Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Resumo
1
1- INTRODUÇÃO
2- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
4
reduzindo-os às causas microscópicas (no plano do indivíduo);
2. O princípio segundo o qual estas causas devem ser assimiladas com grande
frequência às razões (implícitas ou explícitas) dos atores;
3. O princípio da simplificação que exige que os atores sejam agrupados por tipos
- Weber dirá por tipos ideais
Para Weber (2004, p. 15) a ação social pode ser determinada de modo racional
referente a fins “por expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de
outras pessoas, utilizando essas expectativas como condições ou meios para alcançar fins
próprios, ponderados e perseguidos racionalmente”. Pode ainda ser determinada de modo
racional referente a valores “pela crença consciente no valor - ético, estético, religioso ou
qualquer que seja sua interpretação - absoluto e inerente a determinado comportamento como
tal, independentemente do resultado”. Já por relação social Weber (2004, p. 16) a entende
como o “comportamento reciprocamente referido quanto ao seu conteúdo de sentido por uma
pluralidade de agentes e que se orienta por essa referência”.
Para esse ensaio, considerar liderança como ação social significa admiti-la como uma
ação dotada de “determinado” sentido subjetivo por parte do agente (o líder) em relação ao
comportamento do outro (o liderado). Propõe-se também estendê-la à categoria de relação
social, por entender que a influência entre líderes e liderados se dá numa via de mão dupla.
Do ponto de vista sociológico, um desenho de pesquisa sob essa perspectiva deve, portanto,
buscar as evidências de sentido na relação líder versus liderado, investigando-lhe suas causas
e seus efeitos. Cabe, então, uma breve discussão sobre interpretação e evidências, segundo a
visão weberiana.
Para Weber (1999; 1995), em clara oposição à crença positivista, jamais será tarefa de
uma ciência empírica produzir normas e ideais obrigatórios, visando deles extrair receitas para
a prática. O alvo do conhecimento seria ir além de um estudo puramente formal das normas -
legais ou convencionais - da convivência social. Na sua visão, a ciência social é uma ciência
da realidade. Procura-se, através dela, compreender a realidade da vida que nos rodeia, e na
qual nos encontramos situados, naquilo que tem de específico. Por um lado, as conexões e a
significação cultural de suas manifestações na configuração em que se apresenta e, por outro
lado, as causas pelas quais se desenvolveu historicamente de um e não de outro modo. Trata-
se do esforço de tentar-se descrever de modo exaustivo essas singularidades em todos os seus
componentes individuais, e, muito mais ainda, tentar captá-la naquilo que tem de causalmente
determinado.
Para o conhecimento da realidade, o interesse recai sobre a constelação em que esses
fatores hipotéticos que individualizam o fenômeno se agrupam. Isto porque, para Weber os
fenômenos sociais não exibem nenhum caráter objetivamente intrínseco a eles, não se pode
recorrer a outro meio senão buscar-lhes as causas mediante a atribuição (imputação) dessa
condição a outros fenômenos (ou a um conjunto deles), para em seguida pesquisar se a
relação suposta se confirma. O conhecimento das leis da causalidade, portanto, não poderá
constituir um fim, mas antes o meio do estudo. Ele facilita e possibilita a imputação causal
dos elementos dos fenômenos, tornados importantes para a cultura por sua individualidade.
Para um fenômeno cultural nunca se trata de conexões regulares no sentido estrito das
ciências da natureza, mas de conexões causais adequadas. Para as ciências exatas da natureza,
as leis são tanto mais importantes e valiosas quanto mais geral é sua validade. Para o
conhecimento das condições concretas dos fenômenos históricos (culturais) as leis mais gerais
são frequentemente as menos valiosas, por serem mais vazias de conteúdo. Pois quanto mais
vasto é o campo abrangido pela validade de um conceito cultural genérico tanto mais nos
5
afasta da riqueza da realidade, posto que, para poder abranger o que existe de comum no
maior número possível de fenômenos, forçosamente deverá ser o mais abstrato e pobre de
conteúdo. Para Weber no campo das ciências da cultura, o conhecimento do geral nunca tem
valor por si próprio (WEBER, 1999; 2006; GIDDENS, 2003; 2010).
