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Presidente da R e p ú b l i c a
Fernando Henrique Cardoso
Ministro da J u s t i ç a
J o s é Renan Vasconcelos Calheiros
Editora
Maria do Carmo T. Rainho
Conselho Editorial
Ingrid Beck. J o s é Ivan Calou Filho, Maria do Carmo T. Rainho, Maria Isabel F a l c ã o , Maria Izabel
de Oliveira, Nilda Sampaio Barbosa, Sílvia Ninita de Moura E s t e v ã o , Verone G o n ç a l v e s Cauville
Conselho Consultivo
Ana Maria Camargo, Angela Maria de Castro Gomes, Boris Kossoy, Célia Maria Leite Costa,
Elizabeth Carvalho, Francisco Falcon, Francisco Iglesias, Helena Ferrez, Helena C o r r ê a Machado,
H e l o í s a Liberalli Belotto, limar Rohloff de Mattos, Jaime Spinelli, Joaquim Marcai Ferreira de
Andrade, J o s é Carlos Avelar, J o s é S e b a s t i ã o Witter, L é a de Aquino, Lena Vânia Pinheiro,
Margarida de Souza Neves, Maria Inez Turazzi, Marilena Leite Paes, Regina Maria M. P. Wanderley,
Solange Z ú n i g a
Projeto G r á f i c o
A n d r é Villas Boas
E d i t o r a ç ã o E l e t r ô n i c a , Capa e I l u s t r a ç ã o
Qisele Teixeira de Souza
Revisão
Alba Gisele Qouget, J o s é C l á u d i o da Silveira Mattar, J o s é Ivan Calou Filho e T â n i a Maria Cuba
Bittencourt
Resumos
Carlos Peixoto de Castro, Flávia Roncarati Gomes e J o s é C l á u d i o da Silveira Mattar ( v e r s ã o em
i n g l ê s ) e Flávia Roncarati Gomes e Léa Porto de Abreu Novaes ( v e r s ã o em f r a n c ê s )
Reprodução Fotográfica
Agnaldo Neves Santos, C í c e r o Bispo, Flavio Ferreira Lopes e Marcello Lago
Secretaria
Jeane D'Arc Cordeiro
Semestral
Cada número possui um tema distinto
ISSn 0102-700-X
CDD 323-1
Ministério da J u s t i ç a
Arquivo Nacional
ACERVO
R E V I S T A D O A R Q U I V O N A C I O N A L
01
Apresentação
03
Bastidores
U m outro olhar sobre a i m i g r a ç ã o no R i o de Janeiro
17
Camisas-Verdes
O integralismo no S u l do Brasil •
Carla Brandalise
37
O U n i v e r s o do T r a b a l h o do Imigrante em Itu - S P ( 1 8 7 6 - 1 9 3 0 )
Maria Antonieta de Toledo Ribeiro Bastos
53
"Proverbial H o s p i t a l i d a d e " ?
A Revista Jc Imigração e Colonização c o discurso oficial sobre o imigrante ( 1 9 4 5 -
1955)
71
"Inimigos M a s c a r a d o s com o T í t u l o de C i d a d ã o s "
A v i g i l â n c i a c o controle sobre os portugueses no R i o de Janeiro do Primeiro Reinado
97
I m i g r a ç ã o Portuguesa e M o v i m e n t o O p e r á r i o no B r a s i l
Fontes c arquivos de Lisboa
109
Portugueses no B r a s i l
I m a g i n á r i o social c t á t i c a s cotidianas ( 1 8 8 0 - 1 8 9 5 )
Maria Manuela R. de Sousa Silva
119
A ç o n a n o s e M a d eirenses no S u l do B r a s i l
Walter F. Piazza
129
A C r i a ç ã o do E s t r a n h a m e n t o e a C o n s t r u ç ã o do E s p a ç o Público
Os japoneses no Estado Novo
147
L i t e r a t u r a de I m i g r a ç ã o
M e m ó r i a s dc uma diáspora
165
I m i g r a ç ã o A l e m ã e C o n s t r u ç ã o do E s t a d o N a c i o n a l Brasileiro
R i o Grande do S u l , s é c u l o
179
Breves R e f l e x õ e s Sohre o P r o h l e m a da I m i g r a ç ã o U r b a n a
O caso dos e s p a n h ó i s no R i o dc Janeiro ( 1 8 8 0 - 1 9 1 4 )
Lúcia Maria Paschoal Q u i m a r ã e s
199
M u l t i p l i c i d a d e É t n i c a no l \ i o de J a n e i r o
U m estudo sobre o 'Saara'
Paula Ribeiro
213
Perfil Institucional
M e m o r i a l do Imigrante
Marco Antônio Xavier
219
Perfil Institucional
M u seu e A r q u i v o H i s t ó r i c o M u n i c i p a l de C a x i a s do S u l
Juventino Dal Bó
223
Fontes para E s t u d o s da E n t r a d a de Estrangeiros e de Imigrantes no B r a s i l
229
Bibliografia
A P R E S E N T A Ç Ã O
Como afirma Boris Fausto, a imigração Tentando contribuir para divulgar o que
tardou a constituir um campo específico vem sendo produzido nas universidades
da pesquisa a c a d ê m i c a . Durante muito e centros de pesquisa sobre imigração,
tempo — podemos dizer, a t é meados da esse n ú m e r o da Acervo traz 13 artigos,
d é c a d a de 1960 — era objeto apenas de além de dedicar a seção Perfil Institucional
grandes i n t e r p r e t a ç õ e s s o c i o l ó g i c a s , a entidades que se destacam pela riqueza
destacando-se as obras de Roger Bastide de seus acervos como o Memorial do
e Florestan Fernandes. Imigrante e o Museu e Arquivo Histórico
Municipal de Caxias do Sul. Para finalizar,
A partir dos trabalhos dos brazilianistas
a p r e s e n t a u m r o t e i r o dos núcleos
que, ainda segundo Fausto, se relacionam
documentais custodiados pelo Arquivo
com o desenvolvimento de estudos sobre
nacional, de interesse para o tema.
etnias nos Estados Unidos, o tema da
imigração passa a constituir-se em objeto Abre esse n ú m e r o , o texto da professora
de análise não subordinado. Lená Medeiros de Menezes que utiliza os
. . B a s t i d o r e s
A
pós residir 38 anos na bre a defesa da ordem e da segu-
cidade do Rio de Janei- rança nacional, a prática da expul-
ro, Manuel Real, portu- V s ã o representou uma das faces da
g u ê s , analfabeto, solteiro, padeiro excludência implantada pelo regi-
por profissão, mas sem residência fixa, foi me republicano: aquela que atingia os es-
expulso do Brasil como mendigo incorri- trangeiros pobres, transformados em al-
gível, regressando à terra natal, com 64 vos das políticas de higiene social e n t ã o
anos, apenas com a roupa do corpo. Mui- desenvolvidas, numa cidade que conhe-
to mais brasileiro que português, foi obri- cia um tempo de m u d a n ç a s visíveis no ser,
gado a voltar à Europa, de onde saíra com no fazer, no sentir e no estar. Tempo mar-
a idade de 26 anos, para enterrar, em cado por luzes e sombras, fugas e bus-
outro solo que n ã o o brasileiro, a falên- cas, por distanciamentos profundos en-
cia de seus sonhos, expectativas e espe- tre o discurso legal, que contemplava pos-
1
ranças. tulados liberais, e as práticas políticas au-
toritárias do cotidiano, enraizadas n u m a
História de vida como a de Manuel Real
mentalidade escravista e latifundiá-
não foi um caso isolado na capital brasi-
ria.
leira, ao longo de seu t ã o aclamado pro-
cesso civilizatório. Além do discurso so- lio processo de imigração em massa que
Manuel Real em 1928. Fotografias Integrantes d o seu processo de expulsão. Arquivo Nacional.
p á g . A, j u l / d e z 1997
V o
policial e das leis de expulsão. Benaneti tinha 62 anos quando foi expul-
so em 1929 como vadio. Era solteiro,
Como em outras cidades do mundo influ-
analfabeto, carroceiro e havia entrado no
enciadas pela Europa, a história do Rio
país em 1922, j á com idade a v a n ç a d a .
de Janeiro, début de siècle, foi marcada
Segundo o depoimento por ele prestado,
pela importação de produtos e bens, ho-
chegara ao Rio de Janeiro vindo de San-
mens e mulheres, usos e costumes, faze-
tos, onde um acidente, ocorrido em 1925,
res e lazeres, crimes e c o n t r a v e n ç õ e s ,
o impossibilitara de continuar trabalhan-
valores e visões de mundo.
do, razão pela qual, sozinho e sem alter-
Civilizar a cidade, neste contexto de mu-
nativas de trabalho, lançou-se à mendi-
dança, foi um processo que caminhou em 3
cância.
dois sentidos principais. Em primeiro lu-
natural de uma pequena freguesia do dis-
gar, no da criação de um e s p a ç o moder-
trito de Braga, A. Cardoso tinha 25 anos
no, racional e funcional, em que os ne-
quando foi obrigado a voltar para Portu-
gócios encontraram um lugar especializa-
gal, 12 anos depois de chegar ao Brasil,
do e privilegiado para florescer, distanci-
aos 13 anos de idade, junto com os pais.
ado dos becos e ruelas tradicionais. Em
R e c é m - c h e g a d o , empregou-se em uma
segundo lugar, no sentido dó
fábrica de louças no bairro de São Cristó-
desencadeamento de uma proposta de
vão, onde trabalhou por algum tempo,
a d a p t a ç ã o da p o p u l a ç ã o urbana aos
sendo colocado na rua logo depois da fa-
c â n o n e s de um novo viver, através de sua
mília ter retornado a Portugal. Só e de-
s u b m i s s ã o a um código legal que, con-
samparado, viu-se numa "situação finan-
traposto ao popular, criminalizou compor-
ceira deplorável", segundo as declarações
tamentos tradicionais, atingindo forte-
que prestou, no ano de 1922, com 17
mente os estrangeiros, num modelo- de
anos, preso e processado, acusado de fe-
república que passou a utilizar a
rir um companheiro em a r r u a ç a s de rua,
alteridade como instrumento de constru-
foi recolhido à Casa de Detenção. Influ-
ção artificial da identidade nacional, prin-
enciado pelos nouos amigos que lá co-
cipalmente nos anos que precederam e
nheceu, não mais procurou emprego ao
se seguiram à Primeira Querra Mundial.
deixar a prisão, passando a viver exclusi-
Várias histórias de vida contadas nos pro- vamente do produto dos furtos que prati-
cessos de expulsão exemplificam bem as cava. Processado várias outras vezes, foi
dificuldades encontradas por centenas de c o n d e n a d o a d o i s anos em c o l ô n i a
imigrantes pobres no Rio de Janeiro, ao correcional situada no interior do estado.
tempo da Belle Époque, como as que Preso novamente, ao passar o conto-do-
c o m p õ e m os processos de H. Benanan, uigário em um patrício, de quem furtou
A. Cardoso, A. Santos e J . M. Melo: setecentos mil réis em moeda brasileira
e oitocentos escudos portugueses, aca-
F r a n c ê s de T ú n i s , H. Benanan ou A.
bou expulso como vadio incorrigível no são. Foi expulso com a idade de 27 anos,
4
ano de 1930. acusado de ser um dos responsáveis pela
onda de e x p l o s õ e s ocorrida no ano de
nascido na aldeia de Travanca, conselho
1920. Segundo o depoimento por ele
de Vinhães, na província de Trás-os-Mon-
prestado, tão logo chegou ao Brasil em-
tes, seu c o n t e r r â n e o A. Santos contava 26
pregou-se numa fábrica de tecidos, e,
anos quando vislumbrou, pela última vez,
depois, em padarias, tendo-se filiado à
os contornos majestosos dos morros que
Sociedade dos Padeiros. Acusado de ter
a b r a ç a m a cidade do Rio de Janeiro. Era
colocado uma bomba numa padaria situ-
solteiro, alfabetizado, e havia chegado ao
ada na rua V o l u n t á r i o s da Pátria, em
país com 12 anos. Segundo suas declara-
Botafogo, foi preso em maio de 1920,
ç õ e s , t ã o logo desembarcou na capital
passando a integrar a lista negra dos agi-
brasileira, foi residir com um tio, com
tadores que circulava entre os emprega-
quem permaneceu por cerca de dois anos.
dores, n ã o conseguindo mais nenhum
Em 1917, com 14 anos, s ó na vida, "deu-
tipo de emprego. Desesperado com a s i -
se à vadiagem". Preso por ter furtado vinte
tuação, "pois não ganhava para comer",
mil réis de um alfaiate estabelecido no
«1 não querendo mais "ter fama sem pro-
centro da cidade e recolhido, pela polí-
veito", resolveu vingar-se dos p a t r õ e s ,
cia, a um patronato, ali ficou a t é princípi-
os de 1920, sendo desligado a p ó s ter con- passando a fabricar bombas e a colocá-
tro meses. Posto em liberdade, mergulhou diu por defeito de fabricação. Com a se-
no jogo por "considerar-se fraco para o gunda, conseguiu seu intento, causando
trabalho braçal" e ter verdadeira fascina- vários prejuízos numa padaria do bairro
ção pelo jogo, "pelos lucros fáceis que de Vila Isabel. A terceira, finalmente, de-
este proporcionava, lucros que lhe per- positada na residência do gerente da fá-
mitiam luxos e prazeres" interditados à s brica de tecidos Minerva, na Tijuca, va-
classes trabalhadoras, iniciando-se outra leu-lhe a expulsão, efetuada no ano de
série de d e t e n ç õ e s e uma nova estada na 1920. Megando ser anarquista, J . M. Melo
colônia Dois Rios Em 1926, foi remetido definiu-se como um sindicalista revolta-
para Clevelândia, situada em zona de do com as condições de vida dos traba-
6
fronteira. Voltando à cidade, e preso no- lhadores.
vamente, foi Finalmente expulso. Corria o Parte significativa das sobras de um ar-
5
ano de 1929. ranjo social tecido por pactos de elites,
homens como Benanan, Cardoso, Santos
Português de Figueira, J . M. Melo era sol- e Melo compunham o grupo dos indese-
teiro, alfabetizado e padeiro por profis- jáveis, ou seja, dos estrangeiros que, de
p á g . e . Jul/dez 1997
R V O
estreitos com a pobreza vivida na cidade, sil em 1911, fugido de Portugal por seu
dências gerais da imigração para a cidade. 7 furto em Buenos Aires, s ã o absoluta ex-
ceção no conjunto dos indesejáveis que
Os anarquistas constituíram-se a princi-
deixaram o registro de sua passagem pela
pal base da militância de origem estran-
capital federal."
geira, principalmente no ramo das pada-
rias e da construção civil, em que mais Quanto à procedência, a maior parte dos
fortemente enraizou-se o sindicalismo re- processados havia nascido nos campos
volucionário. A p r e s e n ç a marcante dos europeus. Mesta perspectiva, os proces-
portugueses nos sindicatos, que encami- sos de expulsão refletem, com exatidão,
nhavam o discurso revolucionário, distan- as t e n d ê n c i a s globais da imigração para
ciou a capital de outras cidades do país. a cidade, no final do século XIX e nas pri-
p á g . 8 . Jul/dez 1 997
R V O
A pouca ou nenhuma qualificação profissio- zia, e depois dizem que dolorosa im-
nal de grande parte dos imigrantes encon- p r e s s ã o trouxeram de lá. Mós vimos e
totaliza 39.707 indivíduos sem qualificação, muitos deles. Todos contam a mesma
\ S. i
0 ' •
Embarque de emigrantes italianos para o Brasil. Reprodução de A Ilustração brasileira, 15 de fevereiro d e 1910.
p á g . 10. J u l / d e z 1997
R V O
ta que apontava a revolução como única marginalidade por motivos alheios a sua
possibilidade de r e d e n ç ã o . A violência vontade, como R. V. Castro: casado, alfa-
adotada por muitos expressava, de algu- betizado e sem residência, o p o r t u g u ê s
ma forma, as frustrações acumuladas ao R. V. Castro tinha 26 anos quando foi pre-
longo da vida, e o desejo de alcançar o so e expulso. Segundo suas declarações,
paraíso na terra, ainda que fosse pela di- chegara ao Brasil com um tio, aos oito
namite. anos de idade, tendo trabalhado no co-
mércio a t é a idade adulta, quando, e n t ã o ,
Os vínculos existentes entre condições de
desempregado, caiu na marginalidade,
vida e radicalização ideológica encon-
terminando por ser expulso por vadiagem
tram-se presentes em alguns processos 15
e furto.
de expulsão, principalmente naqueles mo-
vidos contra os padeiros, sujeitos a lon- Se em alguns casos a expulsão tinha jus-
gas jornadas noturnas e a duras condi- tificativas, em outros ela definia-se como
ç õ e s de trabalho, seguindo-se operários um ato e x t r e m a m e n t e arbitrário e
não qualificados da construção civil. En- inconstitucional. 16
Mo conjunto dos es-
tre os padeiros, é significativa a m e n ç ã o trangeiros que acabaram sendo expulsos,
a u m a s o c i e d a d e s e c r e t a de nome muitos sofreram perseguição sem tréguas
Carbonária Padeiral, que aparece no pro- por sua miséria ou luta contra as injustas
cesso contra A. R. Santos, acusado de ser condições de trabalho e de vida, ou, ain-
um dos dinamitadores por o c a s i ã o da da, por enganos ou perseguições circuns-
onda de e x p l o s õ e s em padarias, cujos tanciais, embora estas últimas represen-
panfletos s ã o de extrema r e v o l t a , tassem uma afronta violenta aos postula-
explicitando muito do vale-tudo desespe- dos do direito internacional. Veja-se o
rado assumido por imigrantes no jogo da relato de J . Madeira, encaminhado ao
1
m u d a n ç a revolucionária. * deputado Maurício de Lacerda que depois
o enviou à Mesa da Câmara de Deputados:
Considerada a outra vertente da desor-
dem urbana, a das atividades, ilícitas, do Envolvido na onda m i g r a t ó r i a que em
sagem pela verdadeira 'escola' que se ando uma vida de trabalho e economia
constituía a Casa de Detenção, quanto por (...). Depois de pouco mais de dois
bel, vi prender três operários que sou- a expulsão, além daqueles concernentes
operários o motivo por que não se rea- natureza comum, como a vagabundagem,
Madeira, independente de sua opção ideo- discurso científico da época, como hós-
posto a lutar por um lugar ao sol. Muitos tecido social, principais responsáveis pela
primeira prisão, não raras vezes aciden- quistas mereceram uma a t e n ç ã o especial
tal, tornaram-se personagens cativos das por parte das autoridades constituídas de-
anarquistas profissionais por força do dis- advinda do fato de serem definidos como
p i g . 12. J u l / d e z 1997
K V O
era fruto direto das condições adversas cipalmente em relação ao caftismo, que
no Rio de Janeiro. transformara a cidade em um dos pontos
de chegada das rotas internacionais do
Messe contexto, a expulsão definiu-se, 22
tráfico de brancas. Também era verda-
a l é m de um p r o c e s s o de s e l e ç ã o a
deira a versão de que as idéias revolucio-
posteriori, como uma estratégia privile-
nárias que seduziam a classe operária em
giada de limpeza urbana'. Conjugada à
20
formação eram importadas, com destaque
deportação, ela possibilitou um melhor
para o comunismo-anárquico de
controle social, através do processo de
Kropotkin.
eliminação de todo aquele que, conside-
rado sobra do arranjo social, pudesse ser Mão correspondia à realidade, entretan-
definido como elemento perigoso à or- to, a explicação oficial de que a desordem
dem política, social ou moral. O ideal de reinante no Rio de Janeiro devia-se à sim-
c o n s t r u ç ã o de uma cidade disciplinar ples importação de indivíduos viciosos e
norteou práticas autoritárias, destinadas anarquistas profissionais; aues de arriba-
ao esvaziamento político da capital, que ção chegadas na vasa da i m i g r a ç ã o , ver-
atingiram tanto o mundo do trabalho s ã o que mascarava as contradições inter-
quanto o do não-trabalho, separados por nas existentes que apanhavam os estran-
fronteiras fluidas e móveis que tendiam a geiros pobres em suas malhas.
desaparecer nos momentos de contesta-
A a n á l i s e dos processos de e x p u l s ã o ,
ção ampla, marcados por quebra-quebras
excetuados aqueles movidos aos cáftens,
generalizados, nos quais os excluídos
não corrobora a consagrada tese da con-
demonstravam toda a sua revolta e des-
taminação por agentes exógenos. A mai-
contentamento.
oria dos cidadãos processados, principal-
O medo de um levante global dos excluí- mente os portugueses, tinha uma longa
dos, ensaiado em 1904 21
e alimentado residência no país. Sua opção ideológica
pelo i d e á r i o a n a r q u i s t a , que via no ou ingresso na marginalidade eram, em
lumpesinato uma força revolucionária, última instância, uma decorrência das d i -
tornou-se um fantasma permanente a ficuldades e embates travados na própria
povoar a mente das elites. Esvaziar a ca- cidade; a expulsão, uma intervenção ci-
pital, portanto, livrando-a dos 'elementos' rúrgica capaz de eliminar parasitas e er-
desordeiros, dentre os quais sobressaí- vas daninhas.
ram-se os estrangeiros, era uma necessi-
Messe contexto de excludência, o período
dade a um s ó tempo r e p r e s s i v a e
que vai de 1907 a 1930 marca, no plano
profilática, que visava transformar o Rio
das relações intersocietais, um capítulo
de Janeiro no cartão de visitas do Brasil.
de violência da nossa história. Aos ho-
É certo que o Rio de Janeiro sofria a atu- mens que, expulsos, voltavam à Europa,
a ç ã o de criminosos internacionais, prin- depois de anos vividos no Brasil, restava
N O T A s
7
1. Arquivo Nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ 169.
2. Este conceito era utilizado pelos chefes de polícia, na época estudada, para caracterizar os
que se posicionavam à margem da sociedade organizada, cujos limites colocavam-se na fron-
p á g . 14, J u l / d e z 1997
R V O
9. Lima Barreto, Recordações do escrivão /saias Caminha. S á o Paulo, Brasiliense, 1976, p. 166.
7
10. Arquivo nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ 163.
16. A C o n s t i t u i ç ã o Federal, em seu artigo 72, garantia igualdade de direitos a nacionais e estran-
geiros residentes.
18. Decreto n ° 1.641, de 7 de janeiro de 1907. Brasil. C o l e ç ã o das Leis da R e p ú b l i c a , Rio de Janei-
ro, Imprensa nacional, 1908.
19. Sobre o tema, ver Cesare Lombroso e R. Laschi. Crime politique et les revoluttons. Paris,
Librairie Félix Alcan, 1892.
22. Sobre o tráfico de brancas no Rio de Janeiro, ver Lená M. de Menezes, Os estrangeiros e o
comércio do prazer nas ruas do Rio. Rio de Janeiro, Arquivo nacional, 1992, P r ê m i o Arquivo
nacional de Pesquisa, 2.
23. C o m r e l a ç ã o aos relatos acerca de todo o processual da e x p u l s ã o , ver Everardo Dias, " M e m ó -
rias de um exilado". E p i s ó d i o s da d e p o r t a ç ã o de Everardo Dias contados por ele mesmo à Voz
do Povo, 20-24 de fevereiro de 1920.
Camisas~\er<cles
O iníegralisnio no S u l cio B r a s i l
A
so e dedicação total ao movimento, por- segunda formação social, de
que a prática política tradicional origem mais tardia, estabe-
obstaculizava a e x p r e s s ã o do verdadeiro .leceu-se sem a aprovação dos
interesse do povo, e o voto ocasional e estancieiros locais e por deliberação do
secreto implicava no reduzido centro do país. A partir do início do s é c u -
envolvimento com o destino da nação. lo XIX, foram introduzidos no estado os
imigrantes a l e m ã e s e italianos. Eles cons-
A partir de Porto Alegre, a AIB expande-
tituíram uma sociedade baseada nas pe-
se pelo interior do estado. Porém, o mo-
quenas e médias propriedades, na pro-
vimento assume um caráter estacionário,
dução agropastoril diversificada e no tra-
salvo nas zonas de imigração italiana e
balho familiar. A c o l o n i z a ç ã o ítalo-
alemã. A inserção do movimento
germânica expandiu-se nas serras do Su-
integralista no Rio Qrande do Sul, com
deste e na Depressão Central. Entre as
grande a c e i t a ç ã o em algumas á r e a s e
duas formações sociais houve, desde o
quase nenhuma em outras, encontra suas
início, um certo antagonismo. Os estan-
origens no processo interno de formação
cieiros n ã o apenas constrangiam a fixa-
sociopolítico. A o c u p a ç ã o territorial do
ção dos colonos europeus em terras im-
estado fez surgir dois tipos básicos de
próprias à prática da pecuária extensiva,
sociedade, os quais, por muito tempo,
como também procuravam desacelerar ou
conviveram lado a lado sem maiores
2
mesmo impedir o movimento migratório.
interações e c o n ô m i c a s e culturais.
Os imigrantes, por sua vez, manifestavam
p á g . 1 8. J u l / d e z 1 997
A C E
mobilização constante, sua retórica anti- pios europeus ou por meio do domínio
oligárquica e c o n d e n a t ó r i a do sistema direto da Alemanha ou Itália sobre o Bra-
partidário republicano, encontra nesses sil, mas pela valorização a u t ô n o m a das
indivíduos campo fértil a sua expansão. potencialidades e características nacio-
nais. Os integralistas de descendência ale-
Apesar das c o n d i ç õ e s s o c i o e c o n ô m i c a s
mã ou italiana admiravam os movimen-
favoráveis, o interesse pela AIB nas zo-
tos considerados como correlatos em
nas coloniais n ã o pode ser explicado sem
seus países de origem, p o r é m a n a ç ã o
a variável étnico-cultural, sob o risco de
brasileira deveria engendrar a sua 'rege-
descaracterizar a complexidade do pro-
n e r a ç ã o ' e 'transformação' de modo in-
blema. Se o contexto conjuntural da re-
dependente, com a exaltação das tradi-
gião propiciou certos requisitos básicos
ções e costumes do país. Mão havia, as-
ao fomento do integralismo, a q u e s t ã o
sim, a princípio, contradição entre o dis-
étnica sobredeterminou a sua aceitação.
curso nacionalista da AIB e a d e s c e n d ê n -
Tal especificidade deve ser analisada a
cia étnica desses adeptos. Messe sentido,
partir da m o í í u a ç ã o que levou estes se-
as lideranças do integralismo no Rio Qran-
tores intermediários a aderir à AIB.
de do Sul prezavam de forma pública e
Quanto aos simpatizantes de origem ita- aberta os movimentos europeus, contra-
liana e a l e m ã , o movimento n ã o lhes riando a cúpula nacional que procurava
atraía enquanto uma forma de resistên- geralmente n ã o incorrer numa asso-
cia à integração em sua nova pátria. Pelo c i a ç ã o direta.
contrário, o integralismo aparecia como
O conjunto desses fatores revela-se nos
a forma mais viável de se tornarem 'bra-
depoimentos prestados pelos adeptos do
sileiros de fato' através da participação na
integralismo. Para o caso da zona a l e m ã '
vida política do país. A q u e s t ã o por eles
s ã o representativas as reflexões do chefe
reconhecida de que a AIB apresentava
municipal da AIB da cidade de Qramado,
s e m e l h a n ç a s visíveis com os movimentos
Alcides Arendt, para quem:
fascistas da 'pátria-mãe' reforçava sobre-
maneira o interesse por esta força políti-
O integralismo teve r e c e p ç ã o fácil na
ca que se introduzia no estado. Ma sua
zona de c o l o n i z a ç ã o a l e m ã porque a
concepção, as realizações tidas como be-
Alemanha naquela é p o c a tinha o nazis-
néficas do fascismo italiano e do nazismo
mo. Durante o integralismo eu via com
a l e m ã o , amplamente divulgadas por pe-
simpatia o Hitler em muitas coisas, n ã o
riódicos especializados, evidenciavam a
que q u e r í a m o s imitar, o nosso movi-
viabilidade da construção de uma nova or-
mento surgiu como um movimento in-
dem mundial. O integralismo deveria con-
d í g e n a , o objetivo de P l í n i o Salgado
cretizar no país esta ordem, n ã o através
nunca foi imitar. A luta do integralismo
da r e p r o d u ç ã o pura e simples dos princí-
era de formar, educar a juventude. O
p á g . 20 . J u l / d e z 1 997
V o
Hitler fez coisas boas, levantou a Ale- intra-oligárquica. Um dos momentos cul-
manha organizando o trabalho.* minantes da prática coercitiva ocorreu em
fevereiro de 1935 por ocasião de um gran-
O
projeto, de acordo com Arendt,
de encontro estadual de integralistas na
era introduzir os pontos altos
cidade de São Sebastião do Cai, região
do nazismo, como o
de imigração alemã. Durante uma passe-
corporativismo, a valorização da autori-
ata, que contou com mais de trezentas
dade e do trabalho, o combate ao libera-
pessoas, houve um tumulto, com troca de
lismo e ao comunismo, sem a interferên-
tiros entre a polícia e os militantes. O sal-
cia da Alemanha. Outros militantes cre-
do foi a morte de dois policiais e de um
ditavam confiabilidade à AIB pela identi-
ativista. O prefeito do Cai, Morais Forte
ficação direta que faziam entre o movi-
(PRL), denunciou os integralistas por tu-
mento e o nazismo, reconhecendo a au-
multuar a cidade e provocar o incidente,
tonomia do integralismo. Este é o caso
pois teriam comparecido ao desfile forte-
do professor Maximiliano Hahan, da cida-
mente armados. Argumentava tratar-se de
de de Canela, que revela:
agitadores dirigidos por elementos es-
... falando a verdade, eu entrei na AIB trangeiros, representando uma a m e a ç a na
por causa do nazismo. O integralismo medida em que atacavam o governo, o
era da mesma ordem, a disciplina, as Exército e as instituições republicanas, rio
m i l í c i a s , o corporativismo. E Hitler sal- seu relato a Flores da Cunha, o prefeito
vou a Alemanha do caos. Hitler era ver- revela que prendera mais de cinqüenta
dadeiramente um grande homem, mas pessoas, porque "... a concentração aqui
eu preferia o Plínio. O Hitler era muito realizada tinha por fim menosprezar as
violento. As i d é i a s do Plínio eram mui- autoridades locais devido a uma repres-
to superiores ao nazismo. O são feita no interior do município num
integralismo queria justamente o patri- núcleo integralista que estava atentando
6
otismo. 5
contra a ordem". O chefe municipal da
AIB, o médico Metzler, confirma em parte
Ao mesmo tempo, o visível crescimento
o objetivo da passeata. Ha sua versão,
da AIB nas á r e a s coloniais chama a aten-
pretendia-se prestar solidariedade pací-
ção das autoridades públicas que logo
fica aos integralistas da vila de liova
desencadeiam uma onda de repressão ao
Petrópolis, pois estes teriam sofrido vio-
m o v i m e n t o . Flores da C u n h a , e n t ã o
lência injustificada por parte das autori-
interventor do estado e líder do partido
dades:
governista, o Partido Republicano Liberal
(PRL), n ã o p r e t e n d i a renunciar ao Devido ao incremento tomado pelas
suas bases eleitorais nesta zona, cada vez começou a perseguir todos os
p á g . 22 . J u l / d e z 1997
V o
com o olho no furo, ele olhava que chapa estavam conscientes de sua força.
o cara botava no envelope, se botava a
Para efeito de c o m p a r a ç ã o , observa-se
chapa certa, ele saía, se o cara botava a
que este quadro conjuntural se manifes-
chapa errada, deixava cair um pouco de
ta em outra importante zona de imigra-
farinha no chapéu ou na camisa, e aí
ção alemã, no estado de Santa Catarina.
quando o cara chegava na rua e tinha fa- 11
Em relatórios enviados a Roma, o en-
rinha de trigo, ele entrava no laço.'
t ã o e m b a i x a d o r i t a l i a n o no B r a s i l ,
Tal estado de coisas, vigente na República Roberto Cantalupo, descreve o "parti-
Velha, permaneceu como regra na década cular desenvolvimento" do integralismo
de 1930. Com a chegada da AIB, ensaiou- naquele estado, onde nas eleições de
se uma resistência, onde as 'chapas pron- 1935 o movimento teria vencido em oito
tas' eram discretamente trocadas pela cha- municípios sobre 11, contando em suas
pa dos i n t e g r a l i s t a s . A e x i s t ê n c i a do fileiras com maioria absoluta de descen-
integralismo, no entanto, estava longe de dentes de a l e m ã e s . Segundo Cantalupo,
ser um consenso entre esta mesma popu- vários eram os fatores que explicavam
lação seja pelo assim considerado caráter esta rápida expansão, entre eles o de-
de f a n a t i s m o , seja p e l a a s s o c i a ç ã o sejo desses militantes em implantar um
c o m o m o v i m e n t o nazista. Straatman sistema social baseado na ordem, justi-
e r a a c u s a d o de o r g a n i z a r a m i l í c i a ça e honestidade; o medo do comunis-
integralista nos moldes da força de cho- mo que p o d e r i a fazer sua v i o l e n t a
que do nazismo a l e m ã o e de cultuar a irrupção no país e a q u e s t ã o racial, onde
i m a g e m de Hitler. E, ainda, de acordo "não seria uma q u e s t ã o de raça, mas an-
natural simpatia pelos regimes fascista e parecia uma s a l v a ç ã o . Hitler tinha pres-
pre contar com o clero "que faz constan- um regime que era bom para um p a í s
lores da religião". For todas essas razões, n ã o se pode falar em simbiose entre
C
outros estados.
omo c a r a c t e r í s t i c a s c o m u n s
A ênfase étnica e a identificação com o Ferreira da Silva aponta a ten-
nazi-fascismo dada pelo embaixador con- dência anti-semita, o
firma-se no depoimento dos militantes de
corporativismo, a representação classista,
Santa Catarina. Segundo o secretário de
a estrutura organizativa, o antiliberalismo,
imprensa da AIB, Enrico Muller:
a indumentária, a estrutura paramilitar e,
Havia em Blumenau certa t e n d ê n c i a de principalmente, afirma que "o nazismo e
aceitar o integralismo pela semelhan- o integralismo eram espiritualistas".
