o ensino de PFOL tornou-se necessário para a expansão da
cultura brasileira e também para a inserção dos imigrantes no convívio social. Com a
crescente demanda desse ensino, houve um desenvolvimento, tanto na área de pesquisas
quanto nos suportes: foram criados livros e materiais didáticos
E é incontestável a utilização de livros didáticos (LDs) nas aulas de PFOL, e a
utilização deve-se a variados fatores que podem ser: flexibilidade dos LDs com relação
às diferentes características dos alunos; boa apresentação dos conteúdos programáticos;
o LD pode ser um facilitador para o trabalho do professor, entre outros.
Além da grande importância dos LDs nas aulas, acredita-se que seja de igual
ou maior importância o uso/ensino dos gêneros discursivos nas aulas, uma vez que,
segundo Bakhtin (2000), os gêneros devem ser o objeto de estudo de uma língua.
Acredita-se também que, para ter um ensino total de uma língua, é necessário
o ensino dos gêneros do discurso e das questões relativas ao enunciado e as diferentes
esferas da atividade humana, justificando assim, a relevância deste trabalho, pois será
1 Mestranda na área de filologia e língua portuguesa FFLCH/USP.
Pressupostos Teóricos
Com base no corpus a ser analisado, a teoria que mais se adéqua a ele é a teoria
bakhtiniana dos gêneros do discurso, uma vez que o texto deve ser o objeto de estudo
de uma língua, acredita-se que o texto deve ser estudado e aprendido pelos alunos de
Sendo assim, os gêneros do discurso são tidos como “tipos relativamente estáveis
de enunciados que se elaboram dentro de determinada esfera da atividade humana”
(BAKHTIN, 2000, p.279) e todos os campos da atividade humana estão ligados ao uso da
linguagem pelos gêneros.
E, ainda seguindo a teoria bakhtiniana, temos a ideia do texto como objeto de
estudo e pensamento, (BAKHTIN, 2000, p.330)
Uma vez que, sem o texto não há objeto de estudo e pensamento, volta-se ao
fato de que, o objeto de estudo de um livro didático deve ser o texto, mas não como
pretexto para ensinar qualquer aspecto da língua, e sim como esse texto está inserido na
esfera da atividade humana e como ele faz a ligação entre essas esferas e a linguagem.
Além de ser a realidade imediata a qual o aprendiz necessita conhecer para entender
não só a língua de determinado país, ou nação como é através do texto, que o aprendiz
poderá conceber o seu conhecimento cultural de determinada sociedade.
Com isso, tem se alguns questionamentos: os textos, nos LDs de PFOL, e as
atividades a eles relacionadas podem levar o aluno a aprender os gêneros como forma
de interação entre sociedade e linguagem ou são utilizados como exemplificadores de
questões gramaticais? Partiremos para a análise dos textos, para entendermos como
Análise de dados
O gênero a ser analisado nos LDs de PFOL será o a “carta de pedido de conselhos”,
nome proposto por Cristóvão et al. (2006) e que está inserido no cotidiano do brasi-
leiro: em revistas, emails, jornais, entre outros suportes.
O primeiro livro analisado é: Aprendendo português do Brasil: um curso para
estrangeiros no qual foi encontrado apenas um texto do gênero já citado, na unidade 12,
que enfoca o ensino da gramática com o uso do subjuntivo e do futuro do pretérito.
Além da carta de pedido de conselho, encontra-se na mesma página outro gênero –
envelope – os dois lados de um envelope com o endereçamento e o remetente. Além
dos gêneros citados, encontram-se mais duas atividades, uma de compreensão de texto e
a outra é uma proposta para a elaboração de uma resposta a carta de pedido de conselhos.
Pode-se notar que há as referências relativas ao emissor e o receptor do texto (leitora da
Revista Cláudia e à Revista Cláudia, respectivamente), mas não há nenhuma referência
ao gênero estudado, nem tampouco ao gênero envelope. Observa-se então que, o texto
é usado como pretexto para o ensino de gramática e a prática de estruturas ligadas à
gramática da unidade vigente, uma vez que não há nenhuma referência sobre a escrita
de uma carta de pedido de conselhos, suas características ou tampouco a esfera de sua
circulação.
Seguindo com as análises, o outro livro utilizado na pesquisa é: Falar... Ler...
Escrever... português: um curso para estrangeiros, e nesse livro foi encontrado, também,
apenas um texto do gênero requerido, mas como uma carta-resposta de pedido de
conselho, que está na unidade 18 a qual também enfatiza a gramática com os conteúdos
de tempos verbais: subjuntivo e futuro do pretérito. Na mesma página, encontramos
outro texto, que seria a carta-resposta à resposta do pedido de conselho recebida. Há
referência sobre os emissores das cartas e os receptores (ambos: Susana e Laura). Pode-
-se observar também que não há atividades referentes a esses textos, nem referência
ao gênero dos textos. Há outro texto que tem ligação com os dois textos já citados,
pois trata-se de uma carta ao marido, referente aos conselhos recebidos, nesta carta, o
aluno deve completar com os verbos nos tempos verbais aprendidos nesta unidade do
livro. Mais uma vez, o texto serve de pretexto para o ensino de gramática, mesmo que não
seja utilizando exemplos nas explicações e o gênero de nenhuma forma é apresentado
ao aluno.
Considerações finais
De acordo com as análises feitas, pode-se notar que o texto é utilizado como
pretexto para o ensino de gramática, e podem ser encontradas algumas referências
Referências
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de português para estrangeiros. Campinas: Pontes, 2005.
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LAROCA, M.N.C; BARA, N.; PEREIRA, S.M.C. Aprendendo português do Brasil: um
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FURTOSO, V. A. B. Português para falantes de outras línguas: aspectos para a forma-
ção do professor. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade Estadual de
Londrina, Londrina, 2001.
Abstract: One of the dilemmas to make use of literary texts when teaching Portuguese as a
Foreign Language (PLE) is the dichotomy language/ literature. As a result, its didactic path
proves to be variable, sometimes enhancing the reading comprehension, sometimes serving
as a pretext to practice exercises. The purpose of this article is to present a brief account
concerning the use of these texts within the main approaches of foreign languages teaching.
The objective is to explore how they have been used and what kind of knowledge they can
provide along with the acquisition of Brazilian Portuguese.
1 Doutoranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo. Bolsista Capes.
2 De fato, abordagem ou método por vezes são utilizados como sinônimos, porém Almeida Filho (1993)
e Leffa (1988) fazem uma distinção especial: a abordagem confere um sentido mais “abrangente e englo-
ba os pressupostos teóricos acerca da língua e da aprendizagem” (LEFFA, 1988, p. 212).
3 Observe-se que o estudo atento do termo genérico “textos”, apesar de parecer amplo, revelou-nos que
o texto literário está inserido em cada um de seus domínios.
A maneira como cada abordagem teórica foi organizada, à primeira vista delimitada
de forma clara, não pode ser aferida como uma estrutura linear rígida. É preciso notar
que não há uma fronteira marcada entre o início de uma abordagem e o fim de outra,
mas um conjunto de técnicas e procedimentos específicos em oposição de uns para
outros que, ao longo do tempo, foram adotados isoladamente ou em conjunto. Nesse
sentido, o que realmente prevalece é a ênfase dada à abordagem de cada período e não
a abordagem de uma metodologia singular. Mesmo Besse (1985) trata de esclarecer
tal ponto, afirmando a constituição eclética de cada método em uma combinação de
atitudes, saberes e procedimentos.
Puren (1993) trabalha com a ideia de cruzamento de linhas metodológicas em
um determinado ponto, a “encruzilhada de métodos” e, nessa perspectiva, a ideia da
ênfase também se mantém. Assim, o texto literário nunca desapareceu de circulação,
ele sempre esteve presente nos chamados estudos de tradução, leitura, civilização, cultura
ou de textos; o que se alterava era o tratamento (enfoque) dado nas aulas e materiais
de língua estrangeira.
Ao integrar o uso de textos literários no ensino de PLE, torna-se necessário
delinearmos ainda um panorama histórico dessa área para elucidar as abordagens no
cenário brasileiro.
Quanto à tradição do ensino de línguas estrangeiras, ela remonta ao século
XVI e ocorria nos colégios jesuítas e seminários onde se ensinavam o Latim e o Grego
para poucos (ALMEIDA FILHO; LOMBELLO, 1992). Um marco importante para o
ensino menos elitista foi a criação do Ministério da Educação na década de 1930. Nessa
5 A estética da recepção surgiu em 1967, com a publicação da aula inaugural de Hans Robert Jauss, na
Universität Konstanz: A história da literatura como provocação à ciência da literatura. (JAUSS et al., 1979).
Referências
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ALMEIDA FILHO, J. C. P.; LOMBELLO, L. C. (Org.). Identidade e caminhos no ensino de
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BESSE, H. Méthodes et pratiques de manuels de langues. Didier/Crédif, 1985.
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RIVERS, W. M. A metodologia do ensino de línguas estrangeiras. Trad. Hermínia S.
Marchi. São Paulo: Pioneira, 1975.
Resumo: O trabalho situa-se na área de língua, cultura e sociedade. Trata de visitas guiadas
como extensão da sala de aula no ensino de PLE em contextos sócio-interacionais. Justifica-se
devido a experiências com estrangeiros, nível intermediário, na aprendizagem do português
brasileiro. As dificuldades apresentadas são culturais no uso de expressões lingüísticas. O
sucesso da atividade refere-se à adequação do uso lexical e gramatical em contextos sócio-
-interacionais; explicitação de implícitos em expressões lingüísticas e experiências pessoais
com dados culturais importantes para o aluno.
