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Estado-Nação e Direitos: uma relação conflituosa

Nation-state and Rights: a conflictive relation

Wilson Vieira
Economista pela Faculdade de Economia da
Universidade Federal Fluminense (UFF).
Mestre em História Econômica pelo
Instituto de Economia (IE) da Unicamp,
Doutor em Sociologia pelo Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, Pós-doutorando e
pesquisador colaborador do Departamento de
Sociologia do IFCH-Unicamp.
vieiraeco@uol.com.br

Subvenção
Bolsista de pós-doutorado pela FAPESP

Agradecimento
À Marcia Baratto (doutoranda em Ciência Política no IFCH-Unicamp),
pelas observações realizadas na primeira versão deste trabalho.

Resumo O Estado moderno foi constituído no fim da Idade Média, e o Estado-nação,


tal como compreendemos hoje, apareceu no decorrer do século XIX. A relação entre
este último e os direitos é forjada na própria Revolução Francesa, tendo em vista o
marco da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Assim, a partir
da referida Declaração, o Estado de direito consolida-se na tradição moderna oci-
dental, equilibrando os direitos e as garantias individuais baseados numa concepção
abstrata de indivíduo portador de direitos a serem salvaguardados pelo Estado e
contra o Estado, apesar de ser sustentada numa construção teórica problemática e in-
completa, ponto de partida de uma discussão que se estende até os dias atuais. Diante
desse fato, pretendemos, neste trabalho, testar a seguinte hipótese: o ser humano só é
portador de direitos se está sob a proteção do Estado, senão ele se reduz a nada, inva-
lidando a visão universalista da Declaração de 1789 e da Declaração Universal dos
Direitos do Homem de 1948. Para isso, faremos a exposição do debate, dividindo-o

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de acordo com a visão de três grupos de estudiosos: 1) defensores do universalismo


dos direitos; 2) críticos a tal universalismo; 3) defensores da conciliação entre o uni-
versalismo e as demandas culturais específicas. Posteriormente, faremos um balanço
desse debate e exporemos suas perspectivas na conclusão deste artigo.
Palavras-chave estado-nação; direitos humanos; cidadania; universalismo dos
direitos.

Abstract The modern State was constituted by the end of the Middle Age and the
Nation-State, as we understand it today, appeared during the 19th Century. The rela-
tionship between the Nation-State and rights was forged in the French Revolution, in
the mark of the 1789 Declaration of the Rights of Man and of the Citizen. Therefore,
from the said Declaration, the state of law is consolidated in modern Western tradi-
tion, balancing the individual rights and guarantees based on an abstract conception
of individual rights to be safeguarded by the State and against the State, although
sustained by a problematic and incomplete theoretical framework, the source of a
discussion that extends to the present day. In face of this fact, the aim of this work is
to test the following hypothesis: the human person is the bearer of rights only if he
is under the protection of the State, otherwise he is reduced to nothing, invalidating
the universalist view of the 1789 Declaration (and the 1948 Universal Declaration
of Human Rights). To do so, we will expose the debate, dividing it according to the
view of three groups of scholars: 1) the advocates of the universalism of rights; 2)
the critics of such universalism; 3) the advocates of a conciliation between universal-
ism and specific cultural demands. As a conclusion, we will present a balance of the
debate and show its perspectives.
Keywords nation-state; humans rights; citizenship; universalism of rights.

Introdução

O Estado moderno foi constituído no fim da Idade Média, e o Estado-nação, tal


como compreendemos hoje, surgiu no decorrer do século XIX.1 A relação entre este
último e os direitos é forjada na própria Revolução Francesa, tendo em vista o marco
da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.
Assim, a partir da referida Declaração, o Estado de direito consolida-se na tra-
dição moderna ocidental, equilibrando os direitos e as garantias individuais baseados

1
Sobre um balanço da questão nacional, vide Balakrishnan (2000), a respeito das definições de Estado
moderno e nação, Bobbio e Matteucci (1993) e acerca do debate para apurar se nação e nacionalismo
são ou não produtos da Revolução Francesa, ou seja, se são ou não modernos, Hutchinson e Smith
(2000) e Smith (2004).

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numa concepção abstrata de indivíduo portador de direitos a serem salvaguardados


pelo Estado e contra o Estado.
Contudo, tal ficção teórica não se desenvolveu sem aporias, dentre elas destaca-
mos a necessidade do resguardo estatal para a efetividade dos direitos e das garantias
individuais universalizados dentro do Estado-nação a todos os cidadãos e a constata-
ção de que esse mesmo Estado é o responsável por sérias violações a esses direitos.
Então, é possível afirmar que a relação entre Estado-nação e direitos nunca se
deu de maneira simples, bastando observar, por um lado, a própria Declaração de
1789, que trata do indivíduo abstrato, do sujeito de direito reconhecido pelo poder
político, portanto portador de direitos efetivos por estar sob a guarda de um poder
centralizado, e, por outro, a história, que demonstrou a seguinte realidade: essa cons-
trução teórica mostrou-se problemática e incompleta. A partir daí é colocada uma
discussão que se estende até os dias atuais, explicitada nas seguintes questões:

1) Os direitos são realmente universais?


