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Wilson Vieira
Economista pela Faculdade de Economia da
Universidade Federal Fluminense (UFF).
Mestre em História Econômica pelo
Instituto de Economia (IE) da Unicamp,
Doutor em Sociologia pelo Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, Pós-doutorando e
pesquisador colaborador do Departamento de
Sociologia do IFCH-Unicamp.
vieiraeco@uol.com.br
Subvenção
Bolsista de pós-doutorado pela FAPESP
Agradecimento
À Marcia Baratto (doutoranda em Ciência Política no IFCH-Unicamp),
pelas observações realizadas na primeira versão deste trabalho.
Abstract The modern State was constituted by the end of the Middle Age and the
Nation-State, as we understand it today, appeared during the 19th Century. The rela-
tionship between the Nation-State and rights was forged in the French Revolution, in
the mark of the 1789 Declaration of the Rights of Man and of the Citizen. Therefore,
from the said Declaration, the state of law is consolidated in modern Western tradi-
tion, balancing the individual rights and guarantees based on an abstract conception
of individual rights to be safeguarded by the State and against the State, although
sustained by a problematic and incomplete theoretical framework, the source of a
discussion that extends to the present day. In face of this fact, the aim of this work is
to test the following hypothesis: the human person is the bearer of rights only if he
is under the protection of the State, otherwise he is reduced to nothing, invalidating
the universalist view of the 1789 Declaration (and the 1948 Universal Declaration
of Human Rights). To do so, we will expose the debate, dividing it according to the
view of three groups of scholars: 1) the advocates of the universalism of rights; 2)
the critics of such universalism; 3) the advocates of a conciliation between universal-
ism and specific cultural demands. As a conclusion, we will present a balance of the
debate and show its perspectives.
Keywords nation-state; humans rights; citizenship; universalism of rights.
Introdução
1
Sobre um balanço da questão nacional, vide Balakrishnan (2000), a respeito das definições de Estado
moderno e nação, Bobbio e Matteucci (1993) e acerca do debate para apurar se nação e nacionalismo
são ou não produtos da Revolução Francesa, ou seja, se são ou não modernos, Hutchinson e Smith
(2000) e Smith (2004).
Tal debate será exposto neste trabalho, a fim de testar a seguinte hipótese: o ser
humano só é portador de direitos se está sob a proteção do Estado, senão ele se reduz
a nada, invalidando a visão universalista da Declaração de 1789 (e da Declaração
Universal dos Direitos do Homem de 1948).
Pretendemos, então, dividir a discussão nos seguintes itens:
1949) e a de Giorgio Agamben (2002, 2004), respectivamente nas obras Homo Sacer
e Estado de Exceção. Neste item, também pretendemos mostrar que um autor como
Thomas Humphrey Marshall (1967), no fim da década de 1940, concebe os direitos
fundamentais como direitos do cidadão somente, indo contra, na prática, ao univer-
salismo cosmopolita, mesmo de forma não explícita.
3) Apresentação de visões que buscam conciliar o universalismo com as de-
mandas de diferentes grupos culturais. Para tal análise, utilizaremos os trabalhos de
Danilo Zolo (2003) e Charles Taylor (1993).
4) Apresentação do balanço da reflexão realizada neste estudo e suas perspectivas.
a humanidade, e não para o homem concreto, como o inglês, por exemplo –, na crítica
que Marx (2005) faz em sua citada obra (publicada primeiramente em 1844 e que
analisamos no próximo item) e também pelo posicionamento dos integrantes da es-
querda em geral, em relação ao conteúdo da Declaração, visto por eles como concreto
e historicamente determinado, pois ela não defende o Homem, mas sim o burguês, o
indivíduo egoísta, separado dos outros homens e da comunidade. Sobre esse ponto,
defendendo o universalismo, Bobbio (1992, p. 99-100) faz a seguinte reflexão:
Outro autor de visão universalista é Luigi Ferrajoli (2003). Em seu artigo, cujo
título é Derechos Fundamentales, o autor se preocupa em embasar teoricamente os
direitos fundamentais dentro de uma proposta de definição, na sua visão, puramente
formal ou estrutural de tais direitos. Em suas palavras:
Ferrajoli (2003) afirma que tal definição é teórica e prescinde do fato de tais
direitos estarem presentes ou não nos textos constitucionais, ou leis fundamentais,
e, por isso, não pode ser considerada uma definição dogmática. E tal definição tam-
bém é formal ou estrutural porque se baseia unicamente no seu caráter universal.
Portanto, o autor busca elaborar uma teoria universal dos direitos fundamentais que
ambiciona aglutinar sob a mesma bandeira dos direitos e garantias individuais as
mais diversas pretensões de direitos ao longo da história.