Abstract: The work insert in language, culture and society. These guided tours as an extension
of the classroom teaching of PLE in socio-interactional. Justified the experiences with foreigners
intermediate level, learning Brazilian Portuguese. The difficulties presented are cultural in
the use of linguistic expressions. The success of the activity relates to the suitability of using
lexical and grammatical socio-interactional, explanation of implicit linguistic expressions
and personal experiences with cultural data important to the student.
Introdução
Em razão da grande demanda, nos últimos anos, para o ensino-aprendizagem
de português no Brasil, tem ocorrido também uma grande necessidade de pensar
estratégias adequadas para atender às necessidades de alunos estrangeiros que, por razões
diversas – ou de trabalho ou de estudos- têm buscado aprender a língua e a cultura
brasileiras. Por essa razão, muitas pesquisas vêm sendo realizadas com preocupações
não apenas voltadas para aspectos teóricos, mas, também, metodológicos.
Por se tratar de uma atividade ainda incipiente, observamos indefinições a respeito
de quais caminhos devemos adotar para tornar sua prática realmente efetiva, no sentido de
propiciar ao aprendiz estrangeiro sucesso no novo aprendizado e ao professor certeza
da tarefa bem realizada. Tais indefinições podem ser constadas em relação à pedagogia
adotada, à teoria subjacente, aos temas abordados, ao material didático preparado,
entre os quais a seleção do livro didático e à proposição de atividades extra-sala de
aula que complementem conteúdos e oportunizem ao aluno experienciar o que lhe
é apresentado nas aulas. Assim, este trabalho tem por objetivo apresentar resultados
obtidos com a realização de atividades propostas a alunos estrangeiros, em nível inter-
mediário, denominadas por mim de visitas guiadas.
1 Mestre e doutora em Língua Portuguesa pela PUC-SP. Docente do Departamento de Português, da PUC-SP.
Vice-coordenadora do NUPPLE — Núcleo de Pesquisa Português Língua Estrangeira do IP-PUC-SP.
Pátio do Colégio
Referências
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Concepts of intercultural communication: selected readings. Yarmouth, Intercultural
Press, 1998.
MOROSOV, I. e MARTINEZ, J. Z. A didática do ensino e a avaliação da aprendizagem
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SILVEIRA, R. C. P. (Org.) Português Língua Estrangeira: Perspectivas. São Paulo: Cortez,
1998.
WINDDOWSON, H. D. O ensino de língua para comunicação. Trad. José Carlos Paes
de Almeida Filho. Campinas: Pontes, 1991.
Resumo: Anúncios publicitários podem ser usados como material autêntico em ensino de PLE
com enfoque interculturalista, na medida em que partem das cognições sociais, construídas a
partir de valores culturais e ideológicos. Um estudo da construção multimodal – enunciado
lingüístico e texto imagético – propicia ao professor de PLE reflexões sobre valores implícitos
culturais brasileiros, tais como a composição da família e o papel que nela ocupa a mulher.
Abstract: Commercials can be used as authentic material for teaching PLE focusing
interculturalist, in that depart from social cognitions, constructed from cultural and
ideological values. A study of multimodal construction - linguistic utterance text and imagery
- provides to the PLE teacher reflections on implicit Brazilian cultural values, such as family
composition and the role that it occupies the woman.
Este artigo está situado na Análise Crítica do Discurso com vertente sócio-
-cognitiva (van DIJK, 2004) e semiótica social (KRESS; van LEEWEN, 1996) e tem por
tema os implícitos culturais presentes em anúncios publicitários, em interface com
textos multimodais. Os anúncios publicitários podem ser considerados pelos professores
de Português como Língua Estrangeira um dos materiais autênticos para o ensino da
língua alvo, pois sua construção é guiada por valores culturais que participam das
cognições sociais do auditório selecionado pela empresa que vende o seu produto.
A composição multimodal apresenta a combinação do texto linguístico interagindo
com a imagem e, nesse sentido, a leitura do primeiro necessariamente deve levar em
consideração a do outro.
O discurso publicitário é definido por seus participantes, funções e ações, de
forma a transformar o seu auditório em consumidor do produto anunciado. Para tanto,
segundo Sant’Anna (1999) o anunciador do produto precisa ter em mente que: 1. o
auditório tem uma necessidade que precisa ser satisfeita ou o anunciador cria para o
auditório uma necessidade de consumo; 2. que o produto consumido trará plena satisfação
em pouco tempo e com pouco custo. Nesse sentido, o anunciador dá adesão às cognições
sociais do seu auditório e estas são crenças, pois são construídas como formas avaliativas
do que existe no mundo. Assim sendo, para se criar uma necessidade a ser satisfeita,
essas crenças são retomadas, estabelecendo com o produto uma zona de similitude
como formas de representação do novo. Logo, o produto apresentado para consumo
1 Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Português Língua Estrangeira da PUC-SP e doutoranda em
Língua Portuguesa pela Pontif ícia Universidade Católica de São Paulo
Implícitos culturais
A cultura é um conjunto de valores resultantes de interesses objetivos e propósitos,
que constroem as crenças culturais enquanto normas comportamentais e tradições
repetidas de geração por geração.
Ideologia, também, é um conjunto de valores sociais e que podem ser tanto
grupais quanto extra grupais. A ideologia, porém, diferencia-se da cultura na medida
em que esta faz parte do dia a dia das pessoas e é construída pelas pessoas, enquanto
aquela é construída pela classe de poder, a fim de discriminar coisas do mundo e pessoas
para que o poder se sustente durante as reações populares. Esta comunicação está
delimitada ao levantamento de traços culturais.
O material analisado é composto por anúncios publicitários escritos publicados
em revistas brasileiras dos últimos dois anos. As análises foram realizadas a partir das
seguintes categorias: dado/novo, metáfora/metonímia, realce/fundo e verbal/não verbal.
Para as categorias indicadas foram agrupados os valores culturais que estavam implícitos
no texto multimodal. Esses valores estão delimitados aos processos de adjetivação.
Considerações finais
A esta etapa do trabalho, os objetivos são revistos, e conclui-se que:
1. Os valores culturais e ideológicos orientam a construção dos anúncios publicitários
publicados nas revistas.
2. Os valores identificados são diversificados: correspondem à visão da família
enquanto instituição econômica e garantia de sobrevivência material e emocional
de seus membros.
3. O conceito de família enquanto instituição perdura no que se refere aos valores
acima apontados. A materialização deste conceito é observada de forma variada:
a. Por meio da apresentação de família composta em sua conformação tradicional:
o pai é o provedor, a mãe cuida da organização doméstica e da educação
dos filhos (geralmente dois);
b. Por meio da representação de famílias uniparentais, em que a mãe assume
o papel tradicionalmente masculino, no que se refere ao provimento das
necessidades financeiras. Neste caso, é evidenciada a mudança pela qual
passa a sociedade brasileira;
c. Por meio da alusão a relações e a outros grupos sociais que suprem as neces-
sidades emocionais dos indivíduos, tradicionalmente a cargo das ligações
por laços de parentesco.
Nota-se, portanto, alterações na composição do grupo familiar brasileiro e na
distribuição de papéis entre seus membros. Se, de um lado, verificam-se representações
em que os valores tradicionais ainda estão em vigor, por outro lado, estes valores são
atualizados não só por meio de relações sociais conservadoras, mas também de novas
estruturas sociais, como nas famílias uniparentais. Observa-se, também, como um
grande implícito que norteia tais representações, o conceito do moderno, do novo.
Nesse sentido pode-se dizer que seja este um dos traços fundamentais que subjaz à
cultura brasileira.
Em síntese, como se pode observar, os anúncios publicitários vão buscar nos
Marcos de Cognições Sociais elementos para a sua elaboração. Nesse sentido, são adequados
Referências
DIJK, T. A. van. Cognição, discurso e interação. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2004.
KRESS, G.; LEEUWEN, T. van. Reading Images. Routledge, London: 1996.
SANT’ANNA, A. Propaganda – teoria – técnica – prática. 7. ed. São Paulo: Pioneira,
1999.
SILVEIRA, R. C. P. Aspectos socioculturais implícitos em representações linguísticas
de “novo – velho” e “moderno – antigo”, em anúncios publicitários. In: SANTOS, J. B.
e FERNANDES, C. A. (Org.) Análise do Discurso: objetos literários e midiáticos. São
Paulo: Trilhas Urbanas. 2006.
Resumo: A produção de material para o ensino do português variante brasileira, para falantes
de outras línguas, ainda, é insipiente, além disso, as dificuldades dos alunos perpassam o
conhecimento linguístico. Os alunos têm dificuldades de fazer inferências de leituras em
textos multimodais, e de compreender implícitos culturais que propiciam criar a partir do
texto novos sentidos.
Abstract: The production of materials for teaching Portuguese Brazilian variant to other
languages speakers, is still insipient, besides the students difficulties pass over the linguistic
knowledge. Students have difficulties in making inferences from readings in multimodal
texts, and understand cultural implicits which propitiate to create, from the text, new meanings.
Introdução
Ao considerar o ensino de português brasileiro para falantes de outras línguas,
apresentam-se algumas situações possíveis de orientar a produção textual e tratar de
dificuldades de leitura em textos multimodais de histórias em quadrinhos (HQs). De
modo geral, os alunos estrangeiros apresentam dificuldades de construir sentido para
as figuras, cores e expressões linguísticas. Para este trabalho, selecionou-se uma HQ,
produção nacional, de Maurício de Souza. Intencionalmente, destacou-se um texto
que focalizava as relações de amizade, visando sensibilizar e propiciar a interação dos
alunos.
Primeira página:
- Desde que eram pequenininhos! Amigos sabem quando serão amigos!
Pois compartilham momentos... ... Dão força!
Estão sempre lado a lado!
Nas conquistas... ... Nas derrotas!
Nas horas boas... ... E nas dif íceis!