ç a com o nazismo. Quando um c i d a d ã o
Deixando Santa Catarina e dirigindo o
descende de uma outra r a ç a , de um
foco de análise para as zonas de coloni-
outro pais, ele, se é uma pessoa de
zação italiana do Rio Qrande do Sul, é
acordo, de exata c o n s c i ê n c i a , tem sim-
possível, mais uma vez, constatar uma co-
patia (...) a maioria tinha simpatia pela
incidência de valores quanto à s motiva-
Alemanha, pelo Hitler, era natural."
ções de a d e s ã o à AIB. Em relação ao ca-
Todavia, t a m b é m para Muller, a AIB era
ráter de participação política alternativa
um movimento singular e a u t ô n o m o j á
oferecido pelo integralismo, um artigo do
que a doutrina integralista seria "... pu-
militante Luís Compagnoni, publicado em
ramente brasileira, com origens na nos-
fevereiro de 1935 no jornal do movimen-
sa história, adaptada ao povo brasileiro,
to, O Bandeirante, em Caxias do Sul, re-
lião era um movimento estrangeiro, n ó s
vela o desagrado com a onipotência dos
p r e g á v a m o s justamente a integração, en-
partidos tradicionais. Estes s ó se interes-
s i n á v a m o s aos o p e r á r i o s e aos colonos o
sariam em quantificar votos em é p o c a s
hino nacional". As mesmas c o n c e p ç õ e s
eleitorais, menosprezando os problemas
aparecem no depoimento de J o s é Ferreira
da comunidade a p ó s a vitória nas urnas.
da Silva, e n t ã o secretário de Educação e
A AIB, inversamente, permitiria a repre-
Cultura da AIB em Blumenau:
sentação direta das demandas locais. Isto
O clima aqui era de simpatia com os porque a organização interna e os assun-
p á g . 2 4 . Jul/dez 1997
V o
tos prioritários para o movimento depen- dos. O integralismo poderia ter feito o
deriam, antes, do consenso e da partici- mesmo pelo Brasil, tirar o povo da mi-
mesmo associavam-se entre si com faci- leitores era muito maior. Os que sabi-
lidade. Assim, foi a religião comum, o am ler, liam para os que n ã o sabiam
naturas, mas o n ú -
Pelo testemunho de Carlos Fabris, pode-
mero de
se observar que os pequenos produtores
rurais endossaram.
-jil-jil
Porto A l e g r e em a g o s t o d e 1 9 3 5 . Correio d a M a n h a , A r q u i v o N a c i o n a l .
p á g . 2 6 . Jul/dez 1997
R V
Eu era fascista (...) andava de camisa gação daquela ideologia. Ma visão da Igre-
preta, pregava no meu povoado em ja, o comunismo avançava sem t r é g u a s e
Conceição. Mas, então veio o para destruí-lo não bastava reprimir as
integralismo e n ó s p e n s á v a m o s que era suas manifestações. Era preciso eliminar
a mesma coisa e fomos para o quaquer foco que pudesse favorecê-lo,
integralismo, nosso, brasileiro e n t ã o , como a injustiça social e econômica. As
com o Plínio Salgado. 18
disposições gerais do integralismo eram
apontadas como a grande e s p e r a n ç a de
Ou ainda, a associação entre os dois mo-
transformação nacional. Tratava-se de um
vimentos é evidenciada no relato de frei
movimento que obedeceria o ideal da ver-
Veronese:
dade, da liberdade, da disciplina e do
A AIB foi muito aceita na zona italiana, nacionalismo. Num mundo subordinado
com facilidade o c o l o n o recebeu o aos problemas de ordem material, onde
integralismo, pois havia o exemplo do as correntes políticas agiam à luz de pro-
fascismo italiano. Mussolini, enquanto blemas imediatistas e os princípios mo-
n ã o desbordou de seu sentido, tinha rais eram relegados a segundo plano, os
belas i d é i a s , fez muito pela Itália, de- postulados cristãos integralistas poderi-
senvolveu a agricultura, o trigo. Depois am reconduzir a humanidade a seus al-
desbordou... Havia muita simpatia por tos destinos, afastando-a, portanto, do
19
Mussolini na zona italiana. ateísmo comunista. Combater as maze-
las sociais, nessa perspectiva, significava
O apoio dado ao integralismo pela Ordem
t a m b é m incentivar a população a exercer
dos Capuchinhos e, de resto, por mem-
seu poder de voto:
bros de todo o clero brasileiro deveu-se
não s ó à simpatia com o fascismo italia-
O lugar dos c a t ó l i c o s e de todos os bra-
no, mas t a m b é m a uma convergência de
sileiros que ainda amam a integridade
idéias. A análise da realidade brasileira e
da pátria é na batalha das urnas em
das possíveis s o l u ç õ e s aos problemas
defesa da nossa t r a d i ç ã o . . . A r e l i g i ã o
nacionais eram semelhantes. Da mesma
n ã o impede nem i m p õ e a a d e s ã o dos
forma que a AIB, a Igreja católica consi-
c a t ó l i c o s ao integralismo (...) mas pode
derava serem responsáveis pela situação
ser de grande alcance ao futuro do Bra-
crítica do país o enfraquecimento do prin-
sil que ingressem no movimento os
cípio de autoridade, a carência de leis
c a t ó l i c o s leigos que tenham v o c a ç ã o
constitucionais, a fraqueza da hierarquia 20
política.
e da ordem e a infiltração comunista. So-
bretudo esse último fator, o suposto pe- Aos que acusassem os r e l i g i o s o s de
rigo iminente do comunismo, alterava a extrapolar suas funções ao imiscuir-se em
classe sacerdotal. Medidas urgentes de- atividades políticas, os freis capuchinhos
veriam ser tomadas para evitar a propa- alegavam que o estágio a que chegara o
p á g . 28 . J u l / d e z 1997
V o
Para Arthur Rech, militante do grupo, as eleições municipais de 1935. Como ban-
ligações entre o integralismo e o fascis- deira eleitoral, a moralidade e o controle
mo eram evidentes e positivas, pois mos- dos gastos públicos: combatiam o aumen-
travam a universalidade de uma idéia, de to de impostos, a criação de novas tribu-
uma doutrina que deveria vingar no mundo: tações e a proliferação de funcionários;
defendiam a n ã o sobrecarga de impostos
Mesmo sendo os movimentos da mes-
aos colonos agricultores e a política do
ma ordem, n ã o q u e r í a m o s uma identi-
equilíbrio orçamentário, com a compres-
f i c a ç ã o direta, nossa m i s s ã o era com o
s ã o de todos os gastos. Para um partido
Brasil. O verde simbolizava a terra bra-
que havia se organizado em apenas um
sileira. Queríamos ser pessoas
ano na região, os resultados do pleito
marcadas na sociedade pelo exemplo:
eleitoral foram extremamentes favoráveis,
virtude, religiosidade, disciplina, amor
sendo os melhores que o partido obteve
pelo trabalho, isto o integralismo pre-
no estado. A AIB elegeu em Caxias do Sul
gava. Q u e r í a m o s tudo nativo, é r a m o s
três vereadores, Arthur Rech (represen-
brasileiros e n ã o italianos. Os imigran-
tante comercial), Humberto Bassanesi
tes passaram a aderir à camisa-verde,
(empregado do comércio) e Emílio Pezzi
deixaram de usar a camisa-parda. O
(comerciante), contra quatro vereadores
nosso movimento era melhor, era mais
do partido situacionista, o PRL, equipa-
democrático."
rando praticamente o público de eleito-
O ponto focai de interesse do grupo re- res. Ha votação geral, os vereadores do
pousava antes no que era percebido como PRL receberam 1.470 votos enquanto os
um apurado sentido nacionalista da AIB, vereadores da AIB obtiveram 1.218. 25
preocupada com assuntos de toda a na- A partir desse resultado e da atuação sem-
ção e concebendo a idéia de partido na- pre contrastante dos vereadores
cional', longe, portanto, das a m b i ç õ e s integralistas na c â m a r a municipal, a hos-
restritivas e dos imediatismos dos parti- tilidade do partido governista, a t é e n t ã o
dos regionais. O comunismo, mais uma relativamente contida em função da pre-
vez, ia de encontro a esses princípios, sença do clero nas fileiras da AIB, tornou-
mostrando-se 'internacionalista'. Assim, se ostensiva. As rivalidades latentes tor-
dentro do quadro político da época, a AIB naram-se explícitas e o movimento
teria se mostrado ao grupo como a op- integralista passou a ser alvo de ataques
ção mais promissora. constantes que visavam d e s a c r e d i t á - l o ,
entusiasmados com a numerosa a d e s ã o pondo em dúvida suas atitudes e seu ca-
ao movimento na zona rural, com o apoio ráter. O PRL procurava identificar a AIB
de uma parcela do clero e com a sempre ao comunismo, explicando que, em am-
crescente inserção na própria zona urba- bos os movimentos, o governo deixava de
na, os integralistas articulam-se para as ser uma e x p r e s s ã o da vontade da maio-
p á g . 3 0 . jul/dez 1997
R V O
PRL locais apoiaram, no início, o novo re- escondido aquele que mais tarde po-
gime. Para os integralistas, o fim das prá- deria ser o portador do punhal homici-
p á g . 32 . J u l / d e z 1997
V o
AIB rebelaram-se contra o governo fede- determinadas regiões do país onde esta
ral na expectativa de tomar o poder. No fase de transição mostrou-se mais agu-
planejamento nacional do golpe, alguns da, a receptividade à AIB foi, em geral,
integralistas desta área de imigração fo- mais intensa dado o seu caráter de movi-
ram convocados ao Rio de Janeiro a fim mento político tido como alternativo ao
de receber instruções. Segundo depoi- status quo vigente. Suas práticas e pro-
mento de Oswaldino Ártico: postas doutrinárias consideradas radical-
Em Caxias, ficamos reunidos esperan- mente novas forneceram um projeto po-
do o sinal da rádio Mairink Veiga para lítico a u t ô n o m o para segmentos sociais
c o m e ç a r m o s a r e v o l u ç ã o . Iniciava no emergentes que se identificaram com este
Rio. O sinal n ã o foi feito. N ó s n ã o t í n h a - tipo de apelo. Essa realidade, presente ém
mos armas. Nada organizado. Na hora, maior ou menor grau nas á r e a s onde a
í a m o s pensar no que fazer, mas nada AIB encontrou aceitação, não pôde impe-
aconteceu. Eicou por isto mesmo e o dir o reconhecimento das particularida-
movimento integralista terminou para des locais que diferenciaram e enrique-
sempre. 30
ceram a análise da natureza do
sua existência legal (1932-1938) a mani- nas de imigração alemã e italiana, pare-
N O T A S
1. O integralismo tem sido nas ú l t i m a s d é c a d a s objeto de interesse em uma perspectiva nacional
e, mais recentemente, em a n á l i s e s comparativas com os movimentos fascistas europeus. Ver
a
entre outros: tlelgio Trindade, Integralismo: o fascismo brasileiro na d é c a d a de 30, 2 ed., S ã o
Paulo, Difel, 1977; J o s é Chasin, O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no
capitalismo hipertardio, S á o Paulo, Editora C i ê n c i a s Humanas, 1978; Ricardo Benzaquen de
Araújo, A cor da e s p e r a n ç a : totalitarismo e r e v o l u ç ã o no integralismo de Plínio Salgado, Rio de
Janeiro, CPDOC/PGV, 1984; Elmer Broxson, Plínio Salgado and brazilian integralism (1932-1938).
Washington. The Catholic University of America, 1972; Juan Linz, "O integralismo e o fascismo
internacional". Porto Alegre, Revista IFCtl. J.1976; Walter Laqueur (ed.), Tasc/smo: a reader's
guide, University of Califórnia Press, 1976; Pierre Milza, Les fascisme. Paris, Impremerie
Nationale, 1985; Stanley Payne, El fascimo, Madrid, Alianza Editorial, 1982.
2. Sobre a formação histórica do Rio Qrande do Sul ver: Joseph Love. O regionalismo gaúcho,
a
São Paulo, Perspectiva, 1975; Paul Singer, Desenvolvimento econômico e evolução urbana, 2
ed., São Paulo, Companhia nacional Editora, 1977; Helga Piccolo, "A política rio-grandense no
Império", em J. Dacanal e S. Gonzaga, Rio Qrande do sul: economia e política. Porto Alegre,
Ed. Mercado Aberto, 1979; Sandra Pesavento, Rio Qrande do Sul: economia e poder nos anos
30, Porto Alegre, Ed. Mercado Aberto, 1980.
3. Jean Roche, A colonização alemã e o Rio Qrande do Sul, vol. II, Porto Alegre, Ed. Qlobo, 1969.
4. Entrevista de Alcides Arendt (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPEROS/COnsUL/Universi-
dade Federal do Rio Qrande do Sul.
5. Entrevista de Maximiliano Hahan (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPERQS/COnSUL/ Uni-
versidade Federal do Rio Qrande do Sul.
6. Telegrama de Morais Forte a Flores da Cunha, publicado no jornal Correio do Povo. Porto Ale-
gre, (26/2/1935).
7. Entrevista de Metzler ao jornal Correio do Povo, Porto Alegre, (26/2/1935).
8. Relato de Felipe Stahl. Contribuição para a história de Mova Petrópolis, Prefeitura Municipal de
nova Petrópolis. EDUCS. 1985. p. 245.
9. Relato de Irmgard Schuch, ibidem, p. 249.
10. Relato de Elizabeth K. Evers, ibidem, p. 256.
11. Telespresso n° 2.085/656 (Rio de Janeiro, 21 de setembro de 1936) e Telespresso n° 235.417
(Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1936), Arquivo Histórico do Ministério de Relações Exterio-
res-Roma.
12. Entrevista de Enrico Muller (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, NUPERQS/COnSUL/ Universi-
dade Federal do Rio Qrande do Sul.
13. Entrevista de José Ferreira da Silva (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPERQS/COMSUL/
Universidade Federal do Rio Qrande do Sul. Integralista de Blumenau, o diretor da Biblioteca
Pública, Ferreira da Silva, era luso por descendência paterna e alemão pela linha materna.
14. "Os homens somos nós" de Luís Compagnoni, publicado no jornal O Bandeirante, (10/2/1935).
15. Entrevista de Oswaldino Ártico, concedida em 1991.
16. Entrevista de frei Alberto Stawiski, concedida em 1991. De origem polonesa, formou-se no
curso de Filosofia e Teologia da cidade de Qaribaldi em 1925.
17. Stafetta Riograndense, Caxias do Sul, (12/9/1934).
18. Entrevista de Carlos Fabris (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPERQS/COnSUL/ Universi-
dade Federal do Rio Qrande do Sul. Fabris tornou-se chefe do integralismo no distrito de Con-
ceição, interior de Caxias do Sul.
19. Entrevista de frei Dionísio Veronese, concedida em 1991. Para o frei capuchinho: "Os líderes
do integralismo estavam nas cidades, mas a penetração do integralismo era principalmente
nas colônias, no interior. Eram agricultores, os colonos que entravam para o integralismo".
Oswaldino Ártico, por sua vez, observa: "A gente aqui em Caxias dirigia o integralismo, mas
nas colônias, nestes vilarejos, havia muitos integralistas. Os colonos eram todos integralistas
por causa da Igreja".
20. Jornal Stafetta Riograndense, (21/3/1934). Segundo a reportagem *(...) diversos países euro-
peus sofreram uma profunda revolução política transformando-se em estados corporativos,
como a Itália, a Alemanha. O movimento deveria ampliar-se (...) a AIB que vem surgindo de-
fende o sistema corporativo".
21. Entrevista de frei Alberto Stawiski.
22. Entrevista de Oswaldino Ártico.
23. Entrevista de frei Dionísio Veronese.
24. Entrevista de Arthur Rech (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, MUPERQS/COnSUL/Universida-
de Federal do Rio Qrande do Sul.
p á g . 3 4 . Jul/dez 1997
V O
R
B I B L I O G R A F I A
1. Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul (Setor de Bibliografias): Arthur Rech;
Humberto Bassanesi; Emílio Germano Pezzi.
social and political context of Rio Qrande do Sul in the 1930s. The analysis places the í n t e g r a l l s m
in the same category as the fascists movements. Thus, the subject is focused on the problems
encountered by the movement during its regional expansion process, considering the particularities
R É S U M É
Lessai entend d é c r i r e la mise en place de 1'Action I n t é g r a l i s t e B r é s i i i e n n e (AIB) de Plínio Salgado,
dans le contexte social et politique de 1'état du Rio Qrande do Sul pendant la d é c a d e de 1930.
Lanalyse situe 1'intégralisme dans la c a t é g o r i e des mouvements fascistes. Par rapport à cette i d é e ,
le sujet est centre dans les vicissitudes qui connait le mouvement au cours de son processus
O U n i v e r s o do T r a b a l h o do
làa - S P
(1876/1930)
A
nalisar o universo do paulista, até e n t ã o essencialmen-
2
trabalho imigrante, te rural.
na cidade de Itu, de A expulsão desses imigrantes
uma forma mais ampla, no pe- de seus p a í s e s de origem,
ríodo de 1876 a 1930, é uma notadamente da Itália, foi
tarefa extremamente exaustiva, cuja di- causada pela e x p a n s ã o do capitalismo
m e n s ã o extrapola a abrangência de um a p ó s 1850 e c o n s e q ü e n t e divisão inter-
artigo. Porém, a pesquisa realizada a par- nacional do trabalho. O fato de eles n ã o
1
tir das fontes p r i m á r i a s resgatou dados se submeterem ao processo de
essenciais para a análise das diferentes proletarização em sua terra natal esti-
3
categorias de trabalho, da composição da mulou a emigração para o Brasil, rece-
população imigrante por nacionalidade e bendo esse movimento pleno apoio go-
de alguns aspectos de sua trajetória ao vernamental, tanto no país receptor como
c h e g a r ao B r a s i l . O corte t e m p o r a l no expulsor. Em 1871, sancionava-se
corresponde à fase de transição da m ã o - uma lei em que o governo brasileiro era
de-obra escrava para a mão-de-obra l i - autorizado a emitir apólices de a t é seis-
vre, m o m e n t o em que as correntes centos contos, visando o pagamento de
imigratórias tornaram-se mais expressi- passagens de imigrantes, dando-se pre-
vas, povoando grande parte do interior ferência aos do norte europeu. Messe
D e s e m b a r q u e d e u m g r u p o d e Imigrantes n a e s t a ç ã o d a H o s p e d a r i a d e Imigrantes. M u s e u d a
Imigração.
p á g . 3 8 . Jul/dez 1997
V o
A
expansão da rede ferroviária,
te. Vários autores analisaram a q u e s t ã o
por sua vez, fez ainda com
da rentabilidade do trabalho do colono,
que a capital de São Paulo se
comparado ao do escravo. José
tornasse o centro de irradiação, trazen-
Vergueiro, um dos defensores do traba-
do alterações em toda a conjuntura soci-
lho livre, e s p e c i f i c o u num artigo
al e econômica do estado. Itu j á recebia
jornalístico que para a aquisição de cem
os benefícios da Estrada de Ferro Ituana,
escravos, obtinha-se o equivalente a
interligada com Jundiaí — inaugurada em
1.660 trabalhadores livres.
1873 — que, sem dúvida, se configurou
num marco importante para o fluxo
A imigração converteu-se, portanto, num
imigratório. A população e a economia da
fenômeno concreto, mudando a qualifi-
região cresciam, principalmente com a
cação técnica da força de trabalho, tor-
afluência desses trabalhadores. O tráfe-
nando-a superior à do trabalho escravo.
go ferroviário entre Itu e Capivari, pela
O afluxo dessa massa imigratória resul-
nova via, fora aberto em 1875, e o de Itu
tou da existência e/ou melhoramento do 6
a Piracicaba, em 1876. Essa ampliação
sistema de transporte na região, a p ó s o
da rede de comunicações com a capital
crescimento da lavoura cafeeira. O re-
permitiu, por sua vez, um maior movi-
censeamento de 1872 j á indicava, em Itu,
mento de capital, resplandecendo a r i -
um g r a n d e n ú m e r o de estrangeiros
queza, portanto, em todo o t e r r i t ó r i o
(1.187 no total, sendo 707 livres e 480
paulista. Embora incipiente, essa rede e
escravos). Dentre os livres, 75,5% eram
o porto de Santos garantiam o êxito do
homens e 24,5% mulheres. A população
processo imigratório e da economia de
estrangeira escrava era formada por 71%
exportação cafeeira.
de homens e 29% de mulheres. A pre-
s e n ç a dos estrangeiros era restrita aos A e m i g r a ç ã o estrangeira para o Brasil
de origem portuguesa (37,8%), italiana teve no elemento italiano seu principal
C
Enquanto a maior parte da massa imi-
omparados ao recenseamento
grante — notadamente de origem italia-
de 1872, os registros da popu-
na, que se Fixava na capital paulista no
lação imigrante residente em
início do processo imigratório — dedica-
Itu, no período de 1939 a 1969, permi-
va-se à p r o d u ç ã o fabril, como o p e r á r i o s
tem avaliar que ocorreu o aumento da
e proprietários de estabelecimentos i n -
diversidade da procedência desses novos 9
dustriais, no interior do estado, em par-
habitantes. Constata-se, e n t ã o , que pre-
ticular em Itu, essa p o p u l a ç ã o restringia-
d o m i n a v a m os i m i g r a n t e s i t a l i a n o s
se ao trabalho no campo, principalmente
(46,6%), seguidos pelos espanhóis (36%),
nas lavouras de café, pois tinha na agri-
portugueses (4%) e os demais (13,4%),
cultura melhor oferta de trabalho e mo-
compostos por suíços, franceses, libane-
radia.
ses, a u s t r í a c o s , venezuelanos, argenti-
nos, egípcios, romenos, a r m ê n i o s , ale- O pequeno proprietário, a r r e n d a t á r i o e
m ã e s , holandeses, paraguaios, h ú n g a r o s meeiro, italiano, na sua terra de origem,
e ingleses. em quase nada diferia do bracciante,
p á g . 4 0 . Jul/dez 1997
R V O
Lombardia 105.973
O universo do trabalho do imigrante, em
Abruzzi/Molise 93.020
Itu, atrelava-se certamente à escolha
Toscana 81.056
ocupacional, condicionada à s raízes his-
Emília Romana 59.877
tóricas dessa massa imigratória, levan-
Basilicata 52.888
do-se em conta os valores próprios de
Sicília 44.390
uma sociedade pré-industrial e as dife-
Piemonte 40.336
renças regionais de cada nação. A esco-
Puglia 34.833
lha inicial do imigrante pelo campo, em
Marche 25.074
detrimento da cidade, dava-se com base
Lázio 15.982
nos seus valores socioculturais. Por essa
r a z ã o , eram assustadoras as cifras de Úmbria 11.818
Zuleika Alvim, tomando-se por base o Fonte: Zuleika Alvim, Brava gente: os italianos em São Paulo, São
Paulo, Brasiliense. 1966.
11
recenseamento do Brasil de 1920.
Dentre os sócios relacionados no livro de
lio estado de São Paulo, segundo o cen- registros da antiga Sociedade de Mútuo
so de 1920, a massa imigrante Socorro Luigi de Savoia, fundada em
1J
correspondia, de um modo geral, a 18,1% 1919, verificou-se que, nesse ano, 168
da população total. Qrande parte desse (58,8%) italianos e seus descendentes j á
contingente era composta por italianos haviam se tornado trabalhadores urba-
(60%), e s p a n h ó i s (27%), portugueses nos e destacavam-se como pequenos co-
(5%), a u s t r í a c o s (3,6%), turcos (1,2%), merciantes ou a r t e s ã o s . As diferentes ca-
franceses (0,7%), a l e m ã e s (0,6%), argen- tegorias desses trabalhadores e o número
tinos (0,5%), uruguaios e americanos de pessoas ocupadas podem ser obser-
(0,2%), poloneses e suecos (0,1%) e, em vadas a seguir: proprietário (34), nego-
menor escala ainda, dinamarqueses, rus- ciante (22), trabalhador (10), industrial
sos, s u í ç o s , venezuelanos, cubanos e (8), sapateiro (8), alfaiate (7), carpintei-
húngaros (esses dados referem-se aos ro (6), ebanista (5), açougueiro (4), mo-
que inclusive adotaram nacionalidade torista (4), construtor (3), carreteiro (3),
brasileira). construtor de edifício (3), padeiro (2),
serralheiro (2), barbeiro (2), guarda-livros (I) , Merja (1), A d i a (1), G u e r b a (1),
(2), artista (2), m e c â n i c o (2), relojoeiro Algarrobo (1), Alcandete Jaen (1) e sem
(2) , bilheteiro (2), vigilante (2), cocheiro identificação de origem (7). C o m e ç a r a m
(1), operário de olaria (1), chefe de es- a chegar, em maior n ú m e r o , no Brasil,
t a ç ã o telefônica (1), pastor (1), ourives somente a partir dos anos de 1910, con-
(1), leiteiro (1), pastato (1), marmorista forme verificado na d o c u m e n t a ç ã o da
(1), ferrador (1), hoteleiro (1), negocian- série registro de estrangeiros. Assim sen-
te de madeira (1), caixeiro-viajante (1), do, notou-se o registro de (1) espanhol
arrieiro (1), o p e r á r i o (1), t é c n i c o (1), em 1878, (2) em 1888, (1) em 1889, (2)
carrero (1), comerciante (1), farmacêuti- em 1890, (2) em 1892, (3) em 1893, (4)
co (1), médico (1), agricultor (1), funileiro em 1894, (2) em 1895, (2) em 1896, (4)
(1), pedreiro (1), tipógrafo (1), arquiteto em 1897, (2) em 1898, (2) em 1899, (2)
(1), marmoreiro (1), vendedor de tripas em 1900, (2) em 1901, (1) em 1902, (1)
(1), proprietário de garagem (1), profes- em 1903, (5) em 1904, (6) em 1906, (1)
sor (1) e litógrafo (1). em 1907, (2) em 1909, (6) em 1910, (13)
em 1911, (13) em 1912, (16) em 1913,
C
omo s ã o escassos os estudos
(II) em 1914, (3) em 1915, (3) em 1916,
sobre a i m i g r a ç ã o espanhola
(1) em 1917, (2) em 1920, (4) em 1921,
no Brasil, verificou-se, nas fon-
(7) em 1922, (7) em 1923, (4) em 1924,
tes documentais j á destacadas, que a sua
(3) em 1925, (3) em 1926, (4) em 1927 e
grande maioria em Itu era originária de
(1) em 1929, sendo que sete elementos
Granada (31), Málaga (19), Almeria (16)
não forneceram dados sobre a data de
e Toledo (9), seguindo Múrcia (6), Lorca
sua chegada ao Brasil.
