Sie sind auf Seite 1von 242

O 1998 by Arquivo Nacional

Rua Azeredo Coutinho, 77


CEP 20230-170 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil

Presidente da R e p ú b l i c a
Fernando Henrique Cardoso

Ministro da J u s t i ç a
J o s é Renan Vasconcelos Calheiros

Dlretor-Geral do Arquivo Nacional


Jaime Antunes da Silva

Editora
Maria do Carmo T. Rainho

Conselho Editorial
Ingrid Beck. J o s é Ivan Calou Filho, Maria do Carmo T. Rainho, Maria Isabel F a l c ã o , Maria Izabel
de Oliveira, Nilda Sampaio Barbosa, Sílvia Ninita de Moura E s t e v ã o , Verone G o n ç a l v e s Cauville
Conselho Consultivo
Ana Maria Camargo, Angela Maria de Castro Gomes, Boris Kossoy, Célia Maria Leite Costa,
Elizabeth Carvalho, Francisco Falcon, Francisco Iglesias, Helena Ferrez, Helena C o r r ê a Machado,
H e l o í s a Liberalli Belotto, limar Rohloff de Mattos, Jaime Spinelli, Joaquim Marcai Ferreira de
Andrade, J o s é Carlos Avelar, J o s é S e b a s t i ã o Witter, L é a de Aquino, Lena Vânia Pinheiro,
Margarida de Souza Neves, Maria Inez Turazzi, Marilena Leite Paes, Regina Maria M. P. Wanderley,
Solange Z ú n i g a

Projeto G r á f i c o
A n d r é Villas Boas

E d i t o r a ç ã o E l e t r ô n i c a , Capa e I l u s t r a ç ã o
Qisele Teixeira de Souza
Revisão
Alba Gisele Qouget, J o s é C l á u d i o da Silveira Mattar, J o s é Ivan Calou Filho e T â n i a Maria Cuba
Bittencourt

Resumos
Carlos Peixoto de Castro, Flávia Roncarati Gomes e J o s é C l á u d i o da Silveira Mattar ( v e r s ã o em
i n g l ê s ) e Flávia Roncarati Gomes e Léa Porto de Abreu Novaes ( v e r s ã o em f r a n c ê s )
Reprodução Fotográfica
Agnaldo Neves Santos, C í c e r o Bispo, Flavio Ferreira Lopes e Marcello Lago
Secretaria
Jeane D'Arc Cordeiro

Acervo: revista do Arquivo nacional. —


v. 10, n. 2 (jul./dez. 1997). — Rio de Janeiro: Arquivo
nacional. 1998.
v.; 26 cm

Semestral
Cada número possui um tema distinto
ISSn 0102-700-X

1. Imigraçáo - Brasil - I. Arquivo nacional

CDD 323-1
Ministério da J u s t i ç a
Arquivo Nacional

ACERVO
R E V I S T A D O A R Q U I V O N A C I O N A L

RIO DE JANEIRO, V.10, NÚMERO 02, JULHO/DEZEMBRO 1997


S U M Á R I O

01

Apresentação

03
Bastidores
U m outro olhar sobre a i m i g r a ç ã o no R i o de Janeiro

Lená Medeiros de Menezes

17
Camisas-Verdes
O integralismo no S u l do Brasil •

Carla Brandalise

37
O U n i v e r s o do T r a b a l h o do Imigrante em Itu - S P ( 1 8 7 6 - 1 9 3 0 )
Maria Antonieta de Toledo Ribeiro Bastos
53
"Proverbial H o s p i t a l i d a d e " ?
A Revista Jc Imigração e Colonização c o discurso oficial sobre o imigrante ( 1 9 4 5 -
1955)

Elena Pájaro Peres

71
"Inimigos M a s c a r a d o s com o T í t u l o de C i d a d ã o s "
A v i g i l â n c i a c o controle sobre os portugueses no R i o de Janeiro do Primeiro Reinado

Qladys Sabina Ribeiro

97
I m i g r a ç ã o Portuguesa e M o v i m e n t o O p e r á r i o no B r a s i l
Fontes c arquivos de Lisboa

Fernando Teixeira da Silva

109
Portugueses no B r a s i l
I m a g i n á r i o social c t á t i c a s cotidianas ( 1 8 8 0 - 1 8 9 5 )
Maria Manuela R. de Sousa Silva
119
A ç o n a n o s e M a d eirenses no S u l do B r a s i l
Walter F. Piazza

129
A C r i a ç ã o do E s t r a n h a m e n t o e a C o n s t r u ç ã o do E s p a ç o Público
Os japoneses no Estado Novo

Adriano Luiz Duarte

147
L i t e r a t u r a de I m i g r a ç ã o
M e m ó r i a s dc uma diáspora

Maria Luiza Tucci Carneiro

165
I m i g r a ç ã o A l e m ã e C o n s t r u ç ã o do E s t a d o N a c i o n a l Brasileiro
R i o Grande do S u l , s é c u l o

Helga Iracema Landgraf Piccolo

179
Breves R e f l e x õ e s Sohre o P r o h l e m a da I m i g r a ç ã o U r b a n a
O caso dos e s p a n h ó i s no R i o dc Janeiro ( 1 8 8 0 - 1 9 1 4 )
Lúcia Maria Paschoal Q u i m a r ã e s
199
M u l t i p l i c i d a d e É t n i c a no l \ i o de J a n e i r o
U m estudo sobre o 'Saara'

Paula Ribeiro

213
Perfil Institucional
M e m o r i a l do Imigrante
Marco Antônio Xavier
219
Perfil Institucional
M u seu e A r q u i v o H i s t ó r i c o M u n i c i p a l de C a x i a s do S u l
Juventino Dal Bó

223
Fontes para E s t u d o s da E n t r a d a de Estrangeiros e de Imigrantes no B r a s i l

229
Bibliografia
A P R E S E N T A Ç Ã O

Como afirma Boris Fausto, a imigração Tentando contribuir para divulgar o que
tardou a constituir um campo específico vem sendo produzido nas universidades
da pesquisa a c a d ê m i c a . Durante muito e centros de pesquisa sobre imigração,
tempo — podemos dizer, a t é meados da esse n ú m e r o da Acervo traz 13 artigos,
d é c a d a de 1960 — era objeto apenas de além de dedicar a seção Perfil Institucional
grandes i n t e r p r e t a ç õ e s s o c i o l ó g i c a s , a entidades que se destacam pela riqueza
destacando-se as obras de Roger Bastide de seus acervos como o Memorial do
e Florestan Fernandes. Imigrante e o Museu e Arquivo Histórico
Municipal de Caxias do Sul. Para finalizar,
A partir dos trabalhos dos brazilianistas
a p r e s e n t a u m r o t e i r o dos núcleos
que, ainda segundo Fausto, se relacionam
documentais custodiados pelo Arquivo
com o desenvolvimento de estudos sobre
nacional, de interesse para o tema.
etnias nos Estados Unidos, o tema da
imigração passa a constituir-se em objeto Abre esse n ú m e r o , o texto da professora
de análise não subordinado. Lená Medeiros de Menezes que utiliza os

Dentre os estudos desenvolvidos por processos de expulsão de imigrantes para

pesquisadores brasileiros, chama a e s t u d a r as formas de i m p o s i ç ã o da

a t e n ç ã o o de J o s é de Souza Martins que, disciplina no e s p a ç o urbano do Rio de

a partir da d é c a d a de 1970, toma a Janeiro, durante a Primeira República.

imigração como objeto central, A seguir, C a r l a B r a n d a l i s e a n a l i s a a


analisando n ã o apenas as r e l a ç õ e s de inserção do movimento integralista no Rio
p r o d u ç ã o pós-escravistas, como t a m b é m Qrande do Sul na d é c a d a de 1930 e a sua
os o b s t á c u l o s e i m p o s s i b i l i d a d e s de a t u a ç ã o nas á r e a s ocupadas por colonos
a s c e n s ã o social dos imigrantes pobres. a l e m ã e s e italianos.
Atualmente, a imigração é tema
O artigo da geógrafa Maria Antonieta de
recorrente nos trabalhos de historiadores,
Toledo Ribeiro Bastos traça um perfil dos
a n t r o p ó l o g o s e sociólogos, que ampliam
trabalhadores imigrantes em Itu, entre
o e s p a ç o geográfico enfocado — o qual
1876 e 1930, em particular os italianos
centrou-se, por muito tempo, em S ã o
que dedicaram-se, em grande parte, ao
Paulo, Rio de Janeiro e Rio Qrande do Sul
trabalho agrícola.
—, e incorporam novas abordagens como
as n o ç õ e s de etnicidade e pluralismo Elena Pájaro Peres analisa a
cultural. regulamentação do movimento
imigratório no Brasil, a partir da Revista eliminar f i s i c a m e n t e os chamados
de Imigração e Colonização que circulou 'derrotistas'.
entre 1940 e 1955 e visava e s b o ç a r as
A literatura de imigração, especialmente
características do imigrante desejável.
y aquela produzida por imigrantes judeus
T r ê s a r t i g o s e n f o c a m os i m i g r a n t e s que se refugiaram do nazismo no Brasil,
portugueses no Brasil: o de Qladys Sabina nas d é c a d a s de 1930 e 1940, é o tema da
Ribeiro analisa a vigilância e o controle professora Maria Luiza Tucci Carneiro que
que sofreram durante o Primeiro Reinado; analisa o conteúdo dessas obras e o perfil
o texto de Fernando Teixeira da Silva dos seus autores.
aponta as possibilidades de pesquisa
O processo de imigração alemã para o Rio
sobre a relação entre movimento operário
Qrande do Sul durante o século XIX é o
e imigração portuguesa, nas três
p r i m e i r a s d é c a d a s do s é c u l o XX, em tema de tlelga Iracema Landgraf Piccolo,

Santos; e, finalmente, o artigo de Maria onde se destaca o pequeno proprietário

Manuela R. de Sousa e Silva aborda as imigrante como fiel da balança, na relação

t e n s õ e s existentes na r e l a ç ã o entre entre o governo imperial e os grandes

brasileiros e portugueses a partir de senhores de terra, muitos deles escravistas.

enfrentamentos cotidianos ocorridos no Os e s p a n h ó i s n ã o foram esquecidos pela


Rio de Janeiro, no final do século XIX. Acervo e e s t ã o presentes no artigo de
Walter Piazza trabalha a história da vinda Lúcia Maria Paschoal G u i m a r ã e s que,
de imigrantes a ç o r i a n o s e madeirenses tendo como e s p a ç o o Rio de Janeiro na
para o sul do Brasil no século XVIII, suas virada do século XIX, pretende demonstrar
bases sociais e políticas, e os resultados que a emigração urbana se constituiu num
desse movimento migratório. fator concorrente da mão-de-obra
nacional, especialmente aquela que fora
Os imigrantes japoneses durante o Estado
liberada pela abolição.
Movo s ã o o objeto do texto de Adriano Luiz
Duarte. Esses imigrantes, com o fim da Fecha este n ú m e r o o texto de Paula
Segunda Guerra, dividiram-se em dois Ribeiro que parte dos r e l a t o s dos
grupos: aqueles que não acreditavam na imigrantes sírios e libaneses c r i s t ã o s ,
derrota japonesa e os que, conformados judeus sefaradim e seus descendentes,
com a situação, desejavam esquecê-la. É para traçar um perfil desses homens que,
interessante destacar os dados que o desde fins do século XIX, t ê m - s e dedicado
autor apresenta sobre a Shindô-Remmei, ao comércio de armarinhos e de g ê n e r o s
o r g a n i z a ç ã o que t i n h a por o b j e t i v o alimentícios.

Maria do Carmo T. Rainho


Editora
Lená Medeiros de Menezes
Professora Adjunta
do Departamento de História da UERJ. Doutora em História Social.

. . B a s t i d o r e s

U m outro oUiar sotre a imigração no


R i o cie J a n e i r o

A
pós residir 38 anos na bre a defesa da ordem e da segu-
cidade do Rio de Janei- rança nacional, a prática da expul-
ro, Manuel Real, portu- V s ã o representou uma das faces da
g u ê s , analfabeto, solteiro, padeiro excludência implantada pelo regi-
por profissão, mas sem residência fixa, foi me republicano: aquela que atingia os es-
expulso do Brasil como mendigo incorri- trangeiros pobres, transformados em al-
gível, regressando à terra natal, com 64 vos das políticas de higiene social e n t ã o
anos, apenas com a roupa do corpo. Mui- desenvolvidas, numa cidade que conhe-
to mais brasileiro que português, foi obri- cia um tempo de m u d a n ç a s visíveis no ser,
gado a voltar à Europa, de onde saíra com no fazer, no sentir e no estar. Tempo mar-
a idade de 26 anos, para enterrar, em cado por luzes e sombras, fugas e bus-
outro solo que n ã o o brasileiro, a falên- cas, por distanciamentos profundos en-
cia de seus sonhos, expectativas e espe- tre o discurso legal, que contemplava pos-
1
ranças. tulados liberais, e as práticas políticas au-
toritárias do cotidiano, enraizadas n u m a
História de vida como a de Manuel Real
mentalidade escravista e latifundiá-
não foi um caso isolado na capital brasi-
ria.
leira, ao longo de seu t ã o aclamado pro-
cesso civilizatório. Além do discurso so- lio processo de imigração em massa que

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 0 3 - 1 6 , Jul/dez 1997 - pág.3


marcou a virada do século, a proclama- tado, em muito, da r e p r e s e n t a ç ã o ideali-
ção e a consolidação da república brasi- zada de m ã o - d e - o b r a superior, promoto-
leira corresponderam à terceira^ onda dos ra do progresso, que compunha os dis-
movimentos m i g r a t ó r i o s que do Velho cursos imigrantistas na é p o c a imperial.
Mundo atingiram a América. Esta onda, Com pouco conhecimento dos códigos ur-
diferente das anteriores, caracterizou-se banos, precária qualificação profissional
pelo êxodo em massa das á r e a s agrícolas e ausência de laços familiares na nova ter-
da Europa mediterrânea, que e n t ã o co- ra, muitos desses estrangeiros compuse-
nhecia a acelerada d e s e s t r u t u r a ç ã o da ram um proletariado miserável, fornecen-
comunidade camponesa tradicional, fia do grandes contingentes ao lumpesinato
cidade do Rio de Janeiro, ela represen- existente na cidade.
tou o afluxo predominante de indivíduos 2
Sobras do arranjo social nos países de
pobres provenientes dos campos do nor-
origem, grande parte deles permaneceu
te e noroeste de Portugal, com destaque
à margem dos benefícios trazidos pelo
para o Minho, Douro e Trás-os-Montes, se-
progresso, numa cidade que conhecia a
guindo-se as á r e a s rurais da Espanha,
carestia, o déficit habitacional e um mer-
principalmente da Qaliza, e as províncias
cado de trabalho m a g m á t i c o , marcado
m e r i d i o n a i s de C o z e n z a , S a l e r n o e
pela superexploração, baixos salários, lon-
Potenza, na Itália.
gas jornadas e desemprego recorrente. Essa
De acordo com os registros existentes, o conjugação perversa tornou-os objetos pri-
imigrante pobre que chegou ao Rio de Ja- vilegiados da ação disciplinar conduzida
neiro, pobre tendeu a permanecer, afas- pelas elites; alvos destacados da vigilância

Manuel Real em 1928. Fotografias Integrantes d o seu processo de expulsão. Arquivo Nacional.

p á g . A, j u l / d e z 1997
V o

policial e das leis de expulsão. Benaneti tinha 62 anos quando foi expul-
so em 1929 como vadio. Era solteiro,
Como em outras cidades do mundo influ-
analfabeto, carroceiro e havia entrado no
enciadas pela Europa, a história do Rio
país em 1922, j á com idade a v a n ç a d a .
de Janeiro, début de siècle, foi marcada
Segundo o depoimento por ele prestado,
pela importação de produtos e bens, ho-
chegara ao Rio de Janeiro vindo de San-
mens e mulheres, usos e costumes, faze-
tos, onde um acidente, ocorrido em 1925,
res e lazeres, crimes e c o n t r a v e n ç õ e s ,
o impossibilitara de continuar trabalhan-
valores e visões de mundo.
do, razão pela qual, sozinho e sem alter-
Civilizar a cidade, neste contexto de mu-
nativas de trabalho, lançou-se à mendi-
dança, foi um processo que caminhou em 3
cância.
dois sentidos principais. Em primeiro lu-
natural de uma pequena freguesia do dis-
gar, no da criação de um e s p a ç o moder-
trito de Braga, A. Cardoso tinha 25 anos
no, racional e funcional, em que os ne-
quando foi obrigado a voltar para Portu-
gócios encontraram um lugar especializa-
gal, 12 anos depois de chegar ao Brasil,
do e privilegiado para florescer, distanci-
aos 13 anos de idade, junto com os pais.
ado dos becos e ruelas tradicionais. Em
R e c é m - c h e g a d o , empregou-se em uma
segundo lugar, no sentido dó
fábrica de louças no bairro de São Cristó-
desencadeamento de uma proposta de
vão, onde trabalhou por algum tempo,
a d a p t a ç ã o da p o p u l a ç ã o urbana aos
sendo colocado na rua logo depois da fa-
c â n o n e s de um novo viver, através de sua
mília ter retornado a Portugal. Só e de-
s u b m i s s ã o a um código legal que, con-
samparado, viu-se numa "situação finan-
traposto ao popular, criminalizou compor-
ceira deplorável", segundo as declarações
tamentos tradicionais, atingindo forte-
que prestou, no ano de 1922, com 17
mente os estrangeiros, num modelo- de
anos, preso e processado, acusado de fe-
república que passou a utilizar a
rir um companheiro em a r r u a ç a s de rua,
alteridade como instrumento de constru-
foi recolhido à Casa de Detenção. Influ-
ção artificial da identidade nacional, prin-
enciado pelos nouos amigos que lá co-
cipalmente nos anos que precederam e
nheceu, não mais procurou emprego ao
se seguiram à Primeira Querra Mundial.
deixar a prisão, passando a viver exclusi-
Várias histórias de vida contadas nos pro- vamente do produto dos furtos que prati-
cessos de expulsão exemplificam bem as cava. Processado várias outras vezes, foi
dificuldades encontradas por centenas de c o n d e n a d o a d o i s anos em c o l ô n i a
imigrantes pobres no Rio de Janeiro, ao correcional situada no interior do estado.
tempo da Belle Époque, como as que Preso novamente, ao passar o conto-do-
c o m p õ e m os processos de H. Benanan, uigário em um patrício, de quem furtou
A. Cardoso, A. Santos e J . M. Melo: setecentos mil réis em moeda brasileira
e oitocentos escudos portugueses, aca-
F r a n c ê s de T ú n i s , H. Benanan ou A.

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 . j u l / d e z 1997 - pág.5


A C

bou expulso como vadio incorrigível no são. Foi expulso com a idade de 27 anos,
4
ano de 1930. acusado de ser um dos responsáveis pela
onda de e x p l o s õ e s ocorrida no ano de
nascido na aldeia de Travanca, conselho
1920. Segundo o depoimento por ele
de Vinhães, na província de Trás-os-Mon-
prestado, tão logo chegou ao Brasil em-
tes, seu c o n t e r r â n e o A. Santos contava 26
pregou-se numa fábrica de tecidos, e,
anos quando vislumbrou, pela última vez,
depois, em padarias, tendo-se filiado à
os contornos majestosos dos morros que
Sociedade dos Padeiros. Acusado de ter
a b r a ç a m a cidade do Rio de Janeiro. Era
colocado uma bomba numa padaria situ-
solteiro, alfabetizado, e havia chegado ao
ada na rua V o l u n t á r i o s da Pátria, em
país com 12 anos. Segundo suas declara-
Botafogo, foi preso em maio de 1920,
ç õ e s , t ã o logo desembarcou na capital
passando a integrar a lista negra dos agi-
brasileira, foi residir com um tio, com
tadores que circulava entre os emprega-
quem permaneceu por cerca de dois anos.
dores, n ã o conseguindo mais nenhum
Em 1917, com 14 anos, s ó na vida, "deu-
tipo de emprego. Desesperado com a s i -
se à vadiagem". Preso por ter furtado vinte
tuação, "pois não ganhava para comer",
mil réis de um alfaiate estabelecido no
«1 não querendo mais "ter fama sem pro-
centro da cidade e recolhido, pela polí-
veito", resolveu vingar-se dos p a t r õ e s ,
cia, a um patronato, ali ficou a t é princípi-
os de 1920, sendo desligado a p ó s ter con- passando a fabricar bombas e a colocá-

cluído o curso de arado e de agricultura las em lugares considerados estratégicos.

o f e r e c i d o pela i n s t i t u i ç ã o . Fora do A primeira bomba, fabricada com massa

patronato, empregou-se por cerca de qua- de vidro, dinamite e pregos, n ã o explo-

tro meses. Posto em liberdade, mergulhou diu por defeito de fabricação. Com a se-

no jogo por "considerar-se fraco para o gunda, conseguiu seu intento, causando
trabalho braçal" e ter verdadeira fascina- vários prejuízos numa padaria do bairro
ção pelo jogo, "pelos lucros fáceis que de Vila Isabel. A terceira, finalmente, de-
este proporcionava, lucros que lhe per- positada na residência do gerente da fá-
mitiam luxos e prazeres" interditados à s brica de tecidos Minerva, na Tijuca, va-
classes trabalhadoras, iniciando-se outra leu-lhe a expulsão, efetuada no ano de
série de d e t e n ç õ e s e uma nova estada na 1920. Megando ser anarquista, J . M. Melo
colônia Dois Rios Em 1926, foi remetido definiu-se como um sindicalista revolta-
para Clevelândia, situada em zona de do com as condições de vida dos traba-
6
fronteira. Voltando à cidade, e preso no- lhadores.
vamente, foi Finalmente expulso. Corria o Parte significativa das sobras de um ar-
5
ano de 1929. ranjo social tecido por pactos de elites,
homens como Benanan, Cardoso, Santos
Português de Figueira, J . M. Melo era sol- e Melo compunham o grupo dos indese-
teiro, alfabetizado e padeiro por profis- jáveis, ou seja, dos estrangeiros que, de

p á g . e . Jul/dez 1997
R V O

alguma forma, contestavam a ordem onde outros estrangeiros, com destaque


estabelecida. Muma vertente deste pro- para os italianos e e s p a n h ó i s , colocaram-
cesso, a da contestação política, alinha- se à frente do processo de organização
vam-se trabalhadores envolvidos com a operária.
constituição do operariado enquanto clas- Comparadas várias histórias de vida nar-
se, com destaque aos anarquistas que, de
radas nos processos de expulsão, algu-
posse de um discurso e uma prática re-
mas recorrências sobressaem significati-
volucionárias, constituíram-se em perigo
vamente no conjunto, proporcionando um
permanente para o regime.
exercício prosopográfico que, através de
Ma outra dimensão, a do crime e da con- casos exemplares, mergulhados em som-
travenção, somavam-se vadios, mendigos, bras e trevas, permite a reconstrução dos
ladrões, gatunos, vigaristas, b ê b a d o s , j o - bastidores da imigração.
gadores e cáftens. Com exceção dos últi- Em primeiro lugar, a pobreza mostrava-
mos, agentes do crime internacional or- se companheira inseparável em suas v i -
ganizado, os indesejáveis, regra geral, das. Os processados, geralmente, nada
eram indivíduos pobres que, perdidos mais eram que homens pobres que che-
seus sonhos de uma vida melhor ou de gados ao país na pobreza mantiveram-
retorno vitorioso à terra natal, voltavam- se ao longo da vida, posicionados como
se, de várias formas, contra as condições m ã o - d e - o b r a barata em serviços antes
de vida que lhes eram oferecidas, afas- realizados por escravos. Todos haviam
tando-se, com sua atitude de desafio à or- emigrado buscando o paraíso do outro
dem, do protótipo de imigrante deseja- lado do Atlântico. Muito raramente eram
do: paciente, obediente, ordeiro e resignado. criminosos ou anarquistas radicais. Casos
lios delitos que guardavam vínculos mais como o de J . Monteiro, que entrou no Bra-

estreitos com a pobreza vivida na cidade, sil em 1911, fugido de Portugal por seu

os portugueses destacaram-se do conjun- ativismo político, ou de L. Arena, que no

to dos indesejáveis, reproduzindo as ten- ato da expulsão j á registrava prisões por

dências gerais da imigração para a cidade. 7 furto em Buenos Aires, s ã o absoluta ex-
ceção no conjunto dos indesejáveis que
Os anarquistas constituíram-se a princi-
deixaram o registro de sua passagem pela
pal base da militância de origem estran-
capital federal."
geira, principalmente no ramo das pada-
rias e da construção civil, em que mais Quanto à procedência, a maior parte dos
fortemente enraizou-se o sindicalismo re- processados havia nascido nos campos
volucionário. A p r e s e n ç a marcante dos europeus. Mesta perspectiva, os proces-
portugueses nos sindicatos, que encami- sos de expulsão refletem, com exatidão,
nhavam o discurso revolucionário, distan- as t e n d ê n c i a s globais da imigração para
ciou a capital de outras cidades do país. a cidade, no final do século XIX e nas pri-

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 . J u l / d e i 1997 - pág.7


meiras d é c a d a s do século XX, onde os num espírito de total aventura. Sem as
portugueses, seguidos por italianos e es- s a n ç õ e s familiares ou qualquer p a d r ã o
p a n h ó i s provenientes das á r e a s rurais, referencial da vida urbana, eles tornaram-
constituíam a maioria dos que se desti- se uma importante d i m e n s ã o da imigra-
navam ao Rio de Janeiro. A conjugação ção urbana. Verdadeiros agregados urba-
de condicionantes estruturais relativas à nos, dormiam e faziam suas refeições nos
posse e d i v i s ã o da terra com fatores locais de trabalho, cumprindo longas e
conjunturais e com o exemplo dado pe- duras jornadas, que chegavam a se es-
los 'brasileiros' de torna-viagem, envol- tender por 16 horas no comércio a vare-
vidos no manto dos sucessos obtidos no jo. Mão raras vezes, optavam por fugir
a l é m - m a r , principalmente em Portugal, devido à s duras condições de vida, ou en-
pressionaram ou incentivaram a popula- tão eram despedidos e, privados de teto
ção rural a emigrar. e comida, passavam a vagar pelas ruas,
alternando períodos de reclusão em es-
tabelecimentos penais com intervalos de
liberdade, num circuito contínuo de rein-
cidência.
Distribuição dos Estrangeiros por
Nacionalidade
A grande presença de jovens desocupa-
dos nas ruas, a maioria constituída por
estrangeiros, marcou a história da Belle
Époque carioca. Personagens constantes
nas crônicas sobre a capital, os jovens
abandonados à própria sorte tornaram-se
Fonte Brasil Ministério da Agricultura. Indústria e Comerão Diretoria
Geral de Estatística Recenseamento de 1920
alvo das p r e o c u p a ç õ e s policiais, devido à
facilidade com que tendiam a ingressar
Com relação à idade dos imigrantes, gran-
no mundo do crime ou a aquecer os mo-
de parte dos processados havia entrado 9
tins e os quebra-quebras recorrentes.
no país durante a adolescência ou a in-
fância. Este dado significativo, registrado Tomado o universo profissional como ob-
no conjunto da d o c u m e n t a ç ã o , é encon- jeto central de análise, finalmente, mere-
trado, t a m b é m , nos recenseamentos rea- ce destaque a pequena qualificação para
lizados entre 1872 e 1920, que registram o trabalho registrada nas fontes, ao que
um enorme contingente de jovens na fai- se acrescenta a alta incidência de analfa-
xa dos 12 aos 18 anos no grupo dos es- betos, m a i s de 2 0 % d o t o t a l . Este
trangeiros. Eram os caixeirinhos portu- despreparo para o mercado de trabalho
gueses ou galegos desta faixa etária que tinha como conseqüência imediata a ab-
chegavam ao Brasil, ao chamado de al- sorção dos estrangeiros pobres nas ativi-
gum parente ou conhecido, ou mesmo dades desvalorizadas, com t e n d ê n c i a à

p á g . 8 . Jul/dez 1 997
R V O

superexploração e à pouca fixação no em- ços os salários eram baixos, os aciden-


prego, em atendimento a demandas cir- tes de trabalho muito comuns e o de-
cunstanciais do mercado de trabalho. É semprego uma possibilidade sempre
bastante f r e q ü e n t e na d o c u m e n t a ç ã o presente, tornando enormes as possi-
pesquisada, por exemplo, o registro de pro- bilidades do ingresso do imigrante no
fissões sem quaisquer relações intrínsecas, mundo marginal do não-trabalho, como
desenvolvidas por um mesmo indivíduo ao registra A noite no ano de 1914:
longo da vida. J . S. Querra foi jardineiro e
Trata-se de um dos mais s é r i o s pro-
10
gerente de hotel; outros foram sapatei-
blemas do nosso proletariado. V ã o de
ros e pintores, ou condutores de bondes e
m a n h ã cedo aos logradouros p ú b l i -
trabalhadores em pedreiras, alternando,
cos, correm o Passeio, a p r a ç a XV de
freqüentemente, empregos ocasionais com
liovembro, os diversos cais, o merca-
períodos de desemprego.
do velho e novo, a praia de Santa Lu-

A pouca ou nenhuma qualificação profissio- zia, e depois dizem que dolorosa im-

nal de grande parte dos imigrantes encon- p r e s s ã o trouxeram de lá. Mós vimos e

tra-se apontada, t a m b é m , nos recensea- contamos cem o p e r á r i o s que dormi-

mentos realizados no período. O de 1906 am ao relento. C o n v e r s a m o s com

totaliza 39.707 indivíduos sem qualificação, muitos deles. Todos contam a mesma

e o de 1920 aponta a cifra de 13.619 com h i s t ó r i a : a fábrica, o trabalho, espe-

profissão mal definida, 10.951 sem profis- r a n ç a de arranjar s e r v i ç o para o futu-

s ã o declarada e 57.030 sem profissão, ro [...] Mão se trata, [sic] absolutamen-

totalizando 81.600 estrangeiros te, de vagabundos, trata-se [sic] de

desqualificados para as ocupações urbanas, operários."

o que representa cerca de 35% do univer-


A descrição da lamentável situação fei-
so dos imigrantes residentes na cidade.
ta pelo periódico encontra correspon-
O desemprego recorrente e as p é s s i m a s dência direta em várias histórias de vida
c o n d i ç õ e s de t r a b a l h o n u m m e r c a d o narradas nos processos analisados,
magmático, no qual a oferta suplantava a como no de A. Sarmento, espanhol de
demanda, tenderam a aquecer os movi- 40 anos, residente há 13 anos no país
mentos contestatórios na cidade e a em- no momento de sua expulsão, que de-
purrar muitos indivíduos para as atividades clarou, em seu depoimento, que fora
ilícitas e a mendicância. sempre um trabalhador, n ã o lhe caben-
do culpa por estar desempregado no
O comércio, a construção civil, as docas, 12
momento de sua p r i s ã o .
as pedreiras e os transportes foram os se-
tores formais do mercado de trabalho que Consideradas as q u e s t õ e s destacadas,
registraram a maior a b s o r ç ã o da m ã o - d e - impõe-se como conclusão que qualquer
obra estrangeira. Justamente nestes espa- estudo sobre a imigração estará incom-

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 , Jul/dez 1997 - pag.9


pleto se contemplar apenas a história vis- arcar com os custos dos aluguéis, como
ta de cima, ou seja, a história dos suces- narra com grande sensibilidade o Correio
sos escritos sob as luzes da modernidade. da Manhã:
Além das vitórias cantadas em prosa e
Grande parte dessa gente, trabalhado-
verso pelos que voltaram ricos à terra
res e o p e r á r i o s , sem casa, sem nenhum
natal, ou pelos que fixaram-se na nova
abrigo, sem p ã o e sem e s p e r a n ç a s , dor-
terra como p r o p r i e t á r i o s , é n e c e s s á r i o
me ao relento sob a relva da avenida
que, virado o processo pelo avesso, seja
do Mangue ou fazendo cama com as er-
contemplada uma história vista de baixo,
vas que crescem livremente nos terre-
capaz de dar visibilidade à pobreza dos
nos devolutos, ou pernoita nos portais
bastidores, mergulhados nas sombras do
das casas desabitadas, se n ã o se lhes
silêncio e do esquecimento.
depara mais c o n f o r t á v e l retiro nas ruí-

nas de qualquer casa que o fogo ou o


Muitos foram os condutores de bondes,
1 3
tempo d e s t r u í r a m .
padeiros, calceteiros, pedreiros, caixeiros
e trabalhadores afeitos ao trabalho bra- Porém, muitos imigrantes, apesar das
çal que amargaram difíceis condições de condições adversas, continuaram traba-
existência, em sua luta permanente con- lhando duro, tecendo c o n d i ç õ e s de vida
tra a carestia, trágica em algumas con- mais amenas para seus descendentes.
junturas, morando na periferia pobre ou Outros buscaram, pela via revolucionária,
dormindo ao relento, quando, desempre- alterar de imediato as condições adver-
gados ou sub-empregados, não podiam sas, influenciados pelo ideário anarquis-

\ S. i

0 ' •

Embarque de emigrantes italianos para o Brasil. Reprodução de A Ilustração brasileira, 15 de fevereiro d e 1910.

p á g . 10. J u l / d e z 1997
R V O

ta que apontava a revolução como única marginalidade por motivos alheios a sua
possibilidade de r e d e n ç ã o . A violência vontade, como R. V. Castro: casado, alfa-
adotada por muitos expressava, de algu- betizado e sem residência, o p o r t u g u ê s
ma forma, as frustrações acumuladas ao R. V. Castro tinha 26 anos quando foi pre-
longo da vida, e o desejo de alcançar o so e expulso. Segundo suas declarações,
paraíso na terra, ainda que fosse pela di- chegara ao Brasil com um tio, aos oito
namite. anos de idade, tendo trabalhado no co-
mércio a t é a idade adulta, quando, e n t ã o ,
Os vínculos existentes entre condições de
desempregado, caiu na marginalidade,
vida e radicalização ideológica encon-
terminando por ser expulso por vadiagem
tram-se presentes em alguns processos 15
e furto.
de expulsão, principalmente naqueles mo-
vidos contra os padeiros, sujeitos a lon- Se em alguns casos a expulsão tinha jus-
gas jornadas noturnas e a duras condi- tificativas, em outros ela definia-se como
ç õ e s de trabalho, seguindo-se operários um ato e x t r e m a m e n t e arbitrário e
não qualificados da construção civil. En- inconstitucional. 16
Mo conjunto dos es-
tre os padeiros, é significativa a m e n ç ã o trangeiros que acabaram sendo expulsos,
a u m a s o c i e d a d e s e c r e t a de nome muitos sofreram perseguição sem tréguas
Carbonária Padeiral, que aparece no pro- por sua miséria ou luta contra as injustas
cesso contra A. R. Santos, acusado de ser condições de trabalho e de vida, ou, ain-
um dos dinamitadores por o c a s i ã o da da, por enganos ou perseguições circuns-
onda de e x p l o s õ e s em padarias, cujos tanciais, embora estas últimas represen-
panfletos s ã o de extrema r e v o l t a , tassem uma afronta violenta aos postula-
explicitando muito do vale-tudo desespe- dos do direito internacional. Veja-se o
rado assumido por imigrantes no jogo da relato de J . Madeira, encaminhado ao
1
m u d a n ç a revolucionária. * deputado Maurício de Lacerda que depois
o enviou à Mesa da Câmara de Deputados:
Considerada a outra vertente da desor-
dem urbana, a das atividades, ilícitas, do Envolvido na onda m i g r a t ó r i a que em

crime e da vadiagem, o comportamento 1912 se efetuava de Portugal para o

desviante podia apresentar-se como de- Brasil, embarquei a 17 de fevereiro des-

c o r r ê n c i a de uma primeira prisão, por se mesmo ano no porto de Lisboa e de-

a r r u a ç a s de rua, com a c o n s e q ü e n t e pas- sembarquei no Rio a 2 de m a r ç o , inici-

sagem pela verdadeira 'escola' que se ando uma vida de trabalho e economia

constituía a Casa de Detenção, quanto por (...). Depois de pouco mais de dois

motivos involuntários ou circunstanciais anos, a crise de trabalho que se deu

como desemprego, acidentes de trabalho, nessa cidade e em toda a parte veio

d o e n ç a s , velhice e embriaguez. Muitos fo- roubar-me as i l u s õ e s antes sonhadas

ram os que romperam a fronteira da (...). Compareci a alguns c o m í c i o s p ú -

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. p p . 0 3 - 1 6 , Jul/dez 1997 - p á g . 1 1


A C

blicos e, no dia 11 de maio, estando ros em território nacional. Estas traziam


para assistir a um comício em Vila Isa- enumeradas como motivos explícitos para

bel, vi prender três operários que sou- a expulsão, além daqueles concernentes

be serem os oradores que iam falar ao que se pudesse constituir em a m e a ç a

nesse comício: chegada a hora do iní- para o regime, a c o n d e n a ç ã o por tribu-

cio do mesmo, dispus-me a explicar aos nais brasileiros de crimes ou delitos de

operários o motivo por que não se rea- natureza comum, como a vagabundagem,

lizava o comício (...)• a mendicidade e o lenocínio competen-


temente verificados, sendo relevante res-
Desta data em diante passei a ser um
saltar o fato do homicídio n ã o se consti-
dos chamados 'oradores operários' (...)"
tuir em motivo de expulsão, por ser um
Transformado em "orador improvisado', J . crime de alcance individual que n ã o ame-
Madeira tornou-se alvo da vigilância per- açava a ordem urbana. 18

manente das autoridades policiais, termi-


nando por ser expulso no ano de 1920. Anarquistas, militantes operários, vadios,

Anarquista "por força das circunstâncias", ladrões, gatunos, vigaristas, jogadores,

se considerarmos verdadeiro o teor de sua ébrios, mendigos e cáftens eram vistos

carta, ou anarquista por convicção, J . pelo discurso oficial, com o respaldo do

Madeira, independente de sua opção ideo- discurso científico da época, como hós-

lógica, era um trabalhador humilde dis- pedes perigosos, vírus contaminados do

posto a lutar por um lugar ao sol. Muitos tecido social, principais responsáveis pela

como ele, a partir da s u s p e i ç ã o e de uma desordem urbana. Dentre todos, os anar-

primeira prisão, não raras vezes aciden- quistas mereceram uma a t e n ç ã o especial

tal, tornaram-se personagens cativos das por parte das autoridades constituídas de-

diligências policiais, transformados em vido à sua e x t r e m a perlculosidade,

anarquistas profissionais por força do dis- advinda do fato de serem definidos como

curso repressivo. corruptores de n a ç õ e s inteiras, reprodu-


zindo, no cotidiano da prática política, as
A c o m p r e e n s ã o ampla do que se configu-
teorizações feitas por Lombroso acerca do
rava como (des)ordem permitiu que, no 19
crime político.
mesmo grupo dos indesejáveis, ao lado
dos militantes operários, fossem englo- Considerado o conjunto dos imigrantes
bados criminosos comuns e que foram alvo das leis de expulsão, al-
contraventores variados. Todos eles so- guns podiam ser de fato nocivos e peri-
freram uma repressão ininterrupta no pro- gosos, tomados os valores em processo
cesso de estabelecimento de disciplina de s e d i m e n t a ç ã o como referenciais. Ou-
sobre o mundo do trabalho e as ruas, con- tros foram objeto dos desmandos produ-
templados nas leis que regulamentavam zidos por um regime que priorizava a or-
a entrada e a permanência dos estrangei- dem em vez da lei. A maior parte, p o r é m .

p i g . 12. J u l / d e z 1997
K V O

era fruto direto das condições adversas cipalmente em relação ao caftismo, que
no Rio de Janeiro. transformara a cidade em um dos pontos
de chegada das rotas internacionais do
Messe contexto, a expulsão definiu-se, 22
tráfico de brancas. Também era verda-
a l é m de um p r o c e s s o de s e l e ç ã o a
deira a versão de que as idéias revolucio-
posteriori, como uma estratégia privile-
nárias que seduziam a classe operária em
giada de limpeza urbana'. Conjugada à
20
formação eram importadas, com destaque
deportação, ela possibilitou um melhor
para o comunismo-anárquico de
controle social, através do processo de
Kropotkin.
eliminação de todo aquele que, conside-
rado sobra do arranjo social, pudesse ser Mão correspondia à realidade, entretan-
definido como elemento perigoso à or- to, a explicação oficial de que a desordem
dem política, social ou moral. O ideal de reinante no Rio de Janeiro devia-se à sim-
c o n s t r u ç ã o de uma cidade disciplinar ples importação de indivíduos viciosos e
norteou práticas autoritárias, destinadas anarquistas profissionais; aues de arriba-
ao esvaziamento político da capital, que ção chegadas na vasa da i m i g r a ç ã o , ver-
atingiram tanto o mundo do trabalho s ã o que mascarava as contradições inter-
quanto o do não-trabalho, separados por nas existentes que apanhavam os estran-
fronteiras fluidas e móveis que tendiam a geiros pobres em suas malhas.
desaparecer nos momentos de contesta-
A a n á l i s e dos processos de e x p u l s ã o ,
ção ampla, marcados por quebra-quebras
excetuados aqueles movidos aos cáftens,
generalizados, nos quais os excluídos
não corrobora a consagrada tese da con-
demonstravam toda a sua revolta e des-
taminação por agentes exógenos. A mai-
contentamento.
oria dos cidadãos processados, principal-
O medo de um levante global dos excluí- mente os portugueses, tinha uma longa
dos, ensaiado em 1904 21
e alimentado residência no país. Sua opção ideológica
pelo i d e á r i o a n a r q u i s t a , que via no ou ingresso na marginalidade eram, em
lumpesinato uma força revolucionária, última instância, uma decorrência das d i -
tornou-se um fantasma permanente a ficuldades e embates travados na própria
povoar a mente das elites. Esvaziar a ca- cidade; a expulsão, uma intervenção ci-
pital, portanto, livrando-a dos 'elementos' rúrgica capaz de eliminar parasitas e er-
desordeiros, dentre os quais sobressaí- vas daninhas.
ram-se os estrangeiros, era uma necessi-
Messe contexto de excludência, o período
dade a um s ó tempo r e p r e s s i v a e
que vai de 1907 a 1930 marca, no plano
profilática, que visava transformar o Rio
das relações intersocietais, um capítulo
de Janeiro no cartão de visitas do Brasil.
de violência da nossa história. Aos ho-
É certo que o Rio de Janeiro sofria a atu- mens que, expulsos, voltavam à Europa,
a ç ã o de criminosos internacionais, prin- depois de anos vividos no Brasil, restava

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 0 3 - 1 6 , j u l / d e z 1997 - p á g . 13


A C

a pobreza, a fadiga e o desalento. Pobre- rios matizes permitiram sua r o t u l a ç ã o


za que com eles cruzava, mais uma vez, como nocivos e/ou perigosos, colocados
o oceano. Fadiga e desalento por muitos barra a fora como indesejáveis, mesmo
anos de frustrações e derrotas, j á que, em que a maior parte de suas vidas tivesse
sua grande maioria, os estrangeiros que sido passada no Brasil, na maioria dos
retornavam como indesejáveis não havi- casos, haviam cruzado os mares embala-
am cruzado a estreita entrada da baía da dos pelo sonho de uma vida melhor, su-
Guanabara como desordeiros ou crimino- portando, com resignação, as dificulda-
sos. Mo momento de sua chegada, eram des da travessia oceânica. Muito diferen-
tão somente camponeses pobres que, na te era a viagem de volta, sem utopias ou
conjuntura de encurtamento das distân- sonhos para o futuro, embarcados para
cias possibilitada pelo avanço técnico, p a í s e s que j á n ã o podiam considerar
transformaram os portos num ponto de como pátrias, sem a certeza sequer de
passagem no processo de busca de suas que poderiam desembarcar do outro lado
utopias no além-mar. Dificuldades de vá- do Atlântico."

N O T A s
7
1. Arquivo Nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ 169.
2. Este conceito era utilizado pelos chefes de polícia, na época estudada, para caracterizar os
que se posicionavam à margem da sociedade organizada, cujos limites colocavam-se na fron-

p á g . 14, J u l / d e z 1997
R V O

teira entre o trabalho e o n ã o - t r a b a l h o . Meste mesmo aspecto, é c a r a c t e r í s t i c a a p r e o c u p a ç ã o


constante das elites p o l í t i c a s e de parte significativa da elite intelectual em apartar os anar-
quistas, qualificados como agitadores profissionais infiltrados no conjunto da classe trabalha-
dora.
7
3. Arquivo nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ 156.
7
4. Idem. Pacotilha IJJ 132.
7
5. Idem. Pacotilha IJJ 136.
7
6. Idem. Pacotilha IJJ 163.
7. Esta q u a n t i f i c a ç ã o e s t á baseada em s e l e ç ã o feita na d o c u m e n t a ç ã o que c o m p õ e o m ó d u l o 101
do Arquivo nacional relativa a estrangeiros processados e residentes na capital, que totaliza
531 i n d i v í d u o s . Esta amostra foi a base principal de tese de doutoramento defendida na USP
acerca dos i n d e s e j á v e i s , d i s t r i b u í d o s em vadios, mendigos, vigaristas, l a d r õ e s e gatunos, por
n ó s englobados na categoria freqüentadores assíduos dos cárceres (248), c á f t e n s (194) e anar-
quistas e/ou comunistas (79), demonstrando que a e x p u l s ã o na capital brasileira posicionou-
se como instrumento global de limpeza social e n ã o simplesmente como p o l í t i c a direcionada
para a p e r s e g u i ç ã o p o l í t i c o - i d e o l ó g i c a como tradicionalmente se supunha, neste conjunto, os
portugueses representam 45,9% do primeiro grupo; 11,3% do segundo e 59% do terceiro. Ver
L e n á Medeiros de Menezes, Indesejáveis desclassificados da modernidade: protesto, crime e
e x p u l s ã o na capital federal (1890-1930), Rio de Janeiro, ESDUERJ, 1997.
7
8. Arquivo nacional. SPJ. M ó d u l o 101, pacotilha IJJ 163.

9. Lima Barreto, Recordações do escrivão /saias Caminha. S á o Paulo, Brasiliense, 1976, p. 166.
7
10. Arquivo nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ 163.

11. A noite, 2 de maio de 1914.


7
12. Arquivo nacional. SPJ. M ó d u l o 101, pacotilha IJJ 129.

13. Correio da Manhã. 18 de fevereiro de 1917.


7
14. Cf. Arquivo nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ 168.
7
15. Idem. Pacotilha IJJ 151.

16. A C o n s t i t u i ç ã o Federal, em seu artigo 72, garantia igualdade de direitos a nacionais e estran-
geiros residentes.

17. Brasil, Anais da C â m a r a dos Deputados de 1920, s e s s ã o de 12 de agosto. Rio de Janeiro,


Imprensa nacional, 1921, p. 504.

18. Decreto n ° 1.641, de 7 de janeiro de 1907. Brasil. C o l e ç ã o das Leis da R e p ú b l i c a , Rio de Janei-
ro, Imprensa nacional, 1908.

19. Sobre o tema, ver Cesare Lombroso e R. Laschi. Crime politique et les revoluttons. Paris,
Librairie Félix Alcan, 1892.

20. Havia uma d i f e r e n c i a ç ã o entre e x p u l s ã o e d e p o r t a ç ã o . A primeira atingia os estrangeiros; a


segunda, os nacionais enviados para c o l ô n i a s penais situadas em zonas de fronteira. Ambas
conjugaram-se, p o r é m , como e s t r a t é g i a s c i r ú r g i c a s complementares no processo de limpeza
urbana que acompanhou as reformas urbanas a partir da virada republicana e, mais especifi-
camente, depois da a d m i n i s t r a ç ã o de Pereira Passos (1902-1906).

21. A r e f e r ê n c i a é a revolta popular contra o decreto de v a c i n a ç ã o o b r i g a t ó r i a ocorrida naquele


ano. Sobre o tema, ver, entre outras obras, nicolau Sevcenko, A revolta da vacina: mentes
insanas em corpos rebeldes, S á o Paulo, Brasiliense, 1984. [Tudo é História, 89].

22. Sobre o tráfico de brancas no Rio de Janeiro, ver Lená M. de Menezes, Os estrangeiros e o
comércio do prazer nas ruas do Rio. Rio de Janeiro, Arquivo nacional, 1992, P r ê m i o Arquivo
nacional de Pesquisa, 2.

23. C o m r e l a ç ã o aos relatos acerca de todo o processual da e x p u l s ã o , ver Everardo Dias, " M e m ó -
rias de um exilado". E p i s ó d i o s da d e p o r t a ç ã o de Everardo Dias contados por ele mesmo à Voz
do Povo, 20-24 de fevereiro de 1920.

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 , Jul/dez 1997 - p á g . 1 5


Carla Brandalise
Professora do Departamento de História
da Universidade Federal do Rio Qrande do Sul.

Camisas~\er<cles
O iníegralisnio no S u l cio B r a s i l

""^ idéia corrente ter sido o Ri constante ação repressiva desencadeada


-
J"^ Qrande do Sul uma região pelo poder público estadual. Vamos,
1 Si t\p desenvolvimento, por assim, analisar os fatores que propi-
excelência, da Ação Integralista Brasilei- ciaram este quadro peculiar.
ra (AIB) — uma organização política de A organização oficial da AIB no Rio Qran-
âmbito nacional da década de 1930, que de do Sul ocorreu de modo relativamen-
apresentava um c a r á t e r fascista. 1
Esta te tardio em relação a outras regiões do
idéia enfrentou, antes, a forte competi- país. Somente em meados de 1934- é
ção de um sistema partidário consolida- constituído em Porto Alegre um
do. A h i s t ó r i c a p r e s e n ç a de partidos "Triunvirato Provincial', base da adminis-
oligárquicos baseados na lealdade e na tração integralista nos diversos estados.
fidelidade à s lideranças autocráticas do Em sua reduzida composição urbana ini-
estado limitou, consideravelmente, a di- cial j á se definia o público que preferen-
fusão do integralismo. lio entanto, é in- cialmente optaria pelo integralismo. De
discutível que naquelas á r e a s ocupadas modo geral, predominavam profissionais
pelo processo ulterior de colonização ale- liberais, estudantes, bancários, emprega-
mã e italiana, o apelo doutrinário da AIB dos do c o m é r c i o e alguns o p e r á r i o s .
obteve ampla receptividade, apesar da Como ponto comum, estes segmentos

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36. Jul/dez 1997 - pág.17


A
C E

sociais médios partilhavam um sentimen- primórdios pelos litígios fronteiriços en-


to de frustração política ensejada ora pela tre Espanha e Portugal. Tais lutas cons-
percepção da marginalização político-par- tantes geraram uma sociedade
tidária, ora pela visão do fracasso e de- militarizada e autocrática, medida pela
cadência dos partidos oligárquicos. Em hierarquia da força. Ao mesmo tempo, foi
termos discursivos, a AIB pretendia orga- possível a esta p o p u l a ç ã o aproveitar eco-
nizar-se no estado como uma alternativa n o m i c a m e n t e o gado s e l v a g e m que
político-ideológica ao tentar objetar as disseminara-se em larga escala na á r e a .
formas partidárias vigentes em favor de Desta c o m b i n a ç ã o caracterizou-se na
um modo de participação radicalmente Campanha a figura do 'militar-estanciei-
novo. A a t u a ç ã o dos indivíduos n ã o seria ro', que d o m i n a v a as a t i v i d a d e s e c o -
mais mediada por políticos profissionais n ô m i c a s g a ú c h a s sob o regime da
e influências oligárquicas. Pelo contrário, grande p r o p r i e d a d e .
iria constituir-se através do compromis-

A
so e dedicação total ao movimento, por- segunda formação social, de
que a prática política tradicional origem mais tardia, estabe-
obstaculizava a e x p r e s s ã o do verdadeiro .leceu-se sem a aprovação dos
interesse do povo, e o voto ocasional e estancieiros locais e por deliberação do
secreto implicava no reduzido centro do país. A partir do início do s é c u -
envolvimento com o destino da nação. lo XIX, foram introduzidos no estado os
imigrantes a l e m ã e s e italianos. Eles cons-
A partir de Porto Alegre, a AIB expande-
tituíram uma sociedade baseada nas pe-
se pelo interior do estado. Porém, o mo-
quenas e médias propriedades, na pro-
vimento assume um caráter estacionário,
dução agropastoril diversificada e no tra-
salvo nas zonas de imigração italiana e
balho familiar. A c o l o n i z a ç ã o ítalo-
alemã. A inserção do movimento
germânica expandiu-se nas serras do Su-
integralista no Rio Qrande do Sul, com
deste e na Depressão Central. Entre as
grande a c e i t a ç ã o em algumas á r e a s e
duas formações sociais houve, desde o
quase nenhuma em outras, encontra suas
início, um certo antagonismo. Os estan-
origens no processo interno de formação
cieiros n ã o apenas constrangiam a fixa-
sociopolítico. A o c u p a ç ã o territorial do
ção dos colonos europeus em terras im-
estado fez surgir dois tipos básicos de
próprias à prática da pecuária extensiva,
sociedade, os quais, por muito tempo,
como também procuravam desacelerar ou
conviveram lado a lado sem maiores
2
mesmo impedir o movimento migratório.
interações e c o n ô m i c a s e culturais.
Os imigrantes, por sua vez, manifestavam

A primeira formação social desenvolveu- uma tendência ao isolamento, à circuns-

se na região Sul, na denominada 'zona da crição a sua própria cultura, preservando

Campanha', sendo condicionada em seus os valores da pátria de origem.

p á g . 1 8. J u l / d e z 1 997
A C E

mobilização constante, sua retórica anti- pios europeus ou por meio do domínio
oligárquica e c o n d e n a t ó r i a do sistema direto da Alemanha ou Itália sobre o Bra-
partidário republicano, encontra nesses sil, mas pela valorização a u t ô n o m a das
indivíduos campo fértil a sua expansão. potencialidades e características nacio-
nais. Os integralistas de descendência ale-
Apesar das c o n d i ç õ e s s o c i o e c o n ô m i c a s
mã ou italiana admiravam os movimen-
favoráveis, o interesse pela AIB nas zo-
tos considerados como correlatos em
nas coloniais n ã o pode ser explicado sem
seus países de origem, p o r é m a n a ç ã o
a variável étnico-cultural, sob o risco de
brasileira deveria engendrar a sua 'rege-
descaracterizar a complexidade do pro-
n e r a ç ã o ' e 'transformação' de modo in-
blema. Se o contexto conjuntural da re-
dependente, com a exaltação das tradi-
gião propiciou certos requisitos básicos
ções e costumes do país. Mão havia, as-
ao fomento do integralismo, a q u e s t ã o
sim, a princípio, contradição entre o dis-
étnica sobredeterminou a sua aceitação.
curso nacionalista da AIB e a d e s c e n d ê n -
Tal especificidade deve ser analisada a
cia étnica desses adeptos. Messe sentido,
partir da m o í í u a ç ã o que levou estes se-
as lideranças do integralismo no Rio Qran-
tores intermediários a aderir à AIB.
de do Sul prezavam de forma pública e
Quanto aos simpatizantes de origem ita- aberta os movimentos europeus, contra-
liana e a l e m ã , o movimento n ã o lhes riando a cúpula nacional que procurava
atraía enquanto uma forma de resistên- geralmente n ã o incorrer numa asso-
cia à integração em sua nova pátria. Pelo c i a ç ã o direta.
contrário, o integralismo aparecia como
O conjunto desses fatores revela-se nos
a forma mais viável de se tornarem 'bra-
depoimentos prestados pelos adeptos do
sileiros de fato' através da participação na
integralismo. Para o caso da zona a l e m ã '
vida política do país. A q u e s t ã o por eles
s ã o representativas as reflexões do chefe
reconhecida de que a AIB apresentava
municipal da AIB da cidade de Qramado,
s e m e l h a n ç a s visíveis com os movimentos
Alcides Arendt, para quem:
fascistas da 'pátria-mãe' reforçava sobre-
maneira o interesse por esta força políti-
O integralismo teve r e c e p ç ã o fácil na
ca que se introduzia no estado. Ma sua
zona de c o l o n i z a ç ã o a l e m ã porque a
concepção, as realizações tidas como be-
Alemanha naquela é p o c a tinha o nazis-
néficas do fascismo italiano e do nazismo
mo. Durante o integralismo eu via com
a l e m ã o , amplamente divulgadas por pe-
simpatia o Hitler em muitas coisas, n ã o
riódicos especializados, evidenciavam a
que q u e r í a m o s imitar, o nosso movi-
viabilidade da construção de uma nova or-
mento surgiu como um movimento in-
dem mundial. O integralismo deveria con-
d í g e n a , o objetivo de P l í n i o Salgado
cretizar no país esta ordem, n ã o através
nunca foi imitar. A luta do integralismo
da r e p r o d u ç ã o pura e simples dos princí-
era de formar, educar a juventude. O

p á g . 20 . J u l / d e z 1 997
V o

Hitler fez coisas boas, levantou a Ale- intra-oligárquica. Um dos momentos cul-
manha organizando o trabalho.* minantes da prática coercitiva ocorreu em
fevereiro de 1935 por ocasião de um gran-

O
projeto, de acordo com Arendt,
de encontro estadual de integralistas na
era introduzir os pontos altos
cidade de São Sebastião do Cai, região
do nazismo, como o
de imigração alemã. Durante uma passe-
corporativismo, a valorização da autori-
ata, que contou com mais de trezentas
dade e do trabalho, o combate ao libera-
pessoas, houve um tumulto, com troca de
lismo e ao comunismo, sem a interferên-
tiros entre a polícia e os militantes. O sal-
cia da Alemanha. Outros militantes cre-
do foi a morte de dois policiais e de um
ditavam confiabilidade à AIB pela identi-
ativista. O prefeito do Cai, Morais Forte
ficação direta que faziam entre o movi-
(PRL), denunciou os integralistas por tu-
mento e o nazismo, reconhecendo a au-
multuar a cidade e provocar o incidente,
tonomia do integralismo. Este é o caso
pois teriam comparecido ao desfile forte-
do professor Maximiliano Hahan, da cida-
mente armados. Argumentava tratar-se de
de de Canela, que revela:
agitadores dirigidos por elementos es-
... falando a verdade, eu entrei na AIB trangeiros, representando uma a m e a ç a na
por causa do nazismo. O integralismo medida em que atacavam o governo, o
era da mesma ordem, a disciplina, as Exército e as instituições republicanas, rio
m i l í c i a s , o corporativismo. E Hitler sal- seu relato a Flores da Cunha, o prefeito
vou a Alemanha do caos. Hitler era ver- revela que prendera mais de cinqüenta
dadeiramente um grande homem, mas pessoas, porque "... a concentração aqui
eu preferia o Plínio. O Hitler era muito realizada tinha por fim menosprezar as
violento. As i d é i a s do Plínio eram mui- autoridades locais devido a uma repres-
to superiores ao nazismo. O são feita no interior do município num
integralismo queria justamente o patri- núcleo integralista que estava atentando
6
otismo. 5
contra a ordem". O chefe municipal da
AIB, o médico Metzler, confirma em parte
Ao mesmo tempo, o visível crescimento
o objetivo da passeata. Ha sua versão,
da AIB nas á r e a s coloniais chama a aten-
pretendia-se prestar solidariedade pací-
ção das autoridades públicas que logo
fica aos integralistas da vila de liova
desencadeiam uma onda de repressão ao
Petrópolis, pois estes teriam sofrido vio-
m o v i m e n t o . Flores da C u n h a , e n t ã o
lência injustificada por parte das autori-
interventor do estado e líder do partido
dades:
governista, o Partido Republicano Liberal
(PRL), n ã o p r e t e n d i a renunciar ao Devido ao incremento tomado pelas

enquadramento e ao rígido controle das nossas i d é i a s , o prefeito do m u n i c í p i o

suas bases eleitorais nesta zona, cada vez começou a perseguir todos os

mais indispensáveis na disputa política integralistas de Mova P e t r ó p o l i s . Em vis-

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36. j u l / d e z 1997 - pág.21


ta disso, a chefia provincial resolveu lia perspectiva da acirrada c o m p e t i ç ã o
fazer um grande desfile no Cai para dar pelo e s p a ç o político na zona colonial que
uma demonstração de apoio moral aos se estabeleceu entre a AIB e o PRL, o caso
perseguidos. 7
de Nova Petrópolis revela-se interessan-
Apesar dos esforços do chefe nacional, te. O subdistrito da cidade do Cai, uma
Plínio Salgado, para que fosse mantida no pequena comunidade de imigração ale-
Rio Qrande do Sul a liberdade de expres- mã voltada basicamente para a p r o d u ç ã o
são, o interventor Flores da Cunha decla- rural, apresentava um elevado índice de
ra ser a AIB perniciosa à s e g u r a n ç a inter- a d e s ã o ao integralismo. Dados oficiais do
na do estado. Proíbe, desta maneira, o uso movimento contabilizavam 320 inscritos
da camisa-verde' (símbolo do movimen- no subnúcleo local, resultado este obtido
to), as passeatas, os comícios e as mani- pelos esforços do professor Straatman,
festações em lugares públicos. Pela reso- que propagava o integralismo enquanto
lução, as reuniões ficavam limitadas à s ensinava p o r t u g u ê s aos agricultores.
sedes integralistas. Isto restringia a pro- Como elemento a incentivar o interesse
paganda da AIB, que utilizava teatros e pelo novo partido, estava o fato de os co-
cinemas para congregar o maior n ú m e r o lonos visualizarem a possibilidade de
de pessoas. Sem a evolução das milícias romper com a exigência das autoridades
organizadas, com seus tambores e hinos, estaduais quanto ao voto compulsório no
tirava-se do integralismo o apelo visual, partido situacionista, no caso, o PRL. Em
tão importante na divulgação da doutrina. época de eleição garantia-se o voto do pe-

Plínlo S a l g a d o | c e n t r o | e Integralistas. P e t r ó p o l i s (RJ), m a r ç o d e 1935. Correio d a M a n h ã , A r q u i v o


Nacional.

p á g . 22 . J u l / d e z 1997
V o

queno agricultor com práticas compensa- com relato de Elisabeth K. Evers:


tórias ou repressivas. Após a votação, era Quando alguém náo queria mais
oferecido o 'churrasco eleitoral', como des- acompanhar, sua ficha e sua camisa-
creve Felipe Stahl, "quando a gente chega- verde eram queimadas sob maldição.
va ao local de votação, recebia-se as cha- Os que saíam eram evitados pelos
pas... Elas j á estavam prontas. Havia fis- outros. Os integralistas não pagavam
cais mas tudo j á estava combinado. A gen- imposto algum, nem contribuição
8
te votava e daí podia comer o churrasco". para comunidade, nem taxas escola-
Caso fosse descoberta uma ação contrária, res. Mas festas mais simples ou nos
as autoridades policiais n ã o tardavam a cultos dominicais apareciam os cha-
desencadear a r e p r e s s ã o , como atesta o mados camisas-verdes, fechados, em
depoimento de Irmgard Schuch: uniformes, eles marchavam para den-
A urna ficava num canto fechado com um tro e ficavam lá (...) notava-se clara-
pano, a pessoa ia lá (...) em cima do só- mente como o partido aumentava em
táo fizeram um furo e o cara deitado ali número aqui em nosso município e
10

com o olho no furo, ele olhava que chapa estavam conscientes de sua força.
o cara botava no envelope, se botava a
Para efeito de c o m p a r a ç ã o , observa-se
chapa certa, ele saía, se o cara botava a
que este quadro conjuntural se manifes-
chapa errada, deixava cair um pouco de
ta em outra importante zona de imigra-
farinha no chapéu ou na camisa, e aí
ção alemã, no estado de Santa Catarina.
quando o cara chegava na rua e tinha fa- 11
Em relatórios enviados a Roma, o en-
rinha de trigo, ele entrava no laço.'
t ã o e m b a i x a d o r i t a l i a n o no B r a s i l ,
Tal estado de coisas, vigente na República Roberto Cantalupo, descreve o "parti-
Velha, permaneceu como regra na década cular desenvolvimento" do integralismo
de 1930. Com a chegada da AIB, ensaiou- naquele estado, onde nas eleições de
se uma resistência, onde as 'chapas pron- 1935 o movimento teria vencido em oito
tas' eram discretamente trocadas pela cha- municípios sobre 11, contando em suas
pa dos i n t e g r a l i s t a s . A e x i s t ê n c i a do fileiras com maioria absoluta de descen-
integralismo, no entanto, estava longe de dentes de a l e m ã e s . Segundo Cantalupo,
ser um consenso entre esta mesma popu- vários eram os fatores que explicavam
lação seja pelo assim considerado caráter esta rápida expansão, entre eles o de-
de f a n a t i s m o , seja p e l a a s s o c i a ç ã o sejo desses militantes em implantar um
c o m o m o v i m e n t o nazista. Straatman sistema social baseado na ordem, justi-
e r a a c u s a d o de o r g a n i z a r a m i l í c i a ça e honestidade; o medo do comunis-
integralista nos moldes da força de cho- mo que p o d e r i a fazer sua v i o l e n t a
que do nazismo a l e m ã o e de cultuar a irrupção no país e a q u e s t ã o racial, onde
i m a g e m de Hitler. E, ainda, de acordo "não seria uma q u e s t ã o de raça, mas an-

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36. Jul/dez 1997 - pág.23


A , C E

tes uma q u e s t ã o de mentalidade com uma movimentos e u r o p e u s . lio princípio

natural simpatia pelos regimes fascista e parecia uma s a l v a ç ã o . Hitler tinha pres-

nacional-socialista". Segundo sua análi- t í g i o no mundo inteiro, n ó s aqui s e n t í -

se, os integrantes da AIB poderiam sem- amos esta i n f l u ê n c i a . A c h á v a m o s que

pre contar com o clero "que faz constan- um regime que era bom para um p a í s

te e m e t ó d i c a obra de propaganda em que j á contava com mil anos de exis-

favor do integralismo, protegendo os va- t ê n c i a , t a m b é m seria bom aqui. Mas

lores da religião". For todas essas razões, n ã o se pode falar em simbiose entre

a s e s s ã o catarinense da AIB representa- integralismo e nazismo. Havia certas

ria "uma reserva moral" na influência dos afinidades. 13

C
outros estados.
omo c a r a c t e r í s t i c a s c o m u n s
A ênfase étnica e a identificação com o Ferreira da Silva aponta a ten-
nazi-fascismo dada pelo embaixador con- dência anti-semita, o
firma-se no depoimento dos militantes de
corporativismo, a representação classista,
Santa Catarina. Segundo o secretário de
a estrutura organizativa, o antiliberalismo,
imprensa da AIB, Enrico Muller:
a indumentária, a estrutura paramilitar e,
Havia em Blumenau certa t e n d ê n c i a de principalmente, afirma que "o nazismo e
aceitar o integralismo pela semelhan- o integralismo eram espiritualistas".
ç a com o nazismo. Quando um c i d a d ã o
Deixando Santa Catarina e dirigindo o
descende de uma outra r a ç a , de um
foco de análise para as zonas de coloni-
outro pais, ele, se é uma pessoa de
zação italiana do Rio Qrande do Sul, é
acordo, de exata c o n s c i ê n c i a , tem sim-
possível, mais uma vez, constatar uma co-
patia (...) a maioria tinha simpatia pela
incidência de valores quanto à s motiva-
Alemanha, pelo Hitler, era natural."
ções de a d e s ã o à AIB. Em relação ao ca-
Todavia, t a m b é m para Muller, a AIB era
ráter de participação política alternativa
um movimento singular e a u t ô n o m o j á
oferecido pelo integralismo, um artigo do
que a doutrina integralista seria "... pu-
militante Luís Compagnoni, publicado em
ramente brasileira, com origens na nos-
fevereiro de 1935 no jornal do movimen-
sa história, adaptada ao povo brasileiro,
to, O Bandeirante, em Caxias do Sul, re-
lião era um movimento estrangeiro, n ó s
vela o desagrado com a onipotência dos
p r e g á v a m o s justamente a integração, en-
partidos tradicionais. Estes s ó se interes-
s i n á v a m o s aos o p e r á r i o s e aos colonos o
sariam em quantificar votos em é p o c a s
hino nacional". As mesmas c o n c e p ç õ e s
eleitorais, menosprezando os problemas
aparecem no depoimento de J o s é Ferreira
da comunidade a p ó s a vitória nas urnas.
da Silva, e n t ã o secretário de Educação e
A AIB, inversamente, permitiria a repre-
Cultura da AIB em Blumenau:
sentação direta das demandas locais. Isto
O clima aqui era de simpatia com os porque a organização interna e os assun-

p á g . 2 4 . Jul/dez 1997
V o

tos prioritários para o movimento depen- dos. O integralismo poderia ter feito o

deriam, antes, do consenso e da partici- mesmo pelo Brasil, tirar o povo da mi-

pação de todos os seus membros e n ã o s é r i a , dar trabalho para todo mundo,

apenas de a l g u n s poucos l í d e r e s . O naquela é p o c a o fascismo e o nazismo

integralismo, por fim, representaria a estavam em grande ê x i t o no mundo, por

t r a n s c e n d ê n c i a da simples politicagem isso n ã o havia argumento contra n ó s .

regional: nossos a d v e r s á r i o s eram obrigados a


15
ver isto.
n ó s representamos muito mais que a

i m p l a n t a ç ã o de um regime p o l í t i c o . Um O processo de organização oficial da Ação


camisa-verde que passa é uma consci- Integralista na área de imigração italiana
ê n c i a reta e pura que serve de conde- efetuou-se a partir da principal cidade da
n a ç ã o à imoralidade, à c o r r u p ç ã o . O região — Caxias do Sul, propagando-se
povo v ê em n ó s o restabelecimento do rapidamente pela zona rural. Essa área
e q u i l í b r i o e da harmonia na vida mo- concentrou o maior n ú m e r o de adeptos
ral, e c o n ô m i c a e cultural. O povo sabe no estado e foi a base do movimento po-
que n ã o estamos neste movimento para lítico de oposição por excelência devido,
obter vantagem material (...) no atual entre outras coisas, à ausência de outro
regime n i n g u é m deposita c o n f i a n ç a _e partido o p o s i c i o n i s t a c o m r e p r e s e n -
dos homens que dele fazem parte pou- tatividade. A grande e x p a n s ã o do
cos se salvam. É a n ó s , exclusivamente integralismo entre os pequenos produto-
a n ó s , que cabe a tarefa de expurgar, res rurais dependeu n ã o somente de uma
de varrer, de demolir, de construir, de atitude centrípeta maior em relação à cul-
aprovar e de desaprovar." tura originária italiana, mas t a m b é m da
influência decisiva do clero católico, em
Da mesma forma, a aproximação entre
particular da Congregação dos
integralismo e fascismo justifica-se pelas
Capuchinhos.
conquistas j á empreendidas pelos movi-
mentos europeus. Segundo o depoimen- O assentamento dos colonos italianos no
to de um ativo militante local, Oswaldino Sul do p a í s , iniciado em 1875 e
Ártico: direcionado à encosta superior do nordes-
O integralismo é parecido com o fas- te, área de difícil acesso e coberta de in-
cismo. Aqui todo mundo achava, as idéi- tensa vegetação, bem como o descaso das
as, o uniforme, a o r g a n i z a ç ã o do movi- autoridades governamentais concorreram
mento. Mussolini fez muita coisa pela para confinar os imigrantes a um quase
Itália, tornou o p a í s moderno, tirou da total isolamento, condição esta reforçada
m i s é r i a o povo italiano, antes eles ti- pela heterogeneidade do grupo. Vindos de
nham que sair do p a í s , ir embora; de- diferentes regiões da Itália, com costu-
pois tinha trabalho e riqueza para to- mes e dialetos próprios, os colonos nem

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36, Jul/dez 1997 - p á g . 2 5


A C E

mesmo associavam-se entre si com faci- leitores era muito maior. Os que sabi-

lidade. Assim, foi a religião comum, o am ler, liam para os que n ã o sabiam

catolicismo, que acabou desempenhando ou contavam as n o t í c i a s . O jornal era

o elo preponderante na interação socio- d i s t r i b u í d o a t é por o c a s i ã o da missa do-

cultural. Tal papel, obviamente, conferiu minical, era levado a t é a igreja. 18

à Igreja um poder ainda maior de persu-


Influenciados pela a d e s ã o manifesta do
a s ã o sobre seus fiéis. O desenvolvimento
clero da Itália ao regime de Mussolini, os
da região colonial, com a abertura de es-
capuchinhos não s ó acolheram este sis-
tradas e o crescimento da indústria e do
tema político, como associaram-no ao
comércio, fez com que esta influência d i -
integralismo, o qual representava, para os
m i n u í s s e consideravelmente o fluxo de
freis da Ordem, o fascismo brasileiro. A
novos contatos culturais nos centros ur-
AIB pretenderia defender os mesmos prin-
banos, lia área rural, no entanto, a insti-
cípios, ou seja, lutar pela grandeza da
tuição m a n t é m a sua importância origi-
pátria e da família, e estruturar-se de
nária, sendo os freis capuchinhos os mais
acordo com as leis de Deus. Em janeiro
atuantes. Além de manter núcleos de ins-
de 1934, o Stafetta apresenta o novo mo-
t r u ç ã o religiosa, voltados basicamente
vimento:
para os filhos dos pequenos agricultores,
a Ordem possuía um destacado ó r g ã o de A A ç ã o Integralista Brasileira tem suas

imprensa, o periódico Stafetta primeiras m a n i f e s t a ç õ e s no estado,

Riograndense, publicado em italiano. O com a r e a l i z a ç ã o de um primeiro en-

j o r n a l , s e g u n d o d e p o i m e n t o de frei contro em Porto Alegre (...) o

Alberto, integralismo é fascismo, mas um fas-

cismo com c a r á t e r nacional. O progra-


(...) era o p o r t a - v o z da c o l ô n i a . O
ma do partido n á o apenas d á um lugar
jornal va- lia mais do que um co-
de honra à r e l i g i ã o , mas é nela que se
mício. liavia naquela é p o c a 17
inspira.
entre 15 mil a 20 mil assi-

naturas, mas o n ú -
Pelo testemunho de Carlos Fabris, pode-

mero de
se observar que os pequenos produtores
rurais endossaram.

-jil-jil

Porto A l e g r e em a g o s t o d e 1 9 3 5 . Correio d a M a n h a , A r q u i v o N a c i o n a l .

p á g . 2 6 . Jul/dez 1997
R V

Eu era fascista (...) andava de camisa gação daquela ideologia. Ma visão da Igre-
preta, pregava no meu povoado em ja, o comunismo avançava sem t r é g u a s e
Conceição. Mas, então veio o para destruí-lo não bastava reprimir as
integralismo e n ó s p e n s á v a m o s que era suas manifestações. Era preciso eliminar
a mesma coisa e fomos para o quaquer foco que pudesse favorecê-lo,
integralismo, nosso, brasileiro e n t ã o , como a injustiça social e econômica. As
com o Plínio Salgado. 18
disposições gerais do integralismo eram
apontadas como a grande e s p e r a n ç a de
Ou ainda, a associação entre os dois mo-
transformação nacional. Tratava-se de um
vimentos é evidenciada no relato de frei
movimento que obedeceria o ideal da ver-
Veronese:
dade, da liberdade, da disciplina e do
A AIB foi muito aceita na zona italiana, nacionalismo. Num mundo subordinado
com facilidade o c o l o n o recebeu o aos problemas de ordem material, onde
integralismo, pois havia o exemplo do as correntes políticas agiam à luz de pro-
fascismo italiano. Mussolini, enquanto blemas imediatistas e os princípios mo-
n ã o desbordou de seu sentido, tinha rais eram relegados a segundo plano, os
belas i d é i a s , fez muito pela Itália, de- postulados cristãos integralistas poderi-
senvolveu a agricultura, o trigo. Depois am reconduzir a humanidade a seus al-
desbordou... Havia muita simpatia por tos destinos, afastando-a, portanto, do
19
Mussolini na zona italiana. ateísmo comunista. Combater as maze-
las sociais, nessa perspectiva, significava
O apoio dado ao integralismo pela Ordem
t a m b é m incentivar a população a exercer
dos Capuchinhos e, de resto, por mem-
seu poder de voto:
bros de todo o clero brasileiro deveu-se
não s ó à simpatia com o fascismo italia-
O lugar dos c a t ó l i c o s e de todos os bra-
no, mas t a m b é m a uma convergência de
sileiros que ainda amam a integridade
idéias. A análise da realidade brasileira e
da pátria é na batalha das urnas em
das possíveis s o l u ç õ e s aos problemas
defesa da nossa t r a d i ç ã o . . . A r e l i g i ã o
nacionais eram semelhantes. Da mesma
n ã o impede nem i m p õ e a a d e s ã o dos
forma que a AIB, a Igreja católica consi-
c a t ó l i c o s ao integralismo (...) mas pode
derava serem responsáveis pela situação
ser de grande alcance ao futuro do Bra-
crítica do país o enfraquecimento do prin-
sil que ingressem no movimento os
cípio de autoridade, a carência de leis
c a t ó l i c o s leigos que tenham v o c a ç ã o
constitucionais, a fraqueza da hierarquia 20
política.
e da ordem e a infiltração comunista. So-
bretudo esse último fator, o suposto pe- Aos que acusassem os r e l i g i o s o s de
rigo iminente do comunismo, alterava a extrapolar suas funções ao imiscuir-se em
classe sacerdotal. Medidas urgentes de- atividades políticas, os freis capuchinhos
veriam ser tomadas para evitar a propa- alegavam que o estágio a que chegara o

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 17-36, j u l / d e z 1997 - pág.27


A C E

fascismo italiano fora alcançado principal- capuchinhos na zona rural. Quando os


mente com a ajuda do clero. Este traba- integralistas da sede chegavam para alar-
lhara junto ao povo, incentivando-o a dear a nova causa, encontravam invaria-
melhorar seu sistema de cultura, instru- velmente grupos de pessoas predispos-
indo-o e dando o exemplo direto. O go- tas à conversão imediata. Tratava-se, en-
verno nacional deveria, portanto, seguir tão, de oficializar o trabalho de divulga-
o exemplo e aproveitar a válida coopera- ção feito pelo clero. Referindo-se a essa
ção dos padres. Por fim, o integralismo fase, o integralista cidadino Oswaldino
encampava uma defesa cara à Igreja ca- Ártico comenta:
tólica, a defesa do sistema corporativo, o
N ó s p a s s á v a m o s os domingos envolvi-
qual era considerado o modo ideal de
dos com isto. í a m o s todos depois da
organização política. As corporações es-
missa falar e distribuir folhetos. D e i x á -
tabeleceriam a paz e a justiça, diminuin-
vamos l i d e r a n ç a s locais encarregadas
do os conflitos entre p a t r õ e s e emprega-
de organizar o movimento. í a m o s em
dos; objetivando a composição orgânica
dois ou t r ê s c a m i n h õ e s cheios de 'ca-
da sociedade, eliminariam as lutas de
misas-verdes'. Era um movimento ca-
classe. Frente a tal c o m u n h ã o de interes-
t ó l i c o e aqui é r a m o s todos c a t ó l i c o s . A
ses, a AIB aparecia como uma alternativa
Igreja nos recebia muito bem, éramos
viável na resolução dos impasses nacio-
um b a t a l h ã o de frente da Igreja. As i d é i -
nais, como demonstra o depoimento de
as nos empolgavam, a linguagem era
frei Alberto:
diferente, falava-se em modernidade,

Quando surgiu o integralismo houve civismo... Em Garibaldi, o movimento

grande receptividade... no clero secu- não estava organizado, eu e o

lar a maioria era simpática ao Compagnoni fomos lá fazer propagan-

integralismo, devido ao lema 'Deus, da, depois da missa d i s t r i b u í m o s folhe-

Pátria e F a m í l i a ' . A t r a v é s do Stafetta tos. Mas j á estavam todos esperando


e n d o s s á v a m o s com grande e s p e r a n ç a por n ó s , pelo movimento. 22

as i d é i a s do integralismo, pois acredi-


A relação estabelecida entre o fascismo
t á v a m o s que seriam capazes de endi-
italiano e o 'fascismo nacional' ajudou o
reitar o Brasil, e n t ã o em crise. Isto n ã o
integralismo na canalização das hostilida-
era s ó exprimido em palavras, havia
des latentes destes colonos a muitas d é -
t a m b é m um certo ar de ufanismo. Ha-
cadas de descaso das autoridades muni-
via a c o n v i c ç ã o , aqui no Rio Grande do
21
cipais e estaduais. A AIB aparecia como o
Sul, de que o integralismo iria triunfar.
movimento político que lhes proporcio-
lieste quadro favorável, os 'camisas-ver- n a r i a m e l h o r e s c o n d i ç õ e s de vida,
des' da cidade empenhavam-se em refor- ensejando, para tanto, a participação nas
çar a propaganda já feita pelos atividades partidárias da região. Os colo-

p á g . 28 . J u l / d e z 1997
V o

nos acreditavam ter encontrado na AIB AIB, a doutrina e o sentido político do


uma forma de manifestação de seus di- novo movimento eram objeto de anima-
reitos frente aos partidos tradicionais. do debate. Tais líderes, em geral empre-
Com dificuldades nas técnicas de plantio, gados especializados do comércio e da in-
problemas de escoamento da produção dústria, acreditavam que o integralismo
conjugados com os baixos preços dos pro- prosseguia os ideais da Revolução de
dutos agrícolas, os pequenos agriculto- 1930, dando ao episódio o seu verdadei-
res desconfiavam da assim denominada ro significado. Decepcionados com os ru-
'política dos brasileiros' que pouco con- mos da política nacional na conjuntura do
tribuía para a solução de seus problemas. pós-1930, classificavam uma outra revo-
A d e s a t e n ç á o e a r e p r e s s ã o por parte das lução, a Constitucionalista de 1932, como
autoridades governamentais diminuíra o o momento revelador da c a r ê n c i a de
interesse político dos colonos. Sem fide- substrato ideológico das elites dirigentes
lidades partidárias enraizadas e mesmo do país. Essas visualizariam na prática
avessos aos partidos regionais, constitu- partidária apenas a o b t e n ç ã o de vanta-
íam-se num público em disponibilidade gens e proveitos pessoais. Em meio a
política, lias palavras de frei Dionísio busca de alguma manifestação política
Veronese: que lhes atraísse, haviam, inclusive, fler-
tado com o comunismo, julgado pelo gru-
lio interior, na zona rural, n ã o havia
po, em última análise, como por demais
partido. O colono n ã o se ligava a ne-
violento e materialista. J á as c o n c e p ç õ e s
nhum partido. Mão tinha interesse na
e os partidos liberais apareciam como 'an-
p o l í t i c a do p a í s . Sua vida era cuidar da
tigos', 'ultrapassados', destituídos de va-
família, do trabalho. Para eles a políti-
lor com seus 'políticos profissionais'. Sen-
ca era c o n f u s ã o , n ã o queriam se meter
do esses últimos responsáveis por todas
em c o n f u s ã o . O pouco contato que ti-
as mazelas e entraves nacionais, n ã o
nham com a política nacional s ó decep-
mereceriam confiança. Ao invés disso, o
cionava os colonos. O fato era que o
integralismo, conhecido através dos jor-
colono sentia-se muito prejudicado pela
nais, expressaria uma 'mudança de men-
falta de c o n d i ç õ e s , de transportes, de
talidade', um 'partido dotado de unidade
conhecimentos. As melhorias n ã o che-
de idéias' e, acima de tudo, o primeiro
gavam na c o l ô n i a . A política partidária
partido que surgia no mundo fundamen-
em nada adiantava para o colono, fo-
tado numa 'filosofia espiritualista'. Em
ram muito mal tratados. Se tinham que
contraposição ao agnosticismo comunis-
votar, votavam e pronto. Havia muita
ta, defendia a crença em Deus. Da mes-
r e p r e s s ã o , perseguiam e matavam."
ma forma, o grupo era receptivo quanto
à identificação entre a AIB e os movimen-
Por sua vez, entre o pequeno grupo urba-
tos europeus.
no responsável pela organização local da

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 17-36. Jul/dez 1997 - p á g . 2 9


A C E

Para Arthur Rech, militante do grupo, as eleições municipais de 1935. Como ban-
ligações entre o integralismo e o fascis- deira eleitoral, a moralidade e o controle
mo eram evidentes e positivas, pois mos- dos gastos públicos: combatiam o aumen-
travam a universalidade de uma idéia, de to de impostos, a criação de novas tribu-
uma doutrina que deveria vingar no mundo: tações e a proliferação de funcionários;
defendiam a n ã o sobrecarga de impostos
Mesmo sendo os movimentos da mes-
aos colonos agricultores e a política do
ma ordem, n ã o q u e r í a m o s uma identi-
equilíbrio orçamentário, com a compres-
f i c a ç ã o direta, nossa m i s s ã o era com o
s ã o de todos os gastos. Para um partido
Brasil. O verde simbolizava a terra bra-
que havia se organizado em apenas um
sileira. Queríamos ser pessoas
ano na região, os resultados do pleito
marcadas na sociedade pelo exemplo:
eleitoral foram extremamentes favoráveis,
virtude, religiosidade, disciplina, amor
sendo os melhores que o partido obteve
pelo trabalho, isto o integralismo pre-
no estado. A AIB elegeu em Caxias do Sul
gava. Q u e r í a m o s tudo nativo, é r a m o s
três vereadores, Arthur Rech (represen-
brasileiros e n ã o italianos. Os imigran-
tante comercial), Humberto Bassanesi
tes passaram a aderir à camisa-verde,
(empregado do comércio) e Emílio Pezzi
deixaram de usar a camisa-parda. O
(comerciante), contra quatro vereadores
nosso movimento era melhor, era mais
do partido situacionista, o PRL, equipa-
democrático."
rando praticamente o público de eleito-
O ponto focai de interesse do grupo re- res. Ha votação geral, os vereadores do
pousava antes no que era percebido como PRL receberam 1.470 votos enquanto os
um apurado sentido nacionalista da AIB, vereadores da AIB obtiveram 1.218. 25

preocupada com assuntos de toda a na- A partir desse resultado e da atuação sem-
ção e concebendo a idéia de partido na- pre contrastante dos vereadores
cional', longe, portanto, das a m b i ç õ e s integralistas na c â m a r a municipal, a hos-
restritivas e dos imediatismos dos parti- tilidade do partido governista, a t é e n t ã o
dos regionais. O comunismo, mais uma relativamente contida em função da pre-
vez, ia de encontro a esses princípios, sença do clero nas fileiras da AIB, tornou-
mostrando-se 'internacionalista'. Assim, se ostensiva. As rivalidades latentes tor-
dentro do quadro político da época, a AIB naram-se explícitas e o movimento
teria se mostrado ao grupo como a op- integralista passou a ser alvo de ataques
ção mais promissora. constantes que visavam d e s a c r e d i t á - l o ,
entusiasmados com a numerosa a d e s ã o pondo em dúvida suas atitudes e seu ca-
ao movimento na zona rural, com o apoio ráter. O PRL procurava identificar a AIB
de uma parcela do clero e com a sempre ao comunismo, explicando que, em am-
crescente inserção na própria zona urba- bos os movimentos, o governo deixava de
na, os integralistas articulam-se para as ser uma e x p r e s s ã o da vontade da maio-

p á g . 3 0 . jul/dez 1997
R V O

ria. Passava, antes, a representar apenas da ingenuidade do clero:


os interesses de uma oligarquia, que im-
A Igreja aconselha a i m p l a n t a ç ã o do
punha o seu poder através da violência e
integralismo no Brasil. Que significará
da força. Da mesma forma, a AIB é acu-
a palavra Deus na prática do
sada de servir aos propósitos do fascis-
integralismo o dia em que ele estiver
mo italiano, preparando as condições à
no poder? Por ventura, Mussolini j á n á o
infiltração e s t r a n g e i r a no p a í s . Os
ameaçou a Igreja? Os regimes
integralistas seriam apenas versões mal
m i n o r i t á r i o s jamais p o d e r ã o tolerar
acabadas dos fascistas europeus, condu-
uma Igreja prestigiosa e popular, lia de-
zidos por um mitomaníaco disfarçado de
mocracia nada tem a Igreja a temer. A
salvador: Plínio Salgado, lia verdade, de-
legenda integralista 'Deus, Pátria e Fa-
nunciavam, a AIB teria se afirmado com- 28
mília' é mais um e n g o d o .
batendo os operários, os negros, os j u -
deus, a democracia, a liberdade e a inte- Em editorial, O Momento aponta quais
ligência. Era, portanto, um movimento seriam as razões de adesão ao
perigoso, destituído de respeitabilidade e integralismo. De acordo com sua visão,
motivado por intenções escusas. Parecia, muitas pessoas eram atraídas ingenua-
assim, i n c o m p r e e n s í v e l o apoio que a mente em função da novidade política, da
Igreja oferecia à AIB. O jornal oficial do oportunidade de aparecer, da falácia dos
PRL colocava nesses termos a considera- postulados morais. Porém, as lideranças

E x p o s i ç ã o anti-Integralista n o Teatro M u n i c i p a l . Rio de Janeiro, o u t u b r o d e 1957. Correio da M a n h ã ,


Arquivo Nacional.