Segunda página:
Amizade nem sempre é pensar do mesmo jeito! Mas abrir mão... De vez em
quando!
Amizade é como ter um irmão... ... Que não mora na mesma casa!
É compartilhar segredos... ...E emoções!
É compreensão.... ...É diversão!
É contar com alguém... ... Sempre que precisar!
É ter algo em comum! E não ter nada em comum!
É não ter nada em comum mesmo! É saber que se tem em comum do que
se imagina!
Terceira página:
É sentir saudade! É querer dar um tempo!
É querer dar preferência! É bater um ciuminho!
Amizade que é amizade nunca acaba!
Mesmo que a gente cresça! E apareçam outras pessoas no nosso caminho!
Referências
KRESS, G.; Van LEEUWEN, T. Reading images. Geelomg: Vic. Deakin University
Press, 1990.
MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Tradução
de Pedrinho A. Guareschi, 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
SILVEIRA, R.C.P. Um novo olhar para as narrativas de humor: os sentidos no cotidiano
e na cultura. In: PIRES, L. C.; BEZERRA, A. P.; CARDOSO, D. P. (Org.) O texto em
perspectiva. Aracaju, SE: Ed. UFS, 2009.
VIEIRA. J. A. et al. Novas perspectivas para o texto: uma visão multissemiótica. In:
VIEIRA, J. A. et al (Org.). Reflexões sobre a língua portuguesa: uma abordagem multimodal.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
Abstract: This paper presents our experience organizing teaching materials for Portuguese as
a Second Language classes taught by Xavante teachers of the Pimentel Barbosa Indigenous
Lands in Mato Grosso state, Brazil in continuing education workshops. Our proposal was to
teach Portuguese as a Second Language through practical activities that are meaningful to the
Xavante community. In our account of the experience, we contextualize our work, presenting
how the teaching activities were organized as well as reflections on the importance of traditional
narratives for the Xavante people.
Introdução
O contato oficial do povo Xavante (Terra Indígena Pimentel Barbosa) já passa
de seis décadas e a educação escolar tem sido desenvolvida em quase todo esse período.
Sendo assim, é inegável que muitos hábitos e costumes tenham sido modificados,
elementos introduzidos, incorporados e (re)significados pela cultura material e imaterial
do povo, mas mesmo assim a luta pela manutenção daquilo que é próprio e essencial
permanece. O contexto linguístico do povo é bilíngue e as escolas têm como objetivo
fazer uma educação também bilíngue. A política é manter a língua materna, sem
desconsiderar a importância da Língua Portuguesa.
A escola indígena específica, diferenciada e bilíngue é uma garantia da Constituição
Federal de 1988, que precisa ser pensada e construída pelos próprios povos indígenas.
Nesse sentido, o povo Xavante da Terra Indígena Pimentel Barbosa, mesmo com todo
o processo de transformação ocorrido com o contato, busca a construção de uma escola
que garanta a valorização da cultura e dos saberes tradicionais. Sendo assim, o esperado
é que os diferentes aspectos culturais, em especial as narrativas xavante, sejam tratados
na escola desde as séries iniciais.
2 Haiyô é um Curso de Magistério (formação de professores indígenas) executado pela SEDUC – Secretaria
Estadual de Educação e Cultura do Estado de Mato Grosso.
3 Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso.
4 As oficinas realizadas foram proposta e executadas pela Secretaria de Educação e Cultura de Canarana
– MT em parceria com a FUNAI – Polos de Canarana e Água Boa - MT.
Considerações Finais
Com base na participação dos professores no trabalho desenvolvido, acreditamos
que o ensino de Português L2 a partir do registro de narrativas tradicionais foi além do
proposto para as aulas de língua, pois tratou de questões de cultura, arte, cidadania,
direitos, política linguística e movimentos indígenas. Além disso, o curso pode ter
contribuído para o desenvolvimento da autoconfiança dos professores na produção de
seus textos, potencializando a autoria em Português L2.
Entendemos, com essa experiência, que a produção de material didático-pedagógico
é um trabalho complexo que demanda ações de várias instâncias, mas que é possível de ser
realizada com apoio dos órgãos competentes. Dentro desse processo, podemos dizer que
a participação ativa de todos os seguimentos da comunidade, em especial os professores,
é de suma importância, pois serão eles os responsáveis pelo processo educacional das
escolas nas comunidades e, consequentemente, pelo uso desse material nas escolas.
Referências
ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras
no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. (Estratégia de Ensino, 5).
______. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola Editorial,
2009.
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação verbal.
Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 261-306.
BOLOGNINI, Carmen Z.; PFEIFFER, Claudia; LAGAZZI, Suzy. (Org.). Discurso e ensino:
práticas de linguagem na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009. (Série
Discurso e Ensino)
BRAIT, Beth; ROJO, Roxane. Gêneros: artimanhas do texto e do discurso. São Paulo:
Escolas Associadas, 2005.
FÁVERO, Leonor Lopes; KOCH, Ingedore G. Villaça. Linguística textual: introdução.
5 ed. São Paulo: Cortez, 2000. (Série Gramática - Português na pesquisa e no ensino;
9).
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designação. Campinas, SP: Pontes, 2002.
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2011.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 2. ed.
São Paulo: Cortez, 2001.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução
de Eni P. Orlandi et al. 2. ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1995.
ORLANDI, Eni. Discurso e leitura. 3. ed. Campinas, SP: Cortez, 1996.
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2001.
ROJO, Roxane (Org.). A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCN’s.
São Paulo: Mercado de Letras, 2000. (As faces da linguística aplicada)
Resumo:A realidade escolar portuguesa tem vindo a alterar-se progressivamente com a entrada
de alunos estrangeiros nas escolas portuguesas – 120 nacionalidades, sendo 36 730 alunos
do 1º Ciclo (DGIDC, 2005). E os resultados obtidos, pelos alunos, num estudo levado a cabo
pela DGIDC (2008), mostram que as maiores dificuldades radicam ao nível da produção de
texto. Ora, num ambiente onde impera a diversidade cultural, afigura-se essencial analisar
em que medida os manuais de PLE/PL2 contribuem para ultrapassar esta lacuna.
Abstract: Portuguese Scholar reality is changing with the progressive new income of foreign
students in Portuguese schools - 120 different nationalities, belonging 36 730 students to primary
school (DGIDC, 2005). Moreover, results obtained by students, in a DGIDC research (2008),
show that their biggest difficulties are focused in writing text. In an environment where
cultural diversity is increasing, it is essential to analyze the contributions of scholar books
of Portuguese as a foreign language and of portuguese as a second language in order to get
over this situation.
Introdução
Cientes das necessidades curriculares, linguísticas e de integração de alunos,
estrangeiros, em escolas portuguesas, consideramos que o manual escolar é um suporte
fundamental, na medida em que contribui para não só para a aquisição de conhecimentos,
métodos e hábitos de trabalho e estudo, mas também para a formação do indivíduo
no que respeita à construção de um conhecimento baseado na preservação de valores
morais e cívicos, sem descriminação étnica, religiosa e social, como é referido na circular
nº 7/2000 do DEB.
Assim, julgamos essencial que os manuais escolares de português língua
estrangeira/português língua segunda – PLE/PL2 - sejam alvo de avaliação, de modo
a potenciarem o desenvolvimento de competências de oralidade, de leitura, de escrita
e de conhecimento explícito da língua, promovendo a articulação e integração desses
mesmos alunos nos curricula nacionais.
A par deste contexto, e tendo em conta que
Assim, um aluno ao concluir o 1º Ciclo de Ensino Básico, deve ser capaz de:
O manual em análise
Com o intuito de atingir os objetivos propostos no início deste trabalho, optou-se
por analisar um manual escolar de PLE/PL2, para falantes alfabetizados numa faixa
etária que se situa entre os 6 e os 9 anos de idade, no que concerne à promoção do
desenvolvimento de competências de escrita. Esta análise teve por base os critérios de
avaliação de manuais utilizados pela Comissão de Nacional de Avaliação e os descritores
de desempenho preconizados pelo Q.E.C.R.
O manual em estudo foi selecionado de acordo com o critério do mais comer-
cializado no país, durante o ano de 2009, sendo designado como Manual A.
Após análise efectuada ao Manual verificam-se, entre outros, dois aspectos
muito importantes:
Considerações finais
Pela dimensão deste estudo, adianta-se, desde já, que não há a intenção de
generalizar este resultado a demais manuais de PLE/PL2. Há, isso sim, a pretensão de
promover um momento de reflexão sobre um conjunto de factores que condicionam
o ensino e a aprendizagem do português.
De sublinhar, ainda, que, sendo a aprendizagem da escrita um processo tão
complexo e necessário, deve registar-se articulação entre os textos reguladores da
prática pedagógica de alunos de PLE/PL2, ou seja, entre os manuais e o curricula.
Note-se que os alunos são avaliados, sobretudo, através da escrita e veja-se que os
resultados esperados, no desenvolvimento desta competência, no final do 1º Ciclo, em
muito pouco combinam com o Manual A. Neste ponto não se pode deixar de referir,
também, que se observa um distanciamento entre o Q.E.C.R. e os curricula, no que
concerne à produção textual.
Igualmente importante, é a formação contínua de professores. Um manual escolar,
claro está, não “serve” todos os alunos de uma mesma turma, ou de turmas distintas,
pois todos têm dificuldades e necessidades diferentes. E neste ponto, o professor tem
um papel fundamental e decisivo, uma vez que pode alterar e/ou adaptar atividades
de acordo com a especificidade necessária. Um manual não substituiu o professor, por
um lado, e o docente continuará a utilizar o manual, por outro.
Finalmente, e apesar de o manual evidenciar recorrentemente aspetos que se
prendem com a cultura portuguesa, considera-se fundamental a apresentação de o
espaço da lusofonia, sem que este se circunscreva unicamente a Portugal.