(3) , Ruvite (3), Madri (3), Pazo-Alcon-Jaon
(3), Cádis (3), Pamplona (2), Leon (2), Embora numericamente inferior ao imi-
C á c e r e s (2), Orenze (2), Sevilha (2), grante italiano, o espanhol n ã o diferia
Alicante (2), Palácios Rubios (1), Caim (1), substancialmente daquele, pois era tam-
Narmeriana (1), Salamanca (1), Vila Coim bém colono e lavrador, visto que a pe-
(1). Haen (1), Ubida (1), Hetea (1), Ávila quena propriedade predominava e se
(1), Cartagena (1), Samora (1), Motril (1), configurava nos moldes da p r o d u ç ã o e
Ponte Vedra (1), Sogronha (1), Armedo consumo familiar. O sobreproduto cres-
(1), Albaceti (1), Colmenar (1), Colúmbria cente da agricultura, no entanto, trans-
(1), Pliego (1), C ó r d o b a (1), Sierra dei formava aos poucos a cidade e o siste-
Lehgua (1), Mazarron (1), Montilla (1), ma de manufatura urbana, e reforçava a
Luidarrar (1), Valdeverdeja (1), Vila de capacidade produtiva, ampliando o n ú m e -
Albandon (1), Albunol (1), Cuia de Vassa ro de pequenas lojas e a r m a z é n s e a pro-
(1), Jaen Pazo (1), Castres (1), Merga (1), d u ç ã o artesanal organizada (alfaiatarias,
Pear de Becerro (1), Sorbas (1), Mendoza c o n f e i t a r i a s , s a p a t a r i a s , o f i c i n a s de
p á g . 4 2 . Jul/dez 1997
costura e outras). A presença de operá- rurais, 127 (26,7%) de origem italiana.
rios fabris e 'avulsos', entre os imigran- Mo ano de 1910, ela constatou 151 pro-
tes italianos e e s p a n h ó i s , era constan- priedades de italianos e, para o ano de
te, o b s e r v a ç ã o t a m b é m revelada em 1920, concluiu que 10,1% da população
anúncios classificados da imprensa peri- residente no município de Itu era de ori-
ódica. O trabalho feminino estava volta- gem italiana, considerando-se que, de um
do principalmente para as atividades do- total de 30.392 habitantes, 3.087 eram
mésticas, destacando-se, nesse univer- italianos. A cidade vizinha de Salto cha-
so, os imigrantes italianos, e s p a n h ó i s , mou a atenção da autora, pois o quadro
portugueses, austríacos e romenos. Mas era ainda mais marcante: em 1905, pos-
atividades eclesiásticas, era freqüente a suía 96 propriedades rurais, sendo 41
presença de freiras portuguesas no Co- (42,7%) de italianos; em 1920, possuía
légio Mossa Senhora do Patrocínio e no 147 propriedades rurais, sendo 53 (36%)
Mosteiro da Imaculada Conceição; de sa- também de italianos. Mo ano de 1920, a
cerdotes franceses, ingleses, holandeses população urbana residente na cidade de
e uruguaios no Colégio São Luís, na Igre- Salto era de 9.934 habitantes, sendo
14
j a do B o m Jesus e no S e m i n á r i o do 1.583 (15,9%) italianos. Porém,
Carmo; e de religiosas francesas e bel- embora os imigrantes, em 1920,
gas no Colégio Mossa Senhora do Patro- correspondessem a 16,6% da população
cínio e no Mosteiro da Imaculada Con- do município de Itu, a t é o ano de 1904 a
ceição. renda do solo urbano era restrita aos
servamos que ainda era freqüente a pre- registro dos 1.256 imóveis urbanos, ca-
seus descendentes. Zuleika Alvim, em seu estão ali presentes como proprietários de
15 18
trou no município de Itu, para o ano de contava com acréscimos numéricos sig-
Total 91 109
O trabalho feminino, tanto no campo
como na cidade, n ã o era bem definido,
Outro dado importante, merecendo des- pois declararam-se como ' d o m é s t i c a s '
taque, é que a população imigrante em 356 (37%) imigrantes de um total de 963.
Itu foi capaz de garantir a m a n u t e n ç ã o Entretanto, como trabalhador rural pro-
do exército de reserva e da força de tra- priamente dito, destacaram-se o lavra-
dor, lavrador/proprietário, agricultor, ar- acumulação de riquezas: objetos, tesou-
rendatário e meeiro, em que 306 (31,8%) ros, capitais virtuais. Tornava-se deposi-
eram notadamente de nacionalidade ita- tária da riqueza monetária, tendo como
liana e espanhola. fonte, principalmente, o c o m é r c i o e a
19
usura.
Como trabalhador urbano, 277 (28,7%),
Essa população imigrante, ao chegar no
destacavam-se os operários de fábrica e
Brasil, nem sempre se dirigia diretamente
avulsos, 71 (7,4%); e os comerciantes e
para Itu. As certidões de primeiro casa-
comerciantes/proprietários, 65 (6,7%). As
mento, em número de 252, anexadas a
demais atividades enfatizadas a seguir
essa d o c u m e n t a ç ã o de registro de es-
correspondem a uma parcela menor da
trangeiros, permitiram destacar que,
população imigrante urbana, que dedica-
dentre os italianos que tinham contraído
va-se à educação religiosa e a outras ati-
as primeiras núpcias em diferentes cida-
v i d a d e s p r o f i s s i o n a i s : r e l i g i o s o 12
des paulistas, a maioria o fizera em Itu,
(1,2%), sacerdote 10 (1%), freira 12
e em cidades circunv izinhas: Itu (92),
(1,2%), padeiro 9 (0,9%), pedreiro 8
Cabreúva (11), São Paulo (8), Capivari (6),
(0,8%), ferroviário 8 (0,8%) e diarista/jor-
Indaiatuba (5), Campinas (5), Jundiaí (5),
naleiro 6 (0,6%).
Salto (4), Cravinhos (2), Cosmópolis (2),
A apropriação da renda urbana por agen- Bauru (1) e Valinhos (1). Dentre os espa-
tes do setor privado (fábricas e oficinas) nhóis: Itu (52), Indaiatuba (6), Sorocaba
e pelo Estado dificultou o acesso da po- (5), São Paulo (4), Salto (3), Cabreúva (4),
pulação de baixa renda à s á r e a s privile- Jundiaí (2), Mandaguari (2), Porto Feliz
giadas do solo urbano. Em face dessa si- (1), Valinhos (1), Rio Claro (1), Conchas
tuação, o subúrbio da cidade, que j á es- (1) e Capivari (1). Dentre os portugue-
tava segregado à população de baixa ren- ses: Itu (6), Sáo Paulo (3) e Santos (1).
da, passou a ser gradativamente o espa- Dentre outras nacionalidades: Itu (5),
imigrante recém-chegado à cidade sub- (1), Jundiaí (1) e Porto Feliz (1). Essas ob-
p á g . 4 6 . Jul/dez 1S97
R V O
Quadros
Categorias de trabalho dos imigrantes que entraram no país entre 1876 e 1930, e que
foram registrados no período de 1939/1969 na delegacia de polícia de Itu (quadros 1 a 6).
Ouadro 1
No campo Na cidade
Nacionalidade Número de indivíduos Numero de indo Iduos
1 2 3 1 5 6 1 8 9 10 11 12 13 14(a)
Irahanoa 92 67 2 1 2 I1 13 2 44 3 6 5
Etpanhoii 61 31 1 1 2 2 » 7 18 1 3
j 7 | j
Portuflueae»
Franceaee
lníl»« 1
Alemaee
4 3 i
10 4 2 1 1 -
Búlgaro* 1
Belftai
Iugoslavo! 1 1
Luxem bunrueaea
1
Holandeae»
Lituano* 1 2 1
Húngaro! 2 1 2
Ruaaoa 2 1
2 4
Armênios - 3 : 1
Ejdpde»
Sinos ! 1 5 4 3
Ubaneaea 1 1
3 2
Venezuelano!
Norlc-arneneanoe 2 1 1
lotai 182 112 10 1 6 28 37 15 71 4 9 S
Quadro 2
Na cidade
Nacionalidade Ni mero de IndiMdi •
15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26
lulum» 1 6 1 1 2 2 2 3 1 11") 1 4"
espanhóis 1 . 1 2 1 1 2 1 104
Hortu^ucsoi 1 1 1 5 12
Franceses
Ingleses 2
9
Austríacos 13
2
Ikil caros
lklws 1
Iugoslavos 1
luxcmburgucscs 1
2
Sui'.is
s
1 lolandeses 1
ljtuatMK 1
Húnearoa 3
Russos 1
Japoncaca 5
Armemos 1
KRÍPC.O,
Sírios
4
3 —
Argentinos 1 1
Uruguaios
2
Paraguaio!
Vcnc/uclanoa
Noríc-amerícanoa
Total 4 9 2 3 3 4 4 8 2 356 1 12
Quadro 3
Na cidade
Nacionalidadc Número de indivíduos
27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37
Italianos - - •1 - 1 - 1 2 2 2
F.spanhóis - • r 1 - i . 1 2
Portugueses - '4 * 1 * * * - - - 1" .
Franceses - - - - - - -
Ingleses
1"
- - - - - - - - - -
Alemães - - - - - _
Austríacos - - - -
Romênios - 1* - - - - 1
llúlearos - - - - - - -
iklgas - - - - - -
Iugoslavos - • - - - - 1
Luxemburgueses - - - - - - -
Suíços - - - - - - - -
Holandeses 6"* - - - - - - -
Liluanos - - - - -
Húngaros - - - - _
Russos - - - - - i
Japoneses - - - - - - - -
Armênios - - - - - - -
Hcipcios - - - - - - - -
Sírios - - - - - - -
Libaneses - - - - - -
Argentinos - • - - -
Uruguaios - ]... - - - - -
Paraguaios - - - - - - -
Venezuelanos - - - - - -
Norte-americanos - - - - - -
Tolal 10 - 12 1 1 2 2 4 1 2 4
Quadro 4
Nacionalidade Número de lndi\idun*
Italianos
W
4
C) H2 w1 (c)
1
0 (h) 0)
1
2
l-spanhois
Portugueses
Franceses
fcajlINi
Alemães
AMÉM
M M H
líiilil.-if -
Belgas
Iugoslavos
1 jjxcm burguês cs 1
Suis.»
IMMHM
UMMM
Húngaros
Russos
Jiiporiescs
Armênios
Egípcios
Sírios
I ih.mescs
Argentinos
Uruguaios
1'araguak»
Venezuelanos
Norte-americanos
6 1 2
T5S 1 2 1 1 1 1
p á g . 4 8 . J u l / d e z 1997
R V O
Quadro 5
Niiiiorui liti.uk- .Número dc lndmduos
(k) 0) (m) (n) M <») w (r)
Italianos i 1 ] 2 1 1 1 1
Espanhóis 1 - •
Portugueses
maMi
Ingleses
Alemães
Austríacos
Romenos
IJúl caros
Belgas
IlieOslaVuS
I li vem burgueses
Sulcos
1 U M deses
Iiluanos
Húngaros
Russos
Japoneses
Armênios
l-.gijvi.*
Sírios
. sj-qenhnos
l 'ruguaios
Paraguaios
Venezuelanos
Norte aniericanos
i 1 1 1 1 2 1 1 1 1 1
(j) foguista/operário (1) rebolci.ro (n) marceneiro (p) cleiricista (r) alfaiate
(k) construtor (m) seleiro (o) contador (q) lenhciro
Quadro 6
Nacionalidade Número de indivíduos
(s) (D (u) (v) (x)
Italianos - - - - 1
Espanhóis - - - - 1
Portugueses 1 - - 1 -
Franceses - - - - -
Ingleses - - - - -
Alemães - - 1 - -
Austríacos - - - - -
Romenos - - - - -
Húlgaros - - - - -
llelgas - - -• - -
Iugoslavos - - - - -
Luxemburgueses - - - - -
Suíços - - - - -
1 lolandeses - - - - -
Lituanos - - - -
I Iúngaros - - - - -
Russos - - - - -
Japoneses - - - - -
Aniiênios - - - - -
Egípcios - - - - -
Sírios - - - - -
Libaneses - - - - -
Argenlinos - 1 - - -
Uruguaios - - - -
Paraguaios - - - - -
Venezuelanos - - - - -
Norte-americanos - - - - -
Total 1 1 1 1 2
N O T A S
1. Coleção delegacia de polícia de Itu - série registro de estrangeiros, Recenseamento do Brasil,
de 1920 e de 1926, registro de estrangeiros (italianos) e livro de registro de sócios da
Sociedade Ítalo-Brasileira 'Dante Aleghieri' e livros de impostos prediais de Itu, do acervo do
Museu e Arquivo Histórico Municipal de Itu (MAHMI).
2. Pasquale Petrone, ao analisar as indústrias paulistas e os fatores de sua expansão, destaca,
com base nos trabalhos de Vicente U. Almeida e Otávio T. Mendes Sobrinho, sobre migração
rural-urbana, que após o ano de 1930 o movimento em direção aos centros urbanos tornou-
p á g . 5 0 , Jul/dez 1997
R V O
se mais intenso, particularmente para a cidade de São Paulo. Ver Pasquale Petrone, "As in-
dústrias paulistanas e os fatores de sua expansão". Boletim Paulista de Geografia (14), São
Paulo, julho de 1953, p. 34.
3. A Itália se desfez de cerca de 20 milhões de indivíduos entre 1861 e 1940, sendo que 85%
saíram entre 1861 e 1920. Zuleika Alvim, Brava gente: os italianos em São Paulo, 2 ed., São
Paulo, Brasiliense. 1986, p. 24.
4. Ver Zuleika Alvim. op. cit., pp. 42-49.
5. Ver Jonas Sousa e Júlio Wakahara, Itu: quatro séculos de história, s.d., p. 3.
6. Ver Francisco Nardy, Cronologia ituana, São Paulo, Ed. Bentivegna, 1951, vol. 4.
7. Conforme Pasquale Petroni, op. cit., pp. 26-37.
8. Essa documentação foi coletada na delegacia de polícia de Itu e doada ao Museu Republica-
no 'Convenção de Itu', em 1995, embora grande parte dela, correspondente aos registros de
'italianos', j á tivesse sido incorporada, também por doação, à Sociedade Ítalo-Brasileira
'Dante Alighieri', antiga Sociedade de Mútuo Socorro 'Luigi di Savoia'. Portanto, apenas
cerca de 50% do número total de registros dos 1.015 imigrantes, cadastrados nessa docu-
mentação do arquivo do registro de estrangeiros da delegacia de polícia de Itu (período de
1939 a 1969), foi anexado ao MRCI, dando-se então origem à Coleção delegacia de polícia
de Itu - série registro de estrangeiros. Embora essa coleção seja mais ampla, analisou-se
somente a documentação dos imigrantes que entraram no país entre 1876 e 1930, cujos
registros foram efetuados no período de 1939 a 1969. Essa documentação originou-se do
efetivo cadastramento desses imigrantes, em obediência ao decreto-lei n° 7.967, de 18 de
setembro de 1945. Legislação essa que visava efetuar rigorosamente esses registros, com o
objetivo de imprimir à política imigratória do Brasil uma orientação única e definitiva, que
atendesse à dupla finalidade de proteger os interesses do trabalhador nacional e de desen-
volver a imigraçáo que fosse fator de progresso para o país (Bureau de Informações Policiais,
São Paulo. 1945, p. 2, datilografado).
9. Petrone, avaliando a obra de Bandeira Jr. sobre a indústria em São Paulo, em 1901, observou
que já eram em número de cem as principais fábricas paulistas (fiação, tecelagem, móveis,
vestuário, bebida etc). Trinta e quatro delas eram de propriedade de italianos, e as demais
de estrangeiros de outras nacionalidades. O quadro do operariado, que mantinha propor-
ções equivalentes (dentre adultos e crianças de ambos os sexos), continha oito mil operários
fabris, sendo cinco mil estrangeiros (na grande maioria italianos), 803 nacionais e cerca de
2.100 de nacionalidade não especificada. Pasquale Petrone, op. cit., p. 28.
10. Zuleika Alvim, op. cit., p. 32.
11. Idem, ibidem, pp. 62-73.
12. Atualmente denominada Sociedade Ítalo-Brasileira 'Dante Alighieri'.
13. Recenseamento do Brasil - relação dos proprietários dos estabelecimentos rurais recensea-
dos no estado de São Paulo, vol. III, pp. 503-512, Rio de Janeiro, Tipografia de Estatística,
1926.
14. Zuleika Alvim, Emigração, família e luta: os italianos em São Paulo 1870-1920, dissertação
de mestrado apresentada ao Departamento de História da fFLCH/USP, São Paulo, 1983, p.
263.
15. Documentação pertencente ao acervo do Museu e Arquivo Histórico Municipal de Itu (MAHMI).
16. João Toscano e Jaelson Trindade, Diagnóstico geral da cidade de Itu para implantação de
um programa de ação cultural. São Paulo, Condephaat, 1977, vol. 1, pp. 60-61,
(mimeografado).
17. As declarações contidas nessa documentação referem-se ao período de 1892 a 1930. Os
dados obtidos foram extraídos dos 197 documentos que acusavam declarações de tempo de
residência em Itu (campo e cidade).
18. Considerados aqui de outras nacionalidades: sírios, franceses, libaneses, austríacos,
venezuelanos, argentinos, egípcios, romenos, armênios, alemães, holandeses, paraguaios,
húngaros e ingleses.
19. Ver Henri Lefebvre, O direito à cidade, São Paulo, Ed. Documentos Ltda., 1969, p. 10.
20. Ver José Martins, "A imigraçáo espanhola para o Brasil e a formação da força de trabalho na
economia cafeeira: 1880-1930", Revista de História, n. 121, São Paulo, ago./dez. de 1989,
p. 25.
focus on their work universe. The analysed period, from 1876 to 1930, corresponds to the period
of transition from slave labour to free labour, when the latter was integrated, in large part, in the
R É S U M É
Cet article a pour but exposer un profil general de Ia ville d'ltu — S ã o Paulo, ayant comme
99
' P r ©vertia! Hospiíalicilaííle ?
A Revises, de Ixnigréição e Colonização e
o JiscMrso oficial sotre o imigraiiíe
ódico com quatro volumes anuais. Entre digidos e assinados por autoridades
vista defendeu nos anos de 1940 a ma- o aproveitamento das grandes corren-
n u t e n ç ã o de uma p o l í t i c a imigratória tes i m i g r a t ó r i a s e u r o p é i a s que se fa-
restritiva apoiada em c r i t é r i o s é t n i c o s , zem e s p e r a r no p e r í o d o do após-
3
p o l í t i c o s e morais. guerra.*
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não se misturam. Para dar crédito a suas A metáfora do sangue acompanhou a po-
conclusões, Cavalcanti utiliza dados es- lítica nacionalista brasileira nos anos de
t a t í s t i c o s r e c o l h i d o s pelo professor 1930. Era preciso controlar a circulação
Pacheco e Silva, no hospital de Juqueri, desse fluxo s a n g ü í n e o representado pelo
entre 1921 e 1942, demonstrando que a imigrante portador do ' s a n g u e - s ê m e n ' ,
maioria dos criminosos e alienados era princípio da vida, mas t a m b é m do 'san-
6
constituída de refugiados de guerra. g u e - d o e n ç a ' , princípio da d e s t r u i ç ã o e
8
onalidade americana, e depois, secun- que era tomado como dever patriótico na
dariamente, como um fator e c o n ô m i - intenção de salvaguardar a nacionalida-
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co a p r e c i á v e l . (grifo meu). de. Segundo o dr. Antônio Viana, no arti-
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V o
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pontânea, proibindo a entrada de me-
A q u e s t ã o da assimilação do imigrante
nores de 14 anos desacompanhados, in-
continuava sendo uma preocupação cons-
digentes ou vagabundos, doentes, indi-
tante e deveria ser promovida pelo Esta-
víduos nocivos à s e g u r a n ç a nacional, es-
do. De acordo com o relatório do dele-
trangeiros anteriormente expulsos, con-
gado especializado de estrangeiros em
denados etc. Do ponto de vista legal n ã o
São Paulo, publicado em 1945,
se discriminava explicitamente raças ou
etnias, mas dava-se preferência ao por- O emigrante inassimilado, o imigran-
to, a discriminação estava presente nos meio que o recebeu, é um mau elemen-
artigos publicados pela Revista de Imi- to com o qual nunca poderemos contar
gração e Colonização. como filho adotivo da terra que o aco-
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teve-se nos artigos publicados pela Re- brasileiras como um perigo iminente, se-
democracia étnica,211
e até mesmo uma em adjetivos preconceituosos, os auto-
babel étnica. 29
negando o preconceito de res n ã o ocultavam suas opiniões recor-
to/erante, 30
apesar de se continuar i n - cado pelo trauma da vivência da Primei-
rantia para uma política imigratória bem ser evitada. Deusdedit Arauújo declara-
f a ç a (...)." ra ....
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que pretendiam assumir um papel de van- que n ã o afeta s ó o Brasil, mas tam-
0
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ujo." A ele cabia a o r i e n t a ç ã o da assi- Também Emílio Willems, em seu artigo "O
milação do imigrante, contribuindo, des- problema da imigração japonesa", data-
ta forma, para a construção de um Bra- do de 1946, denuncia o preconceito e o
sil maduro, civilizado e que, assistido por r a c i s m o e x p l i c i t a d o s na campanha
técnicos de todos os campos do conheci- a n t i n i p ô n i c a , b e m c o m o o m i t o da
4 6
mento, teria condições de se assemelhar i n a s s i m i b i l i d a d e de algumas r a ç a s .
aos Estados Unidos, considerado como "a Willems denuncia a atitude de alguns
mais bela civilização do mundo", publicistas que, utilizando argumentos
"amálgama de r a ç a s " , 43
e que, por sua falsamente científicos, predispõem a opi-
vez, possuía uma política imigratória bas- nião pública contra a "imigração amare-
tante restritiva. la". Afirma que esses autores s ã o segui-
Raramente encontram-se na Revista de dores de Qobineau ou Lapouge, acusan-
Imigração e Colonização posições contrá- do-os de racismo dissimulado. O objeti-
rias a este discurso intransigente sobre vo de Willems é salvaguardar a respon-
o imigrante. Uma exceção é o artigo de sabilidade da antropologia e diferenciar
Francisco de Assis Chateaubriand, que os posicionamentos científicos daqueles
defendendo a livre i m i g r a ç ã o alertava marcados pelo racismo.
para o absurdo do preconceito em rela- Estas opiniões divergentes achavam-se
ção aos a l e m ã e s e japoneses: cercadas e enfraquecidas pelo discurso
Nós pagamos o mesquinho resgate da autoritário e intolerante disfarçado sob
nossa condição de terra atrasada, que a forma da moderna ciência. Pacheco Sil-
vive a levantar todo dia fantasmas com va chegou a sugerir medidas e u g ê n i c a s
as colônias estrangeiras que labutam como a esterilização em massa dos maus
conosco. Até contra nossos irmãos elementos e o exame pré-nupcial obri-
portugueses já investiu o nosso boçal gatório, pois, como médico que era, con-
jacobinismo. 44
siderava como "(...) falsa c o m p r e e n s ã o
Assis Chateubriand, jornalista polêmico, da liberdade permitir que se perpetuas-
dono dos Diários Associados, manteve sem estirpes degeneradas (...)"."
relações dúbias com o governo Vargas e A Alemanha nazista j á adotara medidas
declarava-se simpatizante do fascismo, com esse caráter e no Brasil dos anos
além de ter sido acusado de atitudes de 1930 e 1940 não foram poucos os de-
anti-semitas nos anos de 1930. Apesar 45
fensores desta política repressiva, esta-
de defender neste texto de 1945 uma po- belecendo prescrições e u g ê n i c a s que, no
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o Brasil n ã o deve ser a terra prometida Para que possamos compreender esse
de Israel nem S ã o Paulo e a A m a z ô n i a posicionamento intransigente e, poderí-
a N a n c h ú r i a do futuro. amos dizer, antiético, devemos nos re-
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meter aos princípios da eugenia e como vam a simplificações para facilitar a com-
ela é ainda hoje exaltada no sentido de p r e e n s ã o dos leitores. Chegou-se a com-
trazer a felicidade futura e criar um mun- parar o imigrante a uma m á q u i n a e o
do sem d o e n ç a s ou imperfeições, nitida- processo imigratório ao processo de in-
mente, e s t á caracterizada a ânsia pelo d u s t r i a l i z a ç ã o , dependente sempre de
controle do devir histórico e a crença na planejamento. Segundo Valentim Bouças,
possibilidade de uma p o p u l a ç ã o gover- a interrupção do fluxo imigratório trans-
nada pela ciência. Os avanços da genéti- formaria o Brasil em "uma indústria que
ca t ê m mantido a atualidade dessas não renova suas m á q u i n a s . Estas enve-
questões." lhecem, os custos aumentam, os desper-
55
dícios crescem". Bouças referia-se ao
A REVISTA DE IMIGRAÇÃO E imigrante de maneira muito técnica, mas
COLONIZAÇÃO NOS ANOS DE 1950 encarava-o t a m b é m , retomando a m e t á -
fora do corpo, como sangue novo, impor-
a d é c a d a de 1950, e especial-
tante na formação do tipo étnico brasi-
mente no volume da Revista
leiro.
de Imigração e Colonização
publicado em 1 9 5 5 , a s s u m i u - s e um nos artigos publicados pela Revista de
posicionamento mais t é c n i c o visando, Imigração e Colonização na d é c a d a de
sobretudo, uma solução para o proble- 1950, persistia a p r e o c u p a ç ã o com a for-
ma da distribuição dos imigrantes no ter- m a ç ã o dos quistos raciais. Mo entanto, a
ritório nacional. Isto n ã o significou, no maioria dos autores ataca a teoria da
entanto, abandono das idéias inassimibilidade de algumas raças trans-
preconceituosas anteriormente utilizadas. ferindo a culpa da formação dos quistos
Continuou-se clamando, com mais inten- para a s i t u a ç ã o de isolamento em que
56
sidade, pela imigração de técnicos, agri- eram mantidos os imigrantes.
53
cultores e operários qualificados. O imi- A introdução de refugiados de guerra per-
grante pemaneceu sendo visto, pela manece como q u e s t ã o de s e g u r a n ç a na-
grande maioria dos autores, como bra- cional. Apesar de defendida por alguns,
ço, ou seja, como elemento de produção, que tentavam demonstrar o proveito que
independente de sua posição enquanto o Brasil poderia tirar destes imigrantes,
indivíduo. Alguns autores, como Antônio muitos pensavam como Antônio Vieira de
Vieira de Melo, chegaram a acrescentar Melo, que os chamava de "parasitas de
um cérebro a esse braço, mas desde que asfalto e das boites":
esse fosse um cérebro assimilado: " bra-
Mesmo a t r a v é s do crivo de uma comis-
ço qualificado e cérebro afim do nosso,
5
s ã o militar infiltraram-se entre os acei-
que aqui se irmane conosco". *
tos falsos t r a b a l h a d o r e s , que aqui
r e a c i o n á r i a s e altamente perigosos ao
fontes para o estudo do racismo", está
nosso p a í s . "
presente nas linhas e entrelinhas deste
periódico, porta-voz do discurso oficial
A constituição da nacionalidade depen-
sobre a imigração. Levantava-se a sus-
dia, para a maioria dos colaboradores da
peita da entrada no país de 'elementos
revista, de uma rigorosa seleção, sendo
perniciosos', propunha-se a vigilância
que os indesejáveis continuavam sendo
constante por parte das m i s s õ e s diplo-
os mesmos, apesar de não encontrarmos
máticas e a 'eliminação' dos 'indesejá-
explicitamente r e f e r ê n c i a s ao perigo
veis', impedindo sua entrada através de
amarelo ou semita. Doentes, refugiados
uma rigorosa seleção ou promovendo seu
de guerra, n ã o católicos, comerciantes,
repatriamento através da a ç ã o repressi-
não deveriam fazer parte da "democra-
va da polícia política. Assim, as decisões
59
cia racial brasileira", nem mereciam a
deveriam reservar-se aos m é d i c o s e à s
nossa "hospitalidade cordial". A forma-
autoridades policiais, enquanto ao
ção do caráter nacional persistia como
pedagogo cabia a responsabilidade pela
forma para se justificar a discriminação
assimilação daquele que j á se encontra-
ao 'outro', expressando a posição do go-
va radicado no país.
verno brasileiro que demonstrava n ã o
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saber conviver com as d i f e r e n ç a s . Esse discurso se prestou para legitimar
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ca. Uma investigação sistemática a esse resposta à q u e l e s que pregavam uma po-
Mão obstante, vozes contrárias à intole- uma pequena margem aos inúteis e
de Rubem Braga, escrita em janeiro de ria humana, pode vir a nossa reden-
N O T A S
1. Maria Luiza TUcci Carneiro, O anti-semitismo na era Vargas (1950-1945), 2*- ed. S ã o
Paulo, Brasiliense, 1995, p. 184.
3. C o í e ç ã o das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, atos do Poder Executivo, v. (7),
out./dez. de 1945, pp. 378-390.
11. Fernando Mibielli de Carvalho, "Imigração: um problema nacional", RIC, v. 1, mar. de 1945, p.
59.
16. Angela M. de Castro domes, "A c o n s t r u ç ã o do homem novo", em Estado tlovo - ideologia e
poder. Rio de Janeiro, Zahar, 1982.
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30. M. Paulo Filho, "A nova i m i g r a ç ã o " , RIC, v. 3, set. de 1946, p. 498.
34. A esse respeito ver, de Maria Luiza TUcci Carneiro, o c a t á l o g o da e x p o s i ç ã o Brasil, um refúgio
nos trópicos, S ã o Paulo, E s t a ç ã o Liberdade, 1996. Ver t a m b é m , da mesma autora, O anti-
semitismo na era Vargas, op. cit., p. 343.