2) Eles são apenas de uma classe social?
3) Os direitos existem somente para os cidadãos de um determinado Estado-nação?
4) É possível deixar nas mãos do Estado a guarda das prerrogativas dos prin-
cípios de liberdade e igualdade, quando ele é acusado de graves violações à digni-
dade humana?

Tal debate será exposto neste trabalho, a fim de testar a seguinte hipótese: o ser
humano só é portador de direitos se está sob a proteção do Estado, senão ele se reduz
a nada, invalidando a visão universalista da Declaração de 1789 (e da Declaração
Universal dos Direitos do Homem de 1948).
Pretendemos, então, dividir a discussão nos seguintes itens:

1) Apresentação da visão dos defensores do universalismo, tais como Bobbio


(1992), por meio da análise do seu livro A Era dos Direitos, e Ferrajoli (2003), que
propõe, a nosso ver, uma “teoria geral” dos direitos fundamentais, ou seja, uma teo­
ria válida para qualquer parte do mundo e compatível com o Estado-nação, desde
que respeitados determinados requisitos, dentre eles o da defesa constitucional dos
direitos e o das garantias fundamentais, fundados numa concepção de indivíduo abs-
trato e com ênfase na visão positiva do direito.
2) Apresentação das diversas visões críticas de tal universalismo do homem
abstrato, destacando-se a visão de Karl Marx (2005), em sua obra A Questão Judai-
ca, seguida de visões mais recentes, como a de Hannah Arendt (1989) – pós-Segunda
Guerra Mundial –, no livro Origens do Totalitarismo,(cuja primeira edição foi em

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1949) e a de Giorgio Agamben (2002, 2004), respectivamente nas obras Homo Sacer
e Estado de Exceção. Neste item, também pretendemos mostrar que um autor como
Thomas Humphrey Marshall (1967), no fim da década de 1940, concebe os direitos
fundamentais como direitos do cidadão somente, indo contra, na prática, ao univer-
salismo cosmopolita, mesmo de forma não explícita.
3) Apresentação de visões que buscam conciliar o universalismo com as de-
mandas de diferentes grupos culturais. Para tal análise, utilizaremos os trabalhos de
Danilo Zolo (2003) e Charles Taylor (1993).
4) Apresentação do balanço da reflexão realizada neste estudo e suas perspectivas.

A Defesa do Universalismo dos Direitos

A fim de analisarmos a defesa do universalismo dos direitos do homem, inicial-


mente destacamos alguns pontos da reflexão de Norberto Bobbio, como seguem nos
parágrafos abaixo.
Em primeiro lugar, é vista de maneira positiva a Declaração Universal dos
Direitos do Homem de 1948, considerada por ele um marco para a humanidade.
Em segundo lugar, o universalismo da Declaração é fruto de uma lenta con-
quista histórica em que as primeiras declarações nascem como teorias filosóficas
baseadas no jusnaturalismo moderno, passando pelas declarações que ganham em
concreticidade, mas perdem em universalidade porque se limitam ao âmbito do Es-
tado que reconhece os direitos inscritos nas suas declarações. Ou seja, os direitos do
homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos
positivos particulares e se realizam como direitos positivos universais.
Em terceiro lugar, essa Declaração é um momento inicial de um processo, isto
é, o da conversão universal em direito positivo os direitos do homem. E é dito na
obra de Bobbio que é uma ação continuada devido ao fato de não ter ocorrido, ainda,
o processo de monopolização da força na comunidade internacional, a fim de garan-
tir os direitos contidos na Declaração de 1948, que deve ser vista de maneira aberta e
não definitiva, uma vez que os direitos são históricos e suscetíveis de transformação
e ampliação. E tais transformações e ampliações dos direitos vividas até agora são
divididas por Bobbio (1992) em três fases: 2) afirmação dos direitos da liberdade; 2)
propugnação dos direitos políticos; 3) proclamação dos direitos sociais.
Em quarto e último lugar, o referido documento é inspirado na Declaração de
1789, também de importância fundamental para a humanidade, haja vista o entusias-
mo vivido na época, de acordo com as reflexões realizadas por Tocqueville e Kant
naquele período, na polêmica entre Paine – que defende a Declaração de 1789 – e
Burke – que a ataca fortemente no que considera ser sua pretensão destinar-se a toda

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a humanidade, e não para o homem concreto, como o inglês, por exemplo –, na crítica
que Marx (2005) faz em sua citada obra (publicada primeiramente em 1844 e que
analisamos no próximo item) e também pelo posicionamento dos integrantes da es-
querda em geral, em relação ao conteúdo da Declaração, visto por eles como concreto
e historicamente determinado, pois ela não defende o Homem, mas sim o burguês, o
indivíduo egoísta, separado dos outros homens e da comunidade. Sobre esse ponto,
defendendo o universalismo, Bobbio (1992, p. 99-100) faz a seguinte reflexão:

