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Coleção o QUE É, coMo sE FAZ
A. P. Martinich
Auto-estima - o que e, como se faz
JosÉ-Vrrucrlrrn Bonrr

Bioética - o que é, como se faz


Fenumlo Lot-.ts
Criotiuidade & redaçao - o que é, como se faz, 2'ed.
R. M.a.ncHtoltt

Cultura brasileira - o que é, como se faz, 2 ed.


A. Velruuccrt
Ensaio filosófico - o que e, como se faz
A. P. MenrtrutcH
O ensino na escola - o que é, como se faz, 2 erJ'.

M. Slnr-OrlcE
Ética sqciol - o que e, como se faz
Etntco Cnrev,qcct ENSAIO FILOSOFICO
Interuet na escola - o que e, como se faz, 2" ed.
A. U. Sognel o que é, como se faz
Jejum - o que é, como se faz, 4' ed.
P,crRicto Sct,{otNt

Lectio diuina - o que e, como se faz


T. Hru.
A moliuaçao em sala de aula - o que é, como se faz, 4' ed.
Jnsús Aror'rsoTlrte, Ettnqur CerutLA Flr,c Tradução:
Oração - o que e, como se laz, 2^ eel,
Aretr U. SosRAr
H. Nouwrr
Pecado - o que é, como se faz
Xeuen THÉvu,ror

Petlagogia da gestão mental - o que e, como se faz


Alrone lt Ln Garellenrc, Grl:É',rÉvt Cnrral
Pesquisa na escola - o que é, como se faz, 9' ed.
M. Brct'to

Preconceito lingüístico - o que é, como se faz, 15' ed.


M. B.qcNo

Relação professor-aluno - o que é, como se faz, 3" ed.


P. Monqtts Edlções Loyolo
TÍtulo original:
Phílosophical Writing - An Introduction, 2d Edition
O Prentice-Hall Inc, 1989
@ da 2^ ed.: A. P. Martinich, 1996
O direito de A. Martinich de ser reconhecido como autor desta obra
P.
se baseia no Copyright, Designs and Patents Act cle 1988.
Blackwell Publishers
ISBN: 0-631-20281-1

Direqão
Para minha mãe e em memória de meu pai
Fidel García Rodrígtez, SJ
Preparação
Cecília Regina Faria Menin
Revisão
Maurício B. Leal
Diagramação
Telma dos Santos Custódio

Edições Loyola
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04216-000 São Paulo, SP
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ser reproduzida ou lransmitida por qualquer forma e/ou quais-
quer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gra-
vação) otr arquivada em qualquer sistema ou banco de dados
sem permissito escrita da Edilora.
ISBN:85-15-02227-3
O EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2002
Su má rio

Nota à segunda ediçào 9

Introdução 1l

1 Autor e público 21

I 0 professor como público 27

2 0 aluno como autor 26

2 Lógica e arglumentn no texto 35


1 O que é um bom argumento? 36
2 Argumentos válidos 43
3 Argumentos convincentes 56
4 Consistência e contradição 63
5 Contrários e contraditórios 67
6 A força de uma proposiçâo 7l
A estrutura de um ensaio filosófico 79
1 Esboço da estrutura de um ensaio filosófico ..,....... 79
2 Anatomia de um ensaio B8

{ A elaboração 97
I Como escolher um tema de ensaio 9B
2 Técnicas de elaboração 100
3 Esboço to2
4 Elaboração sucessiva 103
5 Anotação de conceitos 108
6 Pesquisa e elaboração 111
7 Aperfeiçoamento 113
8 A evolução de um ensaio 115
Nota à segunda edição
5 Táticas para o texto analitico 131
1 Definições 133
2 Distinções 139
3 Análise.... t45
4 Dilemas 155
5 Contra-exemplos
6 Reductio ad Absurdum
161
774
Tl m carta a um amigo, Voltaire se desculpa por sua
7 RaciocÍnio dialetico
Eextensão: "Se eu tivesse tido mais tempo, esta carta
183
teria sido mais curta". Revisando as seções presentes a
6 Algumas restrições ao conteúdo 193 primeira ediçáo deste livro, muitas vezes encontrei ma-
1 A busca da verdade 194 neiras de torná-las mais curtas e, creio eu, melhores'
2 0 uso da autoridade 195 Mas tambem me ocorreram ideias sobre como acrescen-
3 O ônus da prova 200
tar novos tópicos ao livro a fim de aperfeiçoá-lo' Trata-
7 Algumas metas em termos de forma 203 se essencialmente das seções sobre definições, contrários
I Coerência 203 e contraditórios e distinções.
2 Clareza 208 Ao preparar a segunda edição, contraí, para minha
3 Concisão 278 felicidade, d.Ívidas com alguns de meus atuais e ex-alu-
4 Rigor 223 nos, que flzeram comentários ao texto: Stephen Brown,
Os problemas da introdução 227 Sarah Cunningham, Nathan Jennings e Lisa Maddry' Minha
1 Perder o rumo 228 mulher, Leslie, leu, como sempre, todo o original' Desejo
2 A cauda abanando o cão 236 a$radecer ainda a meu utilíssimo editor, Steve Smith'
3 Fazer rodeios 239 Por fim, boa parte de meu pensamento e de meus
Apêndice: "Domingo à noite, tenho de entregar textos no campo da filosofia teve como sede o Miami
um ensaio na segunda de manhã" 245 Subs and Grill on the Drag. Desejo agradecer aos proprie-
Índice remissivo tários, Michael e Lisa Mermelstein, por sua hospitalidade'
251

-9-
lntrodução

s ensaios filosóficos podem apresentar as mais diver-


f)
Lf sas estruturas. Para quem está acostumado a escrevê-
los, a escolha de uma estrutura não e difícil, nem mesmo
consciente. 0 ensaio parece escrever-se a si mesmo. Para
quem não está habituado a fazê-lo, escolher uma estru-
tura e torturante ou aparentemente impossÍvel. Ofereço
este livro a esta segunda categoria de pessoas, de modo
geral estudantes. E, em vez de fazer um panorama das
-na que julgo
muitas estruturas possiveis, concentrei-me
ser a estrutura mais simples e direta que um ensaio f,lo-
sófico pode ter. Meu propósito e ajudar os estudantes a
escrever algo de valor, de modo que eles possam começar
a desenvolver seus próprios estilos. 0 projeto e análogo
ao de ensinar alunos de arte a desenhar a mão humana.
0 primeiro objetivo e mais a precisão do que a elegância.
A elegância na escrita não se aprende. Ela resulta de
uma especie de gênio, e o gênio começa onde as regras
acabam. Pretendo discutir algo que considero transmissÍvel:
como escrever prosa filosófica clara, concisa e precisa. A
elegância é desejável, mas a simplicidade não o e menos.
E e à simplicidade que dirijo meus esforços.

- 11 -
Ensaio filosófico lntroduçáo

Disse, um dia, um filósofo: ,,Metade da boa filosofia formaram o adjetivo 'Justo" no substantivo o justo, ale-
e boa gramática'l Essa observação e espirituosa, profunda gando ser estritamente ccrreto identificar Deus com a
e, como todo bom aforismo, dificil de explicar. Antes própria justiça e, assim, dizer "Deus e o justo'l
de
tentar explicar ao menos parte dela, permita que eu me Há ocasiões em que a tentativa de dizer algo novo
antecipe a um possível equÍvoco. Embora a boa escrita e correto acerca dos limites da realidade faz a gramática
filosófica seja gramatical, não há neste livro nada que ruir completamente, como ocorre quando Martin Hei-
virtualmente lembre o sentido de gramática que lhe diva degger diz "Nada nadifica". Como o pronome nada nào
seu professsor da quinta serie. potencialmente,
todos os pode ser um verbo, nadifica e ininteligivel. Alem disso,
alunos conhecem as regras gramaticais, o que não
impede Heidegger parece usar nada como substantivo na pri-
sua flagrante violação em sua prosa filosófica.
Qual será meira ocorrência na frase, como se "nada" nomeasse
o motivo disso? alguma coisa. (Claro que Heidegger discordaria de mi-
Uma das razôes é o fato de a filosofia envolver, nhas observações gramaticais, e essa e apenas mais uma
muitas vezes, a tentativa de atribuir às coisas sua
cate- razão pela qual a filosofia e dificil: não e tarefa simples
fazer que os filósofos concordem mesmo com relação à
gramática.)
Thomas Hobbes foi o primeiro a discufir a propen-
sâo dos filósofos a cometer erros de categoria ao com-
binar palavras de uma categoria com palavras pertencen-
tes a outras. Grosso modo, tm erro de categoria é o
equivalente lógico da mistura de maçãs com laranjas. A
frase "ldéias verdes descoloridas dormem furiosamente"
apresenta vários erros de categoria. Coisas sem cor não
podem ser verdes nem ter outra cor; as ideias não podem
dormir nem estar despertas, e nada pode dormir furiosa-
mente. Essas categorias simplesmente não combinam. Um
dos exemplos de erro de categoria de Hobbes é 'A qüi-
didade e um ser". Talvez concordemos com ele que essa
frase e absurda sem aceitar suas razões para pensar as-
sim. Considere outro exemplo dele: "0 intelecto com-
preende". A seu ver, o intelecto é o nome de um acidente

-12- -13-
lntroduçao
Ensaio filosófico
criticar ou mesmo
ou propriedade dos corpos, que e de uma categoria, ao qüentemente, quando vão explicar'
endossar esse pensamento'
os ãlurtot podem ser tentados
passo que úmpreende, ainda que gramaticalmente seja
ou agramatical por terem
um verbo, e o nome de um cjrpo, que é de outra cate- a usar uma lin$ua$em incoerente
semicompreendido'
goria. Assim, ele sustenta que a frase "0 intelecto com- distorcido e mutilado o pensamento
..arçu", ainda que confusa' é uma
representaçáo
preende" e literalmente absurda. 0 que Hobbes julga Ii- ir,
teralmente verdadeira e a frase "0 homem compreende precisa de sua comPreensáo'
por meio de sua inteligência'i Se você se vir t"""'Ao
uma frase ou parágrafo
ensa-
E bem possivel que alguns discordem de Hobbes quanto sem control
$ramaticalmente r sua
ao fato de a frase "0 intelecto compreende" fazer ou não mento esteja sem controle' áo do
sentido e critiquem seu ponto de üsta filosóflco-gramati- própria Prosa como medida o
cal, que está na base de seu juÍzo gramatical. É comu. Iõil a resPeito do qual das

entre filósofos discordar sobre o que e ou não absurdo. partes de seu ensaio que P
Considere a frase 'As crenças são estados cerebrais'i Esta (Devo as idéias deste Para
frase exprime um elro de categoria ou uma brilhante des- Essa exPlicação de Por
coberta sobre a natureza do mental? As opiniões dos filó- insPira um
e boa $ramática
sofos divergem. Logo, nem sempre é fácil dizer se alguma de escrever uma serie de
fica e gramatical' Quem e capaz
tese filosófica constitui um grande achado no campo da gramaticais sobre algum assunto
frases consistentemente
filosofia ou um agregado gramatical sem sentido. Por con- uma ideia coerente daquilo
filosóflco t.*, pto'"t'ehãente'
seguinte, une-se à dificuldade inerente da fllosofia mesma
que discute.
a da redaçáo filosófica, que muitas vezes geme de angústia boa redação filosófica é
Outro criterio associado da que
sob o peso atribuído à sintaxe e à semântica. sabedoria convencional
0s estudantes com freqüência escrevem frases pa- s, a linguagem vaga e verbor-
tentemente agramaticais porque essa é a maneira como ndidade e de argúcia' mas de
vêem a filosofla. E eles a vêem assim porque o pensa- osofia que seguem esses crite-
mento nela expresso e radicalmente estranho para eles. um desafio: escrever
Não há no sistema de crenças do aluno um lugar em que rios na verdade lançam aos alunos
jramatical, clara e precisamente' Sendo a linguagem
ele possa incorporar sem problemas esse pensamento. Por
expressão do pensamento' a
linguagem clara exprime o
isso, o aluno, quando não situa impropriamente o pensa-
redação deve facilitar a
mento, isola-o de seus outros pensamentos, mais próxi- pensamento claro' 0 estilo de
iã*p...rrao da filosofia e aumentar o grau de clareza'
mos dele. Numa palavra, o pensamento é estranho. Conse-
15 -
-14-
Ensaio filosófico lntroduçao

Se metade da boa filosofia e boa gramática, a outra mas dificuldades. 0 diálogo nos tenta ao preciosismo' à
metade é o bom pensamento. 0 bom pensamento assume
muitas formas. A forma na qual vamos nos concentrar é estrutura de um
muitas vezes chamada de analise. A palavra análise tem, esta nossa obra'
em filosofia, muitos sentidos, sendo um deles o de meto- lê-lo com mais
e

do de raciocinio (discutido no capitulo 5). 0utro sentido açáo filosóflca de cada um'
refere-se a um método filosóflco ou escola de filosofia fórmações do que outras' 0
que reinou soberana durante a maior parte do seculo XX. s de autor e de Público em
Muitos julgam esse metodo passado e dizem que nos sa filosófica dos estudantes'
acham numa situaçáo
encontramos hoje numa época pós-analitica. Não tomo, Tanto eles como os professores se
típicos' os
neste livro, posição quanto a isso. Uso analise num sen- ii;.táti, incomum, 'À contrário dos autores
do que o seu público'
tido bem amplo, que inclui a filosofia analítica e a pós- alunos sabem menos sobre o assunto
isso' 0 capítulo 2
analitica. Em meu uso do termo, a meta da fllosoÍia embora náo se espere que eles admitam
é um curso elementar,àb"
ot conceitos básicos da lógica'
analítica e a verdade, apresentada de modo claro, organi-
a compreensáo dos ele-
zado e bem-estruturado. Faço uma flrme opção pela cla- Ele contem informações essenciais
lógica dará
reza, pela ordem e pela estrutura. A meta da análise, em ,.n o, dos capítuloi seguintes' Quem conhece
passada poiele, ao passo que, os não
familia-
seu sentido amplo, é tornar a fllosofia menos difícil do que uÀã iapia"
e atentamente' O capi-
ela seria. Trata-se apenas de um corolário de um princípio rizados com ela OevÉm lê-lo lenta
e constitui
mais geral: todos podem complicar um assunto; e preciso tulo 3 discute a estrutura do ensaio fllosôfico
sólido conselho
um pensador rematado para tornar um assunto simples.
;;.;" central do livro' 0 gasto' porém
um meio e um fim
á."qr. o ensaio deve ter u 1 começo'
0s textos filosóficos assumem muitas formas, in-
,pfiàr-t. igualmente ao ensaio filosófico' 0 capitulo 4
cluindo o diálogo (Platã0, Berkeley, Hume), a dramatiza- à feitura de esboços
trata de algumas questões vinculadas
ção (Camus, Marcel, Sartre), a poesia (Lucrécio) e a ficção do ensaio. Discutem-se ali várias tecnicas de elaboraçáo'
(Camus, George Eliot, Sartre). Só vou discutir a forma tom-ar notas' revisar'
Quem sabe montar um esquema'
ensaio. Há três razões para essa decisã0. Em primeiro p-.tq"i*, etc. pode saltar essã capítulo' 0 capitulo 5
-t-"pli-
fllosó-
Iugar, essa e a forma em que provavelmente vão lhe pedir no raciocínio
ia vários tipoi de arjumentos usados
que escreva. Em segundo, e a forma mais fácil de escre- e os argumen-
fico, como os dilemas, os contra-exempl^os
ver. Em terceiro, o ensaio e hoje a forma padrão da tos fundado s na reductio ad absurdt'rm'
0 capítulo 6 abor-
fllosofia profissional. Embora a forma diálogo atraia so- atender o conteúdo
da alguns requisitos básicos a que deve
bremaneira muitos alunos, sua boa execução exibe extre- capítulo 7 trata das metas relativas
à forma
do eÃaio. 0
_16_ 17-
Ensaio filosófico lntroduçao

zes controversos e a argu-


de seu escrito: coerência, clareza, concisão e rigor. 0 ca-
são voltadas a
pítulo B discute alguns problemas comuns que os estudan-
e constituindo a
tes têm ao compor as primeiras páginas de um ensaio.
erro ter Por foco
Assim como os ensaios, a maioria dos livros tem
uma conclusão, que resume ou retoma de modo integrado
o o que tem imPortância e
as linhas principais do texto. No entanto, fazer isso em
a, ê bem Provável que o
ate de muitas das afirma-
nosso caso seria artificial, visto que o livro como um todo
não desenvolve um argumento principal, consistindo, em
isso ao menos levá-los a
desacordo, assim como a
vez disso, numa enumeração de tópicos que podem ter grande
utilidade para o aluno. Não obstante, o Apêndice, "Do- Pgr que Preferem'
mingo à noite, tenho de entiegar um ensaio na segunda sido alcançada'
ontrasto, em inúmeras oca-
de manhã", que se destina a quem comprou o liwo mas
com elementos lógicos' Remon-
nunca conseguiu ler muito dele, pode igualmente servir siões, elementos retóricos
de conclusão. Muitos de meus alunos que leram a primei- iando ao
ra edição disseram-me ser essa a parte do livro que leram ruim Par
primeiro, em alguma noite de domingo cerca de seis se- ma atitu
tórica" refere-se ao estilo'
o
manas depois do começo do semestre.
a e o livro pressupoe
A fim de servir às necessidades de uma ampla va- .Ji, qr. facilitam comunicaçáo'
de extrema importância'
riedade de estudantes, o nível de dificuldade do livro vai oue esses elementos se revestem
Íilosófico que não
do elementar ao moderadamente avançado. Mesmo no ffi;iã;;1ãào1,,'io, um ensaio de seus
âmbito de capitulos individuais pode haver significativas consegue comunicar-se
fracassa igualmente num
variações no nível de dificuldade, embora toda seção proPósitos essenciais'
como se pz pretende ser
comece com o material mais simples e vá caminhanclo ate Ensaio filosóftco - o que é'
o mais complexo. Assim, um capÍtulo sobre outro tópico prático. SuPoe-se que o aj
pode retroceder do material complexo daquele que o pre- à melhorar sua caPacidade
cedeu para um nivel mais simples. Creio que os alunos Como quase toda materia
inteligentes e esforçados podem passar com rapidez da ensaio analisando alguma
inocência filosófica à sofisticação moderada. dades obtidas na aPrendi
Em vários pontos do livro, apresento fragmentos de hlosóficos Pode mostrar-s
ensaios, a flm de ilustrar algum tópico estilistico. Os te- gêneros de ensaio'

_ 18 _
19-
e4

É
A
U Autor e público

,Talvez seja óbvio quem ê o autor e quem é o público


I do ensaio de urn aluno: o aluno é o autor e o professor,
o público. Claro que isso e verdade, mas o aluno não e um
autor como os outros, nem o professor um público típico'
Desejo, neste capÍtulo, apresentar considerações sobre esses
dois pontos. Iniciarei com um tema conceifualmente mais
simples: o caráter atipico do professor como público.

1 0 professor como público

E indispensável a um autor conhecer seu público.