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 17-36. Jul/dez 1997 - pág.31


A C E

que difundiram o movimento na região cidamente I n ú t e i s , nada mais justo e

seriam indivíduos condenados ao ostra- natural que sua e x t i n ç ã o . *2

cismo por evidente falta de qualidade


nessa lógica, os membros da AIB nega-
política e moral. Segundo esse raciocínio,
vam que sua organização fosse um parti-
o jornal sentenciava com veemência os
do político. Apenas se inscrevera como tal
dirigentes do integralismo local, mas ten-
a fim de propagar legalmente suas idéi-
tava eximir a massa de seus adeptos, os
as. A política ocupava somente uma se-
quais não passariam de "inocentes úteis".
ção do movimento, agora extinta. A AIB
Em meio as a g r e s s õ e s constantes, os passava a ser, no novo sistema, uma as-
integralistas tentam relativizar seus an- sociação de estudos, de e d u c a ç ã o moral
tagonistas, argumentando que perturba- e esportiva. Por sua vez, o PRL conside-
vam estes velhos políticos por não parti- rou a dissolução dos partidos políticos
ciparem na "falsa vida política do país e uma prova cabal do espírito d e m o c r á t i c o
lutarem para reerguer a nação do caos do governo Vargas. O fim do integralismo
provocado pelo regime liberal": como partido foi comemorado como uma

O alarme na família liberal é grande. medida ímpar. Os i n ú m e r o s incidentes

Todos os meios de defesa e s t ã o sendo entre o governo federal e a AIB a p ó s a

mobilizados. Os jornais da terra atacam d e c r e t a ç ã o do Estado Movo renovaram as

os ' p e r i g o s í s s i m o s ' camisas-verdes, a c u s a ç õ e s ao integralismo na região:

nunca pusemos em d ú v i d a estes políti-


Prossegue por todo o p a í s a campanha
cos, apenas negamos a e f i c i ê n c i a de-
que o governo desenvolveu contra os
les em meio aos partidos p o l í t i c o s que
adeptos do 'pano verde'. Precisamos
2 7
dividem e semeiam o ó d i o .
olhar com firmeza ao redor, verificar

Às animosidades generalizadas das forças bem de perto quem eram os adeptos

políticas dominantes na região agregou- de ontem e os inimigos de hoje; mais

se o advento do Estado Movo em novem- cuidado deve ter o governo, debaixo de

bro de 1937. Porém, tanto a AIB quanto o d e m o n s t r a ç õ e s h i p ó c r i t a s pode estar

PRL locais apoiaram, no início, o novo re- escondido aquele que mais tarde po-

gime. Para os integralistas, o fim das prá- deria ser o portador do punhal homici-

ticas político-partidárias no país viera ao da contra o povo que n ã o quer o regi-

encontro de seus princípios: me estrangeiro e contra o governo que


29
se inicia e que trabalha.
Os homens de partido n ã o trepidavam

em p ô r em e x e c u ç ã o os meios violen- Concomitante aos acontecimentos do


tos, sacudindo o p a í s , de tempos em p a í s , a d e s a r t i c u l a ç ã o d e f i n i t i v a do
tempos, com movimentos armados que integralismo na zona colonial italiana su-
pertubavam o ritmo normal da vida da cedeu-se com o fracasso do golpe de maio
n a ç ã o (...) se os partidos eram reconhe- de 1938, ocasião em que as lideranças da

p á g . 32 . J u l / d e z 1997
V o

AIB rebelaram-se contra o governo fede- determinadas regiões do país onde esta
ral na expectativa de tomar o poder. No fase de transição mostrou-se mais agu-
planejamento nacional do golpe, alguns da, a receptividade à AIB foi, em geral,
integralistas desta área de imigração fo- mais intensa dado o seu caráter de movi-
ram convocados ao Rio de Janeiro a fim mento político tido como alternativo ao
de receber instruções. Segundo depoi- status quo vigente. Suas práticas e pro-
mento de Oswaldino Ártico: postas doutrinárias consideradas radical-
Em Caxias, ficamos reunidos esperan- mente novas forneceram um projeto po-
do o sinal da rádio Mairink Veiga para lítico a u t ô n o m o para segmentos sociais
c o m e ç a r m o s a r e v o l u ç ã o . Iniciava no emergentes que se identificaram com este
Rio. O sinal n ã o foi feito. N ó s n ã o t í n h a - tipo de apelo. Essa realidade, presente ém
mos armas. Nada organizado. Na hora, maior ou menor grau nas á r e a s onde a
í a m o s pensar no que fazer, mas nada AIB encontrou aceitação, não pôde impe-
aconteceu. Eicou por isto mesmo e o dir o reconhecimento das particularida-
movimento integralista terminou para des locais que diferenciaram e enrique-
sempre. 30
ceram a análise da natureza do

O integralismo representou ao longo de integralismo. Qual seja, no caso das zo-

sua existência legal (1932-1938) a mani- nas de imigração alemã e italiana, pare-

festação de uma sociedade mais comple- ce evidente a importância da q u e s t ã o ét-

xa engendrada com as t r a n s f o r m a ç õ e s nico-cultural sobredeterminando as mo-

sociopolíticas e econômicas ocorridas ao tivações de a d e s ã o ao novo movimento

longo das d é c a d a s de 1920 e 1930. Em brasileiro.

N O T A S
1. O integralismo tem sido nas ú l t i m a s d é c a d a s objeto de interesse em uma perspectiva nacional
e, mais recentemente, em a n á l i s e s comparativas com os movimentos fascistas europeus. Ver
a
entre outros: tlelgio Trindade, Integralismo: o fascismo brasileiro na d é c a d a de 30, 2 ed., S ã o
Paulo, Difel, 1977; J o s é Chasin, O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no
capitalismo hipertardio, S á o Paulo, Editora C i ê n c i a s Humanas, 1978; Ricardo Benzaquen de
Araújo, A cor da e s p e r a n ç a : totalitarismo e r e v o l u ç ã o no integralismo de Plínio Salgado, Rio de
Janeiro, CPDOC/PGV, 1984; Elmer Broxson, Plínio Salgado and brazilian integralism (1932-1938).

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 17-36, Jul/dez 1997 - pág.33


C E

Washington. The Catholic University of America, 1972; Juan Linz, "O integralismo e o fascismo
internacional". Porto Alegre, Revista IFCtl. J.1976; Walter Laqueur (ed.), Tasc/smo: a reader's
guide, University of Califórnia Press, 1976; Pierre Milza, Les fascisme. Paris, Impremerie
Nationale, 1985; Stanley Payne, El fascimo, Madrid, Alianza Editorial, 1982.
2. Sobre a formação histórica do Rio Qrande do Sul ver: Joseph Love. O regionalismo gaúcho,
a
São Paulo, Perspectiva, 1975; Paul Singer, Desenvolvimento econômico e evolução urbana, 2
ed., São Paulo, Companhia nacional Editora, 1977; Helga Piccolo, "A política rio-grandense no
Império", em J. Dacanal e S. Gonzaga, Rio Qrande do sul: economia e política. Porto Alegre,
Ed. Mercado Aberto, 1979; Sandra Pesavento, Rio Qrande do Sul: economia e poder nos anos
30, Porto Alegre, Ed. Mercado Aberto, 1980.
3. Jean Roche, A colonização alemã e o Rio Qrande do Sul, vol. II, Porto Alegre, Ed. Qlobo, 1969.
4. Entrevista de Alcides Arendt (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPEROS/COnsUL/Universi-
dade Federal do Rio Qrande do Sul.
5. Entrevista de Maximiliano Hahan (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPERQS/COnSUL/ Uni-
versidade Federal do Rio Qrande do Sul.
6. Telegrama de Morais Forte a Flores da Cunha, publicado no jornal Correio do Povo. Porto Ale-
gre, (26/2/1935).
7. Entrevista de Metzler ao jornal Correio do Povo, Porto Alegre, (26/2/1935).
8. Relato de Felipe Stahl. Contribuição para a história de Mova Petrópolis, Prefeitura Municipal de
nova Petrópolis. EDUCS. 1985. p. 245.
9. Relato de Irmgard Schuch, ibidem, p. 249.
10. Relato de Elizabeth K. Evers, ibidem, p. 256.
11. Telespresso n° 2.085/656 (Rio de Janeiro, 21 de setembro de 1936) e Telespresso n° 235.417
(Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1936), Arquivo Histórico do Ministério de Relações Exterio-
res-Roma.
12. Entrevista de Enrico Muller (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, NUPERQS/COnSUL/ Universi-
dade Federal do Rio Qrande do Sul.
13. Entrevista de José Ferreira da Silva (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPERQS/COMSUL/
Universidade Federal do Rio Qrande do Sul. Integralista de Blumenau, o diretor da Biblioteca
Pública, Ferreira da Silva, era luso por descendência paterna e alemão pela linha materna.
14. "Os homens somos nós" de Luís Compagnoni, publicado no jornal O Bandeirante, (10/2/1935).
15. Entrevista de Oswaldino Ártico, concedida em 1991.
16. Entrevista de frei Alberto Stawiski, concedida em 1991. De origem polonesa, formou-se no
curso de Filosofia e Teologia da cidade de Qaribaldi em 1925.
17. Stafetta Riograndense, Caxias do Sul, (12/9/1934).
18. Entrevista de Carlos Fabris (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPERQS/COnSUL/ Universi-
dade Federal do Rio Qrande do Sul. Fabris tornou-se chefe do integralismo no distrito de Con-
ceição, interior de Caxias do Sul.
19. Entrevista de frei Dionísio Veronese, concedida em 1991. Para o frei capuchinho: "Os líderes
do integralismo estavam nas cidades, mas a penetração do integralismo era principalmente
nas colônias, no interior. Eram agricultores, os colonos que entravam para o integralismo".
Oswaldino Ártico, por sua vez, observa: "A gente aqui em Caxias dirigia o integralismo, mas
nas colônias, nestes vilarejos, havia muitos integralistas. Os colonos eram todos integralistas
por causa da Igreja".
20. Jornal Stafetta Riograndense, (21/3/1934). Segundo a reportagem *(...) diversos países euro-
peus sofreram uma profunda revolução política transformando-se em estados corporativos,
como a Itália, a Alemanha. O movimento deveria ampliar-se (...) a AIB que vem surgindo de-
fende o sistema corporativo".
21. Entrevista de frei Alberto Stawiski.
22. Entrevista de Oswaldino Ártico.
23. Entrevista de frei Dionísio Veronese.
24. Entrevista de Arthur Rech (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, MUPERQS/COnSUL/Universida-
de Federal do Rio Qrande do Sul.

p á g . 3 4 . Jul/dez 1997
V O
R

25. Jornal O Momento, Caxias do Sul. (5/12/1935).


26. Jornal O Momento, Caxias do Sul, (9/8/1936).
27. Jornal O Bandeirante, (31/7/1936), p u b l i c a ç ã o oficial do integralismo na r e g i ã o colonial italiana.
28. Jornal O Bandeirante. (18/11/1937).
29. Jornal O Momento, (6/12/1937).
30. Entrevista de Oswaldino Ártico.

B I B L I O G R A F I A
1. Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul (Setor de Bibliografias): Arthur Rech;
Humberto Bassanesi; Emílio Germano Pezzi.

2. Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul (Setor de Periódicos e Documentos).

3. Anais da Câmara Municipal de Caxias do Sul: 1935, 1936, 1937.

4. Arquivo AIB/Helgio Trindade. riUPERQS/COHSUL/Universidade Federal do Rio Grande


do Sul.

5. Arquivo Flores da Cunha. MUPERQS/COHSUL/ Universidade Federal do Rio Qrande do


Sul.

6. Arquivo de Pesquisa Histórica do Departamento de História da Universidade de Caxias


do Sul.

7. Jornais regionais integralistas: A Luta (Porto Alegre), A Revolução (Porto Alegre), O


Integralista (Porto Alegre), O Bandeirante (Caxias do Sul).

8. Jornais regionais: O Momento (Caxias do Sul), // O/orna/e delVAgrlcoltore (Caxias do


Sul), Stafetta Riograndense (Caxias do Sul), Correio do Povo (Porto Alegre), Diário de
notícias (Porto Alegre).

9. Boletins informativos: Cinqüentenário delia Colonlzzazlone Italiana nel Rio Qrande


dei Sud, Porto Alegre, Qlobo, 1925; Documentário Histórico do Município de Caxias
do Sul, 1875-1950, Sáo Leopoldo, Artegráflca, 1950; De Província de São Pedro a
Estado do Rio Qrande do Sul, censos do Rio Qrande do Sul, 1803-1950.

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36, J u l / d e i 1897 - p á g . 3 5


A B ^ T R A C T
The essay describes the setting of the Brazilian Integralist Action (AIB) of Plínio Salgado wlthin the

social and political context of Rio Qrande do Sul in the 1930s. The analysis places the í n t e g r a l l s m

in the same category as the fascists movements. Thus, the subject is focused on the problems

encountered by the movement during its regional expansion process, considering the particularities

of that moment in history.

R É S U M É
Lessai entend d é c r i r e la mise en place de 1'Action I n t é g r a l i s t e B r é s i i i e n n e (AIB) de Plínio Salgado,

dans le contexte social et politique de 1'état du Rio Qrande do Sul pendant la d é c a d e de 1930.

Lanalyse situe 1'intégralisme dans la c a t é g o r i e des mouvements fascistes. Par rapport à cette i d é e ,

le sujet est centre dans les vicissitudes qui connait le mouvement au cours de son processus

dexpansion r é g i o n a l e , en fonction des p a r t i c u l a r i t é s de ce moment historique.


Maria Antonieta de Toledo Ribeiro Bastos
Geógrafa do Museu Paulista da Universidade de São Paulo.

O U n i v e r s o do T r a b a l h o do
làa - S P
(1876/1930)

A
nalisar o universo do paulista, até e n t ã o essencialmen-
2
trabalho imigrante, te rural.
na cidade de Itu, de A expulsão desses imigrantes
uma forma mais ampla, no pe- de seus p a í s e s de origem,
ríodo de 1876 a 1930, é uma notadamente da Itália, foi
tarefa extremamente exaustiva, cuja di- causada pela e x p a n s ã o do capitalismo
m e n s ã o extrapola a abrangência de um a p ó s 1850 e c o n s e q ü e n t e divisão inter-
artigo. Porém, a pesquisa realizada a par- nacional do trabalho. O fato de eles n ã o
1
tir das fontes p r i m á r i a s resgatou dados se submeterem ao processo de
essenciais para a análise das diferentes proletarização em sua terra natal esti-
3
categorias de trabalho, da composição da mulou a emigração para o Brasil, rece-
população imigrante por nacionalidade e bendo esse movimento pleno apoio go-
de alguns aspectos de sua trajetória ao vernamental, tanto no país receptor como
c h e g a r ao B r a s i l . O corte t e m p o r a l no expulsor. Em 1871, sancionava-se
corresponde à fase de transição da m ã o - uma lei em que o governo brasileiro era
de-obra escrava para a mão-de-obra l i - autorizado a emitir apólices de a t é seis-
vre, m o m e n t o em que as correntes centos contos, visando o pagamento de
imigratórias tornaram-se mais expressi- passagens de imigrantes, dando-se pre-
vas, povoando grande parte do interior ferência aos do norte europeu. Messe

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. X0. n ° 2. pp. 37-52, J u l / d e i 1997 - p á g . 3 7


m e s m o a n o , criava-se a A s s o c i a ç ã o para a a c e l e r a ç ã o do fluxo imigratório,
Auxiliadora de Colonização e Imigração. entre eles a abolição da escravatura e a
Em 1884, uma lei provincial autorizava o ampliação da nascente rede viária na re-
presidente da província a dispor anual- gião de Itu, em face da e x p a n s ã o da la-
mente de duzentos contos para a cria- voura canavieira. A abolição da escrava-
ção de núcleos coloniais, e quatrocentos tura (1888), embora tenha abalado a es-
contos para auxiliar na introdução de imi- trutura e c o n ô m i c a de grande parte do
grantes tanto nos núcleos como nas gran- país, incentivou, por outro lado, o pro-
des lavouras. E em 1886, fundava-se a cesso imigratório, pois o café se expan-
Sociedade Promotora de Imigração, jun- dia para as zonas de povoamento mais
to ao governo provincial, que funcionaria recentes do interior paulista, g r a ç a s ao
4
oficialmente a t é 1895. Somente em trabalho do colono imigrante. As relações
1923 seria criada, em Itu, a primeira As- de trabalho, c o n s e q ü e n t e m e n t e , se mo-
sociação de Trabalhadores Têxteis, trans- dificaram, permitindo uma melhor distri-
5
formada em sindicato em 1944. buição das riquezas, j á que o trabalho
Vários foram os fatores que contribuíram assalariado, configurado no sistema de

D e s e m b a r q u e d e u m g r u p o d e Imigrantes n a e s t a ç ã o d a H o s p e d a r i a d e Imigrantes. M u s e u d a
Imigração.

p á g . 3 8 . Jul/dez 1997
V o

colonato, tinha no núcleo familiar seu (16,5%), francesa (15,2%), espanhola


maior suporte. Zuleika Alvim, em seu l i - (8,6%), sueca (8,6%), inglesa (4,7%),
vro Brava gente, mostra que a preferên- holandesa (3,3%), suíça (2,7%), norte-
cia do fazendeiro pelo trabalho familiar, americana (2%) e belga (0,6%). Verificou-
em detrimento do assalariado, dava-se se, ainda, que o movimento migratório
pela maior exploração da mão-de-obra, para Itu, por província, era o seguinte:
uma vez que os salários eram pagos por 96,5% originário da própria província,
tarefa e n ã o por indivíduo, o que ainda 1,2% do Rio de Janeiro e o restante da
garantia uma maior estabilidade de m ã o - Bahia, Maranhão, Ceará, Pernambuco,
de-obra nas fazendas. Por outro lado, do Alagoas, Rio Qrande do Sul, Minas Ge-
ponto de vista do imigrante, era a única rais, Pará e Piauí.
forma de fugir da proletarização iminen-

A
expansão da rede ferroviária,
te. Vários autores analisaram a q u e s t ã o
por sua vez, fez ainda com
da rentabilidade do trabalho do colono,
que a capital de São Paulo se
comparado ao do escravo. José
tornasse o centro de irradiação, trazen-
Vergueiro, um dos defensores do traba-
do alterações em toda a conjuntura soci-
lho livre, e s p e c i f i c o u num artigo
al e econômica do estado. Itu j á recebia
jornalístico que para a aquisição de cem
os benefícios da Estrada de Ferro Ituana,
escravos, obtinha-se o equivalente a
interligada com Jundiaí — inaugurada em
1.660 trabalhadores livres.
1873 — que, sem dúvida, se configurou
num marco importante para o fluxo
A imigração converteu-se, portanto, num
imigratório. A população e a economia da
fenômeno concreto, mudando a qualifi-
região cresciam, principalmente com a
cação técnica da força de trabalho, tor-
afluência desses trabalhadores. O tráfe-
nando-a superior à do trabalho escravo.
go ferroviário entre Itu e Capivari, pela
O afluxo dessa massa imigratória resul-
nova via, fora aberto em 1875, e o de Itu
tou da existência e/ou melhoramento do 6
a Piracicaba, em 1876. Essa ampliação
sistema de transporte na região, a p ó s o
da rede de comunicações com a capital
crescimento da lavoura cafeeira. O re-
permitiu, por sua vez, um maior movi-
censeamento de 1872 j á indicava, em Itu,
mento de capital, resplandecendo a r i -
um g r a n d e n ú m e r o de estrangeiros
queza, portanto, em todo o t e r r i t ó r i o
(1.187 no total, sendo 707 livres e 480
paulista. Embora incipiente, essa rede e
escravos). Dentre os livres, 75,5% eram
o porto de Santos garantiam o êxito do
homens e 24,5% mulheres. A população
processo imigratório e da economia de
estrangeira escrava era formada por 71%
exportação cafeeira.
de homens e 29% de mulheres. A pre-
s e n ç a dos estrangeiros era restrita aos A e m i g r a ç ã o estrangeira para o Brasil
de origem portuguesa (37,8%), italiana teve no elemento italiano seu principal

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 3 7 - 5 2 . Jul/dez 1997 - p á g . 39


A C E

componente. A média anual que se diri- 8


Os imigrantes italianos, em sua maio-
gia para o Brasil era de 43.116 italianos ria, originavam-se principalmente do nor-
(1870/1902), caindo depois para 14.328 te da Itália. Dentre as principais provín-
(1902/1920). A diminuição desse contin- cias, destacavam-se as do Vêneto (107):
gente foi acentuada, pois enquanto de Verona (19), Treviso (16), Veneza (15),
1902 a 1920 vieram para o Brasil 290.027 Pádova (14), Trento (13), Rovigo (11),
italianos, para os Estados Unidos enca- Vicenza (7), Udine (5), Pádua (5), Beluno
minharam-se 3.920.330" pessoas. (2); Lombardia (28): Mântua (24) e Milão
(4); E m í l i a R o m a n a (8): Ferrara(4),
Itu, a s s i m c o m o o u t r o s municípios
Castelnuovo (2), Módena (1) e Forli (1).
paulistas de povoamento antigo, teve
Caracterizavam-se, de modo geral, como
maior aumento populacional no mesmo
uma população extremamente jovem, com
período em que o estado de São Paulo
idade inferior a 13 anos, na maioria dos
recebeu a massa imigrante, por ocasião
casos (60%). O universo do trabalho imi-
da primeira fase do desenvolvimento in-
grante estava concentrado principalmente
dustrial paulista (1890 a 1914). Entre
no campo, como lavradores (92) (9%), la-
1887 e 1917, entraram 809.650 imigran-
vradores/proprietários (67) (6,6%), jorna-
tes italianos, dos quais 387.990 no curto
leiros/diaristas (2), agricultorres (2) e ar-
período de nove anos (1892 a 1901). Por
r e n d a t á r i o s (2) (0,6%). Sem considerar
essa razão, as cifras sobre o crescimen-
aqui as 'domésticas', que atingiam altos
to populacional da cidade de São Paulo
índices (189) de o c u p a ç ã o , tanto no cam-
quase quadruplicaram, embora estives-
7
po como na cidade.
sem incluídos distritos tipicamente rurais.

C
Enquanto a maior parte da massa imi-
omparados ao recenseamento
grante — notadamente de origem italia-
de 1872, os registros da popu-
na, que se Fixava na capital paulista no
lação imigrante residente em
início do processo imigratório — dedica-
Itu, no período de 1939 a 1969, permi-
va-se à p r o d u ç ã o fabril, como o p e r á r i o s
tem avaliar que ocorreu o aumento da
e proprietários de estabelecimentos i n -
diversidade da procedência desses novos 9
dustriais, no interior do estado, em par-
habitantes. Constata-se, e n t ã o , que pre-
ticular em Itu, essa p o p u l a ç ã o restringia-
d o m i n a v a m os i m i g r a n t e s i t a l i a n o s
se ao trabalho no campo, principalmente
(46,6%), seguidos pelos espanhóis (36%),
nas lavouras de café, pois tinha na agri-
portugueses (4%) e os demais (13,4%),
cultura melhor oferta de trabalho e mo-
compostos por suíços, franceses, libane-
radia.
ses, a u s t r í a c o s , venezuelanos, argenti-
nos, egípcios, romenos, a r m ê n i o s , ale- O pequeno proprietário, a r r e n d a t á r i o e
m ã e s , holandeses, paraguaios, h ú n g a r o s meeiro, italiano, na sua terra de origem,
e ingleses. em quase nada diferia do bracciante,

p á g . 4 0 . Jul/dez 1997
R V O

embora fosse proprietário de pequena Tabela 1

parcela de terra ou detivesse um certo E m i g r a ç ã o italiana para o Brasil por

capital para arrendamento de á r e a s para regiões (1876-1920)

cultivo. Em vista do insuficiente quadro Vêneto 365.710


industrial para absorção de mão-de-obra, Campânia 166.080
10
transformava-se em proletário rural. 113.155
Calábria

Lombardia 105.973
O universo do trabalho do imigrante, em
Abruzzi/Molise 93.020
Itu, atrelava-se certamente à escolha
Toscana 81.056
ocupacional, condicionada à s raízes his-
Emília Romana 59.877
tóricas dessa massa imigratória, levan-
Basilicata 52.888
do-se em conta os valores próprios de
Sicília 44.390
uma sociedade pré-industrial e as dife-
Piemonte 40.336
renças regionais de cada nação. A esco-
Puglia 34.833
lha inicial do imigrante pelo campo, em
Marche 25.074
detrimento da cidade, dava-se com base
Lázio 15.982
nos seus valores socioculturais. Por essa
r a z ã o , eram assustadoras as cifras de Úmbria 11.818

emigração da região setentrional da Itá- Ligúria 9.328

lia, notadamente do Vêneto (30%) para o Sardenha 6.113

Brasil, entre 1876 a 1920, estudado por Total 1.243.633

Zuleika Alvim, tomando-se por base o Fonte: Zuleika Alvim, Brava gente: os italianos em São Paulo, São
Paulo, Brasiliense. 1966.
11
recenseamento do Brasil de 1920.
Dentre os sócios relacionados no livro de
lio estado de São Paulo, segundo o cen- registros da antiga Sociedade de Mútuo
so de 1920, a massa imigrante Socorro Luigi de Savoia, fundada em
1J
correspondia, de um modo geral, a 18,1% 1919, verificou-se que, nesse ano, 168
da população total. Qrande parte desse (58,8%) italianos e seus descendentes j á
contingente era composta por italianos haviam se tornado trabalhadores urba-
(60%), e s p a n h ó i s (27%), portugueses nos e destacavam-se como pequenos co-
(5%), a u s t r í a c o s (3,6%), turcos (1,2%), merciantes ou a r t e s ã o s . As diferentes ca-
franceses (0,7%), a l e m ã e s (0,6%), argen- tegorias desses trabalhadores e o número
tinos (0,5%), uruguaios e americanos de pessoas ocupadas podem ser obser-
(0,2%), poloneses e suecos (0,1%) e, em vadas a seguir: proprietário (34), nego-
menor escala ainda, dinamarqueses, rus- ciante (22), trabalhador (10), industrial
sos, s u í ç o s , venezuelanos, cubanos e (8), sapateiro (8), alfaiate (7), carpintei-
húngaros (esses dados referem-se aos ro (6), ebanista (5), açougueiro (4), mo-
que inclusive adotaram nacionalidade torista (4), construtor (3), carreteiro (3),
brasileira). construtor de edifício (3), padeiro (2),

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 37-52. Jul/dez 1997 - p á g . 4 1


A C E

serralheiro (2), barbeiro (2), guarda-livros (I) , Merja (1), A d i a (1), G u e r b a (1),
(2), artista (2), m e c â n i c o (2), relojoeiro Algarrobo (1), Alcandete Jaen (1) e sem
(2) , bilheteiro (2), vigilante (2), cocheiro identificação de origem (7). C o m e ç a r a m
(1), operário de olaria (1), chefe de es- a chegar, em maior n ú m e r o , no Brasil,
t a ç ã o telefônica (1), pastor (1), ourives somente a partir dos anos de 1910, con-
(1), leiteiro (1), pastato (1), marmorista forme verificado na d o c u m e n t a ç ã o da
(1), ferrador (1), hoteleiro (1), negocian- série registro de estrangeiros. Assim sen-
te de madeira (1), caixeiro-viajante (1), do, notou-se o registro de (1) espanhol
arrieiro (1), o p e r á r i o (1), t é c n i c o (1), em 1878, (2) em 1888, (1) em 1889, (2)
carrero (1), comerciante (1), farmacêuti- em 1890, (2) em 1892, (3) em 1893, (4)
co (1), médico (1), agricultor (1), funileiro em 1894, (2) em 1895, (2) em 1896, (4)
(1), pedreiro (1), tipógrafo (1), arquiteto em 1897, (2) em 1898, (2) em 1899, (2)
(1), marmoreiro (1), vendedor de tripas em 1900, (2) em 1901, (1) em 1902, (1)
(1), proprietário de garagem (1), profes- em 1903, (5) em 1904, (6) em 1906, (1)
sor (1) e litógrafo (1). em 1907, (2) em 1909, (6) em 1910, (13)
em 1911, (13) em 1912, (16) em 1913,

C
omo s ã o escassos os estudos
(II) em 1914, (3) em 1915, (3) em 1916,
sobre a i m i g r a ç ã o espanhola
(1) em 1917, (2) em 1920, (4) em 1921,
no Brasil, verificou-se, nas fon-
(7) em 1922, (7) em 1923, (4) em 1924,
tes documentais j á destacadas, que a sua
(3) em 1925, (3) em 1926, (4) em 1927 e
grande maioria em Itu era originária de
(1) em 1929, sendo que sete elementos
Granada (31), Málaga (19), Almeria (16)
não forneceram dados sobre a data de
e Toledo (9), seguindo Múrcia (6), Lorca
sua chegada ao Brasil.
(3) , Ruvite (3), Madri (3), Pazo-Alcon-Jaon
(3), Cádis (3), Pamplona (2), Leon (2), Embora numericamente inferior ao imi-
C á c e r e s (2), Orenze (2), Sevilha (2), grante italiano, o espanhol n ã o diferia
Alicante (2), Palácios Rubios (1), Caim (1), substancialmente daquele, pois era tam-
Narmeriana (1), Salamanca (1), Vila Coim bém colono e lavrador, visto que a pe-
(1). Haen (1), Ubida (1), Hetea (1), Ávila quena propriedade predominava e se
(1), Cartagena (1), Samora (1), Motril (1), configurava nos moldes da p r o d u ç ã o e
Ponte Vedra (1), Sogronha (1), Armedo consumo familiar. O sobreproduto cres-
(1), Albaceti (1), Colmenar (1), Colúmbria cente da agricultura, no entanto, trans-
(1), Pliego (1), C ó r d o b a (1), Sierra dei formava aos poucos a cidade e o siste-
Lehgua (1), Mazarron (1), Montilla (1), ma de manufatura urbana, e reforçava a
Luidarrar (1), Valdeverdeja (1), Vila de capacidade produtiva, ampliando o n ú m e -
Albandon (1), Albunol (1), Cuia de Vassa ro de pequenas lojas e a r m a z é n s e a pro-
(1), Jaen Pazo (1), Castres (1), Merga (1), d u ç ã o artesanal organizada (alfaiatarias,
Pear de Becerro (1), Sorbas (1), Mendoza c o n f e i t a r i a s , s a p a t a r i a s , o f i c i n a s de

p á g . 4 2 . Jul/dez 1997
costura e outras). A presença de operá- rurais, 127 (26,7%) de origem italiana.
rios fabris e 'avulsos', entre os imigran- Mo ano de 1910, ela constatou 151 pro-
tes italianos e e s p a n h ó i s , era constan- priedades de italianos e, para o ano de
te, o b s e r v a ç ã o t a m b é m revelada em 1920, concluiu que 10,1% da população
anúncios classificados da imprensa peri- residente no município de Itu era de ori-
ódica. O trabalho feminino estava volta- gem italiana, considerando-se que, de um
do principalmente para as atividades do- total de 30.392 habitantes, 3.087 eram
mésticas, destacando-se, nesse univer- italianos. A cidade vizinha de Salto cha-
so, os imigrantes italianos, e s p a n h ó i s , mou a atenção da autora, pois o quadro
portugueses, austríacos e romenos. Mas era ainda mais marcante: em 1905, pos-
atividades eclesiásticas, era freqüente a suía 96 propriedades rurais, sendo 41
presença de freiras portuguesas no Co- (42,7%) de italianos; em 1920, possuía
légio Mossa Senhora do Patrocínio e no 147 propriedades rurais, sendo 53 (36%)
Mosteiro da Imaculada Conceição; de sa- também de italianos. Mo ano de 1920, a
cerdotes franceses, ingleses, holandeses população urbana residente na cidade de
e uruguaios no Colégio São Luís, na Igre- Salto era de 9.934 habitantes, sendo
14
j a do B o m Jesus e no S e m i n á r i o do 1.583 (15,9%) italianos. Porém,
Carmo; e de religiosas francesas e bel- embora os imigrantes, em 1920,
gas no Colégio Mossa Senhora do Patro- correspondessem a 16,6% da população
cínio e no Mosteiro da Imaculada Con- do município de Itu, a t é o ano de 1904 a
ceição. renda do solo urbano era restrita aos

Ao examinarmos o censo de 1920, 13


ob- ituanos natos, conforme se observou no

servamos que ainda era freqüente a pre- registro dos 1.256 imóveis urbanos, ca-

sença do imigrante no campo, pois 168 dastrados no livro de imposto predial de

(35,5%) estabelecimentos rurais se en- Itu, daquele ano. Somente os nomes de

contravam nas m ã o s de estrangeiros e Francisco Villaron e de Valentini e Irmão

seus descendentes. Zuleika Alvim, em seu estão ali presentes como proprietários de
15 18

trabalho Emigração, família e luta: os ita- imóveis urbanos. Toscano e Trindade

lianos em Sáo Paulo 1870-1920, encon- observaram que, em 1917, a cidade j á

trou no município de Itu, para o ano de contava com acréscimos numéricos sig-

1920, de um total de 474 propriedades nificativos quanto à população estrangei-

Accrvo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 37-52, Jul/dez 1997 - p á g . 4 3


ra (14,8%). Aos italianos a t r i b u í a - s e o balho, que, por sua vez, como j á se ob-
maior adensamento (67%), seguidos pe- servou, permitiu grandes a c r é s c i m o s na
los espanhóis (13,4%). Por essa razão, era economia cafeicultora de exportação. Ma
expressivo o n ú m e r o de casas alugadas cidade, a intensificação da massa prole-
em 1920, principalmente nas ruas Santa tária se fez sentir, especialmente, na ca-
Cruz, Santa Rita e do Comércio. tegoria de operários das fábricas de fia-
ção e tecelagem (São Pedro, S ã o Luís,
Os dados contidos nos registros de es-
17 Maria Cândida, Fabril Redenção S. A. e
trangeiros permitiram observar que os
18 Reprensagem de Algodão S. A.). A parti-
imigrantes de outras nacionalidades, e
c i p a ç ã o em outras fábricas e oficinas,
os portugueses, escolhiam a cidade como
além dos que trabalhavam por conta pró-
local de moradia e trabalho — dedican-
pria ou em s e r v i ç o s diversos, era fre-
do-se a atividades ligadas ao comércio,
q ü e n t e . Essa massa proletária era com-
ensino e construção civil, principalmente
posta por 44 operários italianos (37 ho-
—, ao passo que os descendentes de es-
mens e sete mulheres), 18 e s p a n h ó i s (12
p a n h ó i s e italianos tanto residiam no
homens e seis mulheres), quatro portu-
campo como na cidade, conforme tabela
gueses (três homens e uma mulher), três
que se segue:
argentinos (dois homens e uma mulher),
Tabela 1
um a l e m ã o , um l u x e m b u r g u ê s e um
Campo Cidade lituano (quadro 1). Durante o período de
1939 a 1969, o movimento m i g r a t ó r i o
Italianos 47 45
campo-cidade j á alcançava índices ele-
Espanhóis 37 34
vados no país, ao contrário do ocorrido
Portugueses 1 9 nas p r i m e i r a s d é c a d a s do processo
imigratório.
Outras nacionalidades (8) 6 21

Total 91 109
O trabalho feminino, tanto no campo
como na cidade, n ã o era bem definido,
Outro dado importante, merecendo des- pois declararam-se como ' d o m é s t i c a s '
taque, é que a população imigrante em 356 (37%) imigrantes de um total de 963.
Itu foi capaz de garantir a m a n u t e n ç ã o Entretanto, como trabalhador rural pro-
do exército de reserva e da força de tra- priamente dito, destacaram-se o lavra-
dor, lavrador/proprietário, agricultor, ar- acumulação de riquezas: objetos, tesou-
rendatário e meeiro, em que 306 (31,8%) ros, capitais virtuais. Tornava-se deposi-
eram notadamente de nacionalidade ita- tária da riqueza monetária, tendo como
liana e espanhola. fonte, principalmente, o c o m é r c i o e a
19
usura.
Como trabalhador urbano, 277 (28,7%),
Essa população imigrante, ao chegar no
destacavam-se os operários de fábrica e
Brasil, nem sempre se dirigia diretamente
avulsos, 71 (7,4%); e os comerciantes e
para Itu. As certidões de primeiro casa-
comerciantes/proprietários, 65 (6,7%). As
mento, em número de 252, anexadas a
demais atividades enfatizadas a seguir
essa d o c u m e n t a ç ã o de registro de es-
correspondem a uma parcela menor da
trangeiros, permitiram destacar que,
população imigrante urbana, que dedica-
dentre os italianos que tinham contraído
va-se à educação religiosa e a outras ati-
as primeiras núpcias em diferentes cida-
v i d a d e s p r o f i s s i o n a i s : r e l i g i o s o 12
des paulistas, a maioria o fizera em Itu,
(1,2%), sacerdote 10 (1%), freira 12
e em cidades circunv izinhas: Itu (92),
(1,2%), padeiro 9 (0,9%), pedreiro 8
Cabreúva (11), São Paulo (8), Capivari (6),
(0,8%), ferroviário 8 (0,8%) e diarista/jor-
Indaiatuba (5), Campinas (5), Jundiaí (5),
naleiro 6 (0,6%).
Salto (4), Cravinhos (2), Cosmópolis (2),

A apropriação da renda urbana por agen- Bauru (1) e Valinhos (1). Dentre os espa-

tes do setor privado (fábricas e oficinas) nhóis: Itu (52), Indaiatuba (6), Sorocaba

e pelo Estado dificultou o acesso da po- (5), São Paulo (4), Salto (3), Cabreúva (4),

pulação de baixa renda à s á r e a s privile- Jundiaí (2), Mandaguari (2), Porto Feliz

giadas do solo urbano. Em face dessa si- (1), Valinhos (1), Rio Claro (1), Conchas

tuação, o subúrbio da cidade, que j á es- (1) e Capivari (1). Dentre os portugue-

tava segregado à população de baixa ren- ses: Itu (6), Sáo Paulo (3) e Santos (1).

da, passou a ser gradativamente o espa- Dentre outras nacionalidades: Itu (5),

o dessa nova p o p u l a ç ã o residente. O Cabreúva (5), Indaiatuba (4), Mogi Mirim

imigrante recém-chegado à cidade sub- (1), Jundiaí (1) e Porto Feliz (1). Essas ob-

metia-se ao trabalho urbano nos arrabal- s e r v a ç õ e s s ã o indicativas de que antes

des e ali se instalava precariamente. A de declararem-se como moradores de

cidade e n t ã o passava a ser o espaço de Itu, por ocasião do cadastramento, pro-

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 37-52. Jul/dez 1997 - p á g . 4 5


vavelmente haviam residido nessas cida- poder oligárquico começou a ser questio-
des, onde contraíram as primeiras n ú p - nado e novos grupos sociais emergiram.
cias, ou e n t ã o seus respectivos cônjuges
A c o n s e q ü e n t e a m p l i a ç ã o do q u a d r o
eram residentes nessas localidades
multirracial brasileiro, nesse p e r í o d o , foi
paulistas.
incisiva; o imigrante passou e n t ã o a res-
A massa proletária, composta por imi- ponder, t a m b é m , pelas t r a n s f o r m a ç õ e s
grantes, era predominante na cidade e nos hábitos e costumes cotidianos da so-
encontrava-se distribuída nas diferentes ciedade paulista, procurando desenvol-
fábricas e oficinas: 44 o p e r á r i o s italia- ver uma vida em comum, dentro das suas
nos (37 homens e sete mulheres), 20 es- possibilidades. A atração à s novas zonas
p a n h ó i s (15 homens e cinco mulheres), cafeicultoras estava em p r o g r e s s ã o cres-
quatro portugueses (três homens e uma cente, o que fez com que aumentasse o
mulher), três argentinos (dois homens e universo de trabalhadores livres estran-
uma mulher), um luxemburguês, um ale- geiros. Essas novas culturas permitiram
m ã o (químico) e um lituano. Destacavam- expandir o quadro dos estratos sociais,
se, dentre os estabelecimentos fabris e trazendo uma nova divisão do trabalho.
oficinas, a fábrica de C h a p é u s Univer- A ampliação das classes sociais urbano-
sal, fábrica de Vassouras Ituana, industriais fundamentava-se principal-
funilaria Lamoglia, firma Augusto Veloso mente nas atividades comerciais. Dava-
Cia., firma Bolognesi 6c Botelho, firma se e n t ã o à cidade de Itu uma nova feição
Comercial Limongi, Instituto Borges de e função. Porém, diferente da imigração
Artes e Ofícios, Oficina Irmãos Qazzolla, italiana, a espanhola (predominantemen-
firma Irmãos Conti, funilaria Lamoglia, te camponesa) chegara ao Brasil no final
Pilar SP firma Pegado et Souza Cia. Ltda., do colonato, num momento penoso de
Cortume Ituano, firma Simon 8t Cia., fir- transição das relações de trabalho escra-
ma Alexandre Tocheton, firma Renato vo para o assalariado. 20
Ocasião de ra-
Sandel Moura, Cerâmica Paraíso, Cerâ- ras oportunidades, gerando-se uma m ã o -
mica Cury 6c Cia. A a s c e n s ã o na escala de-obra pouco qualificada e diversificada.
social e de poder, por parte do imigran- Por essa razão, diferentemente do italia-
te, s ó ocorreu bem mais tarde, a partir no, por excelência, o espanhol n ã o dei-
da Primeira Querra Mundial, quando o xou marcas significativas na sociedade.

p á g . 4 6 . Jul/dez 1S97
R V O

Quadros

Categorias de trabalho dos imigrantes que entraram no país entre 1876 e 1930, e que
foram registrados no período de 1939/1969 na delegacia de polícia de Itu (quadros 1 a 6).
Ouadro 1
No campo Na cidade
Nacionalidade Número de indivíduos Numero de indo Iduos
1 2 3 1 5 6 1 8 9 10 11 12 13 14(a)
Irahanoa 92 67 2 1 2 I1 13 2 44 3 6 5
Etpanhoii 61 31 1 1 2 2 » 7 18 1 3
j 7 | j
Portuflueae»
Franceaee
lníl»« 1
Alemaee
4 3 i
10 4 2 1 1 -
Búlgaro* 1
Belftai
Iugoslavo! 1 1
Luxem bunrueaea
1
Holandeae»
Lituano* 1 2 1
Húngaro! 2 1 2
Ruaaoa 2 1
2 4
Armênios - 3 : 1
Ejdpde»
Sinos ! 1 5 4 3
Ubaneaea 1 1
3 2

Venezuelano!
Norlc-arneneanoe 2 1 1
lotai 182 112 10 1 6 28 37 15 71 4 9 S

1 - lavrador; 2 - lavrador/proprietário; 3 - agricultor; * - arrendatário; 5 - meeiro; 6 - diarista/Jornaleiro; 7 - comerciante;


8 - comerciante/proprietário; 9 - negociante; 10 - operário de fábrica e avulso; 11 - proprietário; 12 - sapateiro; 13 - padeiro;
14 - pedreiro (autônomo e empregado)

Quadro 2
Na cidade
Nacionalidade Ni mero de IndiMdi •
15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26
lulum» 1 6 1 1 2 2 2 3 1 11") 1 4"
espanhóis 1 . 1 2 1 1 2 1 104
Hortu^ucsoi 1 1 1 5 12
Franceses
Ingleses 2
9
Austríacos 13
2
Ikil caros
lklws 1
Iugoslavos 1
luxcmburgucscs 1
2
Sui'.is
s

1 lolandeses 1
ljtuatMK 1
Húnearoa 3
Russos 1
Japoncaca 5
Armemos 1
KRÍPC.O,
Sírios
4
3 —
Argentinos 1 1
Uruguaios
2
Paraguaio!
Vcnc/uclanoa
Noríc-amerícanoa
Total 4 9 2 3 3 4 4 8 2 356 1 12

13 - chapelro; 16 - mecânico; 17 - oleiro; 18 - carpinteiro; 19 - ferreiro; 20 - motorista; 21 - carroceiro;


22 - ferroviário; 23 - relojoelro; 24 - doméstica; 23 - cirurgião dentista; 26 - religioso
• Colégio riossa Senhora do Patrocínio • • • " residência e Igreja do Bom Jesus
• • Seminário do Carmo • • • • • Colégio Sáo Luís em São Paulo
• • • Mosteiro Imaculada Conceição

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 37-52. Jul/dez 1997 - p á g . 4 7


A C

Quadro 3
Na cidade
Nacionalidadc Número de indivíduos
27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37
Italianos - - •1 - 1 - 1 2 2 2
F.spanhóis - • r 1 - i . 1 2
Portugueses - '4 * 1 * * * - - - 1" .
Franceses - - - - - - -
Ingleses
1"
- - - - - - - - - -

Alemães - - - - - _

Austríacos - - - -
Romênios - 1* - - - - 1
llúlearos - - - - - - -
iklgas - - - - - -
Iugoslavos - • - - - - 1
Luxemburgueses - - - - - - -

Suíços - - - - - - - -
Holandeses 6"* - - - - - - -
Liluanos - - - - -
Húngaros - - - - _

Russos - - - - - i
Japoneses - - - - - - - -
Armênios - - - - - - -
Hcipcios - - - - - - - -
Sírios - - - - - - -
Libaneses - - - - - -
Argentinos - • - - -
Uruguaios - ]... - - - - -
Paraguaios - - - - - - -
Venezuelanos - - - - - -
Norte-americanos - - - - - -
Tolal 10 - 12 1 1 2 2 4 1 2 4

27 - sacerdote; 28 - icminarisU; 29 - freira; 30 - ministro evangélico; 31 - músico/professor; 32 - artista/pintor; 33 - professor;


34 - inválido; 35 - estudante; 36 - aposentado; 37 - sem especificação; 38 - outras atividades (a/x)

* Colégio Mossa Senhora do Patrocínio **•• residência e Igreja do Bom Jesus


• • Seminário do Carmo Colégio Sào Luís cm Sào Paulo
* • • Mosteiro Imaculada Conceição

Quadro 4
Nacionalidade Número de lndi\idun*

Italianos
W
4
C) H2 w1 (c)
1
0 (h) 0)
1
2
l-spanhois
Portugueses
Franceses
fcajlINi
Alemães
AMÉM
M M H
líiilil.-if -
Belgas
Iugoslavos
1 jjxcm burguês cs 1
Suis.»
IMMHM
UMMM
Húngaros
Russos
Jiiporiescs
Armênios
Egípcios
Sírios
I ih.mescs
Argentinos
Uruguaios
1'araguak»
Venezuelanos
Norte-americanos
6 1 2
T5S 1 2 1 1 1 1

(a) vendedor ambulante (d) pirotécnico (g) encanador


(b) chanilciro (e) carregador (h) criador de abelhas
(c) funileiro (0 lipògnuo (i) caldeúeiro

p á g . 4 8 . J u l / d e z 1997
R V O

Quadro 5
Niiiiorui liti.uk- .Número dc lndmduos
(k) 0) (m) (n) M <») w (r)
Italianos i 1 ] 2 1 1 1 1
Espanhóis 1 - •
Portugueses
maMi
Ingleses
Alemães
Austríacos
Romenos
IJúl caros
Belgas
IlieOslaVuS
I li vem burgueses
Sulcos
1 U M deses
Iiluanos
Húngaros
Russos
Japoneses
Armênios
l-.gijvi.*
Sírios

. sj-qenhnos
l 'ruguaios
Paraguaios
Venezuelanos
Norte aniericanos
i 1 1 1 1 2 1 1 1 1 1

(j) foguista/operário (1) rebolci.ro (n) marceneiro (p) cleiricista (r) alfaiate
(k) construtor (m) seleiro (o) contador (q) lenhciro

Quadro 6
Nacionalidade Número de indivíduos
(s) (D (u) (v) (x)
Italianos - - - - 1
Espanhóis - - - - 1
Portugueses 1 - - 1 -
Franceses - - - - -
Ingleses - - - - -
Alemães - - 1 - -
Austríacos - - - - -
Romenos - - - - -
Húlgaros - - - - -
llelgas - - -• - -
Iugoslavos - - - - -
Luxemburgueses - - - - -
Suíços - - - - -
1 lolandeses - - - - -
Lituanos - - - -
I Iúngaros - - - - -
Russos - - - - -
Japoneses - - - - -
Aniiênios - - - - -
Egípcios - - - - -
Sírios - - - - -
Libaneses - - - - -
Argenlinos - 1 - - -
Uruguaios - - - -
Paraguaios - - - - -
Venezuelanos - - - - -
Norte-americanos - - - - -
Total 1 1 1 1 2

(s) guarua-noile (u) química <*) fotógrafo


(t) barbeiro (v) engenheiro civil

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 37-52, j u l / d e z 1997 - p á g . 4 9


D o c u m e n t a ç ã o (impressa e manuscrita) 503-512, Rio de Janeiro, Tipografia de
- Livro de imposto predial de Itu, ano Estatística, 1926.
1904, Museu e Arquivo Histórico Muni- - Recenseamento do Brasil, ano 1920, Mi-
cipal de Itu (MAHMI). nistério da Agricultura e Comércio, D i -
- Livro de registro de sócios, ano 1919, retoria Qeral de Estatística, Tipografia
Arquivo da Sociedade Ítalo-Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, FIBQE,
'Dante Aleghieri' em Itu. ano 1927.
- Recenseamento do Brasil, província de - Coleção delegacia de polícia de Itu,
São Paulo, Paróquia de Mossa Senhora série registro de estrangeiros, período
da Candelária de Itu, ano 1872. de 1939 a 1969, Museu Republicano
- Recenseamento do Brasil, vol. III, pp. 'Convenção de Itu'.

N O T A S
1. Coleção delegacia de polícia de Itu - série registro de estrangeiros, Recenseamento do Brasil,
de 1920 e de 1926, registro de estrangeiros (italianos) e livro de registro de sócios da
Sociedade Ítalo-Brasileira 'Dante Aleghieri' e livros de impostos prediais de Itu, do acervo do
Museu e Arquivo Histórico Municipal de Itu (MAHMI).
2. Pasquale Petrone, ao analisar as indústrias paulistas e os fatores de sua expansão, destaca,
com base nos trabalhos de Vicente U. Almeida e Otávio T. Mendes Sobrinho, sobre migração
rural-urbana, que após o ano de 1930 o movimento em direção aos centros urbanos tornou-

p á g . 5 0 , Jul/dez 1997
R V O

se mais intenso, particularmente para a cidade de São Paulo. Ver Pasquale Petrone, "As in-
dústrias paulistanas e os fatores de sua expansão". Boletim Paulista de Geografia (14), São
Paulo, julho de 1953, p. 34.
3. A Itália se desfez de cerca de 20 milhões de indivíduos entre 1861 e 1940, sendo que 85%
saíram entre 1861 e 1920. Zuleika Alvim, Brava gente: os italianos em São Paulo, 2 ed., São
Paulo, Brasiliense. 1986, p. 24.
4. Ver Zuleika Alvim. op. cit., pp. 42-49.
5. Ver Jonas Sousa e Júlio Wakahara, Itu: quatro séculos de história, s.d., p. 3.
6. Ver Francisco Nardy, Cronologia ituana, São Paulo, Ed. Bentivegna, 1951, vol. 4.
7. Conforme Pasquale Petroni, op. cit., pp. 26-37.
8. Essa documentação foi coletada na delegacia de polícia de Itu e doada ao Museu Republica-
no 'Convenção de Itu', em 1995, embora grande parte dela, correspondente aos registros de
'italianos', j á tivesse sido incorporada, também por doação, à Sociedade Ítalo-Brasileira
'Dante Alighieri', antiga Sociedade de Mútuo Socorro 'Luigi di Savoia'. Portanto, apenas
cerca de 50% do número total de registros dos 1.015 imigrantes, cadastrados nessa docu-
mentação do arquivo do registro de estrangeiros da delegacia de polícia de Itu (período de
1939 a 1969), foi anexado ao MRCI, dando-se então origem à Coleção delegacia de polícia
de Itu - série registro de estrangeiros. Embora essa coleção seja mais ampla, analisou-se
somente a documentação dos imigrantes que entraram no país entre 1876 e 1930, cujos
registros foram efetuados no período de 1939 a 1969. Essa documentação originou-se do
efetivo cadastramento desses imigrantes, em obediência ao decreto-lei n° 7.967, de 18 de
setembro de 1945. Legislação essa que visava efetuar rigorosamente esses registros, com o
objetivo de imprimir à política imigratória do Brasil uma orientação única e definitiva, que
atendesse à dupla finalidade de proteger os interesses do trabalhador nacional e de desen-
volver a imigraçáo que fosse fator de progresso para o país (Bureau de Informações Policiais,
São Paulo. 1945, p. 2, datilografado).
9. Petrone, avaliando a obra de Bandeira Jr. sobre a indústria em São Paulo, em 1901, observou
que já eram em número de cem as principais fábricas paulistas (fiação, tecelagem, móveis,
vestuário, bebida etc). Trinta e quatro delas eram de propriedade de italianos, e as demais
de estrangeiros de outras nacionalidades. O quadro do operariado, que mantinha propor-
ções equivalentes (dentre adultos e crianças de ambos os sexos), continha oito mil operários
fabris, sendo cinco mil estrangeiros (na grande maioria italianos), 803 nacionais e cerca de
2.100 de nacionalidade não especificada. Pasquale Petrone, op. cit., p. 28.
10. Zuleika Alvim, op. cit., p. 32.
11. Idem, ibidem, pp. 62-73.
12. Atualmente denominada Sociedade Ítalo-Brasileira 'Dante Alighieri'.
13. Recenseamento do Brasil - relação dos proprietários dos estabelecimentos rurais recensea-
dos no estado de São Paulo, vol. III, pp. 503-512, Rio de Janeiro, Tipografia de Estatística,
1926.
14. Zuleika Alvim, Emigração, família e luta: os italianos em São Paulo 1870-1920, dissertação
de mestrado apresentada ao Departamento de História da fFLCH/USP, São Paulo, 1983, p.
263.
15. Documentação pertencente ao acervo do Museu e Arquivo Histórico Municipal de Itu (MAHMI).
16. João Toscano e Jaelson Trindade, Diagnóstico geral da cidade de Itu para implantação de
um programa de ação cultural. São Paulo, Condephaat, 1977, vol. 1, pp. 60-61,
(mimeografado).
17. As declarações contidas nessa documentação referem-se ao período de 1892 a 1930. Os
dados obtidos foram extraídos dos 197 documentos que acusavam declarações de tempo de
residência em Itu (campo e cidade).
18. Considerados aqui de outras nacionalidades: sírios, franceses, libaneses, austríacos,
venezuelanos, argentinos, egípcios, romenos, armênios, alemães, holandeses, paraguaios,
húngaros e ingleses.
19. Ver Henri Lefebvre, O direito à cidade, São Paulo, Ed. Documentos Ltda., 1969, p. 10.
20. Ver José Martins, "A imigraçáo espanhola para o Brasil e a formação da força de trabalho na
economia cafeeira: 1880-1930", Revista de História, n. 121, São Paulo, ago./dez. de 1989,
p. 25.

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 3 7 - 3 2 . j u l / d e z 1997 - p á g . 3 1


A B S T R A C T
This article seeks to draw a general profilc of the immigrants in Itu, state of S ã o Paulo, with the

focus on their work universe. The analysed period, from 1876 to 1930, corresponds to the period

of transition from slave labour to free labour, when the latter was integrated, in large part, in the

countryside of S ã o Paulo, till then essencially agricultural.

R É S U M É
Cet article a pour but exposer un profil general de Ia ville d'ltu — S ã o Paulo, ayant comme

r é f é r e n c e son universe de travail. Le p é r i o d e a n a l y s é (1876/1930) se rapporte à la transition de

Ia main-d'oeuvre esclave à la libre, quand la d e r n i è r e fut i n c o r p o r é e à 1'intérieur de la province de

S ã o Paulo, jusqu' alors essentlellement agricole.


Elena Pájaro Feres
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

99
' P r ©vertia! Hospiíalicilaííle ?
A Revises, de Ixnigréição e Colonização e
o JiscMrso oficial sotre o imigraiiíe

'^N. V a s d é c a d a s de 1930 e lo de três anos, apenas mais um volume,


1 9 4 0 , os intelectuais e m 1 9 5 5 , q u a n d o a p u b l i c a ç ã o foi
-A_ \ J brasileiros empenhados suspensa.
em controlar a imigração sus- O conteúdo da revista
tentaram um discurso marcado centrava-se em assuntos dire-
pelo preconceito, sendo um dos tamente relacionados à i m i -
canais oficiais de divulgação des- gração, reproduzindo artigos publicados
tas idéias a Revista de / m i g r a ç ã o e Colo- pela grande imprensa, a legislação em
nização. vigor, relatórios, estudos e pareceres. Se-
gundo Tucci Carneiro, esse periódico era
Publicada entre os anos de 1940 e 1955
consultado por t é c n i c o s e autoridades
pelo Conselho de Imigração e Coloniza-
diplomáticas, em busca de uma orienta-
ção (CIC), ó r g ã o criado em 1938 para fis-
1 ção para a q u e s t ã o imigratória brasilei-
calizar e selecionar os imigrantes, a Re-
ra. A autora considera que:
vista de Imigração e Colonização foi
lançada para ser, inicialmente, um peri- A t r a v é s de artigos cientificamente' re-

ódico com quatro volumes anuais. Entre digidos e assinados por autoridades

1950 e 1952, todavia, saíram somente médicas, diplomáticas, bacharéis em

dois volumes anuais e, a p ó s um interva- direito, s o c i ó l o g o s e educadores, a re-

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 5 3 - 7 0 . j u l / d e z 1987 - pau. 33


A C E

vista defendeu nos anos de 1940 a ma- o aproveitamento das grandes corren-
n u t e n ç ã o de uma p o l í t i c a imigratória tes i m i g r a t ó r i a s e u r o p é i a s que se fa-
restritiva apoiada em c r i t é r i o s é t n i c o s , zem e s p e r a r no p e r í o d o do após-
3
p o l í t i c o s e morais. guerra.*

Durante o Estado Movo, a Reu/sta de / m i - A preocupação com esse novo imigrante


g r a ç ã o e Colonização foi porta-voz de um transparece em grande parte dos artigos
pensamento racista, legitimador da polí- da Reuista de Imigração e Colonização, cujo
tica discriminatória do governo Vargas em conteúdo nos permite reconstruir o per-
relação ao estrangeiro. Mo entanto, mes- fil do imigrante ideal e o conceito que lhe
mo com o início da chamada era conferido enquanto "elemento inde-
'redemocratizaçào' do país, em 1945, a sejável e estranho" à sociedade brasileira.
q u e s t ã o imigratória continuou a ser tra-
Os autores que contribuíam com esta pu-
tada pelos colaboradores da revista como
blicação eram, principalmente, médicos,
um problema nacional, persistindo o tom
psiquiatras, higienistas, jornalistas, juris-
de intolerância contra o estrangeiro, vis-
tas, educadores e diplomatas, muitos dos
to como um perigo que ameaçava a se-
quais j á escreviam sobre o assunto des-
gurança do país.
de a década de 1920, como é o caso dos
psiquiatras Antônio Xavier de Oliveira e
IMIGRANTE - BRAÇO E SANGUE
5
Antônio Carlos Pacheco e Silva. A maio-

C om o fim da Segunda Guerra


Mundial, as atenções das potên-
cias voltaram-se para a tarefa
de 'reconstrução' da Europa devastada e
ria desses intelectuais teve ligações d i -
retas com o Estado durante o governo de
Qetúlio Vargas, tendo assumido cargos
políticos ou propondo a ç õ e s que deveri-
para o problema dos refugiados de guer- am ser executadas pelo poder estatal.
ra, denominados displaced persons ou DPs. Mas páginas da Reu/sía de Imigração e
Mo Brasil, com a reabertura da imigra- Colonização, defendiam a entrada de imi-
ção pelo decreto-lei n. 7.967, de 18 de grantes desde que devidamente selecio-
setembro de 1 9 4 5 , 3
esperava-se um nados no tocante a suas qualidades físi-
grande a fluxo de imigrantes dada a situ- cas, mentais, profissionais e raciais.
a ç ã o de caos e miséria em que se en-
Mo artigo "Aspectos psicológicos na imi-
contrava o continente europeu. O Con-
gração após-guerra", publicado em junho
selho de Imigração e Colonização, repre-
de 1946 pelo psiquiatra Lira Cavalcanti,
sentante do posicionamento político do
encontramos idéias que foram recorren-
Ministério das Relações Exteriores, pre-
temente utilizadas pelos intelectuais co-
parou-se para orientar essa nova imigra-
laboradores da revista. Cavalcanti toma
ção procurando:
a imigraçáo como um problema que de-
... aparelhar eficientemente o p a í s para veria ser solucionado através "da verifi-

p á g . 5 4 . Jul/dez 1997
R V O

cação biotipológica do imigrante e de rece como sendo de extrema importân-


suas qualidades eugênicas" para que se cia a q u e s t ã o do potencial reprodutor do
pudesse evitar a entrada de indivíduos imigrante. Fala-se em braços para a la-
"inaptos física e mentalmente". A preo- voura e a i n d ú s t r i a , mas t a m b é m em
cupação imediata era com a possível che- "sangue novo' ou 'plasma de reprodução',
gada dos chamados "egressos de guer- acreditando-se que os imigrantes viriam
ra", vistos como "psicopatas incubados". "aduzir sangue novo à nossa etnia", como
Afirma que necessitamos de braços e téc- afirmou Fernando Mibielli de Carvalho
nicos e não de ociosos e aproveitadores, no a r t i g o " I m i g r a ç ã o : u m p r o b l e m a
7

nem tampouco de "raças estanques", que nacional".

não se misturam. Para dar crédito a suas A metáfora do sangue acompanhou a po-
conclusões, Cavalcanti utiliza dados es- lítica nacionalista brasileira nos anos de
t a t í s t i c o s r e c o l h i d o s pelo professor 1930. Era preciso controlar a circulação
Pacheco e Silva, no hospital de Juqueri, desse fluxo s a n g ü í n e o representado pelo
entre 1921 e 1942, demonstrando que a imigrante portador do ' s a n g u e - s ê m e n ' ,
maioria dos criminosos e alienados era princípio da vida, mas t a m b é m do 'san-
6
constituída de refugiados de guerra. g u e - d o e n ç a ' , princípio da d e s t r u i ç ã o e
8

De forma geral os artigos seguem este morte. A continuidade desse pensamen-


raciocínio, estipulando qual seria o imi- to no período p ó s - g u e r r a deixa clara a
grante desejável e o indesejável, quais importância conferida ao sangue como
os perigos provenientes de uma imigra- símbolo formador da nacionalidade.
ção descontrolada e quais as possíveis A idéia de r e p r o d u ç ã o vinha atrelada à
s o l u ç õ e s . O apelo à chamada 'ciência c o n d i ç ã o de ' e l e m e n t o de f o r m a ç ã o
moderna' é constante, especialmente nos e u g ê n i c a ' , ou seja, seriam bem-vindos
artigos escritos por médicos, e as medi- aqueles que pudessem colaborar de for-
das eugênicas s ã o evocadas como a gran- ma positiva para a configuração racial do
de saída para o aperfeiçoamento da po-
homem brasileiro. O fator raça era uma
pulação.
prioridade, seguido do fator econômico,
e n t ã o secundário. Antônio Xavier de Oli-
O imigrante ideal, considerado impres-
veira alertava:
cindível para o progresso do país, conti-
nuava sendo, como na década de 1930, Tfenha-se o imigrante, em primeiro lu-
o agricultor, o técnico e o operário quali- gar, comp um plasma de reprodução,

ficado. O que importava, em um primei- como um elemento de formação

ro momento, era a sua capacidade em eugênica do nosso povo, visando-se


desempenhar funções ou transmitir co- integrá-lo em nosso cruzamento raci-
nhecimentos que atendessem aos inte- al, de modo a torná-lo um fator 100%
resses do país adotivo. Ho entanto, apa- positivo na constituição de cada M . H I -

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 33-70. J u l / d e i 1997 - p á g . 5 3


A C E

onalidade americana, e depois, secun- que era tomado como dever patriótico na
dariamente, como um fator e c o n ô m i - intenção de salvaguardar a nacionalida-
9
co a p r e c i á v e l . (grifo meu). de. Segundo o dr. Antônio Viana, no arti-

Assim, os critérios de seleção do imigran- go "O imigrante solteiro em face à políti-


te se pautavam na sua capacidade de tra- ca biológica", de março de 1946,
balho e assimilação, bem como no seu para a melhoria dos rebanhos é exigi-
potencial reprodutivo, considerado pelos do, como garantia, o pedigree dos
médicos como o mais importante. reprodutores e com muito mais direito

Constatamos, através do discurso oficial e mais racional e humano seria, tam-

contido na Revista de Imigração e Colo- b é m , o solicitar, indiretamente, atra-

nização, um processo de d e s u m a n i z a ç ã o v é s de um severo « x a m e m é d i c o , para

do imigrante, tratado como um objeto, o imigrante solteiro — falando em nos-

um elemento portador de características so favor toda essa vasta t r a g é d i a que

que podem ou não interessar ao país re- representa o tenebroso c a p í t u l o da

ceptor. Esta d e s u m a n i z a ç ã o torna-se evi- heredopatologia humana, a l é m de um

dente quando percebemos os termos aci- dever patriótico de orientarmos e res-

onados constantemente para designar o guardarmos o destino de nossa nacio-

imigrante: alienígena; bom ou mau ele- nalidade, sabendo-se que somos um


1 4

mento; desejável ou Indesejável; povo em f o r m a ç ã o . (grifo meu).

reprodutor; entre outros de sentido mais


Esse pedigree seria determinado, segun-
ou menos pejorativo que abordaremos a
do as s u g e s t õ e s , através de rigorosa se-
seguir. O critério de avaliação do imigran-
leção médica, de acordo com os p a d r õ e s
te é sempre utilitário, possibilitando a sua
estipulados pela ciência e u g ê n i c a . Pre-
classificação de acordo com "distinções
tendia-se, desta forma, evitar a entrada
funcionais', seguindo as d e t e r m i n a ç õ e s
10
de imigrantes portadores de deficiências
de uma política de s a ú d e .
físicas, mentais e morais, explícitas ou
O imigrante, segundo os autores da re- ocultas nos gens.
vista, serviria para "encher os e s p a ç o s
A medicina como e s t r a t é g i a biopolítica
vazios"" e cultivar os campos, mas tam-
aparece com evidência nesses textos, re-
b é m contribuiria para a formação étni-
velando o que Foucault chamou de "so-
ca brasileira, favorecendo o
cialização do corpo" como forma de con-
12
"embranquecimento da raça", ou até a
trole da sociedade sobre os indivíduos.
13
formação de uma "nova raça", uma vez
O corpo investido pelo poder e controla-
que o brasileiro continuava sendo, na
do por uma meticulosa disciplina exercida
opinião de muitos, um povo em formação.
pelo Estado através dos médicos e psi-
Considerava-se n e c e s s á r i o , e n t ã o , exa- quiatras. Mas sociedades industriais a
minar o "pedigree dos reprodutores", o a g l o m e r a ç ã o urbana trouxe à tona a

p á g . 5 6 . Jul/dez 1997
V o

necessidade de o r d e n a ç ã o da população população pobre, composta em grande


e à biopolítica coube orientar este pro- parte por imigrantes, mas sim a neces-
cesso, cuidando do "corpo social", asse- sidade de s e l e ç ã o de um contingente
gurando a c r i a ç ã o ou m a n u t e n ç ã o de imigratório positivo, concedendo-se vis-
uma homogeneidade positiva. 15
tos apenas aos chamados bons elemen-
tos: "Deve ser escolhido o europeu de
Neste sentido, o imigrante apenas inte-
raça branca. Homens m o ç o s , solteiros ou
ressava quando vinha compactuar com a
18

criação de uma identidade nacional, to- casados".

mando parte na construção do futuro tra- Apesar de muitos colaboradores da re-


balhador brasileiro, e não como elemen- vista defenderem que não se tratava de
16
to de d e s a g r e g a ç ã o e discórdia. um problema racial, mas sim médico, ou
Os imigrantes também eram seja, o que importava não era a raça do
responsabilizados pela p r o p a g a ç ã o de imigrante, mas o seu estado físico e men-
doenças contagiosas como a tuberculo- tal, ainda se condenava, como nos anos
se, o tracoma e a lepra. 17
Mão se mencio- de 1930 e início dos anos de 1940, a imi-
nava a falta de assistência sofrida pela gração de judeus e japoneses, conside-

fnmeira leva d e imigrantes Italianos i n t r o d u z i d a pela C i a . Brasileira d e C o l o n i z a ç á o e I m i g r a ç ã o ,


chegada pelo v a p o r Salta e m 15 d e setembro d e 1951 e destinada a o N ú c l e o d e Colonização d e
e m
Pedrlnhas, Assis. Boletim do Departamento de Imigração e Colonizaçáo, São Paulo, n . 6, dez. d e

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. S3-70. j u l / d e z 1997 - p á g . 5 7


A C E

rados como elementos inassimiláveis e para a lavoura. O imigrante seria dispen-


perigosos para a s e g u r a n ç a nacional. sável uma vez que o país teria seu pró-
Dava-se preferência aos imigrantes de prio suprimento de m ã o - d e - o b r a . Segun-
origem latina: portugueses, italianos e do J o ã o Maurício Muniz de Aragão,
e s p a n h ó i s , por serem vistos como os
se deveria praticar uma p o l í t i c a dife-
mais p r ó x i m o s culturalmente, além de
rente da i m i g r a t ó r i a , a qual teria como
mais assimiláveis. Recusava-se o negro
responsabilidade p r e c í p u a e funda-
e, muitas vezes, o a l e m ã o .
mental fomentar a natalidade (...),

O decreto-lei n. 7.967, ao restabelecer pois no Brasil de cada mil c r i a n ç a s nas-

oficialmente a imigração, trouxe de volta cidas vivas, mais de duzentas morrem


o regime de cotas para a imigração es- antes do primeiro ano de vida. 21

1 9
pontânea, proibindo a entrada de me-
A q u e s t ã o da assimilação do imigrante
nores de 14 anos desacompanhados, in-
continuava sendo uma preocupação cons-
digentes ou vagabundos, doentes, indi-
tante e deveria ser promovida pelo Esta-
víduos nocivos à s e g u r a n ç a nacional, es-
do. De acordo com o relatório do dele-
trangeiros anteriormente expulsos, con-
gado especializado de estrangeiros em
denados etc. Do ponto de vista legal n ã o
São Paulo, publicado em 1945,
se discriminava explicitamente raças ou
etnias, mas dava-se preferência ao por- O emigrante inassimilado, o imigran-

t u g u ê s e à imigração dirigida. Mo entan- te que deliberadamente se isola do

to, a discriminação estava presente nos meio que o recebeu, é um mau elemen-

artigos publicados pela Revista de Imi- to com o qual nunca poderemos contar
gração e Colonização. como filho adotivo da terra que o aco-

lheu. Mão p a s s a r á de um a d v e n t í c i o (...).


Os e s t e r e ó t i p o s elaborados desde o final
do s é c u l o XIX, baseados nos autores Daí a necessidade imperiosa em que

racialistas franceses e retomados no iní- se acham os governos verdadeiramen-

cio deste século, acrescidos das máximas te p a t r i ó t i c o s em n ã o medir s a c r i f í c i o ,

da eugenia, continuavam em ação na d é - no sentido de ser uma realidade a as-

cada de 1940 e início dos anos de 1950, s i m i l a ç ã o do elemento a l i e n í g e n a . 2 2

estigmatizando os imigrantes e os trans-


Era indesejável o imigrante que vinha
formando em seres inanimados, passíveis
apenas para se enriquecer e que depois
de qualquer tipo de manipulação, sele-
20
retornava ao seu p a í s . Considerava-se
ção, classificação e a b s o r ç ã o .
n e c e s s á r i o que ele criasse raízes, con-
Alguns autores chegaram a ser contrári- tribuindo para a formação do povo bra-
os a qualquer tipo de imigração, acredi- sileiro, esquecendo tudo o que fosse ex-
tando que o incentivo à natalidade seria terior e sendo absorvido pela sociedade
a melhor forma de produção de 'braços' adotiva.

p á g . 3 8 . j u l / d e z 1997
R V O

A temível i n a s s i m i l a ç ã o , segundo este ízo da terra acolhedora s ã o , pois, cen-


mesmo relatório, era apresentada como tros de a t r a ç ã o para os imigrantes re-
fonte geradora de "nefastos quistos ét- cém-vindos". 25

nicos" entendidos como "agrupamentos


A m e t á f o r a do corpo é u t i l i z a d a por
de elevado n ú m e r o de nacionais da mes-
Ricardo para expressar a necessidade da
ma origem em determinado ponto do ter-
integração não apenas racial, mas tam-
ritório"."
bém psicológica nas formas de ser e de
Esse pensamento não era novo. Intelec- sentir, para que se pudesse desenvolver
tuais como Alberto Torres j á haviam, no o 'espírito coletivo':
início do século, debatido essas idéias,
Ao lado do bom funcionamento do or-
considerando o imigrante, quando n ã o
ganismo, para o qual se exige um cer-
assimilado, como um agente de
to grau de i n t e g r a ç ã o de seus compo-
desnacionalização. Também Oliveira
nentes, h á que considerar t a m b é m o
Viana alertara para o perigo dos "quistos
2 bom f u n c i o n a m e n t o da c u l t u r a do
raciais". * O que chama a a t e n ç ã o é a
povo, sendo este um f e n ô m e n o s ó c i o -
permanência do discurso.
p s i c o l ó g i c o cujo grau de intensidade
y \ f ^ a n t o o a l e m ã o quanto o japo- não tem símile na história da
nês e o judeu eram os elemen- evolução.
tos mais visados, sendo apon-
tados como perigosos à s e g u r a n ç a naci- Inês Barreto Correia d'Araújo aborda a
onal por serem 'inassimiláveis', postura q u e s t ã o da escola como sendo um dos
preconceituosa que vinha sendo alimen- meios de controle do imigrante, com con-
tada desde d é c a d a s anteriores. Durante dições de impedir a formação de quistos
a Segunda Querra, essa postura tornou- raciais. O Estado deveria auxiliar a assi-
se mais forte, sem entretanto desapare- milação do imigrante através da educa-
cer após cessado o conflito mundial. ção para "filiar o alienígena à s tradições
do país "e fazer do imigrante um cida-
As associações de imigrantes eram vis-
dão "cuja prole se integra no verdadeiro
tas com desconfiança por incentivarem a
espírito nacional".
preservação da cultura natal. Aristides
Ricardo, no artigo "Assimilação do estran- Para Correia d'Araújo, primeiramente de-
geiro", de maio de 1946, afirmava que veria ser ensinada a nova língua ao imi-
nem sempre ao 'caldeamento étnico' grante e promovido o ensino da história
corresponde o 'caldeamento psicológico', e da geografia; em segundo lugar, de-
e a raça não influiria nesse aspecto, mas senvolver no imigrante o 'espírito de as-
sim o fato dos imigrantes se isolarem em sociação' com o elemento nacional; por
'nódulos'. Para Ricardo, "esses n ú c l e o s último, o imigrante deveria ser prepara-
de idealização da terra natal com preju- do para a naturalização, que é vista como

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 53-70. Jul/dez 1997 - pág.59


A C E

renúncia e conversão. O governo brasi- servado à chamada escumalha da guer-


leiro deveria seguir, neste aspecto, o ra, 33
ou seja, aos refugiados da Segunda
26
exemplo dos Estados Unidos. A 'conver- Guerra Mundial que estavam abandonan-
s ã o ' final, patrocinada pelo Estado, seria do a Europa em busca de uma vida me-
como uma verdadeira remissão dos 'er- lhor, impulsionados pela miséria e as per-
ros' do passado estrangeiro. 3
s e g u i ç õ e s . * Esses refugiados eram

O mito do Brasil como paraíso racial man- apontados pelas m i s s õ e s d i p l o m á t i c a s

teve-se nos artigos publicados pela Re- brasileiras como um perigo iminente, se-

vista de Imigração e Colonização que, em res nefastos, indesejáveis, neuróticos de

v á r i a s passagens, referiam-se ao p a í s guerra, parasitas humanos, imprestáveis

como sendo: um laboratório racial," uma etc. Munindo-se de um vocabulário rico

democracia étnica,211
e até mesmo uma em adjetivos preconceituosos, os auto-

babel étnica. 29
negando o preconceito de res n ã o ocultavam suas opiniões recor-

raça apresentavam o Brasil como u m p a í s rendo aos exemplos do passado — mar-

to/erante, 30
apesar de se continuar i n - cado pelo trauma da vivência da Primei-

vestindo no elemento branco como ga- ra Querra Mundial — como experiência a

rantia para uma política imigratória bem ser evitada. Deusdedit Arauújo declara-

orientada. Segundo Jaime Poggi, va:

entre n ó s o p r e c o n c e i t o de r a ç a é ... devemos nos lembrar de que as

atenuado e, por isso mesmo, uma bem guerras se acompanham n ã o s ó de epi-

orientada p o l í t i c a i m i g r a t ó r i a e o cru- demias ... mas t a m b é m de uma multi-

zamento do elemento branco com os dão de estigmatizadores (sic) e

descendentes africanos ou j á m e s t i ç o s enfermiços. É a corte dos

d e t e r m i n a r á que o branqueamento se comocionados e neurosados da guer-


3 5

f a ç a (...)." ra ....

Mão se admitia a existência do precon- Era preciso evitar a r e p e t i ç ã o do que


c e i t o , mas mantinha-se o desejo do ocorreu a p ó s a Primeira Querra Mundial,
embranquecimento, através do processo quando, segundo Araújo, a "Liga das Na-
de miscigenação oficialmente orientado. ções chegou a nos mandar uma legião
Para Poggi, os negros e mulatos eram de apátridas indesejáveis sobrados dos
36
"sub-raças fracas e doentes". A "prover- campos de c o n c e n t r a ç ã o " .
bial hospitalidade" brasileira, mencio-
O mesmo autor conclui que certos políti-
nada pelo conselheiro do CIC, J o s é de
cos europeus viam o Brasil "como um
32
Oliveira Marques, servia nesses artigos
escoadouro para os poor whtte trash e
como um mero apelo retórico articulado
outros parasitas humanos que aqui vêem
para ocultar a discriminação.
inferiorizar a raça e explorar o homem",
O ataque maior, no entanto, estava re- numa clara alusão aos imigrantes judeus,

p á g . 6 0 . Jul/dez 1997
R V O

acusados de se dedicarem exclusivamen- exames neuropsiquiátricos nos candida-


te a atividades mercantis. tos à imigração persiste em vários arti-
gos assinados por Antônio Xavier de Oli-
Lira Cavalcanti, como vimos no início,
veira, Lira Cavalcanti, Antônio Viana e
apelava para os exemplos da psiquiatria
Antônio Carlos Pacheco e Silva, entre ou-
para justificar sua posição contrária aos
tros. Aliás esta posição j á havia sido de-
refugiados. Insensível ao drama daque-
fendida anteriormente por Antônio Xavier
les que haviam vivido o inferno do III Reich
de Oliveira, quando do debate sobre a
e sobrevivido ao holocausto planejado
emenda Miguel Couto para as
pelo Estado nazista, Cavalcanti se refe-
reformulações pretendidas na Constitui-
ria a eles como se fossem "doentes dis-
ção de 1934, momento em que se mos-
farçados" e, como tais, indivíduos "física
trou um dos mais exaltados defensores
e mentalmente imprestáveis" para a Amé- 39
da campanha a n t i n i p ô n i c a . Segundo
rica Latina:
Antônio Xavier de Oliveira, se não t o m á s -
S e r ã o i n d i v í d u o s quase que expulsos semos uma providência imediata, estarí-
de suas p á t r i a s , como na guerra pas- amos recebendo
sada se verificou, p a í s e s que impeli-
com c â n d i d a bondade e r e s p o n s á v e l
ram todos os seus filhos i m p r e s t á v e i s
i n o c ê n c i a e s p é c i m e s degenerados de
física e mentalmente para a A m é r i c a
r a ç a s i n d e s e j á v e i s , velhos e c r i a n ç a s
Latina, ó t i m o campo para esses doen-
i n ú t e i s para o trabalho produtivo, e
3 7
tes disfarçados.
tudo isso c o m a cumplicidade de um

A s causas da loucura são atri-


buídas aos problemas da guer-
ra ou à inferioridade do imi-
grante, mas nunca ao trauma da imigra-
governo de homens cultos e patriotas,

mas que, embora estadistas, desco-

nhecem as conquistas da c i ê n c i a mo-

'derna e n ã o ouvem os conselhos dos

ção, à discriminação vivenciada na Euro- seus cultores maiores. Se assim n ã o

pa e à s dificuldades de i n t e g r a ç ã o na fora, certo que n ã o c o n t i n u a r í a m o s a

sociedade brasileira. A estreita relação receber os rebutalhos humanos, a es-

entre a psiquiatria e conceitos como he- c ó r i a de raças miseráveis, proxenetas

reditariedade, degenerescência, eugenia, de todas as p r o c e d ê n c i a s , para incor-

demonstrada por Foucault, perpassa todo porar à n o s s a n a c i o n a l i d a d e , n u m

o discurso desses m é d i c o s brasileiros, atentado, num crime de lesa-pátria,

que pretendiam assumir um papel de van- que n ã o afeta s ó o Brasil, mas tam-
0

guarda na construção do homem do fu- b é m , (...), a toda a América.* (grifo

turo, livre de imperfeições e totalmente meu).


