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Pensar faz mal 

MÍDIA SEM MÁSCARA, 18 DE SETEMBRO DE 2002 

Evandro Ferreira 

Qual é a caca: 

Maria  José  Esteves  de  Vasconcellos,  "Mundo  em  movimento".  Caderno 


Pensar, jornal Estado de Minas, sábado, 31 de agosto de 2002. 

Professora  diz:  "não  há  critério  objetivo  para  validar  qualquer  afirmação 
minha sobre o mundo"; e ainda escreve um livro. 

O  caderno  Pensar,  editado  aos  sábados pelo jornal Estado de Minas, é uma 


das  manifestações  mais  deprimentes  da  mentalidade  do  professor 
universitário  brasileiro,  em  sua  versão  mais  baixa,  a  "puquiana".  Por 
intelectualidade  puquiana  entendo  aquela  que  não  tem  nem  noção  dos 
absurdos  que  está  falando.  Acredito  que  os  professores  de  universidades 
públicas,  quando  dizem  coisas  que  não  têm  a  mínima  ligação  com  a 
realidade,  ao  menos  se  dão  ao  trabalho  de  disfarçá-las  sob  um  manto  de 
profundidade e complexidade do jargão acadêmico. O intelectual puquiano, 
pelo  contrário,  disfarça  pessimamente  ou  simplesmente  não  disfarça  sua 
hipnose intelectual. 

E  o  pior  é  que  mesmo  assim  ainda  é  homenageado,  de  pé,  por  seus 
admiradores  de  plantão!  Palestras  lotadas,  coquetéis  badalados e projetos 
inúteis  financiados  com  as  altas  mensalidades  dos  alunos  são  eventos 
comuns nas PUCs. 

Eu  poderia  gastar  muitas  linhas  falando  sobre  esses  indivíduos 


maravilhosos  e  seus  momentos  de  sucesso  diante  de  uma  platéia  de 
coitados  em  algum  grande  salão  de  conferências.  Mas  acho  mais  útil  e 
honesto  simplesmente  expor,  para  quem  quiser  conferir,  o  verdadeiro 
estado anestésico da mente de um representante dessa classe. 

A  pessoa  em  questão  é  Maria  José  Esteves  de  Vasconcellos,  apresentada 


no  referido caderno, edição do dia 31 de agosto de 2002, como "consultora, 
professora,  terapeuta  e  autora  de  Pensamento  sitêmico.  O  novo  paradigma 
da  ciência  (...)  a  ser  lançado  em  2  de  setembro,  segunda-feira,  às  20h,  no 
Palácio  das  Artes".  O  local,  para  quem  não  sabe,  é  o  maior  teatro  de  Belo 
Horizonte,  que  já  recebeu  "celebridades"  como  Saramago,  Walter  Salles  e 
Sebastião  Salgado  (qualquer  semelhança  ideológica  não  é  mera 
coincidência). 

Pois  bem,  a  autora  citada  teve  seu  ensaio  publicado  no  tal  caderno  com  a 
seguinte  chamada,  ou  melhor,  "bigode",  abaixo  do  título:  "Pensamento 
sistêmico  propõe  novo  paradigma  em  que  o  global,  em  interação,  seja  a 
base para a construção da verdade". 

O  ensaio  inspira-se  no  pensamento,  entre  outros,  do filósofo francês Edgar 


Morin.  Respeito  imensamente  esse  autor  por  sua  cruzada  em  favor  da 
interdisciplinaridade  e  de  um  novo  conceito  de  ciência,  embora  nem  tão 
novo  assim,  pois  se  parece  extremamente  com  o  anterior  à  época 
moderna.  Mas  acredito  que  sua  luta  esteja  trazendo  mais  consequências 
negativas  que  positivas,  ao  menos  no  Brasil,  pois  seu  "pensamento 
sistêmico"  é  muito  semelhante  a  um  outro,  que  se  chama  "pensamento 
coletivo",  defendido  por  figuras  como  Pierre  Lévy.  O  tal  pensamento 
coletivo  é  a  menina  dos  olhos  de  ouro  das  faculdades  de  comunicação 
brasileiras,  especialmente  em  seus  estudos  sobre  Internet  e  novas 
tecnologias.  Como  já  tratei  disso  em  artigos  meus  em  outros  sites,  vou 
apenas  resumir  o  que  é,  para  mim,  a  verdadeira  face  do  pensamento 
coletivo:  uma  crença  -  que  se  acredita  cientificamente  fundamentada  -  na 
possibilidade  de  que  o  conjunto  dos  diferentes  conhecimentos 
especializados  de  uma  coletividade  superem  qualitativamente  o 
conhecimento  de  cada  um  de  seus  indivíduos,  em  matéria  de  abrangência 
e  "globalidade".  Em  outras  palavras,  achar  que  muitas  mediocridades 
reunidas  vão  acabar  produzindo,  como  num  passe  de  mágica,  uma 
sabedoria  que,  embora  não  vá  ser  absorvida  por  ninguém,  ao  menos 
"estará lá" no conjunto da obra coletiva. 