Quais tenham sido as conseqüências (que considero funestas) dessa


interpretação – que confundia uma questão de fato, ou seja, a ocasião
histórica da qual nascera a reivindicação desses direitos, que era certa-
mente a luta do Terceiro Estado contra a aristocracia, com uma questão
de princípio, e via no homem apenas o cidadão, e no cidadão, apenas
o burguês –, esse é um tema sobre o qual, com o discernimento que o
passar dos anos nos proporciona, talvez tenhamos idéias mais claras
do que nossos pais. Mas ainda estamos demasiadamente imersos na
corrente dessa história para sermos capazes de ver onde ela termina-
rá. Parece-me difícil negar que a afirmação dos direitos do homem, in
primis os de liberdade (ou melhor, de liberdades individuais), é um dos
pontos firmes do pensamento político universal, do qual não mais se
pode voltar atrás.

Outro autor de visão universalista é Luigi Ferrajoli (2003). Em seu artigo, cujo
título é Derechos Fundamentales, o autor se preocupa em embasar teoricamente os
direitos fundamentais dentro de uma proposta de definição, na sua visão, puramente
formal ou estrutural de tais direitos. Em suas palavras:

[...] son ‘derechos fundamentales’ todos aquellos derechos subjetivos


que corresponden universalmente a ‘todos’ los seres humanos en cuanto
dotados del status de personas, de ciudadanos o personas con capacidad
de obrar; entendiendo por ‘derecho subjetivo’ cualquier expectativa po-
sitiva (de prestaciones) o negativa (de no sufrir lesiones) adscrita a un
sujeto por una norma jurídica; y por status la condición de un sujeto,
prevista asimismo por una norma jurídica positiva, como presupuesto
de su idoneidad para ser titular de situaciones jurídicas y/o autor de los
actos que son ejercicio de éstas. (FERRAJOLI, 2003, p. 19).

Ferrajoli (2003) afirma que tal definição é teórica e prescinde do fato de tais
direitos estarem presentes ou não nos textos constitucionais, ou leis fundamentais,
e, por isso, não pode ser considerada uma definição dogmática. E tal definição tam-
bém é formal ou estrutural porque se baseia unicamente no seu caráter universal.

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Portanto, o autor busca elaborar uma teoria universal dos direitos fundamentais que
ambiciona aglutinar sob a mesma bandeira dos direitos e garantias individuais as
mais diversas pretensões de direitos ao longo da história.
Nessa busca, ele afirma que, desde o Direito Romano, são conhecidas as distin-
ções entre os destinatários dos direitos. No decorrer da história, esses indivíduos fo-
ram alvo de várias limitações e discriminações (sexo, nascimento, censo, instrução,
nacionalidade, por exemplo), as quais, pouco a pouco, vêm sendo eliminadas, tanto
que hoje, na visão do autor, a capacidade de agir e a cidadania são as únicas diferen-
ças de status que ainda delimitam a igualdade das pessoas. Essas diferenças podem
ser assumidas como dois parâmetros (o primeiro insuperável e o segundo superável)
sobre os quais se fundam duas grandes divisões dos direitos fundamentais: 1) direi-
tos da pessoa (relativos a todas as pessoas); 2) direitos de cidadania (relativos aos
cidadãos somente). Cada um desses direito, por sua vez subdivide-se em: 1) direitos
primários (relativos a todas as pessoas); 2) direitos secundários (relativos às pessoas
com capacidade de agir) Por meio do cruzamento das duas distinções, o autor obtém
quatro classes de direitos, que podem ser vistas no quadro abaixo.

Quadro 1 – Classificação dos Direitos Fundamentais

Direitos Humanos Direitos da Pessoa


Direitos Primários
Direitos Públicos Direitos da Cidadania
Direitos Primários
Direitos Civis Direitos da Pessoa
Direitos Secundários
Direitos Políticos Direitos da Cidadania
Direitos Secundários
Fonte: Ferrajoli (2003, p. 22-23).

A partir da análise feita, Ferrajoli (2003) crê, então, que grande parte dos direi-
tos fundamentais possui natureza supranacional. Logo, os de cidadania formam uma
subclasse de tais direitos, pois, graças à aprovação de cartas e convenções interna-
cionais sobre direitos humanos, eles passam a ser considerados supraestatais, subor-
dinados também ao direito internacional, ou seja, não direitos de cidadania, mas sim
das pessoas, independentemente de sua pertença a alguma nação.
Contudo, tal fato hoje tende a ser relegado para segundo plano devido às imi-
grações de cidadãos de países do Terceiro Mundo para os países europeus, vistas pela
maior parte de seus governos e de seus cidadãos como um problema. A partir dessa

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visão, podemos compreender porque ocorre um movimento na Europa de defesa dos


direitos fundamentais somente para os seus cidadãos, não para os imigrantes.
Essa filosofia política tem se valido de obras como a de Marshall (1967) – Ci-
dadania, Classe Social e Status, a qual discutimos no próximo item – cuja análise
iguala os direitos fundamentais aos de cidadania, como justificativa para as políticas
de restrição aos direitos dos imigrantes. Porém, é uma utilização descontextualiza-
da, como Ferrajoli (2003) afirma, pois, no fim da década de 1940, quando Marshall
escreve seu livro, os processos de globalização e de integração mundial, além dos fe-
nômenos migratórios, não haviam se desenvolvido a ponto de haver questionamento
acerca de sua argumentação.
Portanto, tanto Bobbio (1992) quanto Ferrajoli (2003) possuem uma visão oti-
mista e universalizante dos direitos.