Dependendo desse público, o autor pode explicar seu ponto
de vista dessa ou daquela maneira.
0 aluno não ocupa a posição tipica de um autor por
várias razôes. Enquanto o autor comumente escolhe seu
público, o público do aluno lhe e imposto. (Mas essa situa-
ção do aluno não e peculiar. De modo geral, o público
escolhe seu autor. Em contraste, o autor do professor Ihe
e imposto. São seus alunos. Uns e outros devem extrair o
máximo da necessidade.) Exceto quando o aluno é ex-

-21 -
Autor e Público
Ensaio filosófico
o que
em seguid'a explicar
cepcional, ele não escreve para informar nem para conven- apresentar ;Trli1;
cer seu público da verdade da posição que discute. Logo, fica; deve
seu propósito não e a persuasão. Além disso, a não ser que dências explicados como
o tópico seja excepcional e o professor relativamente igno- Todos os term de filosofia. Isso
rante, o propósito do aluno também não e diretamente se o público
soube usando palavras
expositivo nem explicativo. Presume-se que o professor já significa que o
aru ie náo se introduz
compreenda o material que o aluno se esforça para apre- comuns em seus sI[ rmo tecnico me-
sentar clara e corretamente. Ainda assim, o aluno não pode nem se explica
o, ácomoopúblico
pressupor que o professor seja um mestre no assunto em diante o uso de
pil .... .. lere, por exemplo,
quer uI
discussáo porque o professor, em seu papel de juiz, não saber o que o autor
pode supor que o aluno o seja. A tarefa do aluno e mostrar este fragmento
de ensalo:
ao professor que compreende o que o professor já sabe. eprovar e-os seres humanos
propósito deste ensaio
0 Lateri '-" *"' em vez
disso'
Algum aluno poderá julgar isso nâo só paradoxal como percebJ';;;i;";
tambem perverso. Todavia, essa é a situação existencial em
nunca
o qual-desi$no a ligaçâo
os semiidead.rir:i.";.0*
que o aluno e lançado como autor.
entre o to:t " il"t*â"ito
t tt" conteúdo conceitual'
A estrutura e o estilo do ensaio de um aluno devem por menos de
1m
parece profunda
ser os mesmos cle uma exposição e uma explicação dire- Essa passagem só em In-
nada há de errado
tas. Como se disse, a meta do aluno é mostrar que conhe- nanossegund"' Tt;;i;;;;tt' mas quem comete
a teme-
ce algo das doutrinas filosóficas, ao oferecer um relato troduzir o termo "ÃiA'oao'' deve ao leitor uma
preciso delas; alem disso, o aluno tem de mostrar que ridade de inventai"ttiltãfágismo
sabe não apenas que proposiçoes foram defendidas por '..o.,i'" t"ryltl'.ri;l*mi ilH i::j ;'li:q';
certos filósofos, mas por que eles as sustentaram. Em mênico e seu coilel:Y-'^::" vezes têm,
si$nificados' co
"; rns muitas
outras palavras, o aluno tem de demonstrar que conhece mos, Palavras com :1:
:oÍIo' por exemplo'
a estrutura dos argumentos usados para provar uma po- técnicos'
em filosofia,
sição filosófica, o significado dos termos tecnicos empre-
'E'ifit"'d"s
gados e as evidências em favor das premissas. (Uma das determinado
materia
diferenças entre a história da fllosofia e a história das
ego
ideias e que aquela se preocupa com a estrutura e com a
pertinência dos argumentos.) 0 aluno precisa supor (a fim universal
reflexáo
de adotar uma atitude de autoridade apropriada) que o
público e (a) inteligente mas (b) não informado. Ele deve Pragmático

_22_ -23-
Autor e Públlco
i

ii Ensaio filosófíco
11

*]:
Quando o autor usa uma palavra que tem significa- eria excer el.. :. :^ jJ:
;:T ;üil"HT!:,
lr

do comum num significado tecnico desconhecido, a pa-


I
S

o aluno pode ou
naol':^ [::ü
lembre, e virtualmente
I

lavra fica ambigua, e o público e levado a um entendi- i quecerg:,Y o que pode ser pressu-
mento errôneo ou se vê confundido, caso esse significado imposstvet es-
I I

huma-
tecnico não seja objeto de observação em termos inteli- l1
conhecimento e ignorància
I

ffiffiTli:"'*'l.*;;'u a'tiú" tudo isso' Se

lr
gíveis para ele. ri
i:X'; o q" poàt p"*opor' pergunte'
E
Não e pertinente protestar que o professor deveria tiver dúvidas sobre
1l
l
g;ostar'
I de the dizer' Se não
permitir ao aluno o uso de termos técnicos sem expli- orovável qot o ptottsl=oiÊãtit que
ficat contenLe por saber
ir

caçáo a partir do fato de o professor conhecer ou dever ii a f,alha e dele, t ";ã;"i; i:i1^:^:^T'í'*" que asir
conhecer seus significados. Repito: o que está em ques- rl

li fez a coisa certa.ao iefil;;;'


proporciona e algumas vezes'
tão não é o conhecimento do professor, mas o do aluno. de acordo tom
p"ntiiià'"t'ot
I
E responsabilidade do aluno mostrar ao professor que irf.tir*tnt", e o máximo' público
conhece o significado desses termos. Náo pense que o
1

Embora tt'f'" ãi"orrido sobre quem e seu nada


nao atriuuir a ele' eu
ii

professor vai pensar que você pensa que ele não com- e sobre 0 quanto ""tü;;;f' dele'
I
qut ttiitlat você deve assumir diante
preende um termo pelo fato de você o ter definido. i
disse sobre para alguem'
ll
o Se está escrevendo
Quando você usa um termo tecnico, ele passa a ser seu, Essa atitude
cabendo pois a você a responsabilidade por sua defini-
l
f,'
" "'otiio'
você deve ton'iotl^t-'"t'*
pt"o' digna da verdade; e'
a verdade
ção. Acrescente-se que um termo tecnico só e utilizado
tl

l
a'l;tà;t:você deve tornar
send,o ela aig'a "t a essa pessoa'
qu:-
P'"dttvocê impoe ext-
ili

com sucesso se a explicação náo depende do pressupos- lt


o mais inteligível ^tt"ivtt
to de que o público já sabe o significado desse termo
l1

AIem disso, t"'à"lara um-púb-lico'


que seu
tecnico! Porque e precisamente isso que o aluno deve
tr
lii "
gências ao tempo desse
priblico' Você espera
do que
demonstrar. público dedique ttrnp" t
à'forço ? !3*ptttnsáo
descuidado' voce
Há uma exceçã0. Em cursos avançados, o professor você escreveu, ti"ãt ftito um'trabalho com
pode permitir que o aluno suponha que o público já
"
terá desperdiç'ao o ü;;
dele' você o terá tratado
é um
conhece o que um aluno iniciante deve saber sobre filo- deslealdade' u*;;;;"i'i'ia ou desor$anizado má imagem'
at dar de r1:t:
sofia, talvez elementos de lógica ou partes da República insulto ao públicol^ieã "*" devolver um
de Platáo ou das Meditações de Descartes, ou algo pare- o p'ott"à''se mostra frustrado ao
Quando se deve ao fato
cido. No caso de alunos de pós-graduação, o professor conjunto at t"'ui'' i"o fto"'utlmente e sinal do res-
Um bom ensaio
pode permitir que o aluno pressuponha um pouco mais de sentir-se at'atíh"ao'
de Iógica e bons conhecimentos de história da filosofia. Peito do autor Pelo Público'
-25-
-24-
Ensaio filosófico
Autor e público
0. aluno como autor
A redaçâo filosófica virtualmente nunca é autobio-
gráfica, ainda que contenha elementos autobiográflcos
,..,rft1[1;1?:rJ autor de seu ensaio, você não deve (As Conlssrões de Santo Agostinho e as de Jean-Jacques
refêrir-se a ,i .,.rlii: o".t dizer que você não possa
Rousseau são notáveis, porém raras exceçôes.) E muito
',1ã,,i.'ilT;.:;',:,'krr improvável que sua vida ou seus sentimentos pessoais
;í:;:*.:rhl::::::J,ffi
o uso do "eu" devam ser expostos em seus textos filosóflcos, ao menos
nha-se num.ensaio. supu-
*.;;tes nesses termos. Nenhum fllósofo deve se importar com o
sersubstitu,rrr". j!1'.',i seu sentir sobre a existência de Deus, a liberdade, o abor-
jrr'r'#.Xr.r::.r11.,*#:rr.JüX
mento desse ensaio",y"r^,s.ya to ou qualquer outra coisa apresentada pura e simples-
mal está hoje mais -1i;;;do)' A escrita for_
,,fVfü'r.grrento mente como seus sentimentos. Assim, com raras exce-
ções, o uso de sinto que e proibido em ensaios. Seus
lnfo^rmaf. será,,
i#: ffi Jl'l'.'i;"'-:!'0, v"'''l;:':, ais
'r*., fÍsica seja amplàmente
"
m uma
e
sentimentos não podem aspirar à üniversalidade e não
rada e discutida
".
,, ;dr;_ podem ser automaticamente transferidos a seu público.
contemporânea e,
caricaturada l;1;" talvez, Você pode sentir que Deus existe, mas isso não é razão
para que mais alguem deva senti-lo. A frase afirmo que,
;:l:T,#].fií;í: .ff"ililf.,:,, .T;:g# em contrapartida, se transfere. Essa expressão implica que
o autor tem bases objetivas, em vez de subjetivas, para
ffi : rx'::;:l;f;;::s,'#':.$;JXl'1,1;.lilÊX-
erecem a coragem
sustentar sua posição e que, por conseguinte, o público
defendê{as. n...rrá.iu pãÀ deve argumentar desse mesmo modo.
As ideias têm r Incidentes específicos da vida pessoal também têm

i. À s, ;'; T :,:: :'.'"0;,


nr': ., um lugar em seu ensaio, considerados como sros expe-
más; há algumas excelentes,ü.J il ..,x:, :, : T;i: : : f
Assuma as conseqüêncjas ü;;"":uüas temiveis. flI riências. Tomados simplesmente como etperiências, eles
podem ter tanto relevância como força. Compare as duas
de ;;;; #;r..
Uma pessoa r ur maneiras seguintes de fazer a mesma aflrmação:

11
m
im
o r g Jü ;:.,':
:,xT:: Aos 14 anos, eu desejava uma bicicleta de dez marchas,
maneira obliqua. Quem vai
alegar?
$:f."â,x',*.r#,H.
s..Jro.c, mas precisava de 125 dólares para comprar uma. A única
pessoa que escreve "vou diga_o. A
alegar;ã
uia está se com_
maneira de conseguir o dinheiro legalmente era trabalhar.
prometendo com
abertamente esse
uma linha"ae Àiã.rr,ã,.
submetendo
"ír. Consegui trabalho a 2 dólares por hora realizando várias
raciocinra * a*."Urio".r.lonrf. tarefas que detestava: cortar grama, lavar janelas e ate
cuidar de crianças. Foram necessárias três semanas, mas
-26_
-27 -
Ensaio.fílosófico
Autor e público

gem, a persona do autor e um obseryador objetivo da


condição humana.
A noção de persona e tecnica. A palavra persona
deriva da palavra Iatina que designa a máscara usada pelos
atores no palco. Havia máscaras para personagens cômicas
r0 e respeito uma pessoa, n e trágicas, para deuses e mortais. Ter uma persona é de-
lhos humilhantes
em lroca sempenhar um papel. Um autor desempenha um papel;
tem, portanto, uma persona. A pergunta e: o que e essa
persona? 0u: qual deve ser essa persona? Porque há dois
possíveis papeis que o autor pode ter em seu ensaio.
0 autor tem inevitavelmente o papel de criador, visto
que e respolsável pelas palavras de seu ensaio. Na qua-
lidade de criador, o autor tem uma perspectiva transcen-
dente coin relação a seu ensaio. Alem disso, o autor pode
ser uma personagem de seu próprio ensaio não quando
aparece dizendo "Vou alegar", mas como personagem nos
exemplos e cenários que constrói a fim de ilustrar ou
oas para realizar
trabalhos provar a tese que defende. Essas personagens nos cená-
rios têm uma perspectiva imanente, e se o autor for uma
primeira passagem personagem num desses cenários, sua perspectiva tam-
,rr.o:irn#it;.a é mais vivida
e mais
exemplo, nâo-filosófic bem será imanente. O status de um autor diante dos
como' Por
propriam ou de ,auiu,"ot'
sua cenários que inventa e totalmente distinto daquele que
alegação
do que n ita de ,À;il' assume como personagem deles. Insisto em que você não
-
do autor adip-i'^:i9'i'
todo ser humano
'' *;;'i,Tff","Jlff:
vincula-se diretamente com
abandone seu sfafus de inventor.
Para alterar a figura de linguagem, o autor de um
.;f:i] ensaio age como Deus. Todas as personagens, em seus
exemplos, são como criaturas. Quando Deus disse: "Faça-
;.,'r.'m*::,r;ç*':,T:..,*::'JXT,:,:*l;;tl1
,, ?nmeira se a luz", fez-se a luz; quando disse: "Que a terra produza
p?rsono Passagem e
aãlriã, ,
p ró p ri o ;i r, ;';ü l.i,i,i5; T;l;, : todo tipo de criatura viva", surgiu todo tipo de criatura
viva. Do mesmo modo, quando o autor diz: "Suponhamos
ao
-
-29-
Autor e Pú lico
Ensaio filosófico
quatro lados
que Smith e Jones tenham seus cerebros trocados", Smith Suponhamos
que haja uma figura l'1i1i: que
t[' 'ío''
t;à;t Suponhamos ainda
t,
e Jones têm seus cérebros trocados. A vontade de Deus cujos ângulos
'át de um ponto
I

não conhece restrições; o que EIe deseja que aconteça cada ponto Ot *u ffittro seja eqüidistanie quadrado
tü;;;'"'*' que existe um
I

l acontece. Ele não pode cometer erros nem ser enganado. em seu interior'
Seria incoerente escrever: redondo' contra-
suposlição e
Deus disse "Faça-se a luz'i Mas Ele não estava bem certo Esse cenário e lalho porque sua
o* fazer uma pedra
de que houvesse luz. Ele julgava haver luz, mas poderia ditória. um Deus
estar enganado.
"";;;t;i;'"'"
prr" ut".-*asmo carregar, e isso não e uma
oesada demais
Tal como Deus, a vontade do autor de construir um ii*i,rçao de seu Poder' rlemos dizer
exemplo nâo conhece empecilhos se o que ele disser for
t";'; analog;ia teoló$ca' co estáo' tal
Prosseguindo
coerente e se não tiver dúvidas acerca daquilo que está oue as personagens
;t';;;;t'olo úosó ("Supo-
suieitas ao erro e
ao engano'
supondo. A posição transcendente do autor é inerente- .orno u, criatrtras' anos'
que Smith'"'qut to'üttt ]:l:nU vintea praça'
mente anticética. Conta-se a história de um garoto da Bu nhamos
i$ual a Jones'cruzando
serie que tinha problemas para aprender álgebra. 0 pro- veia alguem t*^"'ntiit vê Jones' mas o irmão
fessor disse: "Suponhamos que Í seja igual a 2'i 0 aluno Sriponhamos iuà s'iiÚ' ^'"
'ina'
ficou muito ansioso, pois pensou que o professor pudesse ;:Hil;;,l"Uj,:rr,.,'_l*'lli[|.1'â.",Ilifili
estar errado ou pelo menos que ele não tivesse conside- o os f a nto che s
'f,"i:"",§t;-Iff âlH;iÀ nt o' o r" o s sá
rado uma possibilidade: "Professor, suponhamos que ,r
não seja igual a 2'l 0 garoto não se deu conta de que, u"' uÃ'ii'..i'Jlt"il; personagem num
quando alguem supõe que algo seja verdadeiro para fins de si mesmo uma
Jàit p'ptit;' âssume de modo
de argumentação, o que e suposto e verdadeiro no con- de seus exemplos
;t*-t ea
opostas' a de autor
texto da discussão. Para todos os propósitos e intenções, confuso pessonaeit'*tit'rrntnte cri ura)' considere
o autor e onipotente e onisciente (falo apenas de autores de personagt* t"u
;;;t;;;ã;t e a àe
filosóficos; certa ficção contemporânea tenta solapar as a seguinte Passagem:
qualidades aparentemente divinas do autor). Mas essa os cérebros troca-
Suponhamos que
Smith e eu tenhamos
onipotência tem como limite a coerência lógica. Esteja que e eu' Mas eu
e ere
alerta para a idéia de que provou uma dada tese por meio dos. Eu,to'otü'*t'^i*rir'mesmo 111sa sou idêntico ao
penso que pt'il*tço
eu Po:qut
da construção de um cenário logicamente contraditório, momento dado'
como neste fragmento de ensaio: meu coÍPo a qualquer

- 3i -
-30-
Autor e Público
Ensaio filosófico

(Saber se a dualidadt de Personae


E bem dificil compreender esta passagem, dado que ' é uma questáo
substantiva;
fil;stfical Nova York'
a referência a "eu" passa do autor como personagem no
cenário ao alrtor como o criador do cendrio. Contraste o
,";';:;;|o* "à*t"re'
original com a seguinte versão revisada, na qual as refe- *
rências ao autor como personagem são substituÍdas por ''::1""'::J"' H*'i: J'."XlL'
o aluno'
referências a uma personagem puramente criada:
;;;; ; sentido em que
trans-
Suponhamos que Smith e Jones tenham seus cerebros tro- , àár. *unttr uma PersPectiva
e oniscienie e
oniPotente' Como
cados. Jones acredita ser Smith e Smith acredita ser Jones.
Mesmo assim, ao meu ver Jones continua a ser Jones e
lhe pateee- isso
p "rrf
"'ilo
""ttáo
he$eliana?

Smith a ser Smith, visto que a pessoa e idêntica a0 seu ny,


corpo em qualquer momento dado.

Ate essa passagem pode ser melhorada. Há algo de


tendencioso em dizer que "Jones continua a ser Jones e
Smith continua a ser Smith", o que não era evidente na
primeira passagem. A terceira passagem e melhor:
Suponhamos que Smith e Jones tenham seus cérebros tro-
0 c0rp0 que Jones tinha antes da troca de cere-
cados. E
bros acredita ser Smith, e 0 corpo de Smith acredita que
e Jones. Mesmo âssim, ao meu ver, o coryo de Jones
continua a ser Jones e o c0ry0 de Smith continua a ser
Smith, visto que a pessoa é idêntica a0 seu c0rp0 em
qualquer momento dado.

0 importante e que, quanto mais objetiva for a


perspectiva do autor, tanto melhor (lembre-se de que falo
das passagens acima retoricamente, sem julgar a sua
perlinência). Nunca e necessário que o autor represente a
si mesmo em seus exemplos: Smith e Jones, Whiie, Black,
Brown e Green [ou Joã0, Maria etc.] são personasens

)z -
-13 -
-
(\

O Lógica e argumento no texto

f, m sua Poetica, Aristóteles observa que um enredo


-l- dramático bem construido tem de refletir uma ação
que é "íntegra e completa em si mesma, e dotada de
alguma rnagnitude'l E ele define como integro "aquilo
que tem um começo, um meio e um fim". Embora a
tragédia grega e a prosa filosófica possam parecer campos
da atividade literária sobremodo distintos, o conselho de
Aristóteles se aplica à redação de um ensaio filosófico.
Assim como o nÍrcleo de uma obra dramática e o
enredo, o núcleo do ensaio filosófico é o seu argumento.
E, da mesma forma que uma boa peça tem um princípio,

i
um meio e um fim bem demarcados, assim tambem será
um bom ensaio. 0 começo de um ensaio filosófico intro-
duz o argumento; o meio o elabora; e o fim o resume.
Mas o que e um argumento?
Todo falante competente tem alguma ideia do que e
um argumento. E a maioria dos falantes vai se dar conta,
ao refletir, de que argumento e na realidade uma palavra
equívoca, isto é, tem mais de um sentido. Num deles, é
um sinônimo imperfeito de altercação,' noutro, e um si-
nônimo imperfeito de raciocínio. Na teoria, os filósofos

)E
no texto
Lógica e argumento
Ensaio filosófico
L

l
só se empenham neste último, embora na prática eles por
vezes deparem com o primeiro.
0 sentido filosoficamente relevante de argumento
como
recebeu maior atenção dos lógicosr QUe, no curso de ões óbvias' náo tenho
2.500 anos, descobriram muita coisa acerca dos argu-
mentos. Embora este texto não seja lógico, um pouco de Neste
essiva-
Iógica e fundamental para que se compreenda a estru-
capítulo, desejo tornar
essa guintes
tura de um ensaio filosófico. (Para um relato mais com- a partir
pleto do que o aqui oferecido, recomendo a leitura de mànte mais precisa
Mary HaighI, A serpente e a raposa, Edições Loyola, São definiçoes:
Dfl1) Um argumento e umatt'qt quais
seqüência
Paulo, 2002.) '1i":e
'dt'uma
1t e todas as
"designadã to*o a conclusão
""it^pt"posições'
suas pre rissas'
1 O que e um bom argumento? outÍas cãnside*adas que
U* sóIido e um argumento
Dfl2) somente premissas
No nivel mais simples, há dois tipos de argumentos: t "g";t"to
ã qlt" to"tt*
os bons e os ruins. Um bom argumento é aquele que faz
'aial
verdadeiras'
somente se for
o que se supõe que faça. Um mau argumento e o que não -qlt"'é válido se^e premissas' sao
Dfl3) U* u'go';"t"to todas as
faz isso. Um bom argumento mostra a uma pessoa uma "
"ttt"aiio conclusáo seja "*91-l^tl1;^
maneira racional de partir de premissas para chegar a uma ' tta"otà'll' convincelte é um a:gum:1:o
conclusão verdadeira, na medida em que seu assunto o Dfl4) u* *g;;;nto como tal em vr-
permita (alguns assuntos mostram essa maneira mais fácil sóIido ãot-ã
""o"t"ecido estrutura e de
ou certamente do que outros, como, por exemplo, a mate- *ut u"ul'"'t;;oÉ" de sua
mática mais do que a estetica). Como explico aqui, um seu conteúdo'
bom argumento e relativo a uma pessoa. 0 que pode le- contem termos tecni-
Cada uma dessas definições
gitimamente levar uma pessoa a uma conclusão pode p"ti'u1 ler exnlicadas' in-
cos e ideias t"tntiJt' ["
não levar outra pessoa a mesma conclusão, visto que Examinemos primeiramen-
muita coisa depende do sistema de crenças de cada pes- cluindo prop o siçao?"'iliao" Observe que um
atnrriiao d'.e arWmello'
te a Df(1), u pro-
soa. Aquilo que um filósofo ou fisico contemporâneo póruma seqüência de
argumento t t""t"'i'ado
reconhece como um bom argumento costuma não ser
37-
-36-
texto
Ensaio filosófico Lóglca e argumento no

são premissas' A terceira


e
posições. Embora se possa dar à proposiçâo uma formu_ As duas primeiras frases Supóe-se que
lação mais tecnica, basta para os nossos propósitos com_
,..;.i#;, to*o o indica a palavra logo' para a aceita-
preender esse termo como equivalente a .uma frase que força racional
as premissas fo'ntçu*-u'a e
tem valor de verdade", isto é, uma frase qr. . ,.râ._ Eil;r; seiá bom, este argumento
caá da conclusão. em favor de
deira ou falsa. Contrasta-se por vezes proposição com
reroricamente lalho'
i'l'i"!'e*itg'l:l.t:T ftil::^:l'T
perguntas e ordens, que não podem ser verdadeiras nem evidãnte' E raro que três
uma conclusâo tão persuasrvo'
falsas. Costuma-se usar proplsição, declaração e asser_ argumento- racionalmente
oles constituam um
elaboraçáo e enriquecimento'
çâo intercambiavelmente, ainda que os significados X;'. ;;;Jo gtt"t'*'* man-
estudo e recomendável
$lta,n, ;;;;""tç" at-"otto
dessas palavras possam diferir uns dos outros de ma_
neiras relevantes. mais simples po-ssível'
i";;;;,á" no nível em Df(1) é neutra
quanto
Voltando à definição de argumenfo, devemos ob_ A definição a' oigui"to
à questão de saber 'ã
u'n argumento e ou náo falho
Nossa
são ialhos e outros não'
(mau). Alguns argumentos argumentos
de todos os
meta e compreende' ' "t"t"
por meio da concentração
n'qt'ito Ol:i:*ttt"i um bom
então' o que é um ar$umento
argiumento. Entenderemos'
de ele não atender aos
contexto de um ensaio como um todo, a conclusão e a falho ao identificar ãs motivos disse
bom alg:mento' Como
tese. Como as proposições subordinadas contidas no criterios que definem um mas
os caminhos da falsidade'
Parmênides, "Sao inÁnitos
o da verdade e um sô"'
def,rniçào de bom argu-
A fim de mettror precisar a sólido dada
ãefiniçao de argumento
mento, consideremos a
na Df(2):
Essa definição e abstrata. Tornemo_la um pouco
Um argumento sólido e
um argumento que
menos abstrata considerando um argumento extremamente Df(2)
ê q"e contem somente premissas
sucinto: "aii"'t
verdadeiras'
Todos os humanos são mortais. num
claro' há dois aspectos
Como essa definição deixa
Sócrates e humano. t Um argumento