38
controlado pela 'ciência'.
A missão do médico era considerada pa-
0 aconselhamento para que se fizessem triótica, pois, baseado na 'ciência moder-

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, p p . 33-70. Jul/dez 1997 - p á g . 6 1


A C E

na', que lhe conferia autoridade, estaria da entrada de "elementos indesejáveis"


preservando não s ó o Brasil, mas toda a caracterizados como a "escória da huma-
América da 'invasão' de alienígenas. nidade". Esses indivíduos eram represen-
tados c o m o tarados, perturbados,
Este discurso inflamado revela o
neurosados e a t é "psicopatas incubados",
inconformismo com a legislação conside-
cheios de complexos. A solução, no en-
rada pouco rigorosa, e uma
tanto, dependia dos milagres da 'ciência
agressividade incontida em relação aos
moderna' que, por sua vez, vinha atrela-
imigrantes, apontados como causadores
da à necessidade de se criar, numa pri-
de imensos males e, a t é mesmo, respon-
meira instância, um grupo médico cons-
sáveis por todas as d e s g r a ç a s do país.
ciente da urgência de se adotar uma po-
Exageros a parte, esse texto é uma exem-
lítica imigratória preventiva e higiênica.
plar amostra da mentalidade racista que
Lira Cavalcanti considerava
permanecia nas p á g i n a s da Revista de
necessária a criação de uma consciên-
Imigração e Colonização.
cia médica e higiênica entre os nossos
Os médicos psiquiatras colaboradores da homens públicos, é necessário valori-
revista viam com terror a possibilidade zar tanto o brasileiro nato como
incrementar em grande escala a imi-
gração de elementos sadios, realizar
uma triagem rigorosa entre os
ádvenas, tanto adultos como crianças,
sem distinção de nacionalidade, uma
seleção perfeita, principalmente quan-
to às suas características
neuropsíquicas, uma seleção de modo
a náo permitir que se integrem e per-
maneçam no meio gregário brasileiro,
indivíduos tarados, perturbados e
exaustos pela guerra, neurosados e
psicopatas incubados, cheios de com-
plexos, desajustados, enfim, imigran-
tes que náo servem porque vêm em
lugar de nos ajudar, vêm como peso

morto.*' (grifo meu).


Imigrante s u b s i d i a d o p e l o C o m i t ê Mas o papel salvacionista n ã o cabia ape-
Internacional para as M i g r a ç õ e s E u r o p é i a s
ICIME) e e m p r e g a d o em I n d ú s t r i a n o Brasil. nas aos m é d i c o s e a o s p o l í t i c o s . Ao
M i g r a t i o n s Internationales. Le role des
pedagogo t a m b é m era atribuído um pa-
mouvements mlgratolres dans le monde
contemporaln, G e n e b r a , v. 1, n . 1, 1963. pel importante, segundo Deusdedit Ara-

p á g . 6 2 . j u l / d e z 1997
R V O

ujo." A ele cabia a o r i e n t a ç ã o da assi- Também Emílio Willems, em seu artigo "O
milação do imigrante, contribuindo, des- problema da imigração japonesa", data-
ta forma, para a construção de um Bra- do de 1946, denuncia o preconceito e o
sil maduro, civilizado e que, assistido por r a c i s m o e x p l i c i t a d o s na campanha
técnicos de todos os campos do conheci- a n t i n i p ô n i c a , b e m c o m o o m i t o da
4 6
mento, teria condições de se assemelhar i n a s s i m i b i l i d a d e de algumas r a ç a s .
aos Estados Unidos, considerado como "a Willems denuncia a atitude de alguns
mais bela civilização do mundo", publicistas que, utilizando argumentos
"amálgama de r a ç a s " , 43
e que, por sua falsamente científicos, predispõem a opi-
vez, possuía uma política imigratória bas- nião pública contra a "imigração amare-
tante restritiva. la". Afirma que esses autores s ã o segui-
Raramente encontram-se na Revista de dores de Qobineau ou Lapouge, acusan-
Imigração e Colonização posições contrá- do-os de racismo dissimulado. O objeti-
rias a este discurso intransigente sobre vo de Willems é salvaguardar a respon-
o imigrante. Uma exceção é o artigo de sabilidade da antropologia e diferenciar
Francisco de Assis Chateaubriand, que os posicionamentos científicos daqueles
defendendo a livre i m i g r a ç ã o alertava marcados pelo racismo.
para o absurdo do preconceito em rela- Estas opiniões divergentes achavam-se
ção aos a l e m ã e s e japoneses: cercadas e enfraquecidas pelo discurso
Nós pagamos o mesquinho resgate da autoritário e intolerante disfarçado sob
nossa condição de terra atrasada, que a forma da moderna ciência. Pacheco Sil-
vive a levantar todo dia fantasmas com va chegou a sugerir medidas e u g ê n i c a s
as colônias estrangeiras que labutam como a esterilização em massa dos maus
conosco. Até contra nossos irmãos elementos e o exame pré-nupcial obri-
portugueses já investiu o nosso boçal gatório, pois, como médico que era, con-
jacobinismo. 44
siderava como "(...) falsa c o m p r e e n s ã o
Assis Chateubriand, jornalista polêmico, da liberdade permitir que se perpetuas-
dono dos Diários Associados, manteve sem estirpes degeneradas (...)"."
relações dúbias com o governo Vargas e A Alemanha nazista j á adotara medidas
declarava-se simpatizante do fascismo, com esse caráter e no Brasil dos anos
além de ter sido acusado de atitudes de 1930 e 1940 não foram poucos os de-
anti-semitas nos anos de 1930. Apesar 45
fensores desta política repressiva, esta-
de defender neste texto de 1945 uma po- belecendo prescrições e u g ê n i c a s que, no
48

sição de tolerância, permitiu, ao mesmo entanto, nunca foram oficializadas.


tempo, a p u b l i c a ç ã o de vários artigos Napoleão Lopes, em "Colônias para os es-
preconceituosos em seus jornais. Artigos trangeiros que ingressarem irregular-
estes que depois foram reproduzidos pela mente no território brasileiro", em 1946,
Revista de Imigração e Colonização. considerou necessária a criação de colô-

J a n e l r o . v. 10, n ° 2. pp. 5 S - 7 0 . Jul/dez 1997 - pág.63


A C E

nias administradas pelo governo federal (...) de m o n g o l ó l d e s a s s i m i l á v e i s (sic)

para os deslocados de guerra, cujo sis- bastam ao Brasil os cinco m i l h õ e s que

tema de funcionamento e o r g a n i z a ç ã o s o m o s , os nortistas, n o r d e s t i n o s e

deveria ser um "misto de comunismo e p l a n a l t i n o s de Minas, Bahia, Mato

fascismo — o comunismo oferecendo a Grosso e G o i á s , sem falar nos a u t ó c t o -

sua essência colonizadora e o fascismo nes do Sul e da A m a z ô n i a , aos quais

as suas faculdades policiais e penitenci- estes quatro s é c u l o s de c i v i l i z a ç ã o pas-


49
árias". saram indiferentes a sua inferioridade

s o m á t i c a patenteada numa decadên-


Assim, os refugiados seriam mantidos
cia i n c o n t e s t á v e l que marcha para a
sob vigilância em verdadeiras colônias
e x t i n ç ã o talvez n ã o m u i t o r e m o t a ,
penais ou talvez campos de concentração.
oriunda do meio insalubre a que n ã o
lio discurso oficial do pós-guerra temos p o d e r ã o vencer sem a c i ê n c i a e sem o
a p e r m a n ê n c i a de uma retórica naciona-
governo. Ainda b e m , porque n ã o é
lista impregnada de conceitos fundamen-
p o s s í v e l um povo forte ser c o n s t i t u í d o
tados na ciência eugênica, que
de homens fracos, nem, tampouco, fa-
condicionava o desenvolvimento étnico e
zer uma grande n a ç ã o com um povo
c i v i l i z a t ó r i o do p a í s a uma p o l í t i c a 50
c o n s t i t u í d o de doentes. (grifo meu).
imigratória em defesa do branqueamen-
to da raça. Com raras exceções, as opi- A política i m i g r a t ó r i a transformou-se,
niões emitidas através da Revista de Imi- portanto, em garantia para um futuro
gração e Colonização, a p ó s 1945, vinham promissor. O Brasil deveria se posicionar
ainda impregnadas de idéias racistas de- como avesso ao 'estranho' buscando a
fendidas pelo nazi-fascismo. A n t ô n i o homogeneidade racial que, por sua vez,
Xavier de Oliveira, em dezembro de 1946, sustentaria a n a ç ã o que se formava. A
não ocultava suas posições anti-semitas ciência atrelada ao Estado seria a res-
e antinipônicas, indiferente à s notícias so- ponsável pela criação do futuro Brasil,
bre crimes nazistas que, nesse ano, j á livre dos entraves representados pelos
eram manchetes na grande imprensa na- 'maus elementos' que vinham de fora,
cional e internacional, nesta é p o c a , o mas t a m b é m pela p e r m a n ê n c i a de uma
mundo inteiro ainda estava sob o impac- população nativa fraca e doente. A solu-
to da divulgação do que o III Reich arti- ção era a seleção eugênica e racial dos
culara, acobertado pela ciência moder- imigrantes e o abandono das p o p u l a ç õ e s
na, em prol de uma raça pura. Para Xavier carentes a sua própria sorte, levando-as
de Oliveira, à extinção. 51

o Brasil n ã o deve ser a terra prometida Para que possamos compreender esse
de Israel nem S ã o Paulo e a A m a z ô n i a posicionamento intransigente e, poderí-
a N a n c h ú r i a do futuro. amos dizer, antiético, devemos nos re-

p á g . 6 4 , jul/dez 1997
R V O

meter aos princípios da eugenia e como vam a simplificações para facilitar a com-
ela é ainda hoje exaltada no sentido de p r e e n s ã o dos leitores. Chegou-se a com-
trazer a felicidade futura e criar um mun- parar o imigrante a uma m á q u i n a e o
do sem d o e n ç a s ou imperfeições, nitida- processo imigratório ao processo de in-
mente, e s t á caracterizada a ânsia pelo d u s t r i a l i z a ç ã o , dependente sempre de
controle do devir histórico e a crença na planejamento. Segundo Valentim Bouças,
possibilidade de uma p o p u l a ç ã o gover- a interrupção do fluxo imigratório trans-
nada pela ciência. Os avanços da genéti- formaria o Brasil em "uma indústria que
ca t ê m mantido a atualidade dessas não renova suas m á q u i n a s . Estas enve-
questões." lhecem, os custos aumentam, os desper-
55
dícios crescem". Bouças referia-se ao
A REVISTA DE IMIGRAÇÃO E imigrante de maneira muito técnica, mas
COLONIZAÇÃO NOS ANOS DE 1950 encarava-o t a m b é m , retomando a m e t á -
fora do corpo, como sangue novo, impor-
a d é c a d a de 1950, e especial-
tante na formação do tipo étnico brasi-
mente no volume da Revista
leiro.
de Imigração e Colonização
publicado em 1 9 5 5 , a s s u m i u - s e um nos artigos publicados pela Revista de
posicionamento mais t é c n i c o visando, Imigração e Colonização na d é c a d a de
sobretudo, uma solução para o proble- 1950, persistia a p r e o c u p a ç ã o com a for-
ma da distribuição dos imigrantes no ter- m a ç ã o dos quistos raciais. Mo entanto, a
ritório nacional. Isto n ã o significou, no maioria dos autores ataca a teoria da
entanto, abandono das idéias inassimibilidade de algumas raças trans-
preconceituosas anteriormente utilizadas. ferindo a culpa da formação dos quistos
Continuou-se clamando, com mais inten- para a s i t u a ç ã o de isolamento em que
56
sidade, pela imigração de técnicos, agri- eram mantidos os imigrantes.
53
cultores e operários qualificados. O imi- A introdução de refugiados de guerra per-
grante pemaneceu sendo visto, pela manece como q u e s t ã o de s e g u r a n ç a na-
grande maioria dos autores, como bra- cional. Apesar de defendida por alguns,
ço, ou seja, como elemento de produção, que tentavam demonstrar o proveito que
independente de sua posição enquanto o Brasil poderia tirar destes imigrantes,
indivíduo. Alguns autores, como Antônio muitos pensavam como Antônio Vieira de
Vieira de Melo, chegaram a acrescentar Melo, que os chamava de "parasitas de
um cérebro a esse braço, mas desde que asfalto e das boites":
esse fosse um cérebro assimilado: " bra-
Mesmo a t r a v é s do crivo de uma comis-
ço qualificado e cérebro afim do nosso,
5
s ã o militar infiltraram-se entre os acei-
que aqui se irmane conosco". *
tos falsos t r a b a l h a d o r e s , que aqui

As metáforas, como sempre, se presta- aportaram ostensivamente mais dls-

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 5 3 - 7 0 . Jut/dez 1997 - pág.65


A C E

postos ao parasitismo do asfalto e das A 'DEMOCRACIA' INTRANSIGENTE


'boites', de todo alheios à luta porfia-
Y o discurso oficial enunciado
da no amanho da terra ou em qual-
através da Revista de Imigra-
quer outra forma á r d u a de c o n s t r u ç ã o
ção e Colonização, nos anos
da riqueza e do bem-estar."
de 1940 e 1950, os imigrantes foram
O conselheiro do CIC e autor do relatório
classificados por rótulos e de acordo com
sobre a imigração holandesa e italiana,
critérios preconceituosos. Sua história
publicado em 1952, J o s é Caracas, foi ain-
lhes foi negada, bem como sua identida-
da mais longe. Para ele os refugiados s ã o
de étnico-cultural e individualidade. Eram
nada menos do que o sempre vistos como um e s p é c i m e a ser
pior r e s í d u o humano que imaginar se selecionado, nos moldes do cientificismo
p o s s a . (...) deveríamos rejeitar in do século XIX.
limine quaisquer entendimentos nes-

ta questão tal é o grau de


A mensagem não era unívoca visto que

imprestabilidade desses elementos. É


diferentes opiniões circulavam pela re-

um rebutalho humano, sem profissão,


vista, mas a essência do discurso se con-

sem dignidade, sem capacidade, em


serva. O trinômio suspeita, vigilância, eli-

cujo seio figuram i n d i v í d u o s tarados,


minação, analisado por Tucci Carneiro em

propagandistas ocultos de ideologias


seu artigo "O discurso da intolerância:
61

r e a c i o n á r i a s e altamente perigosos ao
fontes para o estudo do racismo", está

nosso p a í s . "
presente nas linhas e entrelinhas deste
periódico, porta-voz do discurso oficial
A constituição da nacionalidade depen-
sobre a imigração. Levantava-se a sus-
dia, para a maioria dos colaboradores da
peita da entrada no país de 'elementos
revista, de uma rigorosa seleção, sendo
perniciosos', propunha-se a vigilância
que os indesejáveis continuavam sendo
constante por parte das m i s s õ e s diplo-
os mesmos, apesar de não encontrarmos
máticas e a 'eliminação' dos 'indesejá-
explicitamente r e f e r ê n c i a s ao perigo
veis', impedindo sua entrada através de
amarelo ou semita. Doentes, refugiados
uma rigorosa seleção ou promovendo seu
de guerra, n ã o católicos, comerciantes,
repatriamento através da a ç ã o repressi-
não deveriam fazer parte da "democra-
va da polícia política. Assim, as decisões
59
cia racial brasileira", nem mereciam a
deveriam reservar-se aos m é d i c o s e à s
nossa "hospitalidade cordial". A forma-
autoridades policiais, enquanto ao
ção do caráter nacional persistia como
pedagogo cabia a responsabilidade pela
forma para se justificar a discriminação
assimilação daquele que j á se encontra-
ao 'outro', expressando a posição do go-
va radicado no país.
verno brasileiro que demonstrava n ã o
60
saber conviver com as d i f e r e n ç a s . Esse discurso se prestou para legitimar

p á g . 6 6 . Jul/dez 1997
R V O

a práxis discriminatória em relação ao no Rio de Janeiro, a respeito de uma re-


imigrante, dificultando-se a entrada no portagem de J o s é Leal sobre a hospeda-
país de refugiados de guerra, que eram ria da ilha das Flores.
na sua maioria judeus e exilados políti-
J o s é Leal critica a falta de seleção rigo-
cos."
rosa dos imigrantes, denunciando que a
Cabe ressaltar que a Revista de Imigra- hospedaria estava repleta de inúteis, que
ção e Colonização circulava, principal- não eram agricultores nem técnicos, mas
mente, junto aos ó r g ã o s públicos e à s gente para a cidade, o que traria conse-
autoridades diretamente envolvidas com qüências funestas para o Brasil. Rubem
a questão imigratória e as á r e a s de co- Braga pede licença para discordar do
lonização do país. Ou seja, atingia, es- r e p ó r t e r e encaminha sua crônica em
pecificamente, grupos de decisão res- defesa desses imigrantes não
ponsáveis pela práxis de uma política especializados, de origens diversas, e
imigratória mais ou menos restritiva. que, se não correspondem ao tipo ideal
Sabe-se, todavia, que grande parte dos sonhado, "trazem pelo menos o
artigos deste periódico j á haviam sido patrimônio de sua inquietação e de seu
publicados pela grande imprensa de vá- apetite de vida".
rios estados, ficando claro que estas idéi-
as eram veiculadas junto à opinião públi- Suas últimas linhas podem ser lidas como

ca. Uma investigação sistemática a esse resposta à q u e l e s que pregavam uma po-

respeito com base nos ó r g ã o s da grande lítica i m i g r a t ó r i a restritiva e medidas

imprensa permitiria elucidar como essa eugênicas com o intento de salvaguar-

veiculação se dava. dar a n a ç ã o :

Sejamos humildes diante da pessoa


Vemos, portanto, que o período da cha-
humana: o grande h o m e m do Brasil
mada 'redemocratização' do Brasil, pro-
de a m a n h ã pode descender de um clan-
clamado muitas vezes como é p o c a de
destino que neste momento e s t á sal-
participação, m o d e r n i z a ç ã o , progresso,
tando assustado na p r a ç a Mauá, e n ã o
desenvolvimento, trazia, no discurso ofi-
sabe onde ir, nem o que fazer. Faça-
cial, o peso de um pensamento intransi-
mos uma política de i m i g r a ç ã o s á b i a ,
gente.
perfeita, materialista; mas deixemos

Mão obstante, vozes contrárias à intole- uma pequena margem aos inúteis e

rância se levantaram, mostrando-nos a aos vagabundos, à s aventureiras e aos

possibilidade da d i s s e n s ã o . neste senti- tontos porque dentro de algum deles,

do, lembremos da crônica "Imigração", como sorte grande da f a n t á s t i c a lote-

de Rubem Braga, escrita em janeiro de ria humana, pode vir a nossa reden-

1952 e publicada no Correio da Manhã ç ã o , a nossa g l ó r i a .

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 53-70, j u l / d e z 1997 - pág.67


A C E

N O T A S
1. Maria Luiza TUcci Carneiro, O anti-semitismo na era Vargas (1950-1945), 2*- ed. S ã o
Paulo, Brasiliense, 1995, p. 184.

2. Idem, ibidem, p. 151. ,

3. C o í e ç ã o das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, atos do Poder Executivo, v. (7),
out./dez. de 1945, pp. 378-390.

4. Revista de Imigração e Colonização (RIC), v. 1, mar. de 1945, p. 12. A revista s e r á a partir de


agora identificada nas notas pela sigla RIC.

5. A n t ô n i o Xavier de Oliveira e A n t ô n i o Carlos Pacheco e Silva foram deputados constituintes


e m 1934, tendo uma p a r t i c i p a ç ã o ativa na campanha a n t i n i p ô n i c a . Ver n a v i o V e n â n c i o
Luizetto, Os constituintes em face da imigração: estudo sobre o preconceito e a discrimina-
ç ã o racial e é t n i c a na Constituinte de 1934, d i s s e r t a ç ã o de mestrado apresentada ao Depar-
tamento de História da FFLCH-USP. 1975.
6. RIC, v. 2, j u n . de 1946, p. 243.
7. RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 57.

8. Alcir Lenharo, S a c r a í i z a ç á o da política. Campinas, Papirus/Editora da Unicamp, 1986, p.


112.

9. "Da profilaxia psicoracial da i m i g r a ç ã o para o continente americano", RIC, v. 4, dez. de 1946,


p. 710. O c o n t e ú d o deste artigo foi publicado novamente em 1948 na mesma revista, v. 4,
dez., pp. 3-28, sob o t í t u l o "Da i n c i d ê n c i a das psicoses nos estrangeiros no Brasil", com
pequenas a l t e r a ç õ e s .

10. Michel Foucault, estudando a p o l í t i c a de s a ú d e no s é c u l o XVIII, demonstra como foram to-


madas as primeiras medidas de "esquadrinhamento da p o p u l a ç ã o " , no momento em que a
d o e n ç a passa a ser considerada um problema p o l í t i c o - e c o n ô m i c o e o Estado assume a fun-
ç ã o de elevar o nível de s a ú d e do "corpo social". Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Qraal,
1995, pp. 194-196.

11. Fernando Mibielli de Carvalho, "Imigração: um problema nacional", RIC, v. 1, mar. de 1945, p.
59.

12. Jaime Poggi, "O papel do m é d i c o na r e a l i z a ç ã o do magno problema", RIC, v. 2, j u n . de 1946,


p. 160.

13. J . F. Mormano, " T e n d ê n c i a s brasileiras", RIC, v. 4, dez. de 1945, p. 490.


14. RIC, v. 1, mar. de 1946, p. 37.

15. Michel Foucault, op. cit.

16. Angela M. de Castro domes, "A c o n s t r u ç ã o do homem novo", em Estado tlovo - ideologia e
poder. Rio de Janeiro, Zahar, 1982.

17. "Debates na Academia nacional de Medicina sobre os problemas da i m i g r a ç ã o e tuberculo-


se", RIC, v. 2-3, mai./set. de 1945, pp. 316-318 e S e b a s t i ã o Hermeto J ú n i o r , "Valorização do
brasileiro e a i m i g r a ç ã o estrangeira", RIC, v. 3, set. de 1946, p. 491.
18. Jaime Poggi, RIC, v. 2, jun. de 1946, p. 165.
o
19. L o u r e n ç o Mário Prunes, "Aspectos do problema i m i g r a t ó r i o " , RIC, v. 2, 2 sem., 1950, pp.
214-215.

20. Todorov {tios e os outros: a r e f l e x ã o francesa sobre a diversidade humana, v. 1, Rio de


Janeiro, Zahar, 1993), sintetiza as teorias racialistas que vigoraram durante o s é c u l o XIX e
que segundo Lilia Schwarcz foram incorporadas por intelectuais brasileiros. Ver Lilia Moritz
Schwarcz, O espetáculo das raças: cientistas, i n s t i t u i ç õ e s e q u e s t ã o racial no Brasil - 1870-
1930, S ã o Paulo, Companhia das Letras, 1993. A Sociedade E u g ê n i c a de S ã o Paulo foi
fundada em 1917 Dor Renato Khel e o Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia se realizou
em 1929 no Rio de Janeiro. Ver Flávio V e n â n c i o Luizetto, op. cit.
21. "Puericultura e I m i g r a ç ã o " , RIC, v. 1, mar. de 1946, p. 140.
22. RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 198.
23. RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 198.

p á g . 6 8 . Jul/dez 1997
R V O

24. Maria Luiza Tucci Carneiro, op. cit.

25. RIC, v. 2, jun. de 1946, p. 270.


26. "A e d u c a ç ã o do imigrante", RIC, v. 3, set. de 1946, p. 303.

27. Fernando Mibielli de Carvalho, op. cit., p. 63.


28. Joaquim Pimenta, " S i t u a ç ã o j u r í d i c a do trabalhador a l i e n í g e n a no direito brasileiro", RIC, v.
4, dez. de 1945, p. 426.
29. Deusdedit Araújo, " I m i g r a ç ã o e eugenia", RIC, v. 1, mar. de 1946, p. 102.

30. M. Paulo Filho, "A nova i m i g r a ç ã o " , RIC, v. 3, set. de 1946, p. 498.

31. RIC, v. 2, jun. de 1946, p. 160.


32. "Bases para um plano de c o l o n i z a ç ã o " , RIC, v. 1, mar. de 1946, p. 130.
33. Relatório do delegado especializado de estrangeiros de S ã o Paulo encaminhado ao s e c r e t á -
rio de S e g u r a n ç a Pública, RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 197.

34. A esse respeito ver, de Maria Luiza TUcci Carneiro, o c a t á l o g o da e x p o s i ç ã o Brasil, um refúgio
nos trópicos, S ã o Paulo, E s t a ç ã o Liberdade, 1996. Ver t a m b é m , da mesma autora, O anti-
semitismo na era Vargas, op. cit., p. 343.

35. Deusdedit Araújo, op. cit., p. 109.

36. Idem, ibidem.


37. RIC, v. 2, jun. de 1946, p. 240.

38. Michel Foucault, op. cit.


39. Flávio V e n â n c i o Luizetto, op. cit.

40. RIC, v. 4, dez. de 1946, p. 706.


41. RIC, v. 2, j u n . de 1946, p. 240.

42. RIC, v. 1, mar. de 1946, p. 110.


43. Colares J ú n i o r , "A r e v o l u ç ã o da Norte-América", RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 190.

44. Francisco de Assis Chateaubriand, " C o l o n i z a ç ã o g e r m â n i c a " , RIC, v. 4, dez. de 1945, p. 471.
45. Fernando Morais, Chato: o rei do Brasil, S ã o Paulo, Cia. das Letras, 1994.

46. RIC, v. 2, Jun. de 1946, p. 276.

47. A n t ô n i o Carlos Pacheco e Silva, "Medicina e higiene", RIC, v. 2, Jun. de 1946, p. 275.

48. Alcir Lenharo, op. cit., p. 79.


49. RIC, v. 4, dez. de 1946, p. 732.

50. RIC, v. 4, dez. de 1946, p. 703.

51. E importante salientar que Xavier de Oliveira havia se dedicado ao estudo do sertanejo na
obra Beatos e cangaceiros: h i s t ó r i a real. O b s e r v a ç ã o pessoal e i m p r e s s õ e s p s i c o l ó g i c a s de
alguns dos mais c é l e b r e s . Rio de Janeiro, Revista dos Tribunais, 1920.

52. Para se ter uma i d é i a desta atualidade, ver o artigo de Osvaldo Frota-Pessoa "Raça e eugenia",
em Lilia Moritz Schwarcz e Renato da Silva Queiroz (orgs.). Raça e diversidade, S ã o Paulo,
EDUSP/Estação C i ê n c i a , 1996, pp. 29-45. Segundo Frota-Pessoa, a solidariedade e o anta-
gonismo t ê m bases g e n é t i c a s "É natural, portanto, que sejamos nepotistas, bairristas
corporativistas, patriotas e x e n ó f o b o s " (p. 32). Para esse autor, a t r a v é s de medidas e u g ê n i c a s
como a s e l e ç ã o artificial chegaremos a um mundo melhor, mas para isto é n e c e s s á r i o esperar
a c o n s o l i d a ç ã o dos regimes d e m o c r á t i c o s e maiores a v a n ç o s da g e n é t i c a para que n á o haja
d i s t o r ç õ e s p o l í t i c a s no emprego dessas medidas (p. 42).

53. "A i m i g r a ç ã o no Brasil", RIC, Mova Fase, 1955, p. 11.


o
54. "Imigração e s p o n t â n e a e i m i g r a ç ã o dirigida", RIC, v. 1, I sem., 1951.
o
55. Valentim F. B o u ç a s , " I m i g r a ç ã o n á o é despesa, é capital", RIC, v. 2, 2 sem., 1950, p. 258.
o
56. Alberto Querreiro Ramos, "Imigração e mortalidade Infantil", RIC, v. 1, I sem., 1950, p. 140.

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 53-70, J u l / d e i 1997 - p á g . 6 9


o
57. RIC, v. 1, I sem., 1950, p. 151.

58. J o s é Caracas, RIC, v. 1, 1952, pp. 73-74.


o
59. " I m i g r a ç ã o Japonesa", editorial da Folha Carioca, RIC, v. 1, I sem., 1952, p. 168.
60. Maria Luiza Tucci Carneiro, " R e p ú b l i c a , identidade nacional e anti-semitismo". Revista de
História, n°*. 129-131, ago./dez. de 1993 a ago./dez. de 1994, p. 156.
61. M. do Carmo Sampaio Di Creddo (coord.), fontes históricas: abordagens e m é t o d o s , Assis,
UNESP, 1996, pp. 21-32.
62. Leonardo Senkman, "La p o l í t i c a inmigratoria dei primer peronismo respecto de los refugia-
dos de ia postguerra: una perspectiva comparada con Brasil, 1945-1954", em B. Qurevich e
C. Escude (orgs.), El genocídio ante la historia y la naturaleza humana, Buenos Aires,
Universidad Torcuato Di Telia/Grupo Editor Latinoamericano, 1994, pp. 263-298.

A B S T R A C T
This article analizes the regulation of immigration in Brazil.

In this way, the Immigration and Colonization Magazine (Revista de Imigração e Colonização),

published between 1940 and 1955 by the Immigration and Colonization Council, was one of the

official channels of publishing the procedures related to the entrance of immigrants. Therefore.

the immigrants are firstly selected by their physical, professional and racial qualities.

However, in the 1950s, the Immigration and Colonization Magazine took up a more technical

position respecting the problem of the distribution of immigrants in the national territory.

R É S U M É
Cet article a pour but analyser le controle de I' immigration au Brésil.

Dans ce contexte, la R é v u e d' Immigration et Colonisation (Revista de Imigração e Colonização),

p u b l i é e entre 1940 et 1955, par le Conseil d' Immigration et Colonisation, a é t é un des canaux

officiels de divulgation des directrices relatives à I' e n t r é e des immigrants. Alnsi, d' abord lis sont

s é l e c t l o n n é s par ses q u a l i t é s fisiques, professionnelles et raciques.

Cependant, à la d é c a d e de 1950, la R é v u e d' Immigration et Colonisation a a s s u m é e une position

plus technique par rapport à le p r o b l è m e de la distribution des immigrants dans le territoire

national.
Gladys Sabina Ribeiro
Professora do Departamento de História da UFP.

"Immigos IVIascarados c o m o
T í t u l o de C i d a d ã o s
A vigilância e o controle soore os portugueses no
R i o de J a n e i r o <rlo P r i m e i r o R e i n a d o

M:
esmo com toda a admi- Brasil' para confeccionarem listas
ração que d. J o ã o tinha semelhantes, observando todos os es-
.pela arte e pela cultu- trangeiros que entrassem nos portos,
ra que os estrangeiros pudessem vindos de e m b a r c a ç õ e s nacionais ou
trazer para a Colônia, em 1808 esse so- estrangeiras. Pedia-se-lhes para compa-
berano ordenou ao conselheiro Paulo recerem à polícia com a finalidade de
Perraz Viana, ouvidor-geral do crime da apresentarem declarações de onde pre-
Relação, através do conde de Linhares, tendiam morar e quem eram as 'pessoas
ministro e secretário de Estado dos ne- portuguesas que conheciam'. Essas or-
gócios da Querra e Estrangeiros, que fi- dens foram cumpridas com urbanidade e
zesse um alistamento de todos os estran- delicadeza, pois o príncipe regente havia
geiros residentes na Corte. Deveria con- recomendado que os estrangeiros fossem
ter nome, emprego e nação a que per- 'tratados com bondade'.
tenciam. Tal e s c r i t u r a ç ã o foi feita por Embora se valorizasse a p r e s e n ç a dos
Micolau Viegas Proença e enviada para estrangeiros, todo cuidado era pouco. A
aquele ministério no final do m ê s de mar- cidade estava recebendo a Corte e tor-
ço. Assim que a Intendência de Polícia foi nava-se a capital do Império p o r t u g u ê s .
criada, remeteu-se ordem a todos os A s e g u r a n ç a era fundamental. Entretan-
'ouvidores das comarcas dos estados do to, não cabia magoar aqueles que tinham

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 71-96, j u l / d e z 1997 - p á g . 7 1


A C E

escoltado os portugueses da Europa à e s a í d a s . ' Portanto, vigiar os imigrantes,


distante América. Nem mesmo outros es- mesmo discretamente, sempre foi tare-
trangeiros que quisessem contribuir para fa das autoridades policiais, em conso-
o engrandecimento da capital, até e n t ã o nância com as ordens governamentais.
com ares acabrunhados e que agora co- Mas, acontecimentos externos à América
m e ç a v a m a usufruir dos benefícios co- portuguesa reavivaram as p r e o c u p a ç õ e s
nhecidos na Europa. reais e as providências com relação aos
Um pouco mais tarde, em 1818, houve estrangeiros. Em 24 de agosto de 1820,
uma nova matrícula geral de estrangei- iniciou-se a Regeneração Portuguesa na
ros. For essa ocasião, deu-se aos matri- cidade do Porto. A 17 de outubro do mes-
culados um atestado com o qual poderi- mo ano, chegaram ao Rio de Janeiro as
am circular livremente pelos domínios de primeiras notícias sobre a revolução; e a
Sua Majestade. Além disso, mensalmen- 28 do mesmo m ê s entrou no porto o bri-
te, fazia-se um mapa dos que entravam gue mercante Providência com novidades
2
e s a í a m , totalizando quantos existiam. mais concretas. O 'Povo e a Tropa' sau-
Contudo, como muitos ausentavam-se daram as idéias de liberdade que amea-
sem passaportes e as ordens de apre- çavam o absolutismo p o r t u g u ê s sediado
s e n t a ç ã o na polícia eram descumpridas, no Brasil; elas eram encaradas como
a I n t e n d ê n c i a deixou de executar este franco e aberto desafio ao rei.
serviço. Continuava, entrementes, a re- Portanto, com tantas a m e a ç a s liberais,
alizar as costumeiras visitas a bordo, não se estranha que a a t e n ç ã o e o zelo
cuidando da inspeção geral das entradas dispensados aos estrangeiros tivessem

E m b a r q u e d a f a m í l i a real p o r t u g u e s a para o Brasil em 27 de n o v e m b r o d e 1807. G r a v u r a a t r a ç o d e F.


Bartolozzi a partir d o d e s e n h o de H. L E v e q u e . A r q u i v o N a c i o n a l .

p á g . 7 2 , jul/dez 1997
R V O

sido renovados com o decreto de 2 de ponsabilizariam pela informação e vera-


3
dezembro de 1820, que regulou as en- cidade dos documentos. Para os desem-
tradas na Corte. Deste modo, consolida- barcados fora do porto do Rio de Janei-
ram-se em forma de lei as medidas prá- ro, as medidas seriam semelhantes.
ticas de 1808 e 1818, tomadas com o de-
Assim, pretendia-se controlar a má in-
vido cuidado para não ofender os ilus-
fluência, vinda especialmente de portos
tres visitantes.
europeus, dos portugueses ou de regi-
Doravante, mestres e comandantes de
õ e s afetadas pelas idéias francesas de
embarcações declinariam nomes, empre-
liberdade. Evitavam-se os exemplos pe-
gos e o c u p a ç õ e s dos passageiros que
ninsulares de Portugal e Espanha. Tenta-
trouxessem a bordo. Caso omitissem ou
va-se t a m b é m controlar a clandestinida-
mentissem, se denunciados, pagariam
de e a população imigrante.
multa de 100$000 réis por cada passa-
geiro, sendo a metade para o denunci- Entretanto, apesar de esta lei continuar
ante e a outra parte para a Intendência. vigorando a p ó s a Independência, o peri-
Para desembarcar, todos os adventícios go representado pelo estrangeiro era ou-
teriam que ter passaporte. A lei cuidava tro; não mais as idéias liberais. A preo-
o
em alertar que de I de junho em diante cupação passou a ser especificamente os
as medidas recrudesceriam. Quem vies- 'portugueses'. Através do decreto de 14
se para o Brasil deveria ter o passaporte de janeiro de 1823, o governo estipulou
passado por embaixador p o r t u g u ê s ou princípios para a entrada e estabeleci-
ministro encarregado dos Negócios de mento dos lusos no Brasil. Náo era pos-
Portugal. Quem desobedecesse a norma sível continuar com a "arriscada admis-
legal não poderia desembarcar ou resi- são franca dos súditos de Portugal em um
dir em qualquer parte do Reino, a n á o país com o qual aquele Reino se acha em
ser com portaria assinada por algum mi- guerra". Era preciso acautelar-se das
nistro e secretário do rei. O infrator se- causas de desassossego e d i s c ó r d i a ,
ria multado t a m b é m no valor de 100$000 mantendo a honra e a dignidade. Daque-
réis, como os comandantes e mestres das la data em diante, o súdito português que
embarcações. As exceções ficariam por quisesse residir temporariamente aqui
conta dos militares e das pessoas em deveria prestar fiança i d ô n e a do seu
missão política, obrigadas a trazerem comportamento diante do juiz territorial.
algum tipo de despacho. De igual manei- Seria reputado súdito do Império enquan-
ra, seriam dispensados das formalidades to aqui ficasse, sem que, contudo, go-
de visita e a p r e s e n t a ç ã o de passaporte zasse foros de cidadão brasileiro. Além
os que já viessem com portaria assinada disso, se viesse para se estabelecer 'pa-
por ministro de Estado ou s e c r e t á r i o . cificamente', a fim de ser considerado c i -
Mesmo assim, os comandantes se res- d a d ã o brasileiro, teria por o b r i g a ç ã o

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2, pp. 71-96, jul/dez 1997 - pág.73


6
apresentar-se à Câmara e "prestar sole- Macau. Embora somente um deles te-
ne juramento à causa do Brasil e ao im- nha se declarado negociante e outro fun-
perador". 4
cionário público, é bem possível que na
7
sua maioria fossem negociantes.
Fruto deste decreto, encontramos os 'ter-
mos de a d e s ã o ' de alguns portugueses O decreto mencionado foi suspenso por
na Câmara. lio geral, eram bastante se- outro datado de 20.11.1823, acompanha-
melhantes. Seu formato era o seguinte: do pela portaria de 3.1.1824 e por um
ofício de 8.1.1824, do intendente da po-
Aos (data) nesta Corte do Bra-
lícia à Câmara da cidade do Rio de Ja-
sil em os P a ç o s do limo. Senado em
n e i r o , c o m c ó p i a s para as vilas de
auto de V e r e a ç ã o que fazendo e s t a r ã o
ltaguaí, Pati do Alferes, São J o ã o do Prín-
o d e s e m b a r g a d o r juiz presidente e
cipe, Macacú, Resende, Praia Grande e
mais oficiais do limo. Senado aí apa-
Cabo Frio.
receu presente (fulano) natu-

ral de (lugar de Portugal) vin- O primeiro decreto julgava "incompatíveis


do proximamente de (tal lugar) com a segurança interna" do Império as
estabelecer-se (na Corte, por exem- medidas de janeiro de 1823 e suspendia,
plo) onde j á reside h á (tantos temporariamente, as condições para que
anos ou desde tal data) e pelo alguém fosse considerado súdito, dele-
desembargador juiz presidente lhe foi gando à Assembléia Qeral tal tarefa. A
deferido o juramento dos Santos Evan- alegação era a de "manter segura a tran-
gelhos prometendo guardar fidelida- qüilidade dos povos", que podia ser "per-
de e a d e s ã o à causa do I m p é r i o sujei- turbada com a afluência de inimigos mas-
8
tando em tudo e por tudo as leis do carados com o título de c i d a d ã o s " .
p a í s como c i d a d ã o dele e obedecendo
Já a portaria e o ofício pediam a remes-
no seu imperador e por constar fez este
sa das listas de estrangeiros que tives-
5
termo. Assinaturas:
sem atendido ao decreto de 14.1.1823 e
Estes termos foram encontrados em to- feito os devidos juramentos. Chegando
dos os meses do ano de 1823 até janeiro depois de 20 de novembro e n ã o os ten-
de 1824. A maioria dos lusitanos vinha do feito, deveriam apresentar-se para o
da cidade do Porto, seguida daqueles que cumprimento de suas obrigações e "para
partiam de Lisboa e de outros que j á re- se proceder na mesma maneira". Tam-
sidiam no país, e que se deslocavam da bém aqueles que não tivessem respeita-
Bahia e de Pernambuco para o Rio de Ja- do o primeiro decreto deveriam ser de-
neiro, m u d a n ç a provocada pelas perse- nunciados. Outra portaria, de 10.1.1824,
guições frontais e sanguinolentas que so- complementava a datada de 3 do mesmo
friam por lá. Havia ainda os provenien- mês, pedindo ao intendente que fizesse
tes das ilhas atlânticas, de Angola e de as mesmas diligências com os presos e

p á g . 74, j u l / d e z 1997
R V O

com os que chegassem em navios de d o c u m e n t a ç ã o dos termos de a d e s ã o ' ,


guerra. 9
encontramos os juramentos de Félix J o s é
dos Santos, J o s é Doro, Hipólito J o s é
Com base nesses diplomas, o intendente
Ferreira, J o s é Muniz, Domingos J o s é Lei-
publicou um anúncio no Diário do Rio de
te, Domingos Rodrigues Lima e Joaquim
Janeiro convocando os portugueses que
Tavares Macedo, entre outros. Todos en-
nâo cumpriram a legislação de 14.1.1823
tre 1 7 e 2 1 de janeiro de
e os que chegaram depois de 20.11.1823
1824." As datas
a comparecerem à sua presença, no pra-
extrapolavam, em mui-
zo de t r ê s dias, para anotar nomes e
to, os avisos e porta-
e n d e r e ç o s . Deveriam sair do I m p é r i o
rias do final de 1823
imediatamente. O prestativo policial, en-
e dos p r i m e i r o s
tão, elaborou várias listas com prisionei-
dias de j a n e i r o
ros apreendidos nas sumacas São José
de 1824.
Triunfante (ou do Triunfo) e Três Amigos.

no navio Leaí Português, nos brigues Vis- Finalmente, em


conde de São Lourenço, Triunfo da Inve- 24.3.1824, a ques-
ja, Paquete, Baiana, galera Diana, na es- tão da cidadania por-
cuna Boa Esperança, e outras embarca- tuguesa foi parcial-
ções. Muitos deles tinham feito escalas mente resolvida com a
na Bahia e em Pernambuco e foram apri- outorga da Constitui-
o o
sionados pela esquadra imperial. ção. O seu artigo 6 , parágrafo 4 , con-
siderava cidadão brasileiro
É evidente que estas medidas provoca-
todos os nascidos em Portugal e suas
ram r e a ç õ e s e alguns problemas, n ã o
p o s s e s s õ e s , que sendo j á residentes
sendo claras sobre o que fazer com os
no Brasil na é p o c a em que se procla-
desembarcados depois de 20.11.1823, a
mou a i n d e p e n d ê n c i a nas províncias,
Câmara continuou aceitando o juramen-
onde habitavam, aderiram a esta, ex-
to de portugueses. Em aviso de 5.2.1824,
pressa ou tacitamente, pela continua-
João Severiano Maciel da Costa, na oca-
1 2
ç ã o da sua residência.
sião ministro de Estado dos negócios do
Império, alertou para esta prática do Se- Apesar da Lei Magna naturalizar todos os
nado da Câmara: ainda em 1824 aceita- que aqui se encontravam na época da In-
va juramentos como o do p o r t u g u ê s J o ã o dependência e que nâo se tivessem ma-
Batista Moreira, vindo do Porto. Isto co- nifestado contra o Brasil, j á que poderi-
locaria, segundo pensava, o Império em am aderir à nacionalidade 'expressa ou
apuros: o descuido poderia custar a se- tacitamente', as autoridades continuaram
10
gurança interna. Esse, é claro, não foi exigindo o juramento ou suspeitando de
um caso isolado. Juntamente com ele, na todos os que fossem portugueses. 'Ser

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 71-96, jul/dez 1997 - pág.75


A C E

p o r t u g u ê s ' era uma construção política e nos fins de 1823, o espírito republicano
por isto poder-se-ia expulsar pessoas ressurgira nessas províncias, embalado
consideradas inimigas, ou se exigir para pelos anseios federativos. A dissolução
elas a lei, ou seja, o passaporte. Foram da Constituinte, a 12 de novembro de
estes, por exemplo, os casos de Antônio 1823, revelava os ímpetos absolutistas de
Brás, preso em Campos e remetido para d. Pedro I, fazendo uma e s p é c i e de 18
a Corte a fim de ser "mandado para fora Brumário. As Câmaras de Olinda e de Re-
3
do Brasil como vadio e suspeito";' o do cife negaram s a n ç ã o ao ato imperial e
negociante J o s é Henrique da Silva, pre- enviaram moção receando "o
mido a ausentar-se no prazo de oito dias, restabelecimento do antigo e sempre de-
"pelas circunstâncias de ser súdito portu- testável despotismo". 18

g u ê s , e como tal desafeto à causa do na verdade, a 'agitação' em Pernambuco


Brasil", e que pediu o prazo de seis me- não cessara desde os tempos do
14
ses para concluir n e g ó c i o s ; de Paulo A r e ó p a g o de I t a m b é , 1 9
passando pelo
Jordan, J o s é Vaz de Oliveira, Teotônio movimento revolucionário de 1817 e pe-
Simião, Antônio Francisco Munes, que las confusões políticas de a d e s ã o ou não
presos na sumaca Três Amigos tiveram o ao Rio de Janeiro, na época da Indepen-
prazo de sessenta dias para irem para dência. Ainda em abril do ano de 1823,
portos europeus e, por último, de Acácio Cipriano J o s é Barata de Almeida iniciou
Joaquim Correia, que pediu passaporte a publicação do Sentinela da Liberdade,
5
para Buenos Aires.'
em Recife, considerado por muitos como
Concretamente, o que atemorizava as preparador indireto da futura Confede-
autoridades? Temia-se que os estrangei- ração do Equador, n ã o foi por acaso que,
ros aqui estabelecidos agissem contra a logo dissolvida a Assembléia Constituin-
causa do Brasil'. Vigiava-se igualmente te no Rio de Janeiro, aquele que havia
para que os adventícios não trouxessem sido deputado baiano à s Cortes de Lis-
idéias de liberdade contrárias à Indepen- boa foi preso e recolhido à fortaleza do
dência, 10
visando a recolonizaçáo, a frag- Brum, onde permaneceu a t é 1830. Es-
m e n t a ç ã o do território ou a instalação do tando Barata no catre, um discípulo seu
regime republicano, ria verdade, os 'ne- e participante de 1817, frei Caneca, con-
gócios políticos' seriam o motivo do pâ- tinuou divulgando i d é i a s republicanas
nico. O alerta se fazia contra aqueles que através do jornal Tífis Republicano, sur-
viessem de Portugal, com a "nova ordem gido a 25 de dezembro daquele mesmo
das coisas" que imperava por lá, ou con- ano. Sem entrar numa análise detalhada
tra os que viessem do nordeste do país, dos acontecimentos, cumpre registrar
de regiões como a Bahia e Pernambuco, que, a 2 de julho, Manuel de Carvalho
t a m b é m conhecidas pelo apreço aos ide- proclamou a Confederação do Equador.
17
ais revolucionários. Portanto, mal d. Pedro conseguira debe-

p á g . 76. jul/dez 1997


H V O

lar as chamadas guerras da Independên- gente j á circulavam no país. O pruden-


cia' no Morte e nordeste, a situação era te Estevão Ribeiro de Resende aconse-
novamente crítica. O 'medo político' era in- lhava a confecção de um plano secreto
terno e externo. Uma conspiração política ao ministro da Justiça: deveriam 'ex-
interna poderia sagrar os princípios repu- pulsar' alguém de confiança e mandar
blicanos no nordeste do país e estender essa pessoa para o Prata, como espião.
suas teias ao Sul, além de a m e a ç a r a uni- Ali ela poderia descobrir os planos de
20
dade. Os que aportavam de fora do país Portugal a respeito do Brasil. Segundo
poderiam conspirar contra o governo. Em desconfiava, os lusos usavam uma base
janeiro de 1824, o correio era violado. Do- na América espanhola para espalhar
mingos da Silva Pimentel havia chegado do idéias republicanas, enviando homens
Porto no dia 18. Foi considerado suspeito ao território brasileiro, em especial à
pela polícia: teria um 'nome suposto' e se Bahia e Pernambuco, focos do
corresponderia com J o ã o Maria da Costa, aliciamento.
proscrito da Ilha da Madeira, de onde ha- Dessa m a n e i r a , na c o n c e p ç ã o do
21
via assinado termo de não mais lá voltar. intendente, recolonizaçáo e
Ambos foram expulsos do Império com republicanismo estranhamente se uni-
passaporte para Buenos Aires. riam. Para ele, a República seria uma
forma de desestabilizar o sistema faci-
Meses depois, era de Buenos Aires que
litando o ingresso de tropas portugue-
partia a suspeita. A Corte recebia com bas-
sas, que estariam sendo compradas a
tante freqüência passageiros da capital
peso de ouro. Tentar-se-ia, através do
portenha e igualmente deportava muita
estratagema da espionagem, desbara-
gente para lá. no m ê s de junho, desem-
tar os planos portugueses de
barcaram os negociantes portugueses J o ã o
reescravizaçáo e incitamento à rebelião
Francisco, J o ã o R o b e r t o neves, J o s é
das províncias brasileiras "com a lição
Vitorino e Manuel Rodrigues Flores, che- 22
demagógica de Repúblicas". Diante do
gados de Lisboa. Os primeiros, no brigue
fechamento da Assembléia, as idéias l i -
dinamarquês Cecília; o último, no brigue
berais começavam a ser perigosas e a
inglês Bell. Mal chegaram à terra, foram
autoridade do imperador questionada.
mandados para a Argentina. Sobre eles
Há muito tempo o movimento popular
pesava a suspeição de virem espalhar idéi-
estava nas ruas, em Recife e Olinda. A
as republicanas no solo brasileiro, mor-
Confederação estourou pouco depois,
mente visando as províncias de
mas n ã o por planos portugueses. As
Pernambuco e da Bahia, onde desejavam
formas republicana e federativa n á o
formar um país republicano ao estilo dos
eram adequadas aos interesses do
Estados Unidos'.
sudeste brasileiro, muito menos a separa-
ção de parcela importante do território.
E claro que as notícias do nordeste insur-

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 71-96, Jul/dez 1997 - párj.77


A C E

Mão sabemos se os planos do denodado gociante, que diziam ser um 'atrevido


intendente foram levados a cabo, contu- jacobino'; e Carlos Alfadiner, desembar-
do, ainda em setembro daquele ano, o cado como súdito francês, mas que pa-
policial alarmava-se novamente, na sua recia ser p o r t u g u ê s de Mesão Frio. As-
correspondência com o ministro da Jus- sim, chamando para si a responsabilida-
tiça, queixava-se dos juizes criminais e de pela segurança pública, pedia ao côn-
dos ministros de bairro por não fornece- sul francês informações sobre a suposta
rem notícias circunstanciadas dos estran- nacionalidade de Alfadiner. Determinava
geiros que visitavam a bordo dos navios, para os demais o prazo de oito dias para
e sobre os quais tinham responsabilida- saírem do Império.
de de vigilância. Andava a t r á s dos seus
As medidas repressivas e de controle to-
agentes secretos 'a mendigar notícias'
madas contra os portugueses, nos finais
porque tinha em m ã o s formulários pre-
de 1823 e inícios de 1824, ainda causa-
enchidos com inépcia e "má vontade'. ram dois outros tipos de problemas: o
Suplicava que naqueles dias de tantos primeiro era o dos que atenderam aos
perigos, quando mal o Império havia de- anúncios de se apresentarem à Intendên-
belado o perigo nordestino, o cia para obterem passaportes e, depois
desembargador Paulo de F i g u e i r o a disto, ou sumiram, ou simplesmente iam
Nabuco Araújo permanecesse em sua se deixando ficar em solo brasileiro, ale-
companhia, necessitava da sua ajuda. gando inclusive falta de m e i o s para
Para tal deveria ser dispensado dos ser- retornarem a Portugal. Pouco adiantava
viços da Casa de Suplicaçáo: sua função marcar prazos de s a í d a . 23
Para estes, o
seria vasculhar navios e perscrutar as governo começou a exigir uma espécie
notícias que trouxessem, "para se toma- de declaração de intenções. Responderi-
rem prontas medidas não s ó contra os am sobre os motivos da vinda para o Bra-
inimigos externos, como os inimigos das sil, quais os meios de vida e subsistên-
províncias do norte". cia. 2 4
Outro problema dizia respeito
àqueles que vinham trabalhar e ganhar a
O medo do intendente justificava-se
vida, querendo inclusive se naturalizar.
frente à chegada da galera americana
O/eaner. Entre os passageiros vinham Trabalhar no Brasil era a meta de
J o s é Antônio Ferreira Braklami muitos portugueses. Depois da In-
"um dos membros nomeados d e p e n d ê n c i a , as autoridades
pelas cortes jacobínicas empregaram vários pri-
de Lisboa para o go- •Al sioneiros lusos, como
verno da Bahia"; foi o caso daqueles
Bernardo Ribeiro de aproveitados na Mari-
Carvalho Braga, ne- nha. 2 5
Além disso,

p á g . 78. J u l / d e z 1 997
K V O

também deixavam desembarcar todos os sinal de suspeição — importava muito, a


que explicitamente viessem trabalhar. As- ponto de provocar a expulsão ou impedir
sim, logo depois das medidas de janeiro o desembarque. Assim, o fundamental
de 1824, ainda no dia 8, o intendente seria d e i x á - l o s entrar, uma vez que a
pedia esclarecimentos do que fazer com maioria vinha trabalhar. A necessidade
os lusos chegados ainda meninos, sem básica era a de vigiar: vasculhar as suas
completarem 14 anos, "incapazes de vidas, controlá-los no cotidiano. Desta
prestarem juramento, e de ação, ou im- forma, assistimos nesta ocasião ao res-
putação", enviados por seus pais a ne- surgimento do decreto de 2.12.1820: as
gociantes da praça carioca. Qual foi o autoridades deveriam cobrar os passa-
resultado da consulta? Foram considera- portes dos estrangeiros que chegassem,
dos impúberes, não se lhes exigiu nada com o zelo da polícia, e, por outro lado,
e deixaram que ficassem e trabalhas- seriam concedidos esses documentos aos
sem... 26
que se dirigissem para o interior do Im-
pério. Os barcos seriam vistoriados. Foi
Por volta de meados do ano de 1824, a
este o sentido da longa história de con-
questão deixou de ser unicamente refe-
trole e do relato das primeiras matrícu-
rente ao controle sobre os lusitanos. A
las de estrangeiros, contados por Este-
Constituição tinha tentado estabelecer as
vão Ribeiro de Resende, no ano de 1824.
bases da cidadania, delimitando o papel
Por isso historiou as listas elaboradas
destes: eram cidadãos brasileiros do §4°
desde a época de d. J o ã o VI, em 1808 e
aqueles que houvessem aderido expres-
27
18 1 8 . Era preciso retomar o mesmo
sa ou tacitamente, pela continuação da
cuidado anterior, sem proibições de en-
sua residência no país, à "causa nacio-
tradas.
nal'. Por essa o c a s i ã o , era preciso ter
atenção a todos os estrangeiros, portan- Com os mesmos pretextos de 1820, jus-
to, esquecer um pouco dos que haviam tificava-se o aperto do controle geral so-
ou não jurado a Constituição por conta bre todas as nacionalidades. Estava em
dos decretos de 14.1.1823 e 20.11.1823, q u e s t ã o a s e g u r a n ç a miúda da cidade:
ou portaria de 3.1.1824. Contudo, náo se havia aumentado o número de roubos e
deveria descuidar dos amigos ou inimi- de vadios nos últimos tempos. Os estran-
gos, dos suspeitos ou não de amarem a geiros eram em maior n ú m e r o nas esta-
terra. tísticas e considerados os responsáveis
28
pelas altas cifras de criminalidade.
A partir de e n t ã o , ficou claramente defi-
nido quem eram os portugueses 'brasi- Foi desta maneira que, a partir da porta-
leiros'. Entretanto, era preciso vigiar to- ria de 23.6.1824, obrigou-se "a todos os
dos os estrangeiros, inclusive os portu- estrangeiros a munirem-se de cartas de
gueses adventícios. Ser estrangeiro' — seguro, firmadas pelos cônsules". Tais

Acervo, Rio e Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 7 1-96. Jul/dez, 1997 - pág.79


A C E

cartas eram fornecidas pela Intendência omisso, ou mal compreendido, ao menos


e corroboradas pela autoridade. Renovou- a princípio e no que tocasse ao bom en-
se a prática dos livros de escrituração de tendimento entre os estrangeiros e a
estrangeiros. Neles constavam a decla- nova terra de a d o ç ã o . 31

ração de rua, casa, estado civil, condi-


Para fiscalizar a entrada marítima, ofíci-
ção, destino ou emprego. Se mudassem
de residência ou de trabalho, teriam que os do intendente foram enviados ao ge-

comunicar à Intendência. Voltou-se a pe- neral de Armas da Corte, em 19.9.1824,

dir os passaportes dos que chegavam, e ao ministro encarregado das Visitas do

ainda nos navios, os quais eram entre- Mar, em 16.2.1827. O primeiro ordenava

gues aos c ô n s u l e s ou agentes das res- ao governador da fortaleza de

pectivas n a ç õ e s , para fazerem os devi- Villegaignon que nenhum passageiro, ofi-

dos assentamentos (os julgados conve- cial ou tripulação, desembarcasse sem a


nientes), e posteriormente devolvidos na visita da polícia a bordo. O segundo re-
Intendência. 29
forçava a necessidade das visitas antes
do desembarque e pedia a r e l a ç ã o de
Dois editais foram publicados e afixados
todos os indivíduos chegados, em todos
em locais públicos. O primeiro, datado
os tipos de e m b a r c a ç õ e s , classificando-
de 8 de agosto de 1824, estabelecia o
os segundo trouxessem ou n á o o passa-
comparecimento dos p r o p r i e t á r i o s de
porte ou algum outro título comprobatório
casas de aluguel, estalajadeiros,
32
da sua segurança e de cautela.
vendeiros e taberneiros à polícia, no pra-
zo de oito dias, para declararem as ca- Se por um lado, de 1824 em diante, o
sas que alugaram a estrangeiros. Decli- governo controlou mais a entrada de es-
nariam, na ocasião, suas profissões, de trangeiros, por outro t a m b é m facultou o
onde vieram, quando entraram, o n ú m e - desembarque daqueles que viessem tra-
ro e qualidade da família, nos termos dos balhar, apresentando as devidas garan-
parágrafos 8, 11 e 12 do alvará de 1760. tias. Há exemplos disso na documenta-
O segundo, dirigia-se aos próprios es- ção. Um deles é o caso de J e s u í n o Antô-
trangeiros. Alegando q u e s t ã o de seguran- nio Horta, que obteve autorização para
ça pessoal para os adventícios, deveri- trabalhar e residir em companhia de seu
am apresentar-se diante das autorida- tio, em Campos. Nessa missiva, o secre-
des, no prazo máximo de trinta dias, para tário encarregado dos Negócios da Jus-
declararem nome, naturalidade, empre- tiça esclarecia ao intendente ser esta a
30
go e destino. E para auxiliar na matrí- atitude que se devia respeitar com rela-
cula, foi nomeado Joaquim Luís Alves, ção a "quaisquer outros indivíduos que
com 300$000 réis anuais (30 mil réis aqui chegarem de Portugal", providenci-
mensais), para "servir de i n t é r p r e t e e ando as cautelas indicadas. Com exceção
tradutor de línguas". Nada poderia ser dos militares e dos empregados públicos. 33

p á g . 8 0 . Jul/dez 1997
K V O

Tamanho cuidado e a t e n ç ã o redobrada nhum português, ou qualquer outro es-


para com os estrangeiros podem ser ex- trangeiro, foi proibido de desembarcar,
pressos no número de registros de en- contanto que agisse de acordo com a lei.
tradas de imigrantes portugueses que De 1825 em diante se intensificaram as
pesquisamos. Para 1820 foram encontra- negociações de um tratado com Portugal
das três matrículas de portugueses na po- para o reconhecimento da Independên-
lícia, bem como para 1822. Em 1821, náo cia. É t a m b é m a partir desta data que
foi encontrado nenhum registro de che- encontramos respostas dadas pelo minis-
gada e legitimação de passaportes de in- tro da Justiça à s consultas feitas pelo
divíduo lusitano na d o c u m e n t a ç ã o . Pro- intendente da polícia, nelas havia a per-
vavelmente, essa escassez de dados de- missão para o desembarque de estran-
via-se a pouca prontidão com que se cum- geiros chegados sem passaportes,
pria a lei desde 1808, como nos infor- contanto que dessem as 'cautelas', ou
mou o intendente, e porque, apesar da seguros, e que, obviamente, não fossem
35

lei de 2 de dezembro de 1820 renovar a suspeitos.

exigência de p a s s a p o r t e e da sua
"Y ' ^ ncontramos algumas listas com
legitimação, a p r e o c u p a ç ã o com o seu
~~*^ a relação de passageiros entra-
cumprimento s ó se deu com a Indepen-
• dos no porto e apresentados na
dência e depois da resolução de ques-
Intendência. Essas listagens corroboram
tões imediatas relativas à organização do
a permissão de entrada para trabalhar,
Estado e à s divisões internas entre os que
bem como apresentam as profissões de-
participavam da política. claradas, que estão em consonância com
Para 1823 e 1824, os registros de entra- as profissões e idades anotadas no ma-
das de estrangeiros e a p r e s e n t a ç ã o de terial dos códices de a p r e s e n t a ç ã o de
passaportes também náo foram pródigos: passaportes e entrada de estrangeiros na
36 e 39, respectivamente. Esses foram polícia. Entre elas podemos constatar
anos em que algumas sérias a m e a ç a s se grandes intervalos de tempo e
fizeram presentes: n ã o se controlar a metodologias de anotação diferenciadas.
guerra civil no nordeste; a deflagração
Antes de prosseguirmos, analisando cro-
de uma outra guerra civil no Sul e no Su-
nologicamente as medidas de repressão,
deste, com a participação escrava, e, fi-
controle e/ou vigilância sobre os estran-
nalmente, o receio de uma guerra com
geiros, passemos os olhos nas relações
Portugal. Para os c o n t e m p o r â n e o s a In-
encontradas.
dependência era algo a ser construído...
A partir dessas datas os registros aumen- A lista de 1.1.1828 a 31.5.1829 apresen-
taram ou diminuíram t a m b é m de acordo tava 2.564 colonos, 704 diversos oficiais
com a circunstância política. 34
e empregados, 627 negociantes e empre-
Já vimos que desde o ano de 1824 ne- gados do comércio, 731 a l e m ã e s para a

acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 71-96. Jul/dez 1997 - p á g . 8 1


Tropa, 44 artistas, 45 meneiros (minei- biano e dois suecos, perfazendo um to-
37
ros?), 41 militares, 148 mulheres, 169 tal de 69 pessoas.
crianças, 818 viajantes de diversas ocu-
Fora esses, ainda acusava a existência
p a ç õ e s que seguiam para outro destino,
de 124 estrangeiros que apresentaram os
lio total eram 5.891 pessoas.
passaportes a bordo e n ã o haviam ido
O desembargador encarregado do expe- buscá-los na Intendência. Somados uns
diente de polícia fazia duas observações: e outros, o total era de 193 estrangei-
não podia somar os passageiros das em- ros. Havia t a m b é m 16 pessoas que Fize-
b a r c a ç õ e s de guerra e paquetes, por não ram escala e se retiraram do país, além
estarem sujeitos a visitas e, de onze que resolveram tirar o passa-
costumeiramente, não se apresentarem porte e ficar residindo aqui. A diminui-
à polícia; fora os 818 viajantes, os de- ção do n ú m e r o de imigrantes talvez se
mais se estabeleceriam no I m p é r i o . 36 devesse à s novas regras estabelecidas
Apesar de náo haver especificação de na- pela Regência. Mo início de 1831, o con-
cionalidades, exceto para os que integra- trole sobre os portugueses novamente se
riam a Tropa, parece que os n ú m e r o s estreitou. Da mesma forma, isto apare-
acima diziam respeito a indivíduos de ce refletido na documentação de
nacionalidade portuguesa. Chama aten- legitimação e a p r e s e n t a ç ã o de passapor-
ção o total daqueles lusos que vinham tes, em que vemos a cifra decrescer:
para o campo: 2.564; contrastavam com passou de 893, em 1829, e 638, em 1830,
os que provavelmente ficariam na cida- para 373, em 1831.
de: 1.778 (excetuou-se os a l e m ã e s e via-
Se a d i m i n u i ç ã o continuou no ano de
jantes e incluiu-se na soma o n ú m e r o de
1832, com as atitudes repressivas, igual-
mulheres e crianças). Entretanto, o nú-
mente as entradas aumentaram, paula-
mero geral de estrangeiros que ficavam
tinamente, quando as medidas não sur-
no e s p a ç o urbano n ã o se distanciava
tiram o efeito esperado e muitos clan-
muito daquele dos colonos: 2.509.
destinos chegaram ao país, apesar do re-

Já em 21 de junho de 1831, obedecendo gresso de d. Pedro a Portugal e das per-

aos cuidados da Regência, Antônio Pereira s e g u i ç õ e s aos portugueses.

Barreto Pedroso, desembargador encar- De 25 a 30 de abril de 1832, apareceram


regado do expediente da polícia, apre- os seguintes n ú m e r o s na relação de es-
sentou um extrato das a p r e s e n t a ç õ e s dos trangeiros apresentada ao governo: sete
estrangeiros. Dele constavam 14 france- franceses, sendo um com a família e duas
ses, seis ingleses, 35 portugueses s ó s , mulheres; três a l e m ã e s ; oito e s p a n h ó i s ;
quatro portugueses com família, quatro 35 portugueses, sendo um com a família
e s p a n h ó i s , um italiano s ó e um com fa- e duas mulheres; t r ê s ingleses; dois
mília, um americano do Morte, um colom- genoveses; um prussiano com a família

p á g . 82. j u l / d e z 1997
V o

e dois sardos. lia soma total, 65 estran- estrangeiros entrados no porto em 1831
geiros. Profissionalmente, eram empre- e 1832 (56,5% e 56,9%, respectivamen-
gados nas seguintes atividades: um m é - te). Eram acompanhados de longe por
dico, um advogado, um na milícia, 15 no franceses, ingleses e e s p a n h ó i s , que
comércio, 17 caixeiros, dois agentes, um guardavam nessas relações o mesmo tipo
estudante e dois em diferentes ofícios. 38
de percentual dos anos anteriores. Essa
característica manteve-se a t é pelo me-
Além desses, na relação constava ainda
nos 1834. Portanto, concluímos que, de
a observação de que 4-4 vinham 'forman-
1808 a 1834, entraram estrangeiros das
do'; havia um fabricante de vela, sete com
mesmas nacionalidades no porto do Rio
negócio de a r m a z é n s e tabernas, oito em
de Janeiro e a política de controle sobre
vários serviços como alugadores de ca-
eles mudava de acordo com o momento
valos, criados de servir e de padaria, e
político, fazendo-se sentir com maior
um vivendo de suas propriedades. So-
desvelo em relação aos portugueses.
mando todos, daria 61. A totalizaçáo de
65 se faria com a inclusão de quatro mu- A mudança de política a que nos referi-
lheres. mos, em 1824, visando o maior controle
Por listas semelhantes a esta, os portu- da entrada de estrangeiros, igualmente
gueses ainda constituíam a maioria dos pode ter tido como conseqüência o au-

Rua Direita, Rio de Janeiro. Litografia de Engelmann a partir de desenho de Rugendas.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 1. pp. 71-96. jul/dez 1997 - p á g . 8 3


A c

mento da clandestinidade e dos que de- preferido dos l i b e r t o s , 40


era fronteiriça
sembarcavam fugidos nos anos posteri- com o mar, fácil de desembarque nas
ores; isto porque teriam vindo matricu- suas muitas ilhotas, de onde os portu-
lados como tripulação. Chegando aqui, gueses em situação de ilegalidade podi-
escapavam da polícia e esgueiravam-se am alcançar a terra ou escapar em pe-
pelas estreitas ruas da cidade.' quenos botes para o interior da baía de
Guanabara. Além disso, contavam com a
Em 1826, Francisco Alberto Teixeira de
solidariedade dos comerciantes lusitanos
Aragão, e n t ã o intendente, via-se às vol-
do Valongo. Entre escravos, libertos e
tas com a recaptura de cinqüenta 'mari-
portugueses fujões, esta era uma região
nheiros' lusos, desembarcados da nau d.
que preocupava as autoridades e onde
João VI. Eles haviam fugido, abrigando-
rixas variadas aconteciam com freqüên-
se em casas de lusitanos nas ruas da
39 cia. A cidade, portanto, era igualmente
Vala, Prainha e Valongo. Matriculados
esconderijo para os imigrantes brancos
como marujos, tinham por intenção ficar
portugueses, que contavam com a soli-
no Brasil. O navio queria retornar a Por-
dariedade de seus patrícios.
tugal e n ã o tinha tripulação. Através do
Para ilustrar o que foi dito, um caso de
ministro da Justiça, foram muitas as ins-
fuga, semelhante a tantos outros encon-
tâncias do imperador para vigiar e pren-
trados na d o c u m e n t a ç ã o , aconteceu em
der estes homens. Mas, como fazer isto
1831; envolveu portugueses matriculados
justamente numa cidade habitada por
na galera portuguesa liouo Comerciante
tantos portugueses? C o m o pegar os
e outros indivíduos da mesma nacionali-
fujões?
dade sem passaporte. Era um total de vin-
Ma freguesia da Candelária ficava parte
te e três pessoas. O encarregado de Ne-
da rua da Vala e essa região abrigava a
gócios de Portugal defendia o desembar-
maior percentagem de filhos de Portugal.
que por ser "a maior parte oficiais de
Quem seria fugitivo e quem morador fixo?
artes mecânicas, que passam ao Brasil a
Difícil tarefa a da polícia, se tivesse que
viver da sua indústria, e muitos deles
vasculhar casa por casa. Além do mais, 41
moços de menor idade...". Vinham tra-
poderia contar com a revolta dos lusita-
balhar da mesma forma que aqueles
nos j á estabelecidos aqui, aqueles do pa-
o
meninos enviados pelos pais a comerci-
rágrafo 4 da Constituição. As confusões
antes da praça do Rio, em 1824, e aos
relacionadas à cidadania e à identidade
quais n ã o se podia cobrar juramento à
nacional perduraram ao menos a t é o fi-
'causa brasileira'. Na sua maioria, tam-
nal da Regência.
bém eram menores de idade. De acordo
Q u a n t o a Santa Rita, onde se l o - com a relação apresentada à polícia, 42

calizavam a Prainha e o Valongo, se é ver- havia seis pessoas na faixa de 10 a 14


dade que homiziava negros e era o local anos; nove, de 15 a 19; três, de 20 a 24;

p á g . 84 . j u l / d e z 1997
R V O

quatro, de 25 a 29; e um indivíduo com exacerbação de â n i m o s e de persegui-


30 anos. ç õ e s contra os lusitanos. O segundo é
relacionado à posição das autoridades a

§ e alguns vinham como colonos e


tentavam a vida no interior, como
aqueles do rol de 1828/29" e nos
casos encontrados nos códices de polí-
respeito da mão-de-obra portuguesa na
cidade. Em documentação tão pródiga em
cartas, ofícios e a t é mensagens secre-
tas, as responsabilidades dos comandan-
cia, outros chegavam com p r o f i s s õ e s
tes, não encontradas para o período an-
definidas, o que muitas vezes era mais
terior a 1831, têm significado claro: sa-
um indício de um trabalho 'arranjado' ou
biam do papel desses imigrantes e dos
'contratado'. Mo caso desses imigrantes
altos índices de clandestinidade, mas
chegados em 1831, havia 14 caixeiros,
essa força de trabalho era importante na
três marinheiros, dois tanoeiros, um
Corte, o que fazia com que as autorida-
copeiro, um criado de servir, um sapa-
des não dessem tanta importância à s for-
teiro e um alfaiate. Sem sombra de dúvi-
malidades legais... J á vimos que, para o
da, a profissão de caixeiro ocupava a
ingresso no Brasil depois de 1824, o go-
maior parte desses imigrantes. Pode-se
verno s ó exigia cautelas dos imigrantes
verificar isso tanto nesta lista como na-
e colocava como condição não serem ini-
quela apresentada pela polícia no ano de
migos ou suspeitos.
1832. Quanto à s suas origens, eram qua-
se todos do norte de Portugal." Assim, É nesse sentido que o episódio dos vinte

nessa listagem, de 1832, assinada pelo e três lusitanos, chegados a bordo da ga-

capitão da galera Cidade do Porto, con- lera novo Comerciante, assume impor-

firmam-se as t e n d ê n c i a s reveladas, na tância. Foram tratados com rigidez; os

documentação das legitimações de pas- seus casos serviriam de exemplo para

saporte e nas matrículas, quanto à faixa outros semelhantes. Pela primeira vez, e

de idade, tipo de trabalho, não raro ati- não seria a última, o encarregado de Me-

vidade j á contratada e procedência. gócios de Sua Majestade Fidelíssima de


Portugal agiu com presteza junto ao go-
Mas, se a lei mandava que os c a p i t ã e s verno imperial. Ma mesma data da che-
de navio e mestres se responsabilizas- gada, a p r e e n s ã o e c o n f e c ç ã o da lista
sem por aqueles vindos sem passaporte, pelo capitão Domingos da Costa e Sá, ele
por que, então, s ó em maio de 1831 en- remeteu um ofício suplicando pelos sú-
contramos essa relação acima, assinada ditos portugueses. Além de argumentar
pelo capitão? Afinal, comentamos que que vinham trabalhar, o que náo consti-
muitos vinham trabalhar sem portarem t u í a novidade para n i n g u é m , pedia
o passaporte. A resposta é clara e apon- a boa vontade dos "esclarecidos mem-
ta em dois sentidos. O primeiro respon- bros da Regência Provisória", para que
de pela data: no ano de 1831 houve uma prestassem

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 71-96. Jul/dez 1997 - p á g .


A C

a t e n ç ã o ao m é t o d o de livre prática com l u ç ã o cujo perigo n ã o e s t á de todo

o p a í s , que a transata a d m i n i s t r a ç ã o passado. 45

permitia aos passageiros desta quali-


Diante dessa explanação, n ã o houve jei-
dade, e de outras c i r c u n s t â n c i a s pon-
to: concedeu-se trinta dias, a partir do
derosas capazes de produzir a b o a - f é ,
despacho de 7.7.1831, para que esses
com que se transportaram ao Brasil, 46
imigrantes retornassem à cidade do Porto.
sem solicitarem para esse fim as licen-
Por conta desse episódio, através do mi-
ç a s do governo de Lisboa.
nistro da Justiça, a Regência enviou avi-
Pedia que a p e r m i s s ã o solicitada fosse so 47
à Intendência da Polícia proibindo o
extensiva a outros p o r t u g u e s e s que desembarque de estrangeiros sem pas-
aportassem ao Brasil, por um prazo pre- saporte, prendendo os imigrantes a bor-
determinado, até que comunicasse a Por- do e dando ordens para que as autorida-
tugal "que as leis policiais a este respei- des policiais providenciassem a extradi-
to, anteriormente em desuso, se acham ção de todos os desembarcados que náo
de novo em seu pleno vigor". atendessem aos preceitos legais.

A
resposta do ministro da Justi- Em 1831, a situação política n ã o estava
ça da Regência, Manuel J o s é muito boa para d. Pedro I e os portu-
de Sousa Trança, foi bastante gueses'. O imperador era acusado de pro-
dura e nada amistosa. Repisava a lei de porcionar vários favorecimentos pesso-
2 de dezembro de 1820 e concedia, no ais a grupos, principalmente de privile-
máximo, "prazo razoável para fazer sair giar a sua antiga nacionalidade. Dizia-se
infalivelmente do Império os mesmos vin- que dava maior a t e n ç ã o aos negócios da
te e três portugueses recém-chegados". antiga Metrópole do que aos problemas
Quanto ao pedido de prazo para comuni- internos brasileiros. Depois da viagem de
car a Portugal as 'novas' medidas, argu- d. Pedro a Minas Gerais, as ruas da cida-
mentava negativamente: de do Rio de Janeiro tornaram-se trin-
cheiras numa batalha travada entre por-
e quanto à segunda parte, que n á o é
tugueses' e 'brasileiros'. As noites das
mister assinar-se novo prazo para no-
garrafadas foram sangrentas e fizeram
tícia de que e s t ã o em vigor as leis po-
o despertar forçado das autoridades, no-
liciais do p a í s a tal respeito, porque
vamente, a imagem do imigrante 'peri-
sempre elas tiveram em vigor, e se aca-
g o s o ' e ' m a r g i n a l ' , avesso à ordem,
so se n ã o executaram alguma vez com
descumpridor das leis, amigo da anar-
o rigor devido que cumpria, foi isso
quia e do roubo — até mesmo do roubo
efeito da p é s s i m a a d m i n i s t r a ç ã o do
da terra e dos direitos dos nacionais —,
governo transato, sempre conivente a
voltou à cena.
este e outros respeitos que nos leva-

ram a borda do abismo de uma revo- no dia 5 de abril, algumas decisões fo-

p á g . 86. jul/dez 1997


R V O

ram tomadas pela Secretaria de Estado coincidência, o governo mandava reali-


da Justiça. Essas medidas foram resul- zar um novo registro e assentamento ge-
tado de muita p r e s s ã o . Ainda em março, ral de todos os estrangeiros que chegas-
vinte e três deputados e mais o senador sem à Corte. Essa medida foi tomada jun-
Vergueiro reuniram-se na casa do padre tamente com a de prisão de 'delinqüen-
José Custódio Dias, na rua da Ajuda, con- tes'. Todos os cadastrados indicariam a
fiando a Evaristo da Veiga a redação de sua n a ç ã o , naturalidade, sexo, idade,
uma representação ao governo contra o estado civil, e m b a r c a ç ã o em que haviam
procedimento dos portugueses; pediam chegado, data de chegada, ofício e em-
também a desafronta para os 'briosos' prego, moradia e finalidade da perma-
nacionais. nência no país. Registro bem mais com-
pleto do que os anteriores, pelo menos
A partir daquele momento as patrulhas
na letra da lei! Se os estrangeiros mu-
da guarda militar da polícia deveriam
dassem de e n d e r e ç o , deveriam partici-
prender em flagrante os perturbadores
par o novo local de moradia à Intendên-
da t r a n q ü i l i d a d e pública, que vinham
cia. Esta, por sua vez, reabilitaria o cos-
dasassossegando o povo nos ú l t i m o s
tume de mandar listas mensais ao mi-
tempos. O juiz de Faz da freguesia onde 4 8
nistro da J u s t i ç a . liessas relações, o
o delinqüente fosse preso teria por obri-
intendente deveria fazer uma apreciação
gação proceder rapidamente ao corpo de
sobre a
delito e enviá-lo ao juiz Criminal, em 24
horas. Os moradores eram forçados a moralidade e costumes desses estran-

colaborar, sob pena de oito dias de pri- geiros em geral, e do bem ou mal que

são fechada: quando as desordens se ini- entenda resultar da sua p r e s e n ç a en-

ciassem, deveriam colocar luzes nas j a - tre n ó s , para sobre tais i n f o r m a ç õ e s se

nelas com o objetivo de facilitar o traba- adotarem as medidas policiais que as

lho das rondas. Aqueles que fossem pre- c i r c u n s t â n c i a s exigirem. 48

sos seriam fichados', tomando-se-lhes o


Vigiando ainda os estrangeiros, havia
nome, a naturalidade, a idade e o esta-
duas decisões regulamentando a vida e
do civil, n ã o por

Vista da praça d o Palácio ( p r a ç a X V d e N o v e m b r o ) , Rio d e Janeiro. Litografia d e Thierry Frères a


partir de d e s e n h o d e D e b r e t .