A Crítica ao Universalismo dos Direitos

Uma das primeiras críticas ao universalismo dos direitos foi feita por Marx
(2005) que analisa a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.2
Marx (2005) afirma que, a partir da Revolução Francesa e da Declaração de
1789, o Estado abole politicamente a propriedade privada, mas não a destrói, mui-
to pelo contrário, a pressupõe. Do mesmo modo, o Estado anula as diferenças de
nascimento, status social, cultura e ocupação ao proclamar a igualdade de todos no
exercício da soberania popular, mas deixa que a propriedade privada, a cultura e a
ocupação façam valer sua natureza especial (não elimina as diferenças de fato), pois
são suas premissas. Essa anulação de diferenças no plano político torna o homem
um ser genérico, membro imaginário de uma soberania imaginária, despojado de sua
vida individual real e dotado de uma generalidade irreal, ou seja, há uma separação
entre a vida na comunidade política (ser coletivo, genérico) e a vida na sociedade
civil (vida particular, privada, com todas as diferenças entre os homens). Há uma
desintegração do homem no comerciante e no cidadão, no judeu e no cidadão, no
homem religioso e no cidadão.
Assim, os direitos humanos são separados em direitos do homem e direitos do
cidadão. Segundo Marx (2005, p. 34):

Os droits de l’homme, os direitos humanos, distinguem-se, como tais,


dos droits du citoyen, dos direitos civis. Qual o homme que aqui se
distingue do citoyen? Simplesmente, o membro da sociedade burguesa.
Por que se chama membro da sociedade burguesa de ‘homem’, homem
2
Outra crítica ao universalismo da Declaração de 1789 foi feita por Burke (conforme visto no item
anterior). Para obter mais informações, consultar Chevallier (1989, p. 209-228).

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por antonomásia, e dá-se a seus direitos o nome de direitos humanos?


Como explicar o fato? Pelas relações entre o Estado político e a socie-
dade burguesa, pela essência da emancipação política.

Registremos, antes de mais nada, o fato de que os chamados direitos huma-


nos, os droits de l’homme, ao contrário dos droits du citoyen, nada mais são do que
direitos do membro da sociedade burguesa, isto é, do homem egoísta, do homem
separado do homem e da comunidade.
Marx (2005, p. 37) complementa:

Nenhum dos chamados direitos humanos ultrapassa, portanto, o egoís-


mo do homem, do homem como membro da sociedade burguesa, isto
é, do indivíduo voltado para si mesmo, para seu interesse particular,
em sua arbitrariedade privada e dissociado da comunidade. Longe de
conceber o homem como um ser genérico, estes direitos, pelo contrá-
rio, fazem da própria vida genérica, da sociedade, um marco exterior
aos indivíduos, uma limitação de sua independência primitiva. O único
nexo que os mantêm em coesão é a necessidade natural, a necessidade
e o interesse particular, a conservação de suas propriedades e de suas
individualidades egoístas.

A partir daí, o autor faz uma inquietante reflexão: a Revolução Francesa, apesar
de ter derrubado as barreiras, estamentos, que separavam os homens, proclamou a
liberdade do homem egoísta, tanto que os direitos do cidadão foram colocados como
subordinados aos direitos do homem egoísta. Logo, a crítica de Marx ao universalis-
mo da Declaração de 1789 refere-se ao fato dela se destinar ao homem abstrato, cuja
personificação concreta é o burguês.
Outra crítica ao universalismo dos direitos assegurados pelo Estado-nação é
feita após a Segunda Guerra Mundial por Hannah Arendt (1989), que demonstra a
aporia da ineficácia dos direitos individuais na sua relação com a tutela do Estado.
A autora centra sua análise em um novo problema surgido após a Primeira
Guerra Mundial: a situação das minorias, dos refugiados e apátridas.3 Ela faz uma
gradação do fato ao mostrar que pior do que o problema do primeiro grupo é a con-
dição do apátrida (mais recente fenômeno de massas da história contemporânea)
pessoas sem Estado (novo grupo humano em contínuo crescimento, sintomático do
mundo pós-Segunda Guerra Mundial).

3
Esse fenômeno foi o resultado da aplicação do princípio da “autodeterminação nacional” no decor-
rer dos processos de paz após a Primeira Guerra Mundial, no qual era previsto um Estado para cada
nação. Para obter mais informações, consultar Gellner (2000).