Logo, Sócrates é mortal.


argumento ,Oriao'
"i"iial* i
não e sólido em um de dois
casos:
Ydade'
se e inválido ou se uma

-38- -39-
Ensaio filosófico Ló9ica e argumento no texto

ceitos não serão definidos'


ou mais premissas são falsas. Lo$o, para mostrar que seu
ásicos. APóio-me em nossa
argumento e sólido, você tem de demonstrar que ele e válido
es de verdade e de necessi-
e que suas premissas sáo verdadeiras. Como um ar$umento
e. Isso náo quer dizer que
sólido e definido, em parte, em termos da noção tecnica de
máticas, mas apenas que se
validade, precisamos de uma definição de validade:
tem de paraÍ em algum
ponto'-A convicção' a solidez e a
Dfl3) Um argumento e válido se e somente se for
validade poderiam ter sido
definidas por meio do uso de
necessário que, se todas as premissas sâo
alguns outros termos, o que tornari^- t:Tot que náo a
verdadeiras, a conclusão seja verdadeira. e a necessidade básicos e indefinidos'
;."rd;. deixar alguns termos
Dito numa linguagem mais coloquial, a conclusão Nada há d'e inadmissivel em
inevitável' Com efeito'
de um arsumento válido tem de ser verdadeira sempre inA.nrriOor' Isso ê, na realidade'
de supor que os si$nifica-
que todas as suas premissas forem verdadeiras. A verdade nara dizeralguma coisa, tem-se (Isso pode
das premissas garante a verdade da conclusã0. '*:: ;: ;;t;;;;^i;"';; sej am compreendidos'saber como
que envolva
Na Dfl3), a validade e deflnida em termos de verda- servir de base para urn pu'ádo*o
uma língua se já se
de e de necessidade. Por outro lado, em Df(4), um argu- e possivel que as pt"oà' aprendam
de poder dizer qualquer
mento convincente e parcialmente definido em termos de tem de conhecer palawas ar es
paradoxo não é o nosso
um argumento sólido; e um argumento sólido é parcial- coisa; felizmente' esse possivel por
Em toào empreendimento' acaba-se
aqui.)
mente definido, em Dfl2), em termos de um argumento; nràú*", àlgo tem de ser aceito sem
e este último e parcialmente definido, em Df(l), como chegar a um ponto em que e aque-
que ar$umenta
consistindo em premissas e em uma conclusão. Esse pro- à.n"riçao ou discussáo' Se a pessoa
não puderem concor-
cesso de definiçáo de uma coisa em termos de outra não i;; d.r" é dirigida a argiumentação qual e impossívei ini-
dar nesse ponto, ita uÀit'tido
pode prosseguir infinitamente, assim como não se pode no
explicar a estabilidade da terra dizendo que ela se apóia ciar um arglumento' Como
já observei' nem a uerdade nem
mas um pouco mais sobre a
no dorso de um elefante que se apóia no dorso de outro a necessidade serão definidas'
na seção 2 deste capitulo'
elefante que se apóia no dorso de outro elefante, ad in- validade pode ser dito' t o farei que
válido
finitum. 0 processo de explicação deve parar em algum Um argumento sólido e um aÍgumento
ma; arÉumentos
ponto. (Debaixo de todos os elefantes está uma tartaruga, apresentaP luitos
não sáo reconheciveis
e esse é o fim da história.) sólidos de
incorPorar o asPecto da
Quanto à validade (e, portanto, a solidez e à conüc- como bons
intuitiva de bom ar-
ção), o processo de explicação chega ao fim com a verdade ,ã.ãgnor.iUilidade em nossa noção
41 -
-40-
Ensaio ÍilosóÍico
Lógica e argumento no texto
gumento, temos de introduzir
a ideia de um argumento
conuincent1 tal como foi enunciad, to, dizendo que um bom (isto é, convincente) argumento
n, Ofl+),
envolve três coisas: validade formal (a estrutura), premis-
DfI4) Um argtrmento conüncente
e um argumento sas verdadeiras (conteúdo) e recognoscibilidade. E para
sólido. que é reconhecido alcançá-las que você deve empenhar-se em sua atMdade
como tal em vir_
tude da apresentação de sua de escrever. A falta de qualquer um desses elementos im-
estrutura e de
seu conteúdo. pede seu ar$uniento de ser convincente. Todos esses ele-
Muitos são os motivos pelos mentos sáo individualmente necessários e conjuntamente
quais uma pessoa ra_
cional pode não reconhecer suficientes para produzir um ar§umento convincente. Na
,rn nàr'urgumento. Se a seção 3 deste capitulo, examinaremos a noção de convic-
fbrma lógica desse argume
para que algum ser human çáo com mais detalhes, Por ora, precisamos voltar a um
mente não se dispuser de e tratamento mais completo da noção crucial de validade,
que as premissas são verda o aspecto do argumento que se relaciona com sua estru-
tura ou forma.
e ser convincente, dado que
a
dade não poderá ser satisieita.
os sólidos não são, na
realida_ 2 Ar$umentos válidos
dos e/ou porque não são
;ffi;:'.T,ã11T,::,iJláT#l; Relembremos a deflnição de argumento válido dada
para sustentar
muração de um
mento tem de
ffi:T'; â,lil,rJTi,i",i_
na seção 1:

têm de ,.. ,p,.


sua validade. A Oue-s]_ão, da
,, *:.f;,TÍ: ;âJ".ff H1:
Df(3) Um argumento e válido se e somente se for
necessario que, se todas as premissas são
verdadeiras, a conclusão seja verdadeira.
vincula-se com o conteúdo ,evidên.ir,'po, outro Jado,
ao ,rgrrinfo, envolvendo,
mais uma vez, a nocão de Repetimos que, num argumento válido, premissas ver-
verdade] ôrà, pr.rlssa
vidual tem de ,.r r.id.d.ir, indi_ dadeiras asseguram uma conclusão verdadeira. Um argu-
. ,, .rjae".irs apresentadas mento válido nao pode ter premissas verdadeiras e uma
têm de deixar isso claro.
A noção intuitiva de bom argumento conclusão falsa. A validade pi.r.*u a verdade. A situação
mos no inÍcio deste capÍtulo^evoluiir,
de que parti_ e distinta quando uma ou mais premissas são falsas. Nesses
,jà.ã, para a noção casos, a conclusão pode ser verdadeira ou falsa. Em outras
de argumento convincente. podemo,
,ã*Àt, neste pon_ palavras, há argumentos válidos que exibem:
_42
-43-
(
Ensaío filosófico
Lógica e ãrgumento no texto
.' conc]usâo verdadeira;
r(ílnw; [!lil':'lt
(.i ;il;;;; ffi : ffi,.liÍl í1,,""0.,,, Em cada um desses exemplos de argumento válido,
a conclusão se acha ünculada com as premissas de maneira
razoavelmente direta, mas essa não e uma condição ne-
cessária.
Embora seja contra-intuitivo, há argumentos válidos
em que as premissas e a conclusão não se relacionam de
nenhuma maneira plausível. Há dois tipos de argumento
Ercmplo tle argumento
com premissas uerdorleirãs uálido em que a conclusão não tem nenhuma relação com as
, ,:,onríriío ,erdadeira premissas. Um deles ocorre quando a conclusão é uma
é imparciatidade. tautologio, isto é, uma proposição trivialmente verdadei-
Imparcialidad. eJr:llç, Lrdlrua0e'
aitàiU, r.ecompensas ra, ou melhor, uma proposição verdadeira que é, por sua
o merito "ruPqr-"'rrrrrqJ ur
de acordo
d('or00 com
meritO e penalidades
" """",,r^.lll natureza, não-informativa. Considere a declaração "0u
; ---.-.--.--_ de acordo com
a culpa.
Justiçaédirtrlbri.F Aristóteles é um grande filósofo ou não é'l Como essa
de acordo .orn_o
e nenrtirlq.r." TI*r,
Ê penalidades de acordo com
,..ià proposição e trivialmente verdadeira, não pode haver
a culpa. argumento com premissas verdadeiras e conclusão falsa,
Ercmylo de por mais irrelevantes que sejam essas premissas para a
^^. premissas argumento utilido
com conclusão. Por exemplo, o argumento
falsas e conclusíto
falsa
Justi que os foftes desejam. Ima Hogg foi um grande filantropo.
aq,ito qu. o, ro,t.,
::i"é,i:11,
a.,ãrrl uq;ij il.JJ;:},f,,,, o, ro.t.,. 0u Aristóteles é um grande filósofo ou não
Justiçaerqr@ e.

e válido, ainda que a premissa não tenha nenhuma rela-


Eymplo de argumentu
ualido ção tópica nem evidente com a conclusão. Esse arSumen-
com premissas
falsas i conclusão ierdadeiro to e falho e, portanto, inconvincente, mas ainda assim e
os
forres desejam.
válido. '

*:,:tl"::rlito
Aquilo que .que
os-fortes'de.e'l- . r'"lllls.oeseJam' 0 outro tipo de argumento válido com premissas e
recompensas de conclusão topicamente não relacionadas e o que contem
rdo com a culpa. premissas contraditórias. (Grosso modo, é contraditória a
de acordo am o
,arito proposição que afirma e nega a mesma coisa, como, por
nenetirto.r-. T^p:r.^,
penalidades de acordo com a a
culpa. exemplo, 'Aristóteles e um grande fllósofo e não é um
Srande fllósofo'i) Considere o seguinte argumento:
-44_ \
-45-
Ensaío filosófÍco
Lógaca e argumentó no texto
Aristóteles e um grande
filósofo e não
um grande filósofo.
é
como é o caso de cão, gato, caminha, amarelo, felizmen-
fe, bem como palavras mais emocionalmente carregadas,
Nenhum filósofo comete
eruos. como desarmamentl, déficit, aborto e fraternidade. 0 que
Este argumento é válido
porque satisfaz a definição todas essas palavras têm em comum e o fato de especi-
de validade, embora ficarem ou restringirem algum tópico. Por exemplo, uma
a conclusão ,ao ,a relacione com a
mento contém uma premissa frase que contenha a palavra câo pode ser considerada,
em algum sentido bem geral, como tendo um cão ou cães
como um de seus tópicos. A lógica envolvida com as
propriedades implicativas de palavras específicas quanto
mesmo que não haja uma ao tópico pode receber o nome de lógica material. Dessa
{5s!e Oue as premissas sej maneira, a lógica material está vinculada com a implica-
ditórias, o argumento .
rà ção que existe entre
premissas contraditó_ Este objeto e amarelo
real das premissas e
a
stôes distintas que e
não de_
que desanimado com Este objeto é colorido.
o fato
ssas contraditórias
ser válido.
traditórias não e sólido, As palavras específicas quanto ao tópico são bem
dem ser verdadeiras gerais ou centrais para nosso esquema conceitual, como,
em
tem de ser falsa. por exemplo, bondade, uerdade, justiça, beleza, pessoa,
é válido e dizer que objeto. Elas são os tópicos tradicionais da filosofia, e o
as
. Mas de que depende estudo de sua contribuição às implicações das proposi-
a
a implicação depênde
do ções e em larga medida o assunto da filosofia. Logo, um
mpôem as proposiçôes fllósofo pode preocupar-se com a natureza do conheci-
do
r dois tipos de pálrr.r., mento perguntando se
pico e palavras especificas
quanto ao tópico. r sabe que p
As palavras especllla_s
quanto tópico são aquelas implica
pensadas tipicamente, _ao
em primeiro tugri".oro palavras, .r acredita que p.
_46
-47-
Ensaio filosófico Lógica e arqumento no texto

E ele pode preocupar-se com a natureza cla verdade Se os setes humanos são a$ressivos
e necessário
por natureza'
perguntando se humanos de si mesmos'
um governo forte para proteger 0s seres
"S" e verdadeiro 0s seres humanos são a$ressivos por natureza'

implica É necessário um governo forte para proteger 0s


seres humanos de si mesmos'
"S" corresponde a algum fato.
se refira
Não importa que cada um desses arSumentos
Quando formulam questões ou propõem problemas válidos pela mesma
em termos de saber se uma coisa implica oütrã, os filó_ a um tópico diferente; todos eles são
ruzâo. Dado o sentido de se"' entã0,
lodo argumento 0u
sofos podem estar envolvidos numa perquirição filosófica
bastante tradicional. padrão com essa forma e válido:
Consideremos agora algumas palawas neutras quan_ Se p, entáo q
to ao tópico . Nã0, e, o.u, se... entã0, se e somente se, todos p
e alguns são palavras neutras quanto ao tópico, isto é,
q
elas não restringem o tópico ou o assunto em discussão.
Além disso, elas não são restritivas com respeito a que
onde "p" e "q" representam proposições'
palawas especificas quanto ao tópico podem combinar,
a A forma de ar$umento que estivemos examinando
fim de formar frases. A lógica envolvida com as proprie_
dades implicativas das palavras neutras quanto ao tópico
acimaeumadasmaisintuitivasformasdeargumento
que existe. Chama-se modus pofiens, que, traduzido
sem
é chamada lógica formal. por exemplo, ôada um dos ar_ ponens
O modus
gumentos a seguir e válido pela mesma razã.o: àuito rigor, significa o modo de afirman
o núcleo
e uma das formas de inferência que constituêm
Se Joâo e rico, Maria é feliz. da lógica das propo-
dos sistemas naturais de dedução
João e rico. siçôes. Em linhas $erais, a lógica das
proposições' as

Maria e feliz. váres chamada de calculo proposicional, pode ser deÍi-


nirla como a lógica de alguns usos de não' e' o't't'
se"'
Se fumar provoca câncer do pulmã0, as pessoas de ma-
então e se e somente se. Essas palavras figuram
não devem Íirmar, formas de ar-
neira vital em algumas das mais básicas
Fumar provoca câncer do pulmã0.
gumentação usadas pelas pessoas' Eis a sua apresenta-
As pessoas nâo devem fumar. ção esquemática:

-48- 49-
Ensaio filosófico
Lógica e argumehto no texto

Modus ponens Modus tollens Modus tollens


Modus ponens
Se p, então q pfq
p
Se p, entâo q prq
Nâo q
_1.fu-
p -q
q l\ao p q -p
Silogismo disjuntiuo Silogismo hipotético Disjunctiue syllogism Hypothetical sYllogism
p0uq Se p, então q pvq prq
Não p Se q, então r -p qfr
q Se p, então r q plr
Dilema construtiuo Dilema destrutiuo Constructiue dilemma Destructiue dikmma
Sepentãoqeserentãos Sepeniãoqeserentãos (p:q)&(r:s) (p: q) & (r: s)

p0ur Não q ou não s


pvr NqVNS

q0us Não p ou não r


qVS -pv-r
A lógica inclui tipicamente sÍmbolos especiais para Como essas forinas sáo por sua natureza abstratas,
as mais importantes palavras neutras quanto ao tópico. pode ser útil dar um exemplo de cada uma das formas de
Não há um conjunto de símbolos usado pela maioria dos àrgumentação. Comecemos com o modus ponensi
lógicos. Diferentes Jógicos empregam diferentes símbolos
para as mesmas palavras neutras quanto ao tópico. Eis Se Hobbes é empirista, então Hobbes sustenta que o conhecimen-

alguns exemplos: to obtido pelos lentidos é o fundamento de todo conheçimento'


Hobbes é empirista.
Conectivo proposicional Simbolo Simbolo Simbolo Hobbes sustenta que à conhecimento obticlo pelos sentidos
não ê o fundamento de todo conhecimento.
&
Vejamos agora um exemplo de modus tollens, qtoe
0u
tem alguma similaridade com o modus ponens:
se.., então f -)
Se Hobbes e empirista, então Hobbes sustenta que o conheçimen-
se e somente se
ê to obtido ientidos e o fundamento de todo Ç.o;hecimento'
pelos
Se substituirmos pelos símbolos da primeira coluna Hobbei nâo sustenta que o conhecimento ohtido pelos
seus equivalentes lingüÍsticos, as formas de argumento sentidos e o fundamento de todo conhecimento'
que apresentamos terão a seguinte aparência:
Hobbes não e empirista,

-50- -51 -
Lógica e argumento no texto
Ensaio filosófico

O modus ponens e o modus tollens têm uma clara


relação entre si. Muitas vezes e possível resumir um pro-
blema fllosófico como sendo uma disputa acerca de se
um argumento sólido sobre uma dada questão deve ser
formulado como argumento modus ponens ou como ar-
gumento modus tollens. Pode-se imaginar uma disputa
envolvendo os exemplos de argumentos acima. Uma pes-
soa pode estar usando o argumento modus ponens para
provil que Hobbes enfatiza a importância da observação
na ciência. Seu oponente pode empregar o modus tollens
a fim de provar que Hobbes não é empirista. Há em
flIosofia o seguinte ditado: O modus plnens de uma pes-
soa e o modus tollens de outra. Claro que muitas outras
coisas podem estar envolvidas no debate, alem simples-
mente desses argumentos. Embora os dois arSumentos Se toda açào humana e causalmente
determinada'
sejam obviamente válidos, não e evidente qual deles e então nenhuma açáo humana e
livre'
sólido, se algum deles for sólido, razão pela qual nenhum e livre' então nenhum
Se nenhuma açáo humana
deles e convincente. Na verdade, o exemplo de modus ser humano é resPonsável Por
suâs açoes.
tollens e o argumento sólido, podendo formar o núcleo de
determinada,
um argumento convincente, caso fosse reforçado por Se toda açáo humana e causalmente
por suas ações.
evidências que provassem que o próprio Hobbes enfatizou então nenhum ser humano e responsável
os aspectos dedutivos e aprioristicos da ciência. dite que haja
Embora a regra formal do silogismo
Consideremos agora um exemplo de silogismo exemplo acima' pode-se'
disjuntivo:
,p.rrur-àum pr.,,i-"", como no a fim de
no entanto, reunlruu'io' sik gismos hipoteticos'
0u Hobbes e empirista ou e racionalista. produzir um resultado como:
Hobbes não é empirista, determinado.' então toda açáo
Se todo evento e causalmente
Hobbes e racionalista. humana e causalmente dttérminada'
determinada'
Se toda ação humana ê causalmente
Claro que este argumento e válido. Mas ele e sólido? e livre'
entáo nenhuma açáo humana
Um defeito freqüente dos argumentos na forma de silo-
53-
-52-
no texto
Ensaio filosófico Lógica e argumento

livre- aútnt'.
Se nenhuma açã0 humara é livre, então nenhum humanos têm .t*:^:.:U::t',"TllJIt"U'
*'::'
ser humano é responsável por suas âções. ffi
naqu*u #' *:
Yu' ;. à.' .-írt'
r-*- -
" il"l'li'*i
^i'"seres humanos
;

Se nenhum ser humano é responsável por suas açôes, 0u o determinismo evt idudti'o ou 0s
rrJ-.:^
têm livre arbítrio'
então não faz sentido literal louvar ou culpar os
seres humanos por suas ações, tá0. nt':l':i:^::t,::'l:TT#J"J."*
0u as ações hu*nnu' que Pode
Se todo evento e causalmente determinado, entáo não faz sen- ff ;-ffi ffilTiffi';;ú Y':il^::"*,0
expiicar acerca da
realidade'
tido literal louvar ou culpar os seres humanos por suas açoes.

Quando proposições são ligadas dessa maneira e a Da mesmo maneira


*t1Y:^::::::* H:
to'?..o
-- :H"
mlaus tu,LLttrT:'
;- .:"::-:n*'l;i: cons-
^ *ili,^;;ffi
conclusão é ou contra-intuitiva ou inaceitável de outra ' :il J
forma, o desafio está na determinação de onde e como "ã ail.tnu ;;r". O exemplo de dilema
destrutivo dt, dt
de
. -^-^^*,rroír^ Írrm exemplo
num exempro
t*o'*"tuào
quebrar a cadeia.
Consideremos agora as cluas regras do dilema. 0
:ifffi.1trl':ã:'fr;;'
dilema destrutivo:
dilema construtivo poderia ser pensado como duas ocor-
rências do modus ponens em conjunção: Se o determinismo e verdadeiro':*i: T:::: :lT'lJ:.s;:
;n;;-'"'-'.*,1-:'1:'i.Tll,limitada
rouv31 o1
(p:q) &h:s) ;il-::::T:T1ilffi ^i^:l3';-i,'i;iffi"
pvr il:'tr# 1§
qvs
ffi#' ü: ;.à.^rtqv.'pri'"
;il i-'::T"u*,'i*""t
t"T,'il',1ffi "
açoes nu(lralldr "*" "r"'T :^'" está limitada
uvor ou d
à culpa'- ..1êrai, náo
^,,lâ:IilJl,,ffi. tltptl-
LurP«' ou
"- z
tu' acerca- da realidade'
Do mesmo modo, o dilema destrutivo poderia ser louvor .r^ .^^liÁqrle
considerado duas ocorrências do modus tollens em dis- naquilo que Pode
os seres humanos
junção:
(p:q)&(r:s) ffirdadelôou
não têm livre-arbitrio'
NqVNS ser con-
genuínos de dilemas costumam
-PV-r Exemplos
cluídos com uma
a":"i* aã alternativas desag;radáveis'
no sentido
um dilema
Vejamos agora um exemplo de cada um deles, a
E isso o que ft' d"';;;;* que
com o sentido lógico
começar pelo dilema construtivo: comum d'o termo' t* to""itaste abordados no
Oift'"t voltaráo a ser
Se o determinismo é verdadeiro, entâo as ações humanas são temos discutido' 0s
neutras no que se refere ao iouvor ou à culpa; e se 0s seres capitulo 5.