44. Francisco de Assis Chateaubriand, " C o l o n i z a ç ã o g e r m â n i c a " , RIC, v. 4, dez. de 1945, p. 471.
45. Fernando Morais, Chato: o rei do Brasil, S ã o Paulo, Cia. das Letras, 1994.
47. A n t ô n i o Carlos Pacheco e Silva, "Medicina e higiene", RIC, v. 2, Jun. de 1946, p. 275.
51. E importante salientar que Xavier de Oliveira havia se dedicado ao estudo do sertanejo na
obra Beatos e cangaceiros: h i s t ó r i a real. O b s e r v a ç ã o pessoal e i m p r e s s õ e s p s i c o l ó g i c a s de
alguns dos mais c é l e b r e s . Rio de Janeiro, Revista dos Tribunais, 1920.
52. Para se ter uma i d é i a desta atualidade, ver o artigo de Osvaldo Frota-Pessoa "Raça e eugenia",
em Lilia Moritz Schwarcz e Renato da Silva Queiroz (orgs.). Raça e diversidade, S ã o Paulo,
EDUSP/Estação C i ê n c i a , 1996, pp. 29-45. Segundo Frota-Pessoa, a solidariedade e o anta-
gonismo t ê m bases g e n é t i c a s "É natural, portanto, que sejamos nepotistas, bairristas
corporativistas, patriotas e x e n ó f o b o s " (p. 32). Para esse autor, a t r a v é s de medidas e u g ê n i c a s
como a s e l e ç ã o artificial chegaremos a um mundo melhor, mas para isto é n e c e s s á r i o esperar
a c o n s o l i d a ç ã o dos regimes d e m o c r á t i c o s e maiores a v a n ç o s da g e n é t i c a para que n á o haja
d i s t o r ç õ e s p o l í t i c a s no emprego dessas medidas (p. 42).
A B S T R A C T
This article analizes the regulation of immigration in Brazil.
In this way, the Immigration and Colonization Magazine (Revista de Imigração e Colonização),
published between 1940 and 1955 by the Immigration and Colonization Council, was one of the
official channels of publishing the procedures related to the entrance of immigrants. Therefore.
the immigrants are firstly selected by their physical, professional and racial qualities.
However, in the 1950s, the Immigration and Colonization Magazine took up a more technical
position respecting the problem of the distribution of immigrants in the national territory.
R É S U M É
Cet article a pour but analyser le controle de I' immigration au Brésil.
p u b l i é e entre 1940 et 1955, par le Conseil d' Immigration et Colonisation, a é t é un des canaux
officiels de divulgation des directrices relatives à I' e n t r é e des immigrants. Alnsi, d' abord lis sont
national.
Gladys Sabina Ribeiro
Professora do Departamento de História da UFP.
"Immigos IVIascarados c o m o
T í t u l o de C i d a d ã o s
A vigilância e o controle soore os portugueses no
R i o de J a n e i r o <rlo P r i m e i r o R e i n a d o
M:
esmo com toda a admi- Brasil' para confeccionarem listas
ração que d. J o ã o tinha semelhantes, observando todos os es-
.pela arte e pela cultu- trangeiros que entrassem nos portos,
ra que os estrangeiros pudessem vindos de e m b a r c a ç õ e s nacionais ou
trazer para a Colônia, em 1808 esse so- estrangeiras. Pedia-se-lhes para compa-
berano ordenou ao conselheiro Paulo recerem à polícia com a finalidade de
Perraz Viana, ouvidor-geral do crime da apresentarem declarações de onde pre-
Relação, através do conde de Linhares, tendiam morar e quem eram as 'pessoas
ministro e secretário de Estado dos ne- portuguesas que conheciam'. Essas or-
gócios da Querra e Estrangeiros, que fi- dens foram cumpridas com urbanidade e
zesse um alistamento de todos os estran- delicadeza, pois o príncipe regente havia
geiros residentes na Corte. Deveria con- recomendado que os estrangeiros fossem
ter nome, emprego e nação a que per- 'tratados com bondade'.
tenciam. Tal e s c r i t u r a ç ã o foi feita por Embora se valorizasse a p r e s e n ç a dos
Micolau Viegas Proença e enviada para estrangeiros, todo cuidado era pouco. A
aquele ministério no final do m ê s de mar- cidade estava recebendo a Corte e tor-
ço. Assim que a Intendência de Polícia foi nava-se a capital do Império p o r t u g u ê s .
criada, remeteu-se ordem a todos os A s e g u r a n ç a era fundamental. Entretan-
'ouvidores das comarcas dos estados do to, não cabia magoar aqueles que tinham
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p o r t u g u ê s ' era uma construção política e nos fins de 1823, o espírito republicano
por isto poder-se-ia expulsar pessoas ressurgira nessas províncias, embalado
consideradas inimigas, ou se exigir para pelos anseios federativos. A dissolução
elas a lei, ou seja, o passaporte. Foram da Constituinte, a 12 de novembro de
estes, por exemplo, os casos de Antônio 1823, revelava os ímpetos absolutistas de
Brás, preso em Campos e remetido para d. Pedro I, fazendo uma e s p é c i e de 18
a Corte a fim de ser "mandado para fora Brumário. As Câmaras de Olinda e de Re-
3
do Brasil como vadio e suspeito";' o do cife negaram s a n ç ã o ao ato imperial e
negociante J o s é Henrique da Silva, pre- enviaram moção receando "o
mido a ausentar-se no prazo de oito dias, restabelecimento do antigo e sempre de-
"pelas circunstâncias de ser súdito portu- testável despotismo". 18
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ainda nos navios, os quais eram entre- Mar, em 16.2.1827. O primeiro ordenava
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exigência de p a s s a p o r t e e da sua
"Y ' ^ ncontramos algumas listas com
legitimação, a p r e o c u p a ç ã o com o seu
~~*^ a relação de passageiros entra-
cumprimento s ó se deu com a Indepen-
• dos no porto e apresentados na
dência e depois da resolução de ques-
Intendência. Essas listagens corroboram
tões imediatas relativas à organização do
a permissão de entrada para trabalhar,
Estado e à s divisões internas entre os que
bem como apresentam as profissões de-
participavam da política. claradas, que estão em consonância com
Para 1823 e 1824, os registros de entra- as profissões e idades anotadas no ma-
das de estrangeiros e a p r e s e n t a ç ã o de terial dos códices de a p r e s e n t a ç ã o de
passaportes também náo foram pródigos: passaportes e entrada de estrangeiros na
36 e 39, respectivamente. Esses foram polícia. Entre elas podemos constatar
anos em que algumas sérias a m e a ç a s se grandes intervalos de tempo e
fizeram presentes: n ã o se controlar a metodologias de anotação diferenciadas.
guerra civil no nordeste; a deflagração
Antes de prosseguirmos, analisando cro-
de uma outra guerra civil no Sul e no Su-
nologicamente as medidas de repressão,
deste, com a participação escrava, e, fi-
controle e/ou vigilância sobre os estran-
nalmente, o receio de uma guerra com
geiros, passemos os olhos nas relações
Portugal. Para os c o n t e m p o r â n e o s a In-
encontradas.
dependência era algo a ser construído...
A partir dessas datas os registros aumen- A lista de 1.1.1828 a 31.5.1829 apresen-
taram ou diminuíram t a m b é m de acordo tava 2.564 colonos, 704 diversos oficiais
com a circunstância política. 34
e empregados, 627 negociantes e empre-
Já vimos que desde o ano de 1824 ne- gados do comércio, 731 a l e m ã e s para a
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e dois sardos. lia soma total, 65 estran- estrangeiros entrados no porto em 1831
geiros. Profissionalmente, eram empre- e 1832 (56,5% e 56,9%, respectivamen-
gados nas seguintes atividades: um m é - te). Eram acompanhados de longe por
dico, um advogado, um na milícia, 15 no franceses, ingleses e e s p a n h ó i s , que
comércio, 17 caixeiros, dois agentes, um guardavam nessas relações o mesmo tipo
estudante e dois em diferentes ofícios. 38
de percentual dos anos anteriores. Essa
característica manteve-se a t é pelo me-
Além desses, na relação constava ainda
nos 1834. Portanto, concluímos que, de
a observação de que 4-4 vinham 'forman-
1808 a 1834, entraram estrangeiros das
do'; havia um fabricante de vela, sete com
mesmas nacionalidades no porto do Rio
negócio de a r m a z é n s e tabernas, oito em
de Janeiro e a política de controle sobre
vários serviços como alugadores de ca-
eles mudava de acordo com o momento
valos, criados de servir e de padaria, e
político, fazendo-se sentir com maior
um vivendo de suas propriedades. So-
desvelo em relação aos portugueses.
mando todos, daria 61. A totalizaçáo de
65 se faria com a inclusão de quatro mu- A mudança de política a que nos referi-
lheres. mos, em 1824, visando o maior controle
Por listas semelhantes a esta, os portu- da entrada de estrangeiros, igualmente
gueses ainda constituíam a maioria dos pode ter tido como conseqüência o au-
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nessa listagem, de 1832, assinada pelo e três lusitanos, chegados a bordo da ga-
capitão da galera Cidade do Porto, con- lera novo Comerciante, assume impor-
saporte e nas matrículas, quanto à faixa outros semelhantes. Pela primeira vez, e
de idade, tipo de trabalho, não raro ati- não seria a última, o encarregado de Me-
A
resposta do ministro da Justi- Em 1831, a situação política n ã o estava
ça da Regência, Manuel J o s é muito boa para d. Pedro I e os portu-
de Sousa Trança, foi bastante gueses'. O imperador era acusado de pro-
dura e nada amistosa. Repisava a lei de porcionar vários favorecimentos pesso-
2 de dezembro de 1820 e concedia, no ais a grupos, principalmente de privile-
máximo, "prazo razoável para fazer sair giar a sua antiga nacionalidade. Dizia-se
infalivelmente do Império os mesmos vin- que dava maior a t e n ç ã o aos negócios da
te e três portugueses recém-chegados". antiga Metrópole do que aos problemas
Quanto ao pedido de prazo para comuni- internos brasileiros. Depois da viagem de
car a Portugal as 'novas' medidas, argu- d. Pedro a Minas Gerais, as ruas da cida-
mentava negativamente: de do Rio de Janeiro tornaram-se trin-
cheiras numa batalha travada entre por-
e quanto à segunda parte, que n á o é
tugueses' e 'brasileiros'. As noites das
mister assinar-se novo prazo para no-
garrafadas foram sangrentas e fizeram
tícia de que e s t ã o em vigor as leis po-
o despertar forçado das autoridades, no-
liciais do p a í s a tal respeito, porque
vamente, a imagem do imigrante 'peri-
sempre elas tiveram em vigor, e se aca-
g o s o ' e ' m a r g i n a l ' , avesso à ordem,
so se n ã o executaram alguma vez com
descumpridor das leis, amigo da anar-
o rigor devido que cumpria, foi isso
quia e do roubo — até mesmo do roubo
efeito da p é s s i m a a d m i n i s t r a ç ã o do
da terra e dos direitos dos nacionais —,
governo transato, sempre conivente a
voltou à cena.
este e outros respeitos que nos leva-
ram a borda do abismo de uma revo- no dia 5 de abril, algumas decisões fo-
colaborar, sob pena de oito dias de pri- geiros em geral, e do bem ou mal que
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los direitos e garantias dos cidadãos 'bra- achassem no gozo dos seus direitos civis
o
sileiros legítimos', ordenava três medi- no país a que pertencessem; 3 ) aos que
o
das: I ) mandava que os chefes das re- tivessem declarado na c â m a r a do muni-
partições civis, militares e eclesiásticas cípio da sua residência qual era a sua
'escrupulosamente' examinassem a cida- pátria, a real intenção de fixar residên-
o
dania daqueles nascidos em Portugal; 2 ) o
cia no Brasil e religião; 4 ) aos que, de-
orientava as autoridades ^a se certifica- pois de terem feito a declaração acima,
rem de que os estrangeiros que quises- estivessem residindo no Brasil por qua-
sem usar de regalias e vantagens conce- tro anos consecutivos, feita a exceção
didas a 'brasileiros' fossem investigados; para os que fossem domiciliados no Im-
o
3 ) pedia ao cônsul p o r t u g u ê s que envi- pério por mais de quatro anos na época
asse uma lista de todos os portugueses de promulgação da lei e requeressem a
o
existentes na Corte ao intendente-geral carta no prazo de um ano; 5 ) aos que
da polícia, complementada por relações fossem possuidores de bens de raiz no
dos que chegassem com passaporte e Brasil, ou de parte em fundos de algum
55
quisessem aqui residir. Pia mesma data, estabelecimento industrial, ou exerces-
a Regência enviava aviso à Secretaria de sem alguma profissão útil, ou, enfim, vi-
Justiça e ao intendente de polícia para vessem honestamente de seu trabalho.
não bulirem com estrangeiros que esti-
A
vessem a serviço de suas respectivas Regência, portanto, tentou re-
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R V O
N O T A S
1 Tais medidas foram descritas pelo intendente-geral da p o l í c i a . E s t e v ã o Ribeiro de Resende,
em ofício a Luís de Carvalho e Melo. justificando as atitudes da p o l í c i a em 1824. Comentava
t a m b é m a impossibilidade de se precisar o n ú m e r o exato de estrangeiros na cidade. Obcio
do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro Resende, a Luís de Carvalho e Melo, c ó d i c e 323,
11 6.1824. v. 7, A.N. Estes censos e mapas comentados pelo intendente nao foram encontra-
dos na d o c u m e n t a ç ã o pesquisada.
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V O
R
17. O governo temia tanto o que considerava excesso de liberdade quanto a liberdade mal
entendida das Cortes. Entretanto, amedrontava-se igualmente com o novo estado de coisas
em Portugal. A corrente absolutista mais radical tinha seus adeptos e, a 30 de abril de 1824,
d. Miguel tentou um golpe de estado fracassado contra d. J o ã o VI. Apoiado por embaixado-
res estrangeiros residentes em Lisboa, a bordo da nau inglesa Windsor Castle, d. J o ã o con-
cedeu-lhe direito à c a p i t u l a ç ã o , caso se submetesse inteiramente à s suas ordens. Logo de-
pois da sua r e n d i ç ã o , exilou-se na Áustria.
34. Em 1825, 468; em 1826, 600; em 1827, 578; em 1828, 351; em 1829, 893; em 1830, 638;
em 1831, 373; em 1832, 160; em 1833, 410 e em 1834, 680. Este s ú b i t o aumento de
registros para 1829 talvez se deva à chegada dos emigrados portugueses. C o n s t i t u í r a m
tropa recrutada na Inglaterra para defender o trono de d. Maria da G l ó r i a . Proibidos de
desembarcar em Portugal pela p r ó p r i a Inglaterra, alegando ter o m a r q u ê s de Barbacena
ferido o direito internacional ao recrutar homens para combater em outro p a í s , sem porto de
arribada, vieram atracar no Rio de Janeiro. Muitos passaram a integrar a TVopa nacional,
outros enredaram-se na cidade; outros, ainda, arrumaram emprego no interior.
35. Conferir, entre outros, o f í c i o de Clemente Ferreira França, IJ 6 96 (11 dezembro 1824-30
julho 1825), Corte, Registro de Avisos, rei. 29/ parte 14, livro V, n ° 121, pp. 63-64 , 28.2.1825,
A.Ii.; o f í c i o de Clemente Ferreira França, c ó d i c e 319 (1824-1825), 29.2.1825, p. 69, A.Ii.
36. R e l a ç ã o de passageiros estrangeiros que consta terem entrado neste porto de 1.1.1828 a
31.5.1829, 4.7.1829, c ó d i c e 323 (1822-1836), pp. 108-109, A.Ii.
40. Isto se dava por ser uma r e g i ã o com uma porcentagem maior de homens 'de cor' (em 1821,
50,6% de livres e 49,4% de escravos, sendo entre os livres somados os libertos).
41. Aviso, IJ 1 994 (1826-1831), avisos do Ministério dos Estrangeiros e do Ministério da Justi-
ç a , lata 1.212, IA, 14.5.1831, A.N.
42. Lista dos passageiros que chegaram sem passaportes na galera portuguesa novo Comerci-
ante, c a p i t ã o Domingos da Costa e S á , vindos da cidade do Porto em 14 de maio de 1831, U
1 994 (1826-1831), avisos do Ministério dos Estrangeiros e do M i n i s t é r i o da J u s t i ç a , lata
1.212, IA, 15.5.1831, A.N.
45. Portaria de 31.5.1831, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit.. v. 7, p. 312; este docu-
mento t a m b é m pode ser encontrado no IJ 1 181 (12 m a r ç o - 1 5 dezembro de 1831), Registro
de Avisos 407 (60), p. 34. A.N.
p á g . 9 4 , Jul/dez 1997
V o
52. Edital da C â m a r a Municipal do Rio de Janeiro sobre a " a d o ç ã o de posturas que viabilizem
maior controle da p o p u l a ç ã o " , IJJ 10 6 (1831-1832), Ministério do I m p é r i o , C â m a r a Munici-
pal da Corte, o f í c i o s , 9.4.1831, A.n. A carta de lei de 6.6.1831 t a m b é m dá p r o v i d ê n c i a s para
o controle da p o p u l a ç ã o . Pode ser encontrada na obra de J o s é Paulo de Figueiroa Araújo,
op. cit. , v. 7, p. 314.
53. D e c i s ã o de 13.4.1831 que nomeia "uma c o m i s s ã o para informar acerca das c i r c u n s t â n c i a s de
cada um dos oficiais dos Corpos de Estrangeiros, que se mandaram dissolver", em Coleção
das decisões do governo do Império do Brasil de 1831. op. cit., pp. 49-50.
57. Carta de lei de n a t u r a l i z a ç ã o dos estrangeiros de 23.10.1832, em Coleção das leis e decre-
tos do Império do Brasil de 1832, Rio de Janeiro, Tipografia Imp. e Constitucional de Seignot
e Plancher E. C , 1834, v. 4, pp. 229-231.
60. Das 26 pessoas da lista de passageiros do brigue p o r t u g u ê s Boa Hova. duas eram brasileiras
(22 anos e 38 anos, negociante e marceneiro) e uma inglesa (14 anos e caixeiro). Sem
e x c e ç ã o , eram solteiros. Os portugueses vinham todos do Porto. Como o c u p a ç ã o , declara-
vam: "a empregar-se', a e x c e s s ã o de quatro lavradores, três caixeiros e um sapateiro. Suas
idades: dois com nove anos, dois com dez, dois com 11, um com 12, dois com 13, quatro
com 14, t r ê s com 16, t r ê s com 17, dois com 18, um com 21 e um com 37 anos.
61. limar Rohloff de Matos, O tempo saquarema, S ã o Paulo, Editora HUCITEC/Instituto nacional
do Livro, 1987, p. 152.
the Potuguese' started to be submitted to inspection and control. This policy — operated by the
government — fluctuated in conformity to the political moment, since the 'Brazilian' had his
process of development gradually constituted, and the Portuguese labor was essential to the
Empire.
R É S U M É
Avec la d é f i n i t i o n d'une c i t o y e n n e t é brésilienne, lorsque du Premier R è g n e , 1 ' e n t r é e et
1 ' é t a b l i s s e m e n t des 'Portugais' furent soumises au controle et vigilance. Cette politique adoptée
par le gouvernement oscillait selon le moment politique, une fois que le ' B r é s i l i e n ' eut son
indispensabie à la Cour.
Fernando Teixeira da Silva
Professor de História da Universidade
Metodista de Piracicaba (UMMEP), mestre e doutorando
em História Social na Universidade Estadual de Campinas (UMCAMP).
I m i g r a ç ã o Portuguesa e
M^OYimento O p e r á r i o no B r a s i l
Fontes e arquivos de Lisl&oa
OONVOOAQAO
de sua expulsão.
• •wgaajji * • | m l . «Wva r"-
p á g . 9 8 . j u l / d e z 1997
V o
A
avam irregularidades jurídicas na elabo- imprensa operária é, sem dú-
ração dos processos de expulsão. vida, a principal fonte para a
Ha grande imprensa e nos jornais operá- .história dos contatos e trocas
rios, localizados no Arquivo Histórico-So- de informações entre militantes do mo-
cial da Biblioteca nacional de Lisboa, tam- vimento operário do Brasil e de Portugal.
bém podemos encontrar várias matérias O Arquivo Histórico-Social possui um
a respeito das d e p o r t a ç õ e s , sobretudo na acervo de quase duas dezenas de jornais
conjuntura de 1919-1921. Inúmeros são das mais diferentes regiões do país, clas-
os artigos contendo informações e pro- sificados como anarquistas, bolchevistas
testos contra a prisão e o envio dos de- e antifascistas, corporativos (jornais de
portados para as colônias portuguesas na diferentes categorias de trabalhadores),
África (espécie de segunda e x p u l s ã o ) ; sindicalistas, o p e r á r i o s e socialistas,
manifestações de solidariedade do mo- além de periódicos republicanos,
vimento operário p o r t u g u ê s (atividade da esperantistas, de juventudes o p e r á r i a s e
Comissão Pró-Presos por Q u e s t õ e s Soci- libertárias. Uma exaustiva pesquisa per-
P
influente anarquista no Brasil e em Por- arte considerável da documen-
tugal, com mais de uma centena de cor- tação investigada diz respeito a
r e s p o n d ê n c i a s trocadas, sobretudo com temas relacionados à emigração/
Edgard Leuenroth, durante a década de imigração e à s colônias portuguesas em
1910. nesta farta d o c u m e n t a ç ã o sobres- diferentes cidades do Brasil, destacan-
saem informações de ordem pessoal (di- do-se o material referente aos trabalha-
ficuldades financeiras, familiares etc.) e dores imigrantes, no Arquivo Histórico do
detalhes sobre as inúmeras colaborações Ministério dos n e g ó c i o s Estrangeiros,
de neno Vasco em jornais o p e r á r i o s e onde foi realizada a maior parte de nos-
libertários brasileiros. Trata-se de um rico sa pesquisa, encontra-se c o r r e s p o n d ê n -
material, por enquanto inexplorado, ca- cia d i p l o m á t i c a com os consulados, a
paz de fornecer valiosas c o n t r i b u i ç õ e s embaixada e a l e g a ç ã o de Portugal no
para a constituição de uma história bio- Brasil, entre outras i n s t i t u i ç õ e s . Essa
7
gráfica de neno Vasco. no núcleo Edgard correspondência está localizada,
Rodrigues, outro anarquista p o r t u g u ê s sobretudo, em processos classificados
que militou no Brasil, encontram-se, en- tematicamente (fichário ideográfico), tais
tre outros documentos, artigos sobre a como: propaganda de Portugal no estran-
história dç> movimento operário brasilei- geiro; emigração portuguesa para o Bra-
ro, além de alguns recortes de jornais sil; notícias da imprensa estrangeira e
p á g . 100. j u l / d e z 1997
R V O
portuguesa sobre Portugal; exilados, pre- Destacam-se neste volumoso material di-
sos, emigrados políticos e 'indesejáveis'; versos temas relativos à colônia portu-
comunismo e anarquismo; degredo, de- guesa de Santos, embora possam ser per-
portações e extradições; socorros e re- feitamente estendidos a outras cidades.
patriações; informações políticas prove- Mo que se refere à s q u e s t õ e s de emigra-
nientes dos consulados de Portugal; polí- ção/imigração, podemos listar os seguin-
tica interna e externa brasileira; direitos, tes assuntos: mapas estatísticos da imi-
garantias individuais e atividades dos por- gração pelo porto de Santos, indicando
tugueses no estrangeiro; s e n t e n ç a s e re- datas de embarque e desembarque, ida-
clamações estrangeiras; emigração e imi- de, sexo, estado civil, profissão e origem
gração. Além desses processos dos imigrantes; demografia portuguesa;
temáticos, existem diversos r e l a t ó r i o s a t u a ç ã o perniciosa dos agentes aliciado-
anuais, monografias e inquéritos sobre res de imigrantes; informações e dados
as colônias portuguesas no estrangeiro, estatísticos sobre socorros e repatriações
elaborados pelos cônsules de diferentes de 'imigrantes desamparados'; remessas
cidades. financeiras a Portugal feitas pelos imi-
grantes; quantificação dos portugueses
inscritos no consulado e respectivos da-
Federaçáo Operaria de São Paulo
dos sobre idade, profissão, sexo, estado
Ao Operariado em Geral
Companheiras, a reação policial /a cameçau. 41/aas civil e distritos de origem; problemas de-
ilu nasssas ctmpinhelras Já laram a a m sem ta-
ter auol a motivo. As ca teias de tantas et lia atar- correntes dos fluxos e das políticas de
roladas de trata lha dores, i as aafmittHt em mas
sn de aperatias pelapallcia da Mija mm mm*. emigração/imigração dos dois países, so-
Portanto cimpaaatirat, samos cèemeéet á lucm,
i Ioda pela nessa causa, Iodar pelas aassas reivin- bretudo quanto ao mercado de trabalho.
dicações aperarlas. i i CRttl ÊtMU mm Mamei m
protesto ciam Mas as /insanas abusos * arbitra-
riedades de que saa rlctimas as classes apanhas. Mo que diz respeito à cidade de Santos,
A Greve pois! há d e s c r i ç õ e s sobre os bairros, sanea-
» ente Berat am Um a estada m t. Haia para
azar ralar as aassas direitas amaesprtiada pata mento, infra-estrutura e equipamentos
classe UmAlMTA, ÊtlKtlCU a CLUI CtWEMNAHUtTAl
Trabalbadans, anl-ias para tantas lartes!
urbanos, transporte, turismo, instrução,
fira a immwmmm das traba/baacres! assistência social e empresas, particular-
Camaradas: preteslemas tem alta canIra lados estas
uilamias me centra nas am praticadas, certas m mente estabelecimentos comerciais, ban-
aae am veltartmas m tramita enauaalu is nossas
campbnheiras am taram resiiluidas t liberdade t cários e industriais portugueses.
asseguradas par parte das pederes cumpelenlu.t a di-
reito de reunião e Urre pensamento, milarmt aas
garante a constituição m Paii O material pesquisado fornece vários ele-
Viva a Greve G e r a l L mentos sobre as condições de vida e de
Sexta Feira IU IIUIM jilie m t r i l i l i i !
i federação Operaria trabalho na cidade: quadro das ocupa-
ê*mOm ar -tvtíu«n-n ar* mrv
ções profissionais dos imigrantes e sua
distribuição por empresas; movimento de
Panfleto d a F e d e r a ç ã o O p e r á r i a d e S ã o P a u l o ,
i m p o r t a ç ã o e exportação pelo porto de
° > 1919. Parte integrante d o i n q u é r i t o policial
contra L a m p i o n e L e o n e . A r q u i v o N a c i o n a l . Santos, em especial quanto aos produ-
p á g . 102. j u l / d e z 1997
R V O
o
piso, maço 110, armário 12] Informações políticas (1932) [ 3 piso,
o
o
3.653/1919)
Inscrições consulares (1925-1926) [ 3 piso,
armário 29, maço 91] Alberto Augusto de Castro (cadastro PSE
3652/1919)
Colônias portuguesas no estrangeiro (1934)
o
[3 piso, m a ç o 438, a r m á r i o 1; 3 piso, o Albino Constantino Martins Vilarinho
Antônio da Costa Coelho (proc. PSE 4/ J o ã o Queirós nogueira (proc. PSE 1063/
1920) 1920)
Antônio Fernandes Leite (cadastro PSE J o ã o Soares Barbosa (proc. PSE 3151/
7474/1924) 1927)
Antônio Francisco Lopes (proc. PC 0162/37) Joaquim Duarte Cerdeira (proc. PSE 12-
Belizário dos Santos (proc. PC 1512/39) J o s é Maria de Carvalho (proc. SPS 0460/
1932)
Bernardino J o s é Marques do Vale (cadas-
tro 10218/28; proc. PSE 3702/1928; Re- J o s é Maria Esteves (proc. PC 1065/1936,
gistro Geral de Presos 3888) proc. 103; proc. SPS/1918; cadastro 8230)
p á g . 104, j u l / d e z 1997
R V O
"Emigrantes", 22.12.1912
"A visita dum s i n d i c a l i s t a brasileiro",
192.1911 "A emigração", 16.2.1913
"O problema da emigração I, II, III, IV", "Mo Brasil. Queimam-se as obras de Marx
31.8.1913, 7.9.1913, 14.9.1913, e de Otávio Brandão", 10.1.1925
21.9.1913 Otávio B r a n d ã o , 7.3.1925, 16.5.1925,
"Emigração portuguesa", 13.11.1913 13.6.1925
p á g . 106. j u l / d e z 1997
R V O
n O T A s
1. O trabalho contou com o a u x í l i o da CAPES e foi desenvolvido de janeiro a julho de 1996, sob
o r i e n t a ç ã o de Míriam Halpern Pereira, professora do Instituto Superior de C i ê n c i a s do Traba-
lho e da Empresa (Lisboa).
2. De acordo com normas do Arquivo nacional da Torre do Tombo, os processos posteriores a
1927 s ó podem ser pesquisados a p ó s cerca de sessenta dias a partir da data do pedido de
sua consulta. Outro problema relativo a essas fontes é identificar, com s e g u r a n ç a , os proces-
sos referentes à s pessoas a serem investigadas, tia medida em que s ã o muito comuns os
h o m ô n i m o s , torna-se n e c e s s á r i o colher o maior n ú m e r o de dados individuais (idade, local
de nascimento, filiação etc.) a fim de se obter o processo procurado a partir da r e l a ç ã o de
nomes apresentada nos computadores.
4. É o caso, por exemplo, de Militáo Bessa Ribeiro que. em sua autobiografia anexada ao
processo, afirma ter vindo para o Brasil em 1909, com a idade de 13 anos. "Empregou-se
como o p e r á r i o numa f á b r i c a de a l g o d ã o , onde trabalhou muitos anos como t e c e l á o . Condu-
ziu v á r i a s lutas reivindicativas na sua fábrica, que tinha mais de mil o p e r á r i o s , e foi dirigente
sindical de sua classe. Filiou-se ao Partido Comunista do Brasil, onde em breve foi chamado
para os seus cargos e onde travou conhecimento com alguns de seus dirigentes". Foi expulso
do Brasil ( n á o menciona a data), mas conseguiu desembarcar clandestinamente sem ser
preso. Seguiu para sua terra natal, em T r á s - o s - M o n t e s , c o m e ç a n d o a "fazer propaganda e a
organizar lutas do campesinato". o que lhe custou anos de p r i s ã o na d é c a d a de 1930 (pro-
cesso QT 238). J ú l i o C é s a r Leitão foi expulso do Brasil em 1927 como 'agitador comunista'.