Um exemplo clássico da aplicação da metodologia weberiana encontra-se em A ética
protestante e o espírito do capitalismo, desse mesmo autor (WEBER, 1981). O livro
apresenta uma possível explicação para as raízes do capitalismo através da prática religiosa
das comunidades protestantes europeias. Os objetivos eram conhecer o conteúdo das ideias
primordiais e o modo como a moralidade prática se prendia à ideia de ‘um’ outro mundo, e
rastrear estímulos psicológicos criados pela fé religiosa e pela prática de um viver religioso
que impulsionou a acumulação de capital que viabilizou de muitas formas as práticas
capitalistas modernas. Weber identificou que a vida ascética protestante intramundana agiu
com toda veemência contra o gozo descontraído das posses, estrangulando o consumo,
especialmente o consumo de luxo. A causa desta conduta foi atribuída ao controle psicológico
interno, um autorregulador, que justificava para os protestantes uma vida de frugalidades cujo
objetivo era não perder a predestinação ao paraíso, um dogma baseado no pecado original.
Fato foi que principalmente pelo calvinismo e pelas práticas metodistas, enormes fortunas se
acumularam, sendo mais tarde revertidas para os múltiplos investimentos que propiciaram o
capitalismo moderno. A descrição detalhada de comportamentos e as explicações das origens
teológicas dos diversos fatores intervenientes na conduta protestante pós-reforma luterana
mostra o caminho metodológico de Weber na descrição e explicação desse componente
importante da história ocidental, através de tipos ideais.
No que se refere à investigação, o conceito de tipo ideal propõe-se a formar um juízo
de atribuição. Por tipo ideal entende-se que seja um quadro de pensamento, não da realidade
histórica, e muito menos da realidade autêntica, que não serve de esquema no qual se pudesse
incluir a realidade à maneira exemplar. Tem antes o significado de um conceito limite
puramente ideal, em relação ao qual se mede a realidade a fim de esclarecer o conteúdo
empírico de alguns de seus elementos importantes, com o qual esta é comparada. Não é uma
hipótese, mas pretende apontar o caminho para a formação de pressupostos (WEBER, 1999;
2006).
No seu estudo sobre o capitalismo e a ética protestante, Weber (1981) elabora dois
tipos ideais que referenciam sua análise sobre o capitalismo. A partir do texto de Benjamin
Franklin sobre o homem político e panfletário do século XVIII, constrói o tipo ideal do
“espírito do capitalismo”, baseado na prosperidade econômica, no sentido de se fazer
negócios, em princípios de comportamentos. Para Weber o “espírito do capitalismo” se traduz
em quatro ideias simples: i- cada indivíduo tem o dever de fazer crescer o seu capital, e obter
lucro, ganhar sempre mais; o capital constitui um objetivo em si mesmo, e não um meio com
vista a outros fins; ii- este dever se cumpre no exercício da profissão, com ardor, sendo o
trabalho um fim em si mesmo; iii- a perseguição do lucro pela profissão decorre de uma
atuação racional e rigorosa, pelo controle das despesas e pelo investimento; iv- não é preciso
retirar da riqueza outra satisfação do que a de ter cumprido seu dever; usufruir dela e do poder
ou apresentá-la ostensivamente não são comportamentos recomendáveis. Em resumo, o
“bom” capitalista leva uma vida ascética, consagrada ao labor, cujo único uso aceitável da sua
fortuna é o de reinvestir.
Para chegar ao tipo ideal relativo à ética protestante, Weber desenvolve vários estudos
sobre religiões e filosofias asiáticas e das raízes religiosas de onde saiu o cristianismo. Esses
estudos permitiram captar a especificidade e progressivo surgimento da racionalidade
ocidental e compreender o papel da religião nesse processo. Weber identificou nas religiões
ocidentais o rompimento com a magia enquanto explicação dos fenômenos naturais e meio de
salvação, o que chamou de “desencantamento do mundo”. Estuda o conjunto de normas éticas
6
desde as adotadas pelos Judeus até as aplicadas à teologia escolástica da idade média, com
seus reflexos em todos os campos do conhecimento, inclusive a arquitetura e a música, e da
conduta humana, na vida social e na reclusão dos monastérios. Já na idade média, identifica
no reformador Martinho Lutero o adversário resoluto da complacência com os traços mágicos,
com os quais se “comprava” a salvação por meio de orações e sacrifícios, e da vida
monástica, que Lutero considerava uma negação egoísta das responsabilidades terrenas. Para
Lutero, o trabalho devia ser considerado uma vocação, a maneira mais segura de agradar a
Deus, adquirindo uma forte significação religiosa.