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 7 1-96. Jul/dez 1997 - p á g . 8 7


a conduta de marinheiros que estavam Iam escoltados pela assinatura do capi-
fora da terra e que tinham participado tão Antônio Alves Marta, 51
o que náo era
dos recentes distúrbios na cidade. O go- grande coisa.
verno convocava a Marinha para fazer
rias palavras dos c o n t e m p o r â n e o s , a Ab-
rondas no mar e vigiar as á g u a s do por-
dicação havia evitado que a anarquia se
to e da Prainha. Os marujos náo poderi-
espalhasse pela cidade. Pouco depois, a
am estar desembarcados depois das ave-
Câmara Municipal adotou uma série de
marias porque perturbavam a ordem pú-
posturas para controlar a população. Os
blica. Para as autoridades policiais e j u -
'brasileiros' e os estrangeiros deveriam
diciais, incitavam a população. Portanto,
alistar-se nas suas freguesias, no prazo
visava-se controlar não s ó as tripulações
de oito dias a p ó s a publicação do edital.
das e m b a r c a ç õ e s atracadas no porto, e
O alistamento duraria uma quinzena. To-
que com elas retornariam ao país de ori-
dos os chefes de família apresentariam
gem, mas igualmente os portugueses,
ao oficial de q u a r t e i r ã o dados comple-
vindos sem passaporte, que deveriam ser
tos, como idade, emprego e estado civil,
mantidos nos navios a fim de não fugirem.
de todos os indivíduos que estivessem
O porto e a Prainha eram campos aber- sob a sua autoridade: parentes, agrega-
tos e livres, salvos-condutos para as fu- dos, fâmulos e escravos. Os chefes de
gas, lia ocasião das 'garrafadas', os ma- quarteirão preencheriam mapas com os
rinheiros lusos e 'portugueses', em geral dados e indicariam 'desconfianças' sobre
sem passsaportes, foram acusados de as condutas dos "ociosos, jogadores de
terem auxiliado os 'portugueses' e os profissão, vadios, b ê b a d o s , ladrões, tur-
o
'brasileiros do parágrafo 4 ' . Passado o bulentos e mendigos". Nestes casos, o
tumulto, a polícia alegou que continua- juiz de Paz daria as devidas providênci-
vam vagando pelas ruas cariocas. Fala- as. Os c i d a d ã o s deveriam participar as
va-se da possibilidade de fazerem parte desconfianças que tivessem, sobretudo
dos bandos armados, como o do portu- contra os taberneiros.
50
g u ê s J o s é Vivas.
Quanto aos estrangeiros, havia dois pa-
A partir dessa decisão, com o aumento rágrafos que cuidavam das suas sortes.
da vigilância, alguns marinheiros foram O 12° obrigava-os a se apresentarem ao
pegos. lieste caso, eram matriculados em juiz de Paz com o passaporte. Deveriam
algum navio que estivesse zarpando para declarar por que vinham para o Brasil e
Portugal, sob a custódia do seu capitão. como pretendiam sobreviver. Investiga-
Algumas dessas histórias foram encon- ções seriam feitas para se ver a possibi-
tradas. Bons exemplos s ã o os de Inácio lidade de admitirem-nos, ou proceder
J o s é , Augusto e Antônio Tavares, reme- contra eles no termo da lei. Em outras
tidos de volta no navio português Trajano. palavras, e x p u l s á - l o s . O 6 o
parágrafo,

p á g . 8 8 . jul/dez 1997
R V O

embora não se referisse explicitamente causa dos portugueses 'naturalizados'


aos estrangeiros, tocava-os em cheio. pela Constituição ou pelos devidos jura-
o
Era evidente a intenção de tentar pren- mentos. O 1 I artigo mais uma vez proi-
der os lusitanos fugitivos, escondidos em bia os marinheiros de andarem em terra
casas de amigos e parentes. Mele havia durante a noite.
a obrigatoriedade do chefe de família de-
clarar compulsoriamente os indivíduos
que viessem a morar consigo ou que
eventualmente hospedasse." Em um pri-
meiro momento, os únicos 'estrangeiros'
P ortanto, não é de se estranhar
que tamanha confusão aconte-
cesse com os vinte e três pas-
sageiros da galera Nouo Comerciante.
Regência tentava controlar a situação e,
A

olhados com benevolência seriam os que


em especial, conter os 'ânimos exalta-
tivessem colaborado na luta da Indepen-
dos' de 'nacionais' e 'portugueses'. De
dência, incluídos os soldados e oficiais
certa maneira, não interessava admitir
do antigo Corpo de Estrangeiros, que
mais lusos e realimentar a discórdia e
havia sido dissolvido pela carta de lei de
d e s u n i ã o entre os habitantes do país,
24.11.1830."
reacender os motivos dos variados con-
Quase dois meses depois, houve um novo
flitos que assolavam a cidade. Assim, as
edital da Câmara tentando disciplinar a
autoridades recordavam as leis regula-
54
população. Mele tornava-se a falar em
doras da entrada de estrangeiros, aper-
crise' e proibia-se a venda de armas a
tavam o cerco na exigência de passapor-
escravos e pessoas suspeitas. Os cati-
tes e tentavam não deixar desembarcar
vos deveriam ser vigiados a miúdo, limi-
quem n ã o tivesse emprego acertado e
tando-se os seus movimentos e obrigan-
cautelas atestadas por pessoas idôneas
do-os a trazerem permissão dos senho-
ou pelo cônsul do país de origem.
res, por escrito, para se locomoverem
depois das sete da noite. Os donos de Assistia-se a um momento parecido com
taverna t a m b é m seriam estreitamente aquele do ano de 1824. Mo decreto de
observados, por facilitarem ajuntamen- 18.8.1831, a Regência constatava haver
tos e jogos. Como não podia deixar de muitos "portugueses" inimigos do Brasil
ser, os estrangeiros foram objeto de dois e que eram "escandalosamente conside-
o
artigos. O 5 punia as pessoas que inci- rados como cidadãos brasileiros pelo go-
tassem a discórdia e a cizânia contra os verno transato, só pelo motivo de conti-
nacionais' do Brasil, embora esse mes- nuarem a permanecer no Brasil depois
mo artigo t a m b é m punisse com igual daquela época". Continuava dizendo tam-
multa e penalidade os nacionais que xin- bém existirem os que gozavam direitos e
gassem os nascidos fora do Império'. foros de cidadania, mesmo chegados
Note-se que náo se chamava a estes de a p ó s a Independência, s ó pelo fato de
estrangeiros', muito provavelmente por terem jurado a Constituição. Zelando pe-

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 71-96. jul/dez 1997 - p á g . 8 9


A C E

los direitos e garantias dos cidadãos 'bra- achassem no gozo dos seus direitos civis
o
sileiros legítimos', ordenava três medi- no país a que pertencessem; 3 ) aos que
o
das: I ) mandava que os chefes das re- tivessem declarado na c â m a r a do muni-
partições civis, militares e eclesiásticas cípio da sua residência qual era a sua
'escrupulosamente' examinassem a cida- pátria, a real intenção de fixar residên-
o
dania daqueles nascidos em Portugal; 2 ) o
cia no Brasil e religião; 4 ) aos que, de-
orientava as autoridades ^a se certifica- pois de terem feito a declaração acima,
rem de que os estrangeiros que quises- estivessem residindo no Brasil por qua-
sem usar de regalias e vantagens conce- tro anos consecutivos, feita a exceção
didas a 'brasileiros' fossem investigados; para os que fossem domiciliados no Im-
o
3 ) pedia ao cônsul p o r t u g u ê s que envi- pério por mais de quatro anos na época
asse uma lista de todos os portugueses de promulgação da lei e requeressem a
o
existentes na Corte ao intendente-geral carta no prazo de um ano; 5 ) aos que
da polícia, complementada por relações fossem possuidores de bens de raiz no
dos que chegassem com passaporte e Brasil, ou de parte em fundos de algum
55
quisessem aqui residir. Pia mesma data, estabelecimento industrial, ou exerces-
a Regência enviava aviso à Secretaria de sem alguma profissão útil, ou, enfim, vi-
Justiça e ao intendente de polícia para vessem honestamente de seu trabalho.
não bulirem com estrangeiros que esti-

A
vessem a serviço de suas respectivas Regência, portanto, tentou re-

n a ç õ e s . Ordenava-se que n ã o fossem gularizar a s i t u a ç ã o dos es-

'apalpados', contanto que mostrassem -trangeiros, sem barrar a en-


certificados assinados pelo respectivo trada dos portugueses ou enterrar em de-
ministro e encarregado da nação estran- finitivo os projetos de colonização. En-
geira a que pertencessem, ou pelo ofici- tretanto, concomitantemente a estas de-
al maior da Secretaria de Estado dos ne- cisões, esmiuçava-se o controle. A situa-
gócios Estrangeiros. 56
ção dos lusos foi contraditória em todo o
Apertava-se o cerco sobre a vida dos es- período.
trangeiros na Corte e no país. Era urgente
no final do ano de 1834, parece que a lei
a p r o m u l g a ç ã o de uma carta de lei espe-
passou a ser vista novamente com maior
cífica, que estabelecesse regras e nor- 59
benevolência. Deixando de expulsar, as
mas claras para se adquirir, sem equívo-
autoridades brasileiras permitiram a per-
cos, a cidadania. Tál legislação foi sanci-
57
manência de alguns lusitanos, contanto
onada em 2 3 . 1 0 . 1 8 3 2 , curiosamente
que apresentassem as fianças, corrobo-
logo depois dos eventos de abril, julho e
58
radas pelos juizes de Paz ou por homens
outubro. Por ela, conceder-se-ia carta
o
idôneos, e que, em alguns casos, se diri-
de naturalização: I ) aos que provassem
o
gissem ao interior. Davam como opções
ser maiores de 21 anos; 2 ) aos que se
Santos ou São Paulo. Afinal, as relações

p á g . 9 0 . jul/dez 1997
R V O

de passageiros das embarcações da problemática nativista, que insistia em


descortinavam a mesma realidade: imi- opor brasileiros a portugueses como o
grantes homens, maciçamente vindos do cerne da q u e s t ã o política" e "a imposi-
Porto ou do norte de Portugal, solteiros, ção da q u e s t ã o da escravidão, no mo-
com idade entre 10 e 30 anos, vindos "a mento de consolidação do Estado impe-
61
empregar-se"... 60
rial". Certamente, os problemas dos
Talvez essa mudança tenha se dado com portugueses deixaram o cenário político,
a afirmação gradativa dos liberais do 're- juntamente com os maiores anos de pres-
gresso'. Nos anos futuros, os são e tentativas de participação popular
'saquaremas' fizeram com que as preten- na política; todavia, o antilusitanismo não
sões dos liberais se e s v a í s s e m . O seu esmoreceu e teve renovados dias na Re-
maior trunfo teria sido "o esvaziamento pública Velha.

N O T A S
1 Tais medidas foram descritas pelo intendente-geral da p o l í c i a . E s t e v ã o Ribeiro de Resende,
em ofício a Luís de Carvalho e Melo. justificando as atitudes da p o l í c i a em 1824. Comentava
t a m b é m a impossibilidade de se precisar o n ú m e r o exato de estrangeiros na cidade. Obcio
do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro Resende, a Luís de Carvalho e Melo, c ó d i c e 323,
11 6.1824. v. 7, A.N. Estes censos e mapas comentados pelo intendente nao foram encontra-
dos na d o c u m e n t a ç ã o pesquisada.

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 71-96. jul/dez 1997 - p á g . 9 1


A C E

2. O Povo e a Tropa' e s t ã o com letras m a i ú s c u l a s por designarem segmentos importantes do


Antigo Regime, lia d o c u m e n t a ç ã o é comum aparecerem grafados desta forma; participaram
ativamente de quase todos os acontecimentos de rua da cidade, nesse p e r í o d o .

3. Decreto de 2.12.1820 (mandava exigir passaporte das pessoas que entravam e s a í a m do


Reino do Brasil). Coleção das Leis do Brasil de 1820, Rio de Janeiro. Imprensa nacional,
1889. pp. 113-117. A . n .
4. Decreto de 14.1.1823. J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, L e g i s l a ç ã o brasileira ou coleção
cronológica das leis, decretos, resoluções de consulta, provisões etc. do Império do Brasil
desde o ano de 1808 até 1831. Inclusive, contendo, a l é m do que se acha publicado nas
melhores c o l e ç õ e s , para mais de duas mil p e ç a s i n é d i t a s coligidas pelo conselheiro J o s é
Paulo de Figueiroa Mabuco de Araújo, Rio de Janeiro, Tip. Imp. e Const. de J . Villeneuve c
Comp.. 1836, 7 V. , V. 4, p. 7.
5. I n d e p e n d ê n c i a nacional, termos de a d e s ã o (1823-1824), c ó d i c e 44-4-47, A . Q . C . R . J .
6. Luís Filipe Alencastro mostra a i m p o r t â n c i a do c o m é r c i o brasileiro com a África por ocasião
da I n d e p e n d ê n c i a e nos anos s u b s e q ü e n t e s . Citando um documento de C r i s t ó v ã o A. Dias
para Manuel G o n ç a l v e s de Miranda, escrito de Luanda e datado de 19.6.1823. afirma que em
1823 o governo de Benguela informou à M e t r ó p o l e que lá havia um partido que achava
melhor se unir ao Brasil independente, colocando-se sob sua p r o t e ç ã o . Para o governo de
Benguela. Angola n á o poderia viver sem o tráfico, sua principal riqueza, e Portugal nâo
conseguiria comercializar seus produtos. Segundo este autor, ricas f a m í l i a s portuguesas de
Angola teriam se transferido para o Brasil e circulado em Benguela panfletos convocando a
a d e s ã o à causa brasileira'. Portanto, chegou a haver aí um clima insurrecional, com s e q ü e s -
tros de bens de i n d i v í d u o s do 'dito' I m p é r i o do Brasil, n ã o submissos ao governo e simpati-
zantes dos rebeldes, e uma espera c o n t í n u a de uma e x p e d i ç ã o naval que viria do Rio de
Janeiro. Este clima teria sido promovido por negociantes de escravos que tinham ligações
estreitas com o Rio de Janeiro e Pernambuco, e do lado brasileiro v á r i a s personalidades
teriam acompanhado a a g i t a ç ã o , entre elas Vergueiro. O c o m é r c i o com Angola teria c o m e ç a -
do a sofrer revezes a partir de 1829 com a a m e a ç a de e x t i n ç ã o do tráfico no Rio de Janeiro.
Alencastro t a m b é m cita a i m p o r t â n c i a do Brasil, em 1823, para Cabo Verde e para a Costa da
Mina, onde os 'brasileiros' davam as cartas. Conferir Luís Filipe Alencastro, Le commerce des
vivants: traite desclavages et pax lusitana' dans I' Atlantique Sud, Paris, 1985-1986, 2 v.,
tese de doutorado. Departamento de História — U n i v e r s i t é de Paris X, pp. 440-449.

7. Esta s u p o s i ç ã o baseia-se na d o c u m e n t a ç ã o dos c ó d i c e s de p o l í c i a do Arquivo nacional, em


que h á pedidos de outros negociantes para entrarem sem passaporte ou s ú p l i c a s para obte-
rem p e r m i s s ã o para cuidar dos seus n e g ó c i o s fora do p a í s .
8. Decreto de 20.11.1823. J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 4, p. 163.

9. Portaria e o f í c i o do intendente-geral da p o l í c i a à Uma. C â m a r a da cidade do Rio de Janeiro,


c ó d i c e 329 (1818-1824), respectivamente de 3.1.1824 e de 8.1.1824, v. 5, pp. 141-142,
A.li. A portaria de 10.1.1824 é citada no o f í c i o do intendente E s t e v ã o Ribeiro de Resende a
Clemente Ferreira Pereira França, ministro da J u s t i ç a , prestando contas do cumprimento que
deu à s citadas portarias e decretos, e enviando listas de nomes. IJ 6 163 (1822-1824).
30.10.1824, Secretaria de Policia da Corte, rei. IA, o f í c i o s com anexos, A.li. Se por um lado
as escalas em Pernambuco e na Bahia eram comuns, por outro, como j á vimos, essas provín-
cias eram r e g i õ e s de f e r m e n t a ç ã o de i d é i a s liberais e de a g i t a ç ã o da plebe urbana. Isto náo
foi desprezado naquele momento de medo das i d é i a s recolonizadoras e de uma possível
guerra com Portugal.

10. Ofício do ministro e s e c r e t á r i o de Estado dos n e g ó c i o s do I m p é r i o , J o ã o Severiano Maciel da


Costa, IJJ 1 193 (1823-1824), Ministério do I m p é r i o , Registro de Avisos e O f í c i o s , livro 23 da
Corte, 5.2.1824, A.n.
11. I n d e p e n d ê n c i a nacional, termos de a d e s ã o (1823-1824), c ó d i c e 44-4-47, A . G . C . R . J .
o o
12. Artigo 6 , 4 p a r á g . ; " C o n s t i t u i ç ã o p o l í t i c a do I m p é r i o do Brasil", em Constituições do Brasil
(de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967 e suas alterações), í n d i c e Ana Valderez A. li. de
Alencar, Brasília, Senado Federal, S u b s e c r e t á r i a de E d i ç õ e s T é c n i c a s , 1986, 2 v., p. 593.

13. Ofício do ministro da J u s t i ç a , Caetano Pinto de Miranda Montenegro, ao intendente-geral da


p o l í c i a , c ó d i c e 319 (1824-1825), 13.3.1823, V. 1, p. 10, A.n.
14. Ofício remetido pela R e p a r t i ç ã o do I m p é r i o , c ó d i c e 319 (1824-1825), 21.6.1824 , v. 1, p. 26,
A.n.
15. Respectivamente, o f í c i o do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a Luís J o s é de
Carvalho e Melo, c ó d i c e 323 (1822-1836), 24.1.1824, v. 7, p. 26, A.n. e o f í c i o do intendente

p á g . 92 . J u l / d . : z 1997
V O
R

da polícia, E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a Luís J o s é de Carvalho e Melo, c ó d i c e 323 (1822-


1836), 24.1.1824 , v. 7, p. 28, A . l i .
16. Estas seriam as i d é i a s de liberdade apregoadas pelas Cortes lisboetas, que segundo o en-
tendimento dos c o n t e m p o r â n e o s visavam a reescravizar o Brasil, tia verdade, como j á foi
largamente discutido pela historiografia, os ideais r e v o l u c i o n á r i o s da R e g e n e r a ç ã o t ê m du-
pla leitura: para Portugal seriam o triunfo do liberalismo contra o absolutismo; para o Brasil,
significariam a c a s s a ç ã o de uma s i t u a ç ã o de e q u i v a l ê n c i a com o Reino. Reabilitavam prefe-
r ê n c i a s comerciais para os comerciantes do Porto e transfeririam a a d m i n i s t r a ç ã o para Portu-
gal, lia prática, contrariavam os interesses das classes dominantes brasileiras, mais especifi-
camente dos comerciantes aqui enraizados.

17. O governo temia tanto o que considerava excesso de liberdade quanto a liberdade mal
entendida das Cortes. Entretanto, amedrontava-se igualmente com o novo estado de coisas
em Portugal. A corrente absolutista mais radical tinha seus adeptos e, a 30 de abril de 1824,
d. Miguel tentou um golpe de estado fracassado contra d. J o ã o VI. Apoiado por embaixado-
res estrangeiros residentes em Lisboa, a bordo da nau inglesa Windsor Castle, d. J o ã o con-
cedeu-lhe direito à c a p i t u l a ç ã o , caso se submetesse inteiramente à s suas ordens. Logo de-
pois da sua r e n d i ç ã o , exilou-se na Áustria.

18. Citado por Amaro Quintas, "A a g i t a ç ã o republicana no nordeste", em S é r g i o B. de Holanda,


a
História geral da civilização brasileira, 4 ed., S ã o Paulo/Rio de Janeiro, Difel/ D i f u s ã o Edito-
rial S.A., 1976, 7 vol., v. 3, cap. 4, pp. 207-237, p. 228.
19. Idem, ibidem, p. 208. Amaro Quintas afirma que o A r e ó p a g o foi fundado pelo padre Manuel
Arruda da C â m a r a , que teria sido homem de i d é i a s libertárias' e cuja i m p o r t â n c i a n ã o teria
sido devidamente estudada. O objetivo desta o r g a n i z a ç ã o , para o autor, seria a ' l i b e r t a ç ã o
nacional', a ' e x t i n ç ã o do colonialismo'.
20. As i n f o r m a ç õ e s a respeito da a g i t a ç ã o republicana no nordeste foram retiradas do artigo de
Amaro Quintas, supracitado.
21. Ofício do intendente-geral da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, ao ministro da J u s t i ç a ,
Clemente Ferreira França, IJ 6 163 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte, o f í c i o s com
anexos, 10.1.1824, A.n.; o f í c i o do intendente-geral da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende,
a J o ã o Severiano Maciel da Costa, c ó d i c e 323 (1822-1836), 29.1.1824, v. 7, p. 27, A . n . ;
ofício do intendente da p o l í c i a . E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a Luís J o s é de Carvalho e Melo,
c ó d i c e 323 (1822-1836), 31.1.1824, v. 7, p. 28, A.n.

22. Ofício do intendente-geral da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, ao ministro da J u s t i ç a ,


Clemente Ferreira França, IJ 6 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte, o f í c i o s com ane-
xos, 1.6.1824, A . n . ; o f í c i o do ministro da J u s t i ç a , Clemente Ferreira França, c ó d i c e 319 (1824-
1825), 4.6.1824, p. 22, A.n.
23. Casos como estes podem ser encontrados nos c ó d i c e s 319 e 323. Conferir, por exemplo, os
o f í c i o s seguintes: o f í c i o da R e p a r t i ç ã o de Estrangeiros, c ó d i c e 319 (1824-1825), 3.4.1824,
p. 12, A . n . ; o f í c i o do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a Luís J o s é de
Carvalho e Melo, c ó d i c e 323 (1822-1836), 3.4.1824 , v. 7, p. 31. A.n.; ofício do intendente
da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a Luís J o s é de Carvalho e Melo, c ó d i c e 323 (1822-
1836), 7.4.1824, v. 7, p. 31, A.n.
24. Ofício do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, ao ministro da J u s t i ç a , Clemen-
te Ferreira França, c ó d i c e 319 (1824-1825), 18.3.1824, v. 1, p. 10, A.n.
25. Decreto de 21.3.1823. J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 4, p. 43.
26. Ofício do intendente da p o l í c i a . E s t e v ã o Ribeiro de Resende, ao ministro da J u s t i ç a Clemente
Ferreira França, IJ 6 163 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte, rei. 1 A, o f í c i o s com
anexos, 8.1.1824, A . n . ; portaria de 12.1.1824, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v.
7, p. 193. Entre 1824 e 1830, a maioria vinha com idade entre 15 e 24 anos. Contudo, a faixa
entre 10 e 14 anos ocupou o terceiro lugar nos desembarques. Os portugueses eram m ã o -
de-obra i m p o r t a n t í s s i m a na cidade.

27. Conferir documento citado na nota 1, ofício, c ó d i c e 323, 11/6/1824, v. 7, A.n.


28. Muitos estrangeiros eram considerados vadios e criminosos. Esta c a r a c t e r í s t i c a n ã o era ex-
clusiva da Corte. É apontada, por exemplo, para Minas Gerais, por Laura de Melo e Sousa em
Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no s é c u l o XVIII, Rio de Janeiro, Editora Qraal,
1982.

29. Portaria de 23.6.1824, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v 4, p. 289.


30. Edital de 8.8.1824 do intendente-geral da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, Rio de Janei-

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 71-96. jul/dez 1997 - p á g . 9 3


A C E

ro. Tip. de Silva Porto e Comp., e edital de 11.8.1824 do intendente-geral da p o l í c i a , Estevão


Ribeiro de Resende, Rio de Janeiro. Tip. de Silva Porto e Comp. Ambos foram encontrados no
IJ 6 163 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte, rel.l A., o f í c i o s com anexos, A . l i .

31. Ofício do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, IJ 6 163 (1822-1824), Secreta-


ria de Polícia da Corte, rel.l A, o f í c i o s com anexos, 3.8.1824, A . l i . ; o f í c i o do intendente da
p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, IJ 6 163 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte,
r e l . l A, o f í c i o s com anexos, 16.8.1824 , A . l i .

32. Ofício do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, ao general de Armas, Joaquim


Xavier Curado, c ó d i c e 326 (1822-1826), 17.9.1824, v. 6, p. 127, A.M.; o f í c i o do intendente
da p o l í c i a , Francisco Alberto Teixeira de A r a g á o , ao ministro encarregado das Visitas ao Mar,
desembargador A n t ô n i o Luís Figueira Pereira da Cunha, c ó d i c e 329 (1824-1830), 16.2.1827
p. 74, A.Ii. ,

33. Ofício do ministro e s e c r e t á r i o encarregado dos N e g ó c i o s da J u s t i ç a . Clemente Ferreira Fran-


ç a , ao intendente-geral da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, c ó d i c e 319 (1824-1825,
14.7.1824, p. 32, A.Ii.

34. Em 1825, 468; em 1826, 600; em 1827, 578; em 1828, 351; em 1829, 893; em 1830, 638;
em 1831, 373; em 1832, 160; em 1833, 410 e em 1834, 680. Este s ú b i t o aumento de
registros para 1829 talvez se deva à chegada dos emigrados portugueses. C o n s t i t u í r a m
tropa recrutada na Inglaterra para defender o trono de d. Maria da G l ó r i a . Proibidos de
desembarcar em Portugal pela p r ó p r i a Inglaterra, alegando ter o m a r q u ê s de Barbacena
ferido o direito internacional ao recrutar homens para combater em outro p a í s , sem porto de
arribada, vieram atracar no Rio de Janeiro. Muitos passaram a integrar a TVopa nacional,
outros enredaram-se na cidade; outros, ainda, arrumaram emprego no interior.

35. Conferir, entre outros, o f í c i o de Clemente Ferreira França, IJ 6 96 (11 dezembro 1824-30
julho 1825), Corte, Registro de Avisos, rei. 29/ parte 14, livro V, n ° 121, pp. 63-64 , 28.2.1825,
A.Ii.; o f í c i o de Clemente Ferreira França, c ó d i c e 319 (1824-1825), 29.2.1825, p. 69, A.Ii.

36. R e l a ç ã o de passageiros estrangeiros que consta terem entrado neste porto de 1.1.1828 a
31.5.1829, 4.7.1829, c ó d i c e 323 (1822-1836), pp. 108-109, A.Ii.

37. Extrato do livro das a p r e s e n t a ç õ e s dos estrangeiros na I n t e n d ê n c i a Geral da Polícia referente


aos que chegaram do dia 25 de abril de 1931. quando foi reorganizado este s e r v i ç o , a t é 20
de junho de 1931, assinado por P r o c ó p i o Alarico Ribeiro de Resende, IJ 6 165 (1831-1832),
Secretaria de Polícia da Corte, rei. A, o f í c i o s com anexos, 21.6.1831, A.N.

38. R e l a ç ã o dos estrangeiros apresentada à Secretaria Geral da Polícia, entre os dias 25 e 30 de


abril de 1832, em conformidade com o edital da mesma Secretaria, de 16 do referido m ê s e
ano, assinado por P r o c ó p i o Alarico Ribeiro de Resende, IJ 6 165 (1831-1832), Secretaria de
Polícia da Corte. rei. 1 A, o f í c i o s com anexos, A.N.

39. Ofício do indentende-geral da p o l í c i a . Francisco Alberto Teixeira de A r a g ã o , ao ministro dos


Estrangeiros, conde de Inhambupe, c ó d i c e 319 (1825-1833), 29/10/1826, p. 23, A.N; ofício
do ministro da Guerra, conde de Lages, ao intendente-geral da p o l í c i a . Francisco Alberto
Teixeira de A r a g á o , c ó d i c e 319 (1825-1833), 30.10.1826, p. 23, A.N.

40. Isto se dava por ser uma r e g i ã o com uma porcentagem maior de homens 'de cor' (em 1821,
50,6% de livres e 49,4% de escravos, sendo entre os livres somados os libertos).

41. Aviso, IJ 1 994 (1826-1831), avisos do Ministério dos Estrangeiros e do Ministério da Justi-
ç a , lata 1.212, IA, 14.5.1831, A.N.

42. Lista dos passageiros que chegaram sem passaportes na galera portuguesa novo Comerci-
ante, c a p i t ã o Domingos da Costa e S á , vindos da cidade do Porto em 14 de maio de 1831, U
1 994 (1826-1831), avisos do Ministério dos Estrangeiros e do M i n i s t é r i o da J u s t i ç a , lata
1.212, IA, 15.5.1831, A.N.

43. As autoridades recomendavam à I n t e n d ê n c i a que ou expulsasse esses imigrantes, ou lhes


concedesse passaportes para irem para o interior, sendo os locais preferidos S ã o Paulo e
Santos.

44. Eram 15 do Porto; um de Sarredo; um de Penafiel; um de M e s á o Frio; um de Viseu; um de


Braga e um de Viana do Castelo.

45. Portaria de 31.5.1831, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit.. v. 7, p. 312; este docu-
mento t a m b é m pode ser encontrado no IJ 1 181 (12 m a r ç o - 1 5 dezembro de 1831), Registro
de Avisos 407 (60), p. 34. A.N.

p á g . 9 4 , Jul/dez 1997
V o

Aviso do ministro dos Estrangeiros, Francisco Carneiro de Campos, ao intendente-geral da


polícia, c ó d i c e 319 (1825-1833), 7.7.1831, p. 117, A.n.

47. Aviso de 31.5.1831, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 7, p. 312.

4-8. D e c i s ã o de 5.4.1831 dando " p r o v i d ê n c i a s para a p u n i ç ã o dos delitos e p r i s ã o dos d e l i n q ü e n -


tes", em Coleção das decisões do governo do Império do Brasil de 1831, Rio de Janeiro,
Tipografia nacional, 1876, pp. 44-45; d e c i s ã o de 5.4.1831 mandando "abrir assento de
p r i s ã o aos i n d i v í d u o s presos em flagrante como perturbadores da t r a n q ü i l i d a d e p ú b l i c a " ,
em Coleção das decisões do governo do Império do Brasil de 1831, op. cit., pp. 42-43.

49. D e c i s ã o de 5.4.1831 mandando "proceder ao assentamento geral de todos os estrangeiros


que chegarem a esta Corte", em Coleção das decisões do governo do Império do Brasil de
1831, op. cit., p. 46.

50. D e c i s ã o de 5.4.1831 mandando "estabelecer rondas de mar que evitem o desembarque de


marinheiros depois do sol posto", em Coleção das decisões do governo do Império do Brasil
de 1831, op. cit., p. 43; d e c i s ã o de 5.4.1831 ordenando "que sejam presos todos os mari-
nheiros que se acharem em terra depois das ave-marias", em Coleção das decisões do gover-
no do Império do Brasil'de 1831, op. cit., p. 44.

51. Aviso do ministro da J u s t i ç a . Manuel J o s é de Sousa França, ao intendente da p o l í c i a , IJ 1 181


(12 m a r ç o - 1 5 dezembro de 1831), Registro de Avisos 407 (60), 10.5.1831, p. 25, A.n.

52. Edital da C â m a r a Municipal do Rio de Janeiro sobre a " a d o ç ã o de posturas que viabilizem
maior controle da p o p u l a ç ã o " , IJJ 10 6 (1831-1832), Ministério do I m p é r i o , C â m a r a Munici-
pal da Corte, o f í c i o s , 9.4.1831, A.n. A carta de lei de 6.6.1831 t a m b é m dá p r o v i d ê n c i a s para
o controle da p o p u l a ç ã o . Pode ser encontrada na obra de J o s é Paulo de Figueiroa Araújo,
op. cit. , v. 7, p. 314.
53. D e c i s ã o de 13.4.1831 que nomeia "uma c o m i s s ã o para informar acerca das c i r c u n s t â n c i a s de
cada um dos oficiais dos Corpos de Estrangeiros, que se mandaram dissolver", em Coleção
das decisões do governo do Império do Brasil de 1831. op. cit., pp. 49-50.

54. Edital da C â m a r a M u n i c i p a l do Rio de J a n e i r o a d o t a n d o p o s t u r a s p r o v i s ó r i a s de


d i s c i p l i n a r i z a ç á o da p o p u l a ç ã o , IJJ 10 6 (1831-1832), Ministério do I m p é r i o , C â m a r a Muni-
cipal da Corte, o f í c i o s , 1.6.1831, A.n.

55. Decreto de 18.8.1831, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 7, p. 406.

56. Aviso de 18.8.1831, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 7, p. 408.

57. Carta de lei de n a t u r a l i z a ç ã o dos estrangeiros de 23.10.1832, em Coleção das leis e decre-
tos do Império do Brasil de 1832, Rio de Janeiro, Tipografia Imp. e Constitucional de Seignot
e Plancher E. C , 1834, v. 4, pp. 229-231.

58. O m ê s de abril de 1832 tinha sido d r a m á t i c o e t r a u m á t i c o para a R e g ê n c i a , no dia 3 teve que


se haver com uma revolta dos liberais exaltados', que como sempre tinham fama de levanta-
rem a p o p u l a ç ã o e manipularem os negros, no dia 17 do mesmo m ê s foi a vez dos restaura-
dores', comandados pelo b a r ã o de Bullow. Desde finais de 1831 chegavam n o t í c i a s de pla-
nos de derrubada da R e g ê n c i a , tramados no exterior. As novidades vinham de Londres e
Paris. Esses boatos prolongaram-se a t é 1833, mesmo depois da morte de d. Pedro 1 do Brasil
e IV de Portugal. Em julho e outubro novas revoltas aconteceram.
o
59. Ofício de 14.8.1834 do juiz de Paz do 2 dis"trito da freguesia da C a n d e l á r i a , Luís Francisco
Braga, ao intendente-geral da p o l í c i a da Corte, IJ 6 169, Secretaria de Polícia da Corte, p. 1,
A.n; ofício do intendente-geral da p o l í c i a da Corte, E u s é b i o de Q u e i r ó s Coutinho Matoso da
Câmara, ao ministro dos n e g ó c i o s do I m p é r i o , A n t ô n i o Pinto Chichorro da Qama, c ó d i c e 323
o
(1822-1836), 24.5.1834, v. 7, p. 118, A.n. no IJ 1 168 ( I de fevereiro de 1834 — 30 de abril
de 1835), Registro de Avisos, há v á r i a s listas de portugueses expulsos sem passaporte e
listas daqueles que ficaram, pagaram fiança e foram encaminhados para o interior.

60. Das 26 pessoas da lista de passageiros do brigue p o r t u g u ê s Boa Hova. duas eram brasileiras
(22 anos e 38 anos, negociante e marceneiro) e uma inglesa (14 anos e caixeiro). Sem
e x c e ç ã o , eram solteiros. Os portugueses vinham todos do Porto. Como o c u p a ç ã o , declara-
vam: "a empregar-se', a e x c e s s ã o de quatro lavradores, três caixeiros e um sapateiro. Suas
idades: dois com nove anos, dois com dez, dois com 11, um com 12, dois com 13, quatro
com 14, t r ê s com 16, t r ê s com 17, dois com 18, um com 21 e um com 37 anos.

61. limar Rohloff de Matos, O tempo saquarema, S ã o Paulo, Editora HUCITEC/Instituto nacional
do Livro, 1987, p. 152.

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 71-96. jul/dez 1997 - p á g . 9 5


A B S T R A C T
When the Brazilian citizenship was defined during the First Empire, the arrival and settlement of

the Potuguese' started to be submitted to inspection and control. This policy — operated by the

government — fluctuated in conformity to the political moment, since the 'Brazilian' had his

process of development gradually constituted, and the Portuguese labor was essential to the

Empire.

R É S U M É
Avec la d é f i n i t i o n d'une c i t o y e n n e t é brésilienne, lorsque du Premier R è g n e , 1 ' e n t r é e et

1 ' é t a b l i s s e m e n t des 'Portugais' furent soumises au controle et vigilance. Cette politique adoptée

par le gouvernement oscillait selon le moment politique, une fois que le ' B r é s i l i e n ' eut son

processus de d é v e l o p p e m e n t graduellement c o n s t i t u é et la main-d'oeuvre portugaise se portait

indispensabie à la Cour.
Fernando Teixeira da Silva
Professor de História da Universidade
Metodista de Piracicaba (UMMEP), mestre e doutorando
em História Social na Universidade Estadual de Campinas (UMCAMP).

I m i g r a ç ã o Portuguesa e
M^OYimento O p e r á r i o no B r a s i l
Fontes e arquivos de Lisl&oa

ste artigo é o resultado outras c i d a d e s b r a s i l e i r a s .


1*^ parcial de um e s t u d o
PORTUGUESES DEPORTADOS DO
realizado durante sete
BRASIL
meses em arquivos portugueses
para o desenvolvimento do proje- Há uma grande quantidade de documen-
to 'A colônia portuguesa em Santos: imi- tos referentes a trabalhadores e militan-
gração, trabalho, cultura e movimentos tes portugueses que foram deportados do
1
sociais ( 1 8 8 0 - 1 9 3 0 ) . Seu objetivo é território brasileiro, entre 1912 e mea-
apontar algumas possibilidades de pes- dos da década de 1930, acusados de 'in-
quisa sobre a relação entre movimento desejáveis' em razão, especialmente, de
operário e imigração portuguesa, nas três sua atuação no movimento operário. Por
primeiras d é c a d a s do século XX, a partir meio de investigações realizadas no Bra-
da apresentação do c o n t e ú d o das fontes sil (correspondências diplomáticas no Ar-
e dos respectivos arquivos localizados em quivo Histórico do ltamarati; processos
Lisboa. Embora as investigações tenham de expulsão de estrangeiros no Arquivo
sido orientadas sobretudo para o caso nacional; processos criminais no Arquivo
específico de Santos (litoral paulista), se- do Fórum de Santos; ofícios da Delega-
rão feitas indicações que podem forne- cia Regional de Santos; jornais da gran-
cer i n d í c i o s p a r a p e s q u i s a s sobre de imprensa e operários) e em Portugal

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp'. 97-108, jul/dez 1997 - p á g . 9 7


(correspondências diplomáticas no Arqui- a continuidade da a t u a ç ã o política de al-
vo do Ministério dos Negócios Estrangei- guns militantes nos dois países, aspec-
ros e imprensa operária), foi possível en- tos em geral ignorados pela literatura
contrar no Arquivo Nacional da Torre do 4
sobre o tema. Possibilitam ainda o con-
Tombo algumas dezenas de documentos fronto com as informações contidas nos
nominais (processos, fichas cadastrais e processos de e x p u l s ã o elaborados no
registro geral de presos) da ex-PIDE/DQS Brasil, uma vez que, com base em de-
(Polícia Internacional e de Defesa do Es- clarações dos deportados, dos agentes
tado/Direção Qeral de Segurança) relati- d i p l o m á t i c o s e na a u s ê n c i a de provas
vos a portugueses deportados de Santos quanto à s diversas c o n d e n a ç õ e s , as au-
e de outras partes do Brasil a partir de toridades portuguesas, em certos casos,
2
1919. denunciavam as arbitrariedades jurídicas
na formação de culpa e restituíam a li-
Constam de alguns desses processos re- 5
berdade aos presos.
latórios de agentes e informantes secre-
tos remetidos à s diversas polícias políti- No Arquivo do Ministério dos Negócios
cas portuguesas, 3
contendo informações Estrangeiros foi localizada a maior parte
sobre a a t u a ç ã o dos envolvidos e o seu da d o c u m e n t a ç ã o sobre esse tema. A
passado de atividades no Brasil. Além
dos dados pessoais (idade, profissão,
estado civil, filiação e local de nascimen-
iAos Trabalhadores da
to), determinados processos contêm ain-
Liáhf, em Geral
í o r u i i animador o eulLu-avaimo q N M noU •*» lodoa M e c n p é -
nb*:roa A compantui, 4wwl* daaaa TIIIC Klniriii! «nlhoMMo pela noaaa
da c o r r e s p o n d ê n c i a s trocadas entre o ..'pi.ni:>, »a-aa m—me üeaoriaaLd*. poia, já É f M Mio d* toda* M mmm*
• implantar a diaeorriia ao IOMO M.O. taado » htil oom toda t
*<>(.( <U M U M l M , [I
Ministério dos Negócios Estrangeiros, os « o.n i £ : i ha (..oro. m « i
r í «a Linha* • Caboa, o «baia tarai
«••lar S u , u Uutou eontmear *q asila* e—paaaaifa. por M M oa mmit a
araVta. a * i parar lai ai rU Unilo. laTiriiiajdi. para uao. d.nhairo para l * * f I I I I
consulados, a Embaixada de Portugal no 4a* taatiw praaiau a. anta, I N ald n * n a a d . lataaiiaa «atra oa oosuanbat-
raa 4m -Tr.it ^o.
O,J* r i . r u da UrLofi.p 1 detcaradoi patifa* a.«a aa aptonlram aparor*
Brasil e as polícias políticas dos dois pa- doa d**nt* do Inpirtar «oa UabaLnadaras. 4a fro«U arfaida. aap.ntoa ilam.
oadoo %w*m raattciMUamia aaMoa para a eoaqstati doa atoa diraUoa, avBai
P»r» • rantoaWa .,0.1a d* cootma daa cri*MB qa* aaaa corja á a avataadrat
íses, documentos anexos (jornais, pan- ias pavpatrado «tra»«a daa aaaaataa I
Oa taaapaarttairaa da linhia a caboa, aa gafai, ncraoaa) toda è ma.or
adaatracaa da todo* oa o a troa trabalhadora* áa Ufat, aai (oral, aaaiai ooato
fletos, boletins e t c ) , cartas de presos a ••> t*ral da ladoa - « trataihadoraa. pala * H d i a i n i É i l i • * « * * aoclaJ ra*a-
liado saa* Ioda a rnargia d* coatpanhaire* aaaaa ia ald ta a,
r • * • altaa aahaaa aoatprahaadar qa* a >icion* daila* Japaadi da
autoridades policiais e 'autos de pergun- . 11 tona d** out/u* wouani.nro* tralalttaiJaraa aaaiai tomo a derrota da om I
* derrota do* oalroa.

tas' onde e s t ã o registradas as declara- «finti. i»is. ( « M t U t r i s ! . Viu 1 <i I i i i : 11 tnUI*i*«o


l i U t i t U Vir» • siliüritiid tttotalL .
ç õ e s dos deportados acerca dos motivos h pir latos I tefcs i«t ia!...

OONVOOAQAO
de sua expulsão.
• •wgaajji * • | m l . «Wva r"-

Embora vários processos contenham pou-


cas informações, sobretudo os anterio-
A Commissão
res à i m p l a n t a ç ã o da ditadura militar
portuguesa, em 1926, podem revelar cer- Panfleto d o s t r a b a l h a d o r e s d a L l g h t d e S ã o
tas conexões e contatos entre as práti- P a u l o . Parte Integrante d o i n q u é r i t o p o l i c i a l
contra L a m p i o n e L e o n e . S á o P a u l o , 1 9 1 9 .
cas repressivas do Brasil e de Portugal e Arquivo Nacional.

p á g . 9 8 . j u l / d e z 1997
V o

correspondência consular inclui recortes ais, do Grupo de Propaganda e Defesa


de jornais do Brasil e de Portugal, mani- Social e de várias a s s o c i a ç õ e s de traba-
festos e boletins operários, indicação dos lhadores nos mais diversos lugares do
motivos das expulsões, destino dos de- país); cartas de presos e de deportados
portados, s i t u a ç ã o s ó c i o - e c o n ô m i c a de para a África, detalhando suas condições
algumas famílias de portugueses expul- de vida e solicitando auxílio material e
sos, protestos das colônias portuguesas jurídico; e c o r r e s p o n d ê n c i a de familiares
no Brasil contra as violências policiais, dos expulsos e de militantes no Brasil
requerimentos e p e d i d o s de habeas narrando, entre outros aspectos, as vio-
6
corpus remetidos às autoridades de Por- lências praticadas pela polícia brasileira.
tugal, intervenções diplomáticas em fa-
vor da liberdade de presos e expulsos, C O N T A T O S E INFORMAÇÕES E N T R E

relatórios consulares e da embaixada de O MOVIMENTO OPERÁRIO DO

Portugal no Brasil que t a m b é m denunci- BRASIL E O DE P O R T U G A L

A
avam irregularidades jurídicas na elabo- imprensa operária é, sem dú-
ração dos processos de expulsão. vida, a principal fonte para a
Ha grande imprensa e nos jornais operá- .história dos contatos e trocas
rios, localizados no Arquivo Histórico-So- de informações entre militantes do mo-
cial da Biblioteca nacional de Lisboa, tam- vimento operário do Brasil e de Portugal.
bém podemos encontrar várias matérias O Arquivo Histórico-Social possui um
a respeito das d e p o r t a ç õ e s , sobretudo na acervo de quase duas dezenas de jornais
conjuntura de 1919-1921. Inúmeros são das mais diferentes regiões do país, clas-
os artigos contendo informações e pro- sificados como anarquistas, bolchevistas
testos contra a prisão e o envio dos de- e antifascistas, corporativos (jornais de
portados para as colônias portuguesas na diferentes categorias de trabalhadores),
África (espécie de segunda e x p u l s ã o ) ; sindicalistas, o p e r á r i o s e socialistas,
manifestações de solidariedade do mo- além de periódicos republicanos,
vimento operário p o r t u g u ê s (atividade da esperantistas, de juventudes o p e r á r i a s e
Comissão Pró-Presos por Q u e s t õ e s Soci- libertárias. Uma exaustiva pesquisa per-

E' preciso reagir, • já, contra ossa corja do bandidos!


iaal bani, wtnrit lanllaaw • M MMTI iha k m Mata, a*a a ar priaaiiià, • tutu, • «ícaua • MI atiaaiarti i amhrai
M M rm a atraia laanaat, a* «ai ihiaa a ultn uan, In mjéu k ai:
uaaiti itsj, H M i a te taatm kt croftara, aaaaaaaro artes i aata atraiam attiati i i,ir liraaati I
Até quando a povo supportiri semelhante situação ? Urge reagir promptamente! Que se pronuncie o proletariado I

Manchete d o Jornal A Plebe, de 16 de j u n h o de 1919. Parte integrante d o i n q u é r i t o policial contra


Lampione L e o n e . A r q u i v o N a c i o n a l .

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n° 2, pp. 97-108, j u l / d e z 1997 - pág.99


A C E

mite encontrar informações sobre os tra- libertários portugueses sobre as depor-


8
balhadores portugueses e o movimento tações.
operário no Brasil, artigos de correspon-
Embora náo tenha encontrado referênci-
dentes e colaboradores de jornais nos
as ao Brasil, o Arquivo Histórico-Social
dois países e visitas de militantes a sin-
guarda um monumental acervo manus-
dicatos de Portugal. Igualmente relevan-
crito, bibliográfico e iconográfico, produ-
tes s ã o as diversas matérias sobre a opo-
zido pelo movimento operário e anarquis-
sição dos jornais à emigração em massa
ta português, de espólios de instituições
para o Brasil, à s dificuldades impostas
representativas dos mesmos, a l é m de
pelo nosso mercado de trabalho e à a ç ã o 9
m e m ó r i a s escritas e orais.
repressiva da polícia brasileira aos tra-
10

balhadores e militantes lusos. no Arquivo Pinto Quartim, localizado no


Instituto de Ciências Sociais da Universi-
Ainda na s e ç ã o de espólios da Biblioteca dade de Lisboa, há alguns documentos e
nacional, o Arquivo Histórico-Social con- jornais com referências ao movimento
tém volumosos núcleos documentais de operário e anarquista brasileiro."
militantes portugueses. De interesse para
o anarquismo brasileiro destaca-se o IMIGRAÇÃO, T R A B A L H O E

núcleo neno Vasco, que foi um atuante e COLÔNIAS PORTUGUESAS N O BRASIL

P
influente anarquista no Brasil e em Por- arte considerável da documen-
tugal, com mais de uma centena de cor- tação investigada diz respeito a
r e s p o n d ê n c i a s trocadas, sobretudo com temas relacionados à emigração/
Edgard Leuenroth, durante a década de imigração e à s colônias portuguesas em
1910. nesta farta d o c u m e n t a ç ã o sobres- diferentes cidades do Brasil, destacan-
saem informações de ordem pessoal (di- do-se o material referente aos trabalha-
ficuldades financeiras, familiares etc.) e dores imigrantes, no Arquivo Histórico do
detalhes sobre as inúmeras colaborações Ministério dos n e g ó c i o s Estrangeiros,
de neno Vasco em jornais o p e r á r i o s e onde foi realizada a maior parte de nos-
libertários brasileiros. Trata-se de um rico sa pesquisa, encontra-se c o r r e s p o n d ê n -
material, por enquanto inexplorado, ca- cia d i p l o m á t i c a com os consulados, a
paz de fornecer valiosas c o n t r i b u i ç õ e s embaixada e a l e g a ç ã o de Portugal no
para a constituição de uma história bio- Brasil, entre outras i n s t i t u i ç õ e s . Essa
7
gráfica de neno Vasco. no núcleo Edgard correspondência está localizada,
Rodrigues, outro anarquista p o r t u g u ê s sobretudo, em processos classificados
que militou no Brasil, encontram-se, en- tematicamente (fichário ideográfico), tais
tre outros documentos, artigos sobre a como: propaganda de Portugal no estran-
história dç> movimento operário brasilei- geiro; emigração portuguesa para o Bra-
ro, além de alguns recortes de jornais sil; notícias da imprensa estrangeira e

p á g . 100. j u l / d e z 1997
R V O

portuguesa sobre Portugal; exilados, pre- Destacam-se neste volumoso material di-
sos, emigrados políticos e 'indesejáveis'; versos temas relativos à colônia portu-
comunismo e anarquismo; degredo, de- guesa de Santos, embora possam ser per-
portações e extradições; socorros e re- feitamente estendidos a outras cidades.
patriações; informações políticas prove- Mo que se refere à s q u e s t õ e s de emigra-
nientes dos consulados de Portugal; polí- ção/imigração, podemos listar os seguin-
tica interna e externa brasileira; direitos, tes assuntos: mapas estatísticos da imi-
garantias individuais e atividades dos por- gração pelo porto de Santos, indicando
tugueses no estrangeiro; s e n t e n ç a s e re- datas de embarque e desembarque, ida-
clamações estrangeiras; emigração e imi- de, sexo, estado civil, profissão e origem
gração. Além desses processos dos imigrantes; demografia portuguesa;
temáticos, existem diversos r e l a t ó r i o s a t u a ç ã o perniciosa dos agentes aliciado-
anuais, monografias e inquéritos sobre res de imigrantes; informações e dados
as colônias portuguesas no estrangeiro, estatísticos sobre socorros e repatriações
elaborados pelos cônsules de diferentes de 'imigrantes desamparados'; remessas
cidades. financeiras a Portugal feitas pelos imi-
grantes; quantificação dos portugueses
inscritos no consulado e respectivos da-
Federaçáo Operaria de São Paulo
dos sobre idade, profissão, sexo, estado
Ao Operariado em Geral
Companheiras, a reação policial /a cameçau. 41/aas civil e distritos de origem; problemas de-
ilu nasssas ctmpinhelras Já laram a a m sem ta-
ter auol a motivo. As ca teias de tantas et lia atar- correntes dos fluxos e das políticas de
roladas de trata lha dores, i as aafmittHt em mas
sn de aperatias pelapallcia da Mija mm mm*. emigração/imigração dos dois países, so-
Portanto cimpaaatirat, samos cèemeéet á lucm,
i Ioda pela nessa causa, Iodar pelas aassas reivin- bretudo quanto ao mercado de trabalho.
dicações aperarlas. i i CRttl ÊtMU mm Mamei m
protesto ciam Mas as /insanas abusos * arbitra-
riedades de que saa rlctimas as classes apanhas. Mo que diz respeito à cidade de Santos,
A Greve pois! há d e s c r i ç õ e s sobre os bairros, sanea-
» ente Berat am Um a estada m t. Haia para
azar ralar as aassas direitas amaesprtiada pata mento, infra-estrutura e equipamentos
classe UmAlMTA, ÊtlKtlCU a CLUI CtWEMNAHUtTAl
Trabalbadans, anl-ias para tantas lartes!
urbanos, transporte, turismo, instrução,
fira a immwmmm das traba/baacres! assistência social e empresas, particular-
Camaradas: preteslemas tem alta canIra lados estas
uilamias me centra nas am praticadas, certas m mente estabelecimentos comerciais, ban-
aae am veltartmas m tramita enauaalu is nossas
campbnheiras am taram resiiluidas t liberdade t cários e industriais portugueses.
asseguradas par parte das pederes cumpelenlu.t a di-
reito de reunião e Urre pensamento, milarmt aas
garante a constituição m Paii O material pesquisado fornece vários ele-
Viva a Greve G e r a l L mentos sobre as condições de vida e de
Sexta Feira IU IIUIM jilie m t r i l i l i i !
i federação Operaria trabalho na cidade: quadro das ocupa-
ê*mOm ar -tvtíu«n-n ar* mrv
ções profissionais dos imigrantes e sua
distribuição por empresas; movimento de
Panfleto d a F e d e r a ç ã o O p e r á r i a d e S ã o P a u l o ,
i m p o r t a ç ã o e exportação pelo porto de
° > 1919. Parte integrante d o i n q u é r i t o policial
contra L a m p i o n e L e o n e . A r q u i v o N a c i o n a l . Santos, em especial quanto aos produ-

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 97-108 . j u l/dez 1997 - p á g . 1 0 1


A C E

tos portugueses; custo de vida e média no Arquivo Histórico do Tribunal de Con-


de salários por profissão; reivindicações tas, no Arquivo da Câmara Municipal de
12
e mobilizações operárias; sociedades re- Lisboa e no Arquivo Distrital do Porto.
creativas, de beneficência, de instrução
A seguir listamos alguns documentos do
e de classe; informes sobre expulsão de
Arquivo do Ministério dos n e g ó c i o s Es-
'indesejáveis'; interferência de membros
trangeiros, do Arquivo da Polícia Inter-
da colônia e de autoridades diplomáticas
nacional e de Defesa do Estado e da im-
portuguesas em movimentos grevistas e
prensa operária portuguesa, por serem
em favor de operários perseguidos pela
os de maior relevância para os temas
r e p r e s s ã o policial; condições de habita-
aqui mencionados.
ção, instrução e s a ú d e dos imigrantes.
ARQUIVO HISTÓRICO DO
Apesar de conter poucas referências aos
M I N I S T É R I O DOS NEGÓCIOS
trabalhadores e ao movimento operário,
ESTRANGEIROS
outras fontes do Arquivo do Ministério dos
(CORRESPONDÊNCIAS
n e g ó c i o s Estrangeiros apresentam ele-
DIPLOMÁTICAS)
mentos sobre a situação política brasi-
leira em diferentes conjunturas das d é - Portugueses expulsos do Brasil
cadas de 1920 e 1930 e seus efeitos en-
Correspondências da legação de Portu-
tre os imigrantes portugueses. Poucas in-
gal no Rio de Janeiro (1912) [caixa 231]
formações políticas encontram-se na cor-
Correspondências da legação de Portu-
respondência do Arquivo Antônio de Oli-
o
gal no Rio de Janeiro (1913) [ 3 piso, ar-
veira Salazar e no Arquivo do Ministério
mário 12, maço 50]
do Interior (ambos localizados no Arqui-
vo nacional da Torre do Tombo), mas sua Entrada em Portugal de deportados peri-
o
quase totalidade é composta de grupos gosos vindos do Brasil (1912) [ 3 piso,
de documentos produzidos a partir da dé- armário 3, maço 29, proc. 270]
cada de 1930 e não oferece muitas indi- Anarquistas portugueses e de outras na-
cações sobre o Brasil. cionalidades expulsos da República do
o
Brasil e da Argentina (1919-1921) [ 3
na Sociedade de Geografia de Lisboa e
piso, armário 12, maço 50]
na Biblioteca nacional pode ser encon-
trada uma vasta bibliografia sobre a emi- Comunismo e relação da URSS com di-
o
gração portuguesa para o Brasil. versos países (1919-1923) [ 3 piso, ar-
mário 10, maço 18c]
Embora não revelem nenhuma documen-
tação importante para a pesquisa sobre Comunismo e anarquismo - portugueses
o
Santos, outros investigadores p o d e r ã o expulsos do Brasil (1924) [ 3 piso, armá-
ter melhor sorte no Arquivo Histórico-Par- rio 7, maço 102]
lamentar, no Arquivo Geral da Marinha, Portugueses expulsos do Brasil (1927) [3 o

p á g . 102. j u l / d e z 1997
R V O

o
piso, maço 110, armário 12] Informações políticas (1932) [ 3 piso,
o

Portugueses expulsos do Brasil como in- armário 4, maço 15; 3 piso, a r m á r i o


o
desejáveis (1927-1928) [ 3 piso, armário 12, maço 310]

7, maço 106] Informações políticas da Embaixada de


o

Legação do Rio de Janeiro (1927-1928) Portugal no RJ (1936) [ 3 piso, a r m á r i o

[caixa 233] 1, maço 472]

Emigração/imigração Política interna e externa b r a s i l e i r a


o
(1937) [ 3 piso, armário 11, m a ç o 348]
Emigração para o Brasil e outros p a í s e s
da América do Sul (1924-1927) [ 3 piso, o
Política interna e externa do B r a s i l
o
armário 8, maço 17b, proc. 255] (1940) [ 3 piso, maço 86, armário 9]

Emigração para a América do Sul (1928) Revolução no Brasil. Deportação de por-


o
[3 piso, maço 79, armário 19] tugueses para o Oiapoque (1924-1925)
o
[3 piso, armário 7, maço 87]
Emigração para a América do Sul (1921)
o
[3 piso, armário 6, maço 17b] Q u e s t õ e s resultantes do movimento re-
o
o volucionário brasileiro de 1930 [ 3 piso,
Emigração subsidiada (1927) [ 3 piso, ar-
maço 5, armário 15]
mário 4, maço 42]
o Relações políticas de Portugal com o
Emigração clandestina (1928) [ 3 piso, ar-
o
Brasil [ 3 piso, armário 12, m a ç o 310]
mário 10, maço 266]

Emigração/imigração (1935-1940) [ 3 piso, o Arquivo da Polícia Internacional e de

maço 85, armário 16] Defesa do Estado (Arquivo nacional da


Torre do Tombo)
Colônias portuguesas no Brasil
o
Processos de portugueses expulsos
Socorros e r e p a t r i a ç õ e s (1921-1931) [ 3
o
do Brasil
piso, armário 79, maço 38; 3 piso, a r m á -
rio 18, maço 66 a 68] Adriano Pinto da Costa (cadastro PSE

o
3.653/1919)
Inscrições consulares (1925-1926) [ 3 piso,
armário 29, maço 91] Alberto Augusto de Castro (cadastro PSE
3652/1919)
Colônias portuguesas no estrangeiro (1934)
o
[3 piso, m a ç o 438, a r m á r i o 1; 3 piso, o Albino Constantino Martins Vilarinho

maço 117, armário 9] (proc. PC 0878/39)

Condecorações portuguesas a brasileiros Alfredo d Araújo (proc. PSE 1086)


o
[3 piso, armário 29, maço 38] Antônio Alves Pereira J ú n i o r (proc. PSE

Informações p o l í t i c a s sobre o Brasil 1284/1920)

Defesa de interesses dos portugueses no Antônio Couto de Castro (proc. PC 0027/


o
estrangeiro (1931-33) [ 3 piso, armário 1, 40; Registro Geral de Presos 11946)
maço 398] Antônio Cardoso (cadastro 10300/28)

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 97-108. j u l / d e z 1997 - p á g . 1 0 3


A C E

Antônio da Costa Coelho (proc. PSE 4/ J o ã o Queirós nogueira (proc. PSE 1063/
1920) 1920)

Antônio Fernandes Leite (cadastro PSE J o ã o Soares Barbosa (proc. PSE 3151/
7474/1924) 1927)

Antônio Francisco Lopes (proc. PC 0162/37) Joaquim Duarte Cerdeira (proc. PSE 12-

Antônio Mendes (proc. PSE 1023/1924) 5/1921)

Antônio Pinto (proc. PSE 3151/1927) J o a q u i m Ferreira da Costa (proc. PC


0430/1949; proc. PC 2072/35; Registro
Antônio Ramos (proc. PSE 518/1919)
Geral de Presos 01994/35 e 18903/1949)
Artur Inácio Bastos (proc. PC 0106/41,
Joaquim Pinto Ferreira Martins (proc. PC
2187/41, 0437/49; Registro Geral de Pre-
1052/36: Registro Geral de Presos 03819)
sos 13048/41)
J o s é Cerqueira (proc. PSE 3151/1927)
Augusto Antônio Figueiras (Registro Ge-
ral de Presos 04652/1936 e 13138/41; J o s é Maria Coelho (cadastro 01356; proc.
proc. PC 0364/41) 3151)

Belizário dos Santos (proc. PC 1512/39) J o s é Maria de Carvalho (proc. SPS 0460/
1932)
Bernardino J o s é Marques do Vale (cadas-
tro 10218/28; proc. PSE 3702/1928; Re- J o s é Maria Esteves (proc. PC 1065/1936,
gistro Geral de Presos 3888) proc. 103; proc. SPS/1918; cadastro 8230)

Cesário Pinto da Cunha (proc. PC 1511/ J o s é Martins Ruas (cadastro 9992/1921)


39; Registro Geral de Presos, 11802) J o s é de Oliveira (proc. PSE 3201/1927)
Euclides Venade Pinche (proc. SPS 0473- J o s é Proença (proc. SPS 0317/1932; ca-
A/1932; proc. SPS 2099/1937-1939; ca- dastro 01950/1927)
dastro 0492/27; proc. PC 0847/1937,
J o s é Rocha da Silva (proc. PSE 455-A/
0391/1943 e 1022/1948)
1919)
Franklin dos Santos Monteiro (proc. PSE
Júlio César Leitão (proc. PSE 322/1932-
1023)
1934; proc. PSE 460-A/1932; proc. SPS
Gil de Paiva (cadastro 01353/27; proc.
0460/1932; Registro Geral de Presos 545/34)
PSE 3151/1927)
Manuel S i m õ e s dos Santos (proc. PSE
Isaías Gomes de Pinho (proc. PSE 1063/
3151/1927)
1920)
Manuel Francisco Frutuoso (proc. PSE
J o ã o Marcelino (proc. PSE 1724/1922)
3151/1927)
J o ã o Marques Melo (proc. PSE 1359/1920)
Manuel Maria (cadastro 0 8 9 1 0 / 1 9 2 7 ,
J o ã o Pereira (proc. PSE 3201/1927) proc. s/n)

p á g . 104, j u l / d e z 1997
R V O

Manuel Pereira (cadastro 08775/1927; "Tio Brasil — Campanha contra a emigra-


proc. 3401/1927) ção", 16.2.1913

Mário Augusto Alves (PSE 3763/1928) "Solidariedade operária — duas m o ç õ e s

Militão Bessa Ribeiro (proc. QT 238/1932) do Segundo Congresso Operário Brasilei-


ro", 2.11.1913
Rodolfo Marques da Costa (proc. PSE
2329/1924) "Carta do Rio de Janeiro", 16.12.1913

Sebastião Lourenço (proc. PSE 2760/1925) A Greve — s e m a n á r i o o p e r á r i o da Ma-


nhã e propriedade do Grupo de Propa-
IMPRENSA OPERÁRIA (ARQUIVO ganda Social (Lisboa)
HISTÓRICO-SOCIAL)
Meno Vasco. "Cartas internacionais", 26
O Protesto — semanário socialista (Lisboa) e 27.6.1908

"Greve dos trabalhadores do porto de A Voz do Operário (Lisboa)


Santos", 3.10.1908 "Cartas do Brasil", 11.9.1910
Aurora (Porto) C h i c o L i s b o a . " C r ô n i c a s do B r a s i l " ,
"Crônicas do Brasil — A greve em San- 16.12.1910; 8, 15.1.1913; 26.3.1911; 2,
tos", 29.9.1912 8, 3 0 . 4 . 1 9 1 1 ; 7 . 5 . 1 9 1 1 ; 4, 1 1 , 18,
2 5 . 6 . 1 9 1 1 ; 2, 9, 16, 2 3 , 3 0 . 7 . 1 9 1 1 ;
"Na República Brasileira", 20.12.1912
10.8.1911; 8, 29.10.1911; 28.1.1912;
"Na República Brasileira. Inquisição poli-
11.2.1912; 3 . 3 . 1 9 1 2 ; 2 1 , 2 8 . 4 . 1 9 1 2 ;
cial", 23.6.1912
5.5.1912; 2,16,30.6.1912; 17,
"Do Brasil", 31.10.1915 24.11.1912, 1,8.12. 1912; 12, 19.1.1913;

"Greve geral em São Paulo", 23.9.1917 9.2.1913; 13, 2 0 . 4 . 1 9 1 3 ; 15, 2 2 ,


29.6.1913
"Uma cilada policial... e governamental",
11 e 26.11.1917 "Crônicas do Brasil", 21.4.1912

"Edgard Leuenroth", 19.5.1918 "A emigração para o Brasil", 22.9.1912

O Sindicalista (Lisboa, 1910-1913) "Carta do Brasil", 10.11.1912

"Emigrantes", 22.12.1912
"A visita dum s i n d i c a l i s t a brasileiro",
192.1911 "A emigração", 16.2.1913

"Carta do s e c r e t á r i o do Sindicato dos "A emigração", 2.3.1913


Estucadores e Pedreiros do Rio de Janei- "Aos emigrantes. A situação no Brasil",
ro", 21.7.1912 23.3.1913
"A guerra social", 8.9.1912 "A vida no Brasil", 4.5.1913
"A emigração", 16.10.1912 "Carestia de vida no Brasil", 1.6.1913
"Carta do Rio de Janeiro", 15.12.1912 "Crônica do Brasil", 8.6.1913

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 97-108. j u l / d e z 1997 - p á g . 1 0 5


A C E

"Contra a emigração", 22.6.1913 dical", 26.7.1924

"O problema da emigração I, II, III, IV", "Mo Brasil. Queimam-se as obras de Marx
31.8.1913, 7.9.1913, 14.9.1913, e de Otávio Brandão", 10.1.1925
21.9.1913 Otávio B r a n d ã o , 7.3.1925, 16.5.1925,
"Emigração portuguesa", 13.11.1913 13.6.1925

"A emigração", 15.2.1914 "Brasil. A situação econômica do seu pro-


letariado", 17.4.1926
"A moderna escravidão", 27.9.1914
A Batalha (Lisboa)
Terra Livre (Lisboa)
"Sobre a emigração", 6.7.1920
"Oh! As Repúblicas!... Contra a emigra-
Mário Domingues. "A partida para o Bra-
ção para o Brasil", 20.2.1913
sil", 25.10.1920
Clemente Vieira dos Santos. "Oh! As Re-
Eduardo Castro. "Por que emigram os tra-
p ú b l i c a s . . . E m i g r a ç ã o para o Brasil",
balhadores", 1.1.1921
6.3.1913
"A a l t a dos p r e ç o s e a e m i g r a ç ã o " ,
Federação Operária de Santos. "Oh! As
7.1.1921
Repúblicas... Emigração para o Brasil",
"O caso da Agência Financial", 8.1.1921
13.3.1913
"A emigração para Santos", 10.2.1921
"O sindicalismo no Brasil", 15.5.1913
"Crise do trabalho no Brasil", 29.3.1921
"No Brasil. Carestia de vida", 1.5.1913
"A campanha nativista", 6.4.1921
Astrojildo Pereira. "Quanabarinas",
26.6.1913, 15.5.1913, 1.5.1913 "Lá como cá - os atentados dinamitistas
no Rio", 17.8.1921
Santos Barbosa. "Mo Brasil a onda cres-
"Conseqüências do patriotismo: o
ce", 19.6.1913
jacobinismo brasileiro", 21.8.1921
A Sementeira — publicação mensal, crí-
"A a ç ã o dos c o m u n i s t a s no B r a s i l " ,
tica e sociológica (Lisboa)
17.8.1921
Neno Vasco. "O movimento anarquista no
J o s é Oiticica. "A q u e s t ã o religiosa no Bra-
Brasil", maio de 1911
sil", 21.8.1921
Primitivo Soares. "A questão social no Bra-
Meno Vasco. "A propósito da organização
sil", 1.4.1916 e 1.5.1916
de um partido operário", 15.9.1921
Astrojildo Pereira. "Deste Brasil", março,
Afonso Schimidt. "À margem do progra-
abril e junho de 1919
ma comunista", 11 e 17.9.1921
A Internacional (Lisboa)
Astrojildo Pereira. "O movimento social
Astrojildo Pereira. "Brasil. A situação sin- no Brasil", 27.8.1921

p á g . 106. j u l / d e z 1997
R V O

"O Brasil visto por um anarquista italia ra à guerra", 9.1.1909


no", 4.9.1921 O Trabalho (Lisboa)
Guerra Social Jaime Ferreira Dias. "Emigração: a vida
Manuel Moscoso. "Cartas do Brasil. Quer do campo e a febre do êxodo", 10.11.27

n O T A s
1. O trabalho contou com o a u x í l i o da CAPES e foi desenvolvido de janeiro a julho de 1996, sob
o r i e n t a ç ã o de Míriam Halpern Pereira, professora do Instituto Superior de C i ê n c i a s do Traba-
lho e da Empresa (Lisboa).
2. De acordo com normas do Arquivo nacional da Torre do Tombo, os processos posteriores a
1927 s ó podem ser pesquisados a p ó s cerca de sessenta dias a partir da data do pedido de
sua consulta. Outro problema relativo a essas fontes é identificar, com s e g u r a n ç a , os proces-
sos referentes à s pessoas a serem investigadas, tia medida em que s ã o muito comuns os
h o m ô n i m o s , torna-se n e c e s s á r i o colher o maior n ú m e r o de dados individuais (idade, local
de nascimento, filiação etc.) a fim de se obter o processo procurado a partir da r e l a ç ã o de
nomes apresentada nos computadores.

3. Ver Maria da C o n c e i ç ã o Ribeiro, A polícia política no Estado ttovo (1926-1945), Lisboa,


Estampa, 1995.

4. É o caso, por exemplo, de Militáo Bessa Ribeiro que. em sua autobiografia anexada ao
processo, afirma ter vindo para o Brasil em 1909, com a idade de 13 anos. "Empregou-se
como o p e r á r i o numa f á b r i c a de a l g o d ã o , onde trabalhou muitos anos como t e c e l á o . Condu-
ziu v á r i a s lutas reivindicativas na sua fábrica, que tinha mais de mil o p e r á r i o s , e foi dirigente
sindical de sua classe. Filiou-se ao Partido Comunista do Brasil, onde em breve foi chamado
para os seus cargos e onde travou conhecimento com alguns de seus dirigentes". Foi expulso
do Brasil ( n á o menciona a data), mas conseguiu desembarcar clandestinamente sem ser
preso. Seguiu para sua terra natal, em T r á s - o s - M o n t e s , c o m e ç a n d o a "fazer propaganda e a
organizar lutas do campesinato". o que lhe custou anos de p r i s ã o na d é c a d a de 1930 (pro-
cesso QT 238). J ú l i o C é s a r Leitão foi expulso do Brasil em 1927 como 'agitador comunista'.
De regresso a Portugal, "efetuada uma r e u n i ã o , o epigrafado orientou os presentes na forma
de se organizar o PCP (Partido Comunista de Portugal), copiando para esse fim a o r g a n i z a ç ã o
brasileira de que o epigrafado tinha feito parte durante sete anos" (processo SPS 460),
tendo sido preso v á r i a s vezes (processo SPS 322 e PSE 4960).

5. É o caso de B e l i z á r i o dos Anjos, expulso do Rio de Janeiro em 1939, preso sob a a c u s a ç ã o ' d e
ser comunista e posto em liberdade por n â o haver 'prova de culpa' (processo PC 15512/39).
Outro caso encontra-se em um processo incluindo onze portugueses acusados de organiza-
rem uma 'greve r e v o l u c i o n á r i a ' na Light, no Rio de Janeiro. O diretor da Polícia de Informa-
ç õ e s do Ministério do Interior escreveu um r e l a t ó r i o afirmando que haviam sido expulsos
"sem processo formado e sem i n t e r r o g a t ó r i o p r é v i o , limitando-se as autoridades do Brasil a
indagar deles se tinham sido, ou eram, empregados da citada Light" (a maioria nem mais
pertencia aos quadros da empresa), a l é m de citar i n ú m e r a s outras arbitrariedades policiais.
(Processo PSE 3151). Estudos detalhados sobre tais arbitrariedades encontram-se em Sheldon
Leslie Maram, Anarquistas, imigrantes e o movimento operário (1890-1920), Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1979; Paulo S é r g i o Pinheiro, " V i o l ê n c i a e cultura". B o l í v a r Lamounier et a l . ,
Direito, cidadania e participação, S ã o Paulo, T. A. Queiroz, 1981.

6. Os jornais que maior destaque deram à s e x p u l s õ e s foram O Século (grande imprensa). Terra
Livre (1913) e A Batalha (1919-21).

7. Meno Vasco permaneceu uma d é c a d a no Brasil, fixando-se definitivamente em Portugal em


1911. Ver J o ã o Freire, " I n t r o d u ç ã o " , Meno Vasco, C o n c e p ç ã o anarquista do sindicalismo.
Porto, Afrontamento, 1984.
8
- Mo Múcleo Jorge Quaresma (caixa 33) h á a biografia de um militante, A n t ô n i o Costa, que
"muito novo andou pelo Brasil e Argentina, tendo tido contatos com companheiros dessas
nacionalidades".

9. Um guia de pesquisa bastante valioso é o Catálogo do Arquivo Histórico-Social. 2 vols.,


Lisboa, 1983-84.

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 97-108. j u l / d e z 1997 - p á g . 1 0 7


10. Pinto Quartim nasceu no Rio de Janeiro em 1887 e mudou-se para Portugal aos sete anos de
idade. Dirigiu, em 1913, o s e m a n á r i o Terra Livre, quando, sob a c u s a ç ã o de abuso de liberda-
de de imprensa, foi deportado por dez anos para o Brasil. Mo Rio de Janeiro, exerceu a
p r o f i s s ã o de jornalista, regressando a Portugal em 1915.
11. O Instituto de C i ê n c i a s Sociais publicou alguns n ú m e r o s do Boletim de Estudos Operários,
p e r i ó d i c o rico em i n f o r m a ç õ e s sobre acervos, m e m ó r i a s , p u b l i c a ç õ e s e biografias o p e r á r i a s ,
a l é m de artigos e resenhas de livros sobre o movimento o p e r á r i o em Portugal e em outros
países.
12. O melhor guia para a pesquisa no Arquivo f l i s t ó r i c o - P a r l a m e n t a r , Arquivo Geral da Marinha,
Arquivo Histórico-Militar, Arquivo H i s t ó r i c o do M i n i s t é r i o s dos M e g ó c i o s Estrangeiros, Arqui-
vo H i s t ó r i c o do Tribunal de Contas e Arquivo H i s t ó r i c o da C â m a r a Municipal de Lisboa en-
contra-se em Miriam Halpern Pereira et al.. Roteiro de fontes da história portuguesa contem-
porânea. Instituto Macional de I n v e s t i g a ç ã o Científica, Lisboa, 1985. Ver, t a m b é m , da mesma
autora, A política portuguesa de emigração: 1850-1930, Lisboa, A Regra do Jogo, 1981.

13. Os r e l a t ó r i o s consulares devem ser procurados na pasta R e l a t ó r i o s e Monografias, a partir


dos nomes dos c ô n s u l e s das cidades pesquisadas. Bahia, C e a r á , Manaus, M a r a n h ã o , Pará,
Pernambuco, Porto Alegre, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro contam com caixas e s p e c í f i c a s
de ' C o r r e s p o n d ê n c i a recebida dos consulados de Portuga'. O arquivo possui resumos ma-
nuscritos de todas as c o r r e s p o n d ê n c i a s consulares da Bahia. Pernambuco, Pará e Rio de
Janeiro. O consulado e a embaixada de Portugal no Rio de Janeiro e s t ã o contemplados com
pastas, livros e caixas depositados nos Arquivos das R e p r e s e n t a ç õ e s D i p l o m á t i c a s e Consu-
lares de Portugal.

A B S T R A C T
This article is the partial result of a research done in the Portuguese archives during seven

months for the development of the project 'Portuguese Colony of Santos: Immigration, Culture

and Working Class (1880-1930)'. It proposes to show some possibilities of research about the

relation between labour movement and Portuguese immigration to Brazil, from the beginning of

the century to the thirties, through the indication of contents of documents and respectives

archives of Lisbon.

R É S U M É
Cet article est le r é s u l t a t partiel d'une é t u d e des archives portugais, m e n é e pendant sept mois,

en vue de d é v e l o p p e r le projet 'La Colonie Portugaise à Santos: Immigration, Travail, Culture et

Mouvements Sociaux (1880-1930)'. On y veut montrer quelques possibilites de recherche sur le

rapport entre le mouvement ouvrier et l'immigration portugaise au Brésil. à partir du d é b u t du

s i è c l e j u s q u ' à la d é c a d e de 1930, partant de la p r é s e n t a t i o n du contenu des documents et des

archives respectives de Lisbonne.


Maria Manuela R. de Sousa Silva
Professora Adjunta do Departamento de História/IFCS/UFRJ.

Poréui [meses mo .Brasil


I m a g i n á r i o social e t á t i c a s cotidianas

(1880-1895)

D
esde o final da ddécadi
écada Por toda a parte irrompem minori-
de 1960 se instaura er
em as organizadas reivindicando um
nossa cultura ocident
ital ugar na história, exigindo direitos
uma crise sem precedentes. O con- tradicionalmente cassados ou sim-
senso social em torno da grande nar- plesmente náo reconhecidos. Mão dçi-
rativa ordenadora que, desde os xa de ser significativo que, a partir dos
primórdios da modernidade, alimenta um anos de 1950, o vocábulo 'identidade' se
otimismo inabalável no progresso, nos desprenda de seus antigos contextos
avanços tecnológico e científico e na con- (campo da matemática, da lógica, da fi-
tínua e x p a n s ã o de bens e serviços aces- losofia e do idealismo g e r m â n i c o dos iní-
síveis a um n ú m e r o cada vez maior de cios do século XIX), passando a ocupar
homens, começava a ser alvo de d e s c r é - um lugar proeminente nas ciências hu-
dito. São anos marcados por profundas manas e sociais.
desilusões, por conflitos e t e n s õ e s soci- Assistimos e n t ã o à o r g a n i z a ç ã o dessas
ais oriundas dos m u r m ú r i o s irracionais minorias em grupos de p r e s s ã o política
das massas, dos ruídos inquietantes dos e ideológica, que passam a questionar a
grupos outrora silenciados, mas que a antiga ordem social e suas hierarquizações,
partir de agora passam a denunciar sua procurando, através de múltiplas táticas,
exclusão do sistema. nem sempre pacíficas, impor o reconhe-

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2, pp. 109-118, jul/dez 1997 - pág.109


A C

cimento de seus direitos e c o n s e q ü e n t e - as diversas t á t i c a s de r e s i s t ê n c i a , em


mente o respeito à alteridade. face das hostilidades e ressentimentos
acumulados ao longo de uma frustrante
São os trabalhadores, os estudantes, as
e dolorosa convivência entre ex-coloni-
mulheres, os marginais, os pobres, os
zadores e ex-colonizados que em pouco
velhos, as minorias étnicas, raciais, reli-
ou nada coincidiam com os discursos ofi-
giosas, sexuais e t c , por fim saindo do
ciais. Estes, ora apontavam para uma
anonimato e do esquecimento, rastreando
convivência cordial e pacífica, tecida por
e reconstruindo suas próprias identida-
laços de fraternal amizade, cimentados
des, cujas m e m ó r i a s não coincidem com
por uma língua, cultura e experiência his-
os discursos de saber, a t é e n t ã o elabo-
tórica partilhadas, ora procuravam cons-
rados pelos historiadores.
truir uma imagem totalmente hostil à
Mas, se é verdade que vivemos um mo- c o l ô n i a portuguesa, tentando apagar
mento marcado pela inflação de discur- qualquer traço em comum, circunstância
sos que apontam para a diferença, para entendida como fundamental para cons-
o respeito à s alteridades e c o n s e q ü e n t e - tituir uma nação soberana, na contramão
mente aos direitos das minorias, o fato é de um passado colonial. Esta última ten-
que nossos tempos de 'renascimento ét- dência ganharia ampla r e s s o n â n c i a na
nico' s ã o marcados pelo extermínio e a opinião pública nos anos difíceis que se
morte do 'outro', seja ele o estrangeiro, seguiriam à i m p l a n t a ç ã o da República,
o negro, o pobre, o imigrante, ou sim- principalmente devido à propaganda ide-
plesmente o que difere de nós. ológica antilusitana dos jacobinos.