-55-
-54-
Ensaio filosófico
Lógica e argumento no texto
Agora que temos uma melhor compreensâo
constitui a forma do argumento válido, do que Um argumento pode ser sólido e não ser convincen-
voltemos ao tó_
pico principar deste capíturo, ou te, porque sua solidez não e reconhecida. Um argumento
seja, .qrilo que constitui
um argumento convincente. poderia ser necessariamente assim seja devido ao fato de
exibir uma complexidade que está além da compreensão
humana, seja em decorrência da impossibilidade de reu-
3 Argumentos convincentes nir as evidências necessárias para provar que suas pre-
missas são verdadeiras. Não temos, de fato, grande inte-
Recordemos a definiçâo de
argumento convincente resse por esses argumentos inconvincentes, visto nada
da seção 1: haver neles que permita a intervenção humana. Se os
Dfl4) seres humanos não podem reconhecer a validade e se as
Um argumento conüncente
e um argumento evidências não estão de manefua alguma disponÍveis,
sólido que é reconhecido
como tal em vir_ chegamos ao fim da linha. Mas não se deve confundir
fude da apresentação de sua
estrutura e de esses argumentos com outros.
seu conteúdo.
Há ainda alguns argumentos sólidos que na verdade
é aquele que impele o não são reconhecÍveis como tais seja porque, (l) embora
m virtude da aceitação suas estruturas lógicas não sejam reconhecidas, elas o
que suas premissas
são
poderiam ser caso fossem explicadas 0u porque, (z) em-
bora suas premissas não sejam reconhecidas como verda-
pessoa. Isso fica mais claro
,:Tffi1t::,,TJJIl.,*ã: deiras, elas o poderiam ser se se fornecessem as evidên-
nição da seguinte maneira:
cias disponÍveis. Podemos agir com relação a esses argu-
Um argumento, e convincente pzüa mentos sólidos: o autor pode explicar suas estruturas
quando este público o reconhe..
um público
como tal. lógicas e fornecer as evidências para §as premissas.
0 mesmo argumento pode ser convincente Tudo isso pode ficar mais claro por meio de um
para uma exemplo. Não há dúvida de que e fácil oferecer um argu-
pessoa e não o ser para outra.
Todos os argumentos
vincentes são persuasivos para o público con_ mento sólido para a proposição "Deus existe" (se Ele de
ce, mas nem todos os argumentos
qi. o, reconhe_ fato existe). E não há dúvida de que e fácil oferecer um
persuasivos são con_
vincentes. As pessoas^r_ão argumento sólido para a proposição "Deus não existe" (se
Trilr: ;;.;;;;rradidas por Ele de fato não existe). Assim sendo, um (mas somente
maus argumentos e por raciocÍnios
falaciosos.
um) dos dois argumentos a seguir e sólido:
_56
-57-
Ensaio filosófico
Lógica e argumento no texto
primeiro argumento
explicação da validade do argumento ou a adução de
0u Deus existe ou 25 de dezembro páscoa. evidências em favor da verdade das premissas.
e
25 de dezembro não é páscoa. Como poderia um autor tentar fortalecer um dos ar-
gumentos acima? Embora eu de modo geral tente dar exem-
Deus existe,
plos de como fazer as coisas corretamente, nesse caso vou
Segundo argumento explicar como as coisas podem dar errado. Tambem se
0u Deus nâo existe ou 25 de dezembro páscoa. pode aprender com os próprios erros.
é
25 de dezembro não e páscoa. Como o mesmo tipo de estrategia se aplica aos dois
argumentos, consideremos apenas o primeiro deles. Aquilo
Deus não existe, de que precisa o primeiro argumento é alguma evidência
Ora, deveria ser óbvio que nenhr,tm que estabeleça que a primeira premissa e verdadeira. Que
dcsses argumen_
tos- e convincente, ainda que tipo de evidência cumpriria esse objetivo? A premissa é
um deles seja sólido, 0
problema é que o argumento uma proposiçâo disjuntiva. Logo, e verdadeira se um dos
sólido, seja ele qual for, nâo
está se dando a conhecerl Cada termos da disjunção for verdadeiro. Já sabemos que o
umãs argumentos e
segundo termo e falso. Assim, se a premissa é verdadeira,
ela o tem de ser porque o primeiro termo de sua disjun-
ção o é. Mas esse termo, "Deus existel', e idêntico à
conclusão. Logo, qualquer evidência em favor da verdade
da premissa é eo ipso evidência em favor da verdade da
primeiro argumento e sólido.
Se Deus não existe, a pri_ conclusão. Isso signiflca que a evidência para a premissa
meira premissa do segundo arsumento
é verdadeira jus_ é superflua. Se se tivesse alguma evidênc\ em favor da
tamente em virtude desse fato,
e então o segundo argu_ proposição "Deus existe", poder-se-ia aplicá-la imediata-
mento e sólido. Mas qual deles o
é? mente à conclusão sem se apoiar em nenhuma premissa.
Infelizmente, nada há nesses argumentos
que nos Suponha que alguem quisesse defender ser esse ar-
permita determinar qual deles
é sólido."Não há neres coisa gumento convincente por meio da aflrmação de que a
alguma que nos force racionalmente
u ,..itr. sua primei_ primeira premissa é verdadeira porque "Deus, existe" e
ra premissa. Logo, nenhum deles
e convincente É-i;..f, verdadeira e que "Deus existe" e verdadeira porque
do autor transformar argumentos
sólidos ..;ür;;;; e auto-evidente. Essa defesa não funciona. Ela faz uma
convincentes. Isso requer, tipicamente,
elaboração: ou a petição de principio, quer dizer, o propósito do argumen-

-58- -59-
Ensaio filosófico
Lógica e argumento no texto
toe provar que Deus existe, mas
o defensor deseja supor
que a própda coisa a ser provada A premissa 'A Palavra de Deus é verdadeira" precisa
e auto_evidente.
"Petição de principio; e a ser apoiada numa evidência. Mas usar 'A Bíblia diz isso"
fdácà que consiste em
usar a proposição como conclusão (quer dizer, A Bíblia e verdadeira) como expressão dessa
e, ao mesmo tempo,
como uma premissa ou uma evidência
em favor d;;;.: evidência e fazer uma petição de princípio, porque, nesse
missa. Eis um caso flagrante
de petição ãe principio: contexto, 'A Bíblia diz isso" é outra maneira de dizer 'A
A dívida interna Biblia e verdadeira", que e justo o que se supôe vá ser
e grande demais.
provado. Logo, não podemos usá-la nem como premissa
A divida interna e grande demais. nem como evidência para uma premissa.
ará enganar por esse argumento. 0 que torna um argumento convincente reconhecí-
ma A vel? Sugiro que isso envolve relevância e informatividade.
dalalácia da petição di principio,
ass as falácias, e mais sutit. iror Um argumento convincente contem premissas relevantes
ela vezes
para a conclusão. Assim, nenhum dos argumentos sobre

íl;#rr.,.r,,.,b,r#,','Ii,,il',:::'ff :.:.fJ;:'iLi:
a existência de Deus examinados acima e convincente
porque nem todas as suas premissas são relevantes para
a conclusão. Um argumento convincente deüe conter tam-
Todo homem e mortal.
bém premissas informativas. As vezes as premissas são
Logo, todo homem morre. informativas quando sáo novas no sentido de que o
e fazer_petiçâo_de principio, visto que público não as conhecia ate quê as visse no argumento.
conclusão significam a mesma
a premissa e a Outras vezes elas são informativas de maneira derivada;
coisa.
podem ser informativas se a evidência apresentada em
interessante de pe_ seu favor for nova. Logo, pode não ser informativo o
iblia diz e verdade,
fato de alguem dizer simplesmemte "Eu existo". Sozinha,
e a palavra de Deus
essa asserção parece trivial. Maq,-4uando um filósofo
abemos que a palavra de
Biblia diz isso. como Descartes assinala que a evidência para essa pro-
posição pode ser encontrada mesmo no mais enganoso
pensamento que a pessoa possa ter, a proposição "Eu
A Biblia é a palavra de Deus.
existo" se torna informativa de uma.maneira na qual de
A palavra de Deus é verdadeira.
outra forma não o e. E também e informativa em seu uso
A Bíblia é verdadeira. ulterior, na argumentação contra o ceticismo e em favor
da existência de Deus. Por fim, há ocasiões em que as
_60_
_ 61 _
Lógica e argumento no texto
Ensaio filosófico

4 Consistência e contradiçáo
premissas são informativas não por serem individual-
mente novas, mas por estarem organizadas de uma ma-
neira nova; e 0 reconhecimento de uma nova organiza-
ção de fatos já conhecidos pode ser instrutivo. No Mênon,
de Platão, Sócrates faz um menino escravo deduzir uma
surpreendente variedade de teoremas geometricos a par-
tir de fatos que o menino já conhece. Sócrates atribui o
conhecimento surpreendente do menino a uma reminis-
cência do conhecimento que ele tivera numa existência
anterior a seu nascimento. Uma explicação alternativa e
a de que Sócrates fez o menino reorganizar o conheci-
mento adquirido durante sua existência na terra e, nessa
reorganizaçáo do conhecimento, o menino veio a apren-
der muito mais coisas.
Observe que não forneci, nesta seção, um exemplo
de argumento convincente. Um argumento trivialmente
convincente não seria instrutivo. E, como meu público e
variado, seria difícil elaborar um exemplo não triüal em
poucas páginas. Deixo a descoberta de um argumento
convincente a cada leitor, à guisa de exercicio.
A conclusão do capÍtulo ate agora e a de que a
noção de argumento sólido não capta por inteiro a noção
intuitiva de bom argumento. Precisamos de uma ideia
que leve em conta que a solidez do argumento seja reco-
nhecida, e e isso o que faz a idéia de argumento convin-
cente. Nas três últimas seções, serão explicados vários
,]
outros conceitos lógicos: a consistência e a contradição náo
Como o mostra o exemplo' a consistência
e
na seção 4, os contrários e os contraditórios na seção 5 sejam
ii

e a força da proposição na seção 6. guruniiu de verdade. E possível que proposições i


I

-62-
-63-
Ensaio filosófico Lógica e argumento no texto

consistentes umas com as outras sem ser verdadeiras. 0 parado:ro da Promessa


Ainda assim, e importante que as proposições sejam con- obrigação de
Se promete fazer alguma coisa, a pessoa tem a
sistentes, porque se elas não são consistentes entre si (isto 1

fazê-1o.
e, se são imconsistentes), e impossivel, para todas eias, ser alguma coisa, ela Pode
Se a pessoa tem a obrigaçáo de fazer
verdadeiras. E os filósofos, assim como os não-fiIósofos,
devem correr da falsidade como da praga. fazer essa coisa.
que não Podem
Se um conjunto de proposições e inconsistente, ao Algumas Pessoas às vezes iazem promessas
menos uma delas e falsa. Talvez o conjunto de proposi- cumprir.

ções inconsistentes mais fácil de identificar seja aquele


que contém uma proposição e sua negaçâo.
Turgenev e romancista.
l'urgenev nâo e romancista.

Não e preciso saber coisa alguma sobre Turgenev


para saber que ao menos uma dessas proposições e falsa.
0 fato de ao menos uma proposição de um conjunto
inconsistente ter de ser falsa é uma característica interes-
sante, que os filósofos exploram com freqüência. Eles
muitas vezes tentam formular conjuntos de proposições, tes sào vagas, como
todas elas parecendo verdadeiras, mas inconsistentes. Esses
mente existe'
conjuntos de proposiçôes recebem o nome de paradoms. Empiristas britânicos acreditavam que a
f*pirirtu, britânicos acreditavam que a mente não
existe'
0 paradoto da liberdade e tln causalidarle

1 Todos os eventos são causados,


2 As ações humanas são eventos.
3 Algumas açoes humanas sâo livres, isto e, nâo causadas,

0 paradoro da referência e da eilstência


1 Tudo o que é objeto de referência tem de existir.
2 0 nome "Hamlet" refere-se a Hamlet.
3 Hamlet não existe.

-64- -65-
Ensaio filosófico
Lógica e argumento no texto

expressam apenas pafie de um pensamento. como não


5 Contrários e contraditórios

Na última seção, definiu-se a contradição em rela-


ção consistência. Uma contradição e uma proposição
à
inconsistente, e um conjunto contraditório de proposições
é um conjunto de proposições inconsistentes' A contradi-
ção pode ser deflnida de outras maneiras que não
men-
cionam a inconsistência:
Aristóteles foi um poeta Uma (auto)contradição e uma proposição que não pode ser ver-
e consistente porque lhe é possÍvel ser verdadeira, mesmo dadeira.
que ela seja de fato falsa. E a proposição Um conjunto de contradiçôes e contraditório se não houver uma
maneira de tornar todas as proposiçÔes verdadeiras'
Aristóteles foi um poeta e Aristóteles não foi um poeta
Por exemplo, "Sócrates e mortal e Sócrates não e mortal"
e inconsistente porque e-lhe impossivel ser verdadeira.
e contraditório, e o conjunto de (duas) proposições "Sócrates
é mortal" e "Sócrates náo é mortal" e contraditório'
A fim cle distin$uir contraditórios de contrários, é
conveniente restringir a discussão a pares de proposições:

Duas proposições são contraditórias se uma tiver de ser verda-


deiraeaoutra,falsa.
Duas proposições são contrárias se náo puderem ser verdadeiras
Exercícios ao mesmo tempo.
1. Escolha um dos paradoxos acima e explique por que as pro- Estas duas proposições se contradizem:
poiições nele expressas são inconsistentes.
2. As duas proposiçôes a seguir sào consistentes ou i n consisten- A parede é azr,s,l.1
tes entre si? A parede não e àzul.
Todos os empiristas britânicos acreditam que a mente
e
uma substância. Estas duas proposições são contrárias:
Alguns empiristas britânicos acreditam que a mente e
uma substância. A parede e (completamente) azul.
A parede e (completamente) vermelha.

-66- -67 -
I

Ensaio filosófico __ Lógica e argumento no texto

Embora não possam ser verdadeiras ao mesmo tem_


po, duas proposições contrárias podem ser simultanea-
mente falsas. Se a parede for amarela, as duas proposi-
ções apresentadas acima são falsas,
Deve ser eüdente que podemos estender a ideia das
contradições e dos contrários a predicados ou propriedades:

Duas propriedades são contraditórias se uma tiver de ser verdadeira


de um objeto e a outra tiver de ser falsa desse mesmo objeto.
Duas proprieclades são contrárias se não puderem ser simulta-
neamente verdadeiras de um objeto.

Ser azul/ser não-azul são propriedades contraditórias;


ser azul/ser vermelho são propriedades contrárias.
A distinção entre contrários e contraditórios é impor-
tante, porque é comum se confundirem essas duas catego-
rias. Embora seja improvável que alguém confi.rnda ser
vermelho e ser azul com propriedades contraditórias, pode-
e verdadeiro de um objeto,
se confundir ser rico e ser pobre ou ser generoso/ser ava-
de serjusto e de ser injusto
rento com propriedades contraditórias. Do mesmo modo, e
eus. Por conseguinte, Deus
fácil confundir não ser justo (contraditório de ser justo)
com ser injusto (seu contrário). Um repolho plantado no
jardim pode não ser justo, mas tambem não é injusto.
Alguns filósofos usaram a obseruação de que ser
justo e ser injusto são contrários e não contraditórios a
fim de ajudar a resolver o problema do mal. Eis um
exemplo disso num fragmento de ensaio:

Uma soluç(to para o problema do mal r é subjetivo se e somente se r puder ser julgado Por uma so

0 problema do mal só é insolúvel ate o momento em pessoa e com base em sua experiência imediata.
que se perceba ique justiça e injustiça são termos contrários r e objetivo se e somente se .r não for subjetivo.

n
-uu-
Ensaio filosófico
Lógica e argumento no texto
Assim definidas, a subjetividade e a objetividade
são (i) feliz/infeliz
contraditórias, mas às vezes elas são
definidas indepen_ (j) responsável/irresponsável
dentemente uma da outra, de modo que
mostram ser (k) leqal/ilegal
contrários confundidos com contraditórios.
(l) masculino/feminino
.r e sub.jetivo se e somente se r puder ser julgado (m) mascu lino/nào-masculino
por uma só (n) democrata/republicano
pessoa e com base em sua experiência
imediata. (o) pobre/honesto
r e objetivo se e somente se for publicamente
"r observável.
3 Dadas as definições abaixo, o par subjetividade/objetividade é
Por exemplo, entidades abstratas como contrário ou contraditório?
verdade, jus_
tiça, governo, números (não confundir x e subjetivo se e somente se há apenas uma pessoa
com numerais) e que
algumas entidades fÍsicas como as particulas pode experimentar x.
subatômicas
(de que só são observáveis x e objetivo se e somente se as propriedades de x puderem
os efeitos) ,ao ,ao, nos termos
da definição acima, nem subjetivas nem ser determinadas por mais de uma pessoa.
objetivas (veja
mais no capÍtulo 5, seção 1, ,,Definições,,).

Exercícios 6 A força de uma proposiçâo


I Dado que uma frase atômica é uma
frase em que nenhuma
parte é bem uma frase, pode uma 0s filósofos falam, muitas vezes, da força de uma
frase atômica ter mais de
uma frase contraditória? pode uma tal proposição. Algumas proposições são mais fortes e algu-
frase ter mais de uma
frase contrária? mas são mais fracas do que outras. Essas noções de força
2 categorize os seguintes pares c,mo
contrários, contraditórios
e fraqueza são tecnicas e precisam ser definidas. Embora
0u nem contrários nem contraditórios: não sejam definições difíceis basta que você entenda
(a) a lto/ba ixo a noçâo de impiicação sem- essas definÍções você fica-
(b) alto/não-alto ria surpreso com o que-,os filósofos pensam da força ou
(c) justo/clemente da fraqueza de uma'proposição.
(d) justo/injusto
Uma proposição p e mais forte do que uma pro-
(e) vermelho/alto
posição q se e somente se p implica q e q não
(f) borracha/ferro
(g) clemente/inclemente
implica p.
(h) todo-poderoso/poderoso Por exemplo, 'A maioria dos empiristas britânicos
acredita que a mente e uma substância" e mais forte do
-70_ _ 71 _
Ensaio filosófico Lógica e argumento no texto

que 'Alguns empiristas britânicos acreditam que a mente para ser provada; mas, se não se pode relacioná-las uma
é uma substância'l com a outra em termos de força, não há uma maneim
Uma proposição p e mais fraca do que uma pro- geral de prever que proposição requererá maiores ou
posiçáo q se e somente se p não implica q e q melhores evidências.
implica p. E importante que você saiba a força das proposições
por vários motivos. Você tem de saber qual a força ne-
0bviamente, a proposiçâo ,Alguns empiristas britâ_ cessária a cada uma de suas premissas, a fim de provar
nicos acreditam que a mente e uma substância,' e mais sua tese. As premissas não devem ser mais fortes do que
fraca do que 'A maioria dos empiristas britânicos acredita você precisa que sejam, porque, quanto maior a sua força,
que a mente é uma substância". Duas proposições são tanto maiores as evidências que vão requerer e, tipica-
igualmente fortes se uma implicar a outra e for implicada mente, tanto mais difíceis de provar. Quanto mais fraca
por ela. a proposição, tanto menores as evidências exigidas. Mas
Há muitas proposições que não podenr ser compara_ suas premissas tambem não podem ser demasiado fracas,
das em termos de força, como, por exemplo, ,,platão foi porque, se o forem, não vão implicar sua conclusão; seu
filósofo" e "David Hume foi filósofo'i Nenhuma das pro_ argumento será inválido. Ademais, se tentar provar algo
posições implica a outra. Logo, nenhuma é mais forte ou que seja apresentado como mais forte do que o necessário
mais fraca do que a outra. Alem disso, embora a propo_ e fracassar, você ou seu pÍrblico podem chegar à falsa
sição "Todo fllósofo grego tem uma teoria etica,' poisa inferência de que sua posição e insustentável, ainda que
parecer mais forte do que "E possivel que algum filãsofo
um conjunto mais fraco de proposiçoes pudesse ter sido
suflciente para implicar sua conclusã0.
Em algumas ocasiões, descobrir que algo pode ser
provado por meio de uma proposição mais fraca pode
constituir um grande achado filosófico. Muitos filósofos
tentaram provar a existência de Deus usando como pre-
menos requereria bem mais evidências, visto que faz uma missa "Algo está em moYfmento". John Duns Scotus, no
asserção sobre fodos os fllósofos gregos, ao passo que a flnal do século XIII, deu um brilhante passo ao construir
segunda o faz acerca de algum filósofo. Além disio, a uma prova que usa a proposição mais fraca "E possível
evidência adequada a cada uma delas não seria a mesma. que algo esteja em movimento". Essa proposição e verda-
Se uma proposição e mais forte do que outra, essa pro_ deira desde que a ideia de movimento não contenha uma
posição requer mais evidências ou evidências melhores
contradição. Essa proposição poderia ser verdadeira mes-
_72_
-7i-
Ensaio fílosófico
Lógica e argumento no texto

mo que aquilo que os seres humanos consideram


movi_ acredita que a mente é uma substância. Por outro lado, se
mento fosse uma ilusão e não houvesse no mundo
ne_ o oponente afirma "Alguns empiristas britânicos acredita-
nhum movimento real. Logo, essa proposição tem
menos vam que a mente é uma substância", ele está fazendo uma
pressupostos do que a proposição mais
fórte .Algo está aflrmação relativamente fraca e a verdade da proposição
em movimento'l
"Algum empirista britânico não acreditava que a mente é
Suponha que você deseja escrever a favor do
ceticis_ uma substância" não é suficiente para refutá-la. Você teria,
mo. Para os nossos propósitos, digamos que o
ceticismo em vez disso, de provar a proposição deveras forte "Ne-
é a visão de que nenhum ser humáno sabe
coisa alguma. nhum empirista britânico acreditava que a mente é uma
Então, é importante decidir (como?) qual das
propoãiç0., substância'l Meu conselho é, mais uma vez, que você eüte
a seguir você precisa provar ou para qual delas
você tentar provar isso. Em geral, quanto mais forte uma tese,
precisa fornecer evidências:
tanto mais fraca precisa ser a proposiçáo usada para refu-
1 Toda crença que 0s seres humanos têm é
dúbia. tá-la; e quanto mais fraca uma tese tanto mais forte pre-
2 Toda crença que os seres humanos têm pode cisa ser a proposição usada para refutá-la.
ser dúbia.
3 Toda crença que os seres humanos têm é falsa. Consideradas em termos abstratos, as proposições
4 Toda crença que os seres humanos têm pode
ser falsa.
fortes exigem muitas evidências e as fracas, poucas. Na
prática, a quantidade de evidências necessária depende
_ A proposição 2 e mais fraca que a 1; a 4 e mais
fraca do que a 3. (A 3 é mais fraci do que
das necessidades do público. Você deve fornecer tantas
a 2? A 2 é evidências quanto o seu público necessitar para ser infor-
mais fraca do que a a?) O filósofo fica numa
melhor mado e persuadido. Considere o seguinte argumento em
posição se puder se sair bem provando
a mais fiaca de favor do que é uma proposição bastante forte, isto e, a de
duas proposições.
que nenhuma taxação se justifica:
E tambem importante saber que força tem propo_
a
siçâo de seu oponente. Se ele dii .Todás os Transferências não voluntárias de propriedade sâo viola-
empiristas
britânicos acreditam que a mente e uma substânciá,,,
está çóes de direitos. Um làdrao que rouba uma propriedade
dizendo alguma coisi bem viola os direitos do proprietário. A taxação é uma trans-
lforfe. Isso qr.. At.. que a
posiçâo dele pode ser refutada mediante ó ferência não voluntária de propriedade do indivÍduo para
estabelecimento
uma proposição relativamente fraca: ,Algum empirista o governo. Lo§o, o governo que recorre à taxação não é
-de
britânico não acredita que a mente e uma substância,l melhor do que um ladrã0.
Assim, bastaria a você provar que ao menos
uma pessoa, Embora esse argumento possa ser sólido, ele não seria
David Hume, por exemplo, é um empirista britânico
e não conüncente para a maioria dos públicos, porque ele não