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Estado-Nação e Direitos: uma relação conflituosa

O fenômeno relatado acima tem sua origem nas desnacionalizações em massa


ocorridas após a Primeira Guerra Mundial as quais, na época, se constituíam em fe-
nômeno inteiramente novo e imprevisto; hoje, elas podem parecer apenas “justiça”
contra os “inimigos” da pátria. Era uma demonstração, segundo a autora, de uma
estrutura totalitária ou intolerante a qualquer oposição. Os regimes totalitários, com
tais medidas, “contaminaram” até os países que não possuíam esse tipo de regime,
tanto que dificilmente havia um país europeu que não houvesse aprovado alguma
legislação que previsse a rejeição de grande número de seus cidadãos, mesmo que,
em alguns casos, não chegasse a ser utilizada.
O problema ficou tão grave que a expressão “povos sem Estado”, que pelo me-
nos reconhecia o fato dessas pessoas terem perdido a proteção de seu governo e por
isso necessitavam de acordos internacionais que salvaguardassem a sua condição le-
gal, foi substituída pela expressão “pessoas deslocadas”, ou seja, passou-se a ignorar a
existência dessas pessoas, logo do problema. Nas palavras de Arendt (1989, p. 313):

O não-reconhecimento de que uma pessoa pudesse ser ‘sem Estado’


levava as autoridades, quaisquer que fossem, à tentativa de repatriá-
la, isto é, de deportá-la para o seu país de origem, mesmo que este se
recusasse a reconhecer o repatriado em perspectiva como cidadão ou,
pelo contrário, desejasse o seu retorno apenas para puni-lo. Como os
países não totalitários, a despeito do clima de guerra, geralmente têm
evitado repatriações em massa, o número de pessoas sem Estado era
substancialmente elevado – ainda doze anos após o fim da guerra. A
decisão dos estadistas de resolver o problema do apátrida ignorando-o
é revelada ainda pela falta de quaisquer estatísticas dignas de confiança
sobre o assunto. Contudo, sabe-se pelo menos que, enquanto existia 1
milhão de apátridas ‘reconhecidos’, havia mais de 10 milhões de apá-
tridas de facto embora ignorados.

Com tal fato, seria possível afirmar que caía por terra todo o edifício construído
pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, pois, na visão de
Arendt (1989), havia um paradoxo: aquele que gozava dos direitos humanos inalie-
náveis era um ser humano “abstrato”, uma mônada isolada, mas somente a soberania
emancipada do povo parecia capaz de assegurá-los, logo a questão dos direitos hu-
manos estava associada à questão da emancipação nacional.
Dessa forma, para os apátridas, tanto quanto para as minorias, a perda de direi-
tos nacionais era idêntica à perda de direitos humanos, e a primeira levava à segunda.
Segundo Arendt (1989, p. 326): “Quanto mais se lhes negava o direito sob qualquer
forma, mais tendiam a buscar a reintegração numa comunidade nacional, em sua
própria comunidade nacional”.

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Na prática, ocorria uma expulsão dessas pessoas da humanidade, pois elas per-
diam seus lares, a proteção do governo, a perda da relevância da fala e a perda de
todo relacionamento humano, ou seja, das mais essenciais características da vida
humana, além do risco de morte, pois haviam se transformado em pessoas de vida
nua.4 Segundo Arendt (1989, p. 329):5

A calamidade dos que não têm direitos não decorre do fato de terem
sido privados da vida, da liberdade ou da procura da felicidade, nem
da igualdade perante a lei ou da liberdade de opinião – fórmulas que se
destinavam a resolver problemas dentro de certas comunidades – mas
do fato de já não pertencerem a qualquer comunidade. Sua situação
angustiante não resulta do fato de não serem iguais perante a lei, mas
sim de não existirem mais leis para eles; não de serem oprimidos, mas
de não haver ninguém mais que se interesse por eles, nem que seja
para oprimi-los. Só no último estágio de um longo processo o seu
direito à vida é ameaçado; só se permanecerem absolutamente ‘su-
pérfluos’, se não se puder encontrar ninguém para ‘reclamá-los’,
as suas vidas podem correr perigo. Os próprios nazistas começaram
a sua exterminação dos judeus privando-os, primeiro, de toda condição
legal (isto é, da condição de cidadãos de segunda classe) e separando-os
do mundo para ajuntá-los em guetos e campos de concentração; e, antes
de acionarem as câmaras de gás, haviam apalpado cuidadosamente o
terreno e verificado, para sua satisfação, que nenhum país reclamava
aquela gente. O importante é que se criou uma condição de completa
privação de direitos antes que o direito à vida fosse ameaçado.