Aliada  a  esse  paradigma  (palavra  extremamente  fashion  nos  meios 


acadêmicos)  está  a  interdisciplinaridade.  Esta,  em  sua  manifestação 
puquiana,  pode  ser  definida  como  samba  do  crioulo  doido  interativo  .  Vale 
relacionar  tudo  com  tudo,  simplesmente  para  apresentar  um  interpretação 
original.  Por  isso  é  que  a  expressão  "construção  da  verdade",  que  deveria 
ser  metafórica  (simbolizando  a  cooperação  e  troca  de  conhecimentos 
entre  indivíduos  inteligentes  e  preparados),  passa  a  ser  tomada  ao 
pé-da-letra.  A  verdade  não  existe  mesmo.  Ela  é  que  é  metafórica,  pois  não 
passaria de consenso coletivo. 

Para  quem  não  acredita  no  que  estou  dizendo,  cito  um  longo  trecho,  que 
quase me fez chorar (grifos meus): 

"Outra  implicação  da  mudança  de  paradigma  será  um  genuino  respeito pela 
verdade  do  outro.  A  ciência  evidencia  hoje  que  não  existe  realidade 
independente  de  um  observador.  Devido  à  forma  como  somos 
biologicamente  constituídos,  não  existe  critério  objetivo  para  validar  as 
experiências  subjetivas  do  mundo.  Portanto,  por  mais  que  eu  seja 
considerada  especialista  ou  autoridade  em  determinado  assunto,  não  há 
critério  objetivo  para  validar  qualquer  afirmação  minha  sobre  o  mundo, para 
considerá-la  superior  à  verdade  do  outro.  A  implicação  desse conhecimento 
será,  pois,  a  de  legitimar  genuinamente  a  verdade  do  outro  e,  conversando, 
fazermos  emergir  uma  "realidade",  pela  qual  seremos  ambos  responsáveis. 
'Reconhecer  o  outro  como legítimo outro nos meus espaços de convivência': 
uma utopia? Sim, uma utopia cientificamente fundamentada!". 

Presumo  que  Maria  José  queira  que  eu,  diante  de  um  militante 
anti-imperialista  de  esquerda  e  semi-analfabeto,  inicie  um  diálogo  sério,  já 
que  minhas  opiniões  valem  tanto  quanto  as  dele,  uma  vez  que  "não  há 
critério objetivo para validar qualquer afirmação minha sobre o mundo". 

Conversando com Sócrates 

Diante  de  semelhante  trecho,  eu  gostaria  de fazer como Carlos Drummond 


de  Andrade  certa vez fez com um péssimo escritor. Resumiu sua resenha à 
simples  transcrição  de  um  trecho  da  obra,  sem  mais  comentários,  pois  a 
má  qualidade  era  auto-evidente.  Mas  como  aqui  não  se  trata  exatamente 
de  qualidade,  mas  sim  de  veracidade,  gostaria  apenas  de  fazer  uma 
simulação de um diálogo entre Sócrates e a autora do ensaio: 

- Sócrates: "Um poste é duro?" 

- Maria José: "Sim." 

- Sócrates: "Se uma pessoa bate a cabeça num poste, ela sente a dureza?" 

- Maria José: "Sim!" 


- Sócrates: "Então quem sente a dureza?" 

- Maria José: "A pessoa que bate a cabeça no poste" 

- Sócrates: "Então a 'dureza' é uma experiência subjetiva." 

- Maria José: "Sim." 

-  Sócrates:  "Mas  se  uma  pessoa  dirigir  seu  carro  em  direção  a  um poste a, 
digamos, 200 Km/h e sem cinto de segurança certamente morrerá." 

- Maria José: "Sim." 

- Sócrates: "E será enterrada." 

- Maria José: "Sim." 

- Sócrates: "E a morte é uma experiência subjetiva?" 

-  Maria  José:  "Bem,  acho  que  sim,  pois  um  indivíduo,  ou  sujeito,  é  que 
morre. E só ele sente que morre." 

- Sócrates: "Então não existe prova objetiva de que o sujeito morreu." 

- Maria José: "Não. Não existe." 

-  Sócrates:  "E,  no  entanto,  ele  morreu,  já  que  não  está  mais conosco nesse 
mundo, não se pode vê-lo ao nosso lado e nem falando conosco." 

- Maria José: "Sim." 

-  Sócrates:  "E  se  morrer  é  uma  experiência  subjetiva,  então  viver  também 
é." 

- Maria José: "Sim." 

- Sócrates: "Então você não pode provar que está viva." 

- Maria José: "Não." 

-  Sócrates:  "Então  não  pode  provar  sequer  que  está  falando  comigo  nesse 
momento." 

- Maria José: "Não." 


-  Sócrates:  "Então  não  pode  provar  que  qualquer  coisa  que  você  tenha 
falado é verdade, já que não pode provar nem que falou qualquer coisa." 

- Maria José: "Não." 

- Sócrates: "Então é melhor não falar mais nada." 

- Maria José: "É melhor." 

- Sócrates: "Então tchau." 

- Maria José: "Tchau." 