Resumo: neste artigo apresentamos o projeto que visa verificar como se dá o processo de
aquisição do português como segunda língua (L2), especificamente no nível fonético-fonológico.
Como base teórica, tem-se utilizado o modelo estabelecido por Major (1987) denominado
modelo de ontogenia, que descreve o processo de aquisição de L2 no nível fonético-fonológico
dividindo-o em duas fases: interferência e desenvolvimento.
Abstract: this article we present the project to verify how the acquisition of Portuguese as a
second language (L2), specifically in the phonological-phonetic level. As a theoretical basis,
we have used the model established by Major (1987) called ontogeny model, which describes
the process of acquisition of L2 in the phonetic-phonological dividing it into two phases:
development and interference.
Introdução
Nos últimos anos a área de português para estrangeiros tem crescido gradativa-
mente. Há pessoas de diversas nacionalidades passando por um processo de aprendizagem
em imersão em nosso país ou estudando a língua em seus próprios países, destacando-se
os europeus, orientais e hispano-americanos. Deste modo tem-se, além de um novo
mercado de trabalho, um novo objeto de pesquisa.
Contudo, por se tratar de uma área relativamente nova, pode-se dizer que há
poucos trabalhos voltados à aquisição do português como língua estrangeira (LE) ou
como segunda língua (L2). Por conta disso, é preciso recorrer a modelos aplicados em
estudos de aquisição de outras línguas como LE ou L2.
Nesse trabalho, será apresentado o Modelo de Ontogenia (The Ontogeny Model)
proposto por Major (1987), que será aplicado na análise do processo de aquisição do
português por falantes de espanhol no nível fonético-fonológico.
O modelo de Ontogenia
O objetivo de Major (1987) é estabelecer um modelo para a aquisição fonológica
da L2 que ofereça uma visão integral acerca do caminho que o aprendiz da L2
percorrerá, observando as possibilidades de erro em determinados estágios. Trata-se de
1Mestre em Filologia e Língua Portuguesa pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo e Professora da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo.
Fatores extralinguísticos
Outra característica importante do modelo de ontogenia é a articulação de dados
linguísticos e extralinguísticos. Embora o modelo de ontogenia tenha como base dados
intralinguísticos, considera que fatores extralinguísticos também possam interferir no
Testando o modelo
O modelo de ontogenia está sendo aplicado na analise de dados coletos a partir
de entrevistas e experimentos realizados com estudantes de pós-graduação da Uni-
versidade de São Paulo. Pretende-se verificar, através de um estudo qualitativo, a
pertinência do modelo através da análise do processo de aquisição do português por
falantes de espanhol.
Por ação de um articulador do trato oral, ou seja, pelo abaixamento do véu palatino,
cria-se um acoplamento de tubos de ressonância, cujo som da fala chega aos nossos
ouvidos como som vocálico nasal. Esta qualidade de som nasal ou nasalizado, ou seja,
a qualidade da nasalidade,é o resultado da passagem de ar pela cavidade nasal. No
caso das vogais nasais, o que ocorre é que parte do ar passa pela cavidade oral e parte
pela cavidade nasal, daí o acoplamento de tubos. (2007 , p.35)
Segundo Quilis (2000), as diferenças entre vogais orais e nasais reside nas
seguintes características:
a) orais: o véu palatino está aderido à parede faríngea, o fonador sai pela boca
Considerações finais
Normalmente, se recorre à AC quando há o interesse em analisar a relevância da L1
no processo de aquisição da L2. Contudo, a AC concentra-se apenas na interferência
da L1 do aprendiz, enquanto o modelo de ontogenia dá um passo a frente e considera,
também, fatores extralingüísticos. Trata-se de um modelo específico para a aquisição
de fonologia que, segundo Major (1987), apresenta características peculiares como o
fato de que a transferência positiva é automática e, podemos acrescentar, inconsciente.
Outro fator positivo em relação ao modelo de ontogenia é considerar que os
processos ocorram simultaneamente. Em geral, os estudos concentram-se em verificar
cada processo da aquisição separadamente, já o modelo de ontogenia trabalha com dois
grandes processos – interferência e desenvolvimento - que estão diretamente relacionados.
Espera-se, então, que analise do processo de aquisição das vogais nasais possa
corroborar a eficácia do modelo de Major (1987). Além disso, pretende-se chegar à
definição das diferenças entre as vogais nasais do português e do espanhol, considerando
os processos de alofonia que podem interferir na aquisição do português como L2.
Referências
AKERBERG, M. As vogais nasais em português – um problema de percepção.
CONGRESSO INTERNACIONAL DO ENSINO DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA
ESTRANGEIRA, 5, 1998, Cidade do México. Anais... Cidade do México: UNAM,
1998. p. 169-84.
LADO, R. Linguistics across cultures. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1957.
MAJOR, R. C. A model for interlanguage phonology. In: IOUP, G.; WEINENBERG, S.H.
(Org.) Interlanguage phonology: the acquisition of a second sound system. Cambridge:
Newbury House Publishers, 1987. p. 101-24.
Resumo: Este artigo busca verificar como os falantes japoneses produzem sílabas do português
que não existem em sua língua materna, em especial, o caso dos encontros consonantais e
consoantes em posição final da sílaba. A análise é feita a partir das hipóteses de transferência
linguística, reativação da aquisição de L1 e preferência universal pela estrutura CV. Espera-se,
assim, que este artigo ajude os professores de língua portuguesa para japoneses a compreenderem
melhor alguns processos linguísticos importantes para a pronúncia adequada do aprendiz.
Abstract: This article attempts to verify how the Japanese speakers produce syllables in Portuguese
that do not exist in their native language, in particular the case of consonant clusters and
consonants in syllable final position. The analysis is based on the hypothesis of language
transfer, reactivation of L1 acquisition and universal preference for CV structure. It is expected
therefore that this article helps teachers of Portuguese for Japanese speakers to better understand
some important linguistic process for the proper pronunciation of the learner.
Apesar desses erros, o /s/ em posição de coda silábica foi produzido corretamente
na palavra ‘histórias’, sem que se trocasse por /hi.su.to.rja.su/. Também estava
correto nas palavras ‘país’ e ‘estudantes’.
4. ‘olhar’ > /o.a.Ru/
5. ‘perspicaz’ > /pe.rus.pi.kas/
6. ‘ilustrar’ > /i.lus.tra.Ru/
7. ‘escolar’ > /es.ko.la.ru/
8. ‘ser’ > /se.ru/
9. ‘posteriormente’ > /pos.te.rjo.ru.men.ti/
10. ‘autor’ > /aw.to.Ru/
Apesar dos erros acima, o /r/ em posição de coda silábica foi produzido corretamente
em outros casos, como ‘despertar’, ‘prazer’ e ‘escritor’.
11. ‘adquiriu’ > /a.do.ki.rju/
12. ‘criará’ > /ku.ri.a.ra/
Em todos os casos foi realizado o processo de epêntese da vogal [u], com ex-
ceção do erro (11), no qual ocorreu a epêntese da vogal [o]. Como já apontado, em
japonês, não existe o som [du].
Na leitura da lista, foram encontrados os seguintes erros:
1. ‘advogado’ > /a.du.vo.ga.du/
2. ‘atleta’ > /a.tu.RE.ta/
3. ‘blefe’ > /bu.RE.fi/
4. ‘clave’ > /ku.ra.vi/
5. ‘crianças’ > /ku.Ri.an.sas/
6. ‘crostas’ > /ku.Ros.tas/
7. ‘flerte’ > /fu.RER.ti/
8. ‘frete’ > /fu.RE.ti/
9. ‘glacê’ > /gu.Ra.ce/
10. ‘menestréis’ > /me.nes.tRis/
11. ‘pacto’ > /pa.ku.to/
12. ‘pneu’ > /pu.new/
13. ‘ritmo’ > /hi.to.mo/
14. ‘solstício’ > /so.rus.ti.sju/
15. ‘transtorno’ > /tu.rans.toR.no/
Referências
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fonológico normal. Rev. soc. bras. fonoaudiol., São Paulo, v. 14, n. 1,2009.Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-80342009000100008&lng
=en&nrm=iso>. Acesso em: 28 jun. 2009.
OHATA, K. Phonological differences between Japanese and English: several potentially
problematic areas of pronunciation for Japanese ESL/EFL learners. Asian EFL Journal,
Abstract: This article deals with certain recurrent phonetic and phonological phenomena
in the speech of native English learners of Portuguese, as follows: 1. production of [l] and
[m] in syllable-final position, 2. absence of vowel nasalization; 3. substitution of the flap []
for the retroflex [] and 4. spelling pronunciation. The corpus was compiled using data from
interviews with five learners: three Americans, one English and one Irish. Segmental aspects
of their pronunciation were contrasted with the city of São Paulo’s variety of Portuguese.
Introdução
O Brasil ocupa atualmente uma posição político-econômica privilegiada no
cenário internacional, o que tem atraído um número crescente de estrangeiros para
as empresas e universidades brasileiras. O maior interesse pelo país tem resultado no
aumento da procura pelo ensino do português por falantes de outras línguas (PFOL) e,
consequentemente, impulsionado o desenvolvimento de pesquisas na área. Verifica-se,
no entanto, que ainda são escassos os estudos que tratam da aquisição de determinados
aspectos do PFOL, como a aquisição de aspectos fonético-fonológicos.
Neste artigo, pretende-se descrever e analisar os seguintes dados segmentais
encontrados de forma recorrente na produção oral de aprendizes de PFOL que têm o inglês
como língua nativa: 1. produção de [l] e [m] em posição final de sílaba, 2. ausência de
nasalização das vogais, 3. substituição do tepe [] pela retroflexa [] e 4. pronúncia
ortográfica.