Dando curso às obras da reforma religiosa, numa linha diversa daquela de Lutero,
Calvino estabelece como dogma principal a predestinação para a salvação, esta concedida
pela graça divina aos escolhidos para herdar o paraíso. O que consistiu num dos pilares de
uma ética favorável ao aparecimento do capitalismo, pela sua capacidade de fazer com que as
pessoas crentes se dedicassem muito ao trabalho. Como esse decreto divino que separava os
salvos dos condenados não trazia qualquer sinal exterior, a incerteza era angustiante, por não
assegurar ao crente qualquer garantia de ser contado entre os eleitos. Não cabia ao indivíduo
modificar a decisão divina, mas viver uma vida de trabalho e poupança do excedente de sua
produção, com uma forte convicção pessoal de estar absorvido por Deus.
Assim, Weber concebe o tipo ideal da ética protestante com os elementos que
disciplinavam a vida ascética intramundana dos protestantes das vertentes calvinista e
luterana. Weber identifica que o ethos compartilhado prescrevia que apenas o trabalho com
dedicação extrema e corretamente efetuado seria agradável a Deus, sendo o seu reflexo
desejado e imediato uma vida austera e o sucesso profissional. Para Weber, cada indivíduo se
encontrava irremediavelmente sozinho perante Deus e seu destino, era obrigado a trabalhar
sem descanso, sem nunca poder usufruir dos frutos de seu perseverante trabalho. Essa visão
de mundo significava o fim entre o antagonismo entre vida espiritual e econômica. O
individualismo prosperou sem limites, porque “conforme a vontade divina”. Destas
características da vida protestante, Weber extraiu os principais traços do tipo ideal da ética
protestante: i- trabalho produtivo sem descanso; ii- ascetismo puritano, e; iii- individualismo.
O passo seguinte foi definir as afinidades eletivas entre os dois tipos ideais, o
capitalismo e a ética protestante. Weber esclarece que o calvinismo legitimou a busca infinita
pelo lucro, não somente tolerando, mas também considerando-a desejável e agradável a Deus,
em desacordo com a crença católica. Desse modo, os protestantes poderiam perseguir a
riqueza com determinação e em paz com suas consciências. O protestantismo proporcionou,
assim, a união das esferas religiosa e econômica, em que o trabalho profissional sem descanso
constitui a forma suprema de ascetismo e a confirmação da eleição do crente. A combinação
desses traços teria produzido os efeitos econômicos refletidos na poupança reinvestida na
formação do capitalismo nascente.
A proposta deste ensaio é defender a utilização deste método weberiano, que tem
como base a sociologia da ação. Certamente, Weber, que é um dos gigantes da sociologia e o
fundador da sociologia das organizações, tem muito a contribuir nos estudos de fenômenos
tão complexos e tão carentes de uma discussão mais rigorosa quanto o é o tema da liderança.
Nas próximas seções apontaremos um caminho que se consideramos viável para a construção
de estudos baseados nas categorias weberianas. Apresenta-se antes a discussão da abordagem
da Nova Liderança, por acreditar que ela faz uma ligação com os construtos weberianos,
ainda que de forma imprecisa.
Uma análise da publicação norte-americana sobre liderança das últimas décadas revela
7
que os estudos de cunho behaviorista têm dominado. Também, que publicou uma gama de
trabalhos com conteúdos cada vez mais subjetivos que os estudiosos do tema convencionaram
chamar de Nova Liderança. Os enfoques centraram-se, principalmente, em tipos de
comportamentos dos líderes e em estilos de liderança, ressaltando características de pessoas
influentes e mesmo o que no passado eram relacionadas como virtudes, descrevendo e
afirmando seus efeitos sobre pessoas e grupos (WALTER; BRUCK, 2009). Por exemplo,
Nielsen, Marrone e Slay (2010) associam o tema humildade ao exercício da liderança,
apresentando-o como um elemento moderador da ação de líderes. Segundo eles, a ação de um
líder na ausência desse elemento da personalidade apresentaria tendências de autoritarismo e
autorreferência narcisista, o que provocaria uma sequencia de desmandos em relação aos
liderados.