De regresso a Portugal, "efetuada uma r e u n i ã o , o epigrafado orientou os presentes na forma
de se organizar o PCP (Partido Comunista de Portugal), copiando para esse fim a o r g a n i z a ç ã o
brasileira de que o epigrafado tinha feito parte durante sete anos" (processo SPS 460),
tendo sido preso v á r i a s vezes (processo SPS 322 e PSE 4960).
5. É o caso de B e l i z á r i o dos Anjos, expulso do Rio de Janeiro em 1939, preso sob a a c u s a ç ã o ' d e
ser comunista e posto em liberdade por n â o haver 'prova de culpa' (processo PC 15512/39).
Outro caso encontra-se em um processo incluindo onze portugueses acusados de organiza-
rem uma 'greve r e v o l u c i o n á r i a ' na Light, no Rio de Janeiro. O diretor da Polícia de Informa-
ç õ e s do Ministério do Interior escreveu um r e l a t ó r i o afirmando que haviam sido expulsos
"sem processo formado e sem i n t e r r o g a t ó r i o p r é v i o , limitando-se as autoridades do Brasil a
indagar deles se tinham sido, ou eram, empregados da citada Light" (a maioria nem mais
pertencia aos quadros da empresa), a l é m de citar i n ú m e r a s outras arbitrariedades policiais.
(Processo PSE 3151). Estudos detalhados sobre tais arbitrariedades encontram-se em Sheldon
Leslie Maram, Anarquistas, imigrantes e o movimento operário (1890-1920), Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1979; Paulo S é r g i o Pinheiro, " V i o l ê n c i a e cultura". B o l í v a r Lamounier et a l . ,
Direito, cidadania e participação, S ã o Paulo, T. A. Queiroz, 1981.
6. Os jornais que maior destaque deram à s e x p u l s õ e s foram O Século (grande imprensa). Terra
Livre (1913) e A Batalha (1919-21).
A B S T R A C T
This article is the partial result of a research done in the Portuguese archives during seven
months for the development of the project 'Portuguese Colony of Santos: Immigration, Culture
and Working Class (1880-1930)'. It proposes to show some possibilities of research about the
relation between labour movement and Portuguese immigration to Brazil, from the beginning of
the century to the thirties, through the indication of contents of documents and respectives
archives of Lisbon.
R É S U M É
Cet article est le r é s u l t a t partiel d'une é t u d e des archives portugais, m e n é e pendant sept mois,
(1880-1895)
D
esde o final da ddécadi
écada Por toda a parte irrompem minori-
de 1960 se instaura er
em as organizadas reivindicando um
nossa cultura ocident
ital ugar na história, exigindo direitos
uma crise sem precedentes. O con- tradicionalmente cassados ou sim-
senso social em torno da grande nar- plesmente náo reconhecidos. Mão dçi-
rativa ordenadora que, desde os xa de ser significativo que, a partir dos
primórdios da modernidade, alimenta um anos de 1950, o vocábulo 'identidade' se
otimismo inabalável no progresso, nos desprenda de seus antigos contextos
avanços tecnológico e científico e na con- (campo da matemática, da lógica, da fi-
tínua e x p a n s ã o de bens e serviços aces- losofia e do idealismo g e r m â n i c o dos iní-
síveis a um n ú m e r o cada vez maior de cios do século XIX), passando a ocupar
homens, começava a ser alvo de d e s c r é - um lugar proeminente nas ciências hu-
dito. São anos marcados por profundas manas e sociais.
desilusões, por conflitos e t e n s õ e s soci- Assistimos e n t ã o à o r g a n i z a ç ã o dessas
ais oriundas dos m u r m ú r i o s irracionais minorias em grupos de p r e s s ã o política
das massas, dos ruídos inquietantes dos e ideológica, que passam a questionar a
grupos outrora silenciados, mas que a antiga ordem social e suas hierarquizações,
partir de agora passam a denunciar sua procurando, através de múltiplas táticas,
exclusão do sistema. nem sempre pacíficas, impor o reconhe-
Foi, sem dúvida, este paradoxo que des- Porém, desde o início da imigração por-
pertou em mim o interesse em rastrear tuguesa massiva para o Brasil, as rela-
as m e m ó r i a s sociais dos imigrantes por- ções de convivência social entre súditos
tugueses no Brasil, tentando apreender portugueses e brasileiros foram
o
Exposição comemorativa do 4 centenário do Brasil na Sociedade Propagadora das Belas Artes. Rio de
Janeiro, 1900. Arquivo Nacional.
p á g . 1 10. j u l / d e z 1997
K V
cilitada pela ignorância e boa-fé dos tra- Outro foco de atrito era constituído pe-
balhadores emigrantes. las constantes rebeliões contra as péssi-
cular (um recibo ou escritura) e não uma pedagem provisória dos imigrantes. Um
Anos antes, em fevereiro de 1882, quan- ladas pela imprensa portuguesa . Contu-
do da internação de imigrantes na pro- do, boa parte dos jovens que havia esca-
víncia de São Paulo, devido a um surto pado ao recrutamento ilegal poderia ser
de febre amarela, mais de írezentos imi- presa fácil dos destacamentos militares
grantes açorianos sublevados, alertaram que patrulhavam a cidade. De fato, se
o vice-cônsul p o r t u g u ê s para o fato de por acaso esses jovens fossem revista-
estarem dispostos a reagir à bala, se ne- dos e não pudessem apresentar os do-
cessário fosse, caso a Inspetoria de Ter- cumentos, comprovando sua condição de
ras e Colonização insistisse em separar estrangeiros regularmente admitidos no
os homens de suas crianças e mulheres, país (passaporte ou inscrição consular),
sob a a l e g a ç ã o de que isto favoreceria eram imediatamente presos e encami-
sua alocação nos postos de trabalho. 2 nhados à s e s t a ç õ e s policiais, de onde
posteriormente seguiam para a Casa de
A q u e s t ã o do recrutamento ilegal de me-
Detenção.
nores portugueses para as fileiras do
Exército, Marinha e destacamentos da Porém, muitos desses jovens, a p ó s alguns
polícia foi t a m b é m , ao longo do século dias de reclusão, eram conduzidos, à for-
XIX, uma fonte de constante tensão en- ça, para estabelecimentos agrícolas si-
tre as autoridades consulares e as auto- tuados no interior fluminense, onde en-
ridades brasileiras, em face do volume grossavam o contingente de trabalhado-
Vista d a praça Q u i n z e de Novembro e da ilha das Cobras. Rio de Janeiro, 1900. Arquivo Nacional.
p á g . 1 1 2 , j u l / d e z 1 997
R V O
res rurais. Esta modalidade ilegal de tra- liciais, com a conivência das autoridades.
balho compulsório resultava, na maioria Mas a violência poderia chegar a formas
das vezes, de um conluio estabelecido mais brutais, como espancamentos, aten-
entre os delegados e fazendeiros, que, tados, estupros e outros crimes.
sem qualquer ô n u s , passavam assim a
Assim, entre os anos de 1878 e 1889 fo-
dispor de mão-de-obra para suas lavouras.
ram instaurados 110 processos, sendo
Ainda em relação aos imigrantes meno- todos eles contra brasileiros ou ó r g ã o s
res de idade, a correspondência consu- oficiais. De uma maneira geral, os inqué-
lar, bem como o noticiário veiculado pela ritos consulares eram abertos a partir de
imprensa, freqüentemente nos informam uma denúncia pessoal (familiares da ví-
sobre casos de prisão irregular de jovens tima, vizinhos ou comerciantes sediados
que, não sendo desocupados, se dedica- no local da ocorrência) ou via imprensa,
vam a pequenas atividades e c o n ô m i c a s referindo-se apenas aos casos mais gra-
informais, sendo utilizados como vende- ves, dos quais haviam resultado agres-
dores ambulantes, carregadores de mer- s õ e s físicas ou morte da vítima.
cadorias, estafetas, m o ç o s de recados
Se compararmos estes dados com as no-
etc, atividades em que tiravam muitas
tícias divulgadas pela imprensa, agora
vezes o sustento próprio e o da família.
cobrindo apenas o p e r í o d o que vai de
É através dos processos que acompa- 1880 a 1888, verificaremos que num to-
nham boa parte da correspondência con- tal de 121 ocorrências envolvendo exclu-
sular que podemos mapear os principais sivamente s ú d i t o s p o r t u g u e s e s , três
focos de t e n s ã o e conflito gerados no eram referentes à prisão arbitrária, 11 a
calor dos enfrentamentos cotidianos en- invasões de domicílio por policiais e ca-
tre portugueses e nacionais, bem como poeiras, dois diziam respeito a s e q ü e s -
rastrear as diversas táticas de resistên- tros praticados por soldados, um a estu-
cia, assimilação e negociação que se ins- pro de criança, 35 a flagrantes de espan-
4
crevem nas práticas sociais . camento, em grande parte motivados por
rixas de trabalho, 28 a prisões sem cul-
Invariavelmente, os processos apontam,
pa formada, quatro a abusos de autori-
todos eles, para situações de conflito em
dade cometidos por delegados e polici-
que os s ú d i t o s portugueses aparecem
ais, vinte a atentados e 15 a assassinatos.
como vítimas de vários tipos de violên-
cia. Esta podia concretizar-se num sim- São igualmente bastante comuns os tes-
ples saque a uma casa comercial, sob a temunhos referentes à p a r t i c i p a ç ã o de
alegação g e n é r i c a de seu p r o p r i e t á r i o imigrantes portugueses nos conflitos ur-
explorar os nacionais'; ou ainda num ato banos que agitaram o Rio de Janeiro no
de invasão de domicilio cometido por ca- final do século XIX e nas primeiras déca-
poeiras infiltrados nos destacamentos po- das do século seguinte, q u e s t ã o que de-
josas de manter uma política de boa vizi- vida p ú b l i c a e particular, este entrela-
posto de vinte réis por pessoa transpor- interesses de toda a ordem, que qua-
sencadeado por Lopes Trovão e que, por tica e pela força das coisas, os seus de-
do centro da cidade.
Mas o envolvimento de imigrantes portu-
Anos mais tarde, j á em pleno regime re- gueses vai além dos conflitos de rua. Ma-
publicano, voltamos a encontrar a pre- nifestava-se, igualmente, por meio de de-
sença de trabalhadores portugueses nos bates veiculados pela imprensa, aspecto
graves conflitos de rua, ocorridos por oca- que é amplamente denunciado e critica-
sião das greves desencadeadas em no- do pelas autoridades consulares. A este
vembro, quando da queda de Deodoro e respeito as palavras do cônsul-geral de
da subida ao poder de Floriano Peixoto, Portugal no Rio de Janeiro, dr. Manuel
ou ainda nos tumultos desencadeados Qarcia da Rosa, s ã o e m b l e m á t i c a s . Ao
durante a greve dos trabalhadores da criticar o constante envolvimento de sú-
Estrada de Ferro da Central do Brasil. ditos portugueses nas a r r u a ç a s e confli-
Estrada de Ferro de Sapucaí voltam a re- ... os portugueses aqui residentes es-
belar-se, decretando greve por pagamen- quecem-se que s ã o estrangeiros e to-
to de salários atrasados. Paralelamente, mam parte na p o l í t i c a brasileira, qua-
elaboram um documento com suas rei- se com mais afoito que os p r ó p r i o s na-
vindicações que encaminham ao cônsul- cionais, n ã o se contentando em falar,
geral de Portugal no Rio de Janeiro, soli- mas recorrendo a t é à imprensa, o que
citando sua intermediação junto ao go- tem por vezes dado l a m e n t á v e i s resul-
verno brasileiro, com o objetivo de obter 7
tados.
deste o rápido cumprimento das obriga-
5 Um desses 'lamentáveis' incidentes com
ç õ e s patronais assumidas.
a imprensa havia ocorrido em torno do
Como bem observava o ministro pleni- j o r n a l Corsário, de p r o p r i e d a d e de
potenciário de Portugal no Brasil, conde Apulcho de Castro, que denunciara em
Paço de Arcos, em 1893: suas páginas vários abusos de autorida-
... é esta p a r t i c i p a ç ã o ativa e quase de cometidos por brasileiros contra sú-
preponderante, esta constante solida- ditos portugueses.
p á g . 114. j u l / d e z 1997
R V O
A este respeito, o desabafo do diplomata dirigida por Eça de Queirós. Mela s â o ci-
p á g . 1 16. j u l / d e z 1997
K V O
M O T A S
1- Gazeta Lusitana. Rio de Janeiro, 31.12.1888.
2. Consulado-Geral de Portugal no Rio de Janeiro. Caixa 221, anos 1884-1886. Doe. 16, s é r i e A,
25.8.1885. Arquivo do MME/SE/Lisboa-Portugal.
3. Gazeta Lusitana. Rio de Janeiro, 24.3.1889.
A B S T R A C T
This article intends to discuss everyday conflits and tensions that opposed Portuguese subjects
m ,h
and Brazilian during the last years of 19 century and the beginning of 20 century.
R É S U M É
Cet article fait une breve esquisse des conflits et tensions sociaux quotidiens qui opposaient les
t m e
Portugais et les B r é s i l i e n s d ê s la fin du XIX s i è c l e et pendant les deux p r e m i è r e s d é c a d e s du
XX'"" s i è c l e .
Walter i . Piazza
Professor doutor, titular da Universidade
Federal de Santa Catarina, inativo. Membro efetivo
do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina.
A s e eirenses no
Sul do B r a s i l
A
contribuição açoriana do Brasil sul tratavam do as-
e madeirense foi ex- sunto a partir do conhecimento
pressiva para a forma da documentação existente
ção da identidade nacional, apesar a q u é m Atlântico e que n ã o era
de ser pouco referida no contexto das mi- muito esclarecedora. Daí a necessidade
grações brasileiras, tendo ocorrido des- de aprofundar as investigações
de os primórdios da o c u p a ç ã o do solo arquivísticas e a leitura crítica da docu-
brasileiro, no período colonial, por po- m e n t a ç ã o existente em arquivos brasilei-
vos de língua e nacionalidade portugue- ros e portugueses.
sas.
A imigração a ç o r i c o - m a d e i r e n s e para o
A expressividade dessa imigração para o
Brasil meridional tem dois tipos de fun-
Brasil meridional, em pleno século XVIII,
damentos: o sócio-econômico, que influi
não fora merecedora de estudos mais
sobre a população dos a r q u i p é l a g o s dos
aprofundados, a t é recentemente. Os au-
Açores e da Madeira, e o político, repre-
tores açorianos e madeirenses simples-
sentado pela ação da monarquia portu-
mente limitavam-se a dar uma ou outra
guesa.
informação, sem aprofundar a matéria,
porquanto era tido como natural que seus Das nove ilhas do a r q u i p é l a g o dos Aço-
conterrâneos migrassem. Os estudiosos res, oito s ã o v u l c â n i c a s , c o m s o l o s
As ilhas dos Açores estavam superpovo- Para enfrentar os constantes ataques es-
adas, o que, periodicamente, incentiva- panhóis e estabelecer uma linha de su-
va os homens a migrarem. Havia, em primentos para aquele posto avançado da
média, cerca de cento e trinta habitan- Coroa portuguesa, tornou-se necessária
tes por quilômetro quadrado, devendo- uma ampla ação político-administrativa.
se ainda considerar a topografia das De um lado, o estabelecimento de novas
ilhas. Esse fato, relacionado à s constan- povoações fortificadas (1737, e r e ç ã o do
tes crises alimentares — notadamente forte Jesus, Maria e J o s é , marco inicial
quanto à produção de trigo e cevada —, da atual cidade do Rio Qrande e, posteri-
o sistema fundiário e a fraca p r o d u ç ã o ormente, o plano de fortificação da ilha
agrícola geraram o empobrecimento dos de Santa Catarina) e, de outro, o levan-
moradores daquelas ilhas, de tal forma tamento geográfico-astronômico do Bra-
que as autoridades eclesiásticas tiveram sil meridional pelos "padres matemáticos',
que lhes dar a t e n ç ã o especial, e os de- o que significou um melhor conhecimen-
nominaram 'mal-enroupados' — para não to da realidade territorial brasileira, dan-
os dizer nus —, no tocante à assistência do ensejo à formulação da doutrina do
ao culto, notadamente à p r e s e n ç a na
uti possidetis, defendida por Alexandre
obrigação dominical.
de Gusmão e vitoriosa com a assinatura
p á g . 1 20. j u l / d e z I 997
V o
Quadro 1 - "Tábua dos casais e pessoas que por ordem de Sua Majestade se alistaram nestas ilhas no ano de 1747" *
Ilhas Vilas e cidades Casais Pessoas dos casais Pessoas solteiras Todas as pessoas
Ilha dc São Miguel Cidade da Ponta 47 257 - 257
Delgada
Vila da Ribeira 14 62 - 62
Grande
Vila Franca 2 9 9
Ilha Terceira Cidade de Angra 141 706 73 779
Vila de Sam
Sebastiam 9 45 45
Vila de Praia 12 88 88
Ilha da Graciosa Vila da Santa Cruz 62 291 82 373
p á g . 122, j u l / d e z 1 997
K V O
Quail i. 2
Ilhas 1 ' o n u l a i ã o presente Alistados % K.ntrr non. c alistados
S;1o Micuel 46 415 328
Rta. Maria 4.280 ....
A partir daí, foram estabelecidas, atra- Brasil. O resultado do alistamento foi, as-
vés de edital, as condições de alistamen- sim, condensado pelo corregedor da
to para aqueles que desejassem migrar comarca das ilhas, como poderá ser ob-
— o transporte à custa da Fazenda Real, servado no quadro 1.
"não s ó por mar mas t a m b é m por terra
Para se avaliar melhor o peso desse alis-
até os sítios que se lhes destinarem" — tamento na população então existente,
bem como fixadas as idades limite, quer considerando-se, ainda, não haver dados
para os homens, quer para as mulheres, concernentes à s ilhas de Santa Maria,
a ajuda de custo que receberiam ao che- Flores e Corvo — das quais sabe-se ter
gar ao seu destino e, da mesma forma, havido migrantes — ver o quadro 2.
as ferramentas, as sementes, os animais,
Um instrumento normativo estabelecia
"um quarto de légua em quadra", além
quem organizaria os transportes — no
do sustento que receberiam durante um
caso o corregedor das ilhas —, como se-
ano.
riam as regras de conduta e quem as fis-
Os alistados eram, notoriamente, dedi-
calizaria, como se alojariam homens e
cados à agricultura, na produção de tri-
mulheres e como se velaria pela boa se-
go e de linho e de outras culturas como gurança das mulheres, a condução dos
a uva, para fabrico de vinho. alimentos ao seu alojamento — onde s ó
O corregedor da comarca das ilhas (dos entrariam, em caso de doença, o cirur-
Açores), a quem esteve afeto o alistamen- gião e o capelão — e sobre seu acesso
to, enviou à s c â m a r a s sob sua jurisdição ao tombadilho, somente para'ouvir mis-
cópia do edital, datado de 31 de agosto sa em "lugar mais vizinho ao altar".
de 1746, onde se estabelecia que, no ato
Como se vê pelos demais tópicos deste
de alistamento, deveriam ser anotadas
regimento, havia muito cuidado com a
as características somáticas de cada alis-
moral de bordo. Ficou acertado que par-
tado; determinava-se t a m b é m que as alu-
tiriam de Lisboa as e m b a r c a ç õ e s que
didas c â m a r a s em vereação escolheriam,
conduziriam os alistados para a grande
dentre os inscritos em sua circunscrição,
epopéia, que firmaria a hegemonia lusi-
três nomes para capitão, alferes e sar-
tana no sul do Brasil.
gento das companhias de ordenanças que
se formassem e n t ã o e que serviriam no O brigadeiro J o s é da Silva Pais, a 5 de
agosto de 1738, fora nomeado para or- valos. Além disso, foi instruído o briga-
g a n i z a r as defesas da ilha de Santa deiro Silva Pais para levantar em cada
Catarina, trabalho que se iniciou em mar- local uma companhia de o r d e n a n ç a , pois
ço de 1739, quando nela desembarcou, os oficiais haviam sido escolhidos pelas
passando a governar a ilha e seu conti- c â m a r a s das respectivas ilhas açorianas.
nente fronteiro, incluído o Rio Grande de O aspecto espiritual t a m b é m foi cuidado
São Pedro, o que ocorreu a t é 2 de feve- e, para tanto, foram alertados os bispos
reiro de 1749. do Funchal e de Angra, bem como o de
São Paulo — a quem se subordinava na-
Para acomodar os 'casais' açorianos, foi
quele momento o território que estava
expedida provisão regia, em 9 de agosto
sendo ocupado — de "que se há de cons-
de 1747, a Gomes Freire de Andrade, go-
tituir em cada igreja destas um vigário",
vernador e capitão-geral do Rio de Ja-
fixando-se-lhe os direitos (côngruas).
neiro, a quem se subordinava a "capita-
nia da ilha de Santa Catarina". Mesta pro- De tudo o brigadeiro Silva Pais deu exato
v i s ã o há minuciosas i n s t r u ç õ e s sobre cumprimento.
como deveriam ser recebidos os açoria- Estes 'casais' — t a m b é m chamados 'ca-
nos e madeirenses. Fixavam-se, e n t ã o , sais de n ú m e r o ' ou 'casais d'el rei' — for-
normas para o abastecimento de farinhas maram comunidades que se estabelece-
e de peixes aos migrantes, declaravam- ram ao longo do litoral catarinense e na
se as medidas para pagamento das aju- própria ilha de Santa Catarina.
das de custo prometidas e determinava- A partir de 1752, os açorianos que pri-
se ao brigadeiro J o s é da Silva Pais que meiramente se fixaram e m Santa
escolhesse, "na mesma ilha como nas ter- Catarina, devido à s dificuldades encon-
ras adjacentes, desde o rio de São Fran- tradas, foram encaminhados, ou se en-
cisco a t é o serro de São Miguel, e no ser- caminharam por conta própria, para o Rio
tão correspondente", as terras próprias Grande de São Pedro. Por outro lado, a
para "fundar lugares em cada um dos 'diáspora' se deu, t a m b é m , com as ge-
quais se e s t a b e l e ç a m pouco mais ou me- r a ç õ e s vindouras, que formaram, em
nos sessenta casais". Santa Catarina e no Rio Grande do Sul,
ainda, como seriam urbanizados tais lo- Feito o alistamento, foi contratado o
cais, com a fixação da igreja, uma praça 'transporte', para o que foram
fronteira e a forma de arruamento, e s t a b e l e c i d a s n o r m a s , quer para os
estabelendo t a m b é m que, logo que os transportadores, através dos 'assentos'
'casais' estivessem situados, se lhes en- (contratos), quer para os transportados,
tregaria duas vacas e uma égua e, para como se viu. Deve-se considerar que o
a comunidade, quatro touros e dois ca- transporte, dadas as condições das em-
p á g . 124. j u l / d e z 1997
K V O
dos Açores para o Brasil. Esse mesmo tação deficiente e escassa, e a um aten-
de dos pilotos das e m b a r c a ç õ e s , ao retor- ser aquela do pagamento que lhe era
Owun. 3
Data de Nome da n a l i a i i i i i u 1 j|itLí'. '.11 nu-.Hi i l " N-éc Mortos C W f d i Datada
partidu • * checada
rmhartadin
Fcliciacii) V c l x i 21.10.1747 L u f i Looci Godclho i í : •;•
JCMIÍ MJI U }OÉÍ
OtuVnhcTi - mil 21.10.1747 SJIIU Ana e Senhor do Bonfim Pedro Lopes Arraia 216 21 12 461 - 6.1.1748
pessoas 16.10.1748 Jcsui Mana Juní Lult U x u G o d c l h o 233 47 36 238 7.1.1748
7.*. 1747 IA 10.1748 S i i Uofninro* c Alma Pedro Lopes Arraia 271 34 73 208 7.1.1748
1.10.1749 J a u * Mana ioti Pedro L o n a Arraia 217 29 13 233 20.12.1749 Total transportado:
1 141 Baaaaaa
Contrato du labacu N . Sra. das Maravilhai; Sano 59 59 7 .9.1749 M . :.
Antônio e Almas discriminação de
idades)
F n n c i K u i k Soara : ; • > Santa Ana t Sr. do Bonfim Francisco Manuel de Lima 220 20 12 1749 Sem l i s c n m n a ç a o
F a i u n k * - quatro mil 4 9 1749 N . Sra. da Conceição e • • I Lopet Sü*a 480 25.12.1749 de idades
Porto Seiraro
1.7.1749 Bom Jetui PcruVWí c Manoel Correia Fraia 600 234 1.066 1.I.I7SO Sem discriminação
N . Sra. Rosário
Sanu A n a • Sr do Bonfim 239 19 18.12.1750 Sem <t i c n r r i nação
N . Sra. da Conceição . 482 52 8 12.1.1751 de idade*
Porto Scjruro 67 17 1.434 7.1.1751
Sr. do Bonfim c N . Sra. Rosário 600 1732
Bom Jesus do* Perdoe* e Cutlodio FranciKo 600 1752
N . Sr». Rosário
N . Shf da Concctcao c Pedro Lopes Airaia 480 44 1752
Porto Seguro
13.11.1753 Bom Jesus d M Pciüfte* e Custódio FranciKo 603 4(1 2.1754
N . Sra. Rosário
13.11.1733 N . Sra. da Conceição e Pedro Lopes Arraia SOO 2.1754 Total
Purtu ScKum iransncrtaüo*:
4 7 (-7 pcv.-o.is
1 •[...:» Sou/a
FutundM - mil
> 9 1751
Franci&o Souza
Ju*é Q a i c u Lisboa - 28.4.17» N . Sra. da Concctcao e Cu»hVlio Francisco 502 IX 520 Madcircnsc*
UUintvnla.< petáUat Porto Scítin. (naufrágio no
:-• i 'M litoral dj B j f i i j i
p á g . 1 26. j u l / d e z 1 997
V o
Quadro 4
Data de checada Brito Coelho Mattos Fortes Itoiteux Cabral Piazza
1748-ianeiro 461 461 461 451 461 461 461
i74R-de7e.rp.bro - - - - 239
1749-ianeiro - - - - - 208
• Madeirenses
«• Madeirenses (náufragos no litoral da Bahia não computados).
Fontes- Paulo José Miguel de Brito. Memória política soore a capitania de Sanía Catarina, p. 24, Manuel Joaquim dAlmeida Coelho,
Memória íiistòrica da prouíncia de Santa Catarina, pp. 20-21; Matos, Colonização, p. 2 1; João Borges-rortes, Casais, p. 57; Lucas Ale-
xandre Boiteux, Açorianos e madeirenses em Santa Catarina, pp. 142-163; Oswaldo Rodrigues Cabral, Os açorianos.
I
B I B I O Q R A
FONTES PRIMÁRIAS
Arquivo Distrital de Ponta Delgada, ilha de São Miguel, Açores, livros de vereações.
1748 and 1756 and it studies the reasons of such immigration, their social and political basis, its
organization in the Portuguese court, as well as in Brazil, its location in Brazilian land and the
R É S U M É
Cet article a pour but d é c r i r e l'immigration d' A ç o r é e n s et M a d é r i e n s vers le Brésil meridional,
entre 1748 et 1756, en é t u d i a n t les causes de cette immigration, ses fondements sociaux et
A C r i a ç ã o Ao E s t r a n k a m e i i í o
e a C o i i s t r a ç a o do E s p a ç o P ú b l i c o
\J§ mponeses no EstaJo Novo
chefe de p o l í c i a , em 1939.
vam os discursos e práticas
estadonovistas, e é t a m b é m através de-
0 PAÍS D E U M A C A R A S Ó . . . les que podemos perceber contra o que
se articulava o Estado Novo, e quais os
O
Estado Novo embasou todo o
'fantasmas' que tanto amedrontavam a
seu r e p e r t ó r i o d i s c u r s i v o e
elite dirigente do país naquela é p o c a .
imagético sobre quatro pilares,
a partir dos quais planejou adentrar to- Por meio da enorme variedade de 'fan-
dos os e s p a ç o s e recantos da sociedade, tasmas' que atormentou o sossego dos
p á g . 1 3 0 . jul/dez 1997
V O
K
Ao outro, o inimigo a ser execrado, se- migo que se imiscuía com tanto ardil na
rão conferidos todos os maus atributos sociedade para, por dentro, destruí-la va-
A
s e n s a ç ã o de estranhamento trar à parte sadia da população para des-
relacionado ao estrangeiro pertar a a t e n ç ã o dos brasileiros contra
. n ã o se inicia, obviamente, com as m a q u i n a ç õ e s dos inimigos da nossa
o Estado Novo, mas é quando se 3
civilização". Todo estrangeiro tornou-se,
explicitam alguns preconceitos e medos com o decreto-lei n° 383, um potencial
que farão daqueles que eram simples- inimigo da civilização, um portador de
mente diferentes um perigoso inimigo. atributos que podiam levar à
d e g e n e r e s c ê n c i a da nacionalidade. As
Em 18 de abril de 1938, foi proibida aos
medidas desta enorme burocracia, ao
estrangeiros, a t r a v é s do decreto-lei n°
aprofundar a vigilância sobre todos os
383, a atividade política no Brasil. As su-
estrangeiros e seus descendentes, vai
tilezas do decreto ficavam por conta de
lentamente se estendendo aos c i d a d ã o s
como os policiais e os ó r g ã o s públicos
comuns, estrangeiros ou n ã o .
encarregados da v i g i l â n c i a deveriam
aplicá-lo na prática cotidiana. A fiscali- Mais uma vez percebe-se a amplitude da
z a ç ã o das atividades dos estrangeiros suspeição, pois, de acordo com os rela-
seria realizada pela Superintendência de tórios de polícia, qualquer cidadão que
Segurança Política e Social, auxiliada pelo tivesse um comportamento diferente, não
Serviço de Censura e Fiscalização de Te- convencional, estranho, poderia ser de-
p á g . 132, j u l / d e z 1997
V o
25 de janeiro de 1938, foi criada, pelo turais etc. Mas, os estrangeiros não eram
nalização, que tinha por objetivo instituir tados pelo Estado Novo, e aqueles cuja
rente por excelência — que se exercita- por mais profundo que seja o nosso
p á g . 134. j u l / d e z 1997
R V O
Muniz, enviou um ofício ao presidente Qe- ses, que praticamente devem ser con-
apreender os livros porque não se desti- cem a uma raça e a uma r e l i g i ã o ab-
navam à venda. O ofício vai parar nas solutamente diversas; falam uma lín-
à nossa p o l í t i c a nacionalizadora. 5
O parecer de Francisco Campos expres-
sa todas as facetas do preconceito, do
O problema é resolvido permitindo-se ape-
medo, do estranhamento, da intolerân-
nas a entrada de livros didáticos impres-
cia e da i n s e g u r a n ç a . Mas, antes de
sos em língua portuguesa. Aperta-se o cerco.
tudo, é a e x p r e s s ã o mais acabada da
Em 1941, o então ministro da Justiça, Fran- construção do inimigo, do outro, do in-
cisco Campos, elaborou um extenso pare- desejável, do inassimilável.
cer sobre a inconveniência de se aceitar a
Os japoneses que habitavam São Paulo
entrada de quatrocentos japoneses que
nestes anos percebiam muito bem a ex-
desejavam migrar para o Brasil, dedican-
clusão a que estavam submetidos, mui-
do-se à agricultura no interior do estado
tas vezes não entendiam por que isso
de São Paulo.
acontecia, j á que apenas desejavam fa-
Nem cinco, nem dez, nem vinte, nem cin- lar sua própria língua, comer do seu
q ü e n t a anos s e r ã o suficientes para uma modo; enfim, vivenciar livremente sua
cultura. Causava-lhes profundo espanto Em janeiro de 1942, foi emitida uma or-
que, além das medidas j á apontadas, e dem pelo Gabinete de Investigação para
ainda no bojo da s u s p e n s ã o das relações a evacuação das ruas Conde de Sarzedas
d i p l o m á t i c a s Brasil/Japão, eles fossem e dos Estudantes, principais ruas de con-
proibidos de dirigir veículos automotores, centração do comércio j a p o n ê s , no bair-
mesmo porque não eram poucos os mo- ro da Liberdade. Todos os japoneses de-
toristas de praça japoneses. veriam deixar o local em dez dias. O co-
mércio ficou completamente paralisado.