Foi, sem dúvida, este paradoxo que des- Porém, desde o início da imigração por-
pertou em mim o interesse em rastrear tuguesa massiva para o Brasil, as rela-
as m e m ó r i a s sociais dos imigrantes por- ções de convivência social entre súditos
tugueses no Brasil, tentando apreender portugueses e brasileiros foram

o
Exposição comemorativa do 4 centenário do Brasil na Sociedade Propagadora das Belas Artes. Rio de
Janeiro, 1900. Arquivo Nacional.

p á g . 1 10. j u l / d e z 1997
K V

marcadas por t e n s õ e s . Estas eram de- positivos legais acarretava a ilegalidade


correntes das frustrações, das expecta- dos contratos assinados, deixando os imi-
tivas e i n t e r e s s e s contraditórios e grantes, uma vez em terras brasileiras,
ambivalentes que, a cada conjuntura, pu- entregues à sua própria sorte. Porém,
nham em a ç ã o diferentes táticas de so- eram comuns os casos de imigrantes que
brevivência cotidiana, tecidas por astú- não se deixavam facilmente abater pela
cias sempre em mutação de sentido. situação, reagindo com as armas de que
dispunham. Estas podiam ir da fuga do
Os pontos geradores de maior t e n s ã o
local de trabalho, ainda que sob a amea-
poderiam ser, tratando-se de imigrantes
ça dos rigores da lei, à simples recusa
destinados ao setor agrícola, o
em trabalhar no ritmo proposto pelos ca-
descumprimento das cláusulas que regi-
patazes ou ainda à denúncia em jornais
am os contratos de locação de serviços
portugueses ou através das autoridades
ou contratos de parceria agrícola, atra-
consulares, passando pela o r g a n i z a ç ã o
vés de vários artifícios que burlavam a
de movimentos de rebelião, atitudes que
lei, decorrentes, na maioria das vezes,
expressavam uma reação à s d e s i l u s õ e s ,
da ganância de angariadores de m ã o - d e -
obra i m i g r a d a em c o n i v ê n c i a com aos sonhos frustrados e à exploração de

tabeliães e patrões, situação decerto fa- que eram vítimas.

cilitada pela ignorância e boa-fé dos tra- Outro foco de atrito era constituído pe-
balhadores emigrantes. las constantes rebeliões contra as péssi-

Dentre as situações irregulares mais co- mas condições de higiene e a l i m e n t a ç ã o ,

muns, sobressaem aquelas em que o con- ou ainda contra a s u p e r p o p u l a ç ã o , nas

trato era um simples instrumento parti- precárias instalações reservadas à hos-

cular (um recibo ou escritura) e não uma pedagem provisória dos imigrantes. Um

pública forma, celebrada perante tabe- motim de grande repercussão ocorreu em


lião; as assinaturas dos contratados fei- 1888, quando cerca de dois mil imigran-
tas a rogo de terceiros, mesmo quando tes, em grande n ú m e r o oriundos das
os imigrantes sabiam assinar seu nome; Ilhas Atlânticas, se colocaram em pé de
a ausência do visto obrigatório do gover- guerra contra as precárias a c o m o d a ç õ e s
nador civil, bem como do reconhecimen- e a p é s s i m a qualidade da a l i m e n t a ç ã o
1
to do cônsul brasileiro sediado em terri- fornecida.
tório português, ou finalmente a
Mas os imigrantes açorianos e
inexistência de um dispositivo legal no
madeirenses rebelar-se-iam ainda por
contrato proibindo a c e s s ã o de serviços
outro motivo. A Sociedade Central de Imi-
a terceiros, o que era amplamente prati-
gração e a Inspetoria de Terras e Coloni-
cado.
zação haviam tentado promover a sepa-
A ausência de qualquer um desses dis- ração entre os pais e filhos menores, sob

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 109-118. jul/dez 1997 - pág.111


a alegação de que desta forma se facili- de processos abertos por familiares ou
taria sua colocação nas fazendas de café. tutores e à s r e c l a m a ç õ e s diárias veicu-
3

Anos antes, em fevereiro de 1882, quan- ladas pela imprensa portuguesa . Contu-
do da internação de imigrantes na pro- do, boa parte dos jovens que havia esca-
víncia de São Paulo, devido a um surto pado ao recrutamento ilegal poderia ser
de febre amarela, mais de írezentos imi- presa fácil dos destacamentos militares
grantes açorianos sublevados, alertaram que patrulhavam a cidade. De fato, se
o vice-cônsul p o r t u g u ê s para o fato de por acaso esses jovens fossem revista-
estarem dispostos a reagir à bala, se ne- dos e não pudessem apresentar os do-
cessário fosse, caso a Inspetoria de Ter- cumentos, comprovando sua condição de
ras e Colonização insistisse em separar estrangeiros regularmente admitidos no
os homens de suas crianças e mulheres, país (passaporte ou inscrição consular),
sob a a l e g a ç ã o de que isto favoreceria eram imediatamente presos e encami-
sua alocação nos postos de trabalho. 2 nhados à s e s t a ç õ e s policiais, de onde
posteriormente seguiam para a Casa de
A q u e s t ã o do recrutamento ilegal de me-
Detenção.
nores portugueses para as fileiras do
Exército, Marinha e destacamentos da Porém, muitos desses jovens, a p ó s alguns
polícia foi t a m b é m , ao longo do século dias de reclusão, eram conduzidos, à for-
XIX, uma fonte de constante tensão en- ça, para estabelecimentos agrícolas si-
tre as autoridades consulares e as auto- tuados no interior fluminense, onde en-
ridades brasileiras, em face do volume grossavam o contingente de trabalhado-

Vista d a praça Q u i n z e de Novembro e da ilha das Cobras. Rio de Janeiro, 1900. Arquivo Nacional.

p á g . 1 1 2 , j u l / d e z 1 997
R V O

res rurais. Esta modalidade ilegal de tra- liciais, com a conivência das autoridades.
balho compulsório resultava, na maioria Mas a violência poderia chegar a formas
das vezes, de um conluio estabelecido mais brutais, como espancamentos, aten-
entre os delegados e fazendeiros, que, tados, estupros e outros crimes.
sem qualquer ô n u s , passavam assim a
Assim, entre os anos de 1878 e 1889 fo-
dispor de mão-de-obra para suas lavouras.
ram instaurados 110 processos, sendo
Ainda em relação aos imigrantes meno- todos eles contra brasileiros ou ó r g ã o s
res de idade, a correspondência consu- oficiais. De uma maneira geral, os inqué-
lar, bem como o noticiário veiculado pela ritos consulares eram abertos a partir de
imprensa, freqüentemente nos informam uma denúncia pessoal (familiares da ví-
sobre casos de prisão irregular de jovens tima, vizinhos ou comerciantes sediados
que, não sendo desocupados, se dedica- no local da ocorrência) ou via imprensa,
vam a pequenas atividades e c o n ô m i c a s referindo-se apenas aos casos mais gra-
informais, sendo utilizados como vende- ves, dos quais haviam resultado agres-
dores ambulantes, carregadores de mer- s õ e s físicas ou morte da vítima.
cadorias, estafetas, m o ç o s de recados
Se compararmos estes dados com as no-
etc, atividades em que tiravam muitas
tícias divulgadas pela imprensa, agora
vezes o sustento próprio e o da família.
cobrindo apenas o p e r í o d o que vai de
É através dos processos que acompa- 1880 a 1888, verificaremos que num to-
nham boa parte da correspondência con- tal de 121 ocorrências envolvendo exclu-
sular que podemos mapear os principais sivamente s ú d i t o s p o r t u g u e s e s , três
focos de t e n s ã o e conflito gerados no eram referentes à prisão arbitrária, 11 a
calor dos enfrentamentos cotidianos en- invasões de domicílio por policiais e ca-
tre portugueses e nacionais, bem como poeiras, dois diziam respeito a s e q ü e s -
rastrear as diversas táticas de resistên- tros praticados por soldados, um a estu-
cia, assimilação e negociação que se ins- pro de criança, 35 a flagrantes de espan-
4
crevem nas práticas sociais . camento, em grande parte motivados por
rixas de trabalho, 28 a prisões sem cul-
Invariavelmente, os processos apontam,
pa formada, quatro a abusos de autori-
todos eles, para situações de conflito em
dade cometidos por delegados e polici-
que os s ú d i t o s portugueses aparecem
ais, vinte a atentados e 15 a assassinatos.
como vítimas de vários tipos de violên-
cia. Esta podia concretizar-se num sim- São igualmente bastante comuns os tes-
ples saque a uma casa comercial, sob a temunhos referentes à p a r t i c i p a ç ã o de
alegação g e n é r i c a de seu p r o p r i e t á r i o imigrantes portugueses nos conflitos ur-
explorar os nacionais'; ou ainda num ato banos que agitaram o Rio de Janeiro no
de invasão de domicilio cometido por ca- final do século XIX e nas primeiras déca-
poeiras infiltrados nos destacamentos po- das do século seguinte, q u e s t ã o que de-

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 109-118. Jul/dez 1997 - p á g . 113


A C

safla as autoridades diplomáticas, dese- riedade em todas as m a n i f e s t a ç õ e s da

josas de manter uma política de boa vizi- vida p ú b l i c a e particular, este entrela-

nhança. Em 1880, na seqüência das ar- ç a m e n t o complexo e absoluto de fa-

ruaças urbanas provocadas pêlo novo im- m í l i a s , de n e g ó c i o s , de empresas, de

posto de vinte réis por pessoa transpor- interesses de toda a ordem, que qua-

tada nos bondes, teriam sido feridos e se tiram ao imigrante p o r t u g u ê s no

presos vários 'agitadores portugueses', Brasil os direitos de s ú d i t o s estrangei-

decerto simpatizantes do movimento de- ros, porque modificados e s t ã o na prá-

sencadeado por Lopes Trovão e que, por tica e pela força das coisas, os seus de-

dias a Tio, enfrentariam a polícia nas ruas veres. 6

do centro da cidade.
Mas o envolvimento de imigrantes portu-
Anos mais tarde, j á em pleno regime re- gueses vai além dos conflitos de rua. Ma-
publicano, voltamos a encontrar a pre- nifestava-se, igualmente, por meio de de-
sença de trabalhadores portugueses nos bates veiculados pela imprensa, aspecto
graves conflitos de rua, ocorridos por oca- que é amplamente denunciado e critica-
sião das greves desencadeadas em no- do pelas autoridades consulares. A este
vembro, quando da queda de Deodoro e respeito as palavras do cônsul-geral de
da subida ao poder de Floriano Peixoto, Portugal no Rio de Janeiro, dr. Manuel
ou ainda nos tumultos desencadeados Qarcia da Rosa, s ã o e m b l e m á t i c a s . Ao
durante a greve dos trabalhadores da criticar o constante envolvimento de sú-
Estrada de Ferro da Central do Brasil. ditos portugueses nas a r r u a ç a s e confli-

Em 1892, trabalhadores portugueses da tos urbanos, afirma:

Estrada de Ferro de Sapucaí voltam a re- ... os portugueses aqui residentes es-
belar-se, decretando greve por pagamen- quecem-se que s ã o estrangeiros e to-
to de salários atrasados. Paralelamente, mam parte na p o l í t i c a brasileira, qua-
elaboram um documento com suas rei- se com mais afoito que os p r ó p r i o s na-
vindicações que encaminham ao cônsul- cionais, n ã o se contentando em falar,
geral de Portugal no Rio de Janeiro, soli- mas recorrendo a t é à imprensa, o que
citando sua intermediação junto ao go- tem por vezes dado l a m e n t á v e i s resul-
verno brasileiro, com o objetivo de obter 7
tados.
deste o rápido cumprimento das obriga-
5 Um desses 'lamentáveis' incidentes com
ç õ e s patronais assumidas.
a imprensa havia ocorrido em torno do
Como bem observava o ministro pleni- j o r n a l Corsário, de p r o p r i e d a d e de
potenciário de Portugal no Brasil, conde Apulcho de Castro, que denunciara em
Paço de Arcos, em 1893: suas páginas vários abusos de autorida-
... é esta p a r t i c i p a ç ã o ativa e quase de cometidos por brasileiros contra sú-
preponderante, esta constante solida- ditos portugueses.

p á g . 114. j u l / d e z 1997
R V O

Anos mais tarde, outros jornais portugue- se opunha frontalmente à s diretrizes do


ses também s e r ã o vítimas de p e r s e g u i ç õ e s governo brasileiro, que através do de-
e atentados, como é o caso da Gazeta Lu- creto de 10 de outubro de 1893 havia
sitana (1882-1889), invadida três vezes em considerado os revoltosos n ã o simples
represália à s d e n ú n c i a s feitas contra poli- dissidentes políticos, mas criminosos de
ciais integrantes da Guarda nacional, acu- guerra.
sados de atentarem contra a vida de súdi- "T ' ^ ra o início de uma longa e dra-
tos portugueses. mática disputa diplomática que
Mas é na última d é c a d a do século XIX e > l^íexpunha contradições, mal-
nas duas primeiras do seguinte que se entendidos, interesses conflitantes e
adensam as t e n s õ e s entre portugueses e ressentimentos m ú t u o s . É exatamente
nacionais, inscrevendo no imaginário so- o momento propício para o recrudesci-
cial novas formas de rejeição. Assim, à mento de uma onda de indignação po-
antiga e desgastada imagem do português, pular contra Portugal, considerado ini-
visto pela p o p u l a ç ã o brasileira como o ex- migo da causa nacional republicana e,
plorador/colonizador/patrão, acrescenta-se por extensão, inimigo do povo brasilei-
a de estrangeiro/monarquista/conspirador. ro, sentimento que foi amplamente ex-
De fato, o momento político é difícil a p ó s plorado na imprensa pelos jacobinos,
a implantação da República, em decorrên- facção política constituída por grupos
cia dos graves incidentes da Revolta da Ar- republicanos mais radicais pertencen-
mada no início de setembro de 1893, na tes à s camadas m é d i a s urbanas emer-
baía da Guanabara, que irão provocar o gentes.
rompimento das relações diplomáticas en-
O sentimento antilusitano generaliza-
tre os dois p a í s e s tradicionalmente 'ir-
se, graças não só à propaganda
mãos'.
jacobinista, mas t a m b é m à postura do
Após a ocupação d a fortaleza de governo que, se n ã o apoia abertamen-
Villegaignon pelos revoltosos 'monarquis- te qualquer tipo de represália ou vio-
tas', sob o comando direto de Custódio de lência para com os portugueses, na prá-
Melo, o governo de Floriano Peixoto, em tica nada faz para evitá-las.
face das hostilidades, solicita aos países
De agora em diante os portugueses, in-
estrangeiros que tinham navios fundeados
dependentemente de suas o p ç õ e s polí-
na baía, apoio estratégico-militar para sus-
ticas e ideológicas, seriam considera-
tar a ação dos beligerantes e desta forma
dos pelos jacobinistas como inimigos da
evitar o bombardeamento do Rio de Janeiro.
República, por serem inveterados segui-
A situação de Portugal no conflito armado dores ou simples admiradores da cau-
complica-se de vez, a p ó s a c o n c e s s ã o de sa monárquica. Se, por um lado, a ide-
asilo político aos revoltosos, atitude que ologia jacobinista convertia suas des-

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 109-118. jul/dez 1997 - p á g . 1 1 5


A C E

confianças contra os súditos portugueses Em Portugal, localiza-se o foco que ins-


num único p a d r ã o homogeneizador de pira maior p r e o c u p a ç ã o à s autoridades
comportamento político, simplificando a republicanas. De fato, é de Lisboa que
q u e s t ã o , pois transformava-os em 'bode se articula um pólo de d i s s e m i n a ç ã o das
expiatório', por outro, sinalizava uma si- idéias contrárias à República, bem como
t u a ç ã o que n ã o era nem um pouco in- ao governo Floriano Peixoto, tendo por
fundada. veículo a conhecida Revista de Portugal,

A este respeito, o desabafo do diplomata dirigida por Eça de Queirós. Mela s â o ci-

português conde F a ç o de A r c o s é tados vários artigos da autoria de Eduar-

e m b l e m á t i c o . Em correspondência enca- do Prado que, invariavelmente, os assi-

minhada ao Ministério das Relações Ex- nava com o p s e u d ô n i m o de Frederico S.

teriores do governo Floriano Peixoto, a Um outro locus de t e n s ã o era constituído


certo momento afirma: "... esta iníqua pela moradia popular urbana. Em torno
propaganda que pesa sobre toda a colô- dela se agudizavam os conflitos que, tan-
nia portuguesa indiscriminadamente é to podiam opor trabalhadores portugue-
enganosa pela generalização". E mais adi- ses a trabalhadores nacionais, quanto
ante acrescenta: proprietários portugueses a autoridades
municipais brasileiras. Esta q u e s t ã o , que
Os portugueses que afinal s á o acolhi-
j á começara a delinear-se no final da dé-
dos com b e n e v o l ê n c i a no p a í s , n á o se
cada de 1880, ganha nos últimos anos
lhes perguntando se s á o plebeus ou
do século XIX e nos que se seguem no-
fidalgos, c a t ó l i c o s ou livre-pensado-
vas e inusitadas p r o p o r ç õ e s , na seqüên-
res, republicanos ou n á o , mas acabam
cia das profundas transformações de ca-
por abusar da magnanimidade brasi-
ráter modernizador que vão ocorrer no
leira. São estes mesmos portugueses
e s p a ç o urbano.
de todas as condições que fomentam

às claras ou ocultamente o espírito de Numa cidade que se expandia rapidamen-


reação contra o governo constituído te, procurando disciplinar seu e s p a ç o , e
(grifo meu). 6
que enfrentava ano a p ó s ano um cres-
cente aumento de sua p o p u l a ç ã o traba-
Pelas ponderadas palavras do diplomata
lhadora, a moradia popular passava a
p o r t u g u ê s , fica bastante claro que as des-
constituir um verdadeiro drama para as
confianças dos jacobinos, tanto quanto a
classes mais desfavorecidas.
animosidade do governo brasileiro, não
eram de todo infundadas. De fato, logo Hoje sabemos que uma parte significati-
que a República é implantada no Brasil va das moradias populares estavam em
surgem opiniões e atos de franca hostili- m ã o s de portugueses. De acordo com a
dade ao novo regime, veiculados na im- d o c u m e n t a ç ã o disponível, só nos bairros
prensa brasileira e estrangeira. de São J o s é e da Glória, que no início do

p á g . 1 16. j u l / d e z 1997
K V O

século eram mais densamente povoados, xa de ser desconcertante o fato de que


existiam 414 proprietários portugueses, estes ú l t i m o s , sendo t ã o m i s e r á v e i s
representando 58% do total dos donos de quanto os seus agressores, estavam ex-
cortiços da área. postos ao mesmo tipo de e x p l o r a ç ã o .
Porém, o fato de terem moradia no cen-
lias fontes consulares encontramos inú-
tro da cidade, propriedade de patrícios,
meros processos encaminhados por pro-
próximo aos locais de trabalho, tornava-
prietários de cortiços, solicitando ao go-
os verdadeiramente 'privilegiados' aos
verno brasileiro o ressarcimento dos da-
olhos dos trabalhadores nacionais.
nos e perdas decorrentes das invasões,
saques e d e s t r u i ç ã o de instalações por Viver em constante t e n s ã o era o cotidia-
grupos de brasileiros desordeiros. Qua- no da convivência social entre s ú d i t o s
se s e m p r e estes incidentes eram portugueses e nacionais. Se, por um lado,
deflagrados por turbas populares que, essa t e n s ã o constituiu a e x p r e s s ã o de so-
aproveitando as inspeções sanitárias re- nhos frustrados, do choque de interes-
alizadas pela Jnspetoria-Qeral de Higie- ses ou ainda de visões peculiares do mun-
ne da Prefeitura, provocavam quebras- do, por outro lado, deu origem a um es-
quebras generalizados, além de atos de paço de negociação, em que as táticas
violência contra os inquilinos, na sua mai- postas em circulação teciam suas espe-
oria trabalhadores portugueses. Hão dei- cíficas astúcias de sobrevivência.

M O T A S
1- Gazeta Lusitana. Rio de Janeiro, 31.12.1888.

2. Consulado-Geral de Portugal no Rio de Janeiro. Caixa 221, anos 1884-1886. Doe. 16, s é r i e A,
25.8.1885. Arquivo do MME/SE/Lisboa-Portugal.
3. Gazeta Lusitana. Rio de Janeiro, 24.3.1889.

*• L e g a ç ã o de Portugal no Rio de Janeiro. P r o t e ç ã o a s ú d i t o s portugueses. Caixa 975/977, anos


1887-1890. Arquivo do M Ü E / S E / L i s b o a - P o r t u g a l .

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n" 2, pp. 109-118, jul/dez 1997 - p á g . 1 1 7


5. C o r r e s p o n d ê n c i a da r e p r e s e n t a ç ã o d i p l o m á t i c a de Portugal no Brasil. Mota 68. 14.10.1893.
Arquivo 288.2,12 do Arquivo H i s t ó r i c o do Itamarati.
6. L e g a ç ã o de Portugal no Rio de Janeiro. P r o t e ç ã o a s ú d i t o s portugueses. Caixa 975. Doe. 3,
proc. 8, s é r i e A, 30.05.1893. Arquivo MNE/SE/Lisboa-Portugal.
7. L e g a ç ã o de Portugal no Rio de Janeiro. Caixa 219. Anos 1880-1881. Doe. 5, s é r i e A, reserva-
do, 13.10.1880. Arquivo MME/SE/Lisboa-Portugal.
8. C o r r e s p o n d ê n c i a da r e p r e s e n t a ç ã o d i p l o m á t i c a de Portugal no Brasil. Mota de 18.12.1891.
Arquivo 288,2,11. Arquivo H i s t ó r i c o do Itamarati.

A B S T R A C T
This article intends to discuss everyday conflits and tensions that opposed Portuguese subjects
m ,h
and Brazilian during the last years of 19 century and the beginning of 20 century.

R É S U M É
Cet article fait une breve esquisse des conflits et tensions sociaux quotidiens qui opposaient les
t m e
Portugais et les B r é s i l i e n s d ê s la fin du XIX s i è c l e et pendant les deux p r e m i è r e s d é c a d e s du

XX'"" s i è c l e .
Walter i . Piazza
Professor doutor, titular da Universidade
Federal de Santa Catarina, inativo. Membro efetivo
do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina.

A s e eirenses no
Sul do B r a s i l

A
contribuição açoriana do Brasil sul tratavam do as-
e madeirense foi ex- sunto a partir do conhecimento
pressiva para a forma da documentação existente
ção da identidade nacional, apesar a q u é m Atlântico e que n ã o era
de ser pouco referida no contexto das mi- muito esclarecedora. Daí a necessidade
grações brasileiras, tendo ocorrido des- de aprofundar as investigações
de os primórdios da o c u p a ç ã o do solo arquivísticas e a leitura crítica da docu-
brasileiro, no período colonial, por po- m e n t a ç ã o existente em arquivos brasilei-
vos de língua e nacionalidade portugue- ros e portugueses.
sas.
A imigração a ç o r i c o - m a d e i r e n s e para o
A expressividade dessa imigração para o
Brasil meridional tem dois tipos de fun-
Brasil meridional, em pleno século XVIII,
damentos: o sócio-econômico, que influi
não fora merecedora de estudos mais
sobre a população dos a r q u i p é l a g o s dos
aprofundados, a t é recentemente. Os au-
Açores e da Madeira, e o político, repre-
tores açorianos e madeirenses simples-
sentado pela ação da monarquia portu-
mente limitavam-se a dar uma ou outra
guesa.
informação, sem aprofundar a matéria,
porquanto era tido como natural que seus Das nove ilhas do a r q u i p é l a g o dos Aço-
conterrâneos migrassem. Os estudiosos res, oito s ã o v u l c â n i c a s , c o m s o l o s

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 1 1 9 - 1 2 8 , j u l / d e z 1997 - p á t ; . 119


A C E

basálticos, sujeitas a e r u p ç õ e s e tremo- m ã o - d e - o b r a agrícola, sujeita aos pro-


res de terra, excetuando-se a ilha de San- prietários de terras, num regime de semi-
ta Maria. escravidão.

A partir de 1444, encontramos registros A luta das Coroas ibéricas pela


sobre o vulcanismo no arquipélago dos hegemonia no Atlântico Sul, notadamente
Açores. Esses sismos provocavam no que concerne à bacia platina, se de-
i n t r a n q ü i l i d a d e entre seus moradores, senvolveu nos campos militar e diplomá-
que, j á em 1720, pleiteavam para serem tico. Poder-se-ia remontar à s bulas Inter

transportados para o BrasH. Procede-se, coetera e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , ao Trata-


e n t ã o , a um alistamento na ilha do Pico, do de Tordesilhas e observar o desen-
onde s ã o inscritas 1.435 pessoas, pro- volvimento da disputa até os idos de 1746.
nunciando-se favoravelmente sobre esse
Mo terreno militar, deve-se considerar a
alistamento, outras c â m a r a s municipais
fundação na margem setentrional do rio
das diversas ilhas.
da Prata, em 1640, da Colônia do Sacra-
Outros fatores sociais e econômicos po- mento, que se tornou, desde então, pomo
dem ser aduzidos. de discórdia entre as Coroas ibéricas.

As ilhas dos Açores estavam superpovo- Para enfrentar os constantes ataques es-
adas, o que, periodicamente, incentiva- panhóis e estabelecer uma linha de su-
va os homens a migrarem. Havia, em primentos para aquele posto avançado da
média, cerca de cento e trinta habitan- Coroa portuguesa, tornou-se necessária
tes por quilômetro quadrado, devendo- uma ampla ação político-administrativa.
se ainda considerar a topografia das De um lado, o estabelecimento de novas
ilhas. Esse fato, relacionado à s constan- povoações fortificadas (1737, e r e ç ã o do
tes crises alimentares — notadamente forte Jesus, Maria e J o s é , marco inicial
quanto à produção de trigo e cevada —, da atual cidade do Rio Qrande e, posteri-
o sistema fundiário e a fraca p r o d u ç ã o ormente, o plano de fortificação da ilha
agrícola geraram o empobrecimento dos de Santa Catarina) e, de outro, o levan-
moradores daquelas ilhas, de tal forma tamento geográfico-astronômico do Bra-
que as autoridades eclesiásticas tiveram sil meridional pelos "padres matemáticos',
que lhes dar a t e n ç ã o especial, e os de- o que significou um melhor conhecimen-
nominaram 'mal-enroupados' — para não to da realidade territorial brasileira, dan-
os dizer nus —, no tocante à assistência do ensejo à formulação da doutrina do
ao culto, notadamente à p r e s e n ç a na
uti possidetis, defendida por Alexandre
obrigação dominical.
de Gusmão e vitoriosa com a assinatura

O arquipélago da Madeira é t a m b é m de do Tratado de Madri (13.1.1750).


o r i g e m v u l c â n i c a , e ao problema de A corte de Lisboa precisava dispor de
s u p e r p o p u l a ç ã o relacionava-se o da elementos estratégico-militares para con-

p á g . 1 20. j u l / d e z I 997
V o

solidar sua hegemonia. Consumara-se o litoral meridional do Brasil, especialmen-


retorno à Coroa portuguesa das terras te quanto as suas riquezas.
das capitanias de S ã o Vicente, Santo Avolumavam-se, em Lisboa, os dados
Amaro e Terras de Santana, adquiridas necessários para o sucesso da hegemonia
em 1709, por 44 mil cruzados, aos her- portuguesa no Atlântico Sul e o homem
deiros de Martim Afonso de Sousa. Efe- escolhido para servir no Brasil foi o bri-
tuada a compra, foi despachado, em 1711 gadeiro J o s é da Silva Pais. Nomeado em
e depois em 1714, Manuel Gonçalves de 1735 para a u x i l i a r G o m e s Freire de
Aguiar para reconhecimento minucioso do Andrade no governo do Rio de Janeiro,

Mapa geral da América (detalhei, 1 746. Arquivo Nacional.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 119-128. j u l / d e z 199 7 - p á g . 1 2 1


A C E

principalmente no que se refere à s forti- João V, e Rafael Pires Pardinho,


ficações e obras de engenharia civil, Sil- desembargador que servira como ouvidor
va Pais teve uma a t u a ç ã o bastante dinâ- na capitania de São Paulo, com jurisdi-
mica. Em 1738, ordenou-se ao brigadei- ção no sul do Brasil, e que fora, tam-
ro que f o r t i f i c a s s e a i l h a de Santa bém, intendente de diamantes em Minas
Catarina, e ele solicitou a Lisboa o envio Gerais.
de gente para povoamento, produção de Veja-se, pois, como se pode melhor ana-
alimentos e guarniçáo da ilha, referindo- lisar tal ação.
se nominalmente aos açorianos, uma vez
Pela resolução regia de 7 de agosto de
que, em 1720, tivera a oportunidade de
1746, foram definidas as formas de exe-
conhecer esse povo.
cutar, preliminarmente, a grande migra-
O planejamento dessa grande migração ção. Assim, o rei de Portugal atendeu "a
coube, primordialmente, ao Conselho Ul- r e p r e s e n t a ç ã o dos moradores das ilhas
tramarino, onde dois nomes pontificaram dos Açores, que pediam mandar tirar
nas r e s o l u ç õ e s a respeito do assunto: delas o n ú m e r o de casais para as partes
Alexandre de G u s m ã o , ministro de d. do Brasil que fosse mais preciso".

Quadro 1 - "Tábua dos casais e pessoas que por ordem de Sua Majestade se alistaram nestas ilhas no ano de 1747" *
Ilhas Vilas e cidades Casais Pessoas dos casais Pessoas solteiras Todas as pessoas
Ilha dc São Miguel Cidade da Ponta 47 257 - 257
Delgada

Vila da Ribeira 14 62 - 62
Grande

Vila Franca 2 9 9
Ilha Terceira Cidade de Angra 141 706 73 779

Vila de Sam
Sebastiam 9 45 45

Vila de Praia 12 88 88
Ilha da Graciosa Vila da Santa Cruz 62 291 82 373

Vila da Prava 64 309 99 399


Ilha de S. Jorge Vila do Topo 76 369 50 419

Vila da Calheta 146 819 151 970

Vila das Velhas 246 1.433 1.433


Ilha do Pico Vila de S. Roque 96 445 157 602

Vila das Lages 54 292 146 438

Vila da Madalena 6 446 290 736


Ilha do Faial Vila da Horta 210 1.207 - 1.207

Soma 1.294 (?) 6.778 1.039 7.817


1
Como se verá adiante, dos 7.817 alistados nem todos embarcaram com destino ao Brasil meridional, porém mais de seis mil desembar-
caram na ilha de Santa Catarina. Discriminadamente tem-se, pelas diversas ilhas, os totais alistados.

p á g . 122, j u l / d e z 1 997
K V O

Quail i. 2
Ilhas 1 ' o n u l a i ã o presente Alistados % K.ntrr non. c alistados
S;1o Micuel 46 415 328
Rta. Maria 4.280 ....

Terceira 22.460 912 4.5]


Graciosa 6.799 "72 11,50
S.JorEe ] ] 2 X22 2-4 00
Kaial •ti 91: 1.207 2.75
Pi.o 19 192 1 "1 9,00
Flores 4.622
Corvo 427

A partir daí, foram estabelecidas, atra- Brasil. O resultado do alistamento foi, as-
vés de edital, as condições de alistamen- sim, condensado pelo corregedor da
to para aqueles que desejassem migrar comarca das ilhas, como poderá ser ob-
— o transporte à custa da Fazenda Real, servado no quadro 1.
"não s ó por mar mas t a m b é m por terra
Para se avaliar melhor o peso desse alis-
até os sítios que se lhes destinarem" — tamento na população então existente,
bem como fixadas as idades limite, quer considerando-se, ainda, não haver dados
para os homens, quer para as mulheres, concernentes à s ilhas de Santa Maria,
a ajuda de custo que receberiam ao che- Flores e Corvo — das quais sabe-se ter
gar ao seu destino e, da mesma forma, havido migrantes — ver o quadro 2.
as ferramentas, as sementes, os animais,
Um instrumento normativo estabelecia
"um quarto de légua em quadra", além
quem organizaria os transportes — no
do sustento que receberiam durante um
caso o corregedor das ilhas —, como se-
ano.
riam as regras de conduta e quem as fis-
Os alistados eram, notoriamente, dedi-
calizaria, como se alojariam homens e
cados à agricultura, na produção de tri-
mulheres e como se velaria pela boa se-
go e de linho e de outras culturas como gurança das mulheres, a condução dos
a uva, para fabrico de vinho. alimentos ao seu alojamento — onde s ó
O corregedor da comarca das ilhas (dos entrariam, em caso de doença, o cirur-
Açores), a quem esteve afeto o alistamen- gião e o capelão — e sobre seu acesso
to, enviou à s c â m a r a s sob sua jurisdição ao tombadilho, somente para'ouvir mis-
cópia do edital, datado de 31 de agosto sa em "lugar mais vizinho ao altar".
de 1746, onde se estabelecia que, no ato
Como se vê pelos demais tópicos deste
de alistamento, deveriam ser anotadas
regimento, havia muito cuidado com a
as características somáticas de cada alis-
moral de bordo. Ficou acertado que par-
tado; determinava-se t a m b é m que as alu-
tiriam de Lisboa as e m b a r c a ç õ e s que
didas c â m a r a s em vereação escolheriam,
conduziriam os alistados para a grande
dentre os inscritos em sua circunscrição,
epopéia, que firmaria a hegemonia lusi-
três nomes para capitão, alferes e sar-
tana no sul do Brasil.
gento das companhias de ordenanças que
se formassem e n t ã o e que serviriam no O brigadeiro J o s é da Silva Pais, a 5 de

A c e r v o , Rio de J a n e i r o , v. 10. n» 2. pp. 1 1 9-1 28. j u l / d e z 1997 - pág.123


A C E

agosto de 1738, fora nomeado para or- valos. Além disso, foi instruído o briga-
g a n i z a r as defesas da ilha de Santa deiro Silva Pais para levantar em cada
Catarina, trabalho que se iniciou em mar- local uma companhia de o r d e n a n ç a , pois
ço de 1739, quando nela desembarcou, os oficiais haviam sido escolhidos pelas
passando a governar a ilha e seu conti- c â m a r a s das respectivas ilhas açorianas.
nente fronteiro, incluído o Rio Grande de O aspecto espiritual t a m b é m foi cuidado
São Pedro, o que ocorreu a t é 2 de feve- e, para tanto, foram alertados os bispos
reiro de 1749. do Funchal e de Angra, bem como o de
São Paulo — a quem se subordinava na-
Para acomodar os 'casais' açorianos, foi
quele momento o território que estava
expedida provisão regia, em 9 de agosto
sendo ocupado — de "que se há de cons-
de 1747, a Gomes Freire de Andrade, go-
tituir em cada igreja destas um vigário",
vernador e capitão-geral do Rio de Ja-
fixando-se-lhe os direitos (côngruas).
neiro, a quem se subordinava a "capita-
nia da ilha de Santa Catarina". Mesta pro- De tudo o brigadeiro Silva Pais deu exato
v i s ã o há minuciosas i n s t r u ç õ e s sobre cumprimento.
como deveriam ser recebidos os açoria- Estes 'casais' — t a m b é m chamados 'ca-
nos e madeirenses. Fixavam-se, e n t ã o , sais de n ú m e r o ' ou 'casais d'el rei' — for-
normas para o abastecimento de farinhas maram comunidades que se estabelece-
e de peixes aos migrantes, declaravam- ram ao longo do litoral catarinense e na
se as medidas para pagamento das aju- própria ilha de Santa Catarina.
das de custo prometidas e determinava- A partir de 1752, os açorianos que pri-
se ao brigadeiro J o s é da Silva Pais que meiramente se fixaram e m Santa
escolhesse, "na mesma ilha como nas ter- Catarina, devido à s dificuldades encon-
ras adjacentes, desde o rio de São Fran- tradas, foram encaminhados, ou se en-
cisco a t é o serro de São Miguel, e no ser- caminharam por conta própria, para o Rio
tão correspondente", as terras próprias Grande de São Pedro. Por outro lado, a
para "fundar lugares em cada um dos 'diáspora' se deu, t a m b é m , com as ge-
quais se e s t a b e l e ç a m pouco mais ou me- r a ç õ e s vindouras, que formaram, em
nos sessenta casais". Santa Catarina e no Rio Grande do Sul,

A referida provisão regia determinava, novas comunidades.

ainda, como seriam urbanizados tais lo- Feito o alistamento, foi contratado o
cais, com a fixação da igreja, uma praça 'transporte', para o que foram
fronteira e a forma de arruamento, e s t a b e l e c i d a s n o r m a s , quer para os
estabelendo t a m b é m que, logo que os transportadores, através dos 'assentos'
'casais' estivessem situados, se lhes en- (contratos), quer para os transportados,
tregaria duas vacas e uma égua e, para como se viu. Deve-se considerar que o
a comunidade, quatro touros e dois ca- transporte, dadas as condições das em-

p á g . 124. j u l / d e z 1997
K V O

barcações na época, a duração da viagem antamento ao assentista do preço do


e a quantidade de pessoas a serem trans- transporte e, finalmente, ao conheci-
portadas, mereceu a t e n ç ã o máxima das mento pelos 'casais' do aludido 'assento'.
autoridades portuguesas. Os assentos' fo-
A análise da letra fria dos assentos es-
ram disputados entre comerciantes e ar-
conde a odisséia de atravessar um oce-
madores das ilhas dos Açores e de Lisboa.
ano, em toda a sua vastidão, em frá-
O 'contrato de tabaco', gerido por Feliciano geis embarcações, arrostando as agru-

Velho Oldenberg, j á tivera o privilégio de ras da s e p a r a ç ã o e o isoJamento dos

conduzir um navio, anteriormente (1744), entes queridos, sujeito a uma alimen-

dos Açores para o Brasil. Esse mesmo tação deficiente e escassa, e a um aten-

Feliciano Velho Oldenberg, em 7 de agosto dimento médico precário frente à s do-

de 1747, assinaria com a Coroa o 'assen- enças e à morte. Enfrentar, depois, o

to', constante de 24 cláusulas, para efeti- desconhecido, numa pugna incessante


para adaptação ao novo país, com seu
var o transporte de mil pessoas para San-
clima tropical, e para superar as difi-
ta Catarina. É o princípio de uma epopéia.
culdades e os obstáculos na instalação.
^ ' " ste 'assento' trata do que deve-
Com pequenas modificações, este tipo
~ ~ r i a conduzir, da s e g u r a n ç a das
de 'assento' p e r m a n e c e r á vigorando
e m b a r c a ç õ e s , da a c o m o d a ç ã o
nos posteriores e sucessivos contratos,
dos 'casais' a bordo, da rota a ser segui-
conforme o quadro 3.
da, do tempo de p e r m a n ê n c i a nas ilhas
para receber os 'casais', da data de parti- Duas o b s e r v a ç õ e s devem ser, aqui,
da e da justificativa nas demoras. Refere- efetuadas.
se ainda à s r a ç õ e s a serem servidas a
A viagem dos 59 madeirenses, de 1 749,
bordo, ao embarque de pessoas em Lis-
foi devida à insistência dos alistados,
boa e ao preço do seu transporte, aos tras-
mormente do capitão Henrique César
tes de cada pessoa transportada, à alimen-
Berengue — apesar de, na ilha da Ma-
tação a bordo e ao seu preparo, à dieta
deira, haver mais de duas mil pessoas
dos doentes, à fiscalização dos alimentos,
alistadas —, e tal se fez com navio do
ao preço do transporte para a ilha de San-
'contrato do tabaco'.
ta Catarina, à sindicância que deveria efe-
tuar o governador da ilha de Santa Catarina lio tocante ao contrato de 28 de setem-
concernente a cada um dos transportes que bro de 1751 com Francisco de Sousa
ali aportasse, à assistência médica a bor- Fagundes, náo se encontrou documen-

do, ao atendimento religioso à capacida- tação dos transportes realizados, a não

de dos pilotos das e m b a r c a ç õ e s , ao retor- ser aquela do pagamento que lhe era

no do navio e as possíveis arribadas, à devido e foi efetuado. Tem-se, pois, que

venda das sobras de mantimentos, ao adi- se localizaram na ilha de Santa

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n° 2. pp. 1 1 9-1 28, jul/dez 1997 - p á g . 1 2 5


A C E

Owun. 3
Data de Nome da n a l i a i i i i i u 1 j|itLí'. '.11 nu-.Hi i l " N-éc Mortos C W f d i Datada
partidu • * checada
rmhartadin
Fcliciacii) V c l x i 21.10.1747 L u f i Looci Godclho i í : •;•
JCMIÍ MJI U }OÉÍ
OtuVnhcTi - mil 21.10.1747 SJIIU Ana e Senhor do Bonfim Pedro Lopes Arraia 216 21 12 461 - 6.1.1748
pessoas 16.10.1748 Jcsui Mana Juní Lult U x u G o d c l h o 233 47 36 238 7.1.1748
7.*. 1747 IA 10.1748 S i i Uofninro* c Alma Pedro Lopes Arraia 271 34 73 208 7.1.1748
1.10.1749 J a u * Mana ioti Pedro L o n a Arraia 217 29 13 233 20.12.1749 Total transportado:
1 141 Baaaaaa
Contrato du labacu N . Sra. das Maravilhai; Sano 59 59 7 .9.1749 M . :.
Antônio e Almas discriminação de
idades)
F n n c i K u i k Soara : ; • > Santa Ana t Sr. do Bonfim Francisco Manuel de Lima 220 20 12 1749 Sem l i s c n m n a ç a o
F a i u n k * - quatro mil 4 9 1749 N . Sra. da Conceição e • • I Lopet Sü*a 480 25.12.1749 de idades
Porto Seiraro
1.7.1749 Bom Jetui PcruVWí c Manoel Correia Fraia 600 234 1.066 1.I.I7SO Sem discriminação
N . Sra. Rosário
Sanu A n a • Sr do Bonfim 239 19 18.12.1750 Sem <t i c n r r i nação
N . Sra. da Conceição . 482 52 8 12.1.1751 de idade*
Porto Scjruro 67 17 1.434 7.1.1751
Sr. do Bonfim c N . Sra. Rosário 600 1732
Bom Jesus do* Perdoe* e Cutlodio FranciKo 600 1752
N . Sr». Rosário
N . Shf da Concctcao c Pedro Lopes Airaia 480 44 1752
Porto Seguro
13.11.1753 Bom Jesus d M Pciüfte* e Custódio FranciKo 603 4(1 2.1754
N . Sra. Rosário
13.11.1733 N . Sra. da Conceição e Pedro Lopes Arraia SOO 2.1754 Total
Purtu ScKum iransncrtaüo*:
4 7 (-7 pcv.-o.is
1 •[...:» Sou/a
FutundM - mil

> 9 1751
Franci&o Souza

Ju*é Q a i c u Lisboa - 28.4.17» N . Sra. da Concctcao e Cu»hVlio Francisco 502 IX 520 Madcircnsc*
UUintvnla.< petáUat Porto Scítin. (naufrágio no
:-• i 'M litoral dj B j f i i j i

Catarina mais de seis mil açorianos e 59 populacionalmente e procurar novas á-


madeirenses, face aos 'assentos' reas para seu estabelecimento.
efetuados pela Coroa portuguesa.
fio que tange à p r e s e r v a ç ã o da cultura
Até o término de nossa pesquisa, os nú- ancestral, que tem merecido alguns es-
meros apresentados pelos diversos au- tudos, é importante salientar as formas
tores e s t á o exemplificados no quadro 4. artesanais (confecção de renda de bilro,
Desse movimento migratório pode-se, des- utilização de teares manuais, m é t o d o s de
de logo, conhecer algumas c o n s e q ü ê n - fabricação de c e r â m i c a utilitária e t c ) ,
cias, como a formação de novas comuni- bem como as m a n i f e s t a ç õ e s religiosas
dades que, desde a sua implantação, ti- (culto ao Divino Espírito Santo, com seus
veram organização político-administrati- 'impérios' e sua tradicional organização:
va devido à s companhias de ordenança a coroaçáo do imperador; a distribuição
— que, apesar de sua finalidade militar, de comida — 'bodos' — aos pobres) e a
funcionavam, localmente, como chefias permanência de traços na literatura oral,
políticas. nos a d á g i o s e no vocabulário.
As p o p u l a ç õ e s que migraram trouxeram,
Apesar das dificuldades enfrentadas, com
além dos valores demográficos, valores
as promessas reais nem sempre comple-
culturais.
tamente atendidas, os imigrantes açori-
lio que se refere à demografia, deve-se anos e madeirenses se afirmaram como
dizer que muitas das 'freguesias' (comu- excelentes povoadores, pois souberam
nidades) iniciais vão crescer adaptar-se ao c l i m a e à s c o n d i ç õ e s

p á g . 1 26. j u l / d e z 1 997
V o

Quadro 4
Data de checada Brito Coelho Mattos Fortes Itoiteux Cabral Piazza
1748-ianeiro 461 461 461 451 461 461 461

i74R-de7e.rp.bro - - - - 239

1749-ianeiro - - - - - 208

1749-marco 1.600 - 509 600 - 233

1749-sctembro _ - 109- 109* - 59*

1749-dezembro 1.066 - 1.066 - 1.066 1 066 1.066

1750-ianeiro 1.755 1.540 1 540 -


_ _ 1.342 - - 1.434
1751 -janeiro
1752
_ 1.379 - 1 -rs 1.080
- 615 - 9
1753-m.ítrco 500
1754-feverciro/marco - - - 1.187

1756-iulho _ - 502* 520* 520**

Totais aoresentados 4.024 4.021 - - - 6.000

Totais somados 2.627 - 5.545 4.893 3.525 -

• Madeirenses
«• Madeirenses (náufragos no litoral da Bahia não computados).
Fontes- Paulo José Miguel de Brito. Memória política soore a capitania de Sanía Catarina, p. 24, Manuel Joaquim dAlmeida Coelho,
Memória íiistòrica da prouíncia de Santa Catarina, pp. 20-21; Matos, Colonização, p. 2 1; João Borges-rortes, Casais, p. 57; Lucas Ale-
xandre Boiteux, Açorianos e madeirenses em Santa Catarina, pp. 142-163; Oswaldo Rodrigues Cabral, Os açorianos.

ambientais — substituindo a cultura do solidação da hegemonia portuguesa no


trigo pela da mandioca —, além de te- sul do Brasil, iniciada com a criação da
rem conseguido adequar conveniente- Colônia do Sacramento e posteriormen-
mente as técnicas de construção de em- te acentuada com a assinatura dos Tra-
barcações à s exigências do mar brasilei- tados de Madri (1750) e Santo lldefonso
ro. Foram t a m b é m responsáveis pela con- (1777).

I
B I B I O Q R A
FONTES PRIMÁRIAS

Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa, núcleos 'Bahia', Rio de Janeiro', Santa


Catarina', 'Açores' e 'Madeira'.

Arquivo nacional da Torre do Tombo, Lisboa, núcleo 'Desembargo do Paço'.

Arquivo do Tribunal de Contas, Lisboa, núcleo Erário Régio'.

Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, núcleo Correspondência


dos governadores, 1739-1822'.

Arquivo Distrital de Angra do Heroísmo, ilha Terceira, Açores, livros de vereações.

Arquivo Distrital de Ponta Delgada, ilha de São Miguel, Açores, livros de vereações.

Arquivo Distrital da Horta, ilha do Faial, Açores, livros de vereações.

Biblioteca nacional, Lisboa, fundo' Qeral e coleção pombalina.

, c e r v o . Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 1 19-128. jul/dez 1997 - p á g . 1 2 7


A B S T R A C T
This article describes the immigration of Azorians and Madeirans to meridional Brazil between

1748 and 1756 and it studies the reasons of such immigration, their social and political basis, its

organization in the Portuguese court, as well as in Brazil, its location in Brazilian land and the

results of this migratory movement.

R É S U M É
Cet article a pour but d é c r i r e l'immigration d' A ç o r é e n s et M a d é r i e n s vers le Brésil meridional,

entre 1748 et 1756, en é t u d i a n t les causes de cette immigration, ses fondements sociaux et

politiques, son organisation à courte portugaise et au Brésil, sa localisation en territoire national

et les c o n s é q u e n c e s de ce mouvement migratoire.


Adriano Luiz Duarte
Professor de História
da Universidade Federal de Santa Catarina.

A C r i a ç ã o Ao E s t r a n k a m e i i í o
e a C o i i s t r a ç a o do E s p a ç o P ú b l i c o
\J§ mponeses no EstaJo Novo

"...O j a p o n ê s é como o espalhando um conjunto bem es-


enxofre: i n s o l ú v e l " . tabelecido de valores, normas e
Oliveira Vianna práticas sociais que objetivavam

"De uma hora para outra um


a p r e s e r v a ç ã o da estabilidade
social e, principalmente, da ordem p ú -
sopro vivificante despertou
blica, fundamentais para o exercício co-
as forças adormecidas da
tidiano da racionalidade do poder. São
nacionalidade e animou o
eles: o anticomunismo, o trabalho, a pá-
país do desejo de viver
1
tria e a moral.
sadiamente".

J o ã o Carneiro da Fonte Em torno destes quatro conceitos gira-

chefe de p o l í c i a , em 1939.
vam os discursos e práticas
estadonovistas, e é t a m b é m através de-
0 PAÍS D E U M A C A R A S Ó . . . les que podemos perceber contra o que
se articulava o Estado Novo, e quais os

O
Estado Novo embasou todo o
'fantasmas' que tanto amedrontavam a
seu r e p e r t ó r i o d i s c u r s i v o e
elite dirigente do país naquela é p o c a .
imagético sobre quatro pilares,
a partir dos quais planejou adentrar to- Por meio da enorme variedade de 'fan-
dos os e s p a ç o s e recantos da sociedade, tasmas' que atormentou o sossego dos

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 129-146, j u l / d e z 1997 - p á g . 1 2 9


A C E

autores do Estado Movo, é possível ima- tinuamente punham em perigo a pátria.


ginar contra quem e contra o que se vol- Contudo, a própria possibilidade da ex-
tou toda a força repressiva desse proje- p r e s s ã o de tal desejo nos revela que a
to de m a n u t e n ç ã o da ordem e estabili- sociedade brasileira foi percebida como
dade sociais, e quais os oponentes cria- h e t e r o g ê n e a , plural, d e s a r m ô n i c a e
dos como inimigos a,serem combatidos incoesa. É sobre esta realidade, e para
no seio da sociedade. O apelo fundamen- eliminá-la, que atuará o poder público.
tal que antecede e emana dos quatro pi-
As diversidades culturais que c o m p õ e m
lares que sustentaram o projeto
a sociedade brasileira e s t ã o relacionadas
estadonovista é o apelo à união, à uni-
à s diferentes e múltiplas formas de se
dade e à j u n ç ã o das forças imanentes à
vivenciar a proletarização, com o conse-
nacionalidade para a construção de uma
qüente surgimento de um mercado de tra-
pátria una e indivisa, que caminhasse co-
balho urbano industrial e moderno. A ne-
esa em busca da identidade.
cessidade de h o m o g e n e i z a ç ã o , centro do
11 """N^niáo, c o e s ã o e indivisão eram projeto estadonovista, emerge, ao que
os objetivos que sustentavam tudo indica, das dificuldades apresenta-
esse projeto; o que se deseja- das pelas classes dominantes em
va era apagar os sinais de uma possível operacionalizar essas diversidades cultu-
heterogeneidade social, eliminar as d i - rais dentro de uma ordem pública em
ferenças de todos os matizes, e assim c o n s t r u ç ã o , onde o gerenciamento dos
construir uma nacionalidade h o m o g ê n e a conflitos se torna cada vez mais comple-
e indistinta. Os diferentes modos de vida, xo. A vigilância e a s u s p e i ç á o foram as
de opinião, de crença e de comportamen- estratégias adotadas nesse processo de
to eram recusados, porque estas noções homogeneização.
remetiam à imagem de uma sociedade
A noção de pátria, expressa no discurso
multifacetada e plural.
de Azevedo Amaral, um dos ideólogos do
A construção dessa homogeneidade so- Estado novo, traz em seu bojo uma enor-
cial requereu uma prática profundamen- me força estratégica. Ela é o elemento
te autoritária, porque pressupunha a pro- imprescindível para a e l a b o r a ç ã o dos va-
gressiva eliminação de tudo que náo es- lores e práticas que objetivavam a pre-
tivesse de acordo com o modelo de uni- servação da ordem e da estabilidade so-
dade desejado. Aqueles que n ã o se en- cial, da identidade coletiva, da racionali-
q u a d r a s s e m no m o l d e e s t a b e l e c i d o zação do exercício do poder e da afirma-
deveriam ser eliminados do convívio so- 2
ção da unidade nacional. São os que in-
cial e, portanto, do e s p a ç o público, por- sistem em escapar pelas fímbrias do
que eram os portadores da divisão, os emolduramento que o poder vai erigindo
transmissores do desequilíbrio que con- nestes anos, que s e r ã o rapidamente

p á g . 1 3 0 . jul/dez 1997
V O
K

transformados nos "inimigos' que devem tentáculos e introduziam em meio à har-


ser e x e c r a d o s e e l i m i n a d o s . A s s i m , monia social a sua marcante e deletéria
explicita-se outra faceta da construção da p r e s e n ç a . Pelas fissuras da sociedade
idéia de homogeneidade social e de eles vão se instalando e, como um cân-
indivisão da pátria. A idéia de unidade e cer, passam a corroer os pilares de sus-
c o e s ã o s ó pode efetivar-se se moldada a t e n t a ç ã o da n a ç ã o . De externo ele se
partir de algo que lhe faça contraponto, transforma em interno e passa a justifi-
algo que funcione como um espelho in- car qualquer ação repressiva. Se o ini-
vertido. É a partir do inimigo a ser com- migo estava em toda parte, isso exigia
batido, do outro, que é possível construir uma atuação repressiva também
a imagem da nacionalidade una, coesa e onipresente.
indivisa.
Mas, qual era a exata dimensão desse ini-

Ao outro, o inimigo a ser execrado, se- migo que se imiscuía com tanto ardil na

rão conferidos todos os maus atributos sociedade para, por dentro, destruí-la va-

que c o m p õ e m a fantasmagoria repelida garosa e continuamente? Se ele era o

pelo Estado Novo. Mele s e r ã o identifica- portador da indisciplina, da barbárie, da

dos todos os males, todas as a m e a ç a s instabilidade, do atraso, da imoralidade,


da sensualidade, da indolência, era o re-
de d e c o m p o s i ç ã o e esfacelamento soci-
trato fiel de todos aqueles que, pelas
al; a ele se atribuirão as pechas da do-
mais diversas razões, não se enquadra-
ença, da anarquia, da injustiça, da trai-
vam nos preceitos do Estado Movo. Eram
ção, da ruína, do pecado, da desobedi-
inimigos todos os que náo contribuíssem
ência, do ócio, do desleixo e da promis-
para a construção do projeto de nacio-
cuidade. É com base nele que o poder
nalidade esboçado nestes anos. Em toda
construirá sua auto-imagem. Por inter-
parte, em todo momento, podia ser lo-
médio da criação do inimigo a ditadura
calizado este inimigo. Portanto, nesta
atingirá sua maior força e será capaz de
época, toda a população estará sob per-
multiplicar sua c o a ç ã o em todas as esfe-
manente suspeição. É esta suspeição ge-
ras sociais, e assim produzir normas e
neralizada que justificará, além da ação
valores que atinjam amplamente a popu-
repressiva por parte do Estado, sua ação
lação.
profilática e terapêutica, adentrando nas
Mas o inimigo era muito ardiloso, o que casas, creches, fábricas, atuando sobre
justifica o esmero com que foi construído as famílias, os trabalhadores, as crian-
e mantido um enorme aparato militar e ças, as mulheres, os adolescentes, ten-
repressivo, responsável nas d é c a d a s de tando moldar-lhes o pensamento e as
1930 e 1940 por milhares de prisões, tor- atitudes para criar um novo cidadão.
turas, d e p o r t a ç õ e s e assassinatos. Do ex-
O que estava em jogo na configuração
terior, estas vis criaturas estendiam seus

neiro. v. 10. n ° 2. pp. 1 29-1 46. jul/dez 1997 - p á g . 1 3 1


A C E

do outro era a q u e s t ã o da cidadania. É atros e Divertimentos Públicos, e partici-


precisamente na edificação dos seus con- paria t a m b é m o Serviço de Censura Pos-
tornos e na espessura do seu alcance que tal. Este decreto estabeleceu que qual-
as estratégias da vigilância e da quer tipo de reunião somente poderia ser
s u s p e i ç ã o revelam seus desdobramen- realizada com o prévio licenciamento e
tos. Ao regular a amplitude do conceito localização fornecido pelas autoridades
de cidadania, vinculando-o à ocupação no policiais.
mercado de trabalho em profissão reco-
O Serviço de Censura Postal tinha duas
nhecida pelo poder p ú b l i c o , o Estado
funções: a censura postal exercida por
Novo estava também definindo a
funcionários públicos federais, e a cen-
abrangência da noção de marginalidade.
sura policial a cargo da polícia civil. A fun-
O poder público definia o que era ser c i -
ção do 'serviço' era fazer uma triagem
d a d ã o , tanto quanto o que era ser mar-
em toda correspondência dirigida ou emi-
ginal; estabelecia, portanto, quem teria
tida por estrangeiros residentes no Bra-
direitos bem como aqueles passíveis de
sil. Quando algo considerado inconveni-
perseguição e exclusão da esfera pública.
ente fosse encontrado, seria imediata-
mente encaminhado para um departa-
ESTRANGEIROS, ESTRANHOS E
mento r e s p o n s á v e l pela e l a b o r a ç ã o de
DIFERENTES
seguidas exposições "destinadas a mos-

A
s e n s a ç ã o de estranhamento trar à parte sadia da população para des-
relacionado ao estrangeiro pertar a a t e n ç ã o dos brasileiros contra
. n ã o se inicia, obviamente, com as m a q u i n a ç õ e s dos inimigos da nossa
o Estado Novo, mas é quando se 3
civilização". Todo estrangeiro tornou-se,
explicitam alguns preconceitos e medos com o decreto-lei n° 383, um potencial
que farão daqueles que eram simples- inimigo da civilização, um portador de
mente diferentes um perigoso inimigo. atributos que podiam levar à
d e g e n e r e s c ê n c i a da nacionalidade. As
Em 18 de abril de 1938, foi proibida aos
medidas desta enorme burocracia, ao
estrangeiros, a t r a v é s do decreto-lei n°
aprofundar a vigilância sobre todos os
383, a atividade política no Brasil. As su-
estrangeiros e seus descendentes, vai
tilezas do decreto ficavam por conta de
lentamente se estendendo aos c i d a d ã o s
como os policiais e os ó r g ã o s públicos
comuns, estrangeiros ou n ã o .
encarregados da v i g i l â n c i a deveriam
aplicá-lo na prática cotidiana. A fiscali- Mais uma vez percebe-se a amplitude da
z a ç ã o das atividades dos estrangeiros suspeição, pois, de acordo com os rela-
seria realizada pela Superintendência de tórios de polícia, qualquer cidadão que
Segurança Política e Social, auxiliada pelo tivesse um comportamento diferente, não
Serviço de Censura e Fiscalização de Te- convencional, estranho, poderia ser de-

p á g . 132, j u l / d e z 1997
V o

nominado 'estrangeiro'. De acordo com milação dos estrangeiros, seja através da


esta categoria, que continuamente se nacionalização em massa e forçada, seja
amplia, vão sendo rotulados todos os que por meio do impedimento crescente do
podem suscitar estranheza. É óbvio que contato com seus países de origem. O
a idéia do inimigo interno e n c o n t r a r á plano estadonovista de recriação e apri-
campo fértil para vicejar. moramento da nacionalidade, por meio
Se o objetivo primeiro é bloquear qual- de um amplo e minucioso projeto peda-
quer possível canal de a t u a ç ã o político- gógico, requeria, necessariamente, o de-
institucional aos estrangeiros, as medi- saparecimento dos estrangeiros através
das citadas tiveram um alcance muito de sua total adaptação e assimilação aos
maior. Praticamente em dois anos, 1938 valores nacionais e da progressiva per-
e 1939, foram fechadas todas as associ- da dos laços culturais que os vinculavam
a ç õ e s culturais, escolas e jornais edita- aos países de origem, como a língua, há-

dos no Brasil em língua estrangeira. Cm bitos alimentares, vestuário, práticas cul-

25 de janeiro de 1938, foi criada, pelo turais etc. Mas, os estrangeiros não eram

decreto n° 2.265, a Comissão de Nacio- todos iguais e desigualmente foram tra-

nalização, que tinha por objetivo instituir tados pelo Estado Novo, e aqueles cuja

e viabilizar os canais necessários à assi- presença física causava maior estranhe-

O presidente Vargas, na sacada do Palácio do Catete, assiste a manifestações populares anti-Eixo.


Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1942. Agência Nacional, Arquivo Nacional.

\ c e r v o . Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 129-146. jul/dez 1997 - p á g . 1 3 3


A C E

za enfrentaram, de forma mais dramáti- rlão se deve aplicar o mesmo critério

ca ainda, esse projeto totalitário. É em assimilador a a s i á t i c o s e europeus. Por

relação ao j a p o n ê s — o estranho e dife- maior que seja a nossa boa vontade,

rente por excelência — que se exercita- por mais profundo que seja o nosso

rá ao paroxismo a aversão e o medo do instinto de cordialidade internacional,

outro. c u m p r e - n o s defender os caracteres

m o r f o l ó g i c o s do povo brasileiro, pre-


As campanhas de nacionalização dos imi-
servar as suas possibilidades de apro-
grantes, embora ocupassem aspecto cen-
x i m a ç ã o com os tipos europeus inicia-
tral no debate político brasileiro desde a
dores, mantendo à parte os grupos
s u b s t i t u i ç ã o da m ã o - d e - o b r a escrava,
a s i á t i c o s e impedindo o seu desenvol-
relacionado à eugenia, assumiram nas
vimento. Destarte, o j a p o n ê s fica des-
d é c a d a s de 1930 e 1940 um caráter de
de logo definido como um problema
s e g u r a n ç a n a c i o n a l . Os estrangeiros
de p o l í t i c a i m i g r a t ó r i a . A nacionaliza-
eram um perigo em potencial à constru-
ç ã o , neste caso, n á o deve significar as-
ção de um país uno, indiviso e coeso. En- 4
similação étnica.
tretanto, os japoneses eram encarados
de uma maneira especial. Mão se lhes V^ossa 'boa vontade' n ã o era ex-
aplicavam os critérios assimiladores e o ^-Nw tensiva aos asiáticos em ge-
projeto de nacionalização os excluía. A A \ ] ral e aos japoneses em parti-
singularidade da comunidade nipo-brasi- cular. Eles eram o retrato do novo, do
leira e s t á na a m b i g ü i d a d e com que foi estranho, daquilo que fugia ao controle
vista pelo poder público: como estrangei- e projetava para o futuro uma inseguran-
ros deveriam ser assimilados e desapa- ça presente. Quanto à unidade nacional,
recer em meio à comunidade nacional, eles eram a e x p r e s s ã o do imprevisível
mas como diferentes por excelência de- nesta ampla e s t r a t é g i a de controle do
veriam ser mantidos à margem dessa co- trabalhador e do pobre. 'Impedir o seu
munidade e, portanto, destinados a uma desenvolvimento' significava confiná-los
e s p é c i e de limbo social. Assim, a ques- a um gueto social e impossibilitar que se
tão à qual se viam remetidos não era sim- espalhassem pelas cidades contaminan-
plesmente a da nacionalização, mas a de do os nacionais.
serem projetados como a e n c a r n a ç ã o ca-
O 'problema j a p o n ê s ' assume contornos
bal dos entraves à construção do Estado
de s e g u r a n ç a nacional quando, em julho
nacional.
de 1940, desembarca no porto de San-
A Comissão de Macionalizaçáo, dirigindo- tos um carregamento de sessenta caixas
se ao Ministério da Educação e S a ú d e , contendo livros p e d a g ó g i c o s impressos
redigiu o seguinte relatório, em 16 de em j a p o n ê s , destinados à s poucas esco-
outubro de 1940: las que ainda funcionavam. O presidente

p á g . 134. j u l / d e z 1997
R V O

do Conselho de I m i g r a ç ã o , J o ã o Carlos verdadeira a s s i m i l a ç ã o dos japone-

Muniz, enviou um ofício ao presidente Qe- ses, que praticamente devem ser con-

túlio Vargas alertando-o que n ã o pudera siderados i n a s s i m i l á v e i s . Eles perten-

apreender os livros porque não se desti- cem a uma raça e a uma r e l i g i ã o ab-

navam à venda. O ofício vai parar nas solutamente diversas; falam uma lín-

mãos do secretário-geral do Conselho de gua irredutível aos idiomas ociden-

Segurança Nacional, general Francisco tais; possuem uma cultura de baixo

José Pinto, que em comunicado reservado nível que n ã o incorporou, da cultura

dirigido ao ministro da Educação e Saúde, ocidental, s e n ã o os conhecimentos

Gustavo Capanema, solicita as providên- i n d i s p e n s á v e i s à r e a l i z a ç ã o dos seus

cias legais cabíveis que tornassem efeti- intuitos militaristas e materialistas;

vas as a ç õ e s repressoras do Conselho de seu p a d r ã o de vida d e s p r e z í v e l repre-

Colonização. O comunicado termina senta uma c o n c o r r ê n c i a brutal com

explicitando o terror e medo causados no o trabalhador do p a í s ; seu egoísmo,

general pelos livros infantis: sua m á - f é , seu c a r á t e r refratário, fa-

zem deles um enorme quisto é t n i c o


É sabido como s ã o f é r t e i s os japoneses
e cultural localizado na mais rica das
em seus processos de sutilezas e em sua
r e g i õ e s do Brasil. Há c a r a c t e r í s t i c a s
p e r t i n á c i a racial. Contamos que Vossa Ex-
que nenhum e s f o r ç o no sentido da
c e l ê n c i a em seu alto patriotismo se dig-
a s s i m i l a ç ã o c o n s e g u i r á remover. Nin-
nará mandar estudar o assunto pela Se-
g u é m logrará, com efeito, mudar a cor
ç ã o de S e g u r a n ç a deste m i n i s t é r i o no
e a face do j a p o n ê s , nem sua concep-
sentido de ser encontrada uma forma 6
ç ã o da vida, nem seu materialismo.
para neutralizar essa manobra de burla

à nossa p o l í t i c a nacionalizadora. 5
O parecer de Francisco Campos expres-
sa todas as facetas do preconceito, do
O problema é resolvido permitindo-se ape-
medo, do estranhamento, da intolerân-
nas a entrada de livros didáticos impres-
cia e da i n s e g u r a n ç a . Mas, antes de
sos em língua portuguesa. Aperta-se o cerco.
tudo, é a e x p r e s s ã o mais acabada da
Em 1941, o então ministro da Justiça, Fran- construção do inimigo, do outro, do in-
cisco Campos, elaborou um extenso pare- desejável, do inassimilável.
cer sobre a inconveniência de se aceitar a
Os japoneses que habitavam São Paulo
entrada de quatrocentos japoneses que
nestes anos percebiam muito bem a ex-
desejavam migrar para o Brasil, dedican-
clusão a que estavam submetidos, mui-
do-se à agricultura no interior do estado
tas vezes não entendiam por que isso
de São Paulo.
acontecia, j á que apenas desejavam fa-
Nem cinco, nem dez, nem vinte, nem cin- lar sua própria língua, comer do seu
q ü e n t a anos s e r ã o suficientes para uma modo; enfim, vivenciar livremente sua

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 129-146, jul/dez 1997 - p á g . 135


A C E

cultura. Causava-lhes profundo espanto Em janeiro de 1942, foi emitida uma or-
que, além das medidas j á apontadas, e dem pelo Gabinete de Investigação para
ainda no bojo da s u s p e n s ã o das relações a evacuação das ruas Conde de Sarzedas
d i p l o m á t i c a s Brasil/Japão, eles fossem e dos Estudantes, principais ruas de con-
proibidos de dirigir veículos automotores, centração do comércio j a p o n ê s , no bair-
mesmo porque não eram poucos os mo- ro da Liberdade. Todos os japoneses de-
toristas de praça japoneses. veriam deixar o local em dez dias. O co-
mércio ficou completamente paralisado.
Em 29 de janeiro de 1942, foi restringida
A e s t a g n a ç ã o duraria pelo menos a t é
a liberdade de l o c o m o ç ã o , através das
1945. Em 6 de fevereiro de 1943, uma
normas instituídas pela polícia.
nova ordem de d e s o c u p a ç ã o foi emitida,
Inconformados com estas medidas, os j a -
desta vez atingindo p e n s õ e s e h o t é i s .
poneses criaram, em 1942, a sociedade
Esta notificação foi recebida por mais de
Táisai Yokusam Doshi Kai (Associação dos
350 famílias. Ma quinta-feira, 8 de julho
Correligionários da Cooperação da Gran-
de 1943, era a vez de serem notificadas
de Política) que pretendia promover o re-
do início da evacuação do litoral, rumo
torno em massa para o J a p ã o dos imi-
ao interior, cerca de mil famílias de ja-
grantes que n ã o se conformavam com a
poneses, a l e m ã e s e italianos.
p e r s e g u i ç ã o e eterna suspeição a que es-
tavam submetidos. O desejo de retornar A hospedaria dos imigrantes no Brás, por
ao J a p ã o era um velho sonho acalentado onde muitos haviam passado ao chegar
pelos primeiros imigrantes e as perse- no Brasil, foi transformada em p r i s ã o
guições durante o Estado Movo exacer- onde eram confinados não s ó italianos e
baram esse desejo. a l e m ã e s , mas principalmente japoneses;
os maus-tratos e a violência física torna-
A guerra forneceu as condições ideológi- ram-se regra no tratamento aos imigran-
cas para o acirramento da r e p r e s s ã o e o tes. Em O imigrante japonês, Tomoo
aprofundamento do projeto estadonovis- Manda conta:
ta. Sem meias palavras ou justificativas
legais era possível aprisionar para ave- ...na p r i s ã o faltavam camas e por isso

riguação. Mofava-se nas cadeias a t é as colocavam t r ê s ou quatro c o l c h õ e s so-

providências legais serem tomadas. Em bre o c h ã o de cimento, onde dormiam

nome do estado de guerra a s u s p e i ç ã o sete, oito e a t é dez pessoas. Dizia-se

assumiu sua faceta mais crua, e desdo- que o que mais incomodava é que as

brou-se em r e p r e s s ã o generalizada. To- celas eram m i n ú s c u l a s , com janelas al-

dos aqueles que, por uma ou outra ra- tas e pequenas causando sufocação

zão, ainda podiam escudar-se ao abrigo por causa da p r e c á r i a r e s p i r a ç ã o e da


7

da lei foram finalmente colhidos pelo ven- f u m a ç a de cigarros...

dava! que esculpia a nacionalidade. A idéia da existência da 'quinta-coluna'

p á g . I 36. J u l / d e z I 997
R V O

permitia todos os tipos de arbitrarieda- Existiam três modalidades de salvo-con-


de. Os jornais contribuíram para o au- duto: estrangeiros, nacionais e perma-
mento do medo e o recrudescimento dos nentes; sendo que a l e m ã e s , italianos e
atos de exceção, alimentando de forma japoneses não tinham acesso ao salvo-
sensacionalista a paranóia em torno da conduto permanente. As prerrogativas
segurança nacional, publicando, todos os abertas com a guerra levaram ao ponto
dias, mais e mais notícias sobre espio- máximo a perseguição e a suspeição so-
nagem, atentados a usinas, reservatóri- bre toda a população, "desvendando na
os de á g u a e indústrias básicas. Quanto prática o que fica dissimulado nas fases
menos atos dessa e s p é c i e o c o r r i a m , democráticas: o caráter político da re-
8

maiores eram os brados temerosos da pressão ao crime comum."


imprensa, que t a m b é m vivia uma férrea Em março de 1943, os serviços de salvo-
censura. conduto — que inicialmente eram expe-
Girando uma volta no torniquete da vigi- didos pelas delegacias distritais, pelo Ga-
lância, a liberdade de l o c o m o ç ã o foi binete de Investigações e pela Superin-
suspensa. Tornou-se n e c e s s á r i o obter tendência de Segurança Política e Social
uma autorização da polícia — o salvo-con- — foram centralizados em São Paulo, no
duto — para poder trafegar pelo estado. prédio anexo ao da Superintendência de

"Queremos a guerra". Protesto contra o torpedeamento dos navios mercantes brasileiros pelas
forças alemãs. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1942. Agência Nacional. Arquivo Nacional.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n» 2. pp. 129-1 46. jul/dez 1997 - p á g . 1 3 7


A C E

Segurança Política e Social, no largo Ge- jetivo fixar os limites da esfera pública,
neral Osório. Para retirá-lo, o candidato determinados pelo anseio
deveria preencher um formulário e en- homogeneizador do novo Estado.
tregar, ao funcionário da superintendên- Destarte, ao se estabelecer uma eficaz
cia, uma série de documentos que segui- intervenção na esfera privada, o e s p a ç o
riam para pesquisa e averiguação dos an- público, c o n s e q ü e n t e m e n t e , se reduz e
tecedentes criminais; em seguida, caso passa a ser concebido em função e de
nada constasse contra o requerente, se- acordo com os limites impostos ao mun-
ria expedido o salvo-conduto. De março do privado. Portanto, o Estado novo
a maio do mesmo ano, o serviço aten- explicita com muita clareza e precisão,
deu 73.798 pessoas, sendo 40.329 es- a t r a v é s do salvo-conduto, seu projeto
trangeiros e 33.469 brasileiros. Mas jus- político: despolitizar a sociedade, silen-
tificativas para a criação do salvo-con- ciar a ação e o discurso de uma popula-
duto, os ó r g ã o s policiais alegavam que ç ã o transformando-a em massa. Essa
São Paulo possuía 1.500.000 estrangei- 'coisa' sem forma ou desejo definidos,
ros, grande parte dos quais cidadãos dos onde se q u e b r a m as solidariedades
países do Eixo. grupais, sejam elas estabelecidas pela
profissão, pelo trabalho ou pela origem,
Era imperioso que a p o l í c i a exercesse
de maneira que os sujeitos a p a r e ç a m ab-
toda p o s s í v e l v i g i l â n c i a sobre o trân-
solutamente individualizados e sem vín-
sito desses estrangeiros [...] o salvo-
culos no e s p a ç o público. É aí que a ação
conduto representava o meio mais efi-
interventora do Estado virá restabelecer
ciente de que d i s p õ e a p o l í c i a para
as solidariedades, não mais determina-
controlar as atividades dos indivíduos
das pela classe social, pela origem, ou
que se locomovem de um para outro
pela experiência da proletarização, mas
ponto do p a í s e mesmo dentro dos
as que vinculariam os atores sociais ao
limites dos estados [...] instituir a
poder público, neste momento, a
obrigatoriedade do salvo-conduto é
massificação estaria realizada e o proje-
9
função indiscutível da polícia preventiva.
to corporativo encontraria caminho aber-
Impedir o livre trânsito, circunscrever um to para sua efetivação. A maciça inter-
e s p a ç o para a 'ação' dos sujeitos soci- v e n ç ã o estatal na vida privada com o
ais, criar uma e s p é c i e de gueto social objetivo de determinar os limitados con-
onde seriam 'encarcerados' os estrangei- tornos da esfera pública foi a maneira
ros e onde o controle pudesse ser exer- encetada para a realização desse projeto.
cido com maior eficiência; eis o objetivo
da instituição do salvo-conduto. A inter- Os anos da Segunda Guerra Mundial fo-
v e n ç ã o na vida privada, restringindo a ram, sem dúvida, os mais terríveis do
possibilidade de circulação, tem por ob- Estado novo, quando a s u s p e i ç ã o foi

p á g . 138. j u l / d e z 1997
R V O

maior sobre os trabalhadores pobres, os O país imaginado pelos imigrantes já não


imigrantes e principalmente os japone- existia mais; encerrava-se aí o imaginá-
ses. A s u s p e n s ã o dos direitos legalmen- rio da volta. Para alguns náo havia outro
te constituídos foi o mais eficiente meio caminho, j á que o retorno náo se coloca-
de controle e cerceamento da cidadania. va em questão. Cabia mais uma vez se-
guir o Qambarê e resignar-se. Para ou-
O C A M I N H O DOS SÚDITOS tros o sonho não poderia simplesmente
transformar-se no pesadelo de ficar. A

A
Segunda Querra significou um
resposta foi a criação da Shindô-Remmei.
decisivo momento de inflexão
_para a colônia nipo-brasileira. Terminada a guerra, a situação náo me-
Seu final sepultava definitivamente o so- lhorou para os japoneses, ao contrário,
nho de retornar ao J a p ã o . A vinda dos agravou-se. A comunidade japonesa, após
imigrantes japoneses ao Brasil era en- tantas e seguidas humilhações, dividiu-
carada como algo temporário, uma pas- se entre os Kachigumi e os Makegumi.

s a g e m ; ao final de alguns anos eles Os primeiros não acreditavam na derro-

retornariam ao J a p ã o ricos e vencedo- ta do Japão, achavam que tudo era uma

res. Messe projeto assumia um papel cen- grande farsa e que a qualquer momento

tral o Q a m b a r è , e x p r e s s ã o do esforço os navios de guerra japoneses chegari-

para seguir adiante enfrentando todas as am para levá-los à terra do sol nascen-

adversidades com resignação e aceitan- te. Os Makegumis, conformados com a


situação, aceitavam a derrota japonesa
do o d e s t i n o c o m o a l g o p o s i t i v o e
10 e desejavam esquecer a guerra, as hu-
inescapável.
milhações sofridas e reconstituir suas vi-
A c o n s t r u ç ã o do Estado nacional, do qual das. Em meio a acirrados debates e mui-
estavam excluídos os japoneses, acirrou tas desavenças na colônia, os Kachigumi
o retorno aos valores dos primeiros imi- criaram, no dia 23 de setembro de 1945,
grantes e à p r á t i c a do S h i n d ô e do no bairro do Jabaquara, a Liga do Cami-
Q a m b a r ê . O desejo de retornar ao Ja- nho dos Súditos, a Shindô-Remmei. Seus
pão era proporcional à suspeição e per- fundadores, desde os anos da guerra,
seguição a que estavam sujeitos. Messe procuravam expressar o seu patriotismo
c o n t e x t o , o d i s c u r s o do i m p e r a d o r através da prática do Shindô, o código
flirohito, pondo fim à guerra, em 14 de de conduta que todos os súditos japone-
agosto de 1945, caiu como uma bomba ses deveriam manter em relação ao im-
na comunidade nipo-brasileira. Abalada, perador.
ela levou algum tempo para assimilar o
golpe, pois o J a p ã o que emergiu a p ó s A Shindô-Remmei foi fundada com o prin-
1945 desfigurara a imagem imperial da cipal objetivo de eliminar fisicamente os
ancestralidade divina e da invencibilidade. derrotistas, e assim elevar o moral da

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n° 2, pp. 129-146. Jul/dez 1997 - p á g .


c E

comunidade, enquanto esperava a che- triotismo e os tornaram propensos a re-


gada dos navios de guerra do J a p ã o . A cusar a derrota. O profundo preconceito
polícia estimou que a S h i n d ô - R e m m e i e desprezo com que foram tratados evi-
chegou a possuir cerca de cem mil asso- denciava para muitos que, naquele mo-
ciados, a maioria no estado de São Pau- mento, n ã o havia outra alternativa: ou
lo, realizando mais de 32 atentados con- chegavam os navios da marinha imperial
tra os chamados derrotistas, durante o japonesa para buscá-los, ou seu destino
período de 7 de março a 16 de agosto de era desaparecer enquanto grupo étnico
1946, causando 13 mortes." e cultural. Este estado de â n i m o presidiu
a c r i a ç ã o de o r g a n i z a ç õ e s como a
lião é difícil avaliar a responsabilidade que
Shindô-Remmei.
teve o Estado Movo na criação de organi-
12
zações como a Shindô-Remmei. As con- A a t u a ç ã o da polícia contra as organiza-
tínuas p e r s e g u i ç õ e s e h u m i l h a ç õ e s im- ç õ e s nipônicas foi rápida, recheada de
postas aos japoneses a g u ç a r a m o seu pa- lances teatrais para consumo da imprensa

Teijiro Suzuki, primeiro j a p o n ê s que emigrou para o Brasil. Correio da Manhã, Arquivo Nacional.

p á g . 1 40 , j u l / d e z I 997
R V O

e muito violenta, lio m ê s de julho de tiros, que contudo náo atingiram o alvo.
1946, foram presos, em São Paulo, dois O lavrador j a p o n ê s de 34 anos, Takeo
japoneses que confessaram ser membros Kajiwara, vítima do atentado, ao depor,
da S h i n d ô - R e m m e i . O processo-crime, dá algumas pistas de que esperava uma
e n t ã o instaurado, mostra-nos as a ç õ e s ação dos grupos de extermínio.
da organização e as práticas dos grupos
Mo dia 23, mais ou menos à s vinte e
de extermínio, os Tokko-Tài.
t r ê s horas, achava-se repousando e
Que o declarante faz parte da Tokko- antes de dormir ouviu latido de seu
13
Tai, o r g a n i z a ç ã o esta incumbida da cão, levantando-se, imediatamente,

e l i m i n a ç ã o dos elementos n i p ô n i c o s para fora pela porta da sala de visita,

c o n t r á r i o s à i d é i a da vitória do J a p ã o que saiu ao terreiro e andou sessenta

na presente guerra do Pacífico, que o metros em d i r e ç ã o da cerca do vizinho

d e c l a r a n t e foi i n c u m b i d o de matar [...] ao chegar à mencionada cerca ou-

Takeo Kajiwara, por ser este um dos viu o disparo de um tiro tendo, imedi-

mais fervorosos p r o p a g a n d i s t a s da atamente, atirado para um lado seu

derrota j a p o n e s a no P a c í f i c o , que o l a m p i ã o , que l a n ç o u - s e ao c h ã o no

depoente estava em companhia, nes- momento que ouviu mais tiros, nove

ta i n c u m b ê n c i a , de Kiyokaku Morishita, mais ou menos, e p ô d e perceber que

o qual acompanhou e ajudou a se tratava de duas pessoas inimigas,

desencumbir-se da m i s s ã o , que trazi- tratando o declarante de voltar para

am consigo a bandeira da organiza- sua casa, rastejando, entre sua casa e

ç ã o , que dispararam toda a carga de o rancho de c r i a ç ã o do bicho-da-seda,

seus r e v ó l v e r e s , num momento em percebeu novamente que ali estavam

que, nos fundos da casa da pretensa mais duas pessoas, as quais t a m b é m

v í t i m a , protegidos pela e s c u r i d ã o , a disparavam contra o declarante dois

viram surgir com o l a m p i ã o . . . * 1 tiros [...] que tratou de recolher-se, en-

trando em casa, tendo sua mulher,


Assim, Tomio Aoki, alfaiate de 23 anos, mais que depressa, aberto a porta da
solteiro, inicia o relato de uma missão cozinha e atirado para fora quatro
na qual tomou parte na cidade de Bas- bombas que explodiram no ato, a fim
tos, em 23 de julho de 1946. Ele frisa de avisar à v i z i n h a n ç a . . .
que o atentado n á o visava qualquer inte-
resse pecuniário, e que n ã o atirou con- O sinal emitido pela esposa de Takeo ha-
tra mais ninguém, apenas contra via sido combinado previamente entre os
Kajiwara, O depoimento de Morishita, la- sitiantes japoneses da redondeza e, pro-
vrador, 17 anos, nascido em São Paulo, vavelmente, contribuiu para pôr em fuga
confirma as informações de Aoki, e acres- os agressores. Rapidamente, chegaram
centa que ambos dispararam ao todo 12 ao local do atentado vários vizinhos. O

ervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 1 29-1 46. jul/dez 1997 - p á g . 1 4 1


A C E

que demonstra a rápida mobilização dos são de eliminar Kajiwara. Seguiu para a
sitiantes, reflexo das t e n s õ e s que percor- capital e pediu p e r m i s s ã o à direção da
riam a comunidade. Shindô-Remmei para matar o Makegumi.
Depois de aprovada a decisão, comprou
Bastante revelador é o depoimento de
duas armas e recrutou os Tokko-Tai para
Satoru Yamamoto, motorista, 28 anos,
a missão:
acusado por Aoki e Morishita de ser o
idealizador e mandante do atentado con- transmitindo-lhes as f e l i c i t a ç õ e s por
tra Kajiwara. Cheio de orgulho ele conta: esse gesto p a t r i ó t i c o que, segundo os

Que o declarante reside no Brasil há diretores da S h i n d ô - R e m m e i , n ã o se-

14 anos, que é solteiro e n ã o possui ria esquecido quando a m i s s ã o militar

bens i m ó v e i s , que entrou para a socie- japonesa viesse ao Brasil exigir satis-

dade secreta terrorista nipônica f a ç õ e s do governo pelas p r i s õ e s fei-

Shindô-Remmei a convite de seu tas...

p a t r í c i o Hida, vice-presidente desta so-


Dias depois, Satoru recebeu uma carta
ciedade na cidade de Bastos, que é
de São Paulo, escrita pelo chefe Tokko-
verdade que o declarante quando en-
Tai Taro Yamada, que o chamava com
trou para a S h i n d ô - R e m m e i foi certifi-
urgência à capital, a fim de integrar um
cado que deveria proceder como ver-
grupo de execução que deveria entrar em
dadeiro patriota j a p o n ê s , isto é , n ã o
ação no dia 3 de agosto de 1946, come-
devia dar c r é d i t o aos documentos di-
tendo simultaneamente t r ê s atentados:
vulgados pelo governo brasileiro so-
contra o industrial Chibata Miakoche; o
bre a derrota do J a p ã o que se empe-
encarregado dos negócios japoneses no
nhava na guerra contra as n a ç õ e s uni-
Brasil, Paulo Morita e o e n t ã o presidente
das, que o declarante deveria atacar
da cooperativa agrícola de Cotia,
com todas as armas ao seu alcance os
Shimamoto.
chamados japoneses derrotistas', ou

que admitissem a derrota da p á t r i a , Tomio Aoki, em segundo depoimento,


que nessa conformidade o declarante prestado em 8 de fevereiro de 1947,
passou a proceder; que no m ê s de abril acrescentou alguns dados novos a essa
o declarante foi informado de que o história:
sitiante n i p ô n i c o Takeo Kajiwara era
... que o interrogado conhecia Takeo
da ala dos que acreditavam na derrota
Kajiwara fazia algum tempo, e sempre
do J a p ã o e disso fazia alarde, ofenden-
aconselhava a este que procedesse
do com a sua atitude a sagrada pes-
bem, deixando de beber e fazer sujei-
5
soa do imperador Hirohito...'
ra. Que o interrogado se aborreceu

Diante da a g r e s s ã o contra a sagrada fi- t a m b é m com Kajiwara. porque este ora

gura do imperador, Satoru tomou a deci- dizia acreditar na vitória do J a p ã o , ora

p á g . 142. j u l / d e z 1997
R V O

dizia não acreditar. Que o próprio da cortina havia um estandarte com a

Kajiwara tempos antes tinha convida- i n s c r i ç ã o sede da S h i n d ô - R e m m e i ' , em

do o interrogado a eliminar Kussahara, vermelho, e o timbre da entidade — o

porque este dizia que o Japão havia diagrama SHIN ( s ú d i t o ) — pintado em

sido derrotado... branco sobre uma flor de cerejeira, na

parte de baixo do estandarte, à esquer-


É bastante curioso este segundo depoi-
da, havia ainda uma pequena inscri-
mento de Aoki. Ele revela conhecer a ví-
ç ã o , em que se lia: Dois mil seiscentos
tima há algum tempo, o que nos leva a
e cinco anos de e x i s t ê n c i a do J a p ã o ' ,
crer que havia entre ambos uma convi-
na mesa central havia uma lista com
vência relativamente estreita, a ponto de
os nomes dos associados da socieda-
o acusado aconselhar a vítima sobre a
de secreta', entre eles nomes de brasi-
forma mais adequada de se comportar.
leiros, filhos de japoneses, numa das
O "beber e fazer sujeira" apontados por
paredes encontrava-se pendurado um
Aoki eram bastante depreciativos num
grande e bem desenhado mapa do es-
súdito j a p o n ê s , e contrário à s práticas do
tado de S ã o Paulo, onde se assinala-
Shindô e do Qambarê. Além de derrotista,
vam as filiais da liga, chamadas n ú c l e -
Kajiwara e r a , aos o l h o s de Aoki e
os, espalhadas em á r e a s de concentra-
Morishita, um péssimo exemplo de com-
ç ã o de japoneses. Observando aqui o
portamento para a comunidade nipônica. n ú m e r o desses n ú c l e o s percebia-se a

A polícia de São Paulo descobriu e inva- i m p o r t â n c i a da S h i n d ô - R e m m e i , que

diu a sede da Shindô-Remmei, no bairro contava aproximadamente 130 mil


16

do Jabaquara, em abril de 1946 e, no dia membros.

três, os jornais publicaram as fotos do


rio dia 19 de agosto de 1945, o jornal
interior da sede, assim descrita pela polícia:
Diário de São Paulo publicou uma entre-
...no salão principal havia uma grande vista com um j a p o n ê s , no bairro da L i -
mesa, e ao seu redor muitas cadeiras. berdade. O repórter perguntou-lhe como
A parede ao fundo parece ser uma es- tinha visto a rendição do J a p ã o a p ó s a
pécie de altar, separada com uma cor- derrota militar. Ocorreu entre eles o se-
tina roxa. Abrindo-se a cortina, viam- guinte diálogo:
se penduradas, uma ao lado da outra,
— Imagina se o J a p ã o se rendeu. Isso
a bandeira do Japão e a bandeira mili-
é absolutamente i m p o s s í v e l .
tar japonesa, ocupando toda a pare-
de. E, no ponto em que as duas ban- — Mas como, se a rádio T ó q u i o trans-
deiras se juntavam, a pouco mais de mitiu isso?
dois metros do chão, havia uma foto
— Hoje em dia, há t r a n s m i s s õ e s ame-
do imperador em vestes militares,
ricanas perfeitas em j a p o n ê s .
montando um cavalo branco. À direita

cervo. Rio de Janeiro, v. 10. n° 2. pp. 129-146. Jul/dez 1997 - p á g . 1 4 3


— V o c ê n ã o acredita nem na mensa- Espaço público privatizado e área de cir-
gem do imperador? culação, esfera privada tecnicizada, cam-
— n ã o é p o s s í v e l que tenha havido po de ação de um saber puramente téc-
uma mensagem do imperador, n ã o nico e eficiente, s ã o as q u e s t õ e s funda-
pode haver erro naquilo que o im- mentais para se compreender a figura-
18
perador c o m e ç a . " ção estadonovista. Se o vínculo entre ci-
O diálogo acima pode ser interpretado dadania e o c u p a ç ã o é um produto do Es-
como uma faceta da dedicação japone- tado Movo, a apropriação privada da es-
sa, uma singular relação e vínculo que fera pública e a tecnicização dos proble-
une os súditos a seu imperador — que mas vividos na esfera da intimidade não
inspirou, por exemplo, os pilotos o s ã o . Eles e s t ã o inseridos numa longa
camicases. Porém, gostaria de aventar tradição de 'confusão' intercambiante en-
outra hipótese: o diálogo entre o repór- tre a rua e a casa. A novidade das déca-
ter e o j a p o n ê s expressa as dificuldades das de 1930 e 1940 talvez esteja na jun-
e sutilezas na c o n s t r u ç ã o da cidadania ção entre estas duas práticas.
e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , de um e s p a ç o efe-
Os japoneses, concebidos aqui no senti-
tivamente público na sociedade brasilei-
do amplo como estranhos, foram excluí-
ra. A q u e s t ã o da cidadania é t a m b é m a
dos, de a n t e m ã o , da possibilidade de tor-
chave para a c o m p r e e n s ã o dos vínculos
narem-se cidadãos. Perseguidos e mar-
erigidos no Estado Movo entre e s p a ç o pú-
ginalizados, foram jogados nas fímbrias
blico e privado. O projeto estadonovista
da sociedade, no e s p a ç o da n ã o visibili-
almejava tornar o público um simples es-
dade pública. Porém, é exatamente nes-
paço de circulação de pessoas e merca-
te não lugar, nesta exclusão, que s e r ã o
dorias, desprovido de função política e
forjadas as p o s s i b i l i d a d e s de uma
crítica, transformando-o em mero lugar,
contraleitura dos ideais estadonovistas.
em paisagem, pano de fundo de circula-
Recolhidos à vida privada, os japoneses
ção e passagens urbanas, desprovido de
gestaram de si e de sua situação duran-
contradições. Porém, a despolitização da
te o Estado Movo uma imagem que, ade-
esfera pública impôs um novo arranjo en-
quada aos valores do Q a m b a r ê e do
tre o público e o privado. Despojada de
Shindô, os projetaria no e s p a ç o público,
seu caráter político a esfera pública se
a p ó s 1945, com uma pujança recriada.
privatiza e passa a ser vivenciada como
mera extensão do e s p a ç o privado. Por ou- Organizações como a Shindô-Remmei nos
tro lado, o campo da intimidade passa a revelam, tanto as dificuldades para a cri-
ser alvo de todo um discurso técnico que ação de uma efetiva cidadania no Brasil,
o transforma em lugar da aplicação de quanto as múltiplas possibilidades que ela
uma tecnologia que prescinde absoluta- tem para realizar-se. Afinal, os japone-
mente de qualquer discussão política. ses s ã o um dos muitos 'inimigos' criados

p á g . 144. J u l / d e z 1997
R V O

naqueles anos. As a ç õ e s dessa organi- avolumando de tal forma a mostrar que


zação 'terrorista' s ã o , por um lado, uma "[...] a sua face e a sua cor denotam fri-
19
reação à s seguidas humilhações sofridas eza e calculismo..."
durante o Estado novo. Contribuíram, As seqüelas deixadas na comunidade ja-
p o r é m , para justificar e reforçar certos ponesa por esse duro período se eviden-
preconceitos arraigados. As "caracterís- ciariam durante muito tempo, o que tor-
ticas negativas' dos japoneses vão sen- naria ainda mais difícil a construção de
do pintadas em tons cada vez mais som- uma efetiva cidadania nos anos que viriam.
brios e assustadores, a partir dos quais
se pode esperar deles quaisquer gestos
de desconfiança e traição, predestinação Agradeço especialmente ao professor
natural ao crime, ao suicídio, à insanida- Boris Fausto a leitura atenta, as suges-
de mental, atributos que vão se t õ e s precisas e o gentil apoio.