Para a análise dos fenômenos fonético-fonológicos acima listados, fez-se uso do
modelo de Análise de Erros (CORDER, 1967; 1981) e, no que concerne especificamente
à aquisição do português brasileiro por falantes nativos de inglês, considerou-se o trabalho
de Azevedo (1981).
Metodologia
Informantes
O critério para a escolha dos informantes foi o de serem falantes nativos de
inglês que tivessem iniciado a aprendizagem de português em idade adulta. Apesar
de as nacionalidades serem diferentes, americana, inglesa e irlandesa, levantou-se a
hipótese de que houvesse padrões em comum na realização de processos fonético-
-fonológicos entre os diferentes informantes, o que se constatou posteriormente.
Na Tabela 1, seguem-se informações sobre cada um dos participantes.
Tempo Outras
Informante Origem Profissão Sexo Idade Escolaridade
no Brasil línguas
cursando
1 EUA estudante F 23 1 mês -
superior
cursando
2 EUA estudante M 23 1 mês espanhol
superior
cursando
3 EUA estudante M 20 1 mês2 -
superior
diretor italiano
4 Inglaterra M 40 superior 20 meses
financeiro espanhol
5 Irlanda professor M 27 superior 06 meses alemão
2 É a sua quinta viagem ao Brasil, sendo que as vezes anteriores foram em período de férias (1-2 meses).
Procedimentos
A coleta de dados se deu através de entrevistas, em sala de aula, com cada um dos
informantes. Perguntou-se a eles o que faziam em seu país de origem, em suas horas
vagas, e sobre as impressões que tinham a respeito do Brasil e da língua portuguesa.
As entrevistas foram gravadas em áudio e tiveram em média seis minutos de
duração. Os dados de fala foram contrastados com o português da cidade de São Paulo,
variedade escolhida como padrão por ser o local de imersão dos informantes. Em seguida,
amostras de palavras com desvios segmentais foram extraídas do corpus e foneticamente
transcritas por meio do International Phonetic Alphabet (IPA).
Pronúncia ortográfica
A pronúncia ortográfica ocorre quando o aprendiz opta pela pronúncia em sua
L1 quando a palavra é graficamente semelhante à língua-alvo. Esse desvio foi bastante
recorrente na fala dos informantes 1, 3 e 5, p. ex., música [‘mju.zi.ka], internacionais
Considerações Finais
Buscou-se neste breve estudo descrever e explicar quatro fenômenos recorrentes
na fala de aprendizes de português falantes nativos de inglês.
Dentre os fenômenos listados, acredita-se que a falta de nasalização das vogais
que constituem fonemas nasais, a produção de [l] e [m] em posição final de palavra
e a pronúncia ortográfica sejam desvios que não apenas marquem sotaque, mas que
também afetem a inteligibilidade do falante, uma vez que resultam em substituição de
fonemas. Seria necessário, no entanto, um teste de percepção com falantes nativos do
português para que se corroborasse essa hipótese.
O processo que constitui a aquisição de PFOL revela-se como um campo fértil
para pesquisas. Futuros estudos que incorporem uma maior quantidade de dados e
que adicionem à entrevista espontânea, dados de fala controlados, de modo a excluir a
tendência do informante em evitar segmentos de dif ícil produção, poderiam fornecer
resultados mais definitivos sobre quais são os fenômenos mais relevantes na pronúncia
do português de aprendizes anglófonos e quais os processos que devem ser enfatizados
no ensino, com vistas à promoção da inteligibilidade do falante.
Vale lembrar que a importância da descrição e análise da produção oral dos
aprendizes de PFOL está, especialmente, no fornecimento de dados para o tratamento de
desvios, fomentando-se assim o ensino e favorecendo o aumento das possibilidades de
comunicação entre falantes nativos e não-nativos de português, uma vez que a barreira
da pronúncia se faça amenizada.
Referências
______. Error Analysis and Interlanguage. Oxford: Oxford University Press, 1981.
Resumo: Este trabalho busca discutir as dificuldades na aquisição dos tempos verbais do
português como língua estrangeira por estudantes matriculados no curso de Português para
estrangeiros do Centro de Línguas da FFLCH-USP. O corpus deste trabalho baseia-se em
redações elaboradas no respectivo curso, nas quais foi possível detectar dificuldades em relação
ao uso dos tempos verbais na produção escrita do português. Assim, será possível detectar
elementos dificultadores na aprendizagem/aquisição das flexões verbais do Português como
língua estrangeira.
Abstract: This article discusses the difficulties in the acquisition of verb tenses of Portuguese as
a foreign language by students enrolled in the Portuguese course for foreigners at Centro de
Línguas in FFLCH-USP. The corpus of this work is based on essays produced in this course, in
which it was possible to detect difficulties in the use of tenses in the written form of Portuguese.
Thus, it can be possible to detect dificult elements in the learning / acquisition of verbal
inflections of Portuguese as a foreign language.
1 Mestre em Filologia e Língua Portuguesa pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP.
Atuou como professora de português para estrangeiros junto ao Centro de Línguas da FFLCH - USP.
(9) ‘Cheguei no Brasil quando a chuva chegou também! Foi muito dif ícil para
mim porque na França foi verão’
(10) ‘depois de duas semanas achei um apto que esteve mais dif ícil do que eu ex-
pectei’
(11) ‘já fui no Brasil o verão passado, no estado da Bahia durante dois meses. Aí,
teve sol, praias e pessoas muito simpáticas’
(12) ‘Agora não posso escrever mais mas espero que aproveitarei’
(13) ‘Eu espero que eu vou para falar muito bem a língua’
(14) ‘espero que eu vou gostar esse semestre’
(15) ‘Espero que as aulas de português vão ajudar-me’
Nos exemplos sobre o uso dos verbos no infinitivo como presente do indicativo
percebemos que o infinitivo é a forma menos marcada do Português, além disto, esta
é a forma lexicalizada do verbo, pois é aquela encontrada no dicionário. Vejamos a
definição de Camara Jr. (2009) sobre este tempo:
O infinitivo é a forma mais indefinida do verbo. A tal ponto, que costuma ser
citado como o nome do verbo, a forma que de maneira mais ampla e mais vaga
Percebemos que neste verbo, como a maioria dos verbos em língua inglesa, a
estrutura tende a ter menos flexões que o Português, pois não há muitas modificações nas
formas verbais, principalmente naquelas ditas regulares. Em contrapartida, o verbo
em Português, assim como os das línguas flexionais, possui a noção de tempo e pessoa
implícita na conjugação verbal, e tal cumulação destas noções pode não ser tão clara
para os aprendizes de Português como L2/LE.
Na análise das trocas entre as desinências número-pessoais do pretérito percebemos
que nos exemplos são destacados alguns verbos como fazer e ter. De acordo com Amado
e Rodrigues (2010) os aprendizes de L2 terão problemas na percepção e produção oral
das alternâncias vocálicas do Português.
Considerações finais
Neste trabalho foi possível discutir sobre as dificuldades de aquisição dos tempos
verbais do Português na produção escrita de alunos participantes do curso de PLE.
Nos textos produzidos, foram detectados desvios de norma do Português formal
como: o uso do infinitivo como presente do indicativo, a troca entre as desinências
modo-temporais do pretérito, o uso do futuro no modo subjuntivo, a troca entre as
desinências número-pessoais do pretérito e a transferência de estruturas de outras
línguas para o Português.
A partir desses desvios foi possível estabelecer algumas hipóteses sobre os elementos
dificultadores na aquisição verbal baseando-se na própria estrutura da língua portuguesa
conforme estabelecido por Camara Jr. (2009) em contraste com outras línguas como
o Inglês.
Desta forma, vimos que os estudantes recorrem a diferentes estruturas na tentativa
de adquirir a língua alvo como à formas não marcadas do infinitivo; ainda, os alunos
apresentaram dificuldades na percepção das alternâncias vocálicas do Português, na
diferenciação aspectual do pretérito perfeito e imperfeito e na compreensão das noções
de incertezas e probabilidades expressas pelo modo subjuntivo.
Assim, através da discussão proposta e do compartilhamento de experiências
adquiridas ao longo das aulas de PLE, este artigo tende a contribuir para a discussão
acerca dos aspectos linguísticos da aquisição do Português L2/LE.
Referências
AMADO, R. S.; RODRIGUES, R. A flexão do verbo no português. In: LIMA-HERNANDES,
M. C.; CHULATA, K. A. (Orgs.). Língua Portuguesa em foco:ensino-aprendizagem,
pesquisa e tradução. Lecce, Itália: Pensa Multimedia, 2010. p. 45-71.
Abstract: This article discusses the use of a didactic way to introduce the morphology of
several known irregular verbs in the subjunctive tense according to the observations made
by Joaquim Mattoso Camara Jr. in his studies about this subject.
Introdução
Este artigo destina-se a professores de PLE (português como língua estrangeira)
e tem como objetivo facilitar a aquisição/ aprendizagem dos tempos simples do subjuntivo
de um grupo de verbos com suposta irregularidade de radical, reunidos por Camara Jr.
(1972, 1970), que chama atenção para o fato de que:
A manipulação didática que se fará aqui não inclui exercícios práticos até porque,
nas décadas de 1960 e 1970, quando as obras do linguista foram publicadas, a exercitação
de conceitos gramaticais era de natureza estruturalista. No entanto, o professor poderá
criar em sala de aula atividades que respeitam os preceitos das modernas abordagens
para o ensino de português como língua estrangeira.
Neste artigo, o objetivo é propor uma forma didática de apresentação desse
grupo de verbos para que o professor possa reproduzi-la em suas aulas, à medida que for
sistematizando a morfologia dos tempos do subjuntivo. Fique claro que essa sistematização
deve “fugir da memorização” e contribuir para que o aluno perceba mais rapidamente
“as relações e coincidências” entre os verbos desse grupo.