-7 -75-
Ensaio filosófico
Lógica e argumento no texto
leva em conta nenhum dos argumentos relativamente óbüos
Esse fragmento de ensaio tem mais condições de
contra a premissa de que "a taxação é uma transferência
exprimir um argumento convincente do que o primeiro'
não voluntária de propriedade" (em liwos de raciocinio critico
Cláro que isso não fecha a questão acerca de que opiniáo
e de lógica informal, essa ausência de menção a todas as
sobre os impostos está correta. 0 oponente da taxação
consideraçôes relevantes para uma questão e chamada de
pode ter replicas conclusivas a fazer às objeçoes levanta-
faldcia das euidências suprimidas). Considere um Íiagmento àas pelo defensor. 0 que imporla aqui e que um ensaio
de ensaio escrlto como replica à passagem anterior: tipo
só é convincente se levantar justamente esse de

A taxaçâo de modo algum equivale ao roubo, sendo antes objeções e lhes der respostas. AIem disso, a posição do
equivalente ao pagamento por serviços prestados. As pes_ oponente da taxaçáo será, na verdade, fortalecida por
soas dependem do governo para vários serviços .sr.riioi, esse processo, visto que este o obrigará a articular sua
à sua qualidade de vida, não apenas a poiicia e a proteção posição com fundamentos adicionais que não possam ser
contra incêndios, como tambem estradas, leis de trânsito, derrubados objeções já levantadas.
por
Estas mesmas observações se aplicam ao proponente
seruiços públicos, cortes civis e criminais etc. As pessoas
envolvidas em negócios dependem ainda mais rlo governo,
da taxação. EIe tem de explicar por que há oposiçáo à
taxaçáo, responder a essa oposição, explicar como um
c0m0, por exemplo, para contar com leis de patentes e de
importação e expofiaçâo. Na verdade, a0 usar a moeda
oponente Ponder e mais uma vez
refutar os a conjunto sucessivo de
como seu meio de troca, 0 homem de negócios utiliza algo
feito pelo governo, usando, assim, todo o maquinário ão
objeções er mais Profundo, mais
sutil e mais revelador do que o antecedente - se o pro-
governo, toda a sua fe e credito, a fim de ter a garantia
cesso funcionar corretamente' Muitas vezes é desse modo
de que o papel tem o valor que ele supôe que tenha, por
que o progresso em filosofla ocore. Para mais elementos
outro laclo, os impostos são objeto de legislação da parte sobre ésse metodo de raciocÍnio, veja o capítulo 5, seção
de representantes eleitos dos cidadãos, a0 menos em al_ 7, "Raciocínio dialetico". l
I

guns países. Como os representantes têm o direito de agir I

em nome daqueles a quem representam, podem eles votar Exercícios \ l

em favor de impostos que recaem sobre esses mesmos


representados. Estes autorizam os representantes a com_
Consi das proposições contidas'em cada

prometê-los com qedos cursos de açã0. Em suma, a taxa_


conju roposiçôe s e, se alquma o for, a mais
forte do conjunto? (Claro que haverá de-
ção e uma transferência voluntária de propriedade do ci_ sacor esPostas.)
dadão para 0 governo c0m0 pagamento por seruiços pres_
1 (a) Todos os enunciados empírlcos se baseiam na observaçào e
tados por este último. em nada mais.

-76-
-77 -
Ensaio filosófico


(p) Todos os enunciados empíricos se baseiam em alguma ob-
servação real.
(c) Todos os enunciados empÍricos se baseiam em alguma pos-
(d
sÍvel observaçã0. (J A estrutura de um ensaio filosófico
2 Mentir é sempre errado.
(a)
(b) Mentir costuma ser errado.
(c) Mentir é às vezes errado.
(d) Mentir nunca é errado.
3 (a) Matar é errado.
(b) Matar e errado, exceto para proteger a própria vida.
1 Esboço da estrutura de um ensaio filosófico
tcl Matar é errado, exceto para proteger a vida de alguém de
um atacante.
(d) Matar é errado, exceto para proteger a vida de alguem Q ócrates não era amigo daquilo que entendia por retó-
de
um ataque desleal. u) rica. Ainda assim, ele se dispunha a conceder que
"Todo discurso deve ser construÍdo como uma criatura
viva, dotado por assim dizer de seu próprio corpo; náo
lhe podem faltar nem pe nem cabeça; ele tem de dispor
de um meio e de extremidades compostas de modo tal
que sejam compativeis uns com os outros e com a obra
como um todo" (Fedro, 264C). Estendendo o alcance da
l

I
metáfora, assim como as partes do corpo têm diferentes
formas e funções braços, pernas, asas e chifres
-
assim tambem as têm as partes do ensaio. Alem disso,
-,
assim como diferentes animais exibem diferentes anato-
mias, assim tambem se papsa com os ensaios filosóficos:
alguns são mais complexôs e incomuns do que outros.
Todos, contudo, evoluem a partir de uma forma básica.
Neste livro, seráo discutidos a forma mais básica do
ensaio e seus descendentes imediatos na escala da evolu-
ção. Todas essas formas têm cabeça, tronco e cauda. Em
termos prosaicos, todo ensaio deve apresentar três partes:

-78- -79-
Ensaio filosófico
A estrutura de um ensaio filosóflco

como pode ter caráter histórico: "0 metodo da dúüda de


Descartes é equivalente ao ceticismo de Sexto Empirico'i
Aristóteles disse: "Um discurso tem duas partes: você
tem de apresentar sua tese e tem de prová-la'i Embora um
ensaio não seja propriamente um discurso escrito, aquilo
que Aristóteles diz sobre este último pode ser aplicado ao
ensaio. A divisão mais básica de um ensaio é a apresen-
tação da tese e a prova dessa tese. A afirmação da tese
vem antes da prova. Se você começar o ensaio com a
primeira premissa, em vez de começar com a apresenta-
ção de sua tese, o leitor terá grandes dificuldades para
compreender a relevância da premissa. Um dos motivos
disso é que de uma proposição segue-se um número in-
finito de proposições. (E fácil, porem não relevante aqui,
provar isso. Qualquer pessoa que tenha feito um curso de
lógica deverá ser capaz de fazê-lo. Quem não fez esse
curso pode pedir ao professor, em algum dia chuvoso, que
A estrutura de um ensaio filosófico o faça.) Embora virtualmente todas as proposições infini-
Forma simples tas possÍveis tenham uma probabilidade absurdamente
I Apresente a proposiçâo a ser provada. baixa de ser usadas pelo autor, ainda haverá com fre-
I Apresente0 argumento em favor da proposiçã0. qüência um número relativamente grande de proposições
III Demonstre que o argumento é válido. com uma probabilidade relativamente alta de ser escolhi-
IV Demonstre que as premissas são verdadeiras. das; e injusto e irracional que o autor espere que o leitor
V Retome de modo conclusivo o que foi provado. antecipe quais dessas ele poderá usar.
Compare escrever um ensaio com dirigir um veÍculo.
0 segmento I, 'Apresente a proposição a ser provada,,,
Êestino, vai ser-lhe difÍcil
Se o passageiro não souber o
e o começo do ensaio. A proposição . ,.i provada costuma lembrar das ruas por onde passou. Se, por outro lado, o
receber o nome de "frase da tese" ou, de modo
mais sim_ destino for conhecido, toda virada à esquerda e à direita,
ples, tese. A tese tem de ser um enunciado
como .Justiça toda placa ou sinal de trânsito serão registrados com
e atribuir a cada pessoa aquilo que lhe é deüdo,,, assim
relação a esse destino. Como a filosofia pode ser dificil,

-80- - 8l -
Ensaio filosófico A estrutura de um ensaio filosófico

e importante dizer com toda a clareza possível o que você mostrará dúbio com relação a uma ou mais premissas
está tentando provar em seu ensaio. Não deve haver suas. Levantar as objeções que você antecipa que o Ieitor
sulpresas na filosofia, exceto as causadas por um achado poderá fazer ajuda a desanuviar a atmosfera, se você
expresso com clareza brilhante, Não confunda pirotecnia puder responder a essas objeções. Além disso, a resposta
retórica com luz filosófica. a objeções reforça sua defesa e a torna mais imperiosa
Claro que seu principal objetivo, ao escrever um quanto à aceitação pelo leitor.
ensaio fllosófico, é a Verdade pela Verdade (Veritas gratia 0 segmento V e o fim de seu ensaio. Há várias ma-
Veritatis). 0utro propósito pode ser, no entanto, mostrar neiras de terminztr um ensaio. Uma delas e resumir seu
ao seu professor que você conhece o assunto. Antes de ler argumento. Isso sesue a ideia de "diga o que fez'l Como
seu ensaio, o professor não vai supor nem que você co- vem no final de sua cuidadosa explicação, seu resumo
nheça nem que não conheça o assunto; mas, quando ele pode supor muitas coisas. Você pode usar termos tecnicos
'começar a ler, o ônus de provil que você conhece
o livremente e supor que o sentido de todas as suas propo-
assunto e todo seu. Um ensaio sem clareza é evidência de sições e claro. Outra maneira de terminar o ensaio e expli-
um pensamento sem clareza, car que outra(s) implicaçáo(ões) ele tem ou dizer qual e o
0s segmentos II, III e IV constituem o meio do en_ próximo passo em sua pesquisa. Esta última conclusão
saio. Quanto ao segmento II, e boa prática apresentar o não e adequada quando se está apresentando a monogra-
mais cedo possÍvel todas as suas premissas. Isso dá ao fla final de uma disciplina ou curso.
leitor a oportunidade de ver a estrutura geral de seu Outra maneira de terminar o ensaio é explicar por que
argumento. 0 leitor tem a chance de conhecer a aparên- os resultados obtidos são importantes, caso sua importância
cia geral da maneira como você vai proceder para provar não tenha podido ser apreciada por sua apresentação em
sua tese. Então, no segmento III, mostre que seu argu_ algum segmento anterior do ensaio. Tipicamente, e bom
mento e válido, isto e, que as premissas estabelecidas o explicar a importância dos resultados perto do começo do
levaráo de fato à conclusão. Explique de que maneira ensaio, a flm de despertar o interesse do leitor. Mas às vezes
suas premissas implicam sua conclusão. Como um argu- não e possÍvel avaliar essa importância antes de se percor-
mento válido só garante uma conclusão verdadeira se rer todo o argumento ou a relação entre os resultados e a
todas as premissas forem verdadeiras, o próximo passo de importância que têm é implausível sem o arSumento. Nes-
seu ensaio (segmento IV) é provar que suas premissas são ses casos, e tanto justificável como aconselhável explicar a
verdadeiras. Apresente em primeiro lugar as evidências imporlância dos resultados no flnal.
em favor de suas premissas. Essa e a maneira mais direta Descrevi em linhas gerais a estrutura r4aís simples
e patente de defender sua tese. Tipicamente, o público se que um ensaio filosófico pode ter. Tipicamer{te, essa es-

- oz - -83-
Ensaio filosófico A estrutura de um ensaio filosófico

trutura é bem mais complexa. A fim de ajudá-lo a refletir bordinado a I(aX2). Se você fizer isso, o esboço da primeira
sobre essa complexidade, vamos examinar um esboço bem parte de seu ensaio conterá elementos encaixados. (Veja o
mais complicado da estrutura de um ensaio filosófico. bor ilustrativo na página 87.)
Veja as páginas 85 a BB.
0 esboço e, em larga medida, auto-explicativo. Ain- A estrutura de um ensaio
flIosófico
da assim, é necessário dizer outras coisas sobre ele, visto Forma um pouco mais complera
que se trata de uma entidade abstrata e esquemática. Em
I Começo: apresente a proposição a ser provada.
primeiro lugar, nem todo ensaio conterá todos os elemen- (a) 0rientaçáo
tos do esboço. Em segundo, nem todos conterão esses (1) Especifique o tópico geral a ser discutido.
elementos na ordem aqui apresentada. Essa ordem, embo- (2) Relate o que outros filósofos pensaram sobre
ra padrão, não deve ser considerada invariável; seu ma-
o tópico.
terial deve ditar a ordem. Em terceiro lugar, alguns itens (b) Apresente o que vai ser provado; apresente a tese.
do esboço sáo mais ou menos os mesmos, como, por (1) DiEa quem teve a mesma opinião ou um pon-
exemplo, I(aX2) e I(b)(1). Uma das razões disso e que os
to de vista semelhantç.
ensaios de modo geral desenvolvem um passo de cada
(2) Diga quem teve uma opi ião oposta ou um
vez. E muitas vezes retoricamente mais eficaz seguir este
ponto de vista diferente.
procedimento: indicar as bases gerais, apresentar sua
(c) Motivação: explique por que essa tese ou tópico
posição, fornecer bases mais específicas e assim por dian-
e interessante ou imPortante.
te. Outro motivo de o mesmo tópico geral ser listado em
(d)Diga o que você suporá em seu ensaio, sem dis-
mais de um lugar no esboço é, mais uma vez, o fato de
cussã0.
o seu material dever ditar a ordem, o que em alguns casos
significa discutir o tópico num dado lugar e noutros casos, II Apresente o argumento em favor da proposição a ser
provada.
em outro lugar. Por flm, partes desse esboço e mesmo
todo ele
-
podem ser incorporadas como elementos a (a)Explique a força geral do argumento.
-
outras partes do esboço. Por exemplo, no começo do ensaio,
(b)Explique o que as premissas signiflcam.
no curso da explicação daquilo que outros filósofos pen- IllDemonstre que o argumenio e válido.
(a) Explique os termos usados em sentido tecnico ou
saram sobre seu problema, você pode querer introduzir o
arsumento que algum outro fllósofo apresenta em favor que são ambigüos; resolva a ambigüidade'
de sua posição, ou seja, você pode querer introduzir os (b)Explique de que maneira a conclusão segue-se
segmentos II, III e IV do "Esboço" como elemento su- das premissas. i

-84- -85-
Ensaio filosófico A estrutura de um ensaio filosófico

(1)A inferência que leva a conclusões interme- (2) Levante objeções que ninguém tenha levanta-
diárias terá de ser explicada como parte da do e que, quando respondidas, explicitem e

explicação como um todo. tornem mais clara sua tese'


(2) As vezes e possivel explicar as inferências ci- (c) Responda às objeções.
tando regras de um sistema natural de dedu- V Conclusão:
(a) Retome de modo conclusivo o que foi provado'
çã0, como, por exemplo, modus ponens ot
modus tollens. 0 mais comum e que a expli- (b) Indique outros resultados que se podem querer
cação se volte para esclarecer as relações con- obter.
ceituais entre os conceitos expressos nas pre-
missas. I Começo: aPresente a proposiçáo a ser Provada.
(c) Apresente as regras que justificam as inferências (a) Orientação
não aparentes feitas a partir do enunciado inicial (1)Especifique o tópico geral a ser discutido.
do argumento. (z)Relate o que outros filósofos Pensaram sobre
IVDemonstre que as premissas sâo verdadeiras. o tópico.
(a) Forneça as evidências em favor das premissas.
(1) Explique as premissas, bem como o significa- II Apresente o argumento em favor da pro-
do de termos que podem ser entendidos erro- posição a ser Provada.
neamente e, assim, prejudicar a verdade de IllDemonstre que o argumento e válido'
suas premissas. (a) Expiique os termos usados em sen-
(2)Aduza as intuições do público; dê exemplos e tido tecnico ou que são ambÍgüos;
apresente argumentos subsidiários que apóiem resolva a ambigüidade.
a verdade de suas premissas. (b) Apresente as regras que justiflcam as
(b) Levante objeçõés. inferências não aparentes feitas a par-
(1) Apresente objeções que tenham sido efetiva- tir do enunciado inicial do argumento'
mente levantadas à sua posição. IVDemonstre que as premissas são verda-
(i) Apresente as objeções que filósofos histo- deiras. I

ricamente signiflcativos tenham levantado


com relação a seu problema; (b) Apresente o que vai ser provado; apresente a tese'
(ii) Apresente as objeções levantadas por seu (1) Diga quem teve a mesma opiniào ou um pon-
professor e por seus colegas; to de vista semelhante.

-86- -87 -
Ensaio filosófico A estrutura de um ensaio filosófico
(2)Diga quem teve opinião oposta ou um ponto
fornecido sob o texto do ensaio. Para melhores resultados
de vista diferente.
(c) Motivação: explique por que essa tese
no uso dos comentários, dê uma lida rápida em todo o
ou tópico ensaio (ele e bem curto). Depois, volte ao começo dele e
é interessante ou importante.
II leia cada item numerado e a nota a ele correspondente.
Apresente o argltmento em favor da proposição a ser
provada.
III Demonstre que o argumento e válido.
IVDemonstre que as premissas são verdadeiras. [l] A teoria de Hobbes da moralidade squndo a ordem
V Conclusâo
diuina

[2] 0 problema central da filosofia moral de Thomas


2 Anatomia de um Hobbes e responder à seguinte interrogação: "Por que os
ensaio
seres humanos estão obrigados a seguir as leis morais?"
[3] Há duas maneiras essenciais de interpretar a resposta
de Hobbes a essa pergunta. [+] A primeira e a de que os
seres humanos têm de obedecer à lei moral porque Deus

[2] A primeira frase deve fazer a transiçào entre o caráter abstrato


e es(uemático do titulo e o caráter concreto e especifico do ensaio. A
transiçào é bem suave nesse ensaio, üsto que a expressão "filosofia moral
de Thomas Hobbes", na primeira frase, faz eco a duas das palawas con-
tidas no título. 0 item [2] satisfaz I(aXl): Especifique o tópico geral a ser
discutido. (A diferença entre I(a)[1), I(b)(t) e I(bXz) reside apenas na relação
que as frases têm com outras partes do ensaio.) I(a)(l) é um relato da
história do problema que não vincula esta história com a tese do autor;
I[bXl) e I(b)(z) relatam essa história em sua relação com essa ]ese.
[3] Essa frase introduz I(aX2): Relate o que outros f,rlósofos pensa-
ram sobre o tópico.
0 item [3] é, por outro lad,o, proléptico, isto é, ele exprime de
maneira geral algo que precisa ser relatado em detalhes. As fiases prolépticas
assemelham-se a promessas implicitas de falar mais sobre o tópico. Essas
promessas precisam ser cumpridas assim que for possivel. Em nosso caso,
a promessa é cumprida nas frases seguintes: [+] a [z].
[4] Esta frase e a primeira parte da explicação do que foi dito em [3].