Em 29 de janeiro de 1942, foi restringida
A e s t a g n a ç ã o duraria pelo menos a t é
a liberdade de l o c o m o ç ã o , através das
1945. Em 6 de fevereiro de 1943, uma
normas instituídas pela polícia.
nova ordem de d e s o c u p a ç ã o foi emitida,
Inconformados com estas medidas, os j a -
desta vez atingindo p e n s õ e s e h o t é i s .
poneses criaram, em 1942, a sociedade
Esta notificação foi recebida por mais de
Táisai Yokusam Doshi Kai (Associação dos
350 famílias. Ma quinta-feira, 8 de julho
Correligionários da Cooperação da Gran-
de 1943, era a vez de serem notificadas
de Política) que pretendia promover o re-
do início da evacuação do litoral, rumo
torno em massa para o J a p ã o dos imi-
ao interior, cerca de mil famílias de ja-
grantes que n ã o se conformavam com a
poneses, a l e m ã e s e italianos.
p e r s e g u i ç ã o e eterna suspeição a que es-
tavam submetidos. O desejo de retornar A hospedaria dos imigrantes no Brás, por
ao J a p ã o era um velho sonho acalentado onde muitos haviam passado ao chegar
pelos primeiros imigrantes e as perse- no Brasil, foi transformada em p r i s ã o
guições durante o Estado Movo exacer- onde eram confinados não s ó italianos e
baram esse desejo. a l e m ã e s , mas principalmente japoneses;
os maus-tratos e a violência física torna-
A guerra forneceu as condições ideológi- ram-se regra no tratamento aos imigran-
cas para o acirramento da r e p r e s s ã o e o tes. Em O imigrante japonês, Tomoo
aprofundamento do projeto estadonovis- Manda conta:
ta. Sem meias palavras ou justificativas
legais era possível aprisionar para ave- ...na p r i s ã o faltavam camas e por isso
assumiu sua faceta mais crua, e desdo- que o que mais incomodava é que as
dos aqueles que, por uma ou outra ra- tas e pequenas causando sufocação
p á g . I 36. J u l / d e z I 997
R V O
"Queremos a guerra". Protesto contra o torpedeamento dos navios mercantes brasileiros pelas
forças alemãs. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1942. Agência Nacional. Arquivo Nacional.
Segurança Política e Social, no largo Ge- jetivo fixar os limites da esfera pública,
neral Osório. Para retirá-lo, o candidato determinados pelo anseio
deveria preencher um formulário e en- homogeneizador do novo Estado.
tregar, ao funcionário da superintendên- Destarte, ao se estabelecer uma eficaz
cia, uma série de documentos que segui- intervenção na esfera privada, o e s p a ç o
riam para pesquisa e averiguação dos an- público, c o n s e q ü e n t e m e n t e , se reduz e
tecedentes criminais; em seguida, caso passa a ser concebido em função e de
nada constasse contra o requerente, se- acordo com os limites impostos ao mun-
ria expedido o salvo-conduto. De março do privado. Portanto, o Estado novo
a maio do mesmo ano, o serviço aten- explicita com muita clareza e precisão,
deu 73.798 pessoas, sendo 40.329 es- a t r a v é s do salvo-conduto, seu projeto
trangeiros e 33.469 brasileiros. Mas jus- político: despolitizar a sociedade, silen-
tificativas para a criação do salvo-con- ciar a ação e o discurso de uma popula-
duto, os ó r g ã o s policiais alegavam que ç ã o transformando-a em massa. Essa
São Paulo possuía 1.500.000 estrangei- 'coisa' sem forma ou desejo definidos,
ros, grande parte dos quais cidadãos dos onde se q u e b r a m as solidariedades
países do Eixo. grupais, sejam elas estabelecidas pela
profissão, pelo trabalho ou pela origem,
Era imperioso que a p o l í c i a exercesse
de maneira que os sujeitos a p a r e ç a m ab-
toda p o s s í v e l v i g i l â n c i a sobre o trân-
solutamente individualizados e sem vín-
sito desses estrangeiros [...] o salvo-
culos no e s p a ç o público. É aí que a ação
conduto representava o meio mais efi-
interventora do Estado virá restabelecer
ciente de que d i s p õ e a p o l í c i a para
as solidariedades, não mais determina-
controlar as atividades dos indivíduos
das pela classe social, pela origem, ou
que se locomovem de um para outro
pela experiência da proletarização, mas
ponto do p a í s e mesmo dentro dos
as que vinculariam os atores sociais ao
limites dos estados [...] instituir a
poder público, neste momento, a
obrigatoriedade do salvo-conduto é
massificação estaria realizada e o proje-
9
função indiscutível da polícia preventiva.
to corporativo encontraria caminho aber-
Impedir o livre trânsito, circunscrever um to para sua efetivação. A maciça inter-
e s p a ç o para a 'ação' dos sujeitos soci- v e n ç ã o estatal na vida privada com o
ais, criar uma e s p é c i e de gueto social objetivo de determinar os limitados con-
onde seriam 'encarcerados' os estrangei- tornos da esfera pública foi a maneira
ros e onde o controle pudesse ser exer- encetada para a realização desse projeto.
cido com maior eficiência; eis o objetivo
da instituição do salvo-conduto. A inter- Os anos da Segunda Guerra Mundial fo-
v e n ç ã o na vida privada, restringindo a ram, sem dúvida, os mais terríveis do
possibilidade de circulação, tem por ob- Estado novo, quando a s u s p e i ç ã o foi
p á g . 138. j u l / d e z 1997
R V O
A
Segunda Querra significou um
resposta foi a criação da Shindô-Remmei.
decisivo momento de inflexão
_para a colônia nipo-brasileira. Terminada a guerra, a situação náo me-
Seu final sepultava definitivamente o so- lhorou para os japoneses, ao contrário,
nho de retornar ao J a p ã o . A vinda dos agravou-se. A comunidade japonesa, após
imigrantes japoneses ao Brasil era en- tantas e seguidas humilhações, dividiu-
carada como algo temporário, uma pas- se entre os Kachigumi e os Makegumi.
res. Messe projeto assumia um papel cen- grande farsa e que a qualquer momento
para seguir adiante enfrentando todas as am para levá-los à terra do sol nascen-
Teijiro Suzuki, primeiro j a p o n ê s que emigrou para o Brasil. Correio da Manhã, Arquivo Nacional.
p á g . 1 40 , j u l / d e z I 997
R V O
e muito violenta, lio m ê s de julho de tiros, que contudo náo atingiram o alvo.
1946, foram presos, em São Paulo, dois O lavrador j a p o n ê s de 34 anos, Takeo
japoneses que confessaram ser membros Kajiwara, vítima do atentado, ao depor,
da S h i n d ô - R e m m e i . O processo-crime, dá algumas pistas de que esperava uma
e n t ã o instaurado, mostra-nos as a ç õ e s ação dos grupos de extermínio.
da organização e as práticas dos grupos
Mo dia 23, mais ou menos à s vinte e
de extermínio, os Tokko-Tài.
t r ê s horas, achava-se repousando e
Que o declarante faz parte da Tokko- antes de dormir ouviu latido de seu
13
Tai, o r g a n i z a ç ã o esta incumbida da cão, levantando-se, imediatamente,
Takeo Kajiwara, por ser este um dos viu o disparo de um tiro tendo, imedi-
depoente estava em companhia, nes- momento que ouviu mais tiros, nove
que demonstra a rápida mobilização dos são de eliminar Kajiwara. Seguiu para a
sitiantes, reflexo das t e n s õ e s que percor- capital e pediu p e r m i s s ã o à direção da
riam a comunidade. Shindô-Remmei para matar o Makegumi.
Depois de aprovada a decisão, comprou
Bastante revelador é o depoimento de
duas armas e recrutou os Tokko-Tai para
Satoru Yamamoto, motorista, 28 anos,
a missão:
acusado por Aoki e Morishita de ser o
idealizador e mandante do atentado con- transmitindo-lhes as f e l i c i t a ç õ e s por
tra Kajiwara. Cheio de orgulho ele conta: esse gesto p a t r i ó t i c o que, segundo os
bens i m ó v e i s , que entrou para a socie- japonesa viesse ao Brasil exigir satis-
p á g . 142. j u l / d e z 1997
R V O
p á g . 144. J u l / d e z 1997
R V O
N O T A S
1. Eliana Dutra R. F., O ardil totalitário ou a dupla face na construção do Estado novo, S ã o
Paulo, USP, tese de doutoramento, mimeo., 1990, p. 51.
A B S T R A C T
The union, cohesion and indivision were the aims of the Estado novo. There was a desire to
erase ali possible traces of social heterogeneity, with foreigners representing a potential danger.
The building of homogeneity called for a very authoritarian political system, considering that it
presupposed the elimination of the other, the dissimilar. This article shows that the fear, the
aversion towards the other reached extreme leveis regarding the Japanese.
R É S U M É
L'union, la cohesion et 1'indivision ont é t é les objectifs de ['Estado novo, en vue d'effacer les
article montre la peur et 1'aversion en atteindrant des niveaux extremes par rapport aux Japonais.
Maria Luiza Tucci Carneiro
Docente do Departamento de História da FFLCH
e do Programa de Pós-graduação em Língua Hebraica, Literatura
e Cultura Judaica do Departamento de Letras da Universidade de São Paulo.
L i t e r a t u r a de I m i g r a ç ã o
M^emÓFias cie i i i m a d i á s p o r a
A
s d é c a d a s de 1930 e tos de repressão e propaganda.
1940 podem ser con- Tanto na Espanha como na Ale-
sideradas como um manha, regimes fortes substi-
momento de convulsão da so- tuíram repúblicas agonizantes
ciedade c o n t e m p o r â n e a que, que nada mais foram do que en-
utopicamente, preparou o mundo para a saios de liberalismo e de prática demo-
prática da democracia. Durante este pe- crática. Utopias, enfim. O t é r m i n o da
ríodo, o totalitarismo idealizado nos pri- Querra Civil Espanhola não deixou de ser
meiros anos do século XX e concretizado o prenuncio do conflito mundial que co-
pelo nazismo e fascismo veio à tona sob meçou em 1939. Portanto, é compreen-
a forma de tirania e violência. sível que 1945 seja apontado como sím-
bolo para a história da humanidade: náo
Tempos de terror, de medo e de ódio.
somente pelo fim do conflito mundial e
Tempos de cataclismo. Tempos de Hitler,
suas implicações p o l í t i c o - e c o n ô m i c a s ,
Mussolini, Franco, Salazar, Perón e Getú-
como também por q u e s t õ e s humanistas.
lio Vargas. Cada qual, a seu modo, colo-
Quando as primeiras notícias da vitória
cou em prática projetos nacionalistas e
dos Aliados vieram a público, concreti-
xenófobos, controlando e seduzindo as
zou-se a falência do Estado nazi-fascis-
massas através de modernos instrumen-
ta. E, quando vieram à tona as primeiras ram à imigração. Dispersa por três con-
imagens do holocausto judeu praticado tinentes — Europa, América e África —,
pelos nazistas, o mundo parou sob o im- esta massa diversificada e magoada de
pacto desse fenômeno, incompreensível refugiados guardou desilusões, rancores
até os dias de hoje. Os indivíduos de qual- e tristes recordações.
quer raça, religião ou etnia tiveram a tris-
Para muitos o exílio acabou sendo defi-
te oportunidade de lançar os olhos sobre
nitivo; outros retornaram quarenta anos
os escombros dos campos de concentra-
depois quando foi reinstaurada a demo-
ção, constatando que o sentimento de ódio
cracia, e os que não saíram da Espanha
náo tem limites.
viveram, permanentemente, em seu exí-
2
lio interior.
PEREGRINOS SEM PÁTRIA
Após 1945, o mundo viu-se diante de ou-
f ) f "^anto a Guerra Civil Espanhola
tros tipos de peregrinos: os espoliados
quanto o nazismo e a Segunda
de guerra e os d e s i l u d i d o s , ou seja,
Guerra Mundial foram respon-
aqueles que, decepcionados com seus
sáveis por um i n t e n s o movimento
países de origem e amedrontados com o
imigratório que envolveu, de um lado,
alcance das práticas totalitárias, resol-
aqueles que, identificados com idéias l i -
veram sair em busca de nova pátria.
berais e republicanas, foram obrigados
a deixar a Espanha sob o olhar censório Essa massa humana em movimento, fu-
de Franco; de outro, os judeus persegui- gitiva e sofrida, colocou muitos países em
dos pela doutrina nazi de t e n d ê n c i a s 'estado de alerta', visto que estavam pre-
genocidas. ocupados com o tipo de indivíduo (raça,
caráter e ideologia) que poderia solicitar
Com r e l a ç ã o à Espanha, cabe lembrar
abrigo em suas terras. Tanto a França
que em 9 de fevereiro de 1939 foi pro-
mulgada a Lei de Responsabilidades Po- como o México abriram suas portas aos
que atingia todos que haviam defendido gração em massa, restringiu-se a rece-
das tropas franquistas. Para muitos acu- nalidades de renome na Espanha. Mo en-
p á g . 148, j u l / d e z 1997
V
Panamá, Cuba, Inglaterra e Estados Uni- A documentação oficial produzida pelo Mi-
dos. Um grande número refugiou-se tam- nistério das Relações Exteriores e pelas
bém na África do Norte.* missões diplomáticas sediadas no exte-
rior comprova a atitude irreverente do
Neste mesmo momento, entre 1937 e
Brasil de s ó aceitar aqueles que fossem
1942, o Brasil colocava em evidência uma
classificados como desejáveis. Os judeus
série de circulares secretas proibindo a
refugiados do nazi-fascismo foram con-
entrada de imigrantes judeus. Defendia-
siderados uma anomalia social, enquan-
se a idéia de uma política imigratória ci-
to os refugiados de guerra foram vistos
entificamente policiada e orientada, ten-
como "uma população faminta e desam-
do em vista o imigrante como um prová-
parada" e, confidencialmente, tratada de
vel candidato à composição racial e polí-
"irmãos d e s g r a ç a d o s " e "escumalha de
tica do país. Aquele, se destinado a con- 6
guerra".
tribuir para a melhoria da etnia, deveria
atender a um requisito essencial: ser de A maioria das sociedades americanas fi-
raça branca, escolhida dentre as nacio- cou de sobreaviso com relação a uma
nalidades que j á haviam provado ser fa- dezena de 'perigos humanos' que pode-
cilmente a s s i m i l á v e i s pela p o p u l a ç ã o riam colocar em risco a segurança nacio-
brasileira. 5
nal; fossem exilados políticos (principal-
A causa da fuga. Hitler em meio à multidão, 1933. Archives Yad Vachem. Jerusalém.
p á g . 150. j u l / d e z 1997
V o
dade c o n t e m p o r â n e a . Como muito bem dos a buscar refúgio em outro país a sen-
definiu J o s é Lopes Portillo, presidente do sação era de perda, de mutilação. Mui-
México: tos traduziram suas angústias e esperan-
ças em poemas, novelas, contos e livros
O refugiado é um ser com a raiz cerce-
de memórias.
ada. Um sujeito errante que n á o pro-
para a frente, é para ver como se ga- Com base em uma seleção preliminar —
rantir contra os desastres que todos parte de um estudo mais amplo — , " po-
A
guerra náo foi uma ilusão, nem
tes da prática autoritária e da dificulda-
o holocausto. As divergências
de que o homem tem de lidar com as di-
.ideológicas anteciparam cala-
ferenças, sejam elas étnicas ou ideológi-
midades com capacidade de 'abalar a
cas. Diante de uma produção tão múlti-
Terra'. O tema da vida e da morte tor-
pla e diversificada, identificamos inúme-
nou-se trivial preocupação de todos que
ros núcleos literários, dentre os quais
estiveram ou não envolvidos pessoalmen-
cabe citar: a literatura de exílio, produ-
te nos conflitos. Os que se viram obriga-
Essas obras foram escritas por homens na nova terra e nem mesmo 'fazer a
que tiveram suas existências 'interrom- América', expressão empregada para ca-
pulsos de sua terra natal; outros perma- certeza da volta sempre os animava. Nas
projetos políticos: daí o fato de todos te- quanto a existência transcorria no Méxi-
13
p á g . 1S2. j u l / d e z 1997
K V O
Tanto o imigrante judeu como o exilado como sendo 'liberais' e 'pouco ortodoxos';
espanhol republicano produziram, sob até o momento em que passam a ser
â n g u l o s diferentes, suas visões pessoais questionados por suas origens judaicas.
dos conflitos presenciados na Europa; Por serem judeus — meio ou, a t é mes-
cada qual construiu uma imagem parti- mo, um quarto judeu — é que muitos per-
cular de cataclismo elevando-o à cate- deram o direito de cidadania e, posteri-
goria de drama. Cada uma dessas versões ormente, o 'direito de viver'. Daí suas
encontra-se filtrada pela nova experiência projeções literárias serem típicas das ma-
vivenciada em terras americanas. nifestações das identidades mutiladas.
nos dois casos a maioria dos autores é A literatura de imigração como a de exí-
constituída por intelectuais de classe mé- lio assumem uma dimensão universal: a
dia urbana; com a diferença de que os da sobrevivência. Deixar a terra de ori-
e s p a n h ó i s , exilados no México em 1939, gem náo foi uma atitude voluntária. Foi,
eram indivíduos engajados politicamente sim, a única opção para salvar suas vi-
e envolvidos com o processo de trans- das. Garantida a troca (vida no exílio), o
f o r m a ç ã o da sociedade espanhola na espanhol refugiado sustentou viva a cha-
década de 1930. Muitos representavam, ma de um dia poder salvar, t a m b é m , a
no momento em que foi proclamada a Se- República abortada pelo fascismo de
gunda República, em 1931, a vanguarda Franco, neste sentido, lembramos aqui a
do liberalismo e do republicanismo es- obra de Carlos Martinez, que em sua Crô-
panhol e, quando n ã o , haviam liderado nica de una emigración (La de los repu-
A
que, nesta é p o c a , ocupavam importan- literatura de exílio foi produ-
tes cargos junto à s universidades onde zida, na sua maioria, por inte-
atuavam como catedráticos na área de lectuais engajados e que, por
pesquisa social e científica. Parte consi- razões político-ideológicas, refugiaram-
derável desses intelectuais migrou para se em países da Europa, África e Améri-
o Brasil passando a ser fator atuante na ca, pressionados pela prática dos regi-
história do país, visto serem pessoas de mes autoritários que, para se sustenta-
tradição liberal e nível cultural elevado. rem no poder, abusaram do uso da vio-
lência física e simbólica. Entretanto, mo-
Através de suas memórias, narradas sob
mentos históricos distintos d ã o , a cada
a forma de histórias de vida, muitos des-
uma destas obras, tons diferenciados,
ses intelectuais judeus se apresentam
timentalmente ligados-a sua terra de ori- uma pátria ideal; mas, nem por isso, man-
gem, contando com o retorno num futu- tiveram-se alienados da sociedade que
ro muito próximo, fez com que o tema os cercava. Enquanto a literatura de imi-
assunto comum desta literatura marcada de cada um dos seus autores, a literatu-
cipais autores, cabe citar: Salvador Movo, desvendar outros mundos, sob o prisma
Sender, Luis Cernuda e Max Aub, entre cultura européia. Muitos deixaram-se se-
p á g . 1 54. j u l / d e z 1997
K V O
A
literatura de imigração, neste ca (novelas, contos, poemas, crônicas,
cismo que se instalaram no Brasil nas algumas poucas crônicas. Tais obras de-
d é c a d a s de 1930 e 1940. Essa literatura vem ser vistas como testemunhos da des-
pelo governo de Qetúlio Vargas entre deu refugiado se expressa como vence-
ruptura, seguido da sua rápida assimila- Estas estórias, no seu conjunto, trans-
p á g . 1 56 . j u l/dez 1997
R V O
s ã o gerada pelo recrudescimento das cas do meu tempo, de Trudi Landau; nos-
idéias nazistas, do fortalecimento das cor- so caminho de obra para o Brasil (1939-
rentes revisionistas que negam as câma- 1941), de llza Czapska; O mundo silen-
30
tória dos exilados espanhóis, que — sem ces emergem deste universo trágico para
interferir diretamente no universo da cri-
desmerecer aqui a extensão do conflito
ação. Como escritores, souberam trans-
— tem recebido a t e n ç ã o redobrada por
formar frases e palavras em expressões
parte dos historiadores, cientistas políti-
coloridas de sobressaltos emocionais in-
cos, estudiosos da arte e literatura. O ca-
corporando fragmentos da realidade bra-
ráter épico conferido a muitas obras pro-
sileira. Extraíram da paisagem e do coti-
duzidas pelos exilados espanhóis tem co-
diano a e s s ê n c i a do c a r á t e r nacional,
laborado para o fortalecimento da ima-
26
atraídos, como estrangeiros que eram,
gem de herói que lhes tem sido atri-
por tudo aquilo que percebiam como exó-
buída pela historiografia internacional,
tico e popularesco.
que dá a este 'movimento imigratório
involuntário' uma a t e n ç ã o especial por Diferentes versões foram arrancadas da-
envolver intelectuais e artistas conceitu- quele mundo cinzento da guerra que,
29
ados. após a década de 1950, viu-se traduzido
em metáforas inspiradas nas vivências
A maioria das v e r s õ e s foi escrita por
interiores de cada um. Através de suas ganhou seu sustento como modelo e pin-
m e m ó r i a s , esses escritores — homens e tora de aquarelas. Entre 1923 e 1933, vi-
mulheres — conseguiram recriar sua con- veu em Berlim, posicionando-se contra o
dição de cidadãos do mundo, transfor- nacional-socialismo. Em 1934, para po-
mando a tristeza do exílio em literatura. der continuar publicando, tornou-se mem-
Mas entrelinhas, expressam a consciên- bro da Associação dos Escritores Alemães
cia de estar, constantemente, em busca do Reich. Apesar de não ser judia, por
da terra prometida. solidariedade aos amigos judeus, foi para
a Áustria e, de lá, fugiu para Paris e Mar-
Além dos nomes citados acima, cabe tam-
selha, onde ficou detida no campo de
b é m ressaltar a p r e s e n ç a de Suzanne
Qurs. Em 1940, conseguiu visto para o
Eisenberg Bach e Paula Ludwig, ambas
Brasil, via Lisboa, g r a ç a s a sua amiga
de origem alemã, cujas histórias s ã o se-
nina Engelhard. Morou por algum tempo
melhantes a tantas outras de refugiados.
em Muri, próximo de nova Friburgo e, de-
A primeira, romancista, nasceu em Mu-
pois, transferiu-se para São Paulo, onde
nique, em 1909, e, a p ó s 1933, viveu em
levou uma vida muito modesta. Em 1953
Paris e Marselha. Manteve contato com
retornou à Áustria como cidadã brasilei-
Hermann Mathias Qorgen que lhe enviou
ra, tendo publicado em a l e m ã o suas
visto para o Brasil em 1941, via Portu-
obras, marcadas pelo sentimento de de-
gal. O grupo Ficou primeiro em Juiz de
samparo, desconhecimento do idioma,
Fora e, depois, Suzanne foi para
isolamento e alcoolismo, vindo a falecer
Petrópolis, onde manteve contato com o
em 1974.
escritor francês Qeorges Bernanos, aqui
Além dos escritos de Suzanne Bach e
exilado. Trabalhou no jornal Correio da
Paula Ludwig, g o s t a r í a m o s de dar desta-
Manhã e, em 1948, retornou à Europa.
que, neste universo múltiplo dos
Voltou novamente ao Brasil, indo morar
memorialistas, a Fritz Pinkuss, Lívio Túlio
no apartamento de Leskoschek e, mais
Pincherle e Max Hermann Maier. O pri-
tarde, em Salvador, onde adquiriu uma
meiro, alemão e rabino; o segundo, italia-
livraria. Atualmente reside em Munique.
no e médico psiquiatra; e o último, ale-
A trajetória tumultuada de sua vida en-
m ã o , advogado e cafeicultor no Brasil.
contra-se sob o títuloÀ la recherche d'un
31
Origens diversas, destinos m ú l t i p l o s ,
monde perdu, publicado em 1944.
questionamentos semelhantes. Todos ví-
Paula Ludwig nasceu em Altenstadt e, timas da intolerância, discriminados como
a p ó s a morte de sua m ã e , mudou-se para judeus, refugiados nos trópicos brasilei-
Breslau, onde trabalhou como emprega- ros. Detalhes da história de vida do rabi-
da d o m é s t i c a , além de freqüentar a es- no Pinkuss, que teve importante papel na
cola literária. Em 1917, nasceu seu filho ajuda aos refugiados a l e m ã e s que imi-
Friedel, com quem foi para Munique, onde gravam para o Brasil, encontram-se pu-
p á g . 158, j u l / d e z 1997
K V O
blicados em suas memórias Estudar, en- sua visão de mundo. Pincarle formou-se
sinar, ajudar: seis d é c a d a s de um rabino médico psicoterapeuta vindo a se desta-
em dois continentes. Mos seus relatos, o car como pediatra e especialista em aler-
drama daqueles que, para sobreviver ao gias, dedicando-se à hipnose para tera-
nazismo, viram-se obrigados a conver- pia de asma, alergias de pele e outros
ter-se ao catolicismo para, mais tarde, sintomas. Através da hipnose chegou até
retornar ao j u d a í s m o . 32
a 'terapia de vidas passadas', sendo o
responsável por esta prática por mais de
Lívio Túlio Fincherle, nascido em Trieste,
quarenta anos junto à universidade. Deu
expressa sua vivência sob prismas dife-
asas a sua imaginação ao publicar uma
renciados: o do judeu italiano refugiado
obra de ficção científica intitulada Misté-
em São Paulo e o do profissional preocu-
rio em Jerusalém e pairou sobre a reali-
pado com as ' d o e n ç a s da alma', com o
dade ao recuperar sua trajetória de c i -
inconsciente marcado pelo passado trau-
dadáo-judeu discriminado pelo fascismo
mático, inesquecível, silenciado. É impor-
anti-semita pós- 1938. O perfil do indiví-
tante recuperarmos, em poucas linhas,
duo mutilado, dividido em seus valores e
sua trajetória acadêmica, reveladora de
em busca de uma identidade encontra-
se registrado no seu livro de memórias,
editado em 1987, cujo título sugere sua
Mothilde Moier
trajetória de vida: Dois mundos: história
O S JARDINS DE MINHA VIDA da vida de um médico judeu ítalo-brasi-
33
leiro.
p á g . 160, j u l / d e z 1997
R V O
Da mesma maneira como este jardim a imagem dos ausentes. O tipo de narra-
em Weimar possibilitou a separação tiva e humor que identificamos nas obras
definitiva de Qõethe de Frankfurt... as- dos exilados não encontramos na litera-
sim o plantio do nosso jardim, seu tura produzida por aqueles que, na con-
crescimento, sua florescência e dição de judeus, emigraram para o Bra-
frutificação, fizeram-se radicar defini- sil. Mo livro Memórias do inferno, de
tivamente neste país novo e esquecer Isaak Podhoretz, sobrevivente de campo
o sofrimento indizível da separação da de concentração, o mendigo ressurge da
e as flores de Mathilde Maier assumem tor. Miséria e medo são acionados no pre-
T A S
n o
1. Esta lei foi publicada dois meses antes das tropas franquistas s a í r e m vitoriosas, tendo o
respaldo da Inglaterra e França que, em fevereiro, reconheceram o governo de Franco. O
termo da lei apresentava uma Espanha consciente de seus deveres de reconstruir espiritual
e materialmente a n a ç ã o . Daí a necessidade de "liguidar Ias culpas de este orden contraedas
por quienes contribuyeron com actos u omisiones graves a forjar a s u b v e r s i ó n " . Sobre este
tema ver C. Qarcia-Meto, "Victoria y ei exílio", Guerra civil espanola (1936-1939), Barcelona,
Aula Abierta Salvat, 1985, pp. 62-63.