Fundamentação teórica
Camara Jr. (1972) descreve a estrutura do verbo em português por meio de uma
fórmula matemática [t (r + vt) + sf (smt + snp)], em que t é o tema (composto de
radical e vogal temática) e sf é o sufixo flexional (composto de sufixo modo-temporal
e sufixo número-pessoal). Essa fórmula pode ser aplicada a todas as formas dos verbos
regulares das três conjugações verbais, que para o autor fazem parte do “padrão geral”.
Assim, pode ser também aplicada às formas dos três tempos simples do subjuntivo:
presente (SbPr), pretérito imperfeito (SbPt) e futuro (SbFt), conforme se vê no Quadro 13.
3 (a) Ilustram-se apenas as formas verbais em uso no Brasil, ou seja, 1ª e 3ª pessoas do singular, e 1ª e
3ª pessoas do plural. Ainda que, em algumas regiões do país, se use o sujeito pronominal de 2ª pessoa
do singular (p.ex., tu vai), costuma-se conjugar o verbo na 3ª pessoa. (b) Ø representa o apagamento
da vogal.
t sf
snp
r vt smt
1ª e 3ª p. sing. 1ª p. pl 3ª p. pl
SbPr
compr (a) e
vend (e) a Ø mos m
divid (i) a
SbPt
compr a sse
vend e sse Ø mos m
divid i sse
SbFt
compr a r
vend e r
Ø mos em
divid i r
A mesma fórmula aplica-se também a todas as formas dos verbos ditos irregulares,
com a diferença de que esses verbos têm dois radicais especiais: um para o SbPr, cuja
forma primitiva é a 1ª pessoa do singular do presente do indicativo, e outro para o SbPt
e SbFt, cuja forma é a 3ª pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo, conforme
se vê no Quadro 2.4
Quadro 2 - Estrutura do imperfeito e futuro do subjuntivo de caber
forma tema sf
radical
primitiva vt smt 1ª e 3ª p. sing. 1ª p. pl 3ª p. pl
especial
SbPr
caibo caib (e) a Ø mos m
SbPt
couberam coub (e) ss Ø mos m
SbFt
couberam coub (e) r Ø mos em
4 Embora todas as formas do pretérito perfeito do indicativo tenham o mesmo radical (coube, coube,
coubemos, couberam), couberam é a única que têm a vt semiaberta, como ocorre em suas formas
derivadas (coubesse, etc; couber, etc).
5 A classificação dos fonemas usada neste artigo foi tomada à Cunha e Cintra (2001).
Materiais e métodos
Constitui o corpus deste trabalho um total de 27 verbos, recolhidos nas listas de
verbos irregulares ou anômalos de Cunha e Cintra (2001) e Bechara (1999), e listado em
apêndice no final deste artigo. Foram desconsiderados os poucos verbos com alternância
vocálica de terceira conjugação listados por Bechara (1999) e os verbos em -ear, que
para Camara Jr. (1972, 1970) fazem parte do “padrão geral”6.
A partir dos dois padrões especiais definidos por Camara Jr. (1972, 1970), dividiram-
-se os verbos entre: os que têm radical especial para o presente do subjuntivo (SbPr) e
os que têm radical especial para o imperfeito e futuro do subjuntivo (SbPt-Ft).
Em seguida, os verbos de cada um dos padrões foram reclassificados em subpadrões
especiais para o SbPr e subpadrões especiais para o SbPt e SbFt, de forma semelhante à
classificação feita por Salum (2007) a partir da descrição fonológica feita pelo linguista.
Resultados
Os 26 verbos com radical especial para o SbPr foram agrupados em seis subpadrões
especiais de acordo com as semelhanças fonéticas encontradas no radical do referido
tempo verbal. Os dois verbos (ir e rir) que não apresentaram nenhum traço comum
aos outros foram classificados como “fora de subpadrão”, conforme se vê no Quadro 37.
Quadro 3 - Subpadrões especiais para o presente do subjuntivo
subpadrão infinitivo forma primitiva formas derivadas
medir meço meça
pedir peço peça
SbPr 1 poder posso possa
fazer faço faça
ouvir ouço ouça
ver vejo veja
ser sou seja
SbPr 2
estar estou esteja
haver hei haja
6 A alternância vocálica nas três conjugações tem sido tratada ora como regular, ora como irregular e
merece estudo específico, como observa Salum (2007).
7 (a) Nas formas derivadas, consta apenas a 1ª p. sing. (b) Em alguns verbos (ser, estar, haver, saber e
querer), as formas primitivas (sou, estou, hei, sei e quero) fogem à regularidade interna dos respectivos
subpadrões e podem, por isso, ser consideradas efetivamente irregulares.
Os quinze verbos com radical especial para SbPt e SbFt foram agrupados em seis
subpadrões especiais de acordo com as semelhanças fonéticas encontradas no radical
do referido tempo verbal. Os cinco verbos que não apresentaram semelhança com os
outros foram classificados como “fora de subpadrão”, conforme se vê no Quadro 4.
Quadro 4 - Subpadrões especiais para o imperfeito e futuro do subjuntivo
• no subpadrão SbPr 1, a consoante fricativa linguodental surda (meça, peça, faça, ouça
e possa) substituiu a consoante do radical do infinitivo dos cinco verbos (medir, pedir,
fazer, ouvir e poder)8;
• no subpadrão SbPr 2, a consoante fricativa palatal sonora (veja, seja, esteja e haja) foi
introduzida no radical do infinitivo de três verbos (ver, ser, estar) e substituiu a consoante
do radical do infinitivo em um verbo (haver)9;
• no subpadrão SbPr 3, as consoantes oclusivas velares, sonora (diga e traga) e surda
(perca), substituíram a consoante do radical do infinitivo dos três verbos (dizer, trazer
e perder), e
• no subpadrão SbPr 4, as consoantes palatais sonoras oclusiva nasal (tenha, venha e
ponha) foram introduzidas no radical do infinitivo de três verbos (ter, vir e pôr) e a
consoante palatal sonora constritiva oral (valha) substituiu a consoante do radical do
infinitivo de um verbo (valer).
Em oito verbos (caber, cair, sair e saber, de um lado, e ler, crer, querer e requerer,
de outro), houve ditongação da vogal do radical do infinitivo, para ai (caiba, caia, saia e
saiba), no subpadrão SbPr 5, e para ei (leia, creia, queira e requeira), no subpadrão SbPr 6.
Nos dois verbos fora de subpadrão (ir e vir), houve recuperação do radical dos
verbos latinos em ir (vou/vá) e rir (rio/ria).
8 Note-se também a alternância vocálica em três desses verbos (medir/meça, pedir/peça, poder/posso).
9 Note-se também a redução da vogal aberta para a semifechada em um desses verbos (estar/esteja).
Conclusão
Quando se compara a exposição didática feita nos resultados deste estudo com
a exposição dos verbos feita nas gramáticas, não é dif ícil entender o apelo de Camara
Jr. (1972, 1970) para que os professores repensem o modo de ensinar o sistema verbal.
A organização em listas alfabéticas faz parecer que todas as formas verbais fogem
ao padrão geral. Note-se que, no conjunto de verbos ditos irregulares vistos neste artigo,
boa parte foge ao padrão geral apenas no subpadrão para o SbPr.
Ainda que conjuguem apenas o presente do indicativo e o presente do subjuntivo
do verbo ouvir, Cunha e Cintra (2001) e Bechara (1999) não fazem nenhuma observação
de que ouve, ouvimos e ouvem seguem o padrão geral dos verbos da terceira conjugação.
Quando ouvir é inserido no subpadrão especial, contudo, identificam-se imedia-
tamente as formas que se afastam do padrão geral e, mais do que isso, percebe-se
imediatamente que a alteração consonantal sofrida pela forma primitiva e suas derivadas
ocorre igualmente em medir, pedir, poder e fazer.
A insistência de Camara Jr. (1972) no fato de que sua exposição é de linguística
teórica, e não aplicada, não pode ser esquecida. Não cabe ao professor expor em sala
de aula a estrutura do verbo e os tipos de alteração dos subpadrões para o SbPr e
10 Note-se também a substituição por consoante fricativa linguodental sonora em um verbo (trazer/
trouxesse/trouxer).
11 Note-se também a introdução de consoante fricativa linguodental sonora no radical de um verbo
(pôr/pusesse/puser).
12 Note-se a substituição da consoante fricativa linguodental sonora do radical do infinitivo pela surda
no radical de apenas um dos três verbos (dizer/dissesse/disser).
Referências
BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro:
Lucerna, 1999.
CAMARA JR., J. M. Dispersos de J. Mattoso Câmara Jr. Rio de Janeiro: FGV, 1972.
______. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1970.
CUNHA, C.; CINTRA, L. Nova gramática do português contemporâneo. 2. ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
HUTCHINSON, A.; LLOYD, J. Portuguese. An Essential Grammar. London/ New
York: Routledge, 2002.
SALUM, M. E. L. Morfologia do português em obras de referência. 2007. Tese (Dou-
torado em Filologia e Língua Portuguesa) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas , Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em: <http://www.
sibi.usp.br>. Acesso em: 04 fev. 2011.
Resumo: Trago uma experiência realizada no Curso Normal Nível Médio de Formação de
Professores Guarani/Kaiowá – PROJETO “ÁRA VERÁ”, Dourados-MS, 3ª Turma, julho de
2009, na qual abordo a Língua Portuguesa (2ª Língua no contexto trabalhado) apontando
para as relações que ela estabelece com o sujeito, a história, a ideologia, a política, o mundo.