A reflexão da autora demonstra, então, a precariedade da ficção dos direitos e


garantias individuais como tutela a ser oferecida pelo Estado.
Em relação ao fim da década de 1940, destacamos também a reflexão sobre
direitos e cidadania feita por Marshall (1967).
Para esse autor, os direitos do cidadão são igualados aos direitos fundamentais,
tanto que ele centra sua análise somente no caso inglês, tamanha a sua visão não
universalista dos direitos. Ele faz uma análise evolutiva do conceito de cidadania
desde o início do século XIX, dividindo-o em três elementos: civil –composto pelos
direitos necessários à liberdade individual, cujas instituições correspondentes são os
tribunais de justiça; político – direito de participar no exercício do poder político,
cujas instituições correspondentes são o parlamento e os conselhos do governo local;
social – desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito
4
Tal expressão é utilizada por Agamben (2002), autor que analisamos neste item.
5
Palavras em negrito: grifos nossos. Pensamos que se pode aqui refletir sobre a vida que não merece
viver [vide Agamben (2002)].

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Estado-Nação e Direitos: uma relação conflituosa

de participar na herança social e viver de acordo com os padrões que prevalecem na


sociedade, cujas instituições correspondentes são o sistema educacional e os servi-
ços sociais. Marshall (1967) mostra a importância do Estado como fator de inclusão
e de ampliação dos direitos às classes trabalhadoras.
Dentre os autores contemporâneos, chamamos a atenção para a reflexão in-
quietante de Giorgio Agamben (2002 e 2004) sobre o estado de exceção, o poder
soberano, a vida nua e o Homo sacer.
Destacamos inicialmente o fato dele corroborar a ideia de Arendt (1989) a res-
peito da união hermética entre direitos do homem e a pertença a uma nação. Segundo
Agamben (2002, p. 133):

Hannah Arendt intitulou o quinto capítulo do seu livro sobre o impe-


rialismo, dedicado ao problema dos refugiados, ‘O declínio do Estado-
nação e o fim dos direitos do homem’. Esta singular formulação, que
liga os destinos dos direitos do homem àqueles do Estado-nação, parece
implicar a idéia de uma sua íntima e necessária conexão, que a autora
deixa, porém, injulgada. O paradoxo do qual Hannah Arendt aqui parte
é que a figura – o refugiado – que deveria encarnar por excelência o
homem dos direitos assinala em vez disso a crise radical deste concei-
to. ‘A concepção dos direitos do homem’ – ela escreve –, ‘baseada na
suposta existência de um ser humano como tal, caiu em ruínas tão logo
aqueles que a professavam encontraram-se pela primeira vez diante dos
homens que haviam perdido toda e qualquer qualidade e relação especí-
fica – exceto o puro fato de serem humanos’ (ARENDT, 1994, p. 229).
No sistema do Estado-nação, os ditos direitos sagrados e inalienáveis
do homem mostram-se desprovidos de qualquer tutela e de qualquer
realidade no mesmo instante em que não seja possível configurá-los
como direitos dos cidadãos de um Estado.

O autor mostra que tal realidade está implícita no próprio título ambíguo da
Declaração de 1789: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Ou seja,
não se sabe se são designadas duas realidades autônomas ou um sistema unitário (o
homem está contido e oculto no cidadão).
A partir das constatações expostas acima, o autor afirma que as declarações de
direitos não mais devem ser vistas como proclamações gratuitas de valores eternos
metajurídicos, mas sim como uma figura original da inscrição da vida natural na ordem
jurídico-política do Estado-nação, ou seja, tal vida entra no primeiro plano da estrutura
do Estado e se torna o fundamento terreno de sua legitimidade e de sua soberania. E
tal fato pode ser visto nos três primeiros artigos da Declaração de 1789 – a vida nua
natural (o nascimento) torna-se fonte e portadora do direito (AGAMBEN, 2002).

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E o domínio do Estado sobre a vida nua é explicitado por meio do mecanismo


do estado de exceção decidido pelo soberano,6 cuja característica é a de uma guerra
civil legal que permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas
também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não
integráveis ao sistema político. Vide as desnacionalizações após a Primeira Guerra
Mundial, como vimos há pouco na análise de Arendt (1989).
Como exemplos do estado de exceção temos o fascismo e o nazismo, que fa-
zem da vida natural o local por excelência da decisão soberana. Em ambos há uma
redefinição das relações entre o homem e o cidadão, ocorrendo uma “separação”
entre eles; é posto à luz o resíduo entre nascimento e nação.7
Contudo, tais fatos não são novos, são somente explicitações radicais do que é
colocado na Declaração de 1789, isto é, entre quem está “dentro” e quem está “fora”
do exercício da cidadania.
Sobre a situação atual do refugiado, o autor concorda com a visão de Arendt
(1989), na qual ele é verdadeiramente o “homem dos direitos”, pois aparece sem a
máscara do cidadão que o cobre, mas que não pode exercê-los por não mais per-
tencer a nenhum Estado-nação, problema que persiste até hoje por causa da clara
incapacidade da Organização das Nações Unidas (ONU) e dos governos de maneira
geral não só de resolvê-lo, mas de encará-lo de maneira adequada. Segundo Agam-
ben (2002, p. 140-141):