Pode-se dizer que a subjetividade foi redescoberta pelas correntes teóricas da Nova
Liderança nas várias características comportamentais que tornam um líder eficiente
(NIELSEN; MARRONE; SLAY, 2010). A Nova Liderança considerou elementos das teorias
precedentes (teoria dos traços, comportamental, situacional, por exemplo) e acrescentou a eles
uma análise referenciada em princípios advindos de diversas áreas do conhecimento
(CARVALHO NETO et al, 2012). A antropologia contribuiu com a visão que originou a
vertente da liderança cultural. A liderança visionária baseou-se em traços de personalidade.
Fatores contextuais influenciaram a liderança carismática tanto direta quanto indiretamente.
Os estudos exploram as características de contexto que podem moldar as características do
líder, exigências e restrições para atuação dos líderes, estabelecendo as condições de contorno
para a viabilidade da liderança carismática e influenciando diretamente a probabilidade de que
líderes se envolvam em tal comportamento (WALTER; BRUCK, 2009).
Particularmente, cada corrente de estudos tem oferecido contribuições importantes
para a compreensão do fenômeno liderança. A liderança cultural ressaltou a importância dos
elementos da cultura na formação de estilos de liderança e relações com subordinados. Nesse
contexto, os trabalhos de Schein (1985) foram fundamentais para se discutir como os
elementos culturais podem condicionar comportamentos distintos, em culturas diferentes, sem
que isso interfira na eficiência relativa dos modos de liderar e na efetividade gerencial. No
Brasil, Carvalho Neto (2010), inspirando-se nos estudos antropológicos de Roberto D’Matta e
Buarque de Holanda, ressalta elementos da formação do povo brasileiro na constituição de um
modo próprio de exercer liderança, explicando porque modelos transplantados da cultura
americana não vingaram em nosso solo.
Já a liderança Laissez Faire, inspirada nos princípios pós-modernos, incentivava
desenvolvimento do espírito de liderança dos subordinados, com o intuito de torná-los
independentes e construtores de seus próprios talentos e motivações. Essa corrente, entendida
pelos autores como uma antiliderança surgiu como alternativa ao paradigma transacional-
transformacional (CARVALHO NETO et al, 2012). De todo o modo, o que se buscava eram
atitudes favoráveis de trabalho, valores, sentimentos positivos, além da identificação de
princípios de inteligência emocional, que pudessem de alguma forma ser associadas à
previsibilidade da ação gerencial.
Das teorias mais recentes interessa, em especial, o que os autores têm entendido como
liderança carismática, porque ela parece conter o elo entre todas as teorias da Nova Liderança:
o carisma. Weber não estudou liderança, todavia o conceito de carisma foi evidentemente
herdado do acervo de conceitos utilizados por ele. Mas, em termos de abrangência, essa
abordagem toma o conceito weberiano de carisma tal como era entendido por esse autor?
Artigos sobre Liderança descrevem os líderes carismáticos como aqueles que discriminam os
objetivos, pintando figuras de linguagem, e que possuem uma habilidade excepcional para
ganhar a devoção e o apoio de seguidores. São destemidos e apresentam suas ideias a
qualquer um que pode ser capaz de ajudá-los, e carregam a fama de possuir excelente poder
8
de persuasão e negociação. Inspiram seus seguidores a se identificar com eles e a imitá-los,
pois eles desenvolvem sentimentos intensos sobre eles, e cercam-se de considerável confiança
em seus atos. Os líderes carismáticos atraem intensos sentimentos afetivos (de amor ou ódio)
de seus subordinados. (GIBSON; HANNON; BLACKWELL, 1998).