O Curso foi distribuído em seis etapas e selecionei diversos tipos de texto que circulam e
regulamentam a vida numa sociedade de escrita; lembrando que o público atendido não vive
somente nas aldeias, está na cidade, em relação com o mundo, com o Outro. No caso dos
Guarani/Kaiowá, grande parte bilíngues, levei em conta o pertencimento a sociedades que
se estão (re)construindo no conflito, na tensão do inevitável contato.
Abstract: Bring an experiment conducted in the Normal Course Intermediate Level Teachers
Training Guarani/Kaiowá - “ÁRA VERÁ” PROJECT, Dourados-MS, 3rd Class, July 2009, in
which I approach the Portuguese Language (2nd language in the context worked) pointing to
the relationships it establishes with the subject, history, ideology, politics, the world. The course
was distributed in six steps and selected various types of texts that circulate and regulate life
in a society of writing, remembering that the community attended not only live in villages.
In the case of the Guarani/Kaiowá, most bilingual, I considered the membership in society
that are (re)building in conflict, in tension from the inevitable contact.
• Perceber as contribuições dos estudos realizados tanto para a pesquisa quanto para
o ensino da língua Portuguesa como segunda língua.
Algumas considerações
Considerando que o compromisso como educadora é oportunizar aos alunos
uma experiência em que a leitura e a escrita sejam processo de inscrição social, isso eu
tentei fazer o tempo todo.
Para que essa visão se fizesse com os professores Guarani/Kaiowá, a pesquisa
foi concebida no sentido de alargar horizontes e cobrir aspectos nunca sonhados (não
permitidos) por eles. Assumimos, no Curso, a pesquisa como produção de sentidos,
propiciando a investigação como atividade prazerosa e emancipadora.
A cada parte do curso refletimos sobre a importância da pesquisa para o exercício
da cidadania. Sempre, com o cuidado de não atribuir valores aos comportamentos
discutidos para se evitar maniqueísmos simplistas.
Também, gostaria de dizer que ao promover uma discussão quanto as diferenças
de modos de vida não objetivei mudar o comportamento dos Guarani/Kaiowá, pois se
eles devem ou não utilizar o nosso conhecimento, a nossa língua, se vão desenvolver
uma pragmática de contato ou vão manter a pragmática indígena para reafirmar sua
Referências
ALBUQUERQUE, J. G. O sentido da diferença na Pedagogia Indígena: oportunidades
amplas, tensões, formas limitadas de operar com a diferença. Campinas: UNICAMP,
2002. (texto apresentado no13º COLE)
ORLANDI, E. Reflexões sobre escrita, educação indígena e sociedade. Escritos – Escritas,
Escritura, Cidade, Labeurb (Laboratório de Estudos Urbanos), Unicamp, v. I, n. 5,
1999.
Resumo: com esta comunicação, pretendo compartilhar minha experiência com a apresentação
de passagens da história do Brasil nas aulas de português oferecidas a pessoas de outros
países. Serão colocados em evidência alguns dos períodos históricos de maior interesse, as
diferentes possibilidades de abordagem dos temas e as estratégias didáticas adotadas para o
desenvolvimento de habilidades linguísticas (compreensão e produção escrita/oral) aliadas
ao assunto em questão.
Abstract: with this communication, I want to share my experience with the presentation of
passages Brazil’s history in Portuguese classes offered to people of other countries. Will be
highlighted some of the most interesting historical periods, different ways of approaching the
topics and showing strategies adopted for the development of language skills (comprehension
and production written/oral) combined with the subject.
Estratégias adotadas
As quatro competências/habilidades linguísticas também devem ser desenvolvidas a
partir das aulas sobre história do Brasil. A seguir, estão algumas das sugestões para um
melhor aproveitamento dos temas propostos.
A compreensão escrita pode ser abordada com propostas de pesquisa, por meio
da leitura de textos sobre os temas; a compreensão oral seria aprimorada através da
exibição de filmes relacionados ao assunto enfocado3; a produção escrita provém das
3
propostas de redação sobre uma das passagens da história do Brasil, de maior interesse
individual; a produção oral pode ser estimulada através da discussão dos assuntos em sala
de aula e da apresentação de seminários individuais, quando são feitos comentários
críticos sobre a história do Brasil e a respeito da história do país de cada um dos estudantes.
Uma das estratégias para a introdução dos pontos sobre história do Brasil é o
aproveitamento de datas históricas, como 21/04, 13/05, 09/07, 07/09, 15/114, e a utilização,
4
Revisitando a biblioteca
Um dos momentos mais prazerosos do curso de português para estrangeiros é o
da preparação das aulas, que exige do professor uma revisão de seus conhecimentos sobre
os temas que serão propostos, além de um alargamento de seus horizontes quanto à
história e cultura do Brasil.
Para uma satisfatória fundamentação das aulas, sugerem-se algumas leituras
que podem ser feitas pelos professores antes de darem início às aulas. O título Brasil:
uma história (2010), de Eduardo Bueno, e os volumes da coleção de história dos bairros
3 Alguns títulos são: Guerra de Canudos (1997), Caramuru – A Invenção do Brasil (2001), Raízes do
Brasil (2004), O ano em que meus pais saíram de férias (2006).
4 Referência às datas: Tiradentes (21/04), Abolição da Escravatura (13/05), Revolução Constitucionalista
Paulista de 1932 (09/07), Independência do Brasil (07/09) e Proclamação da República Brasileira (15/11).
Referências
BRUNO, E. S. Memórias da cidade de São Paulo. São Paulo: Secretaria Municipal da
Cultura, 1981.
CARMO, J. C. O que é candomblé? 2. Ed. São Paulo: Brasiliense, 2006.
DORIA, C. A. A Formação da Culinária Brasileira. São Paulo: Publifolha, 2009.
FAUSTO, B. História Concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2006.
REZENDE, M. J. A Ditadura Militar no Brasil (1964/1984): repressão e pretensão de
legitimidade. Londrina: Editora Eduel, 2001.
STADEN, H. Duas viagens ao Brasil. São Paulo: Edusp, 1974.
TIBIRIÇÁ, L. C. Dicionário de Topônimos Brasileiros de Origem Tupi. 3. ed. São Paulo:
Editora Traço, 2009.
Abstract: This essay aims at contributing to the reflections and work of teachers of Portuguese
as a Foreign Language (PFL), by comparing three PFL advanced courses the author taught in
the United States in 2009. The author will discuss aspects common to all three of them, such
as development of communicative competence and the need to study grammar vis-à-vis the
use of language in cultural contexts, as well as diverging aspects, such as the choice of teaching
materials and methodology.
1 Doutora em Teoria da Literatura pela UNESP de São José do Rio Preto e professora do Centro de
Linguagem e Comunicação na PUC de Campinas.
Ensinar uma língua, principalmente uma nova, tem se tornado uma tarefa de
ensinar menos língua e de vivenciar mais a própria língua-alvo para abrir
possibilidades de aquisição da CC com tudo o que ela implica: estratégias de
aquisição, estratégias de sobrevivência na interlíngua emergente, capacidade de
jogar com as palavras e sentidos permitidos pelo novo sistema e nova cultura,
possibilidades estéticas de busca de sentidos especiais na nova língua, capacidade
de compreender e armar textos e discurso e desenvolver, se necessário ainda,
uma consciência metalinguística e metacomunicativa da competência capital.
(ALMEIDA FILHO, 2010, p. 12)
3 Adotava-se uma tabela com siglas para correção gramatical (por exemplo: VE – verbo errado, TV –
tempo verbal) e outra tabela com a pontuação referente a critérios como coesão, coerência, adequação
de vocabulário, nível de formalidade do texto, etc.
4 No ano de 2009 foram usados: O Auto da Compadecida, Quanto vale ou é por quilo, Orfeu Negro (de
1959) e Tropa de Elite. Algumas sugestões de como trabalhar com cinema na sala de aula podem ser
encontradas em Wasserman (2009).
À guisa de conclusão
A ausência de imersão na língua acaba sendo um dos pontos negativos de ensinar
PLE no exterior, apesar de atualmente o acesso ao português ser muito mais fácil,
principalmente pela internet e também por alguns canais televisivos já disponíveis nos
Estados Unidos. Um aspecto positivo é o fato de grande parte dos alunos terem contato
com mais de uma língua além do inglês (geralmente o espanhol ou o francês), o que
acaba por auxiliar na aquisição do português, pois amplia a possibilidade de comparações.
Como afirma Derrida (2001), há uma multiplicidade de línguas “contaminadas” entre
si, a identidade de cada elemento da língua ou mesmo de cada língua depende de sua
diferença em relação aos outros elementos da língua ou às outras línguas. Há um
entrelaçamento e encadeamento de rastros de uma língua na outra, de uma cultura na
outra. As diferentes nacionalidades também auxiliam no tratamento da diversidade
cultural: há não só um entendimento da cultura do outro como também uma cons-
cientização de que as diferenças devem ser respeitadas e acolhidas. De modo geral,
podiam-se notar dois tipos de interesse por parte dos alunos: ao lado de uma visão
pragmática da língua como instrumento de comunicação imediata, prática, havia a
preocupação com o aspecto normativo da língua6 e, embora o conhecimento de português
não fosse homogêneo, o fato de considerarmos os aspectos lexicais, gramaticais, culturais
e de oralidade como complementares e indissociáveis do contexto de uso da língua
acabava por vir ao encontro das necessidades dos alunos. Como consequência, esses
alunos permaneciam no curso, havendo baixíssima desistência. Mesmo no AEP, um
curso pago, sem créditos e sem programa pré-estabelecido, os alunos continuavam se
matriculando e acabavam por criar vínculos de amizade que ultrapassavam as paredes
da sala de aula.7 Acreditamos também que o fato de os alunos saberem exatamente o
que esperar de cada módulo e terem voz na “construção” do curso foram alguns dos
motivos do sucesso. O levantamento dos interesses e das dúvidas na primeira aula e a
avaliação do curso e da professora nas aulas finais também foram instrumentos impor-
tantes para o bom andamento e eventuais reformulações e melhorias adotadas nos cursos
seguintes. E, por mais clichê que possa parecer, a dinâmica dos cursos e o envolvimento
dos alunos deu à professora condições de fazer de cada curso um curso único e de cada
aula uma oportunidade de aquisição de pelo menos um novo conhecimento.