-89-
Ensaio filosófico A estrutura de um ensaio filosófico

lhes ordena que obedeçam. [5] Essa interpretação e de obedecer às leis morais porque essas leis são racionais, no
modo geral conhecida como Tese de Taylor-Warrender. sentido de serem dedutíveis pela razão. [7] Podemos de-
[6] A outra interpretação diz que os seres humanos devem nominá-la Tese Secular.
[B] Neste ensaio, apresento uma interpretação que e
[5] Esta ftase dá o nome da interpretação a que se fez referência em uma versão da Tese de Taylor-Warender. [9] Segundo
[+]. Seria apropriado introduzir aqui uma nota com referências ao trabalho essa tese, para Hobbes, uma ação e moral quando Deus
acadêmico rle Taylor, de Warrender e de qualquer outro esfudioso que o
a ordena. [tO] Minha interpretaçã0, porem, incorpora igual-
autorjulgar que fornece fundamentos relevantes ao assunto. Essa nota não
aparece aqui por razões de simplicidade. mente o principal elemento da Tese Secular, visto que
0 item [5] tambem marca o iugar no qual se poderia incluir uma aquilo que Deus ordena e deduzivel pela razão.
discussão do trabalho de Taylor e de Warrender, caso o autor deseje
ampliar o ensaio. Por exemplo, a frase [5] poderia ser facilmente transfor-
[tt] Hobbes afirma com freqüência que as leis morais,
mada em três: por ele identificadas com os ditames da razáo, são leis
I
{ [5] Essa interpretaçào e de modo geral conhecida como Tese de Taylor-
I
[7] Esta frase está coordenada com [5]' EIa completa a discussão
Wanender. [5a] A. E. Taylor apresentou pela primeira vez a tese com de

as seguintes palawas: "Só posso toraar consistentes um com o outro I[a)(2): "Relate o que outros fi]ósofos pensâmm sobre o tópico"'
provado; apre-
os enunciados de Hobbes supondo que ele considerava com toda a [B] Esta frase satisfaz I(b): "Apresente o que vai ser
seriedade aquilo que diz com tanta freqüência: que a '1ei natural' e a sente a tese".
ordem de Deus, devendo, pois, ser obedecida por ser ordem de Deus". [s] Esia frase satisfaz parcialmente I(b)' Ela dá uma explicação
(A. E. Taylor, "The Ethical Doctrine of Hobbes", in lloÚÚes studies, ed. adicionai à tese, repetindo ligeiramente as informações dadas em [0], mas
por Stuarl Brown, 0xford, Basil Blackwell, 1965, p. 49). [sb] Howard a repetiçào e proveitosa se o autor julgar que o público pode não estar
Warrender elaborou mais tarde uma variante da tese nos seguintes famiiiarúaclo iom os estudos sobre Hobbes. A repetição evita que o leitor
termos: "[De acordo com Hobbes], a razão pela qtal deuo cumprir o tenha de voltar para ver o que é a Tese Taylor-Warrender'
meu dever ê que Deus me ordena que o faça" (The Political Philosophy [to] Esta irase continua a satisfazer I[b)' Tal como [s], ela repete
oJ Hobbes,Oxford, Clarendon Press, 1957, p. 213). ligeiramente as informações dadas antes.
"Apresente o
Essas três sentenças [[s], [5a] e [lb]) poderiam ser expandidas em t11] As frases deste segmento satisfazem tanto II - e as
dez ou mais se isso fosse necessário ou desejado, de preferência descre- argumento em favor da ProP
vendo, em vez de citando, suas ideias.
premissas são verdadeiras". 0 suas

A citaçáo ou outras indicaçoes do pensamento de outros estudiosos iremissas nem sequer sáodad (u'
sobre uma questão filosófica oferece bases ao leitor ideal e evidências a
não há necessidade ile incluir itàm

seu professor de que você pesquisou e está bem informado sobre seu
III: "Demonstre que o argumento e válido".
Se se explicitasse o argumento, ele teria a seguinte forma:
tópico. Há muitos outros pontos deste ensaio que podem ser expandidos
de várias maneiras. Veja por exemplo a nota ao segmento [11], Se Flobbes diz que as leis da natureza são ieis divinas, então Hobbes
[6] Esta e a próxima frase completam a discussão de I[aX2). Veja a acrêdita que as leis da natureza sào leis divinas'
estrutura paralela de [+], que começa com "A primeira" e de [6], que Hobbes diz que as leis da natureza são leis divinas'
começa com "A outra interpretaçã0". Esse tipo de estrutura une diferentes
frases e contribui para o que é chamaclo de "coerência" ou "coesão". Hobbes acredita que as leis da natureza são leis divinas'

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Ensaio filosófico A estrutura de um ensaio filosófico

diünas (Leuiathan, editado por C. Macpherson, Penguin mente ser provada por um ar$umento que Hobbes não
Books, 7962, c.31, p. 399). EIe aflrma ainda que "A Palq- poderia deixar de aceitar. As leis morais são leis. Todas as
ura de Deas deve, pois, ser levada igualmente em conside- leis requerem um legislador. Não há outro legislador da lei
raçáo no tocante aos Ditames da razão e da eqüidade" moral alem de Deus. Logo, Deus e o legislador da lei moral.
(Leuiathan, p. 456; ver tambem De Ciue,4.1). A partir das
muitas passagens que podem ser citadas, fica claro que e
genuína a adesão de Hobbes a essa doutrina; ele não a
enunciou casualmente nem o fez com reseryas.
[12] A concepção segundo a qual se deve obedecer às
Ieis morais por serem elas ordenadas por Deus pode igual-

(Alguns filósofos diriam que [tt] nào exprime um argumento, mas so


uma proposiçáo e a evidência pam a sua verdade. Não desejo discutir isso
aqui e peço que ele seja aceito como um argumento para fins de exposiçã0.)
Há uma boa razão para mostrar esse argumento simples aqui, embora
não no próprio ensaio. Alguns estudiosos julgam que o argumento não é
sólido; dependendo da definição de "diz", é a primeira oü a segunda
premissa que é falsa. Por exemplo, Leo Strauss acha que, por razões
politicas, Hobbes escreveu, como muitos outros filósofos, palawas que não
desejava ver tomadas literalmente. Num ensaio curto como este (cerca cle
duas páginas), não há espaço para discutir a interpretação de Strauss e
nem sequer para mencioná-la.
Se o ensaio fosse ampliado pâra uma versào de 10-20 páginas, seria
apropriado introduzir as idéias de Strauss neste ponto. (Para uma discussào
adicional disso, veja capitulo 4, seção 4, "Elaboraçào sucessiva".)
Consideremos agora a maneira como [tl] satisfaz o item IV. Na
primeira frase de [t1], o autor dá como referência Leuiatã, que substancia
propositadamente sua posiçà0. Na frase seguinte, o autor cita de fato as
palavras de Hobbes como eúdência de sua concepção, além de fornecer argumento sólido em seu favor e que a existência de um miihão de argu_
mais uma referência à obra deste. A última frase do parágrafo afirma que mentos ruins em.seu favor não prova que a conclusào seja falsa.
seria possível apresentar mais evidências, mas não as apresenta. 0 autor Se o argumento do item [tZ] fosse explicitado, sua forma seria:
já fundamentou satisfatoriamente a verdade da premissa "Hobbes diz que
as leis da nâtureza sào leis divinas'l Num ensaio mais longo, contudo, mais As leis morais sâo leis.
evidências e alguma discussáo delas teriam de ser oferecidas. Todas as leis precisam de um legislador.
Nâo há legislador cla lei moral alem de Deus.
[12] Este parágrafo desenvolve um segundo ârgumento em favor da
tese do autor. Embora teoricamente um único argumento sólido em favor Deus e o legislador da lei moral.

-92- -93-
Ensaio filosófico A estrutura de um ensaio filosófico

[t:] Uma objeção à minha tese é a de que Hobbes não dMna ao tatar da obediência às leis morais, toda lei tem duas
recorre a Deus ao deduzir as leis morais. [t+] Com respeito partes: há o seu conteúdo, que exprime o que se tem de fazer,
a essa objeção, aflrmo não ser necessário que Hobbes e a sua forma, expressão da autoridade que obriga a fazer
mencione Deus na dedução de leis morais. [15] 0 primeiro o que se tem de fazer. [tl] Por exemplo, a frase "Ordeno que
passo para compreender por que isso é verdade consiste em todos os que tomarem algo em emprestimo devolvam o
distinguir entre a forma e o conteúdo da lei. [te] Para objeto em questão no mesmo estado em que se encontrava
Hobbes, como para todos os teóricos que recorrem à ordem quando do emprestimo" é usada apropriadamente para ex-
primir uma Iei quando enunciada por um soberano. [1s] EIa
é divisÍvel em duas partes. [19] A expressão "ordeno" expri-
[13] Essa frase introduz o item IV(b): "Levante objeçôes". Ela é a
frase do parágrafo que introduz seu tópico, Ela convida à questão "Por que me a fonna da lei ou, como diz Hobbes, "0 estilo de uma
l
Hobbes menciona Deus em sua deduçào da lei moral?", sendo esta respon- Lei é Ordenamos" (Leuiathan, p. 588; ver tambem p. 317).
dida nas frases imediatamente seguintes,
I
Trata-se de uma objeção padrão levantada pelos adversários da Tese [20] 0 resto da frase exprime seu conteúdo.
I
Taylor-Warrender. Assim, enquadra-se mais especificamente em Iv(b)(l)(i). [zt] Embora a forma das leis morais seja imediata-
Num ensaio mais longo, seria apropriado fazer referência a pelo menos o mente clara (eu, Deus, ordeno), seu conteúdo não o é,
mais importante desses oponentes, e ate descrever com alguma extensão sua
objeçã0. Se este ensaio fosse o esboço de um ensaio mais longo, elaborado
pelo autor de acordo com o metodo da "Elaboraçáo sucessiva", esse seria o ao generalizar ("como para todos os teóricos que Íeco[em à ordem divina").
Iugar apropriado para expandi-lo da maneira descrita. Sendo ele breve, 0 resto da frase serve então para caracterizar a diferença entre a forma e
mesmo as referências aos oponentes de Taylor e de Warrender foram omi- o conteúdo da lei. Uma caracterização é sempre geral e abstrata.
tidas. Este segmento exprime de modo não qualiflcado a üsão geral do A frase seguinte tornâ a caracterizaçào mais clara ao ilustrá-la com
autor. Essa visão geral precisa ser elaborada, o que vem nas frases seguintes. um exemplo.
[14] Esta ftase começa a responder à objeção levantada em [t:]. Itz] Esta frase dá um exemplo daquilo que é caracterizado em It0].
Começa, assim, a satisfazer o item IV(c). Eia torna a caracterizaçâo menos abstrata.
[15] Esta frase dá continuidade ao item IV[c). Embora não seja [18] Esta frase começa a explicar o exemplo. Ela e proleptica, rea-
óbvio nem precise ser -, a partir desta frase, que a distinção entre lizando-se nas duas frases seguintes, [19] e [20].
-
forma e conteúdo é muito importante, no momento certo será. É impor- [19] Esta frase explica que parte do exemplo concerne à forma da lei,
tante que o autor não apresse sua exposição. Ele não deve tentar dizer o vinculando-a com as palawas de Hobbes ("como diz Hobbes"). Há uma certa
que há para ser dito em uma ou duas frases; e preciso que ele desvele seu redundância na informação dada em [tg], mas essa repetição se justihca,
pensamento passo a passo, nem de forma apressada nem tardiamente. dado que o autor apresenta um ponto que o público provavelmente não
0 ponto mais importante do ensaio nào deve ser introduzido em conhece e explicá-lo de duas maneiras distintas reduz o ônus do leitor.
resposta a uma objeçáo, dado que uma respostâ ê de modo geral uma parte [20] Esta frase está coordenada com [19], mas Ilg] e bem mais breve
subordinada dele, mas é muitas vezes legitimo introduzir como réplicas do Que ela. Ao que parece, e preciso dizer mais, o que e feito no próximo
pontos dotados de certa importância. Se todas as replicas forem relativa- parágrafo.
mente sem importância, a leitura do ensaio será um tédio. [21] As expressões "a forma das leis morais" e "seu conteúdo", na
It0] Esta frase dá continuidade a IV(c). A.lém disso, embora se inicie primeira frase deste parágrafo, unem este parágrafo ao imediatamente
remetendo a Hohbes ("Para Hobbes"), ela amplia de imediato sua importância precedente. Mais uma vez é criada coesão.

-94- -95-
Ensaio filosófico

porque os seres humanos não têm acesso direto a Deus, sf


visto sü Ele invisível bem como infenso a ser percebido
lJ
de outras maneiras. Não obstante, há certos conhecimen- q
tos que os seres humanos têm a respeito de Deus, como

(J A elaboração
o de ser EIe racional. AIém disso, as leis têm de ser
racionais; e impossÍvel haver uma lei irracional ou con-
traditória. 0ra, como tudo o que e racional e deduzivel
pela razão, o conteúdo da lei moral tambem o é.
[22] Conclui-se, assim, que o conteúdo da Iei moral
e deduzÍvel pela razão, porem não a par:tir de nosso co- ff á vários modos e estágios de elaboração de um en-
nhecimento da natureza de Deus; e a ordem de Deus e o Ilsaio. Pode-se distinguir entre preliminares da reda-
que torna esse conteúdo uma lei e, por conseguinte, de ção, redaçáo do primeiro esboço e redação de esboços
obediência obrigatória. sucessivos. Entre as preliminares da redação estão a es-
l_
colha do tema e o esboço do ensaio. A redação de esbo-
ços sucessivos inclui fazer o segundo e o terceiro esboços
e o aprimoramento do texto. Nem todos esses tópicos
serão discutidos neste capitulo. Você pode encontrar a
discussão de todos eles em livros gerais sobre redação.
Mas há um ponto que desejo enfatizar: a redação deve
ocorrer em estáSios. Não espere produzir um ensaio de
alta qualidade se o redigir de uma só vez, num só esboço.
Há muitos alunos que julgam ter talento para escrever.
EIes estão enganados. Há bem menos gênios do que se
pensa, e mesmo pessoas $eniais em redação reconhecem
a necessidade de se preparar para escrever e de reelabo-
A maior parte deste parágrafo apresenta uma reconstrução da maneira rar. Talvez Thomas Edison tenha razão: "Gênio.e 1 por
como Hobbes vincula o conteúdo de uma lei moral como racional (ou cento inspiração e 99 por cento transpiração'l E grande
deduzível) com a forma de uma lei moral.
demais o número de alunos que náo percebem que escre-
Isso completa a discussào de IV(c).
[22] Este parágrafo satisfaz V: Conclusào. Ele resume o argumento
ver é uma especie de trabalho. Depois de Adão ter pecado,
de todo o ensaio. disse-lhe Deus (Gênesis 3,17):

-96- -97 -
Ensaio filosófico A elaboração

Por teres escutado a voz de tua mulher do a você temas especÍficos a partir dos quais escolher ou
e comido da áruore da qual eu te havia prescrito nã0 comer, permiticlo que você decida sobre qual vai discorrer a partir
o solo será maldito por sua causâ. de algum tema geral. Como esta última possibilidade e a
E com fadiga que te alimentarás dele mais problemática, vou supor que você se encontra nessa
todos os dias de tua vida. situação. Alguns temas Serais são:
E com fadiga escreverás teus ensaios
todas as noites de tua vida, o problema dos universais;
a natureza do livre-arbítrio;
E trágico que algum escriba, cosmicamente deprimi- o problema do determinismo;
do por seu destino, tenha omitido os dois últimos versi- a relação mente/corPo;
culós em algum estágio da transmissão da Biblia, como
a teoria platônica do Bem;
e de conhecimento $eral. o argumento ontológico de Anselmo;
Falei com alguma extensão e alguma rudeza dos
o significado do cogito, ergl sum de Descafies.
estágios de elaboração do ensaio porque deixar de lado
esses estágios e o erro individual mais comum da redação E quase impossÍvel escrever um ensaio se o seu tema
escolar: e demasiado freqüente que os alunos não consi- não for mais especÍfico do que esses. 0bserue que esses
gam preparar-se adequadamente antes de fazer o primei-
ro esboço e nem façam uma revisão do texto.
Quanto à maioria dos estágios de elaboração, não é
preciso acrescentar aqui coisa alguma, visto que a maio-
ria dos estágios de elaboração de ensaios filosóficos é e a crença na inexistência dos universais. 0s temas de
igual aos de outras disciplinas, mas há algumas tecnicas ensaio devem ser neutros. 0 autor.do ensaio deve com-
de elaboração com as quais os alunos parecem ter proble- prometer-se com alguma posição, que pode ser verdadeira
mas especiais quando tentam escrever ensaios filosóflcos,
ou falsa. Claro que o autor sempre tenta provar a tese que
bem como algumas tecnicas que desenvolvi e que não são julga verdadeira, mas, seja verdadeira ou falsa, essa tese
discutidas em outros livros. Restringirei minhas observa-
tem de ter um valor de verdade. Para ter certeza de que
çoes a esses tóPicos. seu tema cle fato exprime alguma tese, formule-o como
uma frase declarativa:
1 Como escolher um tema de ensaio Náo há universais.
Nenhum ser humano tem livre-arbítrio'
A primeira coisa a fazer antes de escrever o primeiro 0 determinismo está cefto.
esboço e escolher um tema. Seu professor pode ter sugeri- A mente e o corpo são idênticos.

-98- -99-
Ensaio filosófico A elaboraçao

Para os nossos propósitos, pouco importa se você o ensaio a ser escrito. Sim,, escrito' Se vale a pena fazer
argumenta em favor da existência dos universais ou con- alguma coisa, isso por certo o vale. Não e preciso dizer
tra ela. 0 que interessa é que você se compromete com que escrever um bom ensaio e ainda melhor do'que
alguma posiçáo, porque e a partir desse compromisso que escrever um ensaio ruim. A melhor tecnica depende do'
seu ensaio se desenvolverá. autor e das circunstâncias em que ele escreve' 0s alu-
0s tópicos acima indicados podem ser apropriados nos escrevem, de modo gieral, por encomenda: "Sua
para ensaios em ciasses introdutórias de filosofla. Em tarefa para seguncla-feira é escrever um ensaio de mil
classes avançadas, seriam demasiado amplos. Quanto mais palavras sobre A influência do misticismo indiano na
avançado o estudo de algum tópico, tanto mais restritos doutrina da descida da alma de Plotino"'. Esse e prova-
são os temas. Um dos motivos disso e que, em classes
velmente um tópico sobre o qual você não iria querer
introdutórias, os alunos sabem menos sobre os tópicos e
escrever no curso normal dos eventos. Com relação a
têm menos a dizer sobre eles, o que torna necessário
alguns tópicos, seu pensamento pode ser suficientemen-
serem mais amplos esses tópicos. Em cursos avançados,
os alunos sabem mais e têm mais a dizer sobre os tópicos, te bem ordenado para lhe permitir esboçar imediata-
o que permite que estes sejam mais particularizados. As mente suas ideias.
pessoas que se queixam de que a filosofia proflssional é Quanto a outros temas, você pode apenas saber que
demasiado restrita não percebem ser esse um sinal de quer defender uma certa posição e precisa elaborar isso
progresso da fllosofla. Quantas delas se queixariam da ao longo de sucessivos esboços' Com outros temas, ainda,
estreiteza da maioria dos projetos cientificos de pesquisa? talvez no começo você stó tenha alguns pensamentos
dispersos que precisam ser lçgistrados por escrito sem ser
censurados por suas faculdades críticas'
2 Tecnicas de elaboração Essas técnicas não sáo mutuamente exclusivas' Po-
dem-se usar duas delas e ate as três na elaboração de
Há algumas técnicas que você pode empregar para um ensaio. Da mesmâ forma, duas delas ou as três
começar o processo de esboçar seu ensaio: podem ser usadas em certos segmentos do ensaio, mas
Esboço de suas idéias (seção 3) não em outros. Quando se usam várias tecnicas, não
Elaboração sucessiva (seção 4) importa a ordem em que elas são usadas. Alem disso,
Anotação de conceitos (seção 5) pode-se usar uma dada tecnica mais de uma vez: você
pode usar uma tecnica, empregar em seguida outra e
Nenhuma destas tecnicas é inerentemente melhor
do que qualquer outra. A melhor tecnica é a que leva depois voltar à Primeira.

-100-
01 -
Ensaio filosófico A elaboração

3 Esboço uma estrutura inteligível. Se descobrir que não pode


fazê-lo, alguma coisa está errada com sLIa estrutura e
0 esboço serve ao mesmo propósito do "Esboço da você deve corrigi-la.
estrutura de um ensaio filosóflco", do capítulo 3. Esta tec-
nica torna mais claro o conteúdo de seu ensaio, ao tomar
mais clara sua estrutura. No curso desses esforços inÍciais 4 Elaboraçâo sucessiva
de elaboração, o esboço pode ser úiil tanto para você saber
o que quer falar quanto para saber, como deve dizer. Uma tecnica que rneus alunos consideram muito útil
Quando eu fazia graduação, o ponto culminante de para melhorar sua redação é o que denomino "elaboração
"História da Literatura Inglesa: de Beowulf a The Waste sucessiva". Com essa técnica, você começa declarando
Land" ltm curso de um ano inteiro obrigatório para todos numa frase a tese ou ponto principal de seu ensaio. Ao
os alunos do segundo ano, inclusive alunos de engenha- tentar formular essa frase, você não deve se preocupar
ria e de administração) era a apresentação de um relatório com aquilo de que seu público poderá precisar como
de pesquisa com 6 mil a 7 mil palavras. Era necessário informação de base nem deve ser tÍmido no uso de ter-
apresentar, alem do próprio relatório, todas as anotaçôes mos tecnicos. A informação de base e a explicação dos
acumuladas no processo de pesquisa, todos os esboços termos tecnicos serão dadas nas versôes subseqüentes.
preliminares e um esboço do ensaio com evidências com- Por exemplo, você pode saberlue deseja que seu ensaio
probatórias. (Havia histórias de alunos mais ambiciosos, prove o seguinte:
que apresentavam esse material em caixas $randes, embora
Algumas ações humanas são livres.
eu nunca tenha visto isso.)
Esperava-se que o esboço fosse escrito antes da Seu próximo passo é desenvolver essa frase, talvez
redação do ensaio. Eu trapaceei. Como não tinha habi- oferecendo as premissas que, segundo seu ponto de vista,
Iidade para escrever esboços, escrevi o meu depois de a provam:
pronto o ensaio. Justifiquei essa violação com o argu-
Algumas açôes humanas sào livres, visto que 0s seres
mento segundanista ou seria platônico?
podia saber como seria- o esboço depois de-terdeescrito
que só
o
humanos são considerados responsáveis por algumas açôes
e porque as pessoas só podem ser consideradas responsá-
texto. Apesar disso, escrever o esboço depois do ensaio
não e má ideia se for um meio de verificar sua coerência veis por açôes livres.
e inteligibilidade. Se puder escrever um esboço plausÍvel Agora e preciso elaborar esse fragmento de ensaio, o
a partir de seu texto, você terá a certeza de que ele tem que se pode fazer de várias maneiras sugeridas pelo pró-