N O T A S
1. Eliana Dutra R. F., O ardil totalitário ou a dupla face na construção do Estado novo, S ã o
Paulo, USP, tese de doutoramento, mimeo., 1990, p. 51.

2. Eliana Dutra. op. cit., p. 221.


3. Relatório das atividades da polícia civil, p. 688.
4. " R e l a t ó r i o da C o m i s s ã o de n a c i o n a l i z a ç ã o ao M i n i s t é r i o da E d u c a ç ã o e S a ú d e " , Simon
Schwartzman et al.. Tempos de Capanema, Rio de Janeiro, Paz e Terra/Edusp, 1984, p. 150.

5. Cf., Simon Schwartzman, et al., op. cit., pp. 150-151.


6. Citado em Alcir Lenharo, S a c r a f / z a ç ã o da política, Campinas, Papirus. 1896, p. 132.

7. Tomoo Ha rida, O imigrante japonês, s. I., s. e., p.634.


8. Paulo S é r g i o Pinheiro, Violência do estado e classes populares. Revista DADOS, Rio de J a -
neiro, IUPERJ, vol. 22, 1979, p. 6.
9. Alcir Lenharo, op. cit., p. 448.
10. Cf. Célia Sakurai. Romanceiro da imigração japonesa, S ã o Paulo, S u m a r é / F a p e s p . 1993, p.
52.
11. Quido Fonseca, "DOPS: um pouco de sua história", Revista ADPESP, ano 10, n° 18, 1989.
12. Outras o r g a n i z a ç õ e s surgiram neste p e r í o d o : Zaiako Zaiago Oujin Kai, A s s o c i a ç ã o dos Ex-
Militares Japoneses no Brasil; a Kodo Jissen Remmei, Liga pela Prática das Diretrizes do
Imperador; a Tuido Seinen Kei. A s s o c i a ç ã o dos Jovens Japoneses que seguem as Diretrizes
Centrais; a Kokussui Seinen Dan, Grupo nacionalista de Jovens; a Aikoku nippon Jin-Kai.
A s s o c i a ç ã o Patriótica dos Japoneses Unidos; a Chudo Aikoku Doshi-Kai; A s s o c i a ç ã o Patrióti-
ca pela Unidade do Pensamento; a Chudo-Kai; A s s o c i a ç ã o do Caminho da Felicidade do
Imperador. Entretanto, todas as i n d i c a ç õ e s mostram que a mais importante de todas, por
suas a ç õ e s , foi a S h i n d ô - R e m m e i .

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 129-1*6. jul/dez 199 7 - p á g . 1 * 5


13. Tokko-Tai: grupos de e x e c u ç ã o encarregados das m i s s õ e s de e x t e r m í n i o .
14. Processo em que é r é u Tomio Aoki. Arquivo do Tribunal de J u s t i ç a do estado de S ã o Paulo.
o
I TVibunal do Júri, caixa 700. Os p r ó x i m o s depoimentos foram transcritos desse processo.
15. Para um esclarecimento do comportamento dos japoneses em r e l a ç ã o ao imperador Hirohito
ver Ruth Benedict. O crisântemo e a espada, S ã o Paulo, Perspectiva, 1981.
16. Tomoo Handa, op. cit., p. 675.
17. Idem, ibidem, p. 643.

18. Sobre a r e l a ç ã o entre p ú b l i c o e privado, ver J ü r g e n Habermas, Mudança estrutural da esfera


pública, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984.
19. Citado por Alcir Lenharo, op. cit., p. 132.

A B S T R A C T
The union, cohesion and indivision were the aims of the Estado novo. There was a desire to

erase ali possible traces of social heterogeneity, with foreigners representing a potential danger.

The building of homogeneity called for a very authoritarian political system, considering that it

presupposed the elimination of the other, the dissimilar. This article shows that the fear, the

aversion towards the other reached extreme leveis regarding the Japanese.

R É S U M É
L'union, la cohesion et 1'indivision ont é t é les objectifs de ['Estado novo, en vue d'effacer les

marques d'une é v e n t u e l l e h é t é r o g é n é i t é sociale, o ü les é t r a n g e r s r e p r é s e n t a i e n t un danger en

potentiel. Pour b â t i r l ' h o m o g é n é i t é on p r é s u p p o s a i t 1'élimination du d i f f é r e n t , de 1'auíre. Cet

article montre la peur et 1'aversion en atteindrant des niveaux extremes par rapport aux Japonais.
Maria Luiza Tucci Carneiro
Docente do Departamento de História da FFLCH
e do Programa de Pós-graduação em Língua Hebraica, Literatura
e Cultura Judaica do Departamento de Letras da Universidade de São Paulo.

L i t e r a t u r a de I m i g r a ç ã o
M^emÓFias cie i i i m a d i á s p o r a

A
s d é c a d a s de 1930 e tos de repressão e propaganda.
1940 podem ser con- Tanto na Espanha como na Ale-
sideradas como um manha, regimes fortes substi-
momento de convulsão da so- tuíram repúblicas agonizantes
ciedade c o n t e m p o r â n e a que, que nada mais foram do que en-
utopicamente, preparou o mundo para a saios de liberalismo e de prática demo-
prática da democracia. Durante este pe- crática. Utopias, enfim. O t é r m i n o da
ríodo, o totalitarismo idealizado nos pri- Querra Civil Espanhola não deixou de ser
meiros anos do século XX e concretizado o prenuncio do conflito mundial que co-
pelo nazismo e fascismo veio à tona sob meçou em 1939. Portanto, é compreen-
a forma de tirania e violência. sível que 1945 seja apontado como sím-
bolo para a história da humanidade: náo
Tempos de terror, de medo e de ódio.
somente pelo fim do conflito mundial e
Tempos de cataclismo. Tempos de Hitler,
suas implicações p o l í t i c o - e c o n ô m i c a s ,
Mussolini, Franco, Salazar, Perón e Getú-
como também por q u e s t õ e s humanistas.
lio Vargas. Cada qual, a seu modo, colo-
Quando as primeiras notícias da vitória
cou em prática projetos nacionalistas e
dos Aliados vieram a público, concreti-
xenófobos, controlando e seduzindo as
zou-se a falência do Estado nazi-fascis-
massas através de modernos instrumen-

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ' 2. pp. 147-164. jul/dez 1997 - p á . 1 4 7


9
A C E

ta. E, quando vieram à tona as primeiras ram à imigração. Dispersa por três con-
imagens do holocausto judeu praticado tinentes — Europa, América e África —,
pelos nazistas, o mundo parou sob o im- esta massa diversificada e magoada de
pacto desse fenômeno, incompreensível refugiados guardou desilusões, rancores
até os dias de hoje. Os indivíduos de qual- e tristes recordações.
quer raça, religião ou etnia tiveram a tris-
Para muitos o exílio acabou sendo defi-
te oportunidade de lançar os olhos sobre
nitivo; outros retornaram quarenta anos
os escombros dos campos de concentra-
depois quando foi reinstaurada a demo-
ção, constatando que o sentimento de ódio
cracia, e os que não saíram da Espanha
náo tem limites.
viveram, permanentemente, em seu exí-
2
lio interior.
PEREGRINOS SEM PÁTRIA
Após 1945, o mundo viu-se diante de ou-
f ) f "^anto a Guerra Civil Espanhola
tros tipos de peregrinos: os espoliados
quanto o nazismo e a Segunda
de guerra e os d e s i l u d i d o s , ou seja,
Guerra Mundial foram respon-
aqueles que, decepcionados com seus
sáveis por um i n t e n s o movimento
países de origem e amedrontados com o
imigratório que envolveu, de um lado,
alcance das práticas totalitárias, resol-
aqueles que, identificados com idéias l i -
veram sair em busca de nova pátria.
berais e republicanas, foram obrigados
a deixar a Espanha sob o olhar censório Essa massa humana em movimento, fu-
de Franco; de outro, os judeus persegui- gitiva e sofrida, colocou muitos países em
dos pela doutrina nazi de t e n d ê n c i a s 'estado de alerta', visto que estavam pre-
genocidas. ocupados com o tipo de indivíduo (raça,
caráter e ideologia) que poderia solicitar
Com r e l a ç ã o à Espanha, cabe lembrar
abrigo em suas terras. Tanto a França
que em 9 de fevereiro de 1939 foi pro-
mulgada a Lei de Responsabilidades Po- como o México abriram suas portas aos

líticas' como parte da longa r e p r e s s ã o espanhóis exilados pelo regime

empreendida pelo Movimento Nacional, franquista. A Argentina, contrária à imi-

que atingia todos que haviam defendido gração em massa, restringiu-se a rece-

a República e tentado impedir o avanço ber apenas alguns intelectuais e perso-

das tropas franquistas. Para muitos acu- nalidades de renome na Espanha. Mo en-

sados de 'agravar e subverter a ordem' tanto, n ã o teve condições de impedir a


era chegada a hora do cárcere, dos cam- entrada de grande n ú m e r o de judeus,
pos de c o n c e n t r a ç ã o e do exílio. Esta que para lá se dirigiram atraídos pela co-
3
diáspora estendeu-se a t é o início da Se- munidade israelita existente no p a í s .
gunda Guerra, quando os principais cen- Muitos dos peregrinos encaminharam-se
tros receptores e polarizadores se fecha- para São Domingos, Venezuela, Equador,

p á g . 148, j u l / d e z 1997
V

Panamá, Cuba, Inglaterra e Estados Uni- A documentação oficial produzida pelo Mi-
dos. Um grande número refugiou-se tam- nistério das Relações Exteriores e pelas
bém na África do Norte.* missões diplomáticas sediadas no exte-
rior comprova a atitude irreverente do
Neste mesmo momento, entre 1937 e
Brasil de s ó aceitar aqueles que fossem
1942, o Brasil colocava em evidência uma
classificados como desejáveis. Os judeus
série de circulares secretas proibindo a
refugiados do nazi-fascismo foram con-
entrada de imigrantes judeus. Defendia-
siderados uma anomalia social, enquan-
se a idéia de uma política imigratória ci-
to os refugiados de guerra foram vistos
entificamente policiada e orientada, ten-
como "uma população faminta e desam-
do em vista o imigrante como um prová-
parada" e, confidencialmente, tratada de
vel candidato à composição racial e polí-
"irmãos d e s g r a ç a d o s " e "escumalha de
tica do país. Aquele, se destinado a con- 6
guerra".
tribuir para a melhoria da etnia, deveria
atender a um requisito essencial: ser de A maioria das sociedades americanas fi-
raça branca, escolhida dentre as nacio- cou de sobreaviso com relação a uma
nalidades que j á haviam provado ser fa- dezena de 'perigos humanos' que pode-
cilmente a s s i m i l á v e i s pela p o p u l a ç ã o riam colocar em risco a segurança nacio-
brasileira. 5
nal; fossem exilados políticos (principal-

A causa da fuga. Hitler em meio à multidão, 1933. Archives Yad Vachem. Jerusalém.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 1 47-16*. Jul/dez 1997 - p á g . 1 4 9


mente se rotulados de anarquistas ou lugar para abrigar-se. Dentre estes acon-
c o m u n i s t a s ) , j u d e u s ou 'refugos da tecimentos, cabe citar o desmoronar da
escumalha de guerra'. A imprensa con- República espanhola, a evidência da prá-
servadora mexicana, pró-franquista, por tica de um plano objetivando o extermí-
exemplo, foi responsável pela construção nio em massa dos judeus pelo III Reich,
de uma imagem negativa do espanhol as c o n s e q ü ê n c i a s econômico-sociais da
junto à o p i n i ã o pública, que, segundo Querra Civil Espanhola e da Segunda
J o s é Antônio Matezans, os recebeu "com Querra Mundial, o estado de destruição
desgosto, desconfiança e certa hostilida- das cidades e u r o p é i a s atingidas pelos
de". A propaganda fascista, por sua vez, bombardeios e o desencanto com a situ-
encarregou-se de desqualificá-los, apre- ação político-social de seu país de ori-
sentando-os como 'delinqüentes', 'dege- gem.
7
nerados vermelhos' e 'gente de má vida'.
Diante deste quadro de caos, os pere-
Uma série de fatos interligados entre si grinos sem p á t r i a ' passaram por um
contribuiu para gerar um clima de ten- constante processo de mutilação (a de-
são, angústia, decepção e intranqüilidade terioração do eu) que, posteriormente,
entre todos aqueles que, como os judeus se m a n i f e s t a r á na literatura, produto
ou os refugiados políticos, buscavam um deste momento de cataclismo da socie-

Viagem interrompida. Passageiros ilegais do navio Theodor Herzl capturado pelos


ingleses em abril de 1947. Archives Yad Vachem. Jerusalém.

p á g . 150. j u l / d e z 1997
V o

dade c o n t e m p o r â n e a . Como muito bem dos a buscar refúgio em outro país a sen-
definiu J o s é Lopes Portillo, presidente do sação era de perda, de mutilação. Mui-
México: tos traduziram suas angústias e esperan-
ças em poemas, novelas, contos e livros
O refugiado é um ser com a raiz cerce-
de memórias.
ada. Um sujeito errante que n á o pro-

cura apenas comida, teto e trabalho, Essa literatura, característica do p ó s -


p o r é m algo muito mais substancial: guerra, revela a busca de equilíbrio pelo
um centro de gravidade, um ambiente homem que, através de uma retórica par-
que possa nutrir seu e s p í r i t o , e n á o s ó ticular, procurou exprimir seus sentimen-
sua carne." tos sob a forma de denúncias e silênci-
os, dúvidas e certezas, erros e acertos,
Esta q u e s t ã o nos conduz a uma outra re-
t e n s ã o e alívio. Enfim, cada uma das
flexão que, pela sua essência, nos auxi-
obras publicadas é, também, testemunho
liará a compreender os textos literários
das nossas inquietações existenciais.
produzidos por muito destes
transterrados'. Christopher Lasch, refe- Essa seleção e análise privilegia a me-
rindo-se ao estado de espírito daqueles mória dos excluídos, dos marginalizados
que lutam pela sobrevivência, afirma em e das minorias; memória esta que, se-
sua obra O mínimo eu: gundo Michel Pollak, aflora "nos momen-
tos de crise em sobressaltos bruscos e
Em uma é p o c a carregada de proble- 10
exacerbados". Tais sentimentos emer-
mas, a vida cotidiana passa a ser um
gem, de forma mais transparente, nos
e x e r c í c i o de s o b r e v i v ê n c i a . Vive-se um
textos que se referem a um passado ime-
dia de cada vez. Raramente se olha
diato, ou seja, próximo ao momento do
para t r á s , por medo de sucumbir a uma
conflito.
debilitante nostalgia e quando se olha

para a frente, é para ver como se ga- Com base em uma seleção preliminar —
rantir contra os desastres que todos parte de um estudo mais amplo — , " po-

aguardam. 9 demos adiantar que as décadas de 1930


e 1940 produziram tipos distintos de l i -
A LITERATURA E M QUESTÀO teratura, muitos dos quais podem ser
considerados como produtos c o n s e q ü e n -

A
guerra náo foi uma ilusão, nem
tes da prática autoritária e da dificulda-
o holocausto. As divergências
de que o homem tem de lidar com as di-
.ideológicas anteciparam cala-
ferenças, sejam elas étnicas ou ideológi-
midades com capacidade de 'abalar a
cas. Diante de uma produção tão múlti-
Terra'. O tema da vida e da morte tor-
pla e diversificada, identificamos inúme-
nou-se trivial preocupação de todos que
ros núcleos literários, dentre os quais
estiveram ou não envolvidos pessoalmen-
cabe citar: a literatura de exílio, produ-
te nos conflitos. Os que se viram obriga-

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n» 2. pp. 1 47-1 64 . jul/dez


A C

zida tanto dentro [exílio interior) como mo, p r o l o n g a d o . P s i c o l o g i c a m e n t e ,


fora do país de origem (exílio exterior); aguarda o fim do seu exílio. No caso dos
e a literatura de imigração, produzida por refugiados e s p a n h ó i s republicanos, acre-
imigrantes e, no caso em estudo, por j u - ditava-se que "em breve Franco cairia".
deus refugiados do nazi-fascismo. Não estava em seus planos criar raízes

Essas obras foram escritas por homens na nova terra e nem mesmo 'fazer a

que tiveram suas existências 'interrom- América', expressão empregada para ca-

pidas' no momento de convulsão da so- racterizar aqueles que chegavam com o


12

ciedade. Muitos foram pressionados e ex- propósito de enriquecer rapidamente. A

pulsos de sua terra natal; outros perma- certeza da volta sempre os animava. Nas

neceram mas tiveram que abrir m ã o de palavras de Eugenia Meyer, a mente e o

suas c o n c e p ç õ e s ideológicas e de seus c o r a ç ã o continuavam na Espanha, en-

projetos políticos: daí o fato de todos te- quanto a existência transcorria no Méxi-
13

rem em comum a experiência do co.

trauma, simbolizado por um momento de


Este, entretanto, não é o 'estado de es-
ruptura.
pírito' do refugiado judeu, que, discrimi-
Em ambos os casos estas cicatrizes in- nado e perseguido pelo nazi-fascismo,
duziram os indivíduos a formularem so- não pensa em retornar: vem para ficar,
luções aglutinadoras que deram origem decepcionado com a n a ç ã o que o desen-
à s comunidades dos refugiados, neutra- cantou transformando-o num apátrida,
lizando as circunstâncias que os força- num 'desclassificado' — os judeus per-
ram a imigrar; além de servirem de ins- deram na Alemanha nazista sua condi-
piração para seus 'registros de vida'. A ção de 'cidadãos do Reich'. E esse de-
literatura produzida por estes grupos vai sencanto gerou marcas profundas, ali-
muito além da biografia individual de cada mentando silêncios e medos confessados
autor; expressa t a m b é m , nuances da posteriormente nas entrelinhas de suas
m e m ó r i a coletiva, fundamental para a m e m ó r i a s . Expressivo desse estado de
persistência de uma identidade nacional. espírito é o diálogo que dá início ao livro
Você voltaria?, de Anita Salmoni, judia ita-
A diferença entre uma e outra literatura
liana, formada em letras e filosofia pela
depende de d o i s fatores básicos e
Universidade de Pádua:
determinantes: das condições exteriores
próximas ao autor e do estado de espíri- — Você voltaria para a Itália?
to que condiciona o processo de criação.
— Para a Itália? Claro que sim. Vou
Neste sentido, temos que considerar a para lá em dezembro.
distinção que caracteriza o exilado e o — Mas eu quero saber se v o c ê
imigrante. O primeiro deixa o seu país voltaria para a Itália para ficar,
por um tempo determinado e, a t é mes- 1
para viver l á ? *

p á g . 1S2. j u l / d e z 1997
K V O

Tanto o imigrante judeu como o exilado como sendo 'liberais' e 'pouco ortodoxos';
espanhol republicano produziram, sob até o momento em que passam a ser
â n g u l o s diferentes, suas visões pessoais questionados por suas origens judaicas.
dos conflitos presenciados na Europa; Por serem judeus — meio ou, a t é mes-
cada qual construiu uma imagem parti- mo, um quarto judeu — é que muitos per-
cular de cataclismo elevando-o à cate- deram o direito de cidadania e, posteri-
goria de drama. Cada uma dessas versões ormente, o 'direito de viver'. Daí suas
encontra-se filtrada pela nova experiência projeções literárias serem típicas das ma-
vivenciada em terras americanas. nifestações das identidades mutiladas.

nos dois casos a maioria dos autores é A literatura de imigração como a de exí-
constituída por intelectuais de classe mé- lio assumem uma dimensão universal: a
dia urbana; com a diferença de que os da sobrevivência. Deixar a terra de ori-
e s p a n h ó i s , exilados no México em 1939, gem náo foi uma atitude voluntária. Foi,
eram indivíduos engajados politicamente sim, a única opção para salvar suas vi-
e envolvidos com o processo de trans- das. Garantida a troca (vida no exílio), o
f o r m a ç ã o da sociedade espanhola na espanhol refugiado sustentou viva a cha-
década de 1930. Muitos representavam, ma de um dia poder salvar, t a m b é m , a
no momento em que foi proclamada a Se- República abortada pelo fascismo de
gunda República, em 1931, a vanguarda Franco, neste sentido, lembramos aqui a
do liberalismo e do republicanismo es- obra de Carlos Martinez, que em sua Crô-
panhol e, quando n ã o , haviam liderado nica de una emigración (La de los repu-

movimentos reformistas e de oposição à blicanos espanoles em 1939) recupera

Igreja, à monarquia e à ditadura de Pri- todo o processo de adaptação dos refu-


16
mo de Rivera no decênio de 1920. 15
giados em terras mexicanas.

Na Itália, a a p l i c a ç ã o das leis raciais,


A LITERATURA DE EXÍLIO
a p ó s 1939, atingiu muitos intelectuais

A
que, nesta é p o c a , ocupavam importan- literatura de exílio foi produ-
tes cargos junto à s universidades onde zida, na sua maioria, por inte-
atuavam como catedráticos na área de lectuais engajados e que, por
pesquisa social e científica. Parte consi- razões político-ideológicas, refugiaram-
derável desses intelectuais migrou para se em países da Europa, África e Améri-
o Brasil passando a ser fator atuante na ca, pressionados pela prática dos regi-
história do país, visto serem pessoas de mes autoritários que, para se sustenta-
tradição liberal e nível cultural elevado. rem no poder, abusaram do uso da vio-
lência física e simbólica. Entretanto, mo-
Através de suas memórias, narradas sob
mentos históricos distintos d ã o , a cada
a forma de histórias de vida, muitos des-
uma destas obras, tons diferenciados,
ses intelectuais judeus se apresentam

nelro. v. 10. n ° 2. pp. 14 7 -164 . Ju l/dez 1997 - p á g . 153


Acervo, Rto de J
E

expressivos de múltiplos olhares. Muitos desses escritores continuaram a

O fato desses espanhóis continuarem sen- expressar em suas narrativas a busca de

timentalmente ligados-a sua terra de ori- uma pátria ideal; mas, nem por isso, man-

gem, contando com o retorno num futu- tiveram-se alienados da sociedade que

ro muito próximo, fez com que o tema os cercava. Enquanto a literatura de imi-

da integração social se transformasse em gração concentra-se nas histórias de vida

assunto comum desta literatura marcada de cada um dos seus autores, a literatu-

por conflitos existenciais. Dentre os prin- ra de exílio tenta, em obras distintas,

cipais autores, cabe citar: Salvador Movo, desvendar outros mundos, sob o prisma

Jorge S e m p r ú n , Simón Otaola, Virgílio a g u ç a d o da 'visão de mundo' do espa-

Botella Pastor, Claire Etchrelli, Ramón J . nhol educado segundo os p a r â m e t r o s da

Sender, Luis Cernuda e Max Aub, entre cultura européia. Muitos deixaram-se se-

tantos outros. 17 duzir pelo universo mágico e religioso dos


povos da América: penetraram no mun-
A literatura de exílio produzida pelos re- do mítico do México antigo, indígena e
publicanos e s p a n h ó i s diz respeito a uma popular.
história escrita pelos vencidos, dada a
e x t e n s ã o dos conflitos existenciais que Em sua obra Mejicayotl, Ramín J . Sender
dela emergem. O a n e d ó t i c o pontilha a recupera parte deste imaginário coletivo
maioria das obras neutralizando as sen- recriando uma realidade povoada por len-
s a ç õ e s de angústia e de batalhas perdi- das e regida por deuses. 20
Juan Rejano,
das. A novela As/ cayeron los dados, de autor de La esfinge mestiza: crônica me-
Virgílio Botella Pastor, publicada na Fran- nor de México, faz crítica social ao apon-
ça em 1954, traz à tona o drama parti- tar os meninos pobres de rua e o índio
cular do homem n ã o realizado em sua que, como um fantasma, "vai pela vida
21
totalidade, assim como expressa a ago- como algo que foi".
18
nia das utopias republicanas.
O sevilhano Luis Cernuda, refugiado no
O drama do espanhol exilado, que tem a
México, além de evocar a beleza do ín-
e s p e r a n ç a de u m d i a voltar para a
dio, sensibilizou-se com a tristeza das
Espanha pode ser, t a m b é m , identificado
"moças de véu negro" e com a miséria
na obra ficcional La algarabia, de Jorge 22
dos meninos pedindo esmolas; enquanto
S e m p r ú n , que em 1939 refugiou-se na
Jose Moreno Villa, em suas Cornucópias,
França, onde passou a integrar o movi-
passou a olhar pelos primores do vulgar,
mento antinazi. Esta atitude lhe valeu, em
preocupando-se em recuperar a dinâmi-
1943, a triste experiência no campo de
ca do trivial em todos os seus detalhes.
c o n c e n t r a ç ã o de Buchenwald, a p ó s ter
Através dos seus ensaios, chegamos ao
19
sido detido pela Qestapo.
México crioulo e mestiço, marcado pela

p á g . 1 54. j u l / d e z 1997
K V O

influência da civilização espanhola, elo de com um mesmo drama: o da solução fi-

ligação e identificação entre exilados e nal.


23
mexicanos.
Estas obras diferenciam-se, principal-
Simón Otaola, por sua vez, escreveu seus mente, daquelas escritas por exilados por
livros relatando pequenas histórias dos terem a estrutura de 'livros de memóri-
refugiados, microcosmos de 'vidas inter- as', em que o individual ganha credenci-
rompidas': Unos hombres; Le lebreria de ais de u n i v e r s a l i d a d e , por ser o
aranha; El cortejo e Tiempo de recordar. holocausto um tema de natureza
Através do cômico e da tragédia, o autor emotiva. Um laço invisível une todas as
r e c o m p õ e utopias e conflitos, transfor- narrativas, independente de gênero lite-

mando o México numa "verdadeira comé- rário e tempo: as imagens recuperadas

dia humana". * 2 pelo autor-imigrante têm um significado


especial para ele e, naturalmente, sua
São raras as versões dadas por mulhe-
família, na medida em que s ã o raros frag-
res, categoria esta que predomina na li- mentos 'concretos' do seu próprio pas-
teratura de imigração escrita por judeus sado. O que n á o foi registrado irá, com
imigrantes. Uma das escritoras que diri- certeza, perder-se no tempo.
ge seu olhar para os desprotegidos que
Mo entanto, em cada narrativa existe um
se exilaram na frança é Claire Etchrelli,
elo (náo aparente) que é captado por to-
autora de A propôs de Cleménce. Mesta
dos os outros (leitores ou autores desta
novela de exílio, a autora se preocupa
categoria) que vivenciaram uma situação
em recuperar o cotidiano dos humildes e
semelhante: o elo do sofrimento, da dor
dos necessitados fazendo uso de metá-
e da ruptura. Considero, neste sentido,
foras: á g u a , sangue e álcool têm força
que estamos diante de um duplo fenô-
de elementos míticos no mundo sem con-
meno: o da criação e o da memória co-
forto e miserável dos exilados espanhóis
25 letiva.
na f r a n ç a .
Enquanto a literatura de exílio distingue-
L I T E R A T U R A D E IMIGRAÇÃO se pela variedade de gêneros que abar-

A
literatura de imigração, neste ca (novelas, contos, poemas, crônicas,

nosso estudo em particular, ensaios e narrativas), a literatura deixa-

_diz respeito aos livros produ- da pelos imigrantes judeus concentra-se

zidos por judeus refugiados do nazi-fas- nas categorias de 'histórias de vida' e

cismo que se instalaram no Brasil nas algumas poucas crônicas. Tais obras de-

d é c a d a s de 1930 e 1940. Essa literatura vem ser vistas como testemunhos da des-

inspira-se na luta pela sobrevivência e truição do homem pelo homem e como

enuncia-se como de imigração por envol- expressão da tentativa de reconstruir os

ver centenas de pessoas identificadas mecanismos legais democráticos.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n° 2. pp. 1*7-16*. j u l / d e í 1997 - p á g . 1 5 5


A C E

A estrutura narrativa da literatura de ção e integração junto à sociedade bra-


imigração organiza-se sob a forma de re- sileira. A s e n s a ç ã o de pertencer a dois
latos, partes integrantes das 'histórias de mundos, característica do exilado espa-
vida'. Neste estudo, em particular, nos nhol no México que ainda náo se desgar-
interessa apontar aquelas que foram rou da pátria-mãe, não se manifesta nes-
publicadas no Brasil, pois, além de for- te tipo de literatura, visto que este vazio
necerem elementos significativos da his- e x i s t e n c i a l foi p r e e n c h i d o por aque-
tória do III Reich e do anti-semitismo le que c r i o u l a ç o s c o m a terra que o
como fenômeno político-social, nos con- acolheu.
firmam — a t r a v é s de testemunho — a
prática de uma política racista adotada No caso da literatura de imigração, o ju-

pelo governo de Qetúlio Vargas entre deu refugiado se expressa como vence-

1937 e 1945. dor: escapou do inferno nazista rompen-


do, com sua vontade de viver, os arames
Estas obras podem ser consideradas farpados dos campos de c o n c e n t r a ç ã o .
como de r e s i s t ê n c i a ao nazi-fascismo, Emigrou e integrou-se ao cotidiano bra-
26
expressando a versão subterrânea que, sileiro r e c o m e ç a n d o , com mil dificulda-
de uma forma geral, se viu abortada pela des, uma nova vida. Raros s ã o aqueles
história dita oficial. Essas versões não s ã o que conseguiram esquecer; ou melhor,
encontradas nos documentos oficiais, ca- muitos preferem não relembrar. Hoje, os
bendo ao historiador das mentalidades relatos publicados s ã o apenas um frag-
cruzar informações, identificando as fron- mento do que foi vivenciado na Alema-
teiras entre o real e a ficção. nha de Hitler. Náo existem palavras para
exprimir a extensão do fenômeno que foi
Os marcos da trajetória de cada imigran-
a 'vida' num campo de c o n c e n t r a ç ã o (de-
te podem ser percebidos em diferentes
pois campo de extermínio). Daí tantos
'estados de e m o ç ã o ' manifestos em suas
questionamentos (alguns inexplicáveis) e
narrativas: o da constatação do cresci-
a revolta contida no livro Memórias do
mento do nazismo e do fascismo; o do
inferno, de Isaak Podhoretz, publicado em
impacto de se ver diferenciado pelo es-
1992:
tigma de 'ser judeu', apesar de 'nascido'
a l e m ã o ou italiano; o do temor da perse-
Por que mataram...?
guição e suas conseqüências e, em quarta
Por que tanto ó d i o ? Por que ensina-
e última instância, o da euforia de bem-
ram as c r i a n ç a s a agir assim? S e r á
estar.
que Deus n ã o é de todos?

Ao relatar sua trajetória de vida, o refu- Não posso esquecer. N á o posso

giado judeu tem a preocupação de mos- arrancar este passado de dentro de


27

trar como se processou o momento da mim...

ruptura, seguido da sua rápida assimila- Estas estórias, no seu conjunto, trans-

p á g . 1 56 . j u l/dez 1997
R V O

formaram-se em uma 'história de anôni- mulheres, alemãs e italianas, que fazem


mos', dada a intensidade do fenômeno: das suas histórias de vida exemplos de
seis milhões de vítimas. Mas apesar da resistência e luta pela p r e s e r v a ç ã o da
extensão e do impacto causado junto à identidade judaica, independente da na-
o p i n i ã o p ú b l i c a , os sobreviventes do cionalidade a d q u i r i d a . Dentre essas
holocausto n ã o receberam, ainda, reco- obras, cabe lembrar Ali the gardens of
nhecimento por parte da historiografia my life, de Mathilde Maier; Schreib mir
internacional e brasileira. Somente nes- alies, Mutter. Brief aus dem
ta última d é c a d a é que estudos nesta di- 'Brasiliannischen Qarten', de K a r i n
reção c o m e ç a r a m a ser desenvolvidos, Schauff; Você voltaria?, de Anita Salmoni;
frente à abertura recente de arquivos ale- Os abismos, de Malka Lorber Rolni; A lon-

m ã e s e russos, assim como da apreen- ga trilha azul, de fúlvia Di Segni; Crôni-

s ã o gerada pelo recrudescimento das cas do meu tempo, de Trudi Landau; nos-

idéias nazistas, do fortalecimento das cor- so caminho de obra para o Brasil (1939-

rentes revisionistas que negam as câma- 1941), de llza Czapska; O mundo silen-
30

ras de g á s e os campos de extermínio, e ciou, de Miriam Brik Nekrycz.

das manifestações crescentes de senti-


As h i s t ó r i a s de vida dessas mulheres
mentos nacionalistas e xenófobos, ali-
reconstituem parte da história da imigra-
mentados por representantes do pensa-
ção para o Brasil, assim como o drama
mento de extrema-direita na Europa e
daqueles que, de perto, foram vítimas do
América. nazismo e do anti-semitismo na Europa.

Esta n ã o é, entretanto, a situação da his- Suas crônicas, poesias, diários e roman-

tória dos exilados espanhóis, que — sem ces emergem deste universo trágico para
interferir diretamente no universo da cri-
desmerecer aqui a extensão do conflito
ação. Como escritores, souberam trans-
— tem recebido a t e n ç ã o redobrada por
formar frases e palavras em expressões
parte dos historiadores, cientistas políti-
coloridas de sobressaltos emocionais in-
cos, estudiosos da arte e literatura. O ca-
corporando fragmentos da realidade bra-
ráter épico conferido a muitas obras pro-
sileira. Extraíram da paisagem e do coti-
duzidas pelos exilados espanhóis tem co-
diano a e s s ê n c i a do c a r á t e r nacional,
laborado para o fortalecimento da ima-
26
atraídos, como estrangeiros que eram,
gem de herói que lhes tem sido atri-
por tudo aquilo que percebiam como exó-
buída pela historiografia internacional,
tico e popularesco.
que dá a este 'movimento imigratório
involuntário' uma a t e n ç ã o especial por Diferentes versões foram arrancadas da-
envolver intelectuais e artistas conceitu- quele mundo cinzento da guerra que,
29
ados. após a década de 1950, viu-se traduzido
em metáforas inspiradas nas vivências
A maioria das v e r s õ e s foi escrita por

o. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 147-1 64. Jul/dez 1997 - p á g . 1 5 7


A C E

interiores de cada um. Através de suas ganhou seu sustento como modelo e pin-
m e m ó r i a s , esses escritores — homens e tora de aquarelas. Entre 1923 e 1933, vi-
mulheres — conseguiram recriar sua con- veu em Berlim, posicionando-se contra o
dição de cidadãos do mundo, transfor- nacional-socialismo. Em 1934, para po-
mando a tristeza do exílio em literatura. der continuar publicando, tornou-se mem-
Mas entrelinhas, expressam a consciên- bro da Associação dos Escritores Alemães
cia de estar, constantemente, em busca do Reich. Apesar de não ser judia, por
da terra prometida. solidariedade aos amigos judeus, foi para
a Áustria e, de lá, fugiu para Paris e Mar-
Além dos nomes citados acima, cabe tam-
selha, onde ficou detida no campo de
b é m ressaltar a p r e s e n ç a de Suzanne
Qurs. Em 1940, conseguiu visto para o
Eisenberg Bach e Paula Ludwig, ambas
Brasil, via Lisboa, g r a ç a s a sua amiga
de origem alemã, cujas histórias s ã o se-
nina Engelhard. Morou por algum tempo
melhantes a tantas outras de refugiados.
em Muri, próximo de nova Friburgo e, de-
A primeira, romancista, nasceu em Mu-
pois, transferiu-se para São Paulo, onde
nique, em 1909, e, a p ó s 1933, viveu em
levou uma vida muito modesta. Em 1953
Paris e Marselha. Manteve contato com
retornou à Áustria como cidadã brasilei-
Hermann Mathias Qorgen que lhe enviou
ra, tendo publicado em a l e m ã o suas
visto para o Brasil em 1941, via Portu-
obras, marcadas pelo sentimento de de-
gal. O grupo Ficou primeiro em Juiz de
samparo, desconhecimento do idioma,
Fora e, depois, Suzanne foi para
isolamento e alcoolismo, vindo a falecer
Petrópolis, onde manteve contato com o
em 1974.
escritor francês Qeorges Bernanos, aqui
Além dos escritos de Suzanne Bach e
exilado. Trabalhou no jornal Correio da
Paula Ludwig, g o s t a r í a m o s de dar desta-
Manhã e, em 1948, retornou à Europa.
que, neste universo múltiplo dos
Voltou novamente ao Brasil, indo morar
memorialistas, a Fritz Pinkuss, Lívio Túlio
no apartamento de Leskoschek e, mais
Pincherle e Max Hermann Maier. O pri-
tarde, em Salvador, onde adquiriu uma
meiro, alemão e rabino; o segundo, italia-
livraria. Atualmente reside em Munique.
no e médico psiquiatra; e o último, ale-
A trajetória tumultuada de sua vida en-
m ã o , advogado e cafeicultor no Brasil.
contra-se sob o títuloÀ la recherche d'un
31
Origens diversas, destinos m ú l t i p l o s ,
monde perdu, publicado em 1944.
questionamentos semelhantes. Todos ví-
Paula Ludwig nasceu em Altenstadt e, timas da intolerância, discriminados como
a p ó s a morte de sua m ã e , mudou-se para judeus, refugiados nos trópicos brasilei-
Breslau, onde trabalhou como emprega- ros. Detalhes da história de vida do rabi-
da d o m é s t i c a , além de freqüentar a es- no Pinkuss, que teve importante papel na
cola literária. Em 1917, nasceu seu filho ajuda aos refugiados a l e m ã e s que imi-
Friedel, com quem foi para Munique, onde gravam para o Brasil, encontram-se pu-

p á g . 158, j u l / d e z 1997
K V O

blicados em suas memórias Estudar, en- sua visão de mundo. Pincarle formou-se
sinar, ajudar: seis d é c a d a s de um rabino médico psicoterapeuta vindo a se desta-
em dois continentes. Mos seus relatos, o car como pediatra e especialista em aler-
drama daqueles que, para sobreviver ao gias, dedicando-se à hipnose para tera-
nazismo, viram-se obrigados a conver- pia de asma, alergias de pele e outros
ter-se ao catolicismo para, mais tarde, sintomas. Através da hipnose chegou até
retornar ao j u d a í s m o . 32
a 'terapia de vidas passadas', sendo o
responsável por esta prática por mais de
Lívio Túlio Fincherle, nascido em Trieste,
quarenta anos junto à universidade. Deu
expressa sua vivência sob prismas dife-
asas a sua imaginação ao publicar uma
renciados: o do judeu italiano refugiado
obra de ficção científica intitulada Misté-
em São Paulo e o do profissional preocu-
rio em Jerusalém e pairou sobre a reali-
pado com as ' d o e n ç a s da alma', com o
dade ao recuperar sua trajetória de c i -
inconsciente marcado pelo passado trau-
dadáo-judeu discriminado pelo fascismo
mático, inesquecível, silenciado. É impor-
anti-semita pós- 1938. O perfil do indiví-
tante recuperarmos, em poucas linhas,
duo mutilado, dividido em seus valores e
sua trajetória acadêmica, reveladora de
em busca de uma identidade encontra-
se registrado no seu livro de memórias,
editado em 1987, cujo título sugere sua
Mothilde Moier
trajetória de vida: Dois mundos: história
O S JARDINS DE MINHA VIDA da vida de um médico judeu ítalo-brasi-
33
leiro.

Muitos são os que, na condição de refu-


giados e judeus, viram-se obrigados a
optar por novos caminhos. A imagem de
um Brasil tropical desponta como uma
mancha nas lembranças de Max Hermann
Maier, jurista e advogado que, em 1938,
viu-se transformado em cafeicultor no
interior do Paraná, registrado por ele
como 'selva brasileira'. Portando visto
temporário e acompanhado de sua es-
posa Mathilde Maier — autora de Os jar-
dins da minha vida —, juntou-se aos
Kaphan em Rolândia, onde passou a ad-
ministrar a fazenda Jaú, experiência úni-
MQSKcOooEcfl
ca para um homem acostumado a inter-
Os jardins de minha vida, de Mathilde Maier, pretar as leis. Mo campo, Max Maier
New York, Vantage Press, 1983.

aneiro. v. 10. n° 2, pp. 1 47-164 . jul/dez 1997 - p á g . 1 5 9


Acervo. Rio de
A C E

vivenciou o processo de desenraizamento ao lado dos Aliados.


doloroso, embora construtivo, adotando O sentimento de desencanto é marca re-
aos poucos o Brasil, como sua nova pá- gistrada na maioria dessas obras. Per-
tria. Conseguiu impor-se como cafeicul- cebemos silêncios propositais nas entre-
tor e intelectual, enfrentando, como to- linhas dos relatos. Medos e imagens
dos os imigrantes, as dificuldades impos- aterrorizantes afastam l e m b r a n ç a s . Mas,
tas pela língua portuguesa e pelos trópi- alguns marcos — símbolos do processo
34
cos. de ruptura — se fazem comuns: a noite
dos Cristais, a p u b l i c a ç ã o das leis de
Mestas m e m ó r i a s afloram os sentimen-
nuremberg, o impacto do ato de emigrar,
tos de cidadania e nacionalismo: os j u -
o posicionamento dos mais velhos que
deus discriminados pelo 111 Reich e o fas-
queriam aguardar a volta da r a z ã o , a
cismo consideravam-se (e eram) cidadãos
c o n s t a t a ç ã o do avanço do nazismo, o di-
italianos, a l e m ã e s , austríacos, poloneses,
lema de se sentir judeu e apátrida.
romenos etc. Muitos ressaltam a intensi-
dade desse sentimento enumerando fa- A travessia do oceano, como e s p a ç o físi-
tos como: a participação de seus famili- co e simbólico a ser percorrido, está pre-
ares na Primeira Guerra Mundial, que sente nas recordações tanto dos imigran-
lhes valeu c o n d e c o r a ç õ e s nacionais re- tes judeus que se refugiaram no Brasil
cebidas por serviços prestados à pátria, quanto dos exilados e s p a n h ó i s que se
a pontualidade no pagamento dos impos- abrigaram em terras mexicanas. Os múl-
tos, o crédito dado ao fascismo ou, ain- tiplos roteiros possíveis transformaram
da, a confiança depositada em Mussolini. os oceanos em caminhos da liberdade.
Para a maioria, nada disto contou. O des- O ato de 'arrumar a bagagem', entretan-
moronamento de toda uma vida enraizada to, expressa-se como um ato de violên-
na terra natal e, em geral, há várias ge- cia, sofrido, doído. Os objetos perdem o
rações, ocorreu simultaneamente ao res- seu valor real para o valor simbólico: o
surgimento do anti-semitismo. O que sim- que levar e o que deixar? As dúvidas pai-
bolizava ser a l e m ã o , austríaco, italiano, ram entre o quantitativo e o qualitativo,
polonês, triestino, quando este sentimen- permeadas de valor emocional. Mathilde
to entrava em conflito com o fato de 'ser Maier trouxe consigo seus livros e se-
judeu'? E mais tarde, a p ó s 1942, quando mentes de flores do seu jardim, na ger-
muitos deles j á se encontravam no Bra- minação de cada grão estava inscrita a
sil, um novo e s t e r e ó t i p o somou-se a tan- continuidade da vida.
tos outros gerando instabilidade emoci- Identificando-se com uma p o e s i a de
onal e conflito de identidade: o fato de G õ e t h e , dedicada a Charlotte V. Stein,
ser rotulado 'cidadão do Eixo' a partir do quando ela plantou seu jardim fora dos
momento em que o Brasil tomou posição portais de Weimar, a autora comenta:

p á g . 160, j u l / d e z 1997
R V O

Da mesma maneira como este jardim a imagem dos ausentes. O tipo de narra-
em Weimar possibilitou a separação tiva e humor que identificamos nas obras
definitiva de Qõethe de Frankfurt... as- dos exilados não encontramos na litera-
sim o plantio do nosso jardim, seu tura produzida por aqueles que, na con-
crescimento, sua florescência e dição de judeus, emigraram para o Bra-
frutificação, fizeram-se radicar defini- sil. Mo livro Memórias do inferno, de
tivamente neste país novo e esquecer Isaak Podhoretz, sobrevivente de campo
o sofrimento indizível da separação da de concentração, o mendigo ressurge da

pátria e dos entes queridos, e as amar- realidade brasileira a título de compara-

gas experiências do tempo do nazismo. 35 ção, com o objetivo de demonstrar a in-

Em Os jardins da minha vida, os jardins tensidade do drama vivenciado pelo au-

e as flores de Mathilde Maier assumem tor. Miséria e medo são acionados no pre-

uma r e p r e s e n t a ç ã o simbólica. Como ela sente miserável com o intuito de recupe-


rar o passado do inferno nazista. A críti-
mesma responde ao repensar a indaga-
ca dirige-se ao nazismo, desviando-se do
ção de um amigo sobre "o que seria a
cotidiano cruel da sociedade brasileira:
vida sem Fhox?" Uma paixão relativa:
... um mendigo em frente a uma pada-
... uma paixão relativa, foi o que pen-
ria procurava alimentos no lixo e re-
sei muitas vezes no Brasil onde fize-
cordei t a m b é m como procurava sobras
mos um jardim tão rico, sem Fhox...
estragadas, sujas, azedas e me conten-
Também os conceitos de jardinagem
tava quando as achava. Apenas com
são definidos e alterados como o des-
36 uma d i f e r e n ç a : o mendigo n á o tem
tino dos homens.
medo de n i n g u é m e eu sempre sentia
A viagem de navio simboliza, para a mai-
37
medo...
oria, um corte, um trauma. Do lado de lá
ficou a Alemanha, a velha Itália, a gran- Basicamente, podemos afirmar que o au-
de Espanha. Do lado de cá, o desconhe- tor deste tipo de literatura procura, como
cido. Para muitos, a palavra saudade pas- tantos outros, construir a sua estética do
sou a fazer parte de seu novo idioma, rio cotidiano, seja este racista, fascista ou
convés, os 'irmãos de barco': n ú m e r o s republicano. A essência de cada obra está
tatuados nos braços, c a b e ç a s raspadas, contida na condição de ser imigrante j u -
o J vermelho no passaporte emitido pelo deu ou exilado republicano. Esta litera-
Reich. Finalmente, terras da América: o tura tem, em essência, a capacidade de
impacto do 'outro', do novo. Mas sinago- narrar o drama do oprimido e da degra-
gas, a persistência da identidade judaica dação humana contrapondo-o com uto-
por entre os murmúrios das vozes imi- pias e esperanças. Enfim, expressa a tra-
gradas. Mas fotografias guardadas nos jetória de uma busca, de um sentido para
fundos das novas gavetas improvisadas, a vida.

o de Janeiro, v. 10. n° 2. pp. 1 4 7-164 . jul/dez 1997 - p á g . 1 6 1


A C E

T A S
n o
1. Esta lei foi publicada dois meses antes das tropas franquistas s a í r e m vitoriosas, tendo o
respaldo da Inglaterra e França que, em fevereiro, reconheceram o governo de Franco. O
termo da lei apresentava uma Espanha consciente de seus deveres de reconstruir espiritual
e materialmente a n a ç ã o . Daí a necessidade de "liguidar Ias culpas de este orden contraedas
por quienes contribuyeron com actos u omisiones graves a forjar a s u b v e r s i ó n " . Sobre este
tema ver C. Qarcia-Meto, "Victoria y ei exílio", Guerra civil espanola (1936-1939), Barcelona,
Aula Abierta Salvat, 1985, pp. 62-63.

2. Ver a c o l e t â n e a de artigos El exilio espanol en Méjico (1939-1982), Méjico, Salvat, Fondo de


Cultura E c o n ô m i c a , 1982.

3. L. Argentinos Senkman, La Segunda Querra mundial y los refugiados indeseables (1933-


1945), Buenos Aires, Grupo Editor LatinoAmericano S.R.L., 1991.

4. J . C. Casas e outros, La Espana ausente. Madrid, E d i c i ó n e s 99, 1973, pp. 15-16.

5. M. L. T. Carneiro, O anti-semitismo na era Vargas: fantasmas de uma g e r a ç ã o (1930-1945),


a
2 ed., S á o Paulo, Brasiliense, 1988.

6. F. M. de Carvalho, "Ainda a i m i g r a ç ã o do a p ó s - g u e r r a " , Revista de Imigração e Colonização


(\V), 4, dez. 1943, pp. 67-68; " I m i g r a ç ã o um problema nacional", idem (VI), 4, mar. 1945, pp.
57-65; " I m i g r a ç ã o um problema nacional", idem, mar. 1945, pp. 57-67. Sobre este assunto,
ver M. L. T. Carneiro, op. cit., "A escumalha de guerra", 343 e ss.

7. J . A. Matezans, "La d i n â m i c a dei exilio", El exilio espanol en Méjico (1959-1945), p. 170; J .


L. A b e l l á n . De la guerra civil al exilio republicano (1956-1977), Madrid, Editorial Mezquita,
1983, p. 102.

8. J . L. Portillo, "Prólogo", El exilio espanol en Méjico (1959-1982), Méjico, Salvat, Fondo de


Cultura E c o n ô m i c a , 1982, p. 9.
a
9. C. Lasch, O mínimo eu: s o b r e v i v ê n c i a p s í q u i c a em tempos d i f í c e i s , I ed., 1986, S ã o Paulo,
Brasiliense, 1990, p. 10.

10. M. Pollak, " M e m ó r i a , esquecimento, s i l ê n c i o " . Estudos Históricos 5: memória, S ã o Paulo,


E d i ç õ e s V é r t i c e , 1989, p. 4.

11. Este projeto maior intitula-se Literatura de imigração: h i s t ó r i a s de muitas vidas (1930-
1945) e e s t á sendo desenvolvido junto ao Depto. de História da FFLCH da Universidade de
S ã o Paulo, tendo sido financiado, por dois anos, pelo CNPq. Esta pesquisa se apresenta
como o prolongamento de um estudo anterior que se ateve a registrar depoimentos, a
t é c n i c a da h i s t ó r i a oral, concentrando-se nos testemunhos dos judeus que, perseguidos
pelo nazi-fascismo, buscaram r e f ú g i o no Brasil. A mostra prevista engloba cerca de 110
testemunhos diferenciados em dois grupos e s p e c í f i c o s : judeus a l e m ã e s (com a t e n ç ã o espe-
cial para aqueles que se concentraram em Rolândia, Paraná) e judeus italianos. Grande parte
do material i c o n o g r á f i c o referente ao tema foi organizado sob a forma de uma e x p o s i ç ã o ,
patrocinada pelo Instituto Cultural G ò e t h e , com o título Brasil, um refúgio nos trópicos: a
trajetória dos refugiados do nazi-fascismo, 1996.

12. Matezans, ao caracterizar o tipo de imigrante que entrou no México em 1939, em d e c o r r ê n -


cia da vitória franquista, utiliza-se de duas e x p r e s s õ e s : refugiado republicano, para aquele
que se considera 'em t r â n s i t o ' e que n ã o vem para fazer a A m é r i c a ' . Para aqueles que v ê m
para ficar, sendo que muitos foram s o l i d á r i o s a Franco durante a guerra civil e apoiaram os
rebeldes, o autor emprega a e x p r e s s ã o gachupeiros. J . A. Matezans, op. cit., pp. 166-167.

13. E . Meyer (coord.), Palabras dei exilio. Archivo de la palavra dei 1NAH. C o n t r i b u i c i ó n à la
historia de los refugiados espafioles en Méjico. Méjico, INAH-SEP/Librería Madero, 1980, p.14.

14. Anita Salmoni, V o c ê voltaria?, S ã o Paulo, Shalom, 1979, p. 9.

15. P. Fagen, Transterrados y ciudadanos: los republicanos espafioles en Méjico, Méjico, Fondo
de Cultura E c o n ô m i c a , 1975, p. 7.

16. C. Martinez, Crônica de una emigración: la de los republicanos espafioles en 1939, Méjico,
Libro Mex, 1959.

17. Aub Max. escritor espanhol nacionalizado mexicano, abandonou a Espanha em 1939 e, em

p á g . 162. j u l / d e z 1997
V O
K

1942, fugiu da França para o México. Importante obra deste escritor éJusep Torres Campalans,
Biblioteca dei Exilio, Barcelona, Plaza 6c J a n é s Editores, 1970.
18. V. Botella Pastor, Asi cayeron los dados. Paris, Imprimerie des Qondoles, 1954, apud R.
Jouanny, "Asi cayeron los dados y encrucijadas - dos novelas en Francia de un espanol con su
exilio". Literatura y guerra ciuil. Barcelona, Edición Angeles Santa, Dept. de Filologia. Facul-
dade de Letras, E s t ú d i o General de Lérida, Universidade de Barcelona, 1988, pp. 275-308.
19. J . S e m p r ú m , La Algarabia. Barcelona, Plaza ôí Janes S. A. Editores, 1982.
20. R. J . Sender. Mexicaiyot!, apud J . de Colina, "Ensaio: Méjico, visión de los transterrados (em
su literatura)", El exilio espanol en Méjico, op. cit., pp. 424-425.
21. J . Rejano, La esfinge mestiza: c r ô n i c a menor de Méjico, Méjico, Leyenda, 1945. Ver t a m b é m
J . de Colina, op. cit., p. 422.
22. Gostaria de lembrar aqui os poemas do sevilhano Luis Cernuda escritos no México entre
1951 e 1963, ano em que morreu. Dentre eles, temos "Como quien espera el alba" (1941-
1944), m o n ó l o g o d r a m á t i c o seguindo a t r a d i ç ã o inglesa, Apud J . de Colina, op. cit., p. 411
e ss.
23. J . M. Villa, Cornucopia de Méjico, Méjico: La casa de E s p a ü a en Méjico, 1940, Méjico, Sep/
Setoriales, 1976 e íiueva cornucopia mexicana, caráter p ó s t u m o , artigos dispersos reuni-
dos por Roberto S u á r e z Arguello, Méjico, Sep/Stentas, 1976.
24. Sobre Ataola, ver J . de Colina, op. cit., p. 423.
25. Claire Etchelli, A p r o p ô s de Clemence, Paris, Col. Folio, Denoel, 1971, apud A. Santa, "A
p r o p ô s de Clemence", Literatura y guerra civil, op. cit.

26. M. Pollak, op. cit., pp. 8-9.


27. I. Podhoretz, Memórias do inferno, S ã o Paulo, s.e., 1992, pp. 185-186.
28. M. L. T. Carneiro, "Heróis sem armas". Judaica latinoamericana: e s t ú d i o s h i s t ó r i c o - s o c i a l e s
II, J e r u s a l é m , Editorial Universitária Magnes, Universidad Hebrea, 1993, pp. 69-86.
29. As principais obras a serem consultadas sobre este tema s ã o : J . A. Matezans, El exilio espanol
en México; A. H. Leon-Portilha, Espana desde Méjico: vida y testimonio de transterrados,
Méjico, Universidad Nacional A u t ô n o m a de Méjico, 1978; Literatura y guerra civil; P. Fagen,
Transterrados y ciudadanos: los republicanos espafioles en Méjico. O b s e r v a ç ã o : grande par-
te da bibliografia e literatura de e x í l i o aqui citada foi gentilmente cedida pelo historiador
J o s é Carlos Sebe Bom Meihy, pesquisador e especialista no assunto dos 'transterrados espa-
n h ó i s ' no México, sobre os quais desenvolve projeto de pesquisa.
30. M. Mayer, Ali the gardens of my life, translated by Marie Burg, New York, Vantage Press, 1983.
Originalmente publicado com o t í t u l o de Alie Qarten Meines Lebens, Frankfurt am Main:
Verlag Josef Knecht, 1978; K. Shauff, Schreib mir alies, Mutter. Briefe aus dem "Brasilianischen
Qarten", Germany, Verlag Gunther Neske, 1987; Anita Salmoni, Você voltaria?, S ã o Paulo,
Shalon, 1979; M. L. Rolnik. Os abismos: m e m ó r i a s e contos, Curitiba, Montana, 1990; Fúlvia
Di Segni, A longa trilha azul, S ã o Paulo, s.e., 1980; Trudi Landau, C r ô n i c a s do meu tempo,
S ã o Paulo, Massao Ohno, Roswitha Kempf, 1981; llza Cazpska. nosso caminho de obra para
o Brasil (1939-1941), trad. I n ê s Czaspka Dellae, S ã o Paulo, s.e., 1982 (impresso).
31. Suzanne Bach, À la recherche d'un monde perdu. Rio de Janeiro, Centro das E d i ç õ e s France-
sas, (Erster Teil der Autobiographie), 1944. Ver Exil in Brasilien: die Deutschsprachige
Emigration (1933-1945). Eine Ausstellung des Deutschen Exilarchivs (1933-1945) der
Deutschen Bibliothek Frankfurt am Main/Die Deutsche Bibliotek. 1994. Sobre estes escrito-
res, ver M. L. T. Carneiro, Brasil, um refúgio nos trópicos: a trajetória dos refugiados do nazi-
fascismo, S ã o Paulo, Editora E s t a ç ã o Liberdade/Instituto Cultural G ò e t h e , 1996.
32. Fritz Pinkuss, Estudar, ensinar, ajudar: seis d é c a d a s de um rabino em dois continentes, S ã o
Paulo, Cultura, 1990.
33. Lívio T. Pincarle, Dois mundos: h i s t ó r i a da vida de um m é d i c o judeu í t a l o - b r a s i l e i r o , S ã o
Paulo, Roswitha Kempf, 1987.
34. Max Hermann Maier, Um advogado de Frankfurt se torna cafeicultor na selva brasileira: relato
de um imigrante (1938-1975), trad. Mathilde Maier, Rolândia, Velox, 1975.
35. M. Maier, op. cit., p. 64.
36. Idem, ibidem, p. 35.
37. I. Podhoretz, op. cit., p. 186.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n- 2, pp. 1 *7- 164. jul/dez 1997 - p á g . 163
A B S T R A C T
This article makes some considerations about the year of 1945 as a historical period of immigration

of several people in Europe who had looked for new ideais.

TWo types of literature were made in that period: the exile literature and the immigration

literature. The first was written by intellectuals who due to political and ideological reasons

seeked refuge in European countries. The second is relative to books written by Jews who took

refuge from nazism and facism in Brazil during the thirties and the fourties.

R É S U M É
L'article focalise 1'année de 1945 comme un moment historique d'immigration de plusieurs

personnes, à 1'Europe. en cherchant des nouveaux i d é a u x .

Deux classes de littérature furent produites dans ce p é r i o d e : la littérature de iexil et la littérature

de Vimmigration. La p r e m i è r e fut é c r i t e par inteliectuels e n g a g é s , qui à cause des raisons politiques

et i d é o l o g i q u e s s' abritaient dans les pays e u r o p é e n s . L'autre a rapport aux livres é c r i t s par Juifs

refugies du nasisme et du facisme, et qui sinstallaient au Brésil pendant les d é c a d e s de 1930 et

1940.
Meiga Iracema Landgraf Piccolo
Professora doutora do Programa de Pós-graduação
em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Imigração A l e m ã e Construção
do Estado N a c i o n a l Brasileiro
10 vjrrancie il, sé
uill, século

seu relatório de 5 de do aumento do n ú m e r o de c i d a d ã o s .

outubro de 1847, o pre- Galvão, nomeado pelo governo


sidente da p r o v í n c i a , central, como todos osdemais pre-
Manuel Antônio Galvão, dirigindo- sidentes de província, pronunciava-
se à Assembléia Legislativa de São Pedro se a favor da colonização, considerando-
do Rio Grande do Sul, dizia: a náo apenas um projeto capaz de desen-
Ma o p i n i ã o geral, é considerada a colo- volver economicamente o Rio Grande do
n i z a ç á o a necessidade mais palpitante Sul (o que no relatório é destacado). Para
do I m p é r i o : a v a s t i d ã o das terras de- ele, que tinha como referência, especifi-
sertas que n ã o quereis sem dúvida po- camente, a colônia de Sáo Leopoldo, a co-

voar com negros... lonização deveria ser, num país ainda


escravista como o Brasil, fator de bran-
Num discurso pronunciado na s e s s ã o de
queamento da sociedade.
4 de outubro de 1862 da mesma Assem-
bléia, assim se posicionava o deputado do A colônia de Sáo Leopoldo fora fundada,
Partido Liberal, Félix da Cunha: em 1824, com imigrantes alemães, mui-
tos deles protestantes e, portanto, pro-
... n ó s queremos colonos a l e m ã e s , por-
fessando uma religião que não era a ofi-
que a c o l o n i z a ç ã o a l e m ã significa tra-
cial do Império do Brasil. Com a funda-
balho, i n d ú s t r i a , agricultura e sobretu-

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. . 0 , n« 2. pp. 1 6 5 - . 7 8 , Jul/dez !997 - páfl.165


A C E

çáo da colônia, se retomaria e viabilizaria da imigração estrangeira, especialmente


uma proposta formulada em 19 de junho a européia, seria visto como necessário
de 1729 pelo Conselho Ultramarino, em para a construção da cidadania no Brasil.
Lisboa, pela qual era considerado conve- Mas, o que dizia a Constituição outorga-
niente da por d. Pedro I, poucos dias antes de
ser assinada a resolução que deu origem
... que, se v ã o instalando no Sul, nas
o
à colônia de São Leopoldo? O artigo 6 ,
p o v o a ç õ e s da c o l ô n i a e outras, casais
n° 5, estatuía que seriam cidadãos brasi-
de i l h é u s , e quando estes forem insufi-
leiros "os estrangeiros naturalizados qual-
cientes, se podia conseguir casais es-
quer que seja a sua religião. A lei deter-
trangeiros, sendo a l e m ã e s ou italianos
minará as qualidades precisas para se
e de outras n a ç õ e s que n ã o sejam
obter carta de naturalização". Ora, aos
castelhanos, ingleses, holandeses e
1
a l e m ã e s dispostos a vir para o Brasil e
franceses.
aqui se tornarem pequenos proprietári-
As propostas de 1729 e 1824 atendiam a os, o governo brasileiro prometera "ad-
interesses governamentais. As conjuntu- miti-los no Império como cidadãos brasi-
ras eram distintas, mas, em ambas, o leiros, cujo foro gozariam logo ao che-
povoamento estava entre os objetivos gar". 2
Mas, como cumprir esta determi-
n e c e s s á r i o s à defesa do território. nação se a naturalização dependia de lei
e se a A s s e m b l é i a Geral, como poder
A fundação da colônia de São Leopoldo
concretizou-se através de uma resolução legislativo, s ó se reuniu a partir de 1826?

do governo imperial de 31 de março de Mo Rio Grande do Sul, o pequeno propri-


1824, imposta, sem consulta, à s elites 5
etário estabelecido nas colônias também
regionais. Tratava-se de um projeto de foi visto como uma possibilidade de con-
colonização com pequenos proprietários trabalançar o poder dos grandes senho-
de terra subsidiados pelo governo central. res de terra (muitos deles escravistas). Os
Entre os subsídios, estava o recebimento latifundiários haviam sido r e s p o n s á v e i s
de 160 mil b r a ç a s quadradas de terras pela construção/organização de um espa-
para lavoura, parte em campo, parte em ço fronteiriço que empurrara a domina-
mata virgem. Portanto, a colônia não foi ção espanhola mais para o sul e atuavam
entendida como fornecedora de m ã o - d e - neste e s p a ç o com muita autonomia, as-
obra livre, uma alternativa ao trabalho sustando com seu poder o governo cen-
escravo. A r e s o l u ç ã o evidenciou — e o
tral (seja o de Lisboa, seja, a partir de
desenvolvimento da colônia demonstrou
1808, o do Rio de Janeiro).
— que ela deveria comprovar a excelên-
cia do trabalho livre. A experiência realizada pelo governo com
a fundação de colônias de pequenos pro-
O branqueamento da sociedade, através prietários era temida e a t é obstaculizada

páçj. 1 66. J u l / d e z 1 997


K V O

pelos latifundiários, uma vez que essas ros livres trouxe à baila a q u e s t ã o da na-
colônias poderiam ser um atrativo para turalização, e as discussões do legislativo
os trabalhadores livres estrangeiros. Para geral evidenciaram "a p r e o c u p a ç ã o de
os grandes proprietários — defensores do restringir a aplicação do reconhecimento
5
princípio da restrição do acesso à terra de direitos civis e políticos".
—, o imigrante deveria ser, preferencial- Se os colonos não se tornaram, desde
mente, um vendedor de sua força de tra- logo, cidadãos como se lhes prometera,
balho, complementando a mão-de-obra foram, no entanto, imediatamente vistos
escrava nas atividades econômicas volta- como soldados. É o coronel J u v ê n c i o
das para o mercado externo. É o que Saldanha Lemos, na sua obra Os merce-
transparece do Regulamento dos Contra- nários do imperador, quem afirma:
tos de Locação de Serviços Agrícolas de
A c o n c e p ç ã o de que os colonos a l e m ã e s
1830.
teriam utilidade, particularmente, como
neste mesmo ano, o orçamento votado
bucha de c a n h ã o , aflorava claramente
pelo Parlamento, em 15 de dezembro,
na d e c i s ã o de m a n d á - l o s para o sul,
"suprimia todos os créditos para a colo-
lugar de lutas eternas, por história e
nização estrangeira". O significado e os
tradição.
efeitos deste ato político foram analisa-
Aliás, outra guerra j á se desenhava no
dos por Jean Roche.*
6
horizonte.

A
pesar dos cortes orçamentári-
os terem interrompido o fluxo neste sentido, a colônia de São Leopoldo

. i m i g r a t ó r i o , S ã o Leopoldo adquiriu uma importância e s t r a t é g i c o -


continuou a se desenvolver, registrando militar.
um crescimento populacional endógeno. Mas, qual era a guerra que se aproxima-
A a n á l i s e das d i s c u s s õ e s ocorridas no va? Era a campanha da Cisplatina (1825-
período regencial sobre a naturalização 1828), onde deveria fazer seu batismo de
de trabalhadores estrangeiros demonstra sangue uma "companhia de voluntários
que o ordenamento jurídico da socieda- a l e m ã e s de São Leopoldo". De acordo
7
de brasileira era determinado (e por isso com Juvêncio Lemos, os integrantes da
limitado) pelos interesses do latifúndio companhia eram, na sua maioria, maus
escravista. elementos e, por serem perturbadores da
8

A i m i g r a ç ã o estrangeira expressava a ordem, foram enxotados da colônia. Este

perspectiva de ampliação da esfera do tra- autor afirma também que, "... em termos

balho livre, o que poderia tornar-se um de sacrifício e sofrimento, nenhum solda-

fator perturbador para a ordem social fun- do alemão padeceu tanto como aqueles

dada sobre a m ã o - d e - o b r a escrava. Mas pobres diabos enxotados de São


9

a a d m i s s ã o de trabalhadores estrangei- Leopoldo".

o, v. 10, n ° 2. pp. 165-178. j u l / d e i 1997 - pág.167


A C

A campanha da Cisplatina estava co a ordem social e política vigente.


imbricada no processo de descolonização
Se foram invocados interesses nacionais
do continente americano e dizia respei-
contrários à guerra e, neste sentido, em
to, especificamente, à construção do Es-
oposição à s intenções do governo de sus-
10
tado nacional no B r a s i l . Proclamada a
tentar a dominação brasileira na
Independência, a fixação de limites era
Cisplatina, a nação j á era, e n t ã o , vista
uma q u e s t ã o geopolítica de extrema im-
como uma realidade. Mas a nação ainda
portância para que o governo imperial
n ã o existia, precisava ser construída, e
soubesse sobre que território teria com-
sua c o n s t r u ç ã o significava formar uma
petência para exercer atos de soberania.
identidade nacional brasileira, o que no
E os limites do Sul ainda estavam indefi-
Sul, devido ao próprio processo histórico
nidos por falta de um consenso." 12
regional, era muito p r o b l e m á t i c o .
Para o governo imperial, a campanha sig- Ao Estado, t a m b é m em formação, cabe-
nificava manter uma d o m i n a ç ã o que co- ria a tarefa n ã o s ó de construir a nação,
meçou a ser estabelecida em 1816, quan- mas de delinear o seu perfil. Em nome
do da invasão da Banda Oriental deter- da civilização, ela deveria ser pensada
minada por d. J o ã o VI, e que resultou na com exclusões e, portanto, "o conceito de
sua anexação em 1821, quando Lecor im- nação operado é eminentemente restrito
pôs limites sempre questionados pelos fu- aos brancos". 13
Daí provém o discurso,
turos governos de Montevidéu. não só oficial, sobre a necessidade de
branqueamento da sociedade brasileira,
A Convenção Preliminar de Paz, assinada
a ser viabilizado pela imigração/coloniza-
em 27 de agosto de 1828 entre os gover-
ção estrangeira que, no Rio Grande do
nos de Buenos Aires e do Rio de Janeiro,
Sul, durante o período m o n á r q u i c o , foi
e que p ô s fim à campanha da Cisplatina,
especialmente — e n ã o exclusivamente —
mostrou que manter à força (e para isso
alemã. Mas esta imigração deveria fazer
ter que contar com mercenários estran-
aportar ao país gente trabalhadora, dis-
geiros) uma d o m i n a ç ã o sobre o território
ciplinada, 'industriosa', conforme consta-
oriental era desgastante para um país re-
va na resolução de 31 de março de 1824,
c é m - e m a n c i p a d o politicamente. A impo-
e n ã o m e r c e n á r i o s turbulentos.
pularidade do conflito abalou o próprio
sistema m o n á r q u i c o brasileiro. O custo O Rio Grande do Sul apresentou-se como
político era muito alto para um governo um fator de instabilidade política não só
que parecia depender (inclusive para a na crucial conjuntura p ó s - I n d e p e n d ê n c i a
sua s e g u r a n ç a na capital do Império) de (isto é, no Primeiro Reinado) mas tam-
efetivos militares estrangeiros, muitos dos bém, e em especial, a p ó s a a b d i c a ç ã o de
quais mostravam-se, além de tudo, insu- d. Pedro I, quando um clima de insatisfa-
bordinados/indisciplinados, pondo em ris- ção, instrumentalizado politicamente, veio

p á g . 1 68 . j u l / d e z 1997
R O

à tona e cristalizou-se na Querra dos Far- via, se o excedente da produção das co-
rapos, conflito civil em que foi proclama- lônias foi fundamental para o abasteci-
da a República Rio-grandense, com uma mento de Porto Alegre durante os quase
proposta alternativa de c o n s t r u ç ã o do dez anos de guerra, o governo náo podia
Estado brasileiro. 14
deixar de considerar que, além de traba-
lhadores ordeiros, havia também colonos
O espírito revolucionário manifestou-se
rebeldes e subversivos que, como tal,
t a m b é m na colônia de S ã o Leopoldo,
deixavam a desejar como p o s s í v e i s
cujos h a b i t a n t e s d i v i d i r a m - s e entre 16

15
cidadãos.
legalistas e republicanos. Em março de
1842 a colônia estava pacificada. Toda- A colônia seria emancipada em 1846 — o

A posse In: José Lutzenberger, O colono no Rio Grande do Sul. Porto Alegre,
Aposse, m. JO> a Tipografia Mercantil, 1950.

anelro. v. 10. n ° 2, pp. 165-178. jul/dez 1997 - p á g . 1 6 9


Acervo, Rio de J
A C E

que atestava o desenvolvimento e a im- que os imigrantes a l e m ã e s , vistos como


portância que havia alcançado —, consti- elementos necessários ao branqueamen-
tuindo-se em município de São Leopoldo. to da sociedade, tivessem escravos, con-

A pacificação da província em 1845 daria tribuindo, assim, para a m a n u t e n ç ã o do

ensejo à retomada do fluxo imigratório, sistema escravista? ria realidade, tanto

para o que a lei geral n° 514, de 28 de nas colônias rurais, onde eram pequenos

outubro de 1848, foi um incentivo. Mão proprietários, como nos núcleos urbanos,

só as antigas colônias foram beneficiadas, onde exerciam atividades comerciais e

incorporando-se mais terras para a sua ex- artesanais/manufatureiras, havia imigran-

pansão, como novas colônias foram criadas. tes escravocratas. Os inventários e os pro-
cessos-crime s ã o , neste sentido, inequí-
O entendimento da lei requer a análise 18
vocos.
da conjuntura em que se acentuou a po-
lêmica sobre a escravidão, principalmen- A promulgação pelo parlamento brasileio
te por p r e s s ã o externa. Lembremos a re- da Lei de Terras, em 1850, deu ensejo a
a ç ã o inglesa consubstanciada no Bill m u d a n ç a s nas condições oferecidas aos
Aberdeen. Essas p r e s s õ e s contribuíram imigrantes que desejassem tornar-se pro-
para a a p r o v a ç ã o da Lei E u z é b i o de prietários, ao substituir-se a d o a ç ã o de
Queirós (1850), cuja discussão no Parla- terras pela venda. Assim, a lei provincial
mento ocorreu simultaneamente com a n° 304, de 30 de novembro de 1854, es-
aprovação da lei n° 514. tabeleceu que "a colonização na provín-
cia será feita sobre a base de venda de
A esta conjuntura deve ser t a m b é m rela- o
terras" (art. I ). Mas o que chama a aten-
cionada a fala do presidente da província o o
ção s ã o os artigos 7 e 8 , que dispu-
do Rio Grande do Sul, Manuel Galvão, em
nham:
1847.
o
Art. 7 — O presidente da província
Segundo o capítulo III, art. 16, da lei n°
d i l i g e n c i a r á a entrada para as c o l ô n i -
514, seriam concedidas 36 léguas qua-
as, de f a m í l i a s brasileiras, a g r í c o l a s e
dradas de terras, exclusivamente para a
laboriosas, vendendo-lhes as terras
colonização, a cada província do Império,
com os favores e ô n u s expressos na
não podendo estas terras ser trabalhadas
presente lei.
por escravos. Esta lei fez com que a pro-
17 o
víncia assumisse a c o l o n i z a ç ã o — San- Art. 8 — Os colonos p o d e r ã o cultivar

ta Cruz, a primeira colônia provincial, foi suas terras por si mesmos ou por meio

fundada em 1849 —, o que introduziu de pessoas assalariadas: n ã o p o d e r ã o

q u e s t õ e s a t é e n t ã o n ã o enfrentadas, e f a z ê - l o por meio de escravos seus, ou

portanto n ã o resolvidas, como a dos co- alheios, nem p o s s u í - l o s nas terras das

lonos cuja situação financeira permitira a c o l ô n i a s sobre qualquer pretexto que

a q u i s i ç ã o de escravos. Como entender seja.

p á g . 1 70 , j u l / d e z 1997
V o

Se a Lei de Terras representou a vitória dos de que s á o senhores: depois de esta-

interesses dos grandes proprietários que belecido o colono nas terras que lhe

queriam m ã o - d e - o b r a e não a 'democrati- s ã o dadas, todas as suas q u e s t õ e s ,

zação' do acesso à propriedade, a lei pro- todos os seus litígios s ã o decididos

vincial de 1854 n ã o s ó veio ao seu encon- pelas autoridades judiciais (...). Mas

tro, como t a m b é m procurou responder às diz-se que esse indivíduo tantos ser-

q u e s t õ e s que o processo imigratório, sem v i ç o s tem prestado ao p a í s ; n ã o o

êxito, havia levantado. nego, p o r é m disso se n á o conclui a

necessidade do emprego: e se é ne-


Mão havia, a t é e n t ã o , nenhum dispositivo
c e s s á r i o , por que e n t ã o n ã o cuidamos
legal que proibisse os colonos, j á estabe-
em lhe dar a t r i b u i ç õ e s ? Em virtude da
lecidos no Rio Grande do Sul, de possuir
e x i s t ê n c i a do diretor sem a t r i b u i ç õ e s
ou trabalhar suas terras com escravos. E
marcadas por lei, acontece que mui-
ambas as situações existiam. Ao se torna-
tas vezes o colono entende que deve
rem c i d a d ã o s brasileiros, naturalizando-se
desrespeitar a autoridade civil para se
(e muitos colonos o fizeram, apesar dos
guiar pelas d e t e r m i n a ç õ e s do diretor
entraves burocráticos), como impedi-los de
(grifo meu).
ter escravos, se aos brasileiros, em geral,
isto não era vedado? Haveria discriminação? ^ a sessão de 25 de outubro de
1852, Miguel de Castro
Por outro lado, a idéia de 'assentar' famíli-
Mascarenhas pronunciava-
as brasileiras nas colônias vinha ao encon-
se, demonstrando a sua preocupação
tro de p o n d e r a ç õ e s , cujo locus privilegia-
com o ensino ministrado em alemão em
do era a Assembléia Provincial. Ma sessão
São Leopoldo. E dizia que, para náo
de 23 de junho de 1849, o deputado Israel
existir no "Brasil uma nova Alemanha",
Rodrigues Barcelos, discursando sobre o
a instrução em português era instrumen-
o r ç a m e n t o provincial, ao justificar porque
to de nacionalização.
votava contra a gratificação prevista para o
diretor da colônia de Sáo Leopoldo (que j á A mesma preocupação aparece num dis-

estava emancipada), dizia: curso pronunciado por J o ã o Jacinto de


Mendonça, na sessão de 26 de outubro
Eu n á o c o n h e ç o nenhuma necessidade de
de 1852:
diretor na c o l ô n i a de S á o Leopoldo, nem
É n e c e s s á r i o ir nacionalizando nos
quais sejam as a t r i b u i ç õ e s desta autori-
costumes a p o p u l a ç ã o que hoje ocu-
dade... Os colonos de S ã o Leopoldo re-
pa a c o l ô n i a de S á o Leopoldo, porque
cebem as suas terras entregues por um
é composta de nacionais, e n ã o de
engenheiro que deve ali haver, segundo
a l e m ã e s , de brasileiros nascidos ali
a nossa l e g i s l a ç ã o (...); o engenheiro é
que devem estar sujeitos à s mesmas
i n d i s p e n s á v e l , porque sem ele os colo-
leis que n ó s estamos, e a respeito dos
nos n â o podem saber quais s á o as terras

v. 10. n ° 2, pp. 16S-178. jul/dez 1997 - pág.171


Acervo. Rio de Janeiro
A C E

quais n ã o somos obrigados a respeitar do relatório da Câmara de São Leopoldo


os preconceitos... sobre as necessidades municipais:

E acrescentava: ... faltaria a seus principais deveres, se

n ã o desse c o m e ç o à s s ú p l i c a s , que di-


... que n ã o pode prever os inconveni-
rige aos representantes da p r o v í n c i a ,
entes que resultam de uma p o p u l a ç ã o
rogando-lhes de prestarem a sua vali-
nacional com h á b i t o s propriamente
osa a t e n ç ã o sobre a sorte d e s g r a ç a d a
estrangeiros (...). Entendo que o mal é
de tantas f a m í l i a s pobres, que, lutando
e m si muito grave, e que convém
com a m i s é r i a , vagueiam de fazenda em
remediá-lo...
fazenda a título de agregados exploran-

Ma s e s s ã o de 29 de outubro de 1852, J o ã o do a caridade p ú b l i c a , sem terem um

Pereira da Silva Borges Fortes lia extratos pequeno t o r r ã o desta terra conquista-

A roça. In: J o s é Lutzenberger, O colono no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Tipografia Mercantil, 1950.

p á g . I 72 . j u l / d e z 1 997
K V O

da e regada com o sangue e suor de estrutura tão bem delineada no relatório


seus antepassados (os lusitanos), em sobre o qual se pronunciou e com o qual
que possam edificar uma cabana e ti- se identificou.
rar sustento para seus filhos infelizes lia sessão de 20 de outubro de 1854, o
que nascem e criam-se e s ã o educados deputado J o s é Bernardino da Cunha
na m i s é r i a e na d e p e n d ê n c i a e se esca- Bittencourt, discordando do projeto de
pam da g l ó r i a , nem sempre perdurável, colonização na parte referente à preferên-
de morrer no campo de batalha, nem cia por imigrantes suíços ou alemães, as-
gratuita t ê m a sepultura! Ao mesmo sim se pronunciava ao defender a entra-
tempo que se chamam estrangeiros à da dos portugueses:
custa dos cofres da n a ç ã o , se lhes d ã o
... os colonos que por todos os motivos
s u b s í d i o s , se lhes proporcionam enfim
mais úteis nos podem ser s ã o , sem con-
meios n ã o s ó de s u b s i s t ê n c i a como de
t e s t a ç ã o , os portugueses. Além dos h á -
riqueza: terras devolutas existem no
bitos, costumes e linguagem à nossa
m u n i c í p i o e o governo com facilidade
semelhante, n ó s vemos que a segunda
pode reunir essa p o r ç ã o de f a m í l i a s
g e r a ç ã o dos portugueses entre n ó s j á
d e s g r a ç a d a s , dando-lhes meios para
é brasileira: o filho do p o r t u g u ê s entre
isso. estabelecer-lhes uma linha de ter-
n ó s j á é brasileiro e pugna pelo Brasil
ras no t e r r i t ó r i o desta c o l ô n i a , e de
como por sua única pátria. Poderemos
outras, dar-se-lhes algum socorro
dizer o mesmo a respeito dos m í s e r o s
p e c u n i á r i o , para se estabelecerem, e
a l e m ã e s ? Me parece que n á o . Em geral
adotar-se outras providências
n á o há filho e mesmo neto de colono
concernentes ao objeto, e tornar-se as-
a l e m ã o que pugne pelo Brasil como se
sim, em pouco tempo, de tanta gente
pugnasse pela sua pátria: pelos exem-
p r o l e t á r i a , em c i d a d ã o s muito ú t e i s a plos dos pais, olham esta terra mais
si, e à sociedade; sendo a t é p o l í t i c o in- como madrasta, do que como m á e . . .
troduzir uma p o r ç ã o de brasileiros no
Discursando em favor dos colonos ale-
centro dos colonos a l e m ã e s e com eles
mães, o deputado Manuel Pereira da Sil-
os seus usos e costumes e o exemplo
va Ubatuba (um dos grandes defensores
de o b e d i ê n c i a à s leis, de que uma gran-
do estabelecimento de colônias na região
de parte dos colonos carecem.
de Pelotas) argumentava, respondendo a
Para o deputado, assim procedendo em
Bittencourt:
relação à s famílias pobres, a nacionaliza-
ção dos estrangeiros t a m b é m seria deci- Os culpados s á o as autoridades, é o

dida. Seu preconceito contra os colonos nosso governo que tem permitido e

alemães o fazia calar sobre as mudanças consentido certos desvios desses colo-

que as colônias estavam promovendo na nos, e que seus filhos se declarem e

estrutura social do Rio Grande do Sul, prefiram ser a l e m ã e s , formando como

• , v. 10, n ° 2. pp. 165-178. Jul/dez 1997 - p á g . 1 7 3


Acervo. Rio de Jane
A C E

que uma n a ç ã o estrangeira entre n ó s , precisa desse desenvolvimento intelec-

é o nosso governo que n ã o tem cuida- tual; precisa levantar-se à altura de sa-

do daquela c o l ô n i a como devia cuidar, ber zelar e conservar os direitos de ci-

é o nosso governo que tem consentido d a d ã o brasileiro, e de conhecer a t é

ali pessoas que fazem nascer e desen- onde chegam os seus direitos para com

volver entre os colonos i d é i a s que s ã o a sua nova pátria, e onde principiam os

muito prejudiciais, sugeridas pela mais deveres...

vil intriga, pela mais pérfida calúnia,


Eu n ã o quero que o colono renegue sua
esses colonos que n ã o teriam tais idéi-
pátria, as t r a d i ç õ e s de sua terra, nem
as, se certas pessoas n ã o as procuras-
abandone costumes tradicionais pelos
sem desenvolver para seus fins parti-
nossos. O que exijo, p o r é m , é que os
culares.
filhos dos colonos, aqueles que nasce-

Anos mais tarde, durante a Querra do ram em terra brasileira, sejam brasilei-

Paraguai, da qual muitos a l e m ã e s parti- ros, sintam com o sentir, com a vida e

ciparam, mostrando concretamente esta- com o e s p í r i t o com que sentem e par-

rem dispostos a derramar seu sangue tilham dos direitos comuns os brasilei-
19
pelo B r a s i l , o deputado Eudoro Brasi- ros da raça portuguesa.

leiro Berlink, ao discursar na s e s s ã o de


Mas, apesar do discurso apontando para
22 de julho de 1869, dizia: 20
o 'perigo a l e m ã o ' , o número de colôni-
O isolamento em que se acham as co- as a l e m ã s aumentava no Rio Grande do
l ô n i a s da p r o v í n c i a , fazendo conservar Sul. À idéia do governo, fosse ele imperi-
intactas as t r a d i ç õ e s de sua nacionali- al ou provincial, de constituição de nú-
dade e u r o p é i a , há de mais tarde dar re- cleos coloniais de pequenos proprietári-
sultados maus para n ó s e para eles; os, contrapunham-se os interesses dos
para eles j á d á este resultado, pois des- grandes proprietários de acesso à mão-
se isolamento, dessa segregação de-obra.
indevida de interesses que s ã o comuns,
Embora crescendo em n ú m e r o , aos ale-
resulta que especuladores sem fé apro-
m ã e s não era fácil a cidadania. Em 1855,
veitam-se para, constituindo-se seus in-
o governo imperial, através do decreto
t é r p r e t e s e procuradores oficiosos, con-
808-A, de 23 de junho, regulou a natura-
servarem-nos afastados da c o m u n h ã o
lização dos colonos estabelecidos no Im-
brasileira, fazerem-nos considerar
pério, procurando facilitá-la, como deve-
como hostis...
ria ter sido feito desde o início, em cum-
Infelizmente nada se tem feito para ins- primento dos contratos. Os colonos, já
pirar o e s p í r i t o da nacionalidade nas co- estabelecidos no país, seriam reconheci-
l ô n i a s , nada se tem feito pelo lado in- dos como brasileiros mediante simples
telectual e a raça g e r m â n i c a entre n ó s declaração por eles feita à s c â m a r a s mu-

p á g . 1 74 . j u l / d e z 1997
K V O

nicipais ou aos juizes de paz. Os colonos preterira os de origem alemã.


que aqui chegassem a p ó s a data do de- Inconformado com os limitados direitos
creto e que comprassem terras e nelas políticos dos "seus conterrâneos
se estabelecessem, ou que viessem à sua riograndenses de origem alemã", Silveira
custa exercer qualquer indústria, seriam Martins afirmava não admitir que os imi-
naturalizados depois de dois anos de re- grantes acatólicos "fossem considerados
sidência (se assim o desejassem) e isen- meros braços à produção e explorados
tos do serviço militar, menos o da Guar- sem a menor consideração".
da nacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A n a t u r a l i z a ç ã o era necessária para se

A
s colônias alemãs foram, no
conquistar a cidadania (conforme o texto
Rio Grande do Sul, fator de de-
constitucional), e, sendo cidadãos, a par-
senvolvimento econômico. O
ticipação política dos colonos transforma-
reerguimento e a diversificação na pro-
va-se, ao menos teoricamente, numa pos-
dução agrícola realizados pelos colonos
sibilidade (mas isto dependia, antes de
fizeram do Rio Grande do Sul o 'celeiro
mais nada, dos partidos políticos passa-
do Brasil'. Os imigrantes alemães que se
rem a incluí-los na nominata de candida- 21
estabeleceram nos núcleos urbanos fo-
tos a funções eletivas).
ram os principais responsáveis pelo pro-
Visualizando no colono o substituto do cesso de industrialização e urbanização
escravo, n ã o é difícil entender que as dessa província, acelerado no decorrer do
medidas para integrá-los politicamente na século XIX.
sociedade civil não partiriam dos propri-
Embora enfrentando desafios e
etários com assento na Assembléia (ou 22
desconfianças, os colonos de origem ale-
nela representados).
mã tiveram inegável participação nas mu-
Seria uma lei geral sobre reforma eleito- danças ocorridas no perfil sócio-econô-

ral — a Lei Saraiva, de 1881 — que ou- mico sul-riograndense, contribuindo para

torgaria aos n ã o católicos e naturalizados o progresso material e difundindo a ex-

(bem como aos libertos) a igualdade po- celência do trabalho livre. Foram agentes

lítica, pela qual haviam lutado Karl von de 'civilização' e, como tal, não podem ser

Koseritz e Gaspar Silveira Martins (este desconsiderados, em nível regional, na

último, chefe inconteste do Partido Libe- construção da nação brasileira.

ral no Rio Grande do Sul). Se, como afirma Jean R o c h e , 23


o Rio
Grande do Sul era uma das "raras provín-
Silveira Martins chegara a renunciar ao
cias em que [o imigrante] podia não pas-
cargo de ministro da Fazenda, em 1879,
sar por sucedâneo da escravatura"; se o
porque o projeto de lei eleitoral, então
branqueamento era considerado indis-
discutido no Parlamento, mais uma vez

163-1 78. Jul/dez 1997 - pág.173


Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp
A C E

pensável à construção da nação brasilei- nização (no caso do Rio Grande do Sul,
ra; se, no Brasil, nação e Estado foram, notadamente a l e m ã s , uma vez que a cor-
no século XIX, ' p e n s a d o s indisso- rente imigratória italiana se inicia por vol-
ciadamente; então, no período ta de 1875)devem ser recuperadas na sua
monárquico brasileiro, imigração e colo- historicidade.