Sobre as novas correntes teóricas sobre liderança, Walter e Bruck (2009) advertem que
as diversas vertentes de estudos têm apresentado resultados muito próximos, demonstrando
mesmo sobreposição significativa para os resultados atribuídos às lideranças carismática,
transformacional e visionária, geralmente convergindo em muitos pontos comuns. Eles
acreditam que as várias correntes de estudos poderiam ser reunidas em uma única abordagem:
a liderança da personalidade carismática. Seria isso indício de uma fragmentação teórica
desnecessária? Se isso ocorre para o construto liderança, muitos resultados vistos pela ótica de
teorias particulares permaneceriam inconclusivos, exatamente porque os fatores que
contemplam isoladamente são insuficientes para explicar o fenômeno liderança. Os autores
supracitados chegam a afirmar que, embora os estudiosos tenham aprendido muito sobre os
impactos da liderança carismática, as origens desse comportamento têm sido negligenciadas,
o que depõe em favor de uma abordagem mais integradora que considere outros elementos,
além do comportamento do líder.
Uma tentativa integração teórica no campo da Nova Liderança é atribuída a Burns
(1978, 2003) através do paradigma transacional-transformacional. Na teoria transacional os
estudos têm apresentado a relação entre o líder e seguidor como uma troca de recompensas
materiais para o desempenho com base no pressuposto de que as pessoas são unicamente
motivadas por punições e recompensas.
Já os líderes transformacionais seriam capazes de motivar os subordinados para
realizar mais do que seria de esperar de si mesmos. Bass (1985), um dos mais importantes
críticos de Burns, percebia a liderança transformacional como uma alternativa à liderança
transacional, enquanto Burns as entendia como complementares. Para Burns o líder eficaz
deveria apresentar as características dos dois estilos de liderança. Este autor agrupou as duas
propostas teóricas no paradigma transacional-transformacional, o que polarizou as discussões
sobre liderança nas três últimas décadas.
A discussão envolvendo as lideranças transacional e transformacional também ganhou
contornos na questão moral na polêmica entre Burns e Bass. Principalmente, porque Bass
(1985) argumentou que os líderes transformacionais podem promover a concorrência entre
seus subordinados, jogar grupos de subordinados uns contra os outros, e agitar a rivalidade e
ansiedade e desconfiança. Já eram conhecidos os efeitos da liderança negativa. O que também
foi objeto dos estudos de Walter e Bruck (2009). Ao associarem a liderança carismática a dois
tipos de comportamentos dos líderes, eles distinguem liderança carismática socializada da
personalizada. A primeira reflete um comportamento igualitário do líder, que serve a
interesses coletivos e fortalece os seguidores. É vista como uma liderança com
comportamentos positivos, apresentando resultados moralmente benéficos. A segunda, a
liderança carismática personalizada, por outro lado, baseia-se na dominação pessoal e no
comportamento autoritário, serve ao do interesse pessoal do líder e é exploradora dos outros.
Para eles, este segundo tipo de comportamento reflete o lado negro da liderança carismática, e
tem sido associada a comportamentos distintamente nocivos, com consequências moralmente
condenáveis e resultados negativos.
Embora argumentem pela integração de concepções teóricas sobre liderança Walter e
Bruck (2009) reconhecem que uma abordagem fragmentada tem dominado a orientação da
literatura de liderança carismática, com a maioria dos estudos enfocando tipos únicos de
influenciar sem considerar fatores e inter-relações possíveis. Essa é proposta desse ensaio, não
somente para liderança carismática, mas para o fenômeno liderança em si, como será
apresentado na próxima seção.
9
Na próxima seção será apresentada a defesa da abordagem sociológica weberiana para
o estudo da liderança e também uma metodologia para abordagem do fenômeno.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste ensaio reconhece-se que a corrente de estudos denominada Nova Liderança deve
ser o contraponto da abordagem aqui proposta. Reconhece-se também que as técnicas de
pesquisa que ressaltam a abordagem psicológica ainda se demonstram viáveis em muitos
casos de estudos organizacionais sobre liderança, definindo perfis, intenções e percepções.