A separação entre humanitário e político, que estamos hoje vivendo, é a


fase extrema do descolamento entre os direitos do homem e os direitos
do cidadão. As organizações humanitárias, que hoje em número cres-
cente se unem aos organismos supranacionais, não podem, entretanto,
em última análise, fazer mais do que compreender a vida humana na
figura da vida nua ou da vida sacra, e por isto mesmo mantêm a contra-
gosto uma secreta solidariedade com as forças que deveriam combater
[...]. É necessário desembaraçar resolutamente o conceito do refugiado
(e a figura da vida que ele representa) daquele dos direitos do homem,
e levar a sério a tese de Arendt, que ligava os destinos dos direitos
àqueles do Estado-nação moderno, de modo que o declínio e a crise
deste implicam necessariamente o tornar-se obsoleto daqueles. O refu-
giado deve ser considerado por aquilo que é, ou seja, nada menos que

6
Segundo Schmitt (1996, p. 87), teórico citado por Agamben (2004), “Soberano é aquele que decide
sobre o estado de exceção”. Tal frase se encontra na obra Teologia Política, publicada pela primeira
vez na Alemanha em 1922.
7
Agamben (2004, p. 14-15) cita outro exemplo de estado de exceção: EUA, por meio do USA Pa-
trioct Act de 26/10/2001, do “military order” de 13/11/2001 e dos talibãs detidos em Guantánamo,
exemplo mais radical de vida nua, diferentemente dos judeus nos Lager nazistas que ainda conser-
vavam sua identidade.

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Estado-Nação e Direitos: uma relação conflituosa

um conceito-limite que põe em crise radical as categorias fundamentais


do Estado-nação, do nexo nascimento-nação àquele homem-cidadão,
e permite assim desobstruir o campo para uma renovação categorial
atualmente inadiável, em vista de uma política em que a vida nua não
seja mais separada e excepcionada no ordenamento estatal, nem mesmo
através da figura dos direitos humanos.

Observamos, então, que a última reflexão apresentada neste item é a que mais
vai contra a visão universalista e otimista de Bobbio (1992). O Estado-nação am-
pliou direitos, mas, por meio do mecanismo do estado de exceção e pelas brechas
jurídicas, ele pode transformar um cidadão em um nada, em vida nua, contribuindo
para a derrubada todo o edifício dos direitos humanos construído a partir da Revolu-
ção Francesa, tal como afirmamos a respeito da reflexão de Arendt (1989).

Universalismo e Demandas Culturais Específicas: tentativas de


conciliação

Neste item, centramos a exposição em dois teóricos que participam do deba-


te entre o universalismo e o reconhecimento cultural dos grupos específicos, numa
tentativa de conciliação de dois pontos de vista opostos: universalismo e relativismo
dos direitos, tal como expusemos nos itens anteriores.
Iniciamos a análise com a exposição da reflexão de Charles Taylor no seu en-
saio La Política del Reconocimiento, inserido no livro El Multiculturalismo y “La
Política del Reconocimiento” (1993), organizado por ele.
Destacamos do ensaio a preocupação do autor em conciliar o universalismo dos
direitos com os direitos de grupos minoritários, isto é, haver conciliação, na esfera
pública, entre a política do universalismo, segundo a qual todos os cidadãos têm a
mesma dignidade e a política da diferença, que também possui uma base universa-
lista – cada qual deve ser reconhecido por sua identidade única – e que se fundamen-
ta da mesma forma em um potencial universal: o de moldar e definir nossa própria
identidade, como indivíduos e como cultura, que deve ser respeitada
O autor vê dificuldades em tal conciliação, mas não impossibilidade, tendo em
vista a Carta Canadense, que deu direitos especiais à província de Quebéc, francófo-
na, diferentemente do Canadá anglófono, mas chama a atenção para se tomar cuida-
do com a política do multiculturalismo, pois boa parte dela se baseia em normas da
civilização do Atlântico Norte, como o multiculturalismo liberal.
Taylor (1993, p. 106) propõe, então, uma alternativa ao multiculturalismo libe-
ral, conforme suas palavras:

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Wilson Vieira

Debe haber algo a medio camino entre la exigencia, inauténtica y ho-


mogeneizadora, de reconocimiento de igual valor, por una parte, y el
amurallamiento dentro de las normas etnocéntricas, por la otra. Existen
otras culturas, y tenemos que convivir, cada vez más tanto en la escala
mundial como en cada sociedad individual. Lo que ya está aquí es la
presuposición de igual valor antes descrita, y que consiste en la actitud
que adoptamos al emprender el estudio de los otros. Tal vez no es ne-
cesario preguntarnos si hay algo que los otros puedan exigirnos como
un derecho propio. Simplemente bastaría con preguntar si ésta es la
manera como debemos enfocar a los otros.