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Ensaio filosófico A elaboração
-
prio ensaio. 0 que é uma ação? 0 que significa uma ação Uma das mais importantes questôes enfrentadas pelos se-
livre? 0 que é responsabilidade? Nem todas essas pergun- res humanos é igualmente uma das intenogações centrais
tas precisam ser respondidas na próxima elaboração: da fliosofia. Ela refere-se à liberdade e à responsabilidade.
Neste trabalho, alegarei que algumas ações humanas são
Algumas açoes humanas sâo livres, visto que os seres
livres, visto que os seres humanos são considerados res-
humanos são considerados responsáveis por algumas ações
ponsáveis por algumas ações e porque as pessoas só po-
e porque as pessoas só podem ser consideradas responsá-
dem ser consideradas responsáveis por ações Iivres.
veis por açôes livres.
Para compreender esse argumento, e preciso explicar ou
Para compreender esse argumento, é preciso explicar ou
definir vários termos. Refiro-me a "açâo liwe" como uma
definir vários termos. Refiro-me à ação livre como uma
açáo que não seja causada por nenhum outro evento além
ação que não seja causada por nenhum outro evento além
de por um ato de vontade. "Ser lesponsável por uma açáo"
de por um ato de vontade. Ser responsável por uma ação
implica levar em conta uma ação pela qual a pessoa possa
implica levar em conta uma açâo pela qual a pessoa possa
ser louvada ou criticada. E "açãq" é, a meu ver, toda
ser louvada ou criticada. E ação é, a meu ver, toda mudan-
mudança num corpo 0u numa mtíÍe crusada por um
ça no corpo ou na mente.
movimento interior a esse corpo ou a essa mente.
Essa elaboração sugere outras interrogações e ques- 0 principal obstáculo à idéia de que algumas ações
tões: por que a questão do livre-arbitrio e importante? humanas são livres é a crença na causaçáo universal, isto
Por que alguns filósofos julgam que nenhuma ação e é, a concepção segundo a qual todo evento e causado por
livre? A elaboração desses fragmentos de ensaio e feita algum outro evento.
por meio da tentativa de dar uma resposta a essas per-
guntas por inteiro ou em parte. Observe que o ensaio, tal Neste exemplo de elaboração sucessiva, adicionei
como foi elaborado ate agora, começa abruptamente. Tanto texto ao começo e ao fim do fragmento de ensaio. E
a questão "Por que a questão do livre-arbitrio e impor- muitas vezes necessário inserir frases entre as frases exis-
tante?" como a noção de responsabilidade presente no tentes, tendo-se de modiflcar estas últimas a fim de aco-
argumento central sugerem uma introdução apropriada. modar o novo texto.
Embora os alunos julguem que a introdução e a primeira As grandes vantagens desse metodo de elaboração
coisa que se escreve e a conclusão, a última, parece-me de um ensaio são a ordem e o controle. 0 metodo é
que na maioria das vezes o oposto é verdadeiro. Você não ordenado porque cada acréscimo se justiflca e é convida-
pode introduzir o leitor com relação ao ponto em que do por alguma parte especifica do texto, e e controlado
deseja levá-lo sem ter uma clara idéia de onde quer che- porque, a cada estágio da elaboração, o autor sabe o que
gar. Leia, agora, esta elaboração: ditou a presença do texto adicionado; a cada estágio, ele

-104- -105-
- Ensaio tilosótico A elaboração

sabe o que está antes e que é, por isso, mais essencial do E plausivel que 0s unicórnios existam. Por tais e tais ra-
que outras partes. zões. Contudo, esse ar$umento nào e convincente' Por
Um aluno poderia rejeitar o processo de elaboração essas e aquelas razoes.

sucessiva com base no argumento de que ele o compro- 0 que o autor descobre muitas vezes' ao fazer um
mete em demasia num estáSio sobremodo inicial de seu esboço, não é somente que sua tese estava errada, mas
texto. EIe poderia protestar: "E se eu cometer um erro? E tambem que ela era simplista e precisava de alguma
se a proposição que eiaborei como tese principal estiver qualiflcação ou de outra restrição que a tornasse verda-
errada? E se eu formular maus argumentos em favor de deira. Por exemplo, em seu desejo de refutar o determi-
minha tese errada? E como posso saber se minha tese está nismo, um aluno poderia lbrmular, de inicio, uma tese
errada e se meus argumentos são ruins, a não ser que demasiado forte como "Todas as ações humanas são li-
comece com bons argumentos?" vres"; entáo, pensando que respirar e digerir são ações
Minha resposta é que, mesmo que 0 autor comece a humanas, poderia enfraquecer a tese para "Algumas ações
esboçar um ensaio com uma tese que ele mais tarde des- humanas sào livres". --J
cubra ser falsa, e mesmo que elabore em seu favor argu-
mentos que ele mais tarde considere espúrios, ele pouco ou Exercícios
nada terá perdido, porque, ao descobrir que uma tese e
Apresente em no máximo 35 palavras o ponto principal de um
falsa, o autor terá descoberto indiretamente a verdade: a
artigo ou capítulo indicado para leitura por seu professor.
negação de sua tese original Além disso, ele terá identifl-
Apresente em 60-85 palavras o ponto principal de um artigo
cado alguns arSumentos que podem levar ou levaram ou- ou capítulo indicado para leitura por seu professor.
tras pessoas a crer na tese falsa, isto é, os próprios argu- Apresente em 140-165 palavras o ponto principal de um ar-
mentos que o autor concebeu em favor de sua tese original. tigo ou capítulo indicado para leitura por seu professor'
Essas náo são descobertas estereis porque, no míni- Este exercício tem três Partes:
mo, o autor pode reformular com grande facilidade o (a) Apresente em no máximo 35 palavras o ponto principal
ensaio que pretendia escrever inicialmente. Suponha que de um artigo ou capitulo indicado para leitura por seu
o autor tivesse originalmente a intenção de apresentar p rofessor.
como tese principal "0s unicórnios existem'i Suponha que (b) Reapresente o ponto prlncipal do artigo ou capítulo descri-
to em (a) usando 60-85 palavras. Esse curto ensaio tem de
seus argumentos básicos fossem tais e tais razões. Mas
incorporar quase literalmente as frases escritas em resp0s-
então ele descobre que seu raciocÍnio estava errado por
ta a (a); só são permitidas mudanças estilísticas menores,
essas e aquelas razões. Nesse caso, ele reformularia o
c0m0 pontuação e inserção e omissão de expressões de
ensaio da seguinte maneira:

-106- -107-
Ensaio filosófico A elaboraçao

ligação entre frases. 0 mesmo ocorre com a interpolação nadatemadizercontacomoumlegitimopensamentoa


de novas frases entre as de (a). ,a, .*pra.ro. Uma vez que seja escrita a frase
(d) Reapresente o ponto principal do artigo ou capítulo descri- problema dos universais'
Nada tenho a dizer a respeito do
to em (b) usando entre 140 e 165 palavras. Aplicam-se a
esse ensaio as mesmas restrições especificadas em (b). outra se sugere:
Eu nem sequer sei o que são universais'
5 Anotação de conceitos outras:
supo-
0 professor Rebus argumentou da seguinte.maneira:
As duas tecnicas discutidas, o esboço e a elaboração branco e
sucessiva, supõem que o autor tenha um bom domínio da ntra que um pedaço de papel chamado {.seja
EIes têm' nesse
estrutura e da direção do ensaio antes de começar a es- outro chamado B tambem seja branco'
caso, alguma coisa em comum, a
braneuta e esta não-e
crever. Mas na maioria das ocasiões não e esse o caso. B' Coisas como essa sao
Uma boa maneira de descobrir a direção e a estrutura é idêntici nem em A nem em
universais.
aquilo que denomino anotação de conceitos. Trata-se de
A anotaçáo de conceitos objetiva seu fluxo
uma especie de escrita sem censura semelhante àquilo filosófi-
assustador
que os teóricos da escrita chamam de escrita livre e ou- co de consciência, que permanece misterioso'
tros chamam de tempestade cerebral.
A anotação de conceitos atende a dois propósitos.
Em primeiro lugar, ela impede o bloqueio do escritor,
quase sempre decorrente do medo de nada ter a dizer ou
de que acluilo que se diz está errado. 0s estudantes às
vezes transformam essas causas do fato de não escreve- boço,,nem e essa a sua meta'
rem em justiflcativa desse fato. Isso é uma infelicidade. A começar a escre-
E muito comum que, quando deseja
anotação de conceitos previne o bloqueio do escritor por
ser um processo no qual nada do que é escrito e consi-
derado errado. Na realidade, tudo quanto se escreve con-
tribui de alguma maneira para o produto final, seja ele
qual for, ainda que aquilo que for escrito seja descartado.
Alem disso, até mesmo o pensamento de que o autor

-108- -109-
Ensaio filosófico A elaboração

e escrever os pdmeir0s pensamentos que the ocorrerem um comando "quebra de página/nova página"' Completa-
sobre o tópico. Eles não têm de ser precisos nem comple- da a etapa de anotação de conceitos, e fácil reor$anizar
tos. Você pode ter na mente só uma palavra ou frase sobre as fichas ou páginas de uma maneira mais lógica. Ideias
a qual gostaria de refletir e mais tarde desenvolver. Tam- registradas em epocas relativamente distantes podem ser
bem não e necessário que esse pensamento siga uma or- facilmente reunidas quando estão em fichas ou páginas
dem particular. Nesse estágio, o importante e conseguir separadas.
extrair da cabeça pensamentos meio formados e registrá-
los no papel, para que eles possam ser observados obje-
tivamente. E melhor reSistrar por escrito os pensamentos 6 Pesquisa e elaboraçáo
que você tem, por mais primitivos e incoerentes que eles
sejam, do que esperar que eles se formem. Haverá bastante Muitos ensaios requerem alguma especie de pesqui-
tempo, mais tarde, para perccber que rumo eles tomam e sa, alguma investigação da literatura secundária, isto é,
como podem promover o seu argumento. Você poderá daquilo que outras pessoas escreVeram sobre o que você
descobrir clue deseja afirmar justo o oposto daquilo que deseja discorrer. A tentação consiste em fazer a pesquisa
escreveu de início. Isso não constitui um problema, porque antes de iniciar a própria escrita, e podem ter-lhe ensina-
esses pensamentos iniciais apresentam ou alguma coisa do ser esse o procedimento recomendado. Eu não reco-
contra a qual argumentar ou a base da demonstração e da mendo isso, na maioria dos casos.
eliminação de confusões que outras pessoas possam ter Fazer pesquisa o impede de escrever, e começar a
partilhado com você. Mesmo que você decida deixar de escrever e em geral a coisa mais dificil; retardar o início
lado esses primeiros pensamentos, pouco ou nada se per- da tarefa parece ser o que mais atrai as pessoas' Alem
deu. Você poderia não conseguir escrever seu brilhante disso, a pesquisa pode inibir sua redação. Se encher a
ensaio se não tivesse atravessado o terreno pavimentado cabeça ou as fichas com coisas que os outros dizem, você
por seus pensamentos inicialmente obscuros. pode descobrir que parece não haver espaço para vo-
Como um dos principais propósitos deste exercicio e iê p.ntrt n0 que quer dizer' Dito de maneira simples,
objetivar seus pensamentos, de modo que eles possam ser primeiro registre por escrito o que você pensa a respeito
estudados, elaborados e reorganizados, e muitas vezes útil do tópico; escreva o máximo que puder sem se apoiar
usar pedaços relativamente pequenos de papel e registrar naquilo que outras pessoas pensaram. Esse procedimento
em cada um deles apenas um pensamento. Você pode vai obrigar você a pensar no assunto.
usar Íichas ou folhas de papel de 7,5 x 12,5 ou de 12,5 Quando tiver esgotado seus penspmentos, inicie sua
x 17,5 centimetros. Se usar um processador de textos, use pesquisa:

-110- - 111 -
Ensaio filosófico A elaboraçâo

Se alguma coisa que você escreveu tiver sido escrita antes, ponto, leia alguns livros relevantes para o seu tópico ou dê
faça uma nota de rodape. uma olhada neles. Algum elemento desses liwos poderá
Se alguma coisa que você escreveu tiver sido mais bem estimular seu pensamento a redação'

escrita, cite-a e faça uma nota de rodape. E bem provável que você esPecie de

Se alguma coisa que você escreveu tiver sido escrita com nota dê rodape para dar o ajudou,
mais detalhes, adapte essa versâo a seu ensaio e faça caso você extraia dele algum elemento substantivo'
uma nota de rodapé,
Se alguem tiver dito o que você disse e estiver en$anado,
use essa concepção c0m0 uma objeçâo à sua, faça uma 7 APerfeiçoamento
nota de rodape e refute-a.
Em algum ponto do processo, seu ensaQterá uma
Em suma, não adie. Escreva primeiro e cite depois. introduçáo, um meio totalmente trabalhado e uma con-
Há mais uma possibilidade a considerar de interfe- clusáo. Antes de elaborar sua versão final, você vai pre-
rência da pesquisa naquilo que você escreve. Se alguem cisar aperfeiçoá-lo. Há lombadas estilísticas a aplainar e
escreveu o contrário do que você escreveu e tiver razão,
falhas gramaticais a corri$ir antes de o escrito tornar-se
use isso a seu favor. Por exemplo, suponha que você es-
apresentável. Quanto à gramática, eu diria que recomen-
creveu "isso e aquilo" e que algum erudito, por exemplo, dà enfaticamente o aperfeiçoamento' (Há muitos livros
o Professor Sabedoria, mostrou ser isso falso, Seu esboço que você pode consultar para obter uma ajuda com rela-
pode ser adaptado para enquadrar-se nesse esquema: aos ajustes estilisticos'
çao à gramática.) No que se refere
Poder-se-ia pensar isso e aquiio. Mas, como o demonstrou .É *.*,ot reservá-los para o esboço flnal' Embora nada
o Professor Sabedoria, isso e aquilo estão errados porque...

Como você formulou "isso e aquilo", eles provavel-


mente tinham alguma plausibilidade inicial ou ao menos
não são intencionalmente falsos argumentos. Tire provei-
fazer para melhorar seu ensaio'
to de seus próprios erros.
Se suq redação estagnar, impedindo-o de fazer qual- 1 Tente encontrar um verho ativo e vigoroso para substituir
quer progresso, a pesquisa pode, em algumas ocasiões, uma em aiguma forma de "ser/estar"
fazer com que você volte a escrever. Quando se vir sem conj especialmente se este for abstra-

ideias ou não soubêi como avançar a partir de um dado to: ' ." -+ "Argumentarei'"

\' - 1i3 -
- 1r'z -
Ensaio filosófico A elaboração

Transforme construções passivas em ativas: 'A existência dos Esses são apenas alguns exemplos do tipo de melho-
universais foi provada por Platão." -+ "Platão provou a exis- ria estilistica que você pode fazer num penúltimo esboço.
tência dos universais." Diferentes pessoas estão sujeitas a diferentes deslizes es-
Transforme frases nominais com substantivos abstratos em tilísticos. Quando um amigo ou professor indicar frases e
frases verbais: 'A reconstntção do argumento de Kant e di- construções infelizes suas, tente perceber se esse tipo de
fÍcil." --> "Reconstruir 0 argumento de Kant é difícil." infelicidade ocorre regularmente em sua prosa. Se ocorrer,
Use frases com a forma do particípio para subordinar um esteja atento para eliminá-las. Diferentes pessoas prefe-
pensamento expresso numa frase principal: "Aristóteles ten- rem dilerentes tecnicas para eliminar deslizes est|ísticos.
Essas tecnicas determinam ate certo ponto o eStilo da
tou conceber uma teoria mais naturalista dos universais. EIe
pessoa.
chegou à sua teoria dos universais imanentes." -+ 'Ao tentar
conceber uma teoria mais naturalista dos universais, Aristó-
teles chegou à sua teoria dos universais imanentes,"
Evite qualificaçoes desnecessárias ou nào informativas. 'A
I A evoluçào de um ensaio
posição de Platáo náo e de fato contraditória." --> "A posiçáo
Apresentam-se a seguir três versões de um ensaio
de Platáo não e contraditória."
curto. Como neste livro estive enfatizando a argumenta-
Reduza frases complexas: "Russel faz uso dessa construçâ0"
ção, decidi transformar os exemplos a seguir em versões
-+ "Russel usa essa construção'i de um ensaio interpretativo, que tem por objetivo não a
Torne claros os antecedentes dos pronomes. Considere o frag-
apresentação de um argumento dedutivo coerente, mas
mento: 'Aristóteles empenhou-se longa e arduamente em uma interpretação ou explicação de algumas passagens
elaborar uma concepção mais naturalista da teoria platônica bem breves, porém importantes, de uma obra de Anselmo
dos universais. Este e o tema do ensaio." Quai é o tema? A de Cantuária.
teoria de Platão? A de Aristóteles? 0 esforço deste para con- A Versão A e um bom esboço de um ensaio curto'
ceber uma nova? Se supusermos que e 0 úrltimo, uma revisão Não se deve considerá-la um "primeiro esboço", mas o
sugerida e: 'Aristóteles empenhou-se longa e arduamente em resultado do esboço da estrutura do'ensaio, da elaboração
elaborar uma concepção mais naturalista da teoria platônica sucessiva ou da anotação de conceitos seguida de revisão'
dos universais. Esse empenho e o tema deste ensaio'l Como só o próprio autor poderia apreciar as $enuínas
Substitua uma expressão por uma palavra que diga a mesma bases de seu ensaio, a Versão A e relativamente depurada.
coisa: "A palavra substância tem dois signiflcados." -? 'A Mantém-se apenas um falso começo, a flm de preselYar
palavra substância e ambigua." um sabor de autenticidade. A Versão B e o mesmo esboço

-t14- - 115 -
Ensaio filosófico
A elaboraçào

cru com a introdução de algumas modificações substan- a fim de compreender. Pois acredito mesmo
tivas, mas principalmente estilisticas. A Versão C é a versão
final, resultado da incorporação das modificaçôes indica-
no seglrinte: que não vou compreender se

das na Versão B. Um bom exercicio seria fazer suas pró- náo crer" (Proslogion, c. I). Essa passagem
prias correções na Versão A e compará-las com as que
aparecem na Versão B. Você deve esperar que as corre-
é o locus classicus da concepção de Ansei-
ções sejam sobremodo distintas entre si, já que há infi- mo sobre a relação entre fé e tazáo. E
nitas maneiras de modiflcar um ensaio.
Você deve refletir sobre o motivo de algumas alte- difÍcil compreender esse seu modo de ver
rações feitas nos esboços a seguir. Muitas delas são ins- porque tanto "fé" como "razáo" têm vários
trutivas e exemplificam conselhos dados em partes ante-
riores do liwo. Idealmente, essas modificações devem ser sentidos. "Fé" pode significar tanto "a evi-
discutidas com seu professor ou com vários colegas. Al-
d.ência d.e coisas nâo vistas" como o conteú-
gumas delas são controversas; você ou seu professor podem
discordar delas. Se isso acontecer, é importante explicar do de uma fé reiigiosa. Numa acepçáo, o
por que e sugerir alternativas. A versão final do ensaio
significado de "fé" Ó "a evidência de coisas
deve ser mais aperfeiçoada. Como?
não vistas", como na frase "Algluém acredi-

A. Um esboço cru
ta na Trindade com base na fé". Na oubra,
ufé" sigfnifica uma crença religiosa, como
ANSELMO DE CA}flruÁRIA na frase "Parte de minha fé é que clesus
E A RELAÇÃO ENTRE FE E RAZÃO ressuscitou dos mortos". Observe-se nesta
frase que a fé é uma proposiÇão a de que
Ao final do capÍtulo I de seu Proslogion, -
Jesus ressuscitou dos mortos que poderia
Anselmo de Cantuária escreve: "Porque não -
busco compreender a fim de crer, mas creio
ser sustentada em evidências como a de

-117-
-116-
Ensaío fiiosó[ico A elaboração

que pessoas o viram depois de ele ter res- Em minha interpretação, portanto, Ansel-
suscitado ou pela fe no sentido de con- mo está tentando relacionar uma proposição
fiança numa pessoa. Será alegfado, adiante, particular de fé com uma proposição de razáo
que Anselmo não entende "fé,, neste senti- provada por um certo métoOo à raciocÍnio

do, mas no de crença religfiosa. (o método da 1óSica e da evidência).


Numa de suas acepções, "Tazã,o,, si5lnifi- Quando são usados em seu sentido
ca um certo metodo de prova, como na proposicional, a fé e o entendimento nos

frase "Sherlock Holmes percebeu que dizem como completar as frases "Creio que

Moriarty cometera o crime por meio d.o " e "Entendo que resPecti-
vamente. Anselmo ainda não nos disse como
raciocÍnÍo [uso da razã.of". Noutra acepçáo,
-", tenha des-
completar essas frases, embora
significa uma proposição que é provada pelo
pertado em nós o desejo de ouvi-Io por sua
método da razã"o.
repetição dessas frases quando disse "Não
Sugiiro que Anselmo não está usando
vou compreender se náo crer". Queremos
xazã,o no sentido de um méLodo, mas no d.e
saber o que ele compreende e em que acre-
uma proposiçáo provada pelo método da dita. A fim de compreender a posiçáo de
lógfica e da evidência. Anselmo, é portanto crucial compreender
Se Anselmo está tentando relacionar uma qual é a proposiçáo de fé e qual é a pro-
proposiçáo particular de fé com uma propo- posição de razáo. É isso o que nos é dito
siçáo particular de por Anselmo nas linhas seguintes.