Mas  o  diálogo  é  fictício.  E,  no  mundo  real,  não  obstante  as  estatísticas  de 
trânsito,  Maria  José  insiste  em  continuar  falando.  E  lançando  livros!  Ela 
poderia  apenas  ter  mencionado,  como  o  fez  no  início  do  texto,  "a 
construção  intersubjetiva  da  'realidade'  por  aqueles  que  a  percebem",  mas 
teve  de  dizer  que  ela  não  pode  passar  de  um  consenso:  "construção  essa 
que  se  dá  num  espaço  consensual,  constituído  na  linguagem".  Poderia  ter 
se  restringido  às  razoáveis  críticas  à  ciência  moderna:  "Instalaram-se  a 
fragmentação  do  objeto  de  estudo,  a  compartimentação  dos  campos  do 
saber,  as  especializações.  Desenvolveu-se uma forma de pensar disjuntiva, 
que,  diante  de  uma  nova  explicação  para  algo,  tende  a  rejeitar  a  anterior". 
Mas  foi  além (ou aquém?) e apelou a grosseiras generalizações, simplistas 
e  até  infantis:  "Filósofos  há  muito  apontaram  a  inexistência  de  uma 
realidade objetiva, independente de quem a observa ou fala dela". 

Será  que  Maria  José  pensa que o planeta Plutão deixará de existir toda vez 


que  ela  não  estiver  pensando  nele  ou  falando  dele?  Ou  será  que  ela  pensa 
que  um  assassino  deixa  de  ser  um  assassino  só  porque  ninguém,  além 
dele  e  da  vítima,  presenciaram  o  assassinato?  Certamente  que  ela  pensa 
assim.  E  se  pensa  assim,  tem  de  admitir  que  a  justiça  deve,  nesse 
contexto,  ser  uma  mera  questão  de  ordem  social,  ou  mais  claramente,  de 
conveniência  consensual  em  torno  do  fato  ou  experiência subjetiva de não 
querermos  morrer.  Já  que  o  mal  não  passaria,  também,  de  experiência 
subjetiva.  Platão,  que  tanta  energia  gastou  na  análise  da  idéia  de  justiça 
em  sua  "República",  certamente  cairia  em  pranto  se  visse  quão  perto  a 
humanidade está hoje da filosofia pré-socrática. 
Mas  não  pára  por  aí.  O  texto  tem  outras  passagens  bem  interessantes 
(grifos meus): 

"Também  nos  relacionamentos  pessoais  cotidianos,  viveremos  as 


implicacões  da  nova  visão  de  mundo.  A  ciência  tradicional  nos  ensinou  a 
diagnosticar,  rotular  o  outro:  'ela  é  problemática',  'ele  é  autoritário',  'ela  é 
doentiamente  ciumenta'  e,  portanto,  a  não  só  culpá-lo  pelas  dificuldades  do 
relacionamento,  como  responsabilizá-lo  pela  mudança:  'você  precisa  se 
conscientizar  de  que...',  'você  precisa  deixar  de...'.  Uma  das  regras 
fundamentais  para  pensar  sistemicamente  é  não  usar  o  vebo  ser.  Assim 
diríamos:  'ele  está  autoritário',  'ela  está  ciumenta'  etc.  Mudando  a  forma  de 
falar,  muda  a  realidade  que  se  constitui,  que  se  faz  emergir.  Se  ele  está 
ciumento,  pode  vir  a  não  estar  (...).  Quem  pensa  assim  está  pensando 
sistemicamente,  admitindo  que  o  problema  está  nas  relações  e  não  apenas 
em possíveis características pessoais de um indivíduo". 

Ponho  à  parte  a  maravilhosa  consequência  desse  raciocínio:  viver  sem 


culpas!  Temos  aqui, então, o mais novo milagre da humanidade. Ele resulta 
de uma sequência de raciocínios mais ou menos assim. A realidade é o que 
pensamos  e  nada  mais.  Pensamos  através  da  linguagem.  Logo,  se 
mudarmos  a  linguagem,  mudamos  a  realidade.  E  eis  que  surgiu  a 
programação  neurolinguística!  E  funciona. Não duvide. Funciona por vários 
motivos,  entre  os  quais  está  a  inaptidão  filosófica  da maioria das pessoas, 
entre  as  quais  estão  os  intelectuais  puquianos,  que  não  conseguem 
perceber  que  os  livros  de  auto-ajuda  que  tanto  abominam  não  passam  de 
produto inevitável da filosofia que eles mesmos defendem. 

E  nossos  jornais  espalham  essas  bobagens  por  aí.  E  as  pessoas  lêem  e 
vão  ao  Palácio  das  Artes,  felizes  da  vida,  prestigiar  o  novo  livro  de  Maria 
José.  E  ainda  acham  que  estão  diante  de  alta  filosofia.  Acham  que  estão 
diante  do  "novo  paradigma",  da  nova  ciência,  da  nova  era,  seja  lá o que for. 
O importante é a palavra "novo". 

Os  editores  dos  cadernos  publicam  as  bobagens  sobre  a  "inexistência  de 
critérios  objetivos"  e  depois  voltam  felizes  para  suas  casas,  evitando bater 
nos postes. The show must go on!

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