T A S
n o
1. Brasil Bandecchi, "Problemas de i m i g r a ç ã o na r e g i ã o Sul", Cadernos de História, n ° 4, S ã o
Paulo, Obelisco. 1967, p. 64.

2. Ernesto Pellanda, A colonização germânica no Rio Qrande do Sul, Porto Alegre, Oficinas Gráfi-
cas da Livraria do Globo, 1925, p. 3.

3. rio Primeiro Reinado, no Rio Grande do Sul, n á o foi fundada pelo governo imperial apenas a
c o l ô n i a de S ã o Leopoldo. Em 1825, foi fundada a c o l ô n i a de S á o J o ã o das M i s s õ e s (que n ã o
teve nenhum desenvolvimento); em 1826, as c o l ô n i a s de Três Forquilhas (com imigrantes evan-
g é l i c o s ) e S á o Pedro das Torres (com imigrantes c a t ó l i c o s ) e, em 1827, a c o l ô n i a de S á o J o s é
do H o r t ê n c i o .

4. Jean Roche, A colonização alemã e o Rio Qrande do Sul, Porto Alegre, Globo, 1969, vol. I, p.
99. Nesta mesma obra, à mesma p á g i n a , o autor opina sobre a lei que regulamentou os con-
tratos de l o c a ç ã o de s e r v i ç o s , de 12 de setembro de 1830.

5. Renato Paulo Saul, "A q u e s t ã o social no Brasil escravista". Cadernos de Estudos, n. 5, Porto
Alegre, curso de P ó s - G r a d u a ç á o em Antropologia, Política e Sociologia da UFRGS, dezembro
de 1984, p. 11

6. J u v ê n c i o Saldanha Lemos, Os mercenários do imperador: a primeira corrente i m i g r a t ó r i a ale-


m ã no Brasil, Porto Alegre, Palmarinca, 1993, p. 49. Nesta obra, o autor n ã o objetiva "abordar
a q u e s t ã o da c o l o n i z a ç ã o a l e m ã no Brasil". Isto, conforme ele, "já foi pesquisado e analisado,
com extrema c o m p e t ê n c i a , por diversos historiadores nacionais e que, nos aspectos funda-
mentais, esgotaram o assunto". Sua p r e t e n s ã o é "tentar reconstruir o quadro geral dessa colo-
n i z a ç ã o , no Primeiro I m p é r i o , para dentro dele focalizar o ponto central de sua pesquisa: os
soldados m e r c e n á r i o s de d. Pedro I e sua r e b e l i ã o , em 1828, no Rio de Janeiro".

7. Idem, ibidem, pp. 169-170.

8. Vide Helga I. L. Piccolo, Alemães no Rio Qrande do Sul no período imperial: r é u s e v í t i m a s .


C o m u n i c a ç ã o apresentada no IX S i m p ó s i o da I m i g r a ç ã o e C o l o n i z a ç á o A l e m ã s no Rio Grande
do Sul, S ã o Leopoldo, setembro de 1990. Sobre a p a r t i c i p a ç ã o de a l e m ã e s da c o l ô n i a de S ã o
Leopoldo na campanha da Cisplatina, leia-se t a m b é m , de Aurélio Porto, O trabalho alemão no
a a
Rio Qrande do Sul, 2 ed.. Porto Alegre, Martins Livreiro-Editor, 1996, 2 parte, c a p í t u l o VI.

9. J u v ê n c i o Saldanha Lemos, op. cit., p. 190.

10. Vide Helga I. L. Piccolo, "... que Montevideo se gana en Puerto Alegre, pues revolucionando la
p r o v í n c i a de Rio Grande, quita Ud. el c o r a z ó n al Brasil", Anais da XVI Reunião da Sociedade

p á g . 1 76, j u l / d e z 1997
R V O

Brasileira de Pesquisa Histórica, Curitiba, SBFH, 1997, pp. 195-198. Mesta c o m u n i c a ç ã o foram
mostrados projetos republicanos pensados no Prata para o Rio Grande do Sul. Os que durante
a campanha da Cisplatina foram divulgados, assustaram autoridades c o n s t i t u í d a s na provín-
cia, devido à receptividade obtida. É, t a m b é m , preciso lembrar que entre os colonos e/ou sol-
dados havia republicanos, o que durante a Guerra dos Farrapos (1835-1845) ficou muito claro.

11. Vide Helga I. L. Piccolo, A organização do espaço fronteiriço e os limites políticos entre Brasil
e Uruguai. C o m u n i c a ç ã o apresentada no Encontro de História e Geografia do Prata, Porto Ale-
gre, Instituto H i s t ó r i c o e G e o g r á f i c o do Rio Grande do Sul, agosto de 1994.

12. Vide Helga I. L. Piccolo, " S é c u l o XIX: o Rio Grande do Sul e a e s t r u t u r a ç ã o do Estado nacional
brasileiro. A q u e s t ã o da identidade". Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n °
390, jan./mar. 1996, p. 156.
13. Manuel Luís Salgado G u i m a r ã e s , " n a ç ã o e c i v i l i z a ç ã o nos t r ó p i c o s : o Instituto Histórico e Geo-
g r á f i c o Brasileiro e o projeto de uma história nacional", Estudos Históricos. n ° 1, Rio de Janei-
ro, A s s o c i a ç ã o de Pesquisa e D o c u m e n t a ç ã o Histórica, CPDOC/FGV. 1988/1.

14. Sobre as conjunturas p ó s - l n d e p e n d ê n c i a e p ó s - A b d i c a ç á o no Rio Grande do Sul, consulte-se a


c o r r e s p o n d ê n c i a dos presidentes da província com os ministros da J u s t i ç a (série IJ1) e do
I m p é r i o ( S é r i e IJ9), Rio de Janeiro, Arquivo nacional. Ver t a m b é m Helga I. L. Piccolo, "A Guerra
dos Farrapos e a c o n s t r u ç ã o do Estado nacional", A Revolução Farroupilha: história 6c inter-
p r e t a ç ã o . Porto Alegre, Mercado Aberto, 1985, pp. 30-60.
15. Vide Rlaus Becker, A colônia alemã de São Leopoldo e a Revolução Farroupilha. C o n f e r ê n c i a
pronunciada na s e s s ã o solene em homenagem aos 161 anos da i m i g r a ç ã o a l e m ã e ao
S e s q u i c e n t e n á r i o da R e v o l u ç ã o Farroupilha, s a l ã o nobre da Prefeitura Municipal de S ã o
Leopoldo, 25 de julho de 1985, mimeo. T a m b é m consultar Rudolf Peschke, Die Revolution der
Farrapen und ihre Einwirkung auf die Deutsche Kolonization, S ã o Paulo, Staden Jahrbuch. n °
3, 1955.
16. Consulte-se na s é r i e IJ1848, Arquivo nacional, a c o r r e s p o n d ê n c i a de 25 de janeiro de 1837,
enviada pelo presidente da província ao ministro da J u s t i ç a , onde consta uma lista de presos
(todos estrangeiros, sendo a maioria absoluta colonos a l e m ã e s de S ã o Leopoldo), identifica-
dos como sediciosos, f a c í n o r a s , l a d r õ e s , agitadores etc. É evidente que se a o p i n i ã o da auto-
ridade era no sentido de desclassificar estes colonos, eles n ã o podiam ser pensados como
a
c i d a d ã o s . Aurélio Porto (obra citada, 3 parte, c a p í t u l o II — C o n s p i r a ç ã o misteriosa) escreve
sobre "uma conjura dos a l e m ã e s em 1830 na c o l ô n i a de S ã o Leopoldo...". O autor aceita "que
esse movimento se prendia ao descontentamento geral que foi o rastilho do grande i n c ê n d i o
do farroupilhismo. Havia l i g a ç õ e s s u b t e r r â n e a s , qualquer coisa n ã o percebida ainda, entre os
liberais da p r o v í n c i a e os a l e m ã e s que se viram envolvidos na denunciada trama, i n d í c i o s vee-
mentes transparecem dos nomes conjurados que, mais tarde, quando se pronuncia aberta-
mente a r e v o l u ç ã o , s ã o p r ó c e r e s de destaque no movimento subversivo".

17. J á , e n t ã o , tinha sido iniciada a c o l o n i z a ç ã o por iniciativa de particulares. A f u n d a ç ã o da c o l ô n i a


de Mundo Movo, em 1846, era apenas um exemplo.
18. Vide Helga I. L. Piccolo, " S é c u l o XIX: a l e m ã e s protestantes no Rio Grande do Sul e a escravi-
dão". Anais da VIII Reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, S ã o Paulo. SBPH,
1989, pp. 103-107.
. Os inventários como fonte para a pesquisa histórica. C o m u n i c a ç ã o apresentada na ses-
s ã o de 22 de abril de 1989, do Instituto Histórico de S ã o Leopoldo, mimeo.

. Alemães no Rio Grande do Sul no período imperial: r é u s e v í t i m a s , op. cit.

. " T r a n s f o r m a ç õ e s s ó c i o - e c o n ô m i c a s em S ã o Leopoldo (1824-1889)", Anais da XI Reunião


Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, S ã o Paulo, SBPH, 1991, pp. 207-211.

19. Vide Maus Becker. Alemães e descendentes — do Rio Grande do Sul — na Guerra do Paraguai,
Canoas, Editora Hilgert ôt Filhos, 1968.
20. Vide R e n é Gertz, O perigo alemão. Porto Alegre, Editora da UFRGS, Série S í n t e s e Riograndense,
n ° 5, 1991.
21. Vide Magda Roswita Gans, Presença teuta em Porto Alegre no século XIX (1850-1889), disser-
t a ç ã o de mestrado defendida no PPG em História da UFRGS, agosto de 1996.
22. Vide Jorge Luís Cunha, Rio Grande do Sul und die Deutsche Kolonisation. Santa Cruz do Sul,
Gráfica L é o Quatke da UniSC, 1995.

23. Jean Roche, op. cit., p. 117.

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 165-1 78. Jul/dez 1997 - p á g . 1 7 7


A B S T R A C T
The article aims to show how Qerman immigration to the state of Rio Qrande do Sul, started with

the settlement of the colony of S á o Leopoldo in 1824, is related to the consolidation of the

independence of Brazil and the construction of the Brazilian national state. Therefore, the whitening

of Brazilian society and the constitution of the citizenship are emphasized.

R É S U M É
Larticle montre comment le processus d'immigration allemande au Rio Qrande do Sul, dont 1'origine

est la fondation de la colonie de S ã o Leopoldo en 1824, est é t r o i t e m e n t l i é au processus de

consolidation de 1 ' i n d é p e n d a n c e du Brésil et de formation de l'Ctat national b r é s i l i e n . De la f a ç o n ,

il faut souligner le besoin de blanchissement de la s o c i e t é et la fondation de la c i t o y e n n e t é .


Lúcia Maria Paschoal Guimarães
Professora Adjunta do Departamento
de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

.Breves Reflexões Soltar e o


Problema i a Imigração U r t a m a
;aso dos espannóis no R i o de Janeiro
(1880-1914)

Y o Brasil, o fluxo das en para o trabalho assalariado, sobre-

tradas de emigrantes tudo na grande l a v o u r a do

avolumou-se pro- café.

gressivamente no inicio da d é - lio primeiro caso, os historia-

cada de 1880, atingindo o seu dores evidenciam que o recur-

ápice no início do século XX. Estima-se so à vinda de estrangeiros constituiu-se

que o país recebeu aproximadamente três no principal meio. utilizado pelas autori-

milhões de pessoas entre 1880 e 1914.' dades governamentais para a ocupação

A produção historiográfica sobre o impac- de espaços vazios, com base no regime


de pequeno e médio estabelecimento ru-
to da chegada dessa verdadeira massa
ral policultor, trabalhado pelos proprie-
humana, integrada na sua maioria por
tários e suas famílias. Tais estudos, cuja
italianos, portugueses, e s p a n h ó i s , ale-
finalidade se restringe a recuperar a tra-
m ã e s e eslavos, concentra-se em torno
jetória de comunidades de emigrantes,
de dois eixos interpretativos: de um lado,
sáo desenvolvidos, via de regra, na re-
a q u e s t ã o da colonizaçáo e povoamento;
gião sul e em certas á r e a s do sudeste
de outro, o problema da introdução da
brasileiro, onde esse processo ocorreu
m ã o - d e - o b r a livre, encarada como uma
2
de modo mais intenso.
e s p é c i e de desdobramento natural do
lio segundo, os pesquisadores se repor-
processso da transição do braço escravo

10. n ° 2. pp. 179-198, Jul/dez 1997 - p á g . 179


Acervo. Rio de Janeiro, v
A C E

tam à s necessidades e à s s o l u ç õ e s en- do Rio de Janeiro, no período que se es-


gendradas pelos setores agrários, em es- tendeu de 1880 a 1914. Apesar de cons-
pecial grandes cafeicultores paulistas, tituírem um grupo de grande mobilidade
para manterem o ritmo'da p r o d u ç ã o di- e altas taxas de retorno, eles chegaram
ante do eminente colapso do sistema a formar a terceira maior colônia estran-
escravista, extinto em 1888. nessa linha geira na antiga capital do país. Preten-
de abordagem, há um conjunto de obras, demos demonstrar, por meio desse es-
tributárias das análises pioneiras de Caio tudo de caso, que a e m i g r a ç ã o urbana
Prado J ú n i o r , Emilia Viotti da Costa e se constituiu num fator concorrente da
Florestan Fernandes, que valendo-se de m ã o - d e - o b r a nacional, especialmente
pressupostos do materialismo histórico, aquela que fora liberada pela abolição da
5
procuraram demonstrar como diferentes escravatura.
contextos históricos se articularam para
Há um século, nos principais portos do
servir ao avanço do capitalismo e à s clas-
3 reino de Espanha, milhares de pessoas
ses dominantes. Ou seja, buscaram ex-
disputavam um lugar nos ' b u q u ê s ' com
plicar o f e n ô m e n o com um enfoque que
destino ao Movo Mundo, empurrados pela
explora as c o n t r a d i ç õ e s do capitalismo,
pobreza e intolerância. As autoridades
tanto no núcleo repulsor da m ã o - d e - o b r a
locais pareciam, mesmo, incentivar aque-
quanto no centro de a t r a ç ã o . Daí se con-
les que se desterravam voluntariamen-
clui que no contexto europeu, onde se
te, j á que desde 1853 haviam suprimido
vivenciava uma fase de acelerado cres-
6
os o b s t á c u l o s legais à e m i g r a ç ã o . 'Fa-
cimento do capitalismo industrial, expor-
zer a América' significava a perspectiva
tar gente constituiu-se um mecanismo efi-
do acesso à propriedade da terra, à s
caz para aliviar a p r e s s ã o e c o n ô m i c a e
oportunidades de trabalho, à fortuna fá-
demográfica. J á no caso brasileiro, mar-
c i l e, q u e m s a b e , se a V i r g e m de
cado por uma conjuntura capitalista agrá-
Macarena ajudasse, o regresso vitorioso
rio-exportadora, importar m ã o - d e - o b r a
ao torrão natal. As a g ê n c i a s de emigra-
representava uma alternativa viável, ca-
ção ajudavam a alimentar esse sonho,
paz de minimizar os traumas da desa-
valendo-se muitas vezes de propaganda
g r e g a ç ã o da força de trabalho escrava.
enganosa e falsas promessas. O jornal O
Conquanto tenham contemplado q u e s t õ e s
País, na sua edição de 3 de fevereiro de
estruturais do panorama e c o n ô m i c o na-
1887, noticiava a existência de uma des-
cional, aqueles autores deixaram a des-
sas 'arapucas', que estaria promovendo
coberto uma brecha que a historiografia
o recrutamento para o Brasil, na capital
apenas vem tangenciando: a e m i g r a ç ã o
4 espanhola:
urbana e suas i m p l i c a ç õ e s . lio presen-
te artigo, em rápidos traços, examinare-
Parece que na rua San Quintin em Ma-
mos a p r e s e n ç a dos e s p a n h ó i s na cidade
dri, há uma a g ê n c i a de e m i g r a ç ã o para

p á g . 1 80, j u l / d e z 1997
V o

o Brasil que oferece passagens gratui- uma estrutura fundiária arcaica no país.
tas, vinte libras esterlinas ao desem- Até o ano de 1900, cerca de 2/3 da popu-
barcar e terrenos para fundar c o l ô n i - lação do Reino se ocupavam direta ou in-
as, n o t í c i a s de Madri asseguram que diretamente com as atividades agrárias.
j á estavam inscritas umas oito mil pes- Mo entanto, à proporção que o n ú m e r o
soas... 7
de habitantes crescia nas á r e a s rurais,
os investimentos com a agricultura re-

C onsiderada como uma econo-


mia pré-industrial a t é 1873, a
Espanha s ó c o n s e g u i r i a i m -
plantar sua indústria de base e de trans-
traíam-se. Este desequilíbrio, segundo
Pierre Villar, acentuava-se devido à per-
m a n ê n c i a de p r á t i c a s s e n h o r i a i s . Ma
Qalícia, por exemplo, ainda se pagavam
formação na d é c a d a seguinte, quando se
'censos', 'foros', 'subforos' em
consolidaram as posições dos principais
minifúndios paupérrimos, onde uma fa-
pólos regionais que iriam impulsionar o
mília dificilmente conseguia o seu sus-
processo: na Catalunha foram instaladas
tento cultivando a terra. Ma própria re-
a indústria têxtil algodoeira, a produção
gião da Catalunha, uma das principais
e e x p o r t a ç ã o de vinhos, a siderurgia e a
molas propulsoras da industrialização, o
indústria mecânica; em Biscaia, concen-
contrato secular da 'rebassa morta' en-
tram-se as empresas mineradoras, fixan-
controu sobrevivências feudais, quando
do-se, ainda, as atividades de navega-
uma praga arrasou os vinhedos e os pro-
ção, comércio de importação e exporta-
prietários seculares reclamaram seus d i -
ç ã o , e em Madri mantiveram-se as ativi-
reitos. Mos outros territórios do sul do
dades tradicionais das manufaturas pré-
Reino, onde predominavam os latifúndi-
industriais. Mo p e r í o d o de 1891 a 1917,
os, a terra apenas mudou de m ã o s , quan-
a economia j á apresentava uma configu-
do se procedeu à d e s a p r o p r i a ç ã o dos
r a ç ã o de elementos de industrialização
domínios da Igreja. Em Andaluzia, por
capitalista, acompanhada de medidas
exemplo, os terratenentes nem acumu-
protecionistas em defesa da p r o d u ç ã o
laram, nem investiram capitais na lavou-
autóctone." Ajudaram, de modo decisi-
ra, em virtude de um regime fundiário
vo, a financiar o processo "(...) as remes-
de cultivo extensivo, de baixíssima pro-
sas de dinheiro feitas por emigrantes a
dutividade, em que grandes e x t e n s õ e s
9
partir de 1890".
estavam destinadas à caça ou à criação
10
de touros de corrida.
Afora a problemática relacionada com o
Se as oportunidades no campo mostra-
desenvolvimento industrial tardio, a emi-
vam-se escassas, as p r e t e n s õ e s coloni-
g r a ç ã o espanhola seria fomentada por
ais espanholas e o recrutamento militar
um outro conjunto de fatores, em que se
obrigatório tornavam a vida dos campo-
entrecruzaram aspectos demográficos e
neses mais difícil. O jornal El Socialista.
q u e s t õ e s decorrentes da m a n u t e n ç ã o de

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 179-198. jul/dez 19


A C F

por exemplo, denunciava que as classes As estimativas oficiais indicam que em


trabalhadoras nâo podiam, nem deviam torno de 450 mil e s p a n h ó i s deram ingres-
apoiar as a ç õ e s pró-colonialistas do Qo- so nos portos brasileiros, entre 1880 e
verno, porque "(...) davam seu sangue e 1914. A cidade do Rio de Janeiro, e n t ã o
reduziam o seu alimento a um grau in- capital do país, constituiu-se uma das
concebível "." Agravando o quadro, havia principais portas de entrada dessa mas-
a política de indenização, por parte da- sa humana. De acordo com nossos cál-
queles que desejavam se desobrigar do culos, 126.833 hispânicos desembarca-
serviço militar nas colônias. Os jovens, ram no Rio, naquele período. Chegamos
oriundos das localidades mais empobrecidas a esse n ú m e r o , compilando as fontes dis-
da Espanha, via de regra situadas nas poníveis no Arquivo nacional, em especi-
zonas rurais, dificilmente conseguiam al duas séries de documentos: os livros
pagar aquelas taxas. Para esses m o ç o s , de registro do porto do Rio de Janeiro e
que contavam com a cumplicidade dos as r e l a ç õ e s dos vapores. É importante
agentes de e m i g r a ç ã o , o expatriamento salientar que os dados quantificados re-
transformou-se numa válvula de escape ferem-se exclusivamente aos emigrantes
do engajamento o b r i g a t ó r i o . 12
que passaram pelo controle das autori-
Pressionados, ainda, por altas taxas de dades locais. Especula-se que, na condi-
natalidade, pequenos e m é d i o s proprie- ção de clandestinos, teriam aportado ou-
tários, bem como lavradores que dispu- tros 25 mil, o que corresponde a cerca
nham apenas da sua força de trabalho, de 20% do total de entradas legais.
viam-se obrigados a abandonar povoa- Em todos os intervalos do gráfico n° 1,
dos e vilas interioranas. Do campo mi- observa-se a predominância marcante do
gravam para as á r e a s urbanas, na ex- elemento masculino. A flutuação dos nú-
pectativa de serem absorvidos pela in- meros demonstra a existência de uma
dústria ou comércio. A Dia crucis, no en- estreita correlação entre a e m i g r a ç ã o e
tanto, n ã o se encerraria nos grandes cen- as características do contexto e c o n ô m i -
tros. Analfabetos, na sua grande maio- co, social e político do centro repulsor,
ria, e sem possuir qualificação para o tra- anteriormente descritas. lios intervalos
balho fabril, a cidade os rejeitava. O pas- de 1880-1884 e 1885-1889, o movimen-
so seguinte era tomar o caminho do por- to de entradas, de a m b o s os sexos,
to mais próximo e tentar o embarque na apresentou-se crescente, refletindo as
terceira classe do primeiro ' b u q u ê ' que sucessivas crises de s u b s i s t ê n c i a , tanto
zarpasse com destino à América. Os Es- no âmbito continental do Reino quanto na
tados Unidos, a Argentina, o Uruguai e o parte insular. Se a fome grassava no con-
Brasil, respectivamente, c o n s t i t u í a m - s e tinente, em razão das m á s colheitas e do
os principais focos de a t r a ç ã o do "paraí- excesso de p o p u l a ç ã o , as dificuldades
so americano".' 3
n ã o eram menores no a r q u i p é l a g o das

páo, 1 82 . j u l / d e z 1997
K V O

Canárias. Seu principal produto de expor- aos elementos do sexo masculino, a que-
tação, a cochonilha, ao final da década da das entradas deve ser relacionada ao
de 1870, passara a enfrentar a concor- recrutamento militar, ativado em vista
rência da entrada das anilinas artificiais das guerras coloniais em Cuba e nas F i -
14
no mercado internacional. lipinas.

Entre 1890 e 1894 o fluxo deu um enor- A tendência de queda reverteu-se logo
me salto em relação ao intervalo anteri- em seguida. Mos intervalos de 1905-1909
or. Os elevados índices atingidos, tanto e 1910-1914, a quantidade de ingressos
no caso dos homens quanto no das mu- voltaria a se elevar de maneira significa-
lheres, além da intensificação dos fato- tiva: c r e s c e u para 16.025 e 3 1 . 7 9 8
res estruturais de repulsão, deve ser cre- respecticamente, sinalizando não apenas
ditado, ainda, a uma q u e s t ã o de ordem o recrudescimento de antigos problemas
conjuntural: a d i s s e m i n a ç ã o da filoxera, econômicos, mas t a m b é m uma reação da
praga que assolou os vinhedos espanhóis população masculina jovem, que fugia a
e comprometeu a viticultura do país, obri- uma nova onda de engajamento obriga-
gando os agricultores a abandonarem tório, motivado pelas p r e t e n s õ e s milita-
suas p l a n t a ç õ e s . res da Espanha no Marrocos. Essa verti-
gem emigratória favoreceu-se do bara-
O ritmo das taxas de desembarque caiu,
teamento dos custos das viagens transa-
sucessivamente, nos períodos 1895-1899
tlânticas, que se tornaram mais acessí-
e 1900-1904. Do ponto de vista econô-
veis à s camadas menos favorecidas da
mico, esses dez anos corresponderiam a 15
população.
uma fase em que a economia espanhola
parecia dar mostras de uma lenta recu- A febre emigratória, que contagiou o no-
p e r a ç ã o . Além disso, no que diz respeito roeste da Espanha, aparece nitidamente

Gráfico 1 - Porto do Rio de Janeiro: fluxo de entrada de e s p a n h ó i s


(1880-1914)
• homens
11 mulheres

1894 1895-1899 19001904 1905-1909 1910-1914


1880-1884 1 885-1889 18

ro„,e: llvros do por.o do Rio de Janeiro e relaçào dos vapores do oor.o do Rio de Janeiro. Ar.uivo «aciona,.

Acervo. Rio de Janeiro, v. I 0 . n - 2 . P P 1 79-1 98. jul/dez .997 -pag 183


no gráfico n° 2, por meio dos numerosos capital do a r q u i p é l a g o das Canárias, de-
embarques nos portos de La Coruna, monstra n ã o apenas a crise provocada
Vigo, Vila Garcia e Lisboa — outro pólo pela debacle da p r o d u ç ã o da cochonilha.
que t a m b é m servia de alternativa para o Pode s e r e n t e n d i d a c o m o u m forte
escoamento dos naturais da Galícia. Este indicativo da fuga e d e s e r ç ã o do recru-
fluxo estava condicionado ao problema da tamento militar o b r i g a t ó r i o . Cabe aqui
terra naquela região onde, conforme j á abrir um breve p a r ê n t e s e s para lembrar
se evidenciou, era impossível uma famí- a p o s i ç ã o e s t r a t é g i c a do a r q u i p é l a g o ,
lia viver dos rendimentos da lavoura. onde se concentravam armas e tropas

Uma segunda corrente de emigrantes ti- visando à s i n t e r v e n ç õ e s espanholas no

nha sua origem no sul do Reino. As altas norte do continente africano.

taxas, apuradas nos centros p o r t u á r i o s O exame do gráfico n° 2 possibilita, ain-


m e r i d i o n a i s de M á l a g a , Vila Marin e da, identificar a existência de um quarto
16
Gibraltar, confirmam o agravamento de movimento de emigrantes h i s p â n i c o s ,
q u e s t õ e s agrárias na região da Andaluzia, desta feita provenientes da região do rio
anteriormente tratadas. J á a s a í d a por da Prata. De Buenos Aires, com destino
Barcelona, m e t r ó p o l e urbana e capital da ao Rio de Janeiro, partiram 9.439 espa-
Catalunha, permite inferir a ocorrência n h ó i s , e n q u a n t o que de M o n t e v i d é u
de dois movimentos migratórios sucessi- quantificamos 5.218. Este refluxo, ao que
vos: do campo para a cidade; da cidade parece, constituía-se uma e s p é c i e de "ca-
para o exterior. minho natural de retorno". Embora na 17

A incidência de embarcados em Tenerife, d o c u m e n t a ç ã o pesquisada inexistam in-

Gráfico 2 - Espanhóis d e s e m b a r c a d o s no Rio de Janeiro


principais portos de procedência
(1880-1914) • horrens
• mi her es
18000
16000
14000
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0 •JiiUiJiiJijji,

fonte: relação dos vapores do porto do Rio de Janeiro. Arquivo nacional.

p á g . 184, j u l / d e z 1997
V o

formações e dados numéricos capazes de da República dos Estados Unidos do


comprovar tal hipótese, encontramos num Brasil em todo o Reino da Espanha. Mo
jornal carioca vestígios da existência des- mencionado documento, Sastré infor-
sa 'corrente de volta', que merece ser mava ao parlamentar que, no primeiro
investigada em outra oportunidade: semestre daquele ano, 65.089 pessoas
deixaram o Reino, com destino ao nos-
O sr. ministro da Agricultura ... autori-
so país. Questionava, p o r é m , a quali-
zou os nossos c ô n s u l e s no Rio da Prata
dade dessa m ã o - d e - o b r a . Mo seu en-
a conceder passagem por conta do Es-
tender, os integrantes daquele grupo,
tado aos que desses p a í s e s desejassem
salvo algumas exceções, não estariam
sair, com o fim de se estabelecerem no
"verdadeiramente aptos para a agricul-
nosso. (...) É geralmente sabido que den-
tura". Segundo o ex-comissário, o go-
tre os imigrantes que procuram a Améri-
verno brasileiro necessitava criar, com
ca, e principalmente o Rio da Prata, figu-
urgência, junto à s suas r e p r e s e n t a ç õ e s
ram um auultado número que emigra sem
diplomáticas, mecanismos legais para
família e por isso mesmo no firme propó-
fiscalizar o recrutamento e seleção de
sito de regressarem à pátria, logo que con-
trabalhadores. Esse processo não de-
seguem por qualquer meio, até mesmo o
veria permanecer nas m ã o s de agen-
criminoso, algum pecúlio; que fogem do
tes inescrupulosos, voltados para o lu-
trabalho agrícola e que constituem um
cro, j á que "... todo o seu afã é man-
elemento perigoso no meio em que se co-
8
dar gente que serve ou que não serve,
locam...' (o grifo é meu).
todo o seu interesse se reduz ao gran-
Enquanto a imprensa dedicava-se ao de- de benefício das 25 pesetas por passa-
20
bate sobre a política de emigração e o per- gem ...". Se Fizermos as contas, com
fil da força de trabalho desejada, 19
na prá- base nas d e c l a r a ç õ e s de Enrique de
tica tudo leva a crer que prevaleceram as S a s t r é , nos seis primeiros meses de
entradas indiscriminadas, fruto da ganân- 1891 os contratadores e m b o l s a r a m
cia dos agentes no exterior e dos subsídi- 1.627.225 pesetas, uma quantia nada
os generosos que o governo brasileiro ofe- desprezível, mormente numa época de
recia com o intuito de atrair braços para a crise.
lavoura. O segundo indício, percebemos ao exa-

Mo caso dos emigrantes e s p a n h ó i s , des- minar os livros de registro do porto do

cobrimos dois indicativos dessa situação. Rio de Janeiro, quando nos deparamos

O primeiro, por meio da leitura de uma com os chamados contratos de emigra-

carta encaminhada ao deputado federal ção'. Estes instrumentos legais eram

Antáo de Faria, em 20 de novembro de utilizados tanto por empresas particu-

1891. Seu autor. Enrique de Sastré, exer- lares quanto pelos municípios e esta-

cera o cargo de comissário de emigração dos da federação, quando desejavam

Acervo. Rio de Jan Iro. v. 10. n ° 1. pp. 1 7 9 - 1 9 8 . J u l / d e i 1997 - p á g . 1 85


A C E

importar m ã o - d e - o b r a para fins especí- preenchimento das i n f o r m a ç õ e s sobre


ficos. Entre 1880 e 1914, identificamos idade, estado civil, grau de instrução e
apenas 19 contratos, perfazendo 9.298 destino dos emigrantes. Além disso, os
desembarques. Os maiores contratantes próprios formulários de registro sofreram
foram a Estrada de Ferro Cantagalo e a tantas alterações, que impedem a mon-
Companhia Metropolitana que 'importa- tagem de séries quantitativas completas.
ram', respectivamente, 1.004 e 5.673 tra- Diante destes o b s t á c u l o s , decidimos to-
balhadores. Comparando-se o n ú m e r o de mar como modelo o perfil delineado pelo
'contratados' com o total geral de entra- Instituto Espanol de Emigración. Segun-
das naquele período, conclui-se que so- do esta fonte, o emigrante hispânico m é -
mente cerca de 7,3% dos hispânicos pos- dio era adulto, do sexo masculino, oriun-
s u í a m emprego garantido ao pisar em do das zonas rurais, solteiro e costuma-
solo carioca. A maioria, de acordo com a va viajar desacompanhado, mesmo quan-
21
nossa p e r c e p ç ã o , apesar da passagem do casado.
s u b s i d i a d a , l a n ç o u - s e numa aventura Apesar das dificuldades encontradas, con-
marcada pela p r o m o ç ã o e manipulação seguimos identificar as profissões de boa
da miséria. parte d o s i n t e g r a n t e s do u n i v e r s o
pesquisado. Na tabela 1, adiante, classi-
Essas e v i d ê n c i a s nos encaminharam a
ficamos e quantificamos as p r o f i s s õ e s
tentar estabelecer os principais traços ca-
declaradas por setor da economia e sexo.
racterísticos da m ã o - d e - o b r a espanhola
que deu entrada no Rio de Janeiro. Os Os documentos oficiais n ã o apresentam
testemunhos disponíveis, porém, revela- o registro da profissão de 21.892 espa-
ram-se precários. Os documentos rara- n h ó i s , o que corresponde a 17,3% do
mente discriminam a entrada de famílias universo pesquisado. A o m i s s ã o pode ser
e mostram-se falhos no que se refere ao um indício de que esse grupo,

Tabela I
E s p a n h ó i s desembarcados no porto do Rio de Janeiro (1880-1914): p r o f i s s õ e s
por setor da economia ( n ú m e r o s absolutos)

Períodos/profissões Indústria Serviços Rural Sem informação


declaradas
Masculino Feminino Masculino Feminino Masculino Feminino Masculino Feminino
I\s'>-I884 55 0 4 W 638 1.794 498 853 369
1885-1889 9 1 5.176 415 4.607 1.6.32 1.752 103
1 WO-IK94 50 4 6.771 1.300 15.333 7.841 2.987 1.012
1 S95-I899 94 3 2.262 1.069 5.447 1.689 1.463 731
1900-1904 434 74 386 19 3.902 628 2.216 1.010
1905-1909 530 34 2.445 569 6.314 1.326 3.011 1.796
1910-1914 1.236 III 7.871 2.617 10.017 5.357 2.329 2.260
1 cil;nv 2.408 227 29.294 6.627 47.414 18.971 U (.1 1 7.281
fontes: Tabela construída a partir das informações contidas nos livros de registro do porto do Kio de Janeiro' e Relação dos vapores',
Arquivo nacional.

p á g . 186, j u l / d e z 1997
V o

contabilizado na categoria "sem informa- nais do setor da indústria, esses


ção', corresponderia à s entradas de cri- espelham as condições da m ã o - d e - o b r a
a n ç a s , muitas das q u a i s e m i g r a r a m no contexto do desenvolvimento industri-
desacompanhadas, segundo o costume al tardio da Espanha. Dentre os 2.635
da é p o c a , como veremos mais adiante. indivíduos que se afirmaram operários,
predominavam as profissões ligadas à
A predominância das incidências no se-
construção civil (pedreiros, canteiros e
tor rural, em que c o m p u t á m o s um con-
carpinteiros), n á o havia t é c n i c o s , nem
junto de 66.385 agricultores, confirma as
profissionais especializados, a exemplo
t e n d ê n c i a s reveladas no gráfico n° 2, no
do que ocorreu com emigrantes oriundos
qual d i s t r i b u í m o s os r e c é m - c h e g a d o s
de países de industrialização mais ace-
pelos portos de procedência e concluí-
lerada, que se transferiram para o Bra-
mos que a maior parte dos embarques
sil, tanto por conta própria quanto por
ocorreram em localidades que serviam
convite, para participar de projetos de
de escoadouro para a população
modernização, tais como estradas de fer-
campesina, vítima da pobreza e das ma-
ro, portos e indústrias de transformação.
zelas decorrentes de estruturas
f u n d i á r i a s arcaicas. P o r é m , conforme Cumpridas as formalidades de desembar-
alerta em estudo recente Magnus Mõrner, que, à exceção dos grupos que vieram
devemos ter uma certa dose de descon- por contrato, pouco se sabe a respeito
fiança diante da declaração da profissão do destino dos emigrantes e s p a n h ó i s . A
de agricultor, no momento de entrada no urbe carioca, em princípio, deveria ser-
país receptor. 22
Tanto os agentes de re- vir de local de trânsito, e s p é c i e de en-
crutamento quanto os candidatos à emi- cruzilhada obrigatória, por onde os tra-
g r a ç ã o subsidiada conheciam o notório balhadores passavam a caminho das á r e -
interesse do governo brasileiro em rece- as agrícolas do centro-sul. A maioria, por
ber contingentes que se destinassem à certo, seguiu este rumo. Porém, encon-
lavoura. tramos vestígios de que uma parcela sig-
nificativa do grupo tomou um outro ata-
Quantificamos o ingresso de 35.921 pes-
lho. Melhor dizendo, ao invés de seguir
soas, cujas profissões declaradas se en-
para o campo, estacionou na margem es-
quadravam no setor de serviços. Jorna-
querda da baía de Guanabara.
leiros e serventes na sua quase totalida-
de careciam de qualificação profissional Recuperar a trajetória dos compatriotas
definida. Supomos que eles deveriam fa- de Cervantes no Rio de Janeiro, a p ó s a
zer parte daquele contingente que migra- sua passagem pelas autoridades portuá-
ra do campo para as cidades e daí para rias, assemelha-se a montar um quebra-
o exterior. cabeças. Comecemos, pois, com as pe-
ças oficiais. O recenseamento de 1890,
Quanto aos baixos índices de profissio-

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 1 79-1 98. jul/dez 1997 - pág.187
embora apresente d e f i c i ê n c i a s , indica Embora os recenseamentos n ã o adotas-
que 30% da p o p u l a ç ã o do Distrito Fede- sem o critério de quantificar a p o p u l a ç ã o
ral era integrada por estrangeiros. Os de estrangeira por nacionalidade, segundo
origem espanhola formavam a terceira as o c u p a ç õ e s exercidas, descobrimos a
maior c o n c e n t r a ç ã o de imigrantes, per- p r e s e n ç a daquele grupo, trabalhando no
fazendo um total de 10.800 pessoas, das comércio de retalho e no setor de cafés,
quais 1.296 optaram pela nacionalidade bares, botequins, p e n s õ e s e hotelaria.
brasileira, consoante a lei da grande na-
Os naturais de outras regiões da Espanha
turalização promulgada naquele mesmo
23
dispersaram-se pela indústria da cons-
ano. Ho censo realizado em 1906, eles
24
trução civil, setor de transportes e ser-
continuariam a ocupar aquele posto:
viços portuários. Integrados ao proleta-
somavam 20. 699 habitantes, apesar das
riado urbano, os e s p a n h ó i s chegaram a
taxas de retorno alcançarem um
25
liderar algumas das o r g a n i z a ç õ e s de tra-
percentual de quase 5 0 % .
balhadores mais influentes da capital fe-
A comunidade hispânica parecia dar pre- deral: o Centro Cosmopolita, o sindicato
ferência por se estabelecer nos e s p a ç o s dos trabalhadores da c o n s t r u ç ã o civil e o
centrais do Rio. Aglomerava-se nos dis- de empregados em hotéis, bares e res-
28

tritos de Santa Rita, Sacramento, S ã o taurantes. Aliás, a p r e s e n ç a em enti-


J o s é , Santo Antônio, Espírito Santo, Gló- dades deste g ê n e r o era entendida como
ria e Gamboa, este último situado na zona um sintoma de 'anarquismo'. Encarados
portuária. Essas á r e a s , densamente po- como subversivos, esses o p e r á r i o s seri-
voadas, haviam escapado do plano de am responsabilizados pelo aliciamento
29

obras de r e m o d e l a ç ã o e saneamento ini- dos 'dóceis' trabalhadores brasileiros.


ciado em 1902 pelo prefeito Pereira Pas-
26
Homens e mulheres quase sempre trazi-
sos. Ali se localizava a maior incidên-
am indicações de onde conseguir abrigo
cia de h a b i t a ç õ e s coletivas da cidade, os
27
e emprego. Geralmente tratava-se de al-
populares 'cortiços'. Isto nos permite in-
gum patrício, dono de um pequeno ne-
ferir que os r e c é m - c h e g a d o s comparti-
gócio, que lhes concedia casa e comida,
lhavam com os segmentos mais baixos
em troca de serviços diversos. Veja-se o
da p o p u l a ç ã o carioca do mesmo p a d r ã o
caso do sr. Ramon Sobrero, natural de
de moradia.
Vigo. Tinha 17 anos, quando aqui desem-
O grupo originário da Galícia, por suas barcou. Segundo seu filho, além da ba-
afinidades étnicas, lingüísticas e culturais gagem de m ã o , ele trouxe apenas o en-
com os portugueses, foi o que mais se d e r e ç o de um antigo vizinho, nas cerca-

enraizou no Rio. Tanto assim, que o ape- nias do cais do porto. Por sorte, a indi-

lido pejorativo de 'galego' servia para cação estava correta. Tratava-se de uma

designar os ibéricos de um modo geral. casa de pasto', que fornecia refeições

p á g . 1 88 , j u l / d e z 1 997
K V O

para estivadores e o p e r á r i o s . Acolhido as passagens do irmão e de um primo


pelo patrício, a princípio foi encarregado que fugira do serviço militar obrigatório.
da limpeza, sem receber dinheiro algum. Com a ajuda do antigo p a t r ã o , os t r ê s
Dormia no próprio local de trabalho. Mais abriram um botequim, na "rua Larga es-
30
tarde, quando 'pegou prática', passou a quina com a rua do Acre".
entregar marmitas e servir os fregueses, J á o sr. J o s é Maria Carreiras n ã o teve
o que lhe p e r m i t i u ganhar algumas um destino muito diferente, nascido em
gorgetas. Depois de alguns anos, pagou Martos (Andaluzia), j á havia estado em

/ C31.

ICT0.5nr.DT.ion.to TnTaraa da I»ra.»inlatro

Jnatiça • laaooloo lBtar1«rao.

Trananlttlndo-Toa os inolasos auto» do prooaaao

ralatlro a Joaa Ollrar Talla.haapaaBol.da 56 annoa da liada

filho da Joaõ OllTar Font o Varia Valia Par:.-,rogo Toa dig-

nais da ordanar a sua axpulaâo do tarrltorlo naolonal,ooao


a
parlgooo a traaqnlllldada puolloa.noa taraoa do art"l to

Daorato n*164] da T da Janalro ultInc.oonrIndo aoerseoantar

qua aaaa lndlTldno não toa poraar.sncla sffsotlra no Braoll.

Sanda a Traternldads.

O Ch«f« 4* Policia;

Cl

C o r r e s p o n d ê n c i a d o chefe de policia para o ministro de Justiça e ^ ^ T ^ ^ ^ ^


processo de expulsão de José Ollver Vale. Rio de Janeiro. 7 de agosto de 1907. Arquivo Nacional.

ccrvo. Rio de Janeiro, v. 1 0 . n ° 2 . p p . 179-198, jul/de* 1997 -pág.189


A C

B a r c e l o n a , onde exerceu o ofício de via". Diante desse quadro, n ã o havia ou-


carpinteiro. Desempregado, deixou a mu- tra alternativa s e n ã o emigrar. Seus pais
lher e quatro filhos para tentar a vida no fizeram contato com uma parenta afas-
Brasil. Deu entrada no Rio de Janeiro, tada, que costumava intermediar a vinda
em 1910, aos 32 anos de idade. Com uma de meninas para o s e r v i ç o d o m é s t i c o .
carta de r e c o m e n d a ç ã o de um embarca- Junto com d. Joana viajaram outras duas
diço c o n t e r r â n e o , que conseguiu a bor- adolescentes, com o mesmo fim. Ela ar-
do, apresentou-se no hotel dos Estran- ranjou um lugar de copeira na residên-
geiros, onde conquistou uma vaga como cia de um dos diretores de uma compa-
carregador de malas, com direito a per- nhia inglesa de n a v e g a ç ã o . lia primeira
noitar num quartinho que servia de ves- oportunidade, mandou buscar dois ir-
tiário para a criadagem. Poucos dias de- m ã o s , uma menina e um rapaz, que se
pois, ofereceu-se para fazer um peque- empregaram na vizinhança. Seus salári-
no reparo num móvel da recep ção do ho- os, durante um bom tempo, foram en-
tel, o que lhe possibilitou exercer a sua tregues a tal parenta que, a p ó s descon-
profisssão anterior e ganhar um salário tar a sua parte no agenciamento, os re-
melhor. Suas habilidades o tornaram co- metia para a Espanha. 32

nhecido nas redondezas. Além do traba- Apesar da guarida dos patrícios, nem to-
lho fixo, passou a fazer biscates. Deixou dos os que aqui desembarcaram foram
o hotel e estabeleceu-se no subúrbio de bem sucedidos. As especificidades do Rio
I n h a ú m a . A oficina, que n ã o passava de de Janeiro — um grande entreposto co-
uma portinha acanhada, transformou-se
mercial, onde se concentravam ativida-
numa serraria."
des p o r t u á r i a s , a d m i n i s t r a ç ã o pública,
Mulheres e crianças cumpriam um ritual bancos, casas c o m i s s á r i a s de café e gran-
semelhante. Quando n á o permaneciam des firmas importadoras — transforma-
agregadas junto a algum parente ou co- ram-se em fortes o b s t á c u l o s para a ab-
nhecido, a espera de uma oportunidade sorção dos hispânicos no mercado de tra-
no c o m é r c i o , empregavam-se como do- balho formal. O problema se tornou ain-
m é s t i c a s em casas de família, p e n s õ e s e da mais grave quando a Abolição tornou
hospedarias. Aliás, era comum a vinda disponível um grande contingente de l i -
de meninas desacompanhadas, contrata- bertos, oriundos de antigas á r e a s pro-
das para este fim, conforme o depoimento dutoras de café da província fluminense
da sra. Joana Villa, que aqui aportou aos e de Minas Qerais, que se deslocou do
11 anos de idade, sozinha, vinda de Pon- interior para a capital do país. Além dis-
te Sesso (La Coruna). Ela justificava sua so, no último quartel do século XIX, uma
s i t u a ç ã o , afirmando que "quem n ã o tra- outra corrente de migrantes desaguou no
balha, n ã o come". E em sua terra natal, Rio, proveniente do nordeste, onde a seca
"plata (dinheiro) era coisa que n ã o se e a e x p a n s ã o das usinas de a ç ú c a r em-

p á g . 190. j u l / d e z 1997
R V O

purravam os agricultores para o centro- antecessores, guardam profundo silêncio


sul. A coexistência de três movimentos sobre as t r a j e t ó r i a s de vida daquelas
35
migratórios na cidade — libertos, nordes- pessoas.
tinos e estrangeiros — iria gerar uma for-
Outros, menos favorecidos ainda, acaba-
te p r e s s ã o demográfica, acompanhada da
ram descambando para o caminho da
respectiva s a t u r a ç ã o do mercado de tra-
marginalidade. Terminaram por engros-
balho. Panorama que n ã o se reverteu,
sar a escória dos malandros, jogadores,
nem mesmo na virada do século, quando
gatunos, prostitutas, assaltantes, vadios
o Rio de Janeiro experimentou um signi-
e rufiões que perambulavam pela cida-
ficativo crescimento econômico no pro-
de, integrando o que J o s é Murilo de Car-
cesso de transição da manufatura para a 36
valho denominou de "Rio s u b t e r r â n e o " .
33
industrialização. O ritmo da multiplica-
Ao contrário daquela 'gente honrada', que
ç ã o das fábricas, assim como o desen-
se perdeu no anonimato, conseguimos
volvimento urbano, se mostrariam dema-
algumas pistas do paradeiro desse gru-
siadamente lentos para absorver tama-
po. Seu rastro ficou gravado nas páginas
nha explosão populacional.
policiais, como o de Constante Muntoza,
37
conhecido passador de moeda falsa. Ou,
"y este sentido, carentes de qua-
então, nos documentos do Ministério da
lificação profissional e sem
Justiça, em que nos deparamos com per-
A \ | escolarização, uma fatia con-
sonagens como J o s é Crespo, que tam-
siderável dos e s p a n h ó i s acabou por per-
bém atendia pelos nomes de J o s é Cres-
filar-se junto à multidão dos jornaleiros,
po Gonçalves e J o s é Iglésias Crespo, es-
ambulantes e agregados urbanos. A sra.
panhol, de 27 anos, solteiro, que se d i -
Joana Villas, em seu testemunho, con-
zia copeiro, detido por furto e vadiagem
tou-nos alguns casos pontuais de "gente
a p ó s seis meses de permanência na c i -
honrada" que, para sobreviver "com um 38
dade. E mulheres, como Dolores
pingo de dignidade", precisou a t é da ca-
Navarro Salsedo, 31 anos, costureira,
ridade dos c o n t e r r â n e o s , tal a situação
segundo seu depoimento, presa sob acu-
de penúria. Famílias inteiras que se aper-
sação de lenocínio, três meses depois de
tavam num único c ô m o d o , "vivendo de
ter dado entrada no Rio de Janeiro, vin-
biscates", e que ao final do m ê s não con- 39
da de Barcelona.
34
seguiam juntar o dinheiro do aluguel. A
m e m ó r i a desses indivíduos, porém, pa- Entre 1907 e 1914, as estatísticas do Bo-
rece n ã o ter deixado vestígios. Pelo que letim Policial' indicam que foram detidos
pudemos perceber, durante as nossas in- 638 espanhóis por cometerem os seguin-
vestigações, seus descendentes, hoje em tes delitos: jogo, porte de arma, briga,
dia c i d a d ã o s respeitáveis, constrangidos mendicância, embriaguez, vadiagem, ul-
pelos legados incômodos dos traje público ao pudor, prostituição e ex-

10 de Janeiro, v. 10, „ • 1. pp. 179-198. Jul/dez 1997 - pag.191


Acervo, R
A C

OpáERVAÇOES ANTMROPOMETRICASy . N O T A C Í IE S . C H R O M .
Alluo tfí-'' laaaaM»>»'
, \mm y//J
v V*c » np."
Pé p . < •'•a-
^ M m . 'f in
c ô r "»
Y- 7 M.l.lr

M i n . t*»q.

B u . l o 0.m Ortlh. dirtiatAf" Dij-Cüb.- e í k / í Ipjns


M.,!. apfMrcnle

Marcas particulares e cicatriza*

Sobrenome e pseudonymo

a
Filho &ÇJC&**<CIM

Profissão ^/^fof'^**^'
Ultima resídeftflrÕCU/cU*. -
Papeis de identidade

Relações
IV Serviços militares
Condem nações anteriores, seu n.'

ar da^deteni; io iaXuvf/M
a» 'Offu, y./i..

Motivo actual; especificação dat delido

VI

Ficha d e identificação policial de Dolores HIJa, imigrante espanhola acusada j u n t o c o m o m a r i d o , A n t ô n i o


B u e n d i o , de exercer lenocínio. São Paulo, 9 de o u t u b r o de 1907. Parte integrante d o processo d e
e x p u l s ã o d e Lúcia Borges. Arquivo Nacional.

p á g . 192. J u l / d e z 1997
R V O

40
ploração do lenocínio. Comentando essa movimento operário, inclusive hispânicos,
incidência, Elísio de Carvalho culpava a teriam sido deportados sob a a c u s a ç ã o
origem dos imigrantes, afirmando que de lenocínio, o gráfico n° 3 induz-nos a
"... a Espanha, na sua atividade anti-so- examinar o problema por um outro ân-
44
cial, é uma s o b r e v i v ê n c i a da b a r b á r i e gulo. na esteira da lei proposta pelo
41
africana ou asiática". naquele mesmo deputado paulista Adolfo Gordo, com o
p e r í o d o , foram processados e repatria- intuito de 'banir os agitadores estrangeiros
dos 37 e s p a n h ó i s residentes no Rio de que contaminam o nosso proletariado', as
Janeiro, nos termos da chamada 'Lei autoridades aproveitaram para 'fazer uma
Gordo' que regulamentou a expulsão de faxina' nas ruas do Rio de Janeiro, descar-
42
estrangeiros. tando-se dos indesejáveis sociais, em es-
pecial daqueles que não faziam parte da
na s é r i e de processos examinados, os
denominada 'boa imigração'.
crimes de vadiagem e lenocínio preva-
lecem, seguidos dos de furto e embria-
guez, evidenciando as mazelas de uma Gráfico 3 - Processos de expulsão de espanhóis:
distribuição por crimes
sociedade em t r a n s i ç ã o , marcada pela (1907-1914)

miséria, em que estruturas arcaicas co-


existiam com a dita modernidade da 'Pa-
ris tropical', idealizada pelos nossos di-
rigentes. Ao c o n t r á r i o do que sugeria
Elísio de Carvalho, nas p á g i n a s do Bo-
letim Policial', esses dados n ã o espelham
a "criminalidade violenta, bárbara e
atávica da i m i g r a ç ã o " , na verdade, eles
constituem uma pequena amostragem do Fonte: Fundo Ministério da Justiça e n e g ó c i o s Interiores,
pacolilhas IJJ' 158; IJJ' 176; IJJ' 143; IJJ' 154, IJJ' 131; IJJ'150,
IJJ'130. IJJ' 159, IJJ' 140. IJJ' 147, IJJ' 159; IJJ' 129; IJJ' 144;
universo de excluídos que povoava a cida- IJJ' 160. IJJ' 145; IJJ' 149, IJJ' 161; IJJ' 154 Arquivo nacional

de. Aliás, a p r o p ó s i t o da alta incidência


A concepção das elites brasileiras de que
de e x p u l s õ e s por lenocínio, numa obra
a força de trabalho estrangeira represen-
recente, Lená Medeiros de Menezes iden-
tava um fator de progresso possuía limi-
tifica, por meio de estudos quantitativos,
tes bem delineados. Como demonstra
uma p r e s e n ç a significativa de prostitutas
J o s é de Sousa Martins, as classes domi-
espanholas nos b o r d é i s cariocas, e m
nantes imaginavam o imigrante "morige-
especial naqueles situados no caminho
rado, sóbrio e laborioso", virtudes da éti-
que ligava o bairro da Lapa à Zona do ca capitalista que deveriam servir de
43
Mangue. modelo para o trabalhador n a c i o n a l . 45

Assim, os anglo-saxões, vistos como os


Apesar das suspeitas levantadas por cer-
imigrantes ideais, eram identificados com
tos autores de que alguns integrantes do

J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 1 79-198. Jul/dez 1997 - p á g . 1 9 3


Acervo, Rio de
A C E

o conhecimento, a técnica e a civilização, feriores da p o p u l a ç ã o carioca a sua pre-


capazes portanto de contribuir para o de- s e n ç a significava uma a m e a ç a . lieste
senvolvimento do país; os italianos po- sentido, o escritor J o ã o do Rio, numa de
deriam ser bem-vindos, desde que na suas c r ô n i c a s , oferece-nos um retrato
condição de braço forte, capaz de subs- sem retoques do que se passava pelas
tituir a m ã o - d e - o b r a escrava na lavoura ruas do Rio de Janeiro. Dizia ele que o
cafeeira. Os e s p a n h ó i s estavam longe de contingente de desembarcados, crianças,
desfrutar desse mesmo conceito, confor- mulheres e homens, "ávidos de dinheiro
me se pode constatar: e gozo", submetia-se a todo o tipo de tra-

A travessa do Comércio ostentou on- balho, realizando tarefas que antes eram

tem à noite o mesmo triste espetáculo desempenhadas por escravos, uma vez

a que nos referimos há dias. Dezenas que encaravam a s i t u a ç ã o de pobreza

de imigrantes espanhóis ali procura- como t r a n s i t ó r i a . Uma e s p é c i e de mal

vam abrigar-se e passar a noite em n e c e s s á r i o , desde que n á o voltassem

promiscuidade e (...) quaisquer que para a sua terra natal, onde teriam de
enfrentar a miséria dos campos e as ci-
sejam as causas é deprimente (...). Acre-
47
dades j á s a t u r a d a s . J á o político e
ditamos que eles não têm direito ao
e n s a í s t a Alberto Torres, preocupado com
acolhimento nas hospedarias do Esta-
a crescente afluência de forasteiros nas
do, nem razão justificada para se quei-
nossas cidades, teorizava sobre o pro-
xarem da falta de ocupação, mas a sua
blema, ao afirmar que:
vagabundagem e sua miséria, ainda
que merecida, não podem continuar ... a imigração quando não se associa-
(...). Dê-se-lhes agasalho, ou permita- va ao latifúndio, constituía um regime
se-lhes que voltem (...), ainda mesmo de privilégio a favor do trabalhador es-
com sacrifício do Estado. Os interesses trangeiro, pois que vedava oportuni-
da boa imigração são muito mais im- dades melhores ao trabalhador nacio-
portantes do que os motivos regula- nal, de que na verdade náo se cogita-
mentares que possam explicar e até jus- va num único programa que pudesse
48
tificar o abandono daquela gente.(...) resgatá-lo ou redimi-lo.
mais vale perder alguns contos de réis Podemos observar que a disputa come-
em fazê-los regressar à Europa, do que çava pela o c u p a ç ã o de um e s p a ç o priva-
tê-los aqui nas ruas como espantalhos do, ou seja, por um c ô m o d o nas
de outros imigrantes, como argumento superlotadas h a b i t a ç õ e s coletivas, onde
aos inimigos da imigração européia para a classe pobre se apinhava. rio e s p a ç o
o Brasil (grifo meu).* 8
público, a situação era a mesma, ü ã o foi
Se para a nata da opinião pública a imi- por acaso que o cronista Luís Edmundo,
g r a ç ã o espanhola n ã o representava um outro observador arguto dos contrastes
fator de progresso, para os extratos in- da sociedade carioca, nas suas a n d a n ç a s

p á g . 1 9* . J u l / d e z 1 997
K V O

pelo centro, nos arredores do morro de tos, mas t a m b é m acerca da nacionalida-


Santo Antônio, colheu este depoimento de de das candidatas aos empregos,
uma negra liberta, que ilustra o drama lieste sentido, o estrangeiro re-
da luta pela sobrevivência, num merca- presentava um adversário perigoso, numa
do de trabalho saturado: contenda em que os nacionais j á entra-
Uma terra táo rica e a gente a morrer vam em desvantagem, visto que as me-

de fome, sem trabalho! Governo mau, lhores oportunidades e r e m u n e r a ç õ e s fi-

que manda buscar gente de fora, cavam com os imigrantes, sobretudo na-

quando aqui sobra gente. Governo que queles setores da economia que não ca-

não cuida de nós. Sorte madrasta que reciam de pessoal qualificado ou semi-

nos persegue desde que nascemos (o qualificado, como o da p r e s t a ç ã o de

grifo é meu). 49 serviços e o comércio de varejo, nicho


em que a maioria dos hispânicos se con-
Para por à prova as palavras dessa a n ô -
centrou.
nima informante, tomemos um caso cor-
riqueiro, como o das mulheres que tra- Decorridos cem anos, os papéis inverte-
balhavam em casas de família. ram-se. Assistimos hoje a um ciclo de re-
Pesquisando na s e ç ã o dos classificados, fluxo, ainda que de proporções modes-
5
nos jornais de época, Mary Heisler Men- tas. ' O centro repulsor, o Brasil dos a l -
d o n ç a Mota descobriu que uma empre- tos e baixos dos planos econômicos. O
gada doméstica branca, de origem anglo- centro de atração, a Espanha da estabi-
s a x ã , p o d i a e m m é d i a conseguir a t é lidade política e financeira, porta de en-
100$000 mensais, com uma folga sema- trada para o ' p a r a í s o ' da Comunidade

nal, vinho nas refeições e horário das 8 Européia. Favorecidos por uma nova le-

à s 19 horas. Portuguesas e espanholas gislação, que lhes estendeu a cidadania,

ganhavam a t é 80$000, enquanto que as descendentes de imigrantes e s p a n h ó i s

negras libertas recebiam 60$000 para o lançam-se na rota inversa das g e r a ç õ e s

mesmo s e r v i ç o e jornada de trabalho precursoras. Caberá indagar se as belas

mais extensa, das 5 à s 19 horas. 50


Essas cidades da terra de Cervantes lhes re-
servam um caminho menos atribulado do
faixas salariais deixavam bem claro os
que o percorrido por seus antepassados
diferentes níveis de hierarquia, estabe-
no Rio de Janeiro.
lecidos n ã o apenas em relação aos liber-

N O T A o
1 • Brasil, Conselho liacional de Estatística, 1970.
2. José Fernando Carneiro. "O Império e a colonização do Rio Qrande do Sul", Fundamentos da
a
cultura rio-grandense. Faculdade de Filosofia, Porto Alegre, 4 série, 1960; José Dacanal et

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 1 79-1 98. jul/dez 1997 - p á g . 195
A C

alii. Rio Grande do Sul: i m i g r a ç á o e c o l o n i z a ç ã o . Porto Alegre, Mercado Aberto, 1980. Mais
recentemente, veja-se, por exemplo, Elizabeth Filippini, Terra, família e trabalho: o n ú c l e o
colonial B a r ã o de J u n d i a í , 1887-1950, d i s s e r t a ç ã o de mestrado, S ã o Paulo. FFLCH, Univer-
sidade de S ã o Paulo, ^1990.
a
3. Caio Prado J ú n i o r , História econômica do Brasil, 14 ed., S ã o Paulo, Brasiliense, 1971;
a
Emilia Viotti da Costa, Da monarquia à república: momentos decisivos, 2 ed., S ã o Paulo,
Livraria Editora C i ê n c i a s Humanas, 1979; Elorestan Fernandes, "Immigration and race relations
in S ã o Paulo", Magnus Mòrner (org.), Kace and class in Latin America, Mova York, Columbia
University Press, 1970. Ver, ainda, Paula Beiguelman, A crise do escrauismo e a grande imi-
gração, S ã o Paulo, Brasiliense, 1981.

4. Poucos trabalhos s ã o dedicados à t e m á t i c a da e m i g r a ç ã o urbana. Ver A n t ô n i o J o r d ã o , O


imigrante espanhol em São Paulo, S ã o Paulo, Departamento de I m i g r a ç á o e C o l o n i z a ç ã o ,
1963. Ver, ainda, Anne Marie Pescatello, Both ends of the journey: an h i s t ó r i c a ! study of
migration and change of Brazil and Portugal, 1880-1914, tese de doutoramento, C a l i f ó r n i a ,
Universidade da C a l i f ó r n i a . 1970; Beaujeu J . Qarnier, "As m i g r a ç õ e s para Salvador", Boletim
Baiano de Geografia, Salvador, 2 (7-8), 1961. Dentre as obras mais recentes, ver Maria Suzel
Qil Frutuoso, Emigração portuguesa e sua influência no Brasil: o caso de Santos — 1850 a
1950, d i s s e r t a ç ã o de mestrado, S ã o Paulo, FFLCM, Universidade de S ã o Paulo, 1990.

5. L ú c i a Maria P. G u i m a r ã e s , Espanhóis no Rio de Janeiro (1880-1914): contribuição à


historiografia da i m i g r a ç á o , tese de livre d o c ê n c i a apresentada ao IFCN da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1988.

6. Magnus Mõrner, Aventureros y proletários: los emigrantes en hispanoamerica, Madrid, Edi-


torial Mapfre, 1992, p. 58.

7. O País, Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 1887.

8. Miguel Martinez Cuadrado, "La burguesia conservadora (1874-1931)", Miguel Artola (dir.),
a
História de Espana Alfaguara VI. 8 ed., Madrid, Alianza Universitad, 1986, pp. 162-165.

9. Javier Martinez Arevallo, "Remessas de emigrantes y balanza de transferencias", Papeles de


Economia Espanola, Madrid, v. 11, 1982, pp. 12-139.

10. Pierre Villar, Historia de Espana. Lisboa, Livros Horizonte, [s.d.], p. 76. C o l e ç á o Horizonte n ° 9.

11. Cf. Miguel Martinez Cuadrado, op. cit., p. 233.

12. Magnus Móner, op.cit., p. 64.

13. Lúcia Maria P. G u i m a r ã e s , " V i s õ e s e d ê n i c a s " , em Maria Tereza Brites Lemos (org.), América
Latina em discussão - Congresso América 92, Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, 1994, pp. 165-171.
a
14. Jordi Nadai, La población espanola, 3 ed., Ariel, Barcelona, 1973, pp. 184-197.

15. Acerca dos valores das passagens t r a n s a t l â n t i c a s , n ã o dispomos de dados em moeda espa-
nhola. P o r é m , para se fazer uma i d é i a de como os p r e ç o s das viagens tornaram-se progressi-
vamente mais a c e s s í v e i s , basta dizer que em 1903 um bilhete de terceira classe G ê n o v a - R i o
de Janeiro custava em m é d i a cem liras. Em 1906, o mesmo bilhete podia ser adquirido por
setenta liras.

16. Gilbraltar, embora fosse p o s s e s s ã o inglesa, era considerado porto livre. Passagens e embar-
ques estavam livres dos impostos e s p a n h ó i s .

17. Magnus Mòrner, op. cit., p. 65.

18. O P a í s , Rio de Janeiro, 4 de fevereiro de 1885. Veja-se, ainda, O País, Rio de Janeiro, 5 de
m a r ç o de 1885.

19. Ver a esse respeito, Lená Medeiros de Menezes, Modernização e imigração no Brasil: progres-
sos e imobilismos (1850-1888), d i s s e r t a ç ã o de mestrado, Niterói, UFF, 1986.

20. Enrique S a s t r é , Carta de . . . . datada de Santander, 20 de novembro de 1891, dirigida ao


deputado geral A n t ã o de Faria. Manuscrito de propriedade da sra. Naida Vânia Petsold Go-
mes, de Porto Alegre. Devo a c ó p i a desta fonte ao prof. Jaime Antunes.

21. Octavio Cabezas Moro (org.), Emigración espanola: e v o l u c i ó n h i s t ó r i c a , s i t u a c i ó n actual y


problemas, Madrid, Instituto Espanol de E m i g r a c i ó n / M i n i s t é r i o dei Trabajo, 1970.
22. Magnus Móner, op. cit., p. 80.

p á g . 196. j u l / d e z 1997
K V O

23. Brasil, Diretoria-geral de E s t a t í s t i c a , Recenseamento, realizado em 31 de dezembro de 1890,


Rio de Janeiro, Oficina E s t a t í s t i c a , 1898, pp. 236-237.

24. Brasil, Recenseamento do Rio de Janeiro (Distrito Federal), realizado em 20 de setembro de


1906, Rio de J a n e i r o , Oficina E s t a t í s t i c a , 1907. Esses n ú m e r o s oficiais t a m b é m s á o
q u e s t i o n á v e i s , considerando as estimativas das entradas ilegais.

25. Magnus Mòner, op. cit. p. 100.


26. Veja-se Oswaldo Porto Rocha. A era das demolições: cidade do Rio de Janeiro, 1870-1920,
d i s s e r t a ç ã o de mestrado. Universidade Federal Fluminense, 1983.
27. Lilian Fessler Vaz, Contribuição ao estudo da produção e transformação do espaço da habi-
tação no Rio Antigo, d i s s e r t a ç ã o de mestrado, IPPUR/UFRJ, 1981.

28. Sheldon Leslie Maram, Anarquistas, migrantes e o movimento operário brasileiro (1890-
1920), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, pp. 19-22.

29. Idem, ibidem, p. 65.


30. Depoimento do sr. Guilherme Sobrero concedido à autora, no Rio de Janeiro, em 12 de
janeiro de 1988.
31. Depoimento da sra. Maria Dolores Cintra, neta e herdeira de J o s é Maria Carreiras, concedido
à autora, no Rio de Janeiro, em 27 de novembro de 1987.
32. O depoimento da sra. Joana Vila foi concedido à autora, no Rio de Janeiro, em 27 de agosto
de 1987. Naquela o c a s i ã o , d. Joana completara cem anos e recebera o título de moradora
mais antiga do bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro.
33. Cf. Eulália Maria Lahmeyer Lobo, História do Rio de Janeiro: do capital comercial ao capital
industrial e financeiro. Rio de Janeiro, IBMEC, 1978, v. 2, p. 463.

34. Depoimento da sra. Joana Vila concedido à autora, no Rio de Janeiro, em 27 de agosto de
1987.
35. Michelle Perrot, "Os segredos dos s ó t á o s " , e "Práticas da m e m ó r i a feminina", Maria Stela
Martins Bresciani (org.), A mulher e o espaço público. Revista Brasileira de H i s t ó r i a , S á o
Paulo, ANPUH/Marco Zero, v. 9, n. 18, p. 12, agosto/setembro de 1989.
36. J o s é Murilo de Carvalho. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a R e p ú b l i c a que n á o foi, S ã o
Paulo, Companhia das Letras, 1987, p. 77.

37. O P a í s , Rio de Janeiro, 17 de julho de 1886.


7
38. Arquivo Nacional, IJJ 158/1223.
7
39. Arquivo Nacional. IJJ 145/834.
40. Boletim Policial, Rio de Janeiro, maio de 1907 a dezembro de 1914.

41. Idem. p. 218.


42. A e n t ã o denominada Lei Gordo refere-se ao decreto n ° 1.641, proposto pelo deputado
federal Adolfo Gordo, que regulamentava a e x p u l s ã o de estrangeiros. Sua origem e s t á liga-
da ao processo de r e p r e s s ã o à s greves o p e r á r i a s que se intensificaram em 1906.
43. L e n á Medeiros de Menezes, Os estrangeiros e o comércio do prazer nas ruas do Rio de
Janeiro (1890-1930). Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1992, pp. 51-52.
44. Cf. Sheldon Leslie Maram. op. cit., p. 43. Ver, ainda, Sheldon L. M., "The immigrant and the
Brazilian labor movement, 1890-1920", Dauril Alden fie Warren Dean (ed.), Essays concerning
the socio-economic history of Brazil and Portuguese and índia, Gainesville, University Press
of Florida, 1977.
45. J o s é de Sousa Martins, O cativeiro da terra, S á o Paulo. C i ê n c i a s Humanas, 1979, p. 130.

46. O P a í s , Rio de Janeiro, 8 de janeiro de 1889.


47. Joáo do Rio, A a/ma encantadora das ruas. Rio de Janeiro, O r g a n i z a ç õ e s S i m õ e s , 1952.
a a
48. Alberto Torres, O problema nacional brasileiro. 3 edição, 5 s é r i e , S á o Paulo, Cia. Editora
Nacional, 1938, p. 244. ( C o l e ç ã o Brasiliana).
o
49. Luís Edmundo, O Rio de Janeiro do meu tempo, Rio de Janeiro. Ed. Conquista, 1957, 2
vol., p. 249.

Acervo, Rio de J a n e i r o , v. . O . n ° 2 . p p . 1 79-1 98. Jul/dez .997 -pág.197


50. Mary Heisler M e n d o n ç a Mota. Imigração e trabalho industrial - Rio de Janeiro (1889-1930),
d i s s e r t a ç ã o de mestrado, Niterói, Universidade Federal Fluminense, 1982, p. 183.

51. Para fins de c o m p a r a ç ã o , veja-se a p r o p o r ç ã o que tomou nos ú l t i m o s anos a e m i g r a ç ã o de


brasileiros descendentes de imigrantes japoneses.

A B S T R A C T
This article analyses the Spanish immigration in Rio de Janeiro between 1880 and 1914. These

immigrants were the third biggest foreign colony in the city during that period.

The author intends to discuss the idea that foreign urban immigration was in competition with

national handwork, mainly those who were settled free after the slavery abolition in 1888.

Cet article analyse Ia route e x p l o r é e par les immigrants Espagnols à Ia ville du Rio de Janeiro,

entre 1880 et 1914. lis ont constitua Ia t r o i s i è m e plus grande colonie d ' é t r a n g e r s au Rio. Par

cette é t u d e de cas 1'auter montre limmigration urbaine en faisant concurrance à Ia main-d'oeuvre

nationale, p a r t i c u l i è r e m e n t celle qu' é t a i t l i b e r é e par 1'abolition de 1'esclavage.


Paula Ribeiro
Mestranda em História Social - PUC/SP.

M^ultiplicidade É t n i c a no
R i o de J a n e i r o
U m i estudo soWe o S

A maioria dos estrangeiros ruas das cidades

residentes no Rio de Janeiro á r a b e s . . . Os

procuram se estabelecer em estabelecimentos pequenos e

bairros onde predominem acanhados n á o revelam o

numericamente seus gosto que preside o c o m é r c i o

p a t r í c i o s . Assim se formam moderno.

bairros de fisionomia singu- E a l í n g u a que ali predomina

lar no panorama urbano. não é o português. É o

Fomos visitar o bairro s í r i o na árabe.

rua da A l f â n d e g a , p e d a ç o do Diário de notícias, m a r ç o de

Cairo transportado ao seio 1933.

da m e t r ó p o l e brasileira... um
P R O J E T O M E M Ó R I A DO S A A R A
aspecto bizarro, pitoresco,

e s p a ç o conhecido hoje como

O:
ú n i c o , impressiona de
1
pronto. | Saara, localizado no centro da
cidade do Rio de Janeiro, em
Lojas m i n ú s c u l a s , verdadei-
uma área protegida pelo corredor cultu-
ros arsenais de bugingan-
ral da prefeitura, é composto por 11 ruas,
gas... fazendo lembrar as

acervo. Rio de J a n e i r o , v. . 0 . „ • 2. pp. 199-2!2, jul/dez 1997 - pao,199


A C E

1.250 estabelecimentos comerciais e é si- cadorias e formas de comercializar na


n ô n i m o , para os cariocas, de comércio região. A entrada dos imigrantes chine-
popular e mercadoria barata. ses, na d é c a d a de 1960, e mais recente-
Mo entanto, no início deste século essas mente dos coreanos, altera mais uma vez
ruas j á eram ocupadas por imigrantes o Saara, tanto do ponto de vista da ocu-
de origem portuguesa que pação quanto do comércio. Essa
c o m e r c i a l i z a v a m , p r i n c i p a l m e n t e , no heterogeneidade étnica e a singularida-
ramo de atacado de tecidos e g ê n e r o s de deste e s p a ç o lhe conferem uma mar-
alimentícios. ca única na cidade.

A posterior o c u p a ç ã o por imigrantes de O Projeto Memória do Saara, constituído


origem semita — libaneses, sírios cris- por uma equipe multidisciplinar de pes-
t ã o s e judeus do Oriente Médio e Europa quisadores, ligados à s linhas de estudos
Central — introduz novos hábitos, mer- da etnicidade e cultura urbana da Coor-

Interior de loja de especiarias no Saara. Rio de Janeiro, 1996. Arquivo CIEC/UFRJ.

p á g . 200. j u l / d e z 1 997
R V O

d e n a ç ã o Interdisciplinar de Estudos Cul- Gravados e transcritos, esses depoimen-


turais - CIEC/Universidade Federal do Rio tos constituem um material de grande ri-
de Janeiro, pesquisou, fotografou e fil- queza sobre a história da imigração no
mou esta região muito pouco estudada Rio de Janeiro e focalizam, num contex-
no contexto da história da cidade. to social e cultural próprio, o Saara.

As referências documentais e O resultado dessa pesquisa foi incorpo-


iconográficas do local s ã o bastante es- rado ao acervo permanente do Núcleo de
cassas, assim como poucos s ã o os rela- Documentação da CIEC. 5

tos de cronistas e memorialistas. A au-


sência de estudos quanto aos grupos ét- SÍRIOS E LIBANESES NO S A A R A

nicos que ali se estabeleceram e a falta

P
ara abordar a q u e s t ã o da cons-
de uma m e m ó r i a organizada desses gru-
trução da identidade cultural do
pos — que pouco registraram e preser-
Saara e a definição de seus ele-
varam sua história — criaram uma gran-
mentos, é n e c e s s á r i o que se entenda
2
de lacuna sobre o tema.
este espaço como possuidor de tradições
A pesquisa da história do Saara baseou- culturais múltiplas, composto por uma co-
se, prioritariamente, nos relatos dos imi- letividade que se mantém através de uma

grantes, suas histórias de vida e trajetó- "... tradição viua conscientemente elabo-

rias. A utilização da história oral como rada que [passa] de geração para gera-

fonte documental permitiu conhecer as- ção, que [permite] individualizar ou tor-

pectos do cotidiano do Saara sob um pon- nar singular e única uma'comunidade re-
6

to de vista mais afetivo e individual, "in- lativamente à s outras". Cada grupo ét-

corporando assim elementos e perspec- nico que ocupa o Saara possui uma cul-
tura própria, perpetuada pela construção
tivas à s vezes ausentes de outras práti-
3 de uma memória que lhe permite dife-
cas históricas".
renciar-se e tornar-se único. E é esta me-
Por meio das entrevistas, apreende-se a
mória que faz com que os grupos se re-
importância do Saara para os que ali se
lacionem uns com os outros e construam
estabeleceram e a m e m ó r i a que compar-
a memória coletiva do lugar.
tilham deste e s p a ç o . Podemos dizer que
as narrativas encontram 'pontos de apoio' Apesar do Saara ser visto como um "es-
7

umas nas outras, atestando a afirmação paço á r a b e ' na cidade, h o m o g ê n e o na


de Maurice Halbwachs para quem a me- sua formação, a presença de imigrantes
mória é vista como um fenômeno social, sírios e libaneses cristãos e de imigran-
e que, ao rememorarmos, "nos coloca- tes judeus sefaradim (oriundos do Orien-
mos no ponto de vista de um ou mais te Médio) e ashkenazim (vindos da Euro-
grupos" e nos situamos "em uma ou mais pa Central e Oriental) configurou um
8

correntes do pensamento coletivo". 4 Saara de unidades e diferenças. Aparen-

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. . 0 . n» 2. pp. 199-212, jul/dez 1997 - p á g . 2 0 1


A C E

temente, os imigrantes de origem á r a b e renças s ã o 'negociadas' e eles se apre-


e os de origem judaica n ã o se diferenci- sentam como um grupo único e h o m o g ê -
am. Por ocuparem o mesmo lugar e nele neo diante da sociedade e, mais especi-
terem criado uma estreita rede de rela- ficamente, junto aos novos grupos de
ç õ e s sociais e comerciais, s ã o vistos, de imigrantes que ocupam o Saara. Daí de-
modo geral, como membros de um mes- riva uma identidade étnica do lugar, ba-
mo grupo. A interação entre eles que, a seada não apenas na idéia de demarca-
princípio, poderia ser vista como "com- ção de um e s p a ç o na cidade, mas tam-
petitiva e conflituosa" é, ao c o n t r á r i o , bém buscando uma unidade de interes-
"componente essencial para o processo ses comercial e cultural, para preservar
de formação e de definição" do e s p a ç o seus valores é t n i c o s . 10

9
Saara.
Criam, como uma grande 'estratégia' de
Os judeus n ã o devem ser analisados ape- sobrevivência e p e r m a n ê n c i a , o que o
nas sob o prisma da religião mas, sim, descendente de imigrantes libaneses
pela diversidade de línguas, de costumes Demétrio llabib chama de "uma peque-
e, até mesmo, de origens. Possuem, no na ONU no Rio de Janeiro".
entanto, uma identidade própria, que se
E essa é a nossa Saara, uma c o n v i v ê n -
denomina identidade judaica, que impri-
cia entre á r a b e s , judeus, coreanos, pa-
miram ao local e que os distingue.
lestinos, brasileiros, portugueses, es-

Os imigrantes de origem síria e libanesa p a n h ó i s . Hoje, n ó s temos aqui uma pe-

t a m b é m possuem t r a ç o s culturais dife- quena ' n a ç ã o Unida'. Aqui no Saara

rentes, e imprimiram ao local marcas que v o c ê encontra de tudo, todas as religi-

ali se perpetuaram. Ma sua maioria s ã o õ e s , todos os times de futebol. S ó que

c r i s t ã o s , mas se d i f e r e n c i a m entre
maronitas e ortodoxos; em menor n ú m e -
ro, os católicos melquitas e os muçulma-
nos. A p r e s e n ç a de outros imigrantes,
como os a r m ê n i o s , os gregos, os espa-
nhóis, associada aos de outras culturas,
fazem do Saara um e s p a ç o diferenciado
e de m u l t i p l i c i d a d e é t n i c a no Rio de
Janeiro.