11. Este projeto maior intitula-se Literatura de imigração: h i s t ó r i a s de muitas vidas (1930-
1945) e e s t á sendo desenvolvido junto ao Depto. de História da FFLCH da Universidade de
S ã o Paulo, tendo sido financiado, por dois anos, pelo CNPq. Esta pesquisa se apresenta
como o prolongamento de um estudo anterior que se ateve a registrar depoimentos, a
t é c n i c a da h i s t ó r i a oral, concentrando-se nos testemunhos dos judeus que, perseguidos
pelo nazi-fascismo, buscaram r e f ú g i o no Brasil. A mostra prevista engloba cerca de 110
testemunhos diferenciados em dois grupos e s p e c í f i c o s : judeus a l e m ã e s (com a t e n ç ã o espe-
cial para aqueles que se concentraram em Rolândia, Paraná) e judeus italianos. Grande parte
do material i c o n o g r á f i c o referente ao tema foi organizado sob a forma de uma e x p o s i ç ã o ,
patrocinada pelo Instituto Cultural G ò e t h e , com o título Brasil, um refúgio nos trópicos: a
trajetória dos refugiados do nazi-fascismo, 1996.
13. E . Meyer (coord.), Palabras dei exilio. Archivo de la palavra dei 1NAH. C o n t r i b u i c i ó n à la
historia de los refugiados espafioles en Méjico. Méjico, INAH-SEP/Librería Madero, 1980, p.14.
15. P. Fagen, Transterrados y ciudadanos: los republicanos espafioles en Méjico, Méjico, Fondo
de Cultura E c o n ô m i c a , 1975, p. 7.
16. C. Martinez, Crônica de una emigración: la de los republicanos espafioles en 1939, Méjico,
Libro Mex, 1959.
17. Aub Max. escritor espanhol nacionalizado mexicano, abandonou a Espanha em 1939 e, em
p á g . 162. j u l / d e z 1997
V O
K
1942, fugiu da França para o México. Importante obra deste escritor éJusep Torres Campalans,
Biblioteca dei Exilio, Barcelona, Plaza 6c J a n é s Editores, 1970.
18. V. Botella Pastor, Asi cayeron los dados. Paris, Imprimerie des Qondoles, 1954, apud R.
Jouanny, "Asi cayeron los dados y encrucijadas - dos novelas en Francia de un espanol con su
exilio". Literatura y guerra ciuil. Barcelona, Edición Angeles Santa, Dept. de Filologia. Facul-
dade de Letras, E s t ú d i o General de Lérida, Universidade de Barcelona, 1988, pp. 275-308.
19. J . S e m p r ú m , La Algarabia. Barcelona, Plaza ôí Janes S. A. Editores, 1982.
20. R. J . Sender. Mexicaiyot!, apud J . de Colina, "Ensaio: Méjico, visión de los transterrados (em
su literatura)", El exilio espanol en Méjico, op. cit., pp. 424-425.
21. J . Rejano, La esfinge mestiza: c r ô n i c a menor de Méjico, Méjico, Leyenda, 1945. Ver t a m b é m
J . de Colina, op. cit., p. 422.
22. Gostaria de lembrar aqui os poemas do sevilhano Luis Cernuda escritos no México entre
1951 e 1963, ano em que morreu. Dentre eles, temos "Como quien espera el alba" (1941-
1944), m o n ó l o g o d r a m á t i c o seguindo a t r a d i ç ã o inglesa, Apud J . de Colina, op. cit., p. 411
e ss.
23. J . M. Villa, Cornucopia de Méjico, Méjico: La casa de E s p a ü a en Méjico, 1940, Méjico, Sep/
Setoriales, 1976 e íiueva cornucopia mexicana, caráter p ó s t u m o , artigos dispersos reuni-
dos por Roberto S u á r e z Arguello, Méjico, Sep/Stentas, 1976.
24. Sobre Ataola, ver J . de Colina, op. cit., p. 423.
25. Claire Etchelli, A p r o p ô s de Clemence, Paris, Col. Folio, Denoel, 1971, apud A. Santa, "A
p r o p ô s de Clemence", Literatura y guerra civil, op. cit.
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n- 2, pp. 1 *7- 164. jul/dez 1997 - p á g . 163
A B S T R A C T
This article makes some considerations about the year of 1945 as a historical period of immigration
TWo types of literature were made in that period: the exile literature and the immigration
literature. The first was written by intellectuals who due to political and ideological reasons
seeked refuge in European countries. The second is relative to books written by Jews who took
refuge from nazism and facism in Brazil during the thirties and the fourties.
R É S U M É
L'article focalise 1'année de 1945 comme un moment historique d'immigration de plusieurs
et i d é o l o g i q u e s s' abritaient dans les pays e u r o p é e n s . L'autre a rapport aux livres é c r i t s par Juifs
1940.
Meiga Iracema Landgraf Piccolo
Professora doutora do Programa de Pós-graduação
em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Imigração A l e m ã e Construção
do Estado N a c i o n a l Brasileiro
10 vjrrancie il, sé
uill, século
pelos latifundiários, uma vez que essas ros livres trouxe à baila a q u e s t ã o da na-
colônias poderiam ser um atrativo para turalização, e as discussões do legislativo
os trabalhadores livres estrangeiros. Para geral evidenciaram "a p r e o c u p a ç ã o de
os grandes proprietários — defensores do restringir a aplicação do reconhecimento
5
princípio da restrição do acesso à terra de direitos civis e políticos".
—, o imigrante deveria ser, preferencial- Se os colonos não se tornaram, desde
mente, um vendedor de sua força de tra- logo, cidadãos como se lhes prometera,
balho, complementando a mão-de-obra foram, no entanto, imediatamente vistos
escrava nas atividades econômicas volta- como soldados. É o coronel J u v ê n c i o
das para o mercado externo. É o que Saldanha Lemos, na sua obra Os merce-
transparece do Regulamento dos Contra- nários do imperador, quem afirma:
tos de Locação de Serviços Agrícolas de
A c o n c e p ç ã o de que os colonos a l e m ã e s
1830.
teriam utilidade, particularmente, como
neste mesmo ano, o orçamento votado
bucha de c a n h ã o , aflorava claramente
pelo Parlamento, em 15 de dezembro,
na d e c i s ã o de m a n d á - l o s para o sul,
"suprimia todos os créditos para a colo-
lugar de lutas eternas, por história e
nização estrangeira". O significado e os
tradição.
efeitos deste ato político foram analisa-
Aliás, outra guerra j á se desenhava no
dos por Jean Roche.*
6
horizonte.
A
pesar dos cortes orçamentári-
os terem interrompido o fluxo neste sentido, a colônia de São Leopoldo
perspectiva de ampliação da esfera do tra- autor afirma também que, "... em termos
fator perturbador para a ordem social fun- do alemão padeceu tanto como aqueles
p á g . 1 68 . j u l / d e z 1997
R O
à tona e cristalizou-se na Querra dos Far- via, se o excedente da produção das co-
rapos, conflito civil em que foi proclama- lônias foi fundamental para o abasteci-
da a República Rio-grandense, com uma mento de Porto Alegre durante os quase
proposta alternativa de c o n s t r u ç ã o do dez anos de guerra, o governo náo podia
Estado brasileiro. 14
deixar de considerar que, além de traba-
lhadores ordeiros, havia também colonos
O espírito revolucionário manifestou-se
rebeldes e subversivos que, como tal,
t a m b é m na colônia de S ã o Leopoldo,
deixavam a desejar como p o s s í v e i s
cujos h a b i t a n t e s d i v i d i r a m - s e entre 16
15
cidadãos.
legalistas e republicanos. Em março de
1842 a colônia estava pacificada. Toda- A colônia seria emancipada em 1846 — o
A posse In: José Lutzenberger, O colono no Rio Grande do Sul. Porto Alegre,
Aposse, m. JO> a Tipografia Mercantil, 1950.
para o que a lei geral n° 514, de 28 de nas colônias rurais, onde eram pequenos
outubro de 1848, foi um incentivo. Mão proprietários, como nos núcleos urbanos,
pansão, como novas colônias foram criadas. tes escravocratas. Os inventários e os pro-
cessos-crime s ã o , neste sentido, inequí-
O entendimento da lei requer a análise 18
vocos.
da conjuntura em que se acentuou a po-
lêmica sobre a escravidão, principalmen- A promulgação pelo parlamento brasileio
te por p r e s s ã o externa. Lembremos a re- da Lei de Terras, em 1850, deu ensejo a
a ç ã o inglesa consubstanciada no Bill m u d a n ç a s nas condições oferecidas aos
Aberdeen. Essas p r e s s õ e s contribuíram imigrantes que desejassem tornar-se pro-
para a a p r o v a ç ã o da Lei E u z é b i o de prietários, ao substituir-se a d o a ç ã o de
Queirós (1850), cuja discussão no Parla- terras pela venda. Assim, a lei provincial
mento ocorreu simultaneamente com a n° 304, de 30 de novembro de 1854, es-
aprovação da lei n° 514. tabeleceu que "a colonização na provín-
cia será feita sobre a base de venda de
A esta conjuntura deve ser t a m b é m rela- o
terras" (art. I ). Mas o que chama a aten-
cionada a fala do presidente da província o o
ção s ã o os artigos 7 e 8 , que dispu-
do Rio Grande do Sul, Manuel Galvão, em
nham:
1847.
o
Art. 7 — O presidente da província
Segundo o capítulo III, art. 16, da lei n°
d i l i g e n c i a r á a entrada para as c o l ô n i -
514, seriam concedidas 36 léguas qua-
as, de f a m í l i a s brasileiras, a g r í c o l a s e
dradas de terras, exclusivamente para a
laboriosas, vendendo-lhes as terras
colonização, a cada província do Império,
com os favores e ô n u s expressos na
não podendo estas terras ser trabalhadas
presente lei.
por escravos. Esta lei fez com que a pro-
17 o
víncia assumisse a c o l o n i z a ç ã o — San- Art. 8 — Os colonos p o d e r ã o cultivar
ta Cruz, a primeira colônia provincial, foi suas terras por si mesmos ou por meio
portanto n ã o resolvidas, como a dos co- alheios, nem p o s s u í - l o s nas terras das
p á g . 1 70 , j u l / d e z 1997
V o
interesses dos grandes proprietários que belecido o colono nas terras que lhe
vincial de 1854 n ã o s ó veio ao seu encon- pelas autoridades judiciais (...). Mas
tro, como t a m b é m procurou responder às diz-se que esse indivíduo tantos ser-
Pereira da Silva Borges Fortes lia extratos pequeno t o r r ã o desta terra conquista-
A roça. In: J o s é Lutzenberger, O colono no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Tipografia Mercantil, 1950.
p á g . I 72 . j u l / d e z 1 997
K V O
dida. Seu preconceito contra os colonos nosso governo que tem permitido e
alemães o fazia calar sobre as mudanças consentido certos desvios desses colo-
é o nosso governo que n ã o tem cuida- tual; precisa levantar-se à altura de sa-
ali pessoas que fazem nascer e desen- onde chegam os seus direitos para com
Anos mais tarde, durante a Querra do ram em terra brasileira, sejam brasilei-
Paraguai, da qual muitos a l e m ã e s parti- ros, sintam com o sentir, com a vida e
rem dispostos a derramar seu sangue tilham dos direitos comuns os brasilei-
19
pelo B r a s i l , o deputado Eudoro Brasi- ros da raça portuguesa.
p á g . 1 74 . j u l / d e z 1997
K V O
A
s colônias alemãs foram, no
conquistar a cidadania (conforme o texto
Rio Grande do Sul, fator de de-
constitucional), e, sendo cidadãos, a par-
senvolvimento econômico. O
ticipação política dos colonos transforma-
reerguimento e a diversificação na pro-
va-se, ao menos teoricamente, numa pos-
dução agrícola realizados pelos colonos
sibilidade (mas isto dependia, antes de
fizeram do Rio Grande do Sul o 'celeiro
mais nada, dos partidos políticos passa-
do Brasil'. Os imigrantes alemães que se
rem a incluí-los na nominata de candida- 21
estabeleceram nos núcleos urbanos fo-
tos a funções eletivas).
ram os principais responsáveis pelo pro-
Visualizando no colono o substituto do cesso de industrialização e urbanização
escravo, n ã o é difícil entender que as dessa província, acelerado no decorrer do
medidas para integrá-los politicamente na século XIX.
sociedade civil não partiriam dos propri-
Embora enfrentando desafios e
etários com assento na Assembléia (ou 22
desconfianças, os colonos de origem ale-
nela representados).
mã tiveram inegável participação nas mu-
Seria uma lei geral sobre reforma eleito- danças ocorridas no perfil sócio-econô-
ral — a Lei Saraiva, de 1881 — que ou- mico sul-riograndense, contribuindo para
(bem como aos libertos) a igualdade po- celência do trabalho livre. Foram agentes
lítica, pela qual haviam lutado Karl von de 'civilização' e, como tal, não podem ser
pensável à construção da nação brasilei- nização (no caso do Rio Grande do Sul,
ra; se, no Brasil, nação e Estado foram, notadamente a l e m ã s , uma vez que a cor-
no século XIX, ' p e n s a d o s indisso- rente imigratória italiana se inicia por vol-
ciadamente; então, no período ta de 1875)devem ser recuperadas na sua
monárquico brasileiro, imigração e colo- historicidade.
T A S
n o
1. Brasil Bandecchi, "Problemas de i m i g r a ç ã o na r e g i ã o Sul", Cadernos de História, n ° 4, S ã o
Paulo, Obelisco. 1967, p. 64.
2. Ernesto Pellanda, A colonização germânica no Rio Qrande do Sul, Porto Alegre, Oficinas Gráfi-
cas da Livraria do Globo, 1925, p. 3.
3. rio Primeiro Reinado, no Rio Grande do Sul, n á o foi fundada pelo governo imperial apenas a
c o l ô n i a de S ã o Leopoldo. Em 1825, foi fundada a c o l ô n i a de S á o J o ã o das M i s s õ e s (que n ã o
teve nenhum desenvolvimento); em 1826, as c o l ô n i a s de Três Forquilhas (com imigrantes evan-
g é l i c o s ) e S á o Pedro das Torres (com imigrantes c a t ó l i c o s ) e, em 1827, a c o l ô n i a de S á o J o s é
do H o r t ê n c i o .
4. Jean Roche, A colonização alemã e o Rio Qrande do Sul, Porto Alegre, Globo, 1969, vol. I, p.
99. Nesta mesma obra, à mesma p á g i n a , o autor opina sobre a lei que regulamentou os con-
tratos de l o c a ç ã o de s e r v i ç o s , de 12 de setembro de 1830.
5. Renato Paulo Saul, "A q u e s t ã o social no Brasil escravista". Cadernos de Estudos, n. 5, Porto
Alegre, curso de P ó s - G r a d u a ç á o em Antropologia, Política e Sociologia da UFRGS, dezembro
de 1984, p. 11
10. Vide Helga I. L. Piccolo, "... que Montevideo se gana en Puerto Alegre, pues revolucionando la
p r o v í n c i a de Rio Grande, quita Ud. el c o r a z ó n al Brasil", Anais da XVI Reunião da Sociedade
p á g . 1 76, j u l / d e z 1997
R V O
Brasileira de Pesquisa Histórica, Curitiba, SBFH, 1997, pp. 195-198. Mesta c o m u n i c a ç ã o foram
mostrados projetos republicanos pensados no Prata para o Rio Grande do Sul. Os que durante
a campanha da Cisplatina foram divulgados, assustaram autoridades c o n s t i t u í d a s na provín-
cia, devido à receptividade obtida. É, t a m b é m , preciso lembrar que entre os colonos e/ou sol-
dados havia republicanos, o que durante a Guerra dos Farrapos (1835-1845) ficou muito claro.
11. Vide Helga I. L. Piccolo, A organização do espaço fronteiriço e os limites políticos entre Brasil
e Uruguai. C o m u n i c a ç ã o apresentada no Encontro de História e Geografia do Prata, Porto Ale-
gre, Instituto H i s t ó r i c o e G e o g r á f i c o do Rio Grande do Sul, agosto de 1994.
12. Vide Helga I. L. Piccolo, " S é c u l o XIX: o Rio Grande do Sul e a e s t r u t u r a ç ã o do Estado nacional
brasileiro. A q u e s t ã o da identidade". Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n °
390, jan./mar. 1996, p. 156.
13. Manuel Luís Salgado G u i m a r ã e s , " n a ç ã o e c i v i l i z a ç ã o nos t r ó p i c o s : o Instituto Histórico e Geo-
g r á f i c o Brasileiro e o projeto de uma história nacional", Estudos Históricos. n ° 1, Rio de Janei-
ro, A s s o c i a ç ã o de Pesquisa e D o c u m e n t a ç ã o Histórica, CPDOC/FGV. 1988/1.
19. Vide Maus Becker. Alemães e descendentes — do Rio Grande do Sul — na Guerra do Paraguai,
Canoas, Editora Hilgert ôt Filhos, 1968.
20. Vide R e n é Gertz, O perigo alemão. Porto Alegre, Editora da UFRGS, Série S í n t e s e Riograndense,
n ° 5, 1991.
21. Vide Magda Roswita Gans, Presença teuta em Porto Alegre no século XIX (1850-1889), disser-
t a ç ã o de mestrado defendida no PPG em História da UFRGS, agosto de 1996.
22. Vide Jorge Luís Cunha, Rio Grande do Sul und die Deutsche Kolonisation. Santa Cruz do Sul,
Gráfica L é o Quatke da UniSC, 1995.
the settlement of the colony of S á o Leopoldo in 1824, is related to the consolidation of the
independence of Brazil and the construction of the Brazilian national state. Therefore, the whitening
R É S U M É
Larticle montre comment le processus d'immigration allemande au Rio Qrande do Sul, dont 1'origine
que o país recebeu aproximadamente três no principal meio. utilizado pelas autori-
p á g . 1 80, j u l / d e z 1997
V o
o Brasil que oferece passagens gratui- uma estrutura fundiária arcaica no país.
tas, vinte libras esterlinas ao desem- Até o ano de 1900, cerca de 2/3 da popu-
barcar e terrenos para fundar c o l ô n i - lação do Reino se ocupavam direta ou in-
as, n o t í c i a s de Madri asseguram que diretamente com as atividades agrárias.
j á estavam inscritas umas oito mil pes- Mo entanto, à proporção que o n ú m e r o
soas... 7
de habitantes crescia nas á r e a s rurais,
os investimentos com a agricultura re-
páo, 1 82 . j u l / d e z 1997
K V O
Canárias. Seu principal produto de expor- aos elementos do sexo masculino, a que-
tação, a cochonilha, ao final da década da das entradas deve ser relacionada ao
de 1870, passara a enfrentar a concor- recrutamento militar, ativado em vista
rência da entrada das anilinas artificiais das guerras coloniais em Cuba e nas F i -
14
no mercado internacional. lipinas.
Entre 1890 e 1894 o fluxo deu um enor- A tendência de queda reverteu-se logo
me salto em relação ao intervalo anteri- em seguida. Mos intervalos de 1905-1909
or. Os elevados índices atingidos, tanto e 1910-1914, a quantidade de ingressos
no caso dos homens quanto no das mu- voltaria a se elevar de maneira significa-
lheres, além da intensificação dos fato- tiva: c r e s c e u para 16.025 e 3 1 . 7 9 8
res estruturais de repulsão, deve ser cre- respecticamente, sinalizando não apenas
ditado, ainda, a uma q u e s t ã o de ordem o recrudescimento de antigos problemas
conjuntural: a d i s s e m i n a ç ã o da filoxera, econômicos, mas t a m b é m uma reação da
praga que assolou os vinhedos espanhóis população masculina jovem, que fugia a
e comprometeu a viticultura do país, obri- uma nova onda de engajamento obriga-
gando os agricultores a abandonarem tório, motivado pelas p r e t e n s õ e s milita-
suas p l a n t a ç õ e s . res da Espanha no Marrocos. Essa verti-
gem emigratória favoreceu-se do bara-
O ritmo das taxas de desembarque caiu,
teamento dos custos das viagens transa-
sucessivamente, nos períodos 1895-1899
tlânticas, que se tornaram mais acessí-
e 1900-1904. Do ponto de vista econô-
veis à s camadas menos favorecidas da
mico, esses dez anos corresponderiam a 15
população.
uma fase em que a economia espanhola
parecia dar mostras de uma lenta recu- A febre emigratória, que contagiou o no-
p e r a ç ã o . Além disso, no que diz respeito roeste da Espanha, aparece nitidamente
ro„,e: llvros do por.o do Rio de Janeiro e relaçào dos vapores do oor.o do Rio de Janeiro. Ar.uivo «aciona,.
p á g . 184, j u l / d e z 1997
V o
cobrimos dois indicativos dessa situação. Rio de Janeiro, quando nos deparamos
1891. Seu autor. Enrique de Sastré, exer- lares quanto pelos municípios e esta-
Tabela I
E s p a n h ó i s desembarcados no porto do Rio de Janeiro (1880-1914): p r o f i s s õ e s
por setor da economia ( n ú m e r o s absolutos)
p á g . 186, j u l / d e z 1997
V o
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 1 79-1 98. jul/dez 1997 - pág.187
embora apresente d e f i c i ê n c i a s , indica Embora os recenseamentos n ã o adotas-
que 30% da p o p u l a ç ã o do Distrito Fede- sem o critério de quantificar a p o p u l a ç ã o
ral era integrada por estrangeiros. Os de estrangeira por nacionalidade, segundo
origem espanhola formavam a terceira as o c u p a ç õ e s exercidas, descobrimos a
maior c o n c e n t r a ç ã o de imigrantes, per- p r e s e n ç a daquele grupo, trabalhando no
fazendo um total de 10.800 pessoas, das comércio de retalho e no setor de cafés,
quais 1.296 optaram pela nacionalidade bares, botequins, p e n s õ e s e hotelaria.
brasileira, consoante a lei da grande na-
Os naturais de outras regiões da Espanha
turalização promulgada naquele mesmo
23
dispersaram-se pela indústria da cons-
ano. Ho censo realizado em 1906, eles
24
trução civil, setor de transportes e ser-
continuariam a ocupar aquele posto:
viços portuários. Integrados ao proleta-
somavam 20. 699 habitantes, apesar das
riado urbano, os e s p a n h ó i s chegaram a
taxas de retorno alcançarem um
25
liderar algumas das o r g a n i z a ç õ e s de tra-
percentual de quase 5 0 % .
balhadores mais influentes da capital fe-
A comunidade hispânica parecia dar pre- deral: o Centro Cosmopolita, o sindicato
ferência por se estabelecer nos e s p a ç o s dos trabalhadores da c o n s t r u ç ã o civil e o
centrais do Rio. Aglomerava-se nos dis- de empregados em hotéis, bares e res-
28
enraizou no Rio. Tanto assim, que o ape- nias do cais do porto. Por sorte, a indi-
lido pejorativo de 'galego' servia para cação estava correta. Tratava-se de uma
p á g . 1 88 , j u l / d e z 1 997
K V O
/ C31.
Sanda a Traternldads.
O Ch«f« 4* Policia;
Cl
nhecido nas redondezas. Além do traba- Apesar da guarida dos patrícios, nem to-
lho fixo, passou a fazer biscates. Deixou dos os que aqui desembarcaram foram
o hotel e estabeleceu-se no subúrbio de bem sucedidos. As especificidades do Rio
I n h a ú m a . A oficina, que n ã o passava de de Janeiro — um grande entreposto co-
uma portinha acanhada, transformou-se
mercial, onde se concentravam ativida-
numa serraria."
des p o r t u á r i a s , a d m i n i s t r a ç ã o pública,
Mulheres e crianças cumpriam um ritual bancos, casas c o m i s s á r i a s de café e gran-
semelhante. Quando n á o permaneciam des firmas importadoras — transforma-
agregadas junto a algum parente ou co- ram-se em fortes o b s t á c u l o s para a ab-
nhecido, a espera de uma oportunidade sorção dos hispânicos no mercado de tra-
no c o m é r c i o , empregavam-se como do- balho formal. O problema se tornou ain-
m é s t i c a s em casas de família, p e n s õ e s e da mais grave quando a Abolição tornou
hospedarias. Aliás, era comum a vinda disponível um grande contingente de l i -
de meninas desacompanhadas, contrata- bertos, oriundos de antigas á r e a s pro-
das para este fim, conforme o depoimento dutoras de café da província fluminense
da sra. Joana Villa, que aqui aportou aos e de Minas Qerais, que se deslocou do
11 anos de idade, sozinha, vinda de Pon- interior para a capital do país. Além dis-
te Sesso (La Coruna). Ela justificava sua so, no último quartel do século XIX, uma
s i t u a ç ã o , afirmando que "quem n ã o tra- outra corrente de migrantes desaguou no
balha, n ã o come". E em sua terra natal, Rio, proveniente do nordeste, onde a seca
"plata (dinheiro) era coisa que n ã o se e a e x p a n s ã o das usinas de a ç ú c a r em-
p á g . 190. j u l / d e z 1997
R V O
OpáERVAÇOES ANTMROPOMETRICASy . N O T A C Í IE S . C H R O M .
Alluo tfí-'' laaaaM»>»'
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Sobrenome e pseudonymo
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Profissão ^/^fof'^**^'
Ultima resídeftflrÕCU/cU*. -
Papeis de identidade
Relações
IV Serviços militares
Condem nações anteriores, seu n.'
ar da^deteni; io iaXuvf/M
a» 'Offu, y./i..
VI
p á g . 192. J u l / d e z 1997
R V O
40
ploração do lenocínio. Comentando essa movimento operário, inclusive hispânicos,
incidência, Elísio de Carvalho culpava a teriam sido deportados sob a a c u s a ç ã o
origem dos imigrantes, afirmando que de lenocínio, o gráfico n° 3 induz-nos a
"... a Espanha, na sua atividade anti-so- examinar o problema por um outro ân-
44
cial, é uma s o b r e v i v ê n c i a da b a r b á r i e gulo. na esteira da lei proposta pelo
41
africana ou asiática". naquele mesmo deputado paulista Adolfo Gordo, com o
p e r í o d o , foram processados e repatria- intuito de 'banir os agitadores estrangeiros
dos 37 e s p a n h ó i s residentes no Rio de que contaminam o nosso proletariado', as
Janeiro, nos termos da chamada 'Lei autoridades aproveitaram para 'fazer uma
Gordo' que regulamentou a expulsão de faxina' nas ruas do Rio de Janeiro, descar-
42
estrangeiros. tando-se dos indesejáveis sociais, em es-
pecial daqueles que não faziam parte da
na s é r i e de processos examinados, os
denominada 'boa imigração'.
crimes de vadiagem e lenocínio preva-
lecem, seguidos dos de furto e embria-
guez, evidenciando as mazelas de uma Gráfico 3 - Processos de expulsão de espanhóis:
distribuição por crimes
sociedade em t r a n s i ç ã o , marcada pela (1907-1914)
A travessa do Comércio ostentou on- balho, realizando tarefas que antes eram
tem à noite o mesmo triste espetáculo desempenhadas por escravos, uma vez
promiscuidade e (...) quaisquer que para a sua terra natal, onde teriam de
enfrentar a miséria dos campos e as ci-
sejam as causas é deprimente (...). Acre-
47
dades j á s a t u r a d a s . J á o político e
ditamos que eles não têm direito ao
e n s a í s t a Alberto Torres, preocupado com
acolhimento nas hospedarias do Esta-
a crescente afluência de forasteiros nas
do, nem razão justificada para se quei-
nossas cidades, teorizava sobre o pro-
xarem da falta de ocupação, mas a sua
blema, ao afirmar que:
vagabundagem e sua miséria, ainda
que merecida, não podem continuar ... a imigração quando não se associa-
(...). Dê-se-lhes agasalho, ou permita- va ao latifúndio, constituía um regime
se-lhes que voltem (...), ainda mesmo de privilégio a favor do trabalhador es-
com sacrifício do Estado. Os interesses trangeiro, pois que vedava oportuni-
da boa imigração são muito mais im- dades melhores ao trabalhador nacio-
portantes do que os motivos regula- nal, de que na verdade náo se cogita-
mentares que possam explicar e até jus- va num único programa que pudesse
48
tificar o abandono daquela gente.(...) resgatá-lo ou redimi-lo.
mais vale perder alguns contos de réis Podemos observar que a disputa come-
em fazê-los regressar à Europa, do que çava pela o c u p a ç ã o de um e s p a ç o priva-
tê-los aqui nas ruas como espantalhos do, ou seja, por um c ô m o d o nas
de outros imigrantes, como argumento superlotadas h a b i t a ç õ e s coletivas, onde
aos inimigos da imigração européia para a classe pobre se apinhava. rio e s p a ç o
o Brasil (grifo meu).* 8
público, a situação era a mesma, ü ã o foi
Se para a nata da opinião pública a imi- por acaso que o cronista Luís Edmundo,
g r a ç ã o espanhola n ã o representava um outro observador arguto dos contrastes
fator de progresso, para os extratos in- da sociedade carioca, nas suas a n d a n ç a s
p á g . 1 9* . J u l / d e z 1 997
K V O
que manda buscar gente de fora, cavam com os imigrantes, sobretudo na-
quando aqui sobra gente. Governo que queles setores da economia que não ca-
não cuida de nós. Sorte madrasta que reciam de pessoal qualificado ou semi-
nal, vinho nas refeições e horário das 8 Européia. Favorecidos por uma nova le-
N O T A o
1 • Brasil, Conselho liacional de Estatística, 1970.