Outro teórico que busca a conciliação entre o universalismo dos direitos e as


demandas culturais específicas é Danilo Zolo. Ele debate com Ferrajoli (2003) sobre
esse tema no artigo Libertad, Propiedad e Igualdad en la Teoría de los “Derechos
Fundamentales”: a Propósito de un Ensayo de Luigi Ferrajoli (2003).
Destacamos desse artigo o fato de Zolo ver a reflexão de Marx em A Questão
Judaica (2005) como ainda atual, devido à vitória da economia de mercado no pla-
neta após o fim do socialismo real e também à crise do Welfare State, assumindo uma
posição, em princípio, mais relativista dos direitos humanos.
Também nesse trabalho, Zolo (2003) critica a defesa de Ferrajoli (2003) da
necessidade de superação da soberania estatal dentro da perspectiva da cidadania
universal e da construção de uma democracia constitucional de dimensão planetária,
conforme analisamos no segundo item deste trabalho, porque apresentam os proble-
mas expostos nos parágrafos que seguem.
Em primeiro lugar, a ideia de que a superação cosmopolita das fronteiras es-
tatais está incluída na ordem do dia da teoria do direito (e na teoria dos direitos
subjetivos) se inspira, segundo o autor, em uma notável dose de otimismo normativo
que subestima as razões profundas pelas quais os homens se organizam em estrutu-
ras de solidariedade política, que são discriminatórias e seletivas, isto é, a busca dos
homens pela proteção à vida, aos bens e às tradições.
Em segundo lugar, a abertura universal das fronteiras suporia uma aceleração
evolutiva, isto é, uma conversão ética dos homens ao altruísmo e à benevolência
universal, fato que não ocorre na prática, tanto que diversos grupos culturais, étnicos
e nacionais têm reivindicado (alguns, inclusive, com o uso de armas) o direito de ser
reconhecidos e legitimados no âmbito internacional, tanto que a Europa tem se fe-
chado aos imigrantes, além do fato de cidadãos italianos e franceses terem rejeitado
o Tratado de Maastricht.
Em terceiro lugar, uma estrutura de poder global, tal como o mundo hoje se
organiza, traria problemas como a repressão das diferenças culturais do planeta, pe-

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Estado-Nação e Direitos: uma relação conflituosa

nalização dos sujeitos mais débeis e redução drástica da complexidade das estruturas
políticas intermediárias. A reação poderia vir com maior intensidade do terrorismo
internacional contra os países desenvolvidos, que atuariam de maneira hegemônica
nessa estrutura por meio de um suporte político-militar.
Zolo (2003, p. 100) defende a seguinte proposta:

Personalmente, me inclino por una visión policéntrica y conflictiva de


las relaciones internacionales más que por este modelo globalista, una
visión que revalorice la relación entre los principios jurídicos y las di-
ferentes identidades culturales, entre la paz y la autonomía nacional,
entre la tutela de la libertad y la soberanía del Estado de derecho. Como
alternativa al iusglobalismo, propongo un ‘derecho supranacional mí-
nimo’ (y un ‘pacifismo débil’) que sea capaz de coordinar a los sujetos
de la política internacional según una lógica de subsidiariedad norma-
tiva respecto a la competencia de los ordenamientos estatales. Y ello
concediendo una cantidad limitada de poder propiamente supranacional
a los órganos centralizados y promoviendo una ‘regionalización poli-
céntrica’ de las principales funciones internacionales, sobre todo la de
garantizar la paz.

Como forma de fechamento deste item, afirmamos que os dois autores ana-
lisados veem como viável a conciliação entre o universalismo e o relativismo dos
direitos, apesar de todos os desafios, como vimos acima. Podemos afirmar que essas
tentativas de conciliação buscam levar em conta não somente o Estado-nação como
garantidor dos direitos, mas também propõem uma legislação internacional mínima
que garanta proteção àqueles que não estão sob tutela de nenhum Estado-nação,
além do respeito às diferenças culturais.

Conclusão

Balanço da Reflexão e Perspectivas


A partir da exposição das diferentes posições quanto à relação entre Estado-na-
ção e direitos, pode-se fazer um resumido balanço com as seguintes constatações:
1. os direitos e as garantias individuais construíram-se na modernidade como
uma prerrogativa do cidadão tutelada e reconhecida pelo Estado-nação e
deste indissociável;
2. os direitos ditos universais, na prática, só se efetivam nos Estados nacionais;
3. o sistema internacional dos direitos humanos é débil e ineficaz para fazer
valer o cumprimento efetivo dos direitos assegurados pelas declarações e
tratados internacionais;

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Wilson Vieira

4. apesar de o aumento das reivindicações por reconhecimento de grupos cul-


turais diferenciados em diversos países e até pela sua efetivação legal, pai-
ra, principalmente após o 11 de Setembro, o espectro do estado de exceção
sempre pronto a retirar todos os direitos dos “indesejáveis”, tornando-os
vida nua, como os EUA faziam com mais veemência nos governos de Ge-
orge W. Bush.

No tocante às perspectivas, afirmamos que o caminho de um multiculturalismo


com a conciliação do universalismo pode ser uma alternativa interessante, juntamen-
te com uma mudança na correlação de forças internacionais, a fim dos direitos serem
efetivamente de todos os seres humanos, independentemente de suas condições (se
refugiados, se cidadãos, etc.).

Referências

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Recebido: 11/2/11
Aprovado: 4/4/11

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