É interessante notar, no entanto, que,


apesar das diversidades e das adversi-
dades 'tradicionais' entre á r a b e s e j u -
deus, eles tendem a se reunir e a agir
Logotipo de loja de família libanesa no Saara.
conjuntamente naquele e s p a ç o . As dife- Rio de Janeiro, 1996. Arquivo CIEC/UFRJ.

p á g . 202 . j u l / d e z 1 997
V o

é expressamente proibido discutir raça, No censo de 1906, a freguesia do Sacra-


r e l i g i ã o e cor. " mento — região que incorporava o que é
hoje o Saara — registrava um grande nú-
A R U A DA A L F Â N D E G A E A mero de estrangeiros recenseados, entre
'TURQUIA PEQUENA' eles os portugueses e os de origem 'síria';
no censo de 1920, é expressiva a presença

O
perfil da atual comunidade do
de imigrantes da Turquia-asiática'.
Saara c o m e ç o u a ser traçado
em fins do século XIX, quando Os primeiros s í r i o s e libaneses come-

se identifica a chegada dos primeiros imi- çaram a chegar ao Brasil ainda nos anos

grantes de origem síria e libanesa. Eles 70 do s é c u l o passado. Todas as esta-

se estabeleceram nas imediações da pra- t í s t i c a s a seu respeito s ã o imprecisas,

ça da República e da rua da Alfândega, pois foram registrados como turcos,

que j á existia no século XVII com o nome t u r c o - á r a b e s , s í r i o s ou libaneses...

de caminho do Çapueruçu e era a princi- Knowlton apurou contingentes mo-

pal rua da região. Essa área era ocupa- destos e irregulares a t é por volta de

da, simultaneamente, por residências e 1895; daí em diante o fluxo

pelo comércio, abrigados num conjunto i m i g r a t ó r i o se adensou para, a partir

a r q u i t e t ô n i c o originário do século XIX. de 1903, crescer ininterruptamente a t é

Havia, ainda, um grande atacado de te- as v é s p e r a s da Primeira Querra. O ano

cidos e produtos importados de propri- de 1913 registrou a chegada de 11.101


12
edade de imigrantes de origem portuguesa. imigrantes. Nos anos 2 0 o movimento

foi revitalizado com um contingente


As ruas adjacentes, como a Senhor dos
ao redor de 5 mil entradas anuais. A
Passos, a Buenos Aires — em outros tem-
partir de e n t ã o , a d e p r e s s ã o e o siste-
pos chamada de rua do Hospício —, a
ma de cotas adotado pelo governo bra-
avenida Tome de Sousa, e n t ã o rua do
sileiro colocaram o movimento
Núncio, e que hoje tem sua continuação 13
i m i g r a t ó r i o em n í v e i s baixos.
chamada de República do Líbano, tam-
bém faziam parte do que ficaria conhe- Os imigrantes sírios e libaneses que che-
cido como 'Turquia pequena'. Caracteri- garam ao Rio de Janeiro, no final do s é -
zavam-se pelos sobrados antigos que culo XIX, eram, na maioria, rapazes sol-
serviam tanto de moradia para os imi- teiros, cristãos, de cidades pequenas e
grantes quanto para as atividades eco- de aldeias agrícolas. Vieram de regiões
nômicas, centradas no comércio de ar- que faziam parte do território da Grande
marinhos e de g ê n e r o s alimentícios, além Síria, que estava sob a dominação turco-
das atividades ligadas ao atacado de te- muçulmana do Império Otomano. No Lí-
cidos — importador e exportador — como bano, os conflitos religiosos entre católi-
cordoarias, caixotarias e d e p ó s i t o s . cos e drusos — seita derivada de uma

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 199-2 1 2 . j ul/dez 1997 - pág.203


c i:

dissidência islâmica — eram intensos, as- grantes que, logo, s ã o apelidados gene-
sim como na Síria que, no final do século ricamente de 'turcos', como pode ser
passado, presenciava conflitos religiosos conferido pelo depoimento de Demétrio
entre cristãos e m u ç u l m a n o s . 14
Em am- Habib ao Projeto Memória do Saara:
bos os p a í s e s , a desigualdade social e Papai nasceu em Beirute, capital do
religiosa e o intervencionismo turco- Líbano, e por ser cristão-ortodoxo e
otomano, que dominou a região a t é o fi- para fugir da perseguição otomana, ele
nal da Primeira Guerra Mundial, levaram veio para o Brasil. Em boa hora, pois
à e m i g r a ç ã o , que foi bastante expressi- esse é um país maravilhoso. Então vem
va no final do século XIX e início do XX. no seu passaporte: local de nascimen-
Ma América do Sul, a l é m da Argentina e to: Beirute; nacionalidade: síria; pas-
do Uruguai, o Brasil recebe esses imi- saporte: turco. Daí nós sermos chama-

Imigrantes a r m ê n i o s n o Rio d e J a n e i r o . D é c a d a d e 1 9 3 0 . A r q u i v o particular.

p á g . 2 0 4 . Jul/dez 1997
K V O

dos de 'turcos'. A priori era uma pretensa numa s i t u a ç ã o melhor e aí surgiu um

nacionalidade... depois passou a ser pe- sobrado... montamos um depósito

jorativo. de meias. E aí c o m e ç o u a nossa vida.

Sabiam pouco do Brasil: as notícias che- A maioria, no entanto, iniciou a vida


gavam por cartas que contavam as mara- como vendedor ambulante — atividade
vilhas do país e despertavam a curiosida- que, no Rio de Janeiro do final do s é -
de e o desejo da imigração. Muitos, no en- culo passado, era desempenhada pe-
tanto, i m b u í d o s de um espírito aventurei- los imigrantes portugueses e, posteri-
ro, sonhavam em 'fazer a América', pros- ormente, pelos italianos. A ajuda inicial
perar e retornar ao país de origem. De para adquirir mercadorias era muito
uma forma geral, adaptaram-se facilmen- importante, e o primeiro crédito na loja
te, e, apesar de originários de regiões agrí- de um patrício correspondia a um voto
colas, estabeleceram-se nos centros urba- de confiança ao r e c é m - c h e g a d o . Ven-
nos e dedicaram-se à s atividades comer- diam cortes de fazenda, artigos de ar-
ciais. Os r e c é m - c h e g a d o s instalavam-se marinho e colchas, e eram conhecidos
próximos uns aos outros, o que permitia a como mascates. Alguns foram trabalhar
criação de um núcleo de imigrantes de uma como representantes comerciais em fir-
mesma origem, muitos oriundos de uma mas atacadistas e viajaram para o in-
mesma cidade e de uma mesma família. terior do estado do Rio, Bahia e Minas
Gerais, oferecendo tecidos e miudezas.
Trabalhavam c o m afinco e procuravam
Ma década de 1920, o Brasil é o país
conseguir recursos para iniciar um negó-
que mais recebe imigrantes libaneses,
cio próprio, como foi o caso da família de
no Rio de Janeiro, um grande número
imigrantes a r m ê n i o s Paboudjian, que che-
estabeleceu-se na rua da Alfândega —
gou ao Rio de Janeiro em 1926:
'rua dos Turcos'— ou no chamado 'bair-
Houve um massacre de a r m ê n i o s pela
ro árabe', com trajetórias semelhantes
T u r q u i a . . . meus pais [fugiram para] o
à do imigrante Wadih Bedran, de Zahle,
L í b a n o . . . O destino deles era o Uruguai,
no Líbano:
mas chegando aqui no cais do porto do
Meu pai era agricultor... nozes, a m ê n -
Rio de Janeiro houve um problema com
doas, uva, figo para consumo. A mi-
a s a ú d e p ú b l i c a . . . um problema na vista
nha m ã e veio para o Brasil... veio mo-
e n ã o p o d i a m seguir viagem. Meu pai
rar na praça da R e p ú b l i c a .
c o m e ç o u torrando amendoim, ele tor-

rava, a minha m ã e ensacava e eu vendia Ele tinha que tomar conta da terra lá

na porta do Campo de Santana. Depois e ela veio com os parentes dele. Veio

ele c o m p r o u uma banca de cigarros e para g a n h a r d i n h e i r o , v e n d e r na

c o m e ç o u a vender na rua da A l f â n d e g a , rua... a p r o f i s s ã o aqui, para todos os

na esquina de Tome de Sousa. J á estava libaneses.

« e r v o . Rio de Janeiro. ». 10. n ° 2. pp. 199-212. Jul/dez 1997 - pág.205


A C E

Eu vim depois e comecei a trabalhar Também em 1910, 1911, 1912, vi-

na mesma coisa que ela... nham muitos, fugindo do militarismo.

A Turquia mandava a rapaziada servir


As p e r s e g u i ç õ e s religiosas e as dificul-
o e x é r c i t o , eles n ã o queriam servir o
dades e c o n ô m i c a s em suas terras de ori-
e x é r c i t o turco. E todo mundo quando
gem t a m b é m trazem os judeus à rua da
tinha 14, 15 anos vinha para o Brasil.
Alfândega.
Meu primeiro i r m ã o , Eliahu, veio em
O fluxo da imigração judaica para o Bra-
1926. Pio navio dele vinham mais qua-
sil foi, de certa forma, irregular e depen-
renta f a m í l i a s . O segundo, chama-se
deu de fatores vários, como as persegui-
J o s é , chegou em 1928 e começou a
ç õ e s religiosas em seus p a í s e s de ori-
trabalhar como vendedor ambulante.
gem e a convocação dos jovens para um
Em 1929, chegou o outro, Aslam, que
serviço militar abusivo. Antes da Primeira
veio com 13 anos para se juntar aos
Guerra Mundial, os judeus chegaram ao 1 6
irmãos.
Rio de Janeiro impulsionados por proble-
Os imigrantes judeus sefaradim reconhe-
mas e c o n ô m i c o s e p e r s e g u i ç õ e s anti-
ciam, na rua da Alfândega e cercanias,
semitas, além de atraídos pelo sonho de
uma região de similaridades. Mesmo sen-
ir para a América'. Na d é c a d a de 1920,
do muito religiosos e tradicionalistas,
muitos imigrantes judeus chegaram ao
adaptaram-se com facilidade à cidade e
país, o que se deve t a m b é m ao fato de
iniciaram suas vidas profissionais como
estarem em vigor as leis restritivas à sua
vendedores ambulantes ou como peque-
entrada nos Estados Unidos e na Argen-
nos comerciantes do ramo de tecidos. As
tina, p a í s e s preferidos por muitos deles.
famílias eram numerosas e a comunida-
A maioria entra pelo porto da cidade do
de muito unida. Criaram mais afinidades
Rio de Janeiro, e n t ã o capital da Repúbli-
com os brasileiros e com os comercian-
ca, que j á possuía uma comunidade j u -
tes á r a b e s vizinhos — com quem se co-
daica estruturada, com sociedades bene-
municavam em á r a b e ou francês — do
ficentes, sinagogas e o r g a n i z a ç õ e s de
15 que com os judeus as/i/cenazim, estabe-
auxílio aos imigrantes.
lecidos na praça Onze e que falavam o
O depoimento de Ibrahim Belaciano ates- ídiche. Os judeus poloneses, romenos,
ta a trajetória de uma família judaica, da lituanos e russos, de origem ashkenazita,
cidade de Sidon, no Líbano: em geral, eram a r t e s ã o s — sapateiros,

Meus i r m ã o s j á estavam no Brasil há alfaiates, marceneiros — e, no início,

muito tempo. Nos anos de 1920, 1925, sem poderem exercer seus ofícios, foram

1930, todo mundo s a í a do L í b a n o por- trabalhar como klienteltshik — 'cliente-

que era um campo pequeno. Era moda la', 'prestamista'. Venderam, t a m b é m ,

vir para a A m é r i c a , 'fazer a A m é r i c a ' , cortes de fazenda e roupas de cama e

diziam que aqui tinha ouro no c h á o . mesa, mas, posteriormente, passaram a

p á g . 2 0 6 , jul/dez 1997
R V O

comercializar artigos menores, mais le- veis, comprava e vendia à p r e s t a ç ã o


17
ves, como relógios, jóias e guarda-chuvas. para o cliente.

Os mascates s í r i o s e libaneses e os Os imigrantes ocuparam a região de uma


klienteltshik (prestamistas judeus) forma 'intuitiva e e s p o n t â n e a ' e ali re-
produziram um espaço de moradia e tra-
t ê m em comum o fato de serem ven-
balho próprios de seus países de origem.
dedores ambulantes, de carregarem a
Criaram uma ' o r g a n i z a ç ã o espacial de
mercadoria consigo e, sobretudo, pre-
natureza étnica' manifestada na forma de
encherem a f u n ç ã o de circuladores de
comercializar, na estética e na própria se-
bens e c o n ô m i c o s e de difundir p a d r õ e s
leção dos bens oferecidos. Os restauran-
e ideais urbanos... a d i f e r e n ç a entre
tes árabes, os cafés onde os imigrantes
eles reside no e s p a ç o físico-geográfi-
se reuniam, jogavam g a m á o , fumavam o
co da a ç ã o e c o n ô m i c a .
narguilé e tocavam o alaúde, as lojas de
Os prestamistas atuavam nos subúrbios especiarias com os nomes escritos em
e bairros da cidade; os mascates, além caracteres árabes, da direita para a es-
dos s u b ú r b i o s e periferias, iam à zona querda, imprimiam ao local suas marcas
18
rural e à s á r e a s fora do estado. étnicas. Sob uma "forte vontade de pre-
servação da sua identidade", os imigran-
O imigrante judeu libanês Elias
tes fizeram "do espaço do Saara uma ver-
Belassiano testemunhou:
dadeira ilha árabe em pleno centro do
A gente carregava embrulho que tinha Rio". ,s

vinte, trinta p e ç a s de fazenda cada uma

de três metros e oferecia... era Os imigrantes sírios e libaneses, apesar

tricoline, seda, a maioria inglesa. Eu das diferenças regionais e religiosas, cri-

comprava nos atacadistas da rua da aram clubes, organizações beneficentes

A l f â n d e g a . . . comprava em dinheiro e e instituições religiosas. O clube Sírio L i -

vendia a prazo. Era assim que a gente banês foi fundado em um sobrado na rua

trabalhava. lia S a ú d e , na Sacadura da Alfândega e a Sociedade Cedro do Lí-

Cabral, na favela, no morro da Provi- bano, que funcionava na rua Senhor dos

d ê n c i a . . . A freguesa pedia terno, a Passos, era considerada uma 'sociedade

gente mandava fazer na alfaiataria; patriótica libanesa'. Fundaram t a m b é m a

anel, que o filho ia virar doutor? A gen- Missão Libanesa Maronita que deu origem

te comprava; anel para professora? A à construção da Igreja Maronita no Rio

gente ia na joalheria e mandava fazer. de Janeiro. Em 1941, nascia o Senhor dos

Comprava anel com estrela por um pre- Passos Futebol Clube que, além de time

ç o e vendia mais caro porque ela ia de futebol, realizava bailes, o concurso

pagar à p r e s t a ç ã o . Até d o r m i t ó r i o para Miss Senhor dos Passos e organizava

casa a gente vendia. Ia na casa de m ó - eventos ligados ao carnaval e outras fes-

Acervo, Rio de J nelro. v. 10. n ° 2. pp. 199-2 1 2. jul/dez 1997 - p á g . 2 0 7


A C E

tas brasileiras. O carnaval era muito co- se mais uma vez a m e a ç a d a pela execu-
memorado na região, que possuía casas ção de um antigo projeto urbanístico de
tradicionais de artigos carnavalescos, construção da avenida Diagonal, que pas-
como a Turuna. saria sobre grandes trechos das ruas
Alfândega, Senhor dos Passos e Buenos
Mas d é c a d a s de 1940 e 1950, o centro
Aires. Os comerciantes mobilizaram-se
da cidade sofreu modificações urbanísti-
contra o projeto, utilizando como princi-
cas que atingiram a rua da Alfândega e
pal argumento que a região era um gran-
suas a d j a c ê n c i a s . Paralelamente, o
de centro arrecadador de impostos para
declínio do comércio atacadista na região,
o e n t ã o estado da Quanabara. A entre-
em função das transformações e c o n ô m i -
vista com um dos membros da primeira
cas no país, t a m b é m modificou radical-
diretoria da SAARA revela como aconteceu:
mente o local, que se tornou uma área
exclusivamente comercial. A introdução Tinha aquele problema também de ur-
do varejo e a modificação da indústria banização do centro da cidade.
da moda e do c o m é r c i o trouxeram um
Modernização, construção da via ele-
movimento novo e diferente ao Saara,
vada que passaria por dentro do Saara
popularizando-o.
e acabaria com o Saara, dividiria o
A c o n s t r u ç ã o da a v e n i d a P r e s i d e n t e Saara.
Vargas transferiu muitas famílias de imi-
Viria da Lapa até a Central do Brasil.
grantes para outros bairros da cidade,
Cortaria a nossa, a nossa Saara.
entre eles a Tijuca, que "lembrava o Lí-
bano por seu clima e montanhas", fato Havia uma ação de despejo... pra de-
este que aconteceu com a família de molir os prédios. Então, fortificou-se
Isaac Migri: mais a associação em defesa dos co-
merciantes.
Eram duas ruas: do lado de lá, São
Pedro, e do lado de cá. General Câma- Esse projeto não foi avante porque
ra, que ia desembocar na praça Onze. Carlos Lacerda veio aqui à região ad-
Getúlio Vargas abriu isso tudo... em ministrativa na rua Tome de Sousa e,
1940 demoliu tudo aquilo, então as ouvindo os comerciantes, na época, ...
famílias que moravam ali tiveram que sentou, pegou o documento, assinou,
sair. Foram pra Tijuca. Então a nossa anulou e acabou.
família, a nossa comunidade, vamos
A Sociedade de Amigos das Adjacências
dizer assim, ela começou a ir pra
da Rua da Alfândega - SAARA é fundada
Tijuca. Um foi, o outro foi... e nova-
neste contexto de mobilização dos comer-
mente nos juntamos... Em 1949 nos
ciantes que resistiam à s m u d a n ç a s im-
mudamos.
postas pelo poder público e que lutavam
Mo final da d é c a d a de 1950, a região viu- por permanecerem na região. A primei-

p á g . 2 0 8 , jul/dez 1997
K V O

ra diretoria da Sociedade era majoritari- mente e que trabalham, basicamente,


21
amente composta por imigrantes de ori- com a confecção de roupas baratas.
gem á r a b e e por seus descendentes. Seus
A peculiaridade do e s p a ç o Saara confi-
depoimentos apontaram para a coincidên-
gura-se pela permanência, até os dias de
cia da sigla que, apesar de estar "ligada
hoje, n ã o apenas de seu conjunto
à entidade comercial, permite a um gru-
arquitetônico, mas, sobretudo, da
20
po étnico se reconhecer neste e s p a ç o " .
multiplicidade de etnias e culturas que ali
convivem por quase um século.
De forma bastante criativa, os comerci-
antes apropriaram-se de uma imagem Os filhos e netos dos imigrantes sírios e
dos p a í s e s á r a b e s no Ocidente e criaram, libaneses — católicos e judeus — embo-
e n t ã o , o marketing do lugar. ra imprimam ao Saara uma nova marca,
conservam aquela identidade trazida e
Mo final da d é c a d a de 1950, chegaram
mantida por seus ascendentes. Assim,
os imigrantes da China Continental e na
eles preservaram a memória do Saara.
d é c a d a de 1960, os chineses de Taiwan
(Formosa), introduzindo novos ramos de Mo artigo "A invasão chinesa no Saara",
comércio, artigos para presentes e fes- Jornal do Brasil, em setembro de 1996,
tas. S ã o muitas vezes confundidos com o filho de um imigrante libanês acentua
os coreanos que vieram mais recente- a importância da manutenção dessa iden-

.migrante l i b a n ê s n o interior d e u m a loja de roupas n o Saara. Rio d e J a n e i r o . 1996. A r q u i v o C I E C / U F R J .

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 199-212. jul/dez !997 - pá .209


9
A E

tidade para que o Saara p e r m a n e ç a imu- será sempre dos imigrantes á r a b e s e j u -


tável em sua forma original: "... mesmo deus. liosso nome e a maneira de fazer
se um dia ficarmos em minoria, a Saara se p e r p e t u a r ã o " .

N O T A S
1. A sigla SAARA corresponde à Sociedade de Amigos das A d j a c ê n c i a s da Rua da A l f â n d e g a ,
criada em 1962 por um grupo de comerciantes estabelecidos entre o q u a d r i l á t e r o formado
pela avenida Presidente Vargas, p r a ç a da R e p ú b l i c a (Campo de Santana), rua Buenos Aires e
rua dos Andradas, e as transversais av. Tome de Sousa, ruas Regente Feijó e G o n ç a l v e s Ledo,
av. Passos e rua da C o n c e i ç ã o . O texto tratará como Saara o e s p a ç o g e o g r á f i c o que respeita
os limites da a d m i n i s t r a ç ã o da Sociedade e a forma que, popularmente, este trecho da á r e a
central do Rio ficou conhecido.

2. A h i s t ó r i a da i m i g r a ç ã o para o Rio de Janeiro é um assunto pouco explorado. Os trabalhos


dos brasilianistas Clark Knowlton, Sírios e libaneses: mobilidade social e espacial. S ã o Pau-
lo, Anhembi, 1960, e Jeff Lesser, Pawns of powerful: Jewish immigration to Brazil, 1904-
1945, Mew York University, Ph.D. dissertation, 1989, s á o pioneiros e servem de r e f e r ê n c i a
sobre o tema.

3. J a n a í n a Amado e Marieta de Morais Eerreira ( coords.). Usos Se abusos da história oral. Rio de
Janeiro, Editora da f u n d a ç ã o G e t ú l i o Vargas, 1996, pp. xiv-xv.

4. Maurice flalbwachs. A memória coletiva, S á o Paulo, V é r t i c e , Editora Revista dos Tribunais.


1990, p. 36.

5. Em outubro de 1996 realizou-se, como um dos produtos finais do projeto, uma e x p o s i ç ã o


no E s p a ç o Cultural dos Correios intitulada "Do tropical i n g l ê s ao blue jeans — e x p o s i ç ã o
sobre a m e m ó r i a do Saara" que revelou a riqueza cultural e h i s t ó r i c a dessa r e g i ã o . A t r a v é s de

p á g . 2 10, J u l / d e z 1997
V o

objetos, fotos e documentos contou-se a trajetória dos imigrantes que ali se estabeleceram
a l é m de v á r i o s aspectos do lugar, das ruas, de seu c o m é r c i o e cotidiano.
6. Roberto da Malta, Relativizando: uma i n t r o d u ç ã o à antropoloqia social, P e t r ó p o l i s Vozes
1981, p. 48.
7. O termo ' á r a b e ' é utilizado, no texto, para se referir aos imigrantes de origem síria e libanesa,
de r e l i g i ã o cristã e m u ç u l m a n a , sem considerar o significado da identidade á r a b e para cada
um destes grupos.
8. Susane Worcman (coord.). Heranças e lembranças: imigrantes judeus no Rio de Janeiro Rio
de Janeiro, ARI/CIEC/MIS, 1991, pp. 318-327.
Em hebraico as/i/cenaz/m significa os judeus oriundos de Ashkenaz'. A d e n o m i n a ç ã o é apli-
cada à q u e l e s que seguem a t r a d i ç ã o originária desta r e g i á o e que se dispersaram a t r a v é s dos
tempos pela Europa Central e Oriental. O termo hebraico sefaradim significa natural de
Sefarad. Hoje em dia, a d e n o m i n a ç ã o é usada em r e l a ç ã o aos judeus pertencentes à s comu-
nidades orientais do Morte da África, Oriente Médio e M e d i t e r r â n e o .
9. Consultar Kathleen Meils Cozen et al., "The invention of ethnicity: a perspective from the
USA", Journal of American Ethnic History, Fali 1992, p. 5.
10. Giralda Seyferth, "Etnicidade e grupo é t n i c o " , em Benedito Silva (coord.). Dicionário de
ciências sociais da Fundação Qetúlio Vargas. Rio de Janeiro, Ed. FQV, Instituto de Documen-
t a ç ã o , 1986, pp. 436-437, 530-532.
11. Depoimento cie D e m é t r i o Habib, filho de imigrante l i b a n ê s estabelecido comercialmente no
Saara. Ver Annabella Blyth, Cristalização espacial e identidade cultural: uma abordagem da
h e r a n ç a urbana (o Saara na á r e a central da cidade do Rio de Janeiro), d i s s e r t a ç ã o de mestrado.
Instituto de Q e o c i ê n c i a s da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991, v.
2, p. 124.
12. A n t ô n i o Pedro A l c â n t a r a (coord.). Estudo arquitetônico do Saara, Rio de Janeiro, Banerj/
F u n d a ç ã o Roberto Marinho, s.d., 5 vols.
13. Oswaldo M. S. Truzzi, De mascates a doutores: s í r i o s e libaneses em S ã o Paulo, S ã o Paulo,
Editora S u m a r é / F A P E S P ; Brasília, CNPq. 1991, pp. 7-8.
Sobre i m i g r a ç á o á r a b e para o Brasil, ver t a m b é m Clark S. Knowlton. op. cit.; Tanus J . Bastani,
O Líbano e os libaneses no Brasil, Rio de Janeiro, Est. de Artes Gráficas, 1945; Jorge Safady,
A imigração árabe no Brasil. S ã o Paulo, tese de doutorado apresentada à FFLCH da USP,
1972; Taufik Kurban, Os sírios e libaneses no Brasil, S ã o Paulo, Impressora Paulista Ltda.,
1933; Berliet J ú n i o r , O romance de um imigrante: vida e obra de Gabriel Habib, Rio de
Janeiro, 1988, s.n.t.
14. Osvaldo M. S. Truzzi, op.cit., p. 12.
15. Jeff H. Lesser, op. cit.
16. Depoimento de Ibrahim Belaciano, imigrante judeu l i b a n ê s que foi p r o p r i e t á r i o de loja no
Saara. Susane Worcman, op.cit., pp. 49-50.
17. Sobre os judeus as/i/cenazim no Rio de Janeiro, na d é c a d a de 1930, ver Samuel Malamud,
Recordando a praça Onze, Rio de Janeiro, Kosmos Ed., 1988.
Sobre os judeus sefaradim no Rio de Janeiro quase n ã o há literatura especializada.
18. Helena Lewin, "A economia errante". C o m u n i c a ç ã o apresentada no s e m i n á r i o "O olhar judai-
o
co, perspectivas na cultura brasileira", promovido pela CIEC/UFRJ, entre 30 de agosto e I de
setembro de 1989, pp. 6-7. Ver t a m b é m Jeff Lesser, Judeus são turcos que vendem à crédi-
to: a v i s ã o da elite brasileira sobre judeus e á r a b e s , 1930-1945, s.n.t.
19. Mohammed Elhajji. Espaços da etnicidade: estudo desenvolvido no contexto do projeto
M e m ó r i a do Saara. Rio de Janeiro. 1994, digitado, pp. 123-124.
20. Mohammed Elhajji, op. cit., p. 130. "Os r e s p o n s á v e i s pela c r i a ç ã o da entidade j u r í d i c a e
associativa SAARA sempre tentaram convencer que foi um puro acaso se uma tal denomina-
ç ã o lembra o deserto e, por c o n s e q ü ê n c i a , um conjunto de c l i c h ê s e e s t e r e ó t i p o s relativos à
imagem dos p a í s e s á r a b e s no i m a g i n á r i o ocidental... P o r é m , essa a r g u m e n t a ç ã o é realmente
pouco p l a u s í v e l , j á que a t é a f o r m u l a ç ã o do nome fica pelo menos sintaticamente errada",
pois o que deveria ser Sociedade dos Amigos da Rua da A l f â n d e g a e A d j a c ê n c i a s - SARA A
passou a ser Sociedade dos Amigos e A d j a c ê n c i a s da Rua da A l f â n d e g a - SAARA, p. 134.
21. Sobre a i m i g r a ç ã o chinesa para o Brasil ver Juan Hung Hui, Chinos en América, Colección
A m é r i c a , Crisol de Pueblos, Madrid, Editorial MAPFRE, 1992, pp. 127-131, 144 e 255; e
Pedro Paulo Lomba, "A floresta dos chineses", Jornal do Brasil, 13.12.1995.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 199-212. J u l / d e i 1997 - pag.211


A B S T R A C T
This article focuses the "Saara', a traditional commercial space in downtown Rio de Janeiro, and

shows its ethnic heterogeneity and peculiarity in the context of the city. Based on the memories

of Syrian and Lebanese immigrants, established at the end of the 19* century, it describes the

construction of a particular cultural identity.

R É S U M É
Cet article a pour but 1'étude du 'Saara', une r é g i o n traditionnelle de commerce au centre de la

ville du Rio de Janeiro. II d é v o i l e son h é t é r o g é n é i t é ethnique et ses s p é c i f i c i t é s dans le contexte

de cette r é g i o n . Prennant en c o n s i d é r a t i o n les m é m o i r e s des immigrants Syriens et Libanaises,


me
é t a b l i s à cette ville vers la fin du XIX' s i è c l e , il d é c r i t la construction d'une i d e n t i t é culturelle

particulière.
P E R F I L I N S T I T U C I O N A L

IVIemorial do Imigrante
Marco Antônio Xavier
Historiógrafo e m u s e ó l o g o
do Museu da Imigração. Pós-graduando do Departamento
de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

cem suas origens e não valori-

O
:morial do Imigran-
Memo
>rgáo vinculado zam as contribuições históricas

Departamento de • e culturais dos imigrantes em


ao De
Museus e Arquivos da Secreta São Paulo.

ria de Estado da Cultura de Sáo Paulo, Instalado em um dos poucos edifícios

foi criado em 6 de abril de 1998 com o centenários da cidade de São Paulo, o Mu-

objetivo de reunir, preservar e expor a seu ocupa parte da antiga Hospedaria de

d o c u m e n t a ç ã o , m e m ó r i a e objetos dos Imigrantes, um imponente complexo de

que vieram para o Brasil em busca de prédios, construídos entre 1886 e 1888

e s p e r a n ç a s , aventuras, fortuna ou sim- no bairro do Brás, com a Finalidade de

plesmente fugindo de uma situação difí- receber e encaminhar ao trabalho os imi-

cil nas suas pátrias de origem. Ele é com- grantes trazidos pelo governo do esta-

posto pelo Museu da Imigração, existen- do. Essa Hospedaria veio substituir a an-

te desde 1993, pelo Centro de Pesquisa terior, que funcionava desde 1882 no

e D o c u m e n t a ç ã o , Núcleo Histórico dos Bom Retiro, com capacidade para somen-

Transportes e Núcleo de Estudos e Tradi- te quinhentas pessoas, e havia se torna-

ções. A pedra angular desse complexo é do insalubre, em virtude das epidemias

o Museu da I m i g r a ç ã o , comprometido de varíola e difteria que assolavam aque-

com as novas g e r a ç õ e s que desconhe- le bairro. Com o aparecimento das pri-

v. 10. n° 2. pp. 213-218. jul/dez 1997 - p á g . 2 1 3


Acervo. Rio de Janeiro
A C E

meiras indústrias o perfil da m ã o - d e - o b r a de trem. Desembarcavam numa e s t a ç ã o


ganharia mais uma faceta, surgindo uma na própria Hospedaria e durante o tem-
classe operária'numerosa, forte e po de p e r m a n ê n c i a (máximo de oito dias)
combativa. contavam com alojamentos, refeições,
serviços m é d i c o s e colocação em empre-
Esse processo, conhecido como imigra-
gos. Eram atendidas cerca de t r ê s mil
ção massiva, j á ocorria desde a metade
pessoas por vez e, em casos extremos,
do século XIX, n ã o tendo, portanto, iní-
até oito mil. Findo o prazo, faziam nova
cio com a abolição da escravatura, como
viagem de trem a t é as fazendas no inte-
se propala erroneamente. O fim da es-
rior do estado ou aos n ú c l e o s coloniais.
cravidão, na verdade, colocou em xeque
o sistema de trabalho nas fazendas, tor- Durante sua existência, a Hospedaria foi
nando irreversível a necessidade de tra- t a m b é m utilizada para outros fins. Algu-
balhadores para as emergentes planta- mas de suas d e p e n d ê n c i a s foram usadas,
ç õ e s de café. De 1882 a 1978, passaram em 1924, pela Secretaria de S e g u r a n ç a
por ali mais de sessenta nacionalidades Pública, como presídio de presos políti-
e etnias, num total de mais de 2,5 m i - cos, devido aos conflitos ocorridos naque-
l h õ e s de pessoas, todas devidamente le ano. Em 1932, foi usada novamente
registradas em livros e listagens. A mai- pela Força Pública, como prisão para os
oria delas teve transporte gratuito de 'getulistas'. no decorrer dessa d é c a d a so-
seus p a í s e s de origem a t é os portos de freu reformas e m o d i f i c a ç õ e s , c o m a
Santos e Rio de Janeiro; destas cidades construção de novos prédios. Em virtude
até a capital paulista a viagem era feita da entrada do Brasil na Segunda Guerra

Fachada do prédio principal e dos anexos. Museu da Imigraçáo

p á g . 2 1 4 , jul/dez 1997
K V O

Mundial, o Departamento de Ordem Polí- tivesse atuado dessa forma.


tica e Social (DEOPS) deixa sob guarda,
O conjunto arquitetônico foi tombado pelo
na Hospedaria, alguns imigrantes japo-
Conselho de Defesa do Patrimônio His-
neses e a l e m ã e s , tidos como súditos do
tórico, Artístico, Arqueológico e Turístico
Eixo', que haviam sido retirados de suas
(COIiDEPHAAT), em 6 de maio de 1982. A
propriedades no litoral (considerado
' m u s e a l i z a ç á o ' dos e s p a ç o s da antiga
como á r e a de segurança) e que seriam
Hospedaria é a melhor forma de preser-
deslocados, posteriormente, para o in-
var este patrimônio arquitetônico e cul-
terior do estado. Entre 1943 e 1951, o
tural. Finalmente, em 1986, foi criado o
Ministério da Aeronáutica instala no edi-
Centro Histórico do Imigrante, responsá-
fício a Escola Técnica de Aviação. lia d é -
vel pela guarda de toda a d o c u m e n t a ç ã o
cada de 1950 novas obras s á o feitas nos
oficial da Hospedaria.
edifícios. Em 1978, a Hospedaria deixa
de atender aos imigrantes, e passa a ter O Museu da Imigração possui, pratica-
a mesma função de assistência à popu- mente, todos os registros das pessoas
lação brasileira, embora eventualmente, que passaram pela antiga Hospedaria.
ou em casos de calamidade pública, j á São listas de bordo dos navios, livros de

O s d o r m i t ó r i o s eram n a parte s u p e r i o r d o p r é d i o princlpai, a q u i mostrados c o m í . a n t i g a


c u b í c u l o s para as famílias e catres articulados para solteiros. M u s e u d a I m i g r a ç ã o .

. 10, n ° 2. pp. 213-218, jul/dez 1997 - p á g . 2 1 5


Acervo. Rio de Janeiro, v
c

registro de imigrantes patrocinados, car- tra de cada cultura que por ali passou,
tas de chamada, processos de n ú c l e o s revelando o cotidiano daquelas pessoas.
coloniais, além de documentos pessoais Ao mesmo tempo, está sendo levado adi-
doados por alguns imigrantes e cerca de ante o projeto de história oral, preser-
três mil fotografias. Esse acervo, de va- vando a m e m ó r i a dos imigrantes, que
lor incalculável para a história e m e m ó - ainda e s t á presente e pronta a ensinar
ria do estado de São Paulo, está parcial- novas formas de encarar a vida e enten-

mente organizado. Dessa forma, o Mu- der o mundo. Trechos de depoimentos

seu pode emitir certidões de desembar- c o m p õ e m um multimídia, de acesso d i -

que, um documento fornecido gratuita- reto pelo p ú b l i c o , d a n d o u m a v i s ã o

mente, em que constam o nome, idade e abrangente e variada das dificuldades e

país de origem dos membros de cada alegrias vividas pelos imigrantes. Para

família imigrante, bem como o nome do apoio ao trabalho, tanto de seus técni-
cos como dos pesquisadores, o Museu
navio e a data de sua chegada. Parte dos
possui uma biblioteca com cerca de t r ê s
registros (22%) já se encontra
mil títulos, além de periódicos e
informatizada e a busca por informações
hemeroteca, sobre imigração e assuntos
é feita em q u e s t ã o de segundos, mas
correlatos. A á r e a de iconografia é res-
para a maioria dos pedidos a consulta é
ponsável por fotografias originais, nega-
feita manualmente (por um grupo de es-
tivos e cópias de imagens que mostram
pecialistas), o que n ã o impediu que ti-
vários momentos do cotidiano dos imi-
vessem sido emitidas, em 1997, cerca de
grantes, dos trabalhos na Hospedaria e
três mil certidões, e este ano mais de
da história e desenvolvimento da agricul-
quatro mil.
tura, indústria e urbanismo do estado.
Desse aspecto, o Memorial atende ao p ú -
blico em geral, especialmente imigran- Funcionando à rua Visconde de Parnaíba,
tes e seus descendentes, além da Polícia 1.316, de terça a domingo, das lOh à s
Federal, Poder Judiciário, Cruz Vermelha 17h, o Memorial recebe visitas individu-
Brasileira, consulados, pesquisadores e ais e de escolas, com entrada gratuita.
estudantes de todos os níveis de ensino.
O Museu conta com várias salas de ex-
Diversas OnQs e a c a d ê m i c o s de univer-
posição. A Exposição Permanente mos-
sidades estrangeiras têm t a m b é m naque-
tra todo o processo imigratório, desde a
les documentos uma fonte de referência
viagem, chegada na Hospedaria, ida para
para seus trabalhos.
as fazendas e n ú c l e o s coloniais, a t é a
Outra atividade permanente do Museu é integração do imigrante na sociedade. A
o recolhimento de p e ç a s para o acervo, São Paulo Antiga simula uma rua da c i -
doadas por famílias e comunidades de dade que era conhecida como da garoa',
imigrantes. A intenção é ter uma amos- onde era chie fazer o footing olhando as

p á g . 2 16, jul/dez 1997


K V O

vitrines com as novidades de Paris. A Sala Imigratório e outra sobre a Greve Geral
da tiavegação possui, atualmente, um Anarquista de 1917, que podem ser soli-
globo com as principais rotas de imigra- citadas diretamente à diretoria.
ção para S ã o Paulo. No futuro esta sala O Memorial é uma justa homenagem aos
s e r á a réplica de um navio, simulando homens e mulheres que, com seus so-
p a s s a d i ç o s , cordames e recintos, além nhos, vontade de vencer e muito traba-
de conter r e p r o d u ç õ e s fotográficas. A lho, transformaram São Paulo e o Brasil.
sala Ambientes da Hospedaria mostra as Os descendentes dessas pessoas e s t ã o
atividades, ambientes e móveis da anti- em todos os lugares e em todas as ativi-
ga Hospedaria de Imigrantes. dades. Cada esquina, cada fábrica, cada
O Memorial possui t a m b é m jardins, pátio escola possui um pouco da cultura de vá-
interno (restaurado), auditório, bonde, rios lugares do mundo... e todos, ao se
duas locomotivas a vapor e estação fer- despedirem, mandam um 'tchau' (ciao).
roviária. Conta ainda com duas exposi- mas poucos sabem que essa palavra é
ç õ e s itinerantes, uma sobre o Processo uma singela saudação italiana.

Refeitório d a Hospedaria. Museu da Imigração.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. „ • 2. pp. 213-218. jul/dez 1997 - a . 2 1 7


P 9
A B S T R A C T
The Immigrant Memorial, institution linked to the Archives and Museums Department of the

Culture State Secretariat of S ã o Paulo, was established in 1998 and aimed to reunite, preserve

and expose the documentation, memory and objects from those who carne to Brazil.

R É S U M É
Le Memorial de 1'lmmigrant, organe l i é au D é p a r t e m e n t des M u s é e s et Archives, de Ia S e c r é t a i r e r i e

de I' État de Ia Culture de S ã o Paulo, c r é é en 1998, objective reunir, p r é s e r v e r et exposer Ia

documentation, m é m o i r e et objets des ceux qui sont venus au Brésil.


P E R F I L I N S T I T U C I O N A L

IVLuLseii e A r q u i v o H i s t ó r i c o
i V W n i c i p a l de C a x i a s Jo S u l
Juventino Dal .Bo
Diretor do Museu e Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul.

ITALIANOS NO RIO GRANDE DO SUL com os donos da, terra, 'os brasilei-
ros', forjam uma cultura original

A
p r e s e n ç a de imigrantes
que deu à r e g i ã o c a r a c t e r í s t i c a s
italianos marcou profun-
marcantes.
damente a encosta su-
perior do nordeste do estado do Rio Gran- Os documentos que testemunharam esta
de do Sul. Em levas sucessivas, a partir história s ã o conservados em muitos mu-
de 1875, os despatriados, procedentes seus e arquivos de todas as pequenas ci-

principalmente da região do Vêneto, no dades da região. O acervo maior, entre-

norte da Itália, ocuparam e cultivaram a tanto, encontra-se no Museu e no Arqui-

terra que tantos sonhos, temores e es- vo Histórico Municipal de Caxias do Sul.

p e r a n ç a s lhes havia inspirado.


MUSEU MUNICIPAL DE CAXIAS DO SUL
A a d a p t a ç ã o a um novo mundo, a uma
Criado por ocasião do centenário da imi-
nova realidade, a convivência com imi-
graçáo italiana no Rio Grande do Sul, o
grantes procedentes de diversas regiões
Museu abriu suas portas ao público no
da p r ó p r i a Itália ( v ê n e t o s , lombardos,
dia 2 de março de 1975.
trentinos etc.) e, com menor freqüência,
o contato com a l e m ã e s , poloneses, es- Com um acervo inicial de algumas cen-
panhóis, portugueses e, principalmente, tenas de peças, reconstitui a trajetória

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 2 19-222. j u l / d e * 1997 - pág.219


dos imigrantes: a partida da Itália, a longa d é c a d a s foi a mais destacada.
viagem, o estabelecimento em lotes co- Embora n ã o e s q u e ç a das muitas etnias
loniais, o trabalho com a terra, a reli- que c o n t r i b u í r a m para a f o r m a ç ã o da
gião, o comércio, a indústria etc. região, a maior parte do seu acervo mos-
tra a trajetória dos imigrantes italianos.
Esse acervo, constantemente acrescido
Neste museu, os melhores monitores
com novas d o a ç õ e s de toda a r e g i ã o ,
para acompanhar uma pessoa interessa-
soma hoje mais de oito mil unidades. São
da nos costumes locais s ã o os velhos 'co-
p e ç a s simples, exemplificativas das que
lonos' italianos que passaram grande par-
todos p o s s u í a m : o arado, a enxada, o baú
te de s u a s v i d a s c u i d a n d o do seu
de madeira, a m á q u i n a de costura, o len-
parreiral no interior do município.
çol de linho, o balde de cobre, o alambi-
Preocupar-se c o m a c o n s e r v a ç ã o do
que, o q u a d r o de Santo A n t ô n i o de
acervo n ã o restringe o âmbito de
P á d u a etc.
a b r a n g ê n c i a do Museu. As a ç õ e s têm sido
Com um acervo rico e diversificado, o orientadas no sentido de ultrapassar os
Museu ramificou-se: montou uma l i m i t e s das i n s t a l a ç õ e s . D i f u n d i r o
a m b i ê n c i a das primeiras casas da região patrimônio cultural, promovendo exposi-
(o Museu da Casa de Pedra); e está pla- ç õ e s t e m p o r á r i a s e itinerantes, concer-
nejando o Museu da Uva e do Vinho, que tos, debates, cursos e p u b l i c a ç õ e s , s ã o
m o s t r a r á p e ç a s relacionadas com a in- realizações que o m a n t é m em constante
dústria vitivinícola, que durante algumas contato com o público.

A C a s a d e N e g ó c i o s d e V i c e n t e R o v e a ( f u n d a d a em 1890) p o s t e r i o r m e n t e s e d i o u o H o s p i t a l
R o m o l o C a r b o n e e hoje é a sede d o A r q u i v o H i s t ó r i c o M u n i c i p a l .

p á g . 2 2 0 , jul/dez 1997
R V O

A R Q U I V O HISTÓRICO M U N I C I P A L pal e por empresas e instituições parti-


culares, famílias e indivíduos que teste-

C
riado oficialmente em 5 de
munham a evolução histórica da comu-
agosto de 1976. o Arquivo His-
nidade.
t ó r i c o trabalha em conjunto
com o Museu. Mão poderia ser de outra Além da documentação pública e parti-
forma, pois a d o c u m e n t a ç ã o que o Ar- cular, o Arquivo possui hemeroteca e bi-
quivo conserva complementa a que o blioteca de apoio, e dispensa especial
Museu expõe. atenção à história oral e à iconografia da
região. Além disso, conserva, preserva
O Arquivo Histórico Municipal possui duas
e restaura esse acervo, procedendo à sua
grandes linhas de trabalho: uma essen-
guarda adequada e proporcionando aces-
cialmente técnica que diz respeito à sua
so à pesquisa e consulta.
natureza, enquanto arquivo, e outra que
o torna um ó r g ã o atuante junto à comu- A proximidade entre o Museu Municipal e
nidade, efetuando o resgate da memória o Arquivo Histórico, garantida pela ad-
histórica e da identidade cultural do mu- ministração comum, é fortalecida pelo
nicípio. desenvolvimento de atividades conjuntas

Dessa forma, para cumprir seu papel tais como: o recolhimento de acervo e,

como instituição arquivística e órgão su- especialmente, atividades de divulgação.

bordinado à Secretaria Municipal de Cul- Entre elas, a realização de exposições

tura, recolhe, adquire e recebe através temporárias, utilizando ambos os acer-

de d o a ç õ e s , o acervo arquivístico produ- vos, e a elaboração de boletins e publi-

zido pela a d m i n i s t r a ç ã o pública munici- cações em geral.

i m i g r a n t e s italianos exibem o p r o d u t o d e seu t r a b a i h o . C a r t ã o postal ed i t a d o . p e l a livraria


M
S a l d a n h a . Caxias d o S u l , 1915.

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n» 2. pp. 219-222. jul/dez 1997 - pág.221


A B S T R A C T
Established during the first centennial celebration of Italian immigration in the state of Rio

Qrande do Sul, the Museum and the Historical Archives of Caxias do Sul hold the biggest collection

that is related to the chronicle of the Italian immigrants.

R É S U M É
Le M u s é e et les Archives Historiques de Caxias do Sul, c r é e s lors du centenaire de l'immigration

italienne au Rio Qrande do Sul, abritent le plus grand patrimoine en p i è c e s et documents de

cette ethnie. Malgré les diverses ethnies qui ont c o n t r i b u é par le d é v e l o p p e m e n t de la r é g i o n . Ia

t h è m e de la plupart des documents est la trajectoire des immigrants Italiens.


Fontes para Estudos da
E n t r a d a de Estrangeiros
e de Imigrantes no B r a s i l

O
Arquivo Macional tem sob sua de, profissão, instrução, porto de pro-
guarda um volume considerá- cedência, destino etc, porém raramen-
vel de documentos de grande te constando o local de nascimento).
importância para o estudo do tema em b. Relações de passageiros de embar-
questão.
c a ç õ e s entradas nos portos de:
Para pesquisas sobre entrada de imigran- Santos-SP (1894-1925, em fase de
tes, e s t ã o disponíveis aos pesquisadores organização, 1926, 1930-1964 e 1974)
vários conjuntos documentais, dentre os Recife-PE (1920-1922, 1924-1925,
quais se destacam: 1930-1934, 1940-1959)

a. R e l a ç õ e s de passageiros de embar- S ã o Francisco do Sul-SC (1928-


c a ç õ e s entradas no porto do Rio de 1930)
Janeiro, de 1875 a 1964 (com algu- Esperança-MS (1937, 1940-1948,
mas lacunas), contendo: data da en- 1950- 1951)
trada e nome da embarcação, porto de
Florianópolis-SC(1939, 1951 e 1953)
procedência e nomes dos passageiros
Uruguaiana-RS (1939-1942 e 1945)
(acompanhados, de modo geral, mas
não necessariamente, de informações Salvador-BAi 1939-1942, 1945-1947,
como idade, estado civil, nacionalida- 1951- 1953, 1957-1962)

10, n ° 2. pp 223-228. j u l / d e z 1997 - pág.223


Acervo. Rio de J a n e i r o , v.
A C E

Aquidauana-MS (janeiro/maio 1940) pedaria, o b s e r v a ç õ e s (nem sempre


CorumbáMS ( 1 9 4 0 - 1 9 4 3 , 1945- essas informações figuram em todos

1954, 1957-1958, 1960-1964) os livros).

Porto Murtinho-MS ( 1 9 4 1 - 1 9 4 3 , A d o c u m e n t a ç ã o e s t á organizada pelas


1946, 1950-1951, 1953-1955) datas de chegada. Para se localizar um
Foz do I g u a ç u - F K (1942-1950 e nome, é preciso que o interessado infor-
1952) me: o porto de desembarque, o m ê s e o

Guajara-Mirim-RO (1946-1948 e ano da chegada (se possível t a m b é m o

1951) dia) e o nome da e m b a r c a ç ã o .

Belém-PA (1947-1949) A simples indicação de nome e data de


Manaus-AM (1950-1964) nascimento ou de óbito n ã o é suficiente

Paranaguá-PR (1952, 1956-1957 e para a r e c u p e r a ç ã o desses documentos,


tornando inviável o atendimento por cor-
1961)
r e s p o n d ê n c i a . Assim, para encontrar o
c. R e l a ç õ e s de imigrantes desembar-
nome procurado, o interessado deverá vir
cados no porto do Rio de Janeiro,
ao Arquivo Nacional e efetuar a busca, que
de m a r ç o de 1873 a outubro de 1875,
exigirá exame minucioso de grande quan-
da Inspetoria Geral das Terras e Co-
tidade de registros, geralmente manus-
l o n i z a ç ã o , contendo: data da entrada
critos.
e nome da e m b a r c a ç ã o , porto de pro-
cedência, nomes dos imigrantes, ida- Pio caso de estrangeiro que tenha chega-
de, naturalidade, última r e s i d ê n c i a , do a providenciar registro de p e r m a n ê n -
nacionalidade, religião, profissão e cia (obrigatório a partir da e d i ç ã o do de-
destino (nem sempre essas informa- creto federal n° 3.010, de 20.8.1938),
ç õ e s figuram em todas as listas). p o d e r ã o ser consultados os p r o n t u á r i o s
de registro de estrangeiros, emitidos
d. Registro de entrada de imigrantes
no período de 1938 a 1987, onde even-
nas hospedarias da ilha das Flores
tualmente s e r ã o encontradas informações
e do Pinheiro e registros da A g ê n -
de interesse.
cia Central de Imigração, no Rio de
Janeiro, estando disponíveis à consul- Esses documentos, procedentes da Polí-
ta, atualmente, os períodos de janeiro cia Federal, e s t ã o organizados por esta-
a julho de 1877 e de 1879 a 1932 (com do e n ú m e r o de prontuário. Portanto, é
algumas lacunas), contendo: data da indispensável que o interessado informe:
entrada e nome da e m b a r c a ç ã o , porto o nome da cidade onde o registro de es-
de p r o c e d ê n c i a , nome do imigrante, trangeiro (RE, NR ou SRE) foi feito e o
idade, estado civil, nacionalidade, pro- respectivo número. Tais dados constam da
fissão, destino, data de saída da hos- carteira de identidade de estrangeiro.

p á g . 2 2 4 . Jul/dez 1997
R V O

De acordo com o art. 149 do decreto n° tanto, poderá encontrar subsídios sobre
3.010, os estrangeiros residentes em lo- imigração, ou fatos envolvendo estrangei-
calidades do interior do país deveriam ros, em diversos outros conjuntos docu-
registrar-se nas delegacias policiais, caso mentais, mas não de forma tão predomi-
n ã o existisse nesses locais o Serviço de nante como naqueles a seguir discrimi-
Registro de Estrangeiros. Assim, é possí- nados. O Guia acima referido está dispo-
vel que se encontrem informações a esse nível, em meio eletrônico, aos usuários
respeito em arquivos locais. que freqüentam a Seção de Consultas do
Arquivo Nacional. Esse importante instru-
O quadro a seguir, com dados extraídos mento de acesso foi desenvolvido pelos
do Guia de fundos do Arquivo nacio- técnicos que atuam nas diversas s e ç õ e s
nal, registra os principais fundos/coleções detentoras de acervo, sob a supervisão da
relativos ao tema. O pesquisador, entre- Coordenação de Documentos Escritos.

Principais F u n d o s / C o l e ç õ e s Documentais sobre a Temática sob a guarda do


Arquivo Nacional

Nome do 1 undo/C olet ã o Datas-Limlte Conteúdo

C o m i s s ã o encarregada do 1873-1875 Nomeação dos membros da Comissão. Instruções


desembarque e remoção para o para funcionamento da Comissão. Lista de remessa
interior dos imigrantes de volumes aos agentes da Comissão em Barra do
recém-chegados Piraí e Mendes. Relatórios com prestação de contas
dos agentes da Comissão a seu tesoureiro.

Departamento Nacional de 1875-1932 Registro de imigrantes na hospedaria da ilha das


Povoamento Flores, Pinheiro e na Agência Central de Imigração,
informando porto de saída, data de entrada, nome do
imigrante, idade, estado civil, nacionalidade,
profissão, religião, destino e data de saída.

D i v i s ã o de P o l í c i a Marítima, 1875-1974 Relações de passageiros de embarcações que


A é r e a e de Fronteiras chegaram aos portos brasileiros. Relações de aviões
que aterrizaram em aeroportos de vários estados
brasileiros. Fichas consulares de qualificação com
nome, local e data de nascimento, filiação, profissão,
número do passaporte, data do embarque e do
desembarque, visto do cônsul e foto do imigrante.
Documentos diversos de estrangeiros: cartão de
embarque/desembarque de passageiros, fichas de
qualificação, pedidos de visto, cartões de serviço de
tripulantes marítimos, carteiras de identidade de
estrangeiros, controles de entrada/saída de v ô o s e
nacionalidades/número de pessoas a bordo, entre
outros.

A c e r v o . Rio de J a n e i r o , v. 10. n» 2. pp. 2 2 3 - 2 2 8 . j u l / d e i 1


Nome do F u n d o / C o l e ç ã o Datas-Llnüte Conteúdo

Inspetorla Geral dos letras e 1817-1896 Autos de m e d i ç ã o e legitimação de terras. Traslados


Colonização dos autos e cópias dos termos de medição.
Memoriais de terrenos de colônias. Correspondência
administrativa sobre demarcação de terras enviada
por secretarias das presidências das províncias.
C o m i s s ã o de Registro Qeral de Terras Públicas e
Possuídas, Ministério da Querra e Inspetortas de
Terras nas províncias ao Ministério da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas e à Inspe torta Qeral das
Terras e Colonização. Caderno de campo da
C o m i s s ã o de Medição de Terras. Mapas de m e d i ç ã o
de terras. Estatística da entrada de imigrantes no
porto do Rio de Janeiro. Ofícios sobre colonização.
Correspondência sobre colonos dirigida ao Ministério
da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Cartas e
recibos de despesas da Agência Oficial de
Colonização. Relações de imigrantes. Instruções
sobre levantamento da carta geológica do Brasil.

Polícia da Corte 1808-1880 Matrícula de e m b a r c a ç õ e s de frete empregadas no


serviço da baía do Rio de Janeiro. Autos de visitas a
navios entrados no porto do Rio de Janeiro.
Matrículas de estrangeiros. Apresentação e
legitimação de passaportes.

S é r i e Agricultura - Terras 1819-1890 Memorial sobre m e d i ç ã o de terras pela Inspe torta


P ú b l i c a s e C o l o n i z a ç ã o (IA6) Qeral de Medições das Terras Públicas. Registro de
despesas das colônias do governo e de ofícios
enviados ao ministro pela Agência Oficial de
Colonização, relativos a imigrantes. Relação das
famílias espanholas imigrantes acampadas ao lado
do Forte de Santa Teresa. Correspondência da
Inspetoria Qeral das Terras e Colonização com o
Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas
sobre p e r m i s s ã o para assentamento de colonos,
localização de trabalhadores nacionais e estrangeiros
em várias províncias, pagamento feito pelo Lloyd
Brasileiro ao ministro da Agricultura, por passagens
dadas a imigrantes para estados do Sul. Registro de
dívidas do Ministério da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas com o Lloyd Brasileiro, referentes a
passagens de imigrantes para várias províncias.
Memoriais de m e d i ç ã o de terras. Mapas nominais de
colonos a l e m ã e s vindos para o Brasil.
Correspondência do Ministério dos N e g ó c i o s do
Império com o dos Negócios e Estrangeiros, relativa a
colonos. Mapas de m e d i ç ã o de terras em várias
províncias. Solicitações de terras em várias províncias
e de pagamento de passagens de imigrantes vindos
de diversos locais. Relação dos colonos devedores ao
Estado, com a especificação da dívida.

p á g . 2 2 6 . Jul/dez 1997
R V O

Nome do F u n d o / C o l e ç ã o Datas-Limite Conteúdo

S é r i e Interior - Estrangeiros: 1851-1947 Boletins relativos à Seção de Permanência e Expulsão


Visto - E x p u l s ã o - P e r m a n ê n c i a de Estrangeiros. Estatísticas dos trabalhos realizados
(UJ7) pela Divisão de Justiça e pela Divisão do Interior para
o Departamento do Interior e da Justiça. índice de
registro de expulsão de estrangeiros. Processos de
pedidos de visto de permanência no Brasil.
Questionários submetidos pelas c o m i s s õ e s estaduais
de permanência a seus municípios sobre entrada e
permanência de estrangeiros. Processos de expulsão
de estrangeiros. Protocolos de requerimentos de
autorização para a permanência de estrangeiros no
Brasil.

S é r i e Interior - Nacionalidades 1823-1949 Livros de registro de cartas de naturalização do


(UJ6) século XIX, constando o nome do requerente, a
nacionalidade e a quantia paga. índices do livro de
termos de naturalização (juramentos). Processos de
naturalização dirtgidos ao Ministério do Império e
posteriormente ao Ministério da Justiça e n e g ó c i o s
Interiores, compostos de requisição do interessado,
atestado de boa conduta e de residência, cartas de
recomendação, certidão de casamento e certidão
negativa extraída nas pretorias criminais e distritos
policiais. Livros de registro com declarações de aceite
ou de recusa da nacionalidade brasileira de acordo
com o decreto de 15/12/1889. A partir de 1930,
processos de naturalização com requerimentos de
estrangeiros ou das empresas em que trabalhavam.
Atestado da Delegacia de Ordem Política e Social e
título declaratório de naturalização. Avisos do
Ministério das Relações Exteriores sobre consultas
referentes a mudanças de nacionalidade e regras
para aquisição de nacionalidade italiana. índice de
recibos de título declaratório. Decretos e portarias de
naturalização. Processos de perda da nacionalidade
brasileira por adoção de outra nacionalidade.

S e r v i ç o de Polícia Marítima,
A é r e a e de Fronteiras
1959-1985 Prontuários de registro de estrangeiros
Alagoas

Amapá 1979-1985

Amazonas 1939-1987
1939-1986
Bahia
1939-1986
Ceará
Distrito Federal 1968- 1984

E s p í r i t o Santo 1942-1986

Goiás 1969- 1987

Maranhão 1939-1988

Mato Grosso 1979-1987

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n° 2. pp. 223-228. j u l / d e * 1997 - pag.227


Nome do F u n d o / C o l e ç ã o Datas-Limite Conteúdo

Mato Grosso do Sul 1939-1983 Prontuários de registro de estrangeiros

Minas Gerais 1938-1981

Pará 1939-1975

Paraíba 19*0-1987

Paraná 1939-1984

Pernambuco 1938-1986

Piauí 1962-1986

Rio de Janeiro 1939-1986

Rio de Janeiro (Niterói) 1939-1977

Rio Grande do Norte 1938-1987

Rio Grande do Sul 1938-1983

Rondônia 1939-1986

Roraima 1968-1986

Santa Catarina 1939-1984

S ã o Paulo 1939-1955

S ã o Paulo (Santos)* 1878-1986

Sergipe 1938-1984

Sociedade Colonlzadora 1878-1947 Publicações sobre o centenário da Colônia


Hanseática Hanseática, títulos de c o n c e s s ã o de terras, recibos de
compra e transferência de lotes e mapas de
loteamento relativos à coloni2ação a l e m ã em Santa
Catarina. A maior parcela do acervo é referente à
Colônia d. Francisca.

(*) O fundo SFMAT/SP (Santos) compreende t a m b é m relação de entrada e saída de passageiros no porto.

A B S T R A C T
This article presents the documental sources of National Archives for the studies of the entrance of

foreigners and immigrants in Brazil.

R E S U M E
Cet article a por but p r é s e n t e r les sources de documentation des Archives Nationaux pour les é t u d e s

de 1' e n t r é e des é t r a n g e r s et des immigrants au Brésil.


B I B L I O G R A F I A

AQUILAR, Luís Cláudio. Organización social y jurídica de los inmigrantes espaholes en

el Brasil. 2 vol., tesis, Facultad de Derecho, Universidad de Salamanca, 1986.

ALVIM, Zuleika M. Forcioni. Brava gente! Os italianos em São Paulo, 1870-1920. São

Paulo: Brasiliense, 1986.


AZEVEDO, Tales de. Italianos e gaúchos: os anos pioneiros da imigração italiana no Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: A Nação/Instituto Estadual do Livro - DAC/SEC, 1975,

p. 225.

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 229-237. jul/dez 1997 - pág.229


A C E

. Emigração, família e luta: os italianos em São Paulo, 1870-1920. Dissertação


de mestrado, Universidade de São Paulo, Departamento de História, 1991.

BACKHEUSER, Everardo. "Comércio ambulante e o c u p a ç õ e s de rua no Rio de Janeiro".


In: Revista Brasileira de Geografia, jan./mar. de 1944, ano VI, n . l , pp. 3-30.

BARRETO, Maria Teresinha S. Os poloneses do alto vale do rio Tijucas: um estudo de


história demográfica. Tese de mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina,
1979.

BASTAM, Tanus J . O Líbano e os libaneses no Brasil. Rio de Janeiro: Est. de Artes


Gráficas, 1945.

BEIGUELMAN, Paula. A crise do escravismo e a grande imigraçáo. São Paulo: Brasiliense,


1987.

BOITEUX, Lucas Alexandre, notas para história catarinense. Florianópolis: Liv. Moderna,
1912.

_. "Açorianos e madeirenses em Santa Catarina". In: Revista do Instituto Histórico


e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, v. 219, 1953.

BONI, Luís Alberto de (ed.). A presença italiana no Brasil. Porto Alegre: Fondazione
Giovani Agnelli/Escola Superior de Tecnologia, 2 vols., 1987-1990.

BORGES-FORTES, J o ã o . Casais. Porto Alegre, s.ed., 1932.

BRITO, Paulo J o s é Miguel de. Memória política sobre a capitania de Santa Catarina.
a
Lisboa: Academia de Ciências, 1829. 2 ed., Lisboa, Academia de Ciências, 1832.
a
3 ed., Florianópolis, 1932.

CABEZAS MORO, Octavio (org.). Emigración espanola: evolución histórica, situación actual
y problemas. Madrid: Instituto Espanol de Emigración/Ministério dei Trabajo, 1970.

CABRAL, Osvaldo Rodrigues. Sanía Catarina - história e evolução. São Paulo: Editora
nacional, coleção Brasiliana, v. 80, 1937.

. Os açorianos. Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado, 1950.

CARDOSO, Ruth Correia Leite. Estrutura familiar e mobilidade social: estudos dos
j a p o n e s e s no e s t a d o de S ã o Paulo. Tese de d o u t o r a m e n t o , F F C L - U S P ,
Departamento de Ciências Sociais, 1972.

CARELLI, Mário. Carcamanos e comendadores. São Paulo: Ática, 1985.

CARnEIRO, J o s é Fernando Domingues. Imigração e colonização no Brasil. Rio de Janeiro:


Univ. do Brasil, cadeira de geografia, publicação avulsa n. 2, 1950.

p á g . 2 3 0 . jul/dez 1997
V o

CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O anti-semitismo na era Vargas (1930-1945). Sáo Paulo:
Brasiliense, 1988.

CASTALDI, Cario. "O ajustamento do imigrante à comunidade paulista: estudo de um


grupo de imigrantes italianos e de seus descendentes". In: HUTCHINSON, Bertram
et al. Mobilidade e trabalho. Rio de Janeiro: INEP, 1960.

CÉSAR, Guilhermino. História do Rio Qrande do Sul: período colonial. Porto Alegre: Globo,
1970.

CENNI, Franco. Italianos no Brasil. Sáo Paulo: Martins Fontes-EDUSP, 1975.


CHOI, Keum Joa. Além do arco-íris: a imigração coreana no Brasil. Dissertação de
mestrado. Universidade de Sáo Paulo, Departamento de História, 1991.

COBALCHINI, Pedro. Pastoral do imigrante: um desafio para a Igreja no Brasil, 1845-


1901 (documentos). São Paulo: Edições Loyola/CEPEHIB, 1988.

COELHO, Manuel Joaquim dAlmeida. Memória histórica da província de Santa Catarina.


a
Desterro, Tip. J . J . Lopes, 2 ed., 1877.

COMISSÃO DE RECENSEAMENTO DA COLÔNIA JAPONESA. The Japanese immigrant in

Brazil. Tokyo, University of Tokyo Press, s.d.

CUNHA, Maria Suzel Coutinho Soares da. "Notas para estudo d a - p r e s e n ç a alemã em
Nova Friburgo". In: Cadernos de Cultura, série 8, vol. 1. Depto. de Cultura, Sec.
E d u c a ç ã o e Cultura, prefeitura de Nova Friburgo/Pró-Memória Centro de
D o c u m e n t a ç ã o Histórica, 1988.

CURY, Cristiane Abdon. A participação social e política da colônia árabe em São Paulo.

Relatório parcial apresentado à Fundação Ford, 1984.

DACANAL, J o s é et al. Rio Qrande do Sul: imigração e colonização. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1980.

DEAN, Warren. A industrialização de São Paulo. Sáo Paulo: Difel, 1971.

. Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura, 1820-1920. Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 1977.


DEFFONTAINES, Pierre. "Mascates ou pequenos negociantes ambulantes do Brasil". In:
Geografia, v. 2, n. 1, 1936, pp. 26-29.
DIEGUES JR., Manuel. Imigração, urbanização e industrialização. Rio de Janeiro: INEP,

1964.
. "Dois grupos étnico-culturais no Brasil: italianos e sírio-libaneses". In: Jornal

do Commercio, 4 de outubro de 1951.

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n° 2. pp. 229-237. j u l / d e z 1997 - pág.23 1


A C E

DOMINGUES, Moacir. A colônia do Sacramento e o Sul do Brasil. Porto Alegre: co-ed.


Sulina e Instituto Estadual do Livro, 1973.

DOUUN, Taufik. A emigração sírio-libanesa às terras da promissão. Sâo Paulo: Tipografia


Editora Árabe, 1944.

DURAND, J o s é Carlos Q. "Eormaçáo do pequeno empresariado têxtil em São Paulo". In:


RATTriER, Henrique. Pequena empresa, vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1985.

DURHAM, Eunice Ribeiro. Assimilação e mobilidade: história do imigrante italiano num


município paulista. S ã o Paulo: 1EB-USP, 1966.

FABEL, Nachman. Estudos sobre a comunidade judaica no Brasil. S ã o Paulo: F e d e r a ç ã o


Israelita, 1984.

FILIPPIMI, Elizabeth. Terra, família e trabalho: o núcleo colonial Barão de J u n d i a í , 1887-


1950. Dissertação de mestrado. S ã o Paulo: FFLCH, Universidade de São Paulo,
1990.

FLORES, Maria Bernadete Ramos. História demográfica de Itajaí: uma p o p u l a ç ã o em


transição, 1886-1930. Tese de mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina,
1979.

FORESTER, Robert F. The Italian emigration of our times. Cambridge, Mass.

FOUQUET, Carlos. O imigrante alemão e seus descendentes no Brasil, 1808-1824-1974.


São Paulo, 1974, s. ed.

FRANZINA, Emilio. La grande emigrazione: l e s o d o dei rurali dal Veneto durante il secolo
XIX. Padova: Marsilio, 1976.

. Merica! Merica! Emigrazione e colonizzazione nelle lettere dei contadini veneti


in America Latina, 1876-1902. Milano: Feltrinelli, 1979.

FUKUNAQA, Patrick N. The Brazilian experience: the Japanese immigrants during the
period of Vargas' regime and its immediate aftermath. Tese de doutoramento.
Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, 1983.

QARNIER, Beajeu J . "As m i g r a ç õ e s para Salvador". In: Boletim Baiano de Geografia.


Salvador: v. 2, ns. 7-8, 1961. Dentre as obras mais recentes, veja-se FRUTUOSO,
Maria Suzel Qil. Emigração portuguesa e sua influência no Brasil: o caso de Santos,
1850 a 1950. Dissertação de mestrado. São Paulo: FFLCH, Universidade de S ã o
Paulo, 1990.

QOMEZ RUÍS, Luís E. Aspectos internacionales de Ias imigraclones colonizador as. Tese
de doutoramento. Caracas: Universidade Central de Venezuela, Tip. Americana,
1938.

p á g - 2 3 2 . jul/dez 1997
K V O

GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal. Espanhóis no Rio de Janeiro (1880-1914): contribuição


à historiografia da imigração. Tese de livre docência apresentada ao IFCH da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1988.

GUIMARÃES, Caio de Freitas. "A assimilação dos principais grupos estrangeiros através
das estatísticas dos casamentos e nascimentos, na população do município de
São Paulo, 1940-1946". In: Boletim, "Boletim Espacial". São Paulo: Departamento
a
Estadual de Estatística, ano XIV, 2 fase, n. 1, 1952.

HAJJAR, Claude Fahd. Imigração árabe: 100 anos de reflexão. São Paulo: ícone, 1985.

HALL, Michael. The origins of mass immigration in Brazil 1871-1914. Tese de


doutoramento, Columbia University, 1969.

_ . "Approaches to immigration history". In: GRAHAM, Richard e SM1TH, Peter H.


(orgs.). New approaches to Latin American history. Austin: University of Texas
Press, 1975.

__. "Immigration and the early S á o Paulo working class". In: Jahrbuch für
Geschichte von Staat, Wirtschaft und Gesellchaft Lateinamerikas, 12, 1975, pp.
393-407.

. "Italianos em São Paulo (1880-1920)". In: Anais do Museu Paulista, 29, 1979,
pp. 201-217.

HOLLOWAY, Thomas. Imigrantes para o café. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

HOMEM, Maria Cecília Maclério. A ascensão do imigrante e a verticalizaçáo de São Paulo:


o p r é d i o Martinelli e sua h i s t ó r i a . D i s s e r t a ç ã o de mestrado, FFLCH-USP,

Departamento de História, 1982.

HUTTER, Lucy Maffei. Imigração italiana em São Paulo (1880-1889): os primeiros contatos

dos imigrantes com o Brasil. São Paulo: IEB-USP, 1972.

. Imigração italiana em São Paulo (1902-1914): o processo imigratório. Sáo

Paulo: IEB-USP, 1986.

JORDÃO, A n t ô n i o e SANTA HELENA, Bosco. O imigrante espanhol em São Paulo.

Departamento de Imigração e Colonização, 1963.

KEREMITSIS, Eileen. Workers and industrialization in Rio de Janeiro, 1870-1930. PhD

thesis, Columbia University, Department of History, 1982.

KLEIN, Herbert S. "A integração social e econômica dos imigrantes e s p a n h ó i s no Brasil".


In: Estudos Econômicos. S ã o Paulo: v. 19, n. 3, pp. 443-456.
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n* 2. pp. 229-237, j u l / d e i 1997 - p á g . 2 3 3
A C E

. "A integração dos imigrantes italianos no Brasil, na Argentina e nos Estados


Unidos". In: tlovos Estudos, Cebrap, 25, pp. 95-117.

. "Demografia do tráfico Atlântico de escravos para o Brasil". In: Estudos


Econômicos. São Paulo: v. 17, n. 2 ,1987, pp. 129-150.

. "The infernal slave trade in nineteenth century Brazil: a study importations


into Rio de Janeiro in 1852". In: Mspanic American Historical Review, LI, n. 4 ,
nov. de 1971.

. "The social and economic integration of Portuguese immigrants in Brazil in


the nineteenth and twentieth centuries". In: Journal of Latin American Studies,
23, n. 2, may 1991.

KNOWLTON, Clark. Sinos e libaneses: mobilidade social e espacial. Tese de doutorado,


Universidade de Vanderbilt, 1960.

KURBAN, Taufik. Os sírios e libaneses no Brasil. São Paulo: Soe. Impressora Paulista,
1933.

LADEIRA, Hilda de Oliveira. Um estudo sobre a imigração holandesa nos campos gerais,
1976, s. 1., s. ed.

LESSER, Jeff H. Pawns of the powerful: Jewish immigration to Brazil, 1904-1945. Tese
de doutoramento, New York University, 1989.

LOCH, Cenilde. Ação colonizadora de Joaquim Caetano Pinto Júnior e a colônia Oráo-
Pará. Tese de mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
1978.

LOWRIE, Samuel H. "Imigração e crescimento da p o p u l a ç ã o no estado de S ã o Paulo".


In: Estudos Políticos. São Paulo, 1988.

LUCA, Tânia Regina de. O mutualismo em São Paulo: o sonho do futuro assegurado.
Dissertação de mestrado, FTLCH-USP, Departamento de História, s.d.

MANFROI, Olívio. A colonização italiana no Rio Qrande do Sul. Porto Alegre: Grafosul/
Instituto Estadual do Livro - DAC/SEC, 1975, p. 157.

MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro, 1890-


1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

MARQUES, Gabriel. Ruas e tradições de São Paulo, 1966, s.l., s.ed.

MARTINS, J o s é de Sousa. A Imigração e a crise do Brasil agrário. S ã o Paulo: Pioneira,


1973.

. "O cativeiro da terra". In: Ciências Humanas. São Paulo, 1979.

p á g . 2 3 4 . Jul/dez 1997
K V O

• "Empresários e trabalhadores de origem italiana no desenvolvimento industrial


brasileiro entre 1880 e 1914: o caso de São Paulo". In: Dados, v. 24, n. 2, 1981,
pp. 237-264.

MARTINS, Valmir. A contribuição do imigrante para o desenvolvimento das relações


capitalistas de produção no sul do estado de Santa Catarina. Tese de mestrado.
Universidade Federal de Santa Catarina, 1979.

MENEZES, Lená Medeiros de. Modernização e imigração no Brasil: progressos e


imobilismos (1850-1888). Dissertação de mestrado. Niterói: UFF, 1986.

. Indesejáveis desclassificados da modernidade: protesto, crime e expulsão


na capital federal (1890-1930). Rio de Janeiro: ESDUERJ, 1997.

MERTZIQ, Lia Romano Leite. As dificuldades de adaptação do imigrante no estado de


São Paulo: r e p a t r i a ç â o e r e e m i g r a ç ã o . Dissertação de mestrado, FFLCM-USP,
Departamento de História, 1978.

MOLON, Floriano. "O significado dos carreteiros na economia da imigração italiana no


Rio Qrande do Sul". In: DE BONI, Luís A. (org.). A presença italiana no Brasil.
Porto Alegre: Fondazione Qiovanni Agnelli/EST, 1990, pp. 506-507.

MÓRNER, Magnus. Aventureiros y proletários: los emigrantes en hispanoamerica. Madrid:

Editorial Mapfre, 1992, p. 58.

MORTARA, Qiorgio. "A imigração italiana no Brasil e algumas características demográficas


do grupo italiano de São Paulo". In: Revista Brasileira de Estatística. Rio de Janeiro:
41, 1973, pp. 324-325.

MOTA, Mary Heisler Mendonça. Imigração e trabalho industrial - Rio de Janeiro (1889-
1930). Dissertação de mestrado. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 1982,
p. 183.

NOGUEIRA, Arlinda Rocha. A imigração japonesa para a lavoura cafeeira paulista, 1908-
1922. S á o Paulo: IEB-USP, 1973.

PAIVA, Joaquim Gomes dOliveira e. notícia geral da província de Santa Catarina.

Desterro, Tip. da Regeneração, 1873.

PEREIRA, Miriam Halpem. A política portuguesa de emigração, 1850-1930. Lisboa: A


Regra do Jogo, 1981.

PEREIRA, J o ã o Batista Borges. Italianos no mundo rural paulista. São Paulo: Pioneira/
Instituto de Estudos Brasileiros-USP. 1974, p. 67. In: BARTOLOTTI, Domenico.
Brasile. Gênova: Sestri, 1926, p. 73.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n° 2. pp. 2 2 9 - 2 3 7 . Jul/dez 1997 - pág.235


A C

0
PENA, Eduardo Spiller. "Escravos, libertos e imigrantes: fragmentos da t r a n s i ç ã o em
Curitiba na segunda metade do século XIX". In: História: Questões e Debates.
Curitiba: v. 9, n. 16, j u l . de 1988, pp. 83-103.

PESCATELLO, Anne liarie. Both ends of the journey: an historical study of migration and
change of Brazil and Portugal, 1880-1914. Tese de doutoramento. Califórnia:
Universidade da Califórnia, 1970.

PETRONE, Maria Teresa Schorer. O imigrante e a pequena propriedade. São Paulo, 1982,
s.ed.

PETRONE, Pasquale. "Italianos e descendentes do Brasil: escola e língua". In: DE B O M ,


Luís A. A presença italiana no Brasil (vol. II). Porto Alegre: Fondazione Qiovanni
Agnelli/EST, 1990.

PIAZZA, Walter Fernando. A epopéia açórico-madeirense. Florianópolis: co-ed. UFSC-


Lunardelli, 1992.

RATTNER, Henrique. Tradição e mudança: a comunidade judaica em São Paulo. S ã o


Paulo: Ática, 1977.

RIBEIRO, Maria Teresinha Janine. Desejado e temido: preconceito contra o imigrante


i t a l i a n o na P r i m e i r a R e p ú b l i c a . D i s s e r t a ç ã o de mestrado, FFLCH-USP,
Departamento de História, 1985.

RIBEIRO, J o ã o Alberto Miranda. Publicado por Dante de Laytano como "Corografia de


Santa Catarina". In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 245,
1960. O original está no Arquivo Histórico Ultramarino.

RIOS, J o s é Artur. "Aspectos políticos da assimilação do italiano no Brasil". In: Sociologia,


v. 20, ns. 3 e 4, 1958, pp. 297-339.

ROCHE, Jean. La colonisation allemande et le Rio Qrande do Sul. Paris, 1959, s.ed.

ROSALI, Qianfausto (org.). Un secolo di emigrazione italiana, 1876-1976. Roma: Centro


Studi Emigrazione, 1978.

SAFA, Elie. i:emigration libanaise. Beirute: Université Saint Joseph, 1960.

SAFADY, Jorge S. A imigração árabe no Brasil. Tese de doutoramento, FFCLH-USP,


Departamento de História, 1972.

SAFADY, Wadih. Cenas e cenários dos caminhos de minha vida. Santa Maria, Belo
Horizonte, 1966.

SAITO, Hiroshi. O japonês no Brasil: estudo de mobilidade e fixação. São Paulo: Fundação
Escola de Sociologia e Política, 1961.

p á g . 2 3 6 , jul/dez 1997
R V O

. Contenda: a s s i m i l a ç ã o de poloneses no Paraná. São Paulo: Escola de

Sociologia e Política, 1963.

. A presença japonesa no Brasil. São Paulo: T. A. Queirós/EDUSP, 1980.

_ Sr TAKASHT, Maeyma. Assimilação e integração dos japoneses no Brasil. Petrópolis:


Vozes, 1963.

SAKURAI, Célia. Romanceiro da imigração japonesa. São Paulo: Sumaré/Fapesp, 1993,


p. 52.

SANTOS, Ricardo Evaristo dos. La emigración espanola en la Sajada Santista: estado de


São Paulo, Brasil, 1880-1950. Tesis doctoral, Universidad Complutense de Madrid,
Depto. de Geografia Humana, 1988.

SCARANO, Julita Maria Leonor. O imigrante: trabalho, saúde e morte. Tese de livre
docência. Universidade Federal de Santa Catarina, 1974.

SCHNEIDER, Jurgen. "Emigração alemã para o Brasil: 1815-1870". In: /// Colóquio de
Estudos Teuto-Brasileiros. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1980.

SILVA, J o s é Gonçalves dos Santos. Subsídios para a história da província de Santa


Catarina. Mss., inédito, em poder do IHGSC.

SOCIEDADE NACIONAL DE AGRICULTURA. Imigração: inquérito promovido pela Sociedade


Nacional de Agricultura. Rio de Janeiro: Villani 6c Barbero, 1926.

SPALDING, Walter. Gênese do Brasil-Sul. Porto Alegre. Sulina, 1953.

SPINDEL, Cheywa. homens e máquinas na transição de uma economia cafeeira. São

Paulo: Paz e Terra, 1980.

STOLKE, Verena. Cafelcultura, homens, mulheres e capital. Sáo Paulo, 1986.

TRUZZI, Osvaldo. De mascates a doutores: sírios e libaneses em São Paulo. São Paulo,
1992, s.ed.

TSUCHIDA, Nobuyo. The Japanese in Brazil, 1908-1941. Los Angeles: tese de

doutoramento, Universidade da Califórnia, 1978.

VIEIRA, Francisca Isabel S. O japonês na frente de expansão paulista. Sáo Paulo: Pioneira/
EDUSP, 1973.

WIEDERSPAHN, Henrique Oscar. A colonização açoriana no Rio Qrande do Sul. Porto

Alegre: Instituto Cultural Português, 1979.

WITTER, J o s é Sebastião. A revolta dos parceiros. São Paulo: Brasiliense, 1986.

Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n° 2. pp. 229-237. Jul/dez 1997 - pág..237


impresso nas oficinas
da Imprinta Gráfica e Editora Ltda..
à Rua João Romariz, 285 - Rio de Janeiro.
Carla Brandalise
J
Elena Pájaro Pere^ ^;
Fernando Teixeira da Silva
Gladys Sabina Ribeiro
Helga Iracema Landgraf Picc
Juventino Dal Bó
Lená Medeiros de Menezes
Lúcia Maria Paschoal Guimarães
Marco Antônio Xavier
Maria Antonieta de Toledo Ribeiro Bastos
Maria Manuela R. de Sousa Silva
Maria Luiza Tucci Carneiro
•r k Paula Ribeiro
Walter F. Piazza

I G R A Ç

MIMSTtRIO DA JUSTIÇA

ARQUIVO NACIONAL

Das könnte Ihnen auch gefallen