2. José Fernando Carneiro. "O Império e a colonização do Rio Qrande do Sul", Fundamentos da
a
cultura rio-grandense. Faculdade de Filosofia, Porto Alegre, 4 série, 1960; José Dacanal et
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 1 79-1 98. jul/dez 1997 - p á g . 195
A C
alii. Rio Grande do Sul: i m i g r a ç á o e c o l o n i z a ç ã o . Porto Alegre, Mercado Aberto, 1980. Mais
recentemente, veja-se, por exemplo, Elizabeth Filippini, Terra, família e trabalho: o n ú c l e o
colonial B a r ã o de J u n d i a í , 1887-1950, d i s s e r t a ç ã o de mestrado, S ã o Paulo. FFLCH, Univer-
sidade de S ã o Paulo, ^1990.
a
3. Caio Prado J ú n i o r , História econômica do Brasil, 14 ed., S ã o Paulo, Brasiliense, 1971;
a
Emilia Viotti da Costa, Da monarquia à república: momentos decisivos, 2 ed., S ã o Paulo,
Livraria Editora C i ê n c i a s Humanas, 1979; Elorestan Fernandes, "Immigration and race relations
in S ã o Paulo", Magnus Mòrner (org.), Kace and class in Latin America, Mova York, Columbia
University Press, 1970. Ver, ainda, Paula Beiguelman, A crise do escrauismo e a grande imi-
gração, S ã o Paulo, Brasiliense, 1981.
8. Miguel Martinez Cuadrado, "La burguesia conservadora (1874-1931)", Miguel Artola (dir.),
a
História de Espana Alfaguara VI. 8 ed., Madrid, Alianza Universitad, 1986, pp. 162-165.
10. Pierre Villar, Historia de Espana. Lisboa, Livros Horizonte, [s.d.], p. 76. C o l e ç á o Horizonte n ° 9.
13. Lúcia Maria P. G u i m a r ã e s , " V i s õ e s e d ê n i c a s " , em Maria Tereza Brites Lemos (org.), América
Latina em discussão - Congresso América 92, Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, 1994, pp. 165-171.
a
14. Jordi Nadai, La población espanola, 3 ed., Ariel, Barcelona, 1973, pp. 184-197.
15. Acerca dos valores das passagens t r a n s a t l â n t i c a s , n ã o dispomos de dados em moeda espa-
nhola. P o r é m , para se fazer uma i d é i a de como os p r e ç o s das viagens tornaram-se progressi-
vamente mais a c e s s í v e i s , basta dizer que em 1903 um bilhete de terceira classe G ê n o v a - R i o
de Janeiro custava em m é d i a cem liras. Em 1906, o mesmo bilhete podia ser adquirido por
setenta liras.
16. Gilbraltar, embora fosse p o s s e s s ã o inglesa, era considerado porto livre. Passagens e embar-
ques estavam livres dos impostos e s p a n h ó i s .
18. O P a í s , Rio de Janeiro, 4 de fevereiro de 1885. Veja-se, ainda, O País, Rio de Janeiro, 5 de
m a r ç o de 1885.
19. Ver a esse respeito, Lená Medeiros de Menezes, Modernização e imigração no Brasil: progres-
sos e imobilismos (1850-1888), d i s s e r t a ç ã o de mestrado, Niterói, UFF, 1986.
p á g . 196. j u l / d e z 1997
K V O
28. Sheldon Leslie Maram, Anarquistas, migrantes e o movimento operário brasileiro (1890-
1920), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, pp. 19-22.
34. Depoimento da sra. Joana Vila concedido à autora, no Rio de Janeiro, em 27 de agosto de
1987.
35. Michelle Perrot, "Os segredos dos s ó t á o s " , e "Práticas da m e m ó r i a feminina", Maria Stela
Martins Bresciani (org.), A mulher e o espaço público. Revista Brasileira de H i s t ó r i a , S á o
Paulo, ANPUH/Marco Zero, v. 9, n. 18, p. 12, agosto/setembro de 1989.
36. J o s é Murilo de Carvalho. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a R e p ú b l i c a que n á o foi, S ã o
Paulo, Companhia das Letras, 1987, p. 77.
A B S T R A C T
This article analyses the Spanish immigration in Rio de Janeiro between 1880 and 1914. These
immigrants were the third biggest foreign colony in the city during that period.
The author intends to discuss the idea that foreign urban immigration was in competition with
national handwork, mainly those who were settled free after the slavery abolition in 1888.
Cet article analyse Ia route e x p l o r é e par les immigrants Espagnols à Ia ville du Rio de Janeiro,
entre 1880 et 1914. lis ont constitua Ia t r o i s i è m e plus grande colonie d ' é t r a n g e r s au Rio. Par
M^ultiplicidade É t n i c a no
R i o de J a n e i r o
U m i estudo soWe o S
da m e t r ó p o l e brasileira... um
P R O J E T O M E M Ó R I A DO S A A R A
aspecto bizarro, pitoresco,
O:
ú n i c o , impressiona de
1
pronto. | Saara, localizado no centro da
cidade do Rio de Janeiro, em
Lojas m i n ú s c u l a s , verdadei-
uma área protegida pelo corredor cultu-
ros arsenais de bugingan-
ral da prefeitura, é composto por 11 ruas,
gas... fazendo lembrar as
p á g . 200. j u l / d e z 1 997
R V O
P
ara abordar a q u e s t ã o da cons-
de uma m e m ó r i a organizada desses gru-
trução da identidade cultural do
pos — que pouco registraram e preser-
Saara e a definição de seus ele-
varam sua história — criaram uma gran-
mentos, é n e c e s s á r i o que se entenda
2
de lacuna sobre o tema.
este espaço como possuidor de tradições
A pesquisa da história do Saara baseou- culturais múltiplas, composto por uma co-
se, prioritariamente, nos relatos dos imi- letividade que se mantém através de uma
grantes, suas histórias de vida e trajetó- "... tradição viua conscientemente elabo-
rias. A utilização da história oral como rada que [passa] de geração para gera-
fonte documental permitiu conhecer as- ção, que [permite] individualizar ou tor-
pectos do cotidiano do Saara sob um pon- nar singular e única uma'comunidade re-
6
to de vista mais afetivo e individual, "in- lativamente à s outras". Cada grupo ét-
corporando assim elementos e perspec- nico que ocupa o Saara possui uma cul-
tura própria, perpetuada pela construção
tivas à s vezes ausentes de outras práti-
3 de uma memória que lhe permite dife-
cas históricas".
renciar-se e tornar-se único. E é esta me-
Por meio das entrevistas, apreende-se a
mória que faz com que os grupos se re-
importância do Saara para os que ali se
lacionem uns com os outros e construam
estabeleceram e a m e m ó r i a que compar-
a memória coletiva do lugar.
tilham deste e s p a ç o . Podemos dizer que
as narrativas encontram 'pontos de apoio' Apesar do Saara ser visto como um "es-
7
9
Saara.
Criam, como uma grande 'estratégia' de
Os judeus n ã o devem ser analisados ape- sobrevivência e p e r m a n ê n c i a , o que o
nas sob o prisma da religião mas, sim, descendente de imigrantes libaneses
pela diversidade de línguas, de costumes Demétrio llabib chama de "uma peque-
e, até mesmo, de origens. Possuem, no na ONU no Rio de Janeiro".
entanto, uma identidade própria, que se
E essa é a nossa Saara, uma c o n v i v ê n -
denomina identidade judaica, que impri-
cia entre á r a b e s , judeus, coreanos, pa-
miram ao local e que os distingue.
lestinos, brasileiros, portugueses, es-
c r i s t ã o s , mas se d i f e r e n c i a m entre
maronitas e ortodoxos; em menor n ú m e -
ro, os católicos melquitas e os muçulma-
nos. A p r e s e n ç a de outros imigrantes,
como os a r m ê n i o s , os gregos, os espa-
nhóis, associada aos de outras culturas,
fazem do Saara um e s p a ç o diferenciado
e de m u l t i p l i c i d a d e é t n i c a no Rio de
Janeiro.
p á g . 202 . j u l / d e z 1 997
V o
O
perfil da atual comunidade do
de imigrantes da Turquia-asiática'.
Saara c o m e ç o u a ser traçado
em fins do século XIX, quando Os primeiros s í r i o s e libaneses come-
se identifica a chegada dos primeiros imi- çaram a chegar ao Brasil ainda nos anos
pal rua da região. Essa área era ocupa- destos e irregulares a t é por volta de
dissidência islâmica — eram intensos, as- grantes que, logo, s ã o apelidados gene-
sim como na Síria que, no final do século ricamente de 'turcos', como pode ser
passado, presenciava conflitos religiosos conferido pelo depoimento de Demétrio
entre cristãos e m u ç u l m a n o s . 14
Em am- Habib ao Projeto Memória do Saara:
bos os p a í s e s , a desigualdade social e Papai nasceu em Beirute, capital do
religiosa e o intervencionismo turco- Líbano, e por ser cristão-ortodoxo e
otomano, que dominou a região a t é o fi- para fugir da perseguição otomana, ele
nal da Primeira Guerra Mundial, levaram veio para o Brasil. Em boa hora, pois
à e m i g r a ç ã o , que foi bastante expressi- esse é um país maravilhoso. Então vem
va no final do século XIX e início do XX. no seu passaporte: local de nascimen-
Ma América do Sul, a l é m da Argentina e to: Beirute; nacionalidade: síria; pas-
do Uruguai, o Brasil recebe esses imi- saporte: turco. Daí nós sermos chama-
p á g . 2 0 4 . Jul/dez 1997
K V O
rava, a minha m ã e ensacava e eu vendia Ele tinha que tomar conta da terra lá
na porta do Campo de Santana. Depois e ela veio com os parentes dele. Veio
muito tempo. Nos anos de 1920, 1925, sem poderem exercer seus ofícios, foram
p á g . 2 0 6 , jul/dez 1997
R V O
vendia a prazo. Era assim que a gente banês foi fundado em um sobrado na rua
Cabral, na favela, no morro da Provi- bano, que funcionava na rua Senhor dos
anel, que o filho ia virar doutor? A gen- Missão Libanesa Maronita que deu origem
Comprava anel com estrela por um pre- Passos Futebol Clube que, além de time
tas brasileiras. O carnaval era muito co- se mais uma vez a m e a ç a d a pela execu-
memorado na região, que possuía casas ção de um antigo projeto urbanístico de
tradicionais de artigos carnavalescos, construção da avenida Diagonal, que pas-
como a Turuna. saria sobre grandes trechos das ruas
Alfândega, Senhor dos Passos e Buenos
Mas d é c a d a s de 1940 e 1950, o centro
Aires. Os comerciantes mobilizaram-se
da cidade sofreu modificações urbanísti-
contra o projeto, utilizando como princi-
cas que atingiram a rua da Alfândega e
pal argumento que a região era um gran-
suas a d j a c ê n c i a s . Paralelamente, o
de centro arrecadador de impostos para
declínio do comércio atacadista na região,
o e n t ã o estado da Quanabara. A entre-
em função das transformações e c o n ô m i -
vista com um dos membros da primeira
cas no país, t a m b é m modificou radical-
diretoria da SAARA revela como aconteceu:
mente o local, que se tornou uma área
exclusivamente comercial. A introdução Tinha aquele problema também de ur-
do varejo e a modificação da indústria banização do centro da cidade.
da moda e do c o m é r c i o trouxeram um
Modernização, construção da via ele-
movimento novo e diferente ao Saara,
vada que passaria por dentro do Saara
popularizando-o.
e acabaria com o Saara, dividiria o
A c o n s t r u ç ã o da a v e n i d a P r e s i d e n t e Saara.
Vargas transferiu muitas famílias de imi-
Viria da Lapa até a Central do Brasil.
grantes para outros bairros da cidade,
Cortaria a nossa, a nossa Saara.
entre eles a Tijuca, que "lembrava o Lí-
bano por seu clima e montanhas", fato Havia uma ação de despejo... pra de-
este que aconteceu com a família de molir os prédios. Então, fortificou-se
Isaac Migri: mais a associação em defesa dos co-
merciantes.
Eram duas ruas: do lado de lá, São
Pedro, e do lado de cá. General Câma- Esse projeto não foi avante porque
ra, que ia desembocar na praça Onze. Carlos Lacerda veio aqui à região ad-
Getúlio Vargas abriu isso tudo... em ministrativa na rua Tome de Sousa e,
1940 demoliu tudo aquilo, então as ouvindo os comerciantes, na época, ...
famílias que moravam ali tiveram que sentou, pegou o documento, assinou,
sair. Foram pra Tijuca. Então a nossa anulou e acabou.
família, a nossa comunidade, vamos
A Sociedade de Amigos das Adjacências
dizer assim, ela começou a ir pra
da Rua da Alfândega - SAARA é fundada
Tijuca. Um foi, o outro foi... e nova-
neste contexto de mobilização dos comer-
mente nos juntamos... Em 1949 nos
ciantes que resistiam à s m u d a n ç a s im-
mudamos.
postas pelo poder público e que lutavam
Mo final da d é c a d a de 1950, a região viu- por permanecerem na região. A primei-
p á g . 2 0 8 , jul/dez 1997
K V O
N O T A S
1. A sigla SAARA corresponde à Sociedade de Amigos das A d j a c ê n c i a s da Rua da A l f â n d e g a ,
criada em 1962 por um grupo de comerciantes estabelecidos entre o q u a d r i l á t e r o formado
pela avenida Presidente Vargas, p r a ç a da R e p ú b l i c a (Campo de Santana), rua Buenos Aires e
rua dos Andradas, e as transversais av. Tome de Sousa, ruas Regente Feijó e G o n ç a l v e s Ledo,
av. Passos e rua da C o n c e i ç ã o . O texto tratará como Saara o e s p a ç o g e o g r á f i c o que respeita
os limites da a d m i n i s t r a ç ã o da Sociedade e a forma que, popularmente, este trecho da á r e a
central do Rio ficou conhecido.
3. J a n a í n a Amado e Marieta de Morais Eerreira ( coords.). Usos Se abusos da história oral. Rio de
Janeiro, Editora da f u n d a ç ã o G e t ú l i o Vargas, 1996, pp. xiv-xv.
p á g . 2 10, J u l / d e z 1997
V o
objetos, fotos e documentos contou-se a trajetória dos imigrantes que ali se estabeleceram
a l é m de v á r i o s aspectos do lugar, das ruas, de seu c o m é r c i o e cotidiano.
6. Roberto da Malta, Relativizando: uma i n t r o d u ç ã o à antropoloqia social, P e t r ó p o l i s Vozes
1981, p. 48.
7. O termo ' á r a b e ' é utilizado, no texto, para se referir aos imigrantes de origem síria e libanesa,
de r e l i g i ã o cristã e m u ç u l m a n a , sem considerar o significado da identidade á r a b e para cada
um destes grupos.
8. Susane Worcman (coord.). Heranças e lembranças: imigrantes judeus no Rio de Janeiro Rio
de Janeiro, ARI/CIEC/MIS, 1991, pp. 318-327.
Em hebraico as/i/cenaz/m significa os judeus oriundos de Ashkenaz'. A d e n o m i n a ç ã o é apli-
cada à q u e l e s que seguem a t r a d i ç ã o originária desta r e g i á o e que se dispersaram a t r a v é s dos
tempos pela Europa Central e Oriental. O termo hebraico sefaradim significa natural de
Sefarad. Hoje em dia, a d e n o m i n a ç ã o é usada em r e l a ç ã o aos judeus pertencentes à s comu-
nidades orientais do Morte da África, Oriente Médio e M e d i t e r r â n e o .
9. Consultar Kathleen Meils Cozen et al., "The invention of ethnicity: a perspective from the
USA", Journal of American Ethnic History, Fali 1992, p. 5.
10. Giralda Seyferth, "Etnicidade e grupo é t n i c o " , em Benedito Silva (coord.). Dicionário de
ciências sociais da Fundação Qetúlio Vargas. Rio de Janeiro, Ed. FQV, Instituto de Documen-
t a ç ã o , 1986, pp. 436-437, 530-532.
11. Depoimento cie D e m é t r i o Habib, filho de imigrante l i b a n ê s estabelecido comercialmente no
Saara. Ver Annabella Blyth, Cristalização espacial e identidade cultural: uma abordagem da
h e r a n ç a urbana (o Saara na á r e a central da cidade do Rio de Janeiro), d i s s e r t a ç ã o de mestrado.
Instituto de Q e o c i ê n c i a s da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991, v.
2, p. 124.
12. A n t ô n i o Pedro A l c â n t a r a (coord.). Estudo arquitetônico do Saara, Rio de Janeiro, Banerj/
F u n d a ç ã o Roberto Marinho, s.d., 5 vols.
13. Oswaldo M. S. Truzzi, De mascates a doutores: s í r i o s e libaneses em S ã o Paulo, S ã o Paulo,
Editora S u m a r é / F A P E S P ; Brasília, CNPq. 1991, pp. 7-8.
Sobre i m i g r a ç á o á r a b e para o Brasil, ver t a m b é m Clark S. Knowlton. op. cit.; Tanus J . Bastani,
O Líbano e os libaneses no Brasil, Rio de Janeiro, Est. de Artes Gráficas, 1945; Jorge Safady,
A imigração árabe no Brasil. S ã o Paulo, tese de doutorado apresentada à FFLCH da USP,
1972; Taufik Kurban, Os sírios e libaneses no Brasil, S ã o Paulo, Impressora Paulista Ltda.,
1933; Berliet J ú n i o r , O romance de um imigrante: vida e obra de Gabriel Habib, Rio de
Janeiro, 1988, s.n.t.
14. Osvaldo M. S. Truzzi, op.cit., p. 12.
15. Jeff H. Lesser, op. cit.
16. Depoimento de Ibrahim Belaciano, imigrante judeu l i b a n ê s que foi p r o p r i e t á r i o de loja no
Saara. Susane Worcman, op.cit., pp. 49-50.
17. Sobre os judeus as/i/cenazim no Rio de Janeiro, na d é c a d a de 1930, ver Samuel Malamud,
Recordando a praça Onze, Rio de Janeiro, Kosmos Ed., 1988.
Sobre os judeus sefaradim no Rio de Janeiro quase n ã o há literatura especializada.
18. Helena Lewin, "A economia errante". C o m u n i c a ç ã o apresentada no s e m i n á r i o "O olhar judai-
o
co, perspectivas na cultura brasileira", promovido pela CIEC/UFRJ, entre 30 de agosto e I de
setembro de 1989, pp. 6-7. Ver t a m b é m Jeff Lesser, Judeus são turcos que vendem à crédi-
to: a v i s ã o da elite brasileira sobre judeus e á r a b e s , 1930-1945, s.n.t.
19. Mohammed Elhajji. Espaços da etnicidade: estudo desenvolvido no contexto do projeto
M e m ó r i a do Saara. Rio de Janeiro. 1994, digitado, pp. 123-124.
20. Mohammed Elhajji, op. cit., p. 130. "Os r e s p o n s á v e i s pela c r i a ç ã o da entidade j u r í d i c a e
associativa SAARA sempre tentaram convencer que foi um puro acaso se uma tal denomina-
ç ã o lembra o deserto e, por c o n s e q ü ê n c i a , um conjunto de c l i c h ê s e e s t e r e ó t i p o s relativos à
imagem dos p a í s e s á r a b e s no i m a g i n á r i o ocidental... P o r é m , essa a r g u m e n t a ç ã o é realmente
pouco p l a u s í v e l , j á que a t é a f o r m u l a ç ã o do nome fica pelo menos sintaticamente errada",
pois o que deveria ser Sociedade dos Amigos da Rua da A l f â n d e g a e A d j a c ê n c i a s - SARA A
passou a ser Sociedade dos Amigos e A d j a c ê n c i a s da Rua da A l f â n d e g a - SAARA, p. 134.
21. Sobre a i m i g r a ç ã o chinesa para o Brasil ver Juan Hung Hui, Chinos en América, Colección
A m é r i c a , Crisol de Pueblos, Madrid, Editorial MAPFRE, 1992, pp. 127-131, 144 e 255; e
Pedro Paulo Lomba, "A floresta dos chineses", Jornal do Brasil, 13.12.1995.
shows its ethnic heterogeneity and peculiarity in the context of the city. Based on the memories
of Syrian and Lebanese immigrants, established at the end of the 19* century, it describes the
R É S U M É
Cet article a pour but 1'étude du 'Saara', une r é g i o n traditionnelle de commerce au centre de la
particulière.
P E R F I L I N S T I T U C I O N A L
IVIemorial do Imigrante
Marco Antônio Xavier
Historiógrafo e m u s e ó l o g o
do Museu da Imigração. Pós-graduando do Departamento
de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
O
:morial do Imigran-
Memo
>rgáo vinculado zam as contribuições históricas
foi criado em 6 de abril de 1998 com o centenários da cidade de São Paulo, o Mu-
que vieram para o Brasil em busca de prédios, construídos entre 1886 e 1888
cil nas suas pátrias de origem. Ele é com- grantes trazidos pelo governo do esta-
posto pelo Museu da Imigração, existen- do. Essa Hospedaria veio substituir a an-
te desde 1993, pelo Centro de Pesquisa terior, que funcionava desde 1882 no
p á g . 2 1 4 , jul/dez 1997
K V O
registro de imigrantes patrocinados, car- tra de cada cultura que por ali passou,
tas de chamada, processos de n ú c l e o s revelando o cotidiano daquelas pessoas.
coloniais, além de documentos pessoais Ao mesmo tempo, está sendo levado adi-
doados por alguns imigrantes e cerca de ante o projeto de história oral, preser-
três mil fotografias. Esse acervo, de va- vando a m e m ó r i a dos imigrantes, que
lor incalculável para a história e m e m ó - ainda e s t á presente e pronta a ensinar
ria do estado de São Paulo, está parcial- novas formas de encarar a vida e enten-
país de origem dos membros de cada alegrias vividas pelos imigrantes. Para
família imigrante, bem como o nome do apoio ao trabalho, tanto de seus técni-
cos como dos pesquisadores, o Museu
navio e a data de sua chegada. Parte dos
possui uma biblioteca com cerca de t r ê s
registros (22%) já se encontra
mil títulos, além de periódicos e
informatizada e a busca por informações
hemeroteca, sobre imigração e assuntos
é feita em q u e s t ã o de segundos, mas
correlatos. A á r e a de iconografia é res-
para a maioria dos pedidos a consulta é
ponsável por fotografias originais, nega-
feita manualmente (por um grupo de es-
tivos e cópias de imagens que mostram
pecialistas), o que n ã o impediu que ti-
vários momentos do cotidiano dos imi-
vessem sido emitidas, em 1997, cerca de
grantes, dos trabalhos na Hospedaria e
três mil certidões, e este ano mais de
da história e desenvolvimento da agricul-
quatro mil.
tura, indústria e urbanismo do estado.
Desse aspecto, o Memorial atende ao p ú -
blico em geral, especialmente imigran- Funcionando à rua Visconde de Parnaíba,
tes e seus descendentes, além da Polícia 1.316, de terça a domingo, das lOh à s
Federal, Poder Judiciário, Cruz Vermelha 17h, o Memorial recebe visitas individu-
Brasileira, consulados, pesquisadores e ais e de escolas, com entrada gratuita.
estudantes de todos os níveis de ensino.
O Museu conta com várias salas de ex-
Diversas OnQs e a c a d ê m i c o s de univer-
posição. A Exposição Permanente mos-
sidades estrangeiras têm t a m b é m naque-
tra todo o processo imigratório, desde a
les documentos uma fonte de referência
viagem, chegada na Hospedaria, ida para
para seus trabalhos.
as fazendas e n ú c l e o s coloniais, a t é a
Outra atividade permanente do Museu é integração do imigrante na sociedade. A
o recolhimento de p e ç a s para o acervo, São Paulo Antiga simula uma rua da c i -
doadas por famílias e comunidades de dade que era conhecida como da garoa',
imigrantes. A intenção é ter uma amos- onde era chie fazer o footing olhando as
vitrines com as novidades de Paris. A Sala Imigratório e outra sobre a Greve Geral
da tiavegação possui, atualmente, um Anarquista de 1917, que podem ser soli-
globo com as principais rotas de imigra- citadas diretamente à diretoria.
ção para S ã o Paulo. No futuro esta sala O Memorial é uma justa homenagem aos
s e r á a réplica de um navio, simulando homens e mulheres que, com seus so-
p a s s a d i ç o s , cordames e recintos, além nhos, vontade de vencer e muito traba-
de conter r e p r o d u ç õ e s fotográficas. A lho, transformaram São Paulo e o Brasil.
sala Ambientes da Hospedaria mostra as Os descendentes dessas pessoas e s t ã o
atividades, ambientes e móveis da anti- em todos os lugares e em todas as ativi-
ga Hospedaria de Imigrantes. dades. Cada esquina, cada fábrica, cada
O Memorial possui t a m b é m jardins, pátio escola possui um pouco da cultura de vá-
interno (restaurado), auditório, bonde, rios lugares do mundo... e todos, ao se
duas locomotivas a vapor e estação fer- despedirem, mandam um 'tchau' (ciao).
roviária. Conta ainda com duas exposi- mas poucos sabem que essa palavra é
ç õ e s itinerantes, uma sobre o Processo uma singela saudação italiana.
Culture State Secretariat of S ã o Paulo, was established in 1998 and aimed to reunite, preserve
and expose the documentation, memory and objects from those who carne to Brazil.
R É S U M É
Le Memorial de 1'lmmigrant, organe l i é au D é p a r t e m e n t des M u s é e s et Archives, de Ia S e c r é t a i r e r i e
IVLuLseii e A r q u i v o H i s t ó r i c o
i V W n i c i p a l de C a x i a s Jo S u l
Juventino Dal .Bo
Diretor do Museu e Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul.
ITALIANOS NO RIO GRANDE DO SUL com os donos da, terra, 'os brasilei-
ros', forjam uma cultura original
A
p r e s e n ç a de imigrantes
que deu à r e g i ã o c a r a c t e r í s t i c a s
italianos marcou profun-
marcantes.
damente a encosta su-
perior do nordeste do estado do Rio Gran- Os documentos que testemunharam esta
de do Sul. Em levas sucessivas, a partir história s ã o conservados em muitos mu-
de 1875, os despatriados, procedentes seus e arquivos de todas as pequenas ci-
terra que tantos sonhos, temores e es- vo Histórico Municipal de Caxias do Sul.
A C a s a d e N e g ó c i o s d e V i c e n t e R o v e a ( f u n d a d a em 1890) p o s t e r i o r m e n t e s e d i o u o H o s p i t a l
R o m o l o C a r b o n e e hoje é a sede d o A r q u i v o H i s t ó r i c o M u n i c i p a l .
p á g . 2 2 0 , jul/dez 1997
R V O
C
riado oficialmente em 5 de
munham a evolução histórica da comu-
agosto de 1976. o Arquivo His-
nidade.
t ó r i c o trabalha em conjunto
com o Museu. Mão poderia ser de outra Além da documentação pública e parti-
forma, pois a d o c u m e n t a ç ã o que o Ar- cular, o Arquivo possui hemeroteca e bi-
quivo conserva complementa a que o blioteca de apoio, e dispensa especial
Museu expõe. atenção à história oral e à iconografia da
região. Além disso, conserva, preserva
O Arquivo Histórico Municipal possui duas
e restaura esse acervo, procedendo à sua
grandes linhas de trabalho: uma essen-
guarda adequada e proporcionando aces-
cialmente técnica que diz respeito à sua
so à pesquisa e consulta.
natureza, enquanto arquivo, e outra que
o torna um ó r g ã o atuante junto à comu- A proximidade entre o Museu Municipal e
nidade, efetuando o resgate da memória o Arquivo Histórico, garantida pela ad-
histórica e da identidade cultural do mu- ministração comum, é fortalecida pelo
nicípio. desenvolvimento de atividades conjuntas
Dessa forma, para cumprir seu papel tais como: o recolhimento de acervo e,
Qrande do Sul, the Museum and the Historical Archives of Caxias do Sul hold the biggest collection
R É S U M É
Le M u s é e et les Archives Historiques de Caxias do Sul, c r é e s lors du centenaire de l'immigration
O
Arquivo Macional tem sob sua de, profissão, instrução, porto de pro-
guarda um volume considerá- cedência, destino etc, porém raramen-
vel de documentos de grande te constando o local de nascimento).
importância para o estudo do tema em b. Relações de passageiros de embar-
questão.
c a ç õ e s entradas nos portos de:
Para pesquisas sobre entrada de imigran- Santos-SP (1894-1925, em fase de
tes, e s t ã o disponíveis aos pesquisadores organização, 1926, 1930-1964 e 1974)
vários conjuntos documentais, dentre os Recife-PE (1920-1922, 1924-1925,
quais se destacam: 1930-1934, 1940-1959)
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De acordo com o art. 149 do decreto n° tanto, poderá encontrar subsídios sobre
3.010, os estrangeiros residentes em lo- imigração, ou fatos envolvendo estrangei-
calidades do interior do país deveriam ros, em diversos outros conjuntos docu-
registrar-se nas delegacias policiais, caso mentais, mas não de forma tão predomi-
n ã o existisse nesses locais o Serviço de nante como naqueles a seguir discrimi-
Registro de Estrangeiros. Assim, é possí- nados. O Guia acima referido está dispo-
vel que se encontrem informações a esse nível, em meio eletrônico, aos usuários
respeito em arquivos locais. que freqüentam a Seção de Consultas do
Arquivo Nacional. Esse importante instru-
O quadro a seguir, com dados extraídos mento de acesso foi desenvolvido pelos
do Guia de fundos do Arquivo nacio- técnicos que atuam nas diversas s e ç õ e s
nal, registra os principais fundos/coleções detentoras de acervo, sob a supervisão da
relativos ao tema. O pesquisador, entre- Coordenação de Documentos Escritos.
p á g . 2 2 6 . Jul/dez 1997
R V O
S e r v i ç o de Polícia Marítima,
A é r e a e de Fronteiras
1959-1985 Prontuários de registro de estrangeiros
Alagoas
Amapá 1979-1985
Amazonas 1939-1987
1939-1986
Bahia
1939-1986
Ceará
Distrito Federal 1968- 1984
E s p í r i t o Santo 1942-1986
Maranhão 1939-1988
Pará 1939-1975
Paraíba 19*0-1987
Paraná 1939-1984
Pernambuco 1938-1986
Piauí 1962-1986
Rondônia 1939-1986
Roraima 1968-1986
S ã o Paulo 1939-1955
Sergipe 1938-1984
(*) O fundo SFMAT/SP (Santos) compreende t a m b é m relação de entrada e saída de passageiros no porto.
A B S T R A C T
This article presents the documental sources of National Archives for the studies of the entrance of
R E S U M E
Cet article a por but p r é s e n t e r les sources de documentation des Archives Nationaux pour les é t u d e s
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I G R A Ç
MIMSTtRIO DA JUSTIÇA
ARQUIVO NACIONAL