Contudo, afirma-se que a abordagem sociológica também pode oferecer contribuições
importantes ao debate. Ao se estudarem as ações dos atores envolvidos naquilo que
apresentam de concreto (de realizado), os princípios sociológicos podem abrir novas vertentes
de entendimento que não se poderiam alcançar apenas pela análise psicológica, ou pela
sucessão e causalidade entre fatos, da análise histórica. Isto porque as relações sociais tornam-
se as referências para explicação do fenômeno, podendo essas ser discutidas em termos de
valores, sentido e fins, e segundo a racionalidade que as veiculou. É uma análise de causas e
efeitos de um fenômeno, tendo como referencia as ações perpetradas por seus atores,
relacionando-as aos fatores condicionantes da ação social.
Quando se busca compreender o fenômeno liderança como relação social, certamente
o que seria um bom suporte teórico é aquele concebido especificamente para estabelecer
conceitualmente essas relações para fenômenos sociais - a sociologia da ação na perspectiva
weberiana. Defende-se, portanto, que a integração de ideias sobre o construto liderança
poderá ocorrer tendo como referência teorias mais abrangentes com epistemologia e
metodologia bem delimitadas, para que esse emaranhado de pontos de vista que povoa o
campo possa ser corroborado e ou refutado.
Porque não se trata de se escolher apenas a porção da teoria que interessa ao
pesquisador na tentativa de validar visões particulares sobre o objeto de estudo, como se tem
feito indiscriminadamente. Por exemplo, Downton (1973) argumentou que Weber estava
errado ao afirmar que autoridade carismática constitui um dos três tipos principais de
liderança (juntamente com o tradicional e a autoridade racional-legal). Ele observou que o
domínio carismático é apenas um dos três principais subtipos ou bases de liderança pessoal. O
erro de Downton foi acreditar que Weber estaria estudando liderança enquanto ele estudava
formas de dominação. Da mesma forma que o mainstream norte-americano usa categorias
como carisma, como conceito isolado, dissociado dos demais fatores que lhe dão sustentação.
Como discutir carisma sem referir-se a ordem, ou examinar-lhe os dispositivos de
legitimação? Ou, como estudar liderança sem discutir as construções sociais relacionadas
como tradição, burocracia, estatutos, costumes, leis, ordem compartilhada, ou, ainda, os
significados culturais da relação líder versus liderado e as racionalidades predominantes dos
atores sociais em questão?
Propõe-se que se deve considerar a construção teórica em sua abrangência, como
concebida pelos autores, ou, pelo menos, não ocultar da análise os elementos relacionados à
teoria que possam mudar o curso da compreensão do fenômeno. Assim procedendo, não se
afirma que os teóricos da nova liderança não sejam capazes de gerar teorias para se
compreender o fenômeno, mas que, assim como os autores da sociologia clássica (Marx,
13
Weber, Durkheim, Simmel, entre outros) dialogaram com os pais da filosofia grega e com os
primeiros autores da modernidade, Kant, Descartes e Pascal, por exemplo, um diálogo mais
estreito entre os pós-modernos e os clássicos se faz necessário. Acredita-se que o avanço na
compreensão do referido fenômeno, como tantos outros que nos desafiam, não virá com o
rompimento ou com a afirmação parcial de conceitos e definições dos autores modernos, mas
com um debate respeitoso com, sobre e através de suas teorias, rompendo com a ideia absurda
de que essas teorias estão ultrapassadas. Passaram-se quase três mil anos e o pensamento
grego continua influenciando os rumos da civilização ocidental. Será um século tempo
suficiente para desconsiderar as contribuições teóricas desses gigantes da sociologia
ocidental?
A partir dos apontamentos construídos neste ensaio, entende-se que o fenômeno
liderança como relação social é passível de ser delimitado conceitualmente. O que resta é
determinar que tipo de relações sociais podem consideradas como expressão de liderança.