5 Foram usados, por exemplo, “Falar… Ler… Escrever… Português” (LIMA; IUNES 2003) e “Ponto de
Encontro” (KLOBUCKA, 2007).
6 A este respeito, ver “Advanced Portuguese: como e o quê ensinar em cursos avançados de PLE no
mundo da internet?” (LIMA, 2011).
7 Vários alunos começaram a estudar português em 2005 e continuaram juntos até 2010.
Abstract: We discuss about the designation of the name “Portuguese” in the Argentinean
enunciation space. Our analysis material consists of interviews with students and teachers
from the Profesorado en Portugués of the National University of Entre Ríos, Argentina. From the
perspective of the Historical Semantics of the Enunciation, we have selected some fragments
from the corpus in which we can observe analytically how the name “Portuguese” is signified
in this space, in a litigious relationship with the designation of names of other languages
present there.
Introdução2
Objetivamos estudar a designação do nome “português” no espaço de enunciação
argentino. A partir desse objetivo, formulamos nossa questão da seguinte maneira:
como o português é significado (designado) no espaço de enunciação argentino? Por
meio dessa questão principal, deparamo-nos, ainda, com outras questões que passam
a integrar nosso programa de pesquisa, como, por exemplo: como funciona o espaço
de enunciação argentino/latino-americano? De que modo as línguas e seus falantes
são distribuídos nesse espaço pelo político?
O texto que apresentamos é uma reflexão abreviada que procura apresentar
respostas possíveis a essas questões. Vale ressaltar, ainda, que tomaremos metonimicamente
o espaço de enunciação argentino para falar do funcionamento da política de línguas
na América Latina.
3 Consideramos que os manuais didáticos para ensino de línguas são partes integrantes do que Auroux
(2009) denomina de instrumento linguístico, pois eles recortam determinados memoráveis das Políticas
Linguísticas dos Estados para falar sobre e ensinar a língua. Desse modo, são produções simbólicas que
trabalham com um imaginário de língua que muitas vezes difere do real das línguas em relações.
4 Segundo a autora, a política linguística pode ser compreendida, entre outras coisas, como sendo da ordem
do “planejamento linguístico, de organizar-se a relação entre línguas, em função da escrita, de práticas
escolares, do uso em situações planificadas” (ORLANDI, 2007, p. 7). Já a política de línguas trata das “formas
sociais sendo significadas por e para sujeitos históricos e simbólicos, em suas formas de existência, de
experiência, no espaço político de seus [das línguas] sentidos”. (ORLANDI, op. cit., p. 8)
No recorte acima, temos uma cena enunciativa configurada por dois Locutores
interpelados por dois lugares sociais distintos: L1 fala como locutor-entrevistador e L2
como locutor-entrevistado/falante e estudante de PLE na Argentina. Ao dizer sobre uma
questão de política linguística - a implementação do português como oferta obrigatória
nas escolas secundárias na Argentina - a enunciação de L2 atualiza um memorável de
língua portuguesa que é o de “língua sem possibilidades de trabalho”. Nesse sentido,
o Locutor, a partir de um lugar de dizer individual (enunciador individual), sustenta,
pela sua enunciação, a falta de possibilidade de trabalho com o português nas escolas, ao
mesmo tempo em que questiona o lugar de dizer universal do Estado, que apresenta o
ensino de português nas escolas como obrigatório e como possibilidade de trabalho,
tendo em vista a integração latino-americana proposta pelo MERCOSUL. O português
é, nesse acontecimento enunciativo, significado como uma língua de “não-trabalho”.
Vejamos como essa língua de “não-trabalho” aparece na análise da orientação
argumentativa do recorte em questão. Consideremos os enunciados: “(E1) embora que o
português, como língua estrangeira, tem que ser ensinado obrigatoriamente nas escolas,
(E2) nós sabemos que estudamos para o dia de amanhã nos formar e não conseguir
trabalho”. Sabemos, a partir de Guimarães (1987), que os enunciados de tipo “embora
x, y” funcionam da seguinte maneira: L à E1: embora x (A -- ) r), E2: y (A -- ) ~r) --) ~r.
E1, nesse sentido, apresenta um argumento que orienta para a conclusão de que o português
pode ser uma língua de trabalho/prestígio em virtude de seu ensino, pois será oferecido
obrigatoriamente nas escolas, enquanto que E2 apresenta um argumento que desloca
o argumento apresentado por E1, pois orienta para “o português não será uma língua
de trabalho/prestígio”. Poderíamos dizer que E1 é a perspectiva enunciativa da política
linguística do Estado e E2 é a perspectiva enunciativa da política de línguas do real
contraditório do espaço de enunciação argentino. Assim, o Locutor se identifica com
E2. Vejamos no recorte seguinte o que serve de argumento para sustentar esse lugar de
dizer assumido pelo Locutor.
MN: Eu não sei. Penso eu que a gen... nós, aqui em nossa cidade, se ensina nas
escolas inglês e francês ou italiano. Então, acho que, se introduzir o português
como língua, o francês ou o italiano vão ficar fora... então, têm muitos outros
docentes que vão ficar fora sem trabalho ou vão ter que se formar porque eles
ficar sem poder se inserir no mercado laboral. Então, eu acho que também é
por isso.
língua de
┤ português língua portuguesa ├ não-língua
não-trabalho
5 Num DSD), ┤ significa “determina”. O traço (-) significa que ali há uma relação de antonímia.
Referências
Abstract: Teachers of Portuguese as Foreign Language who live abroad have to face two
main difficulties related to their professional performance: distance of Brazilian culture and
lack of specific formation. These two points constituted the focus of the continuing education
course developed in Nicaragua. In this work, this experience will be discussed and the main
challenges and results obtained will be presented.
Introdução
Neste trabalho, discuto o processo de formação continuada desenvolvido com
professores de PLE no Centro Cultural Brasil-Nicarágua durante dezoito meses, período
em que trabalhei como leitora na instituição.
O programa de Leitorado, embora já exista há mais de dez anos por meio de
uma parceria entre a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível
Superior) e o MRE (Ministério de Relações Exteriores), ainda não é muito conhecido,
mesmo entre os profissionais que se dedicam à área de PLE.
Cabe, assim, destacar, em linhas gerais, que o leitor é o profissional responsável
por divulgar a cultura brasileira e ensinar a língua portuguesa no exterior. As especifi-
cidades de cada posto de trabalho são apresentadas no edital de seleção. No meu caso,
estava indicado que o selecionado para a vaga da Nicarágua deveria ministrar aulas de
cultura brasileira e capacitar os alunos para a produção de projetos voltados ao PEC-
-PG2.2Havia, ao fim e sua descrição, um complemento: “Deverá, ademais, coordenar as
atividades do Centro de Estudos Brasileiros.” Quando aceitei o trabalho, não imaginava
que essa única linha seria responsável por grandes alegrias, mas também por muita
dor de cabeça.
Aulas em diversas modalidades não se mostravam como uma dificuldade, ainda
que elas sempre sejam um desafio. Por outro lado, já de início, a coordenação de pessoas
3 Nunes (2008) faz uma síntese dos dois métodos, indicando que o modelo linear estaria mais relacionado
a uma posição passiva do professor, que aceitaria soluções da comunidade científica, enquanto o modelo
pragmático consideraria o conhecimento como produto da prática, independente das pesquisas.
À guisa de (in)conclusão
Há alguns pontos que parecem conclusivos, ainda que especulativos: a formação
de professores de PLE, pelas características diferenciadas acima expressas, exige um
trabalho de maior continuidade. Sugiro, portanto, que se fortaleça o papel pedagógico do
leitor nos Centros Culturais, pois ele poderia ser responsável por um programa de
formação efetivamente continuado, que não seria tão dispendioso ao orçamento do
governo.
Ainda que o papel de formador não caiba ao leitor, o fundamental é que sejam
abertas possibilidades para que os professores ganhem autonomia, podendo discutir
suas dúvidas entre si (ou pesquisando individualmente) e defendendo a posição do
grupo em relação a eventuais mudanças institucionais. O processo de formação efetivo
nunca está concluído, mas é sempre modificado: se no início, é necessário o que chamamos
de “esforço braçal”, em que cada tarefa, atividade e plano de aula devem ser discutidos
com os professores, chega-se, depois, efetivamente a um momento de autoformação,
no qual a interferência externa passa a ser dispensável. Não cessa o diálogo, mas ele
pode ocorrer primordialmente entre os membros do grupo de professores.
Retomo o tom pessoal do início deste texto, apenas para afirmar que ainda
acompanho muitas discussões dos professores da Nicarágua, apesar de já estar afas-
tada do país há alguns meses. Não gosto de algumas decisões, confesso. Mas admiro
o processo instaurado de debate. Gosto de perceber que a autonomia revelada nas
decisões é indicativa de que o processo formativo está ocorrendo. Ação inconclusa e
continuada.
Referências
ALMEIDA FILHO, J.C.P. Tendências na formação continuada do professor de língua
estrangeira. Apliemge - Ensino e Pesquisa, Belo Horizonte, n. 1, p. 29-41, 1997.
ARENDT, H. Entre passado e futuro. São Paulo: Perspectiva, 2000. 348 p.