Nessa busca, ele afirma que, desde o Direito Romano, são conhecidas as distin-
ções entre os destinatários dos direitos. No decorrer da história, esses indivíduos fo-
ram alvo de várias limitações e discriminações (sexo, nascimento, censo, instrução,
nacionalidade, por exemplo), as quais, pouco a pouco, vêm sendo eliminadas, tanto
que hoje, na visão do autor, a capacidade de agir e a cidadania são as únicas diferen-
ças de status que ainda delimitam a igualdade das pessoas. Essas diferenças podem
ser assumidas como dois parâmetros (o primeiro insuperável e o segundo superável)
sobre os quais se fundam duas grandes divisões dos direitos fundamentais: 1) direi-
tos da pessoa (relativos a todas as pessoas); 2) direitos de cidadania (relativos aos
cidadãos somente). Cada um desses direito, por sua vez subdivide-se em: 1) direitos
primários (relativos a todas as pessoas); 2) direitos secundários (relativos às pessoas
com capacidade de agir) Por meio do cruzamento das duas distinções, o autor obtém
quatro classes de direitos, que podem ser vistas no quadro abaixo.
A partir da análise feita, Ferrajoli (2003) crê, então, que grande parte dos direi-
tos fundamentais possui natureza supranacional. Logo, os de cidadania formam uma
subclasse de tais direitos, pois, graças à aprovação de cartas e convenções interna-
cionais sobre direitos humanos, eles passam a ser considerados supraestatais, subor-
dinados também ao direito internacional, ou seja, não direitos de cidadania, mas sim
das pessoas, independentemente de sua pertença a alguma nação.
Contudo, tal fato hoje tende a ser relegado para segundo plano devido às imi-
grações de cidadãos de países do Terceiro Mundo para os países europeus, vistas pela
maior parte de seus governos e de seus cidadãos como um problema. A partir dessa
Uma das primeiras críticas ao universalismo dos direitos foi feita por Marx
(2005) que analisa a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.2
Marx (2005) afirma que, a partir da Revolução Francesa e da Declaração de
1789, o Estado abole politicamente a propriedade privada, mas não a destrói, mui-
to pelo contrário, a pressupõe. Do mesmo modo, o Estado anula as diferenças de
nascimento, status social, cultura e ocupação ao proclamar a igualdade de todos no
exercício da soberania popular, mas deixa que a propriedade privada, a cultura e a
ocupação façam valer sua natureza especial (não elimina as diferenças de fato), pois
são suas premissas. Essa anulação de diferenças no plano político torna o homem
um ser genérico, membro imaginário de uma soberania imaginária, despojado de sua
vida individual real e dotado de uma generalidade irreal, ou seja, há uma separação
entre a vida na comunidade política (ser coletivo, genérico) e a vida na sociedade
civil (vida particular, privada, com todas as diferenças entre os homens). Há uma
desintegração do homem no comerciante e no cidadão, no judeu e no cidadão, no
homem religioso e no cidadão.
Assim, os direitos humanos são separados em direitos do homem e direitos do
cidadão. Segundo Marx (2005, p. 34):
A partir daí, o autor faz uma inquietante reflexão: a Revolução Francesa, apesar
de ter derrubado as barreiras, estamentos, que separavam os homens, proclamou a
liberdade do homem egoísta, tanto que os direitos do cidadão foram colocados como
subordinados aos direitos do homem egoísta. Logo, a crítica de Marx ao universalis-
mo da Declaração de 1789 refere-se ao fato dela se destinar ao homem abstrato, cuja
personificação concreta é o burguês.
Outra crítica ao universalismo dos direitos assegurados pelo Estado-nação é
feita após a Segunda Guerra Mundial por Hannah Arendt (1989), que demonstra a
aporia da ineficácia dos direitos individuais na sua relação com a tutela do Estado.
A autora centra sua análise em um novo problema surgido após a Primeira
Guerra Mundial: a situação das minorias, dos refugiados e apátridas.3 Ela faz uma
gradação do fato ao mostrar que pior do que o problema do primeiro grupo é a con-
dição do apátrida (mais recente fenômeno de massas da história contemporânea)
pessoas sem Estado (novo grupo humano em contínuo crescimento, sintomático do
mundo pós-Segunda Guerra Mundial).
3
Esse fenômeno foi o resultado da aplicação do princípio da “autodeterminação nacional” no decor-
rer dos processos de paz após a Primeira Guerra Mundial, no qual era previsto um Estado para cada
nação. Para obter mais informações, consultar Gellner (2000).
Com tal fato, seria possível afirmar que caía por terra todo o edifício construído
pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, pois, na visão de
Arendt (1989), havia um paradoxo: aquele que gozava dos direitos humanos inalie-
náveis era um ser humano “abstrato”, uma mônada isolada, mas somente a soberania
emancipada do povo parecia capaz de assegurá-los, logo a questão dos direitos hu-
manos estava associada à questão da emancipação nacional.