Não se entende que obediência irrestrita de um ator em relação ao outro é sinal de ocorrência
do fenômeno, quando essa relação não atende aos princípios propostos por Weber para o
conceito de dominação (WHIMSTER, 2009), que discrimina que o ator objeto da ação social
deve legitimar o ato de obediência. Portanto, muito do que se tem aceitado por atos de
liderança corresponde muito mais ao uso da força (coerção) e da aplicação de regulamentos
para imposição da vontade de um ator sobre o outro (comando). A rigor, entende-se que
liderança é um processo mais tênue e subjetivo, como tem sido exposto por pesquisadores da
nova liderança, mas que carrega em si as marcas da interação social que não pode ser captada
apenas pela análise psicológica. A discussão de Weber sobre estatutos é bem clara, quando
afirma que a coesão de grupos acontece em “média”, e que o estabelecimento de regras para
conduta de agrupamentos é delegado àqueles que detêm o poder de comando. Portanto, nem
toda ação social com sentido subjetivo pode ser classificada como ato de liderança. Mais
ainda, a expressão exterior que discrimina um ato de liderança tanto pode vir em tom de
ordem, como de pedido, de súplica, de encorajamento, ou até mesmo de prostração. Um
comandante muito amado, no leito de morte, sem articular uma única palavra, pela sua
entrega à causa, pode ser mais eloquente que centenas de generais discursando, se não
houverem se constituído os dispositivos adequados de legitimação. O estudo da relação social
parece ser o meio adequado de se reconstituir esses mecanismos.
Revendo as abordagens teóricas anteriores sobre liderança, o centro da discussão
quase sempre recaiu sobre a figura central do líder, a situação ou a contingência. Muito pouco
se discutiu da relação ou do papel dos liderados ou fatores externos da relação como
evidências do fenômeno. O que muda nessa abordagem é a expressão de um distanciamento
momentâneo das teorias organizacionais mais usuais, para discutir o tema liderança no plano
de fenômeno cultural envolvendo organizações e sociedade, sem desconsiderar os fatores que
condicionam a ação individual, como era prática dos principais autores clássicos.
Se a opção for buscar ancorar-se em grandes autores da sociologia, não se pode
esperar consenso, nem na prática nem em seus achados, uma vez que são concepções teóricas
distintas e até conflitantes em alguns aspectos, tanto em termos metodológicos como
epistemológicos. Trata-se de se explorar múltiplas visões de um único objeto. Mas, se por um
lado enfrenta-se o risco dos conflitos mencionados, por outro se abre um leque enorme de
perspectivas de revisitação a um fenômeno tão intrigante para os pesquisadores sociais e
organizacionais da atualidade. As apropriações mais importantes são o enorme legado de
metodologia de análise social desses autores e suas concepções de mundo e de ciência,
sancionadas há muito pelos estudiosos.
Por fim, um distanciamento das abordagens utilizadas nos estudos da nova liderança
pode revelar que a causa da confusão teórica que cerca o construto liderança (principalmente
para teorias transformacional e transacional) pode ser explicada pela adoção parcial de teorias
14
sociais, como a de Weber, por exemplo, porque o foco não estava em conhecer
profundamente a manifestação do fenômeno, mas gerar recursos controláveis para aumentar a
eficiência organizacional, desconsiderando em muitos casos os elementos culturais que
condicionam a ação dos líderes e liderados. Buscava-se a todo custo solucionar problemas que
fustigavam a gerência.
Uma revelação, ainda, pode brotar de um estudo com essas características: não é que
não se saiba o que é liderança, fala-se dela o tempo todo, mas o que tem se buscado é a
compreensão de uma liderança particular. Aquela que possa ser controlada segundo alguns
princípios gerenciais, que, em muitos casos tem o liderado apenas como um dado da variável
produtiva e a relação social como objetiva e direcionada. Para esse caso, não interessaria uma
visão ampla do fenômeno, mas apenas aquela porção que tornasse a relação líder versus
liderado no interior das empresas mais “administrável”. Neste caso, ao se estender os
horizontes para estudos que utilizem como diretrizes as teorias de Weber, poderia se resgatar
a compreensão do fenômeno liderança na sua integralidade, na sua essência, inclusive
lançando luzes para alguns pontos que permanecem obscuros no interior das organizações e
para sociedade, como é o caso do papel dos liderados. O que, em última análise, significaria
considerar matizes importantes do fenômeno liderança como tendo suas origens a se
estenderem para além dos muros organizacionais, referenciada pela visão de mundo dos
atores e mediada pelos fatores condicionantes da relação, que são frutos vivos das construções
sociais dos envolvidos.
REFERÊNCIAS
16