Dessa forma, para os apátridas, tanto quanto para as minorias, a perda de direi-
tos nacionais era idêntica à perda de direitos humanos, e a primeira levava à segunda.
Segundo Arendt (1989, p. 326): “Quanto mais se lhes negava o direito sob qualquer
forma, mais tendiam a buscar a reintegração numa comunidade nacional, em sua
própria comunidade nacional”.
Na prática, ocorria uma expulsão dessas pessoas da humanidade, pois elas per-
diam seus lares, a proteção do governo, a perda da relevância da fala e a perda de
todo relacionamento humano, ou seja, das mais essenciais características da vida
humana, além do risco de morte, pois haviam se transformado em pessoas de vida
nua.4 Segundo Arendt (1989, p. 329):5
A calamidade dos que não têm direitos não decorre do fato de terem
sido privados da vida, da liberdade ou da procura da felicidade, nem
da igualdade perante a lei ou da liberdade de opinião – fórmulas que se
destinavam a resolver problemas dentro de certas comunidades – mas
do fato de já não pertencerem a qualquer comunidade. Sua situação
angustiante não resulta do fato de não serem iguais perante a lei, mas
sim de não existirem mais leis para eles; não de serem oprimidos, mas
de não haver ninguém mais que se interesse por eles, nem que seja
para oprimi-los. Só no último estágio de um longo processo o seu
direito à vida é ameaçado; só se permanecerem absolutamente ‘su-
pérfluos’, se não se puder encontrar ninguém para ‘reclamá-los’,
as suas vidas podem correr perigo. Os próprios nazistas começaram
a sua exterminação dos judeus privando-os, primeiro, de toda condição
legal (isto é, da condição de cidadãos de segunda classe) e separando-os
do mundo para ajuntá-los em guetos e campos de concentração; e, antes
de acionarem as câmaras de gás, haviam apalpado cuidadosamente o
terreno e verificado, para sua satisfação, que nenhum país reclamava
aquela gente. O importante é que se criou uma condição de completa
privação de direitos antes que o direito à vida fosse ameaçado.
O autor mostra que tal realidade está implícita no próprio título ambíguo da
Declaração de 1789: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Ou seja,
não se sabe se são designadas duas realidades autônomas ou um sistema unitário (o
homem está contido e oculto no cidadão).
A partir das constatações expostas acima, o autor afirma que as declarações de
direitos não mais devem ser vistas como proclamações gratuitas de valores eternos
metajurídicos, mas sim como uma figura original da inscrição da vida natural na ordem
jurídico-política do Estado-nação, ou seja, tal vida entra no primeiro plano da estrutura
do Estado e se torna o fundamento terreno de sua legitimidade e de sua soberania. E
tal fato pode ser visto nos três primeiros artigos da Declaração de 1789 – a vida nua
natural (o nascimento) torna-se fonte e portadora do direito (AGAMBEN, 2002).
6
Segundo Schmitt (1996, p. 87), teórico citado por Agamben (2004), “Soberano é aquele que decide
sobre o estado de exceção”. Tal frase se encontra na obra Teologia Política, publicada pela primeira
vez na Alemanha em 1922.
7
Agamben (2004, p. 14-15) cita outro exemplo de estado de exceção: EUA, por meio do USA Pa-
trioct Act de 26/10/2001, do “military order” de 13/11/2001 e dos talibãs detidos em Guantánamo,
exemplo mais radical de vida nua, diferentemente dos judeus nos Lager nazistas que ainda conser-
vavam sua identidade.
Observamos, então, que a última reflexão apresentada neste item é a que mais
vai contra a visão universalista e otimista de Bobbio (1992). O Estado-nação am-
pliou direitos, mas, por meio do mecanismo do estado de exceção e pelas brechas
jurídicas, ele pode transformar um cidadão em um nada, em vida nua, contribuindo
para a derrubada todo o edifício dos direitos humanos construído a partir da Revolu-
ção Francesa, tal como afirmamos a respeito da reflexão de Arendt (1989).
nalização dos sujeitos mais débeis e redução drástica da complexidade das estruturas
políticas intermediárias. A reação poderia vir com maior intensidade do terrorismo
internacional contra os países desenvolvidos, que atuariam de maneira hegemônica
nessa estrutura por meio de um suporte político-militar.
Zolo (2003, p. 100) defende a seguinte proposta:
Como forma de fechamento deste item, afirmamos que os dois autores ana-
lisados veem como viável a conciliação entre o universalismo e o relativismo dos
direitos, apesar de todos os desafios, como vimos acima. Podemos afirmar que essas
tentativas de conciliação buscam levar em conta não somente o Estado-nação como
garantidor dos direitos, mas também propõem uma legislação internacional mínima
que garanta proteção àqueles que não estão sob tutela de nenhum Estado-nação,
além do respeito às diferenças culturais.
Conclusão
Referências
Recebido: 11/2/11
Aprovado: 4/4/11