- 118 - - 119 -
Ensaio filosófico A elaboração

Portanto, Senhor, Doador de compreensâ,o para B. Um esboço cru com correções


a fé, concede-me compreender no grau que
- ANSELMO DE CAI\]'TUARIA
julgares melhor que Tu existes, como cre-
- E A RELAÇÃO EIüIRE FE E RAZAO
mos...
Em verdade, c emos seres Tu um ser com
Ao final do capÍtulo I de seu Proslo§ion,
relaÇáo ao qual não se pode conceber nada
Alselmo de Cantuária escreve: "Porque nã,o
maior,
busco compreender a fim de crer, mas creio
(Proslosion c, 2)
a fim de compreender. Pois acredito mesmo
Nesta úItima frase, Anselmo'nos diz que
proposiçáo de fé vai usar: a definiçã,o de
no seElUinte: que não vou compreender se

Deus como um ser com relação ao qual não náo crer" (Proslo€ion, c. 1). Essa passagem
se pode conceber nada maior. Na frase an- ê o locus classicus da concepção de Aaselmo
terior, ele nos diz que proposição quer que sobre a relaçáo entre fé e razáo. E difÍcil
entendamos: o conceito da existência de Deus. compreender esse seu modo de ver porque
Assim, Anselmo sustenta em seu proslo- tanto "fé" como "pazáo" têm vários sentidos.
gion a sesuinte concepçâ,o acerca da fé e da
tazã,o: a de que pode provar pela razáo que
eoi
Deus existe usando como premissa a pro- o
"1,
fe-re+giosâl Numa acepçáo, o sigf,rificado de
posição de que Deus é um ser com relação
ao qual não se pode conceber nad.a maior. a A frase original não e ruim, mas, como se explicam os dois
sentidos de "fé" num curto parágrafo, não é de fato necessária umâ nova

-120- -121-
- Ensaio filosófico A elaboraçâo

"bases nõro conptovaveis à. cr.nça"'


entende "fé" neste sentido, mas no de cren-
"fén é ,
SanroTn^ôsà
como na frase ++ârem acredita na Trinda- Ça religiosa.
Considevemos agora os dois seniidos c)e "vazão" ou àe
de com baso na fé". Na outra, "fé" si§nifica " enlendimenio" .9

uma crenÇa religiosa, como na frase "Parte Numa de suas acepÇÕes, "razáo" signifi-
da Íé cÂs|ãe
d€-#iahâ-fe é que clesus ressuscitou dos ca um certo método de prova, como na
mortos". Observe-se nesta frase que a fé é
frase "Sherlock Holmes percebeu que
- a de
uma proposiÇão Jesus ressusci-que
Moriarty cometera o crime por meio do
tou dos mortos que poderia ser sustenta-
- raciocÍnio luso da razão7". Noutra acepçáo,
da em evidências como a de que pessoas o
significa uma proposiÇáo que é p"ovada pelo
viram depois de ele ter ressuscitado ou pela
método da razáo.
fé no sentidq de confianÇa numa pessoa.
TAl.goreif Sugiiro que Anselmo não está usando
Sera;--a+e6âdo, adiante, que Anselmo náo
Tazáo no sentido de um método, mas no de

frase para introduzir esses dois sentidos. Como não e necessária, a frase uma proposiÇáo provada pelo método da
é suprimida.
b Um novo parágrafo indica um novo pensamento; ele assinala um Iógica e d.a evidência.h
limite para a discussáo sobre o signihcado de "fé" (veja a nota g para o
outro limite).
c A liase "bases não comprováveis de crença" é mais descritiva do g E preciso alguma transiçáo entre o parágrafo que explica os dois
que a original. "fé" e o que explica os dois sentidos de "razáo". A frase de
senticlos de
d A palavra "alguem" ê vaga e sem expressáo neste contexto. rão tem nenhuma elegância especial, mâs cumpre
transição adicionada
Substitui-la pelo nomc de uma pessoa real torna a frase ligeiramente mais
interessante, ainda que nada acrescente à lógica do exemplo. esse papel.
e Não há razào para o autor aparecer no exemplo. Assim, substitui- h Esta frase e a seguinte devem ficar juntas, não havendo motivo
se "minha" por "cristã'i para um novo parágrafo. 0 fragmento de sentença entre as duas frases é
f Não há razão para usar a passiva aqui. A expressão ''Alegarei" e apenas um falso começo clo plimeito esboço, sendo por isso apagado na
mais direta e econômica. revisão.

-122- -t23-
- Ensaio filosófico
A elaboração

ionar-tma repetição dessas frases quando disse "Não


eregesi vou compreender se não crer". Queremos
siç@ar-+e saber o que ele compreende e em que acre-
Em minha interpretaçáo, portanto, An- dita. A fim de compreender a posição de
selmo está tentando relacionar uma pro- Ariselmo, é portanto crucial compreender
posição particular de fé com uma propo- qual ó a proposição de fé e qual é a propo-
sição de razáo provada por sição de razã,o.
A.

di= i.rJ
métododa+aeioeínisr (o método da 1ógica e ^o.
Anselmo / nas linJ as seÉXrintes.
da evidência). Portanto, Senhor, Doador de compreensâ,0 para l

Quando são usados em seu sentido pro- a fé, concede-me compreender no gTau que
posicional, a fé e o entendimento nos di-
- I

julgiares melhor q.ue Tu existes, como cre-


-
zem como completar as frases "Creio que mos...
" e "Entendo que _", respecti- Em verdade, cremos seres Tu um ser com
vamente. Anselmo ainda não nos disse como relaçã,0 ao qual não se pode conceber nada
completar essas frases, embora tenha des- maior,
pertado em nós o desejo de ouvi-Io por sua (Proslogion, c. e)

Nesta ú1tima frase, Anselmo nos diz que


i Quando estava compondo o primeiro esboço, o autor náo sabia se
era melhor "por um certo metodo de raciocinio" ou "o metodo da lógica proposição d.e fé vai usar: a definição á
e da evidência". Sabendo que podia decidir mais tarde, no período relaxado
da reüsã0, ele pôs, sem pensil duas vezes, as duas opções juntas. Como
o mostra a revisão, ele preferiu a frase mais concÍeta. j Uma constnrção passiva desnecessária foi transformada em ativa.

-124- 125
Ensaio filosófico A elaboração
-
à.
Deus eomo um ser com relaÇão ao qual nào busco compreender a fim de crer, mas creio
Se pode conceber nada maior. Na frase an- a fÍm de compreender. Pois acredito mesmo
terior, ele nos diz que proposiÇào quer que no seguinte: que não vou compreender se
que
entend.amos: não crer" (Proslogion, c. I). Essa passagem
t,
DSUS? eriste.'' ê o locus classicus da concepÇáo de Ansel-
Assim, Anselmo sustenta em seu Proslo- mo sobre a relação entre fé e razá,o. E
§ion a seÉUinte concepÇã,o acerca da fé e da d.ifÍcil compreender esse seu modo de ver
razá,oi a de que pode provar pela razã,o que porque tanto "fé" como "Tazã,o" têm vários

Deus existe usando como premissa a pro- sentidos.


ua
posiÇão de que Deus é um ser com relaÇão Numa acepÇão, o significado de "fé" é

ao qual não se pode conceber nada maior. evidência de coisas náo vistas", como na
frase "Santo Tomás acredita na Trindade
k A revisão, "de que Deus existe", é menos abstrata que o original com base na fé". Na outra, "fé" si6f,:'ifica
"de Deus como um ser".
uma crenÇa reli6liosa, como na frase "Parte
C. 0 esboço final da fá cristá é que Jesus ressuscitou dos

ANSELMO DE CAI\IIUARIA
mortos". Observe-se nesta frase que a fé é

- a de
uma proposiÇáo que .Iesus ressusci-
E A RELAÇÃO ENTRE FE E FAZÃO
tou dos mortos que poderia ser sustenta-
-
Ao final do capÍtulo 1 de seu Proslogion, da em evidências como a de que pessoas o

Anselmo da Cantuária escreve: "Porque não viram depois de ele ter ressuscitado ou pela

-t26- -127-
- Ensaio filosófico A elaboração

fé no sentido de confÍanÇa numa pessoa. Quando sáo usados em seu sentido


Alegarei, adiante, que Anselmo náo entende proposicional, a fé e o entendimento nos
"fé" neste sentido, mas no de crença reli- dizem como completar as frases "Creio
giosa. que_" e "Entendo que _", respecti-
Conslderemos agora os dois sentidos de vamente. Anselmo ainda náo nos disse como
"razãn" ou de "entendimenlo". Numa de completar essas frases, embora tenha des-
suas acepções, "razáo" sisnifica um certo pertado em nós o desejo de ouvi-lo por sua
método de prova, como na frase "Sherlock
repetição dessas frases quando disse "Não
Holmes percebeu que Moriarty cometera o
vou compreender se não crer". Queremos
crime por meio do raciocÍnio [uso da ra-
saber o que ele compreende e em que acre-
zã,o)", Noutra acepçáo, significa uma propo-
dita. A fim de compreender a posição de
siçáo que é provada pelo método da razáo.
Anselmo, é portanto crucial compreender
Su§iro que Anselmo não está usando
qual é a proposição de fé e qual é a pro-
xazã,o no sentido de um método, mas no de
posiÇã,o de razáo. Anselmo nos diz isso nas
uma proposição provada pelo metodo da
Iógica e da evidência. Em minha interpre- linhas segluintes.

tação, portanto, Anselmo está tentando re- Portanto, Senhor, Doador de compreensâo para

Iacionar uma proposição particular de fé a fé, concede-me compreender no Éfrau que


-
com uma proposição de razão provada pelo jul§ares melhor que Tu existes, como cre-
-
método da 1ó6fica e da evidência. mos...

-t2B- -129-
Ensaio fiiosófico

ljl
Em verdade, cremos seres Tu um ser com
relaçáo ao qual não se conceber nada
(d
ma10r. (J Táticas para o texto analítico
(Proslo€ion, c, e)

Nesta última frase, Anselmo nos diz que


proposiÇão de fé vai a defÍnição de
Deus como um ser com relação ao qual não f f sam-se diferentes táticas no texto analítico, entendi-
L,/ do em seu sentido amplo. São discutidas neste capi-
se pode conceber nada maior. Na frase tulo sete das mais conhecidas e usadas entre elas: defi-
nições, distinções, análise (no sentido estrito), dilemas,
anterÍor, ele nos diz que proposiçáo quer
contra-exemplos, ar$umentos com reductio ad absurdum
que entendamos: a de que Deus exÍste. e raciocínio dialetico. Como alguns desses tópicos são
bastante tecnicos, desejo introduzi-los em conjunto antes
Assim, Anselmo sustenta em seu Proslo- de discutir cada um mais completamente nas sete seções
gion a seguinte concepção acerca da fé e da do capÍtulo (mas os discutirei sucintamente, fora da or-
dem em que são apresentados nas seçoes a seguir). Come-
razã,o: a de que pode provar pela razão que
ço pelos dilemas.
Deus existe usando como premÍssa a pro- 0s dilemas são úteis para introduzir problemas. Um
dilema torna evidentes alguns aspectos contraditórios de
posição de que Deus é um ser com relação crenças amplamente sustentadas. Como os dilemas preci-
âo qual não se pode conceber nada maior. sam ser resolvidos de alguma maneira, e preciso discutir
alguns métodos de resoluçáo de problemas.
Areductio ad absurdum é um desses metodos. Trata-
se de uma maneira indireta de o autor provar sua própria
tese ao demonstrar que a negação desta e absurda e,
portanto, falsa. Como o oposto de sua tese é absurdo e
falso, sua tese tem de ser verdadeira.

-130- -131 -
Ensaio filoiófico Táticas para o texto analítico

0 contra-exemplo é uma maneira de mostrar que desqualificadora "E apenas uma questão de semântica" e
alguma solução ou tese proposta não e correta; ele mostra altamente refutável, se tomada literalmente. Como a se-
que algo está errado sem mostrar diretamente que solução mântica tem relação com o significado, quando há um
ou tese particular é correta. 0 metodo do contra-exemplo desacordo semântico entre duas pessoas, elas discordam
e um método de crÍtica, não de construção de teorias. sobre o significado que querem atribuir a alguma coisa.
0 raciocÍnio dialético
é uma forma de pensar que E essa é uma questão significativa. (A frase "E apenas
pode ser adaptada a uma maneira de estruturar um en- uma questão de semântica" pode ter sentido se for usada
saio. Ele começa com uma tese simples e não qualificada, para indicar que não importa se se usa uma ou outra
submete-a a crÍtica, revisando-a e reformulando-a várias palavra para exprimir um certo pensamento.)
vezes, até que se chegue a uma tese complexa, sofisticada
e adequada. 0 texto dialetico, que e um registro organi-
zado do raciocínio dialetico, e uma especie de viálogo I Definições
luialogue) intelectual, em que todas as viagens Iaterais
são registradas como aventuras necessárias para que o Nem toda palavra pode ser definida. Aqui está a
viajante alcance seu destino final. razão disso. Se toda palavra precisasse ser definida, mes-
0 raciocínio dialético também pode ser usado como mo as palavras usadas para definir outras teriam de ser
tática retórica para se fazer a chamada "análise de con- definidas; e estas igualmente teriam de ser definidas, ad
ceito". A análise de conceito é uma decomposição de um infinitum, isto é, o processo nunca teria flm. (O definiendum
conceito complexo em componentes mais simples, da é a palavra que precisa ser explicada; o definie,',s e a
mesma maneira que a análise quÍmica decompõe um parte que expõe o significado do definiendum.) Logo, o
complexo químico em elementos mais simples. processo de deflniçào tem de acabar em algum ponto.
Todos os tópicos deste capitulo se referem a manei- Isso e inegável. Mas a dúvida legítima que a maioria dos
ras de tornar mais claros e precisos os ensaios. Uma alunos tem e: quando uma palavra precisa ser deflnida?
maneira essencial de ver as coisas com clareza consiste A resposta curta e: uma palavra tem de ser definida
em dividi-las em diferentes categorias, isto e, fazer distin- se (t) e usada num sentido tecnico e nâo se pode supor que
ção delas. Fazer uma distinção requer, com freqüência, a o público conheça esse sentido ou se (z) for uma palavra
definição dos termos que se empregam, dado que esses comum usada num sentido não comum. Quanto a (1), deve
termos muitas vêzes precisam ter um significado preciso. ser óbvio que, se uma palavra e usada num sentido tecni-
Talvez o modo mais básico de ser claro e preciso co, se tem de definir esse sentido. Mas e a segunda paÍe
consista em definir uma palavra ou expressão. A frase de (1) que causa mais problemas aos alunos: quando não

-132- -133-
Ensaio filosófico Táticas para o texto analítico

se pode supor que o público (seu professer) conhece o fazer" e "r e onisciente" c0m0 "l é capaz de saber tudo o
sentido técnico da palavra? A resposta simples e "quase que é possível saber'l
sempre'l Você pode pensar que não precisa definir uma
De acordo com Thomas Hobbes, Deus não e justo nem
palavra técnica que o professor usou por achar que ele
injusto. EIe designa por justiça não romper nenhuma aliança
certamente sabe seu sentido. Embora muito provavelmen-
te seja esse o caso, trata-se de um fato que náo e estrita- e por injustiça, a quebra de uma aliança.
mente relevalte para o problema. A questâo e saber se você Segundo Thomas Hobbes, Deus não e justo nem injusto.
pode supor esse conhecimento em seu ensaio. Lembre-se Por meio de "r é justo", ele designa "r náo rompeu nenhu-
de que no capÍtulo 1 foi assinalado que a tarefa do aluno ma aliança" e por "Í é injusto", "Í rompeu uma aliança'l
é mostrar ao professor que conhece algo sobre o tópico
discutido em seu ensaio. Assim sendo, o aluno tipicamente Não cabe aqui descrever os tipos de definição nem
precisa definir toda palavra tecnica que usa, visto que o todos os seus propósitos especiais. Basta-nos dizer que o
ônus de provar que conhece essa palavra recai sobre ele. propósito do uso de uma definição é tornar claro o sen-
No tocante a (2), se se usa uma palawa comum, o tido de uma palavra ou expressão. Dependendo das ne-
público supõe que seu sentido e o comum, a não ser que cessidades do autor, pode-se fazê-lo por meio da descri-
você lhe diga o contrário. Alem disso, se o público tem o ção do uso real da palavra ou expressão (definição des-
direito de supor que uma palawa é usacla em seu sentido critiva), da precisão do uso real dessa palavra ou expres-
comum, o autor tem a obrigação de usá-la nesse sentido. são (definição esclarecedora) ou da invenção de uma nova
Eis alguns exemplos de maneiras pelas quais se podem palavra ou da atribuição de uma deflniçáo tecnica a uma
introduzir definiçôes: palavra existente (descriçáo estipulativa).
No que se refere aos tipos de definição, nos será útil
0 foco do artigo "Dois dogmas sobre o empirismo", de W.
mais tarde uma breve descrição da ideia clássica de de-
V. Quine, e que a distinção entre proposições analíticas e
finição por gênero e diferença específica. Como esses dois
sinteticas não tem justifrcativa teórica. As proposições
termos são tecnicos, é preciso explicá-los. De acordo com
analiticas sâo definidas c0m0 proposições verdadeiras em
a tradição intelectual medieval grega e ocidental, toda
virtude do significado de suas palavras. As proposições
realidade se acha organizada hierarquicamente; conhecer
sintéticas são definidas c0m0 proposiçoes que se tornam
algo e saber que tipo de coisa é esse algo, sua espécie. E
verdadeiras a partir de fatos empíricos.
essa espécie é determinada por sua pertinência a um tipo
Alegarei que Deus e onipotente e onisciente. Defino "r é mais geral de coisa (o gênero), que se diferencia de outro
onipotente" como "Í é capaz de fazer tudo o que e possível tipo (outra espécie) graças a alguma diferença (uma di-

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Ensaio filosófíco Táticas para o texto analítico

ferença especÍfica). Em conseqüência, toda realidade pode uma categoria mais geral com relação às especies. Assim,
ser caracterizada em termos de $êneros e de espécies em o ser é um gênero com relação a corpls e espíritos, que
virtude de várias diferenças especificas. Eis uma parcela são especies de objetos. Mas corpos, para ficar num dos
da clássica divisão da realidade de acordo com essa ideia, lados da divisão, e um gênero com relação a organismos
conhecida como a Árvore de Porfírio a partir do filósofo e nao-organismos, sendo organismos um gênero com re-
neoplatônico Porfirio : lação a animais e plantas, e assim por diante. A categoria
dos seres humanos é uma especie das mais inferiores e
0 ser
por isso não e um gênero com relação a coisa alguma.
(Como se trata de uma divisão de tipos gerais de coisas,
Corpos Espíritos
indivÍduos como Adão, Beth e Carol não sáo parte do
(materiais)
esquema. Diz-se que os indivíduos exempliflcam especies
ou pertencem a especies.)
Organismos Não-organismos
0s termos entre parênteses indicam a diferença que
(vivos)
distingue uma espécie de outra. A diferença e dita espe-
cífica porque, em conjunção com um gênero, era consi-
Animais Plantas
derada a causa da especie. Logo, a especie do ser humano
(sensíveis)
consiste no gênero qnimais e na diferença específica de
ser racionaL Isso explica a definição clássica:
Seres humanos Animais
(racionais) Um ser humano e um animal racional,

Cada palavra ou expressão em maiúsculas designa Sem uma diferença, náo haveria nenhuma distinção.
um gênero ou espécie. Cada item imediatamente abaixo Essa questão e discutida um pouco mais na próxima seção.
de outro e uma especie com relaçáo ao item imediata- Que forma deve assumir uma definição? 0s filósofos
mente acima de si; e cada item que tem itens imedia- lidam muitas vezes com objetos abstratos ou ao menos
tamente abaixo de si e um gênero com relação a esses falam com freqüência abstratamente sobre objetos como
itens. 0 ser e o mais elevado gênero que existe; ele não a verdade, a beleza e a bondade. Tradicionalmente, isso
é uma especie de coisa alguma. 0s seres humanos (no os tem levado a tentar deflnir uerdade, beleza e bondade'
ramo da extrema esquerda) são uma especie das mais Mas começar com uma forma nominal abstrata resulta,
inferiores; náo são Sênero de coisa alguma' Lo$o, os ter- em muitas ocasiões, em deflnições rígidas ou obscuras.
mos gênero e especie são relativos. Um $ênero é sempre Por exemplo,

-136- -137-
rsaio filosófico Táticas para o texto analÍtico

Serjusto é, para uma pessoa, dar a outra pessoa aquilo que E, quando tornamos a deflnição mais explícita, ela
a primeira pessoa deve dar à segunda. flca assim:
Inspirados por certos desenvoivimentos da lógica r sabe que p se e somente se
formal, fllósofos do seculo XX perceberam que muitos (t) é verdade que p;
substantivos eram abstraÍdos de expressões predicativas e (2) r acredita que p;
que estas apresentavam definienda mais inteligíveis. Isso (3) a crença de r de que p é justificada,
levou às seguintes mudanças:
Esta última definição faz com que os componentes do
Formaoriginal Noua lorma saber se mostrem com mais destaque do que na primeira.
Justiça r é justo Uma última observação. E muito comum que os fi-
Saber r sabe que p Iósofos precisem definir pares de termos que desejam que
Verdade .r e verdadeiro sejam contraditórios, como verdade/falsidade ou objetivi-
Promessa r promete que p a um destinatário y
dade/subjetividade (veja o capÍtulo 2, seção 5). A maneira
Desculpa r desculpa 1l por uma ação o
apropriada de fazê-lo de modo a garantir que os termos
Usando-se a forma predicativa, a definição de justi- deflnidos sejam genuÍnos contraditórios consiste em de-
ça acima assume a forma mais palatável: flnir um termo e em seguida deflnir o outro simplesmente
como tudo o que não e o primeiro. Eis dois exemplos:
r e justo com I se e somente se r dá a y o que r deve dar
ay. "r é verdadeiro" significa "Í e uma frase e r corresponde
ao fato /l
A partir desta definição, sabemos o que toda frase
"r e falso" significa "r não e verdadeiro'i
como 'Adão e justo com Beth" ou "Carol e justa com
David" significa. Substituem-se simplesmente os lugares "r é subjetivo" signiflca "há uma pessoa P tal que r só pode
marcados por ./ e 1 pelas formas nominais apropriadas. serjulgado por P em virtude da experiência direta de P'i
Consideremos outro exemplo: a nova formulaçáo da de- "r é objetivo" significa "r não e subjetivo'i
finiçáo clássica
conhecimento é crença verdadeira justificada
2 Distinções
se torna
r sabe que p se e somente se r tiver justificativa para 0s alunos de fllosoha da Idade Média recebiam, ao
acreditar que p, que parece, a seguinte regra prática: diante de uma con-

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Ensaio filosófico Táticas para o texto analítico

tradição, faça uma distinção. Essa re$ra estimula o abuso V. Hong e Edna H. Hong, Princeton, Princeton Univer-
da formulação de distinções e terminou por levar à má sity Press, 1983, p. 162). Esses termos não são eviden-
reputaçáo dos filósofos escolásticos, chamados de "lenha- temente exaustivos, nem mutuamente exclusivos. Uma
dores da lógica", "separadores de flos de cabelo" e"dunces" distinção imprópria ainda mais elaborada e a que Jorge
(a partir de John Duns Scotus). Só se devem fazer distin- Luis Borges supostamente relata em seu ensaio 'A lin-
guagem precisa de John Wilkins'l Numa obscura enci-
ções quando necessário e justiflcado.
Mesmo quando uma distinção se justifica, há boas e clopedia chinesa, fazem-se as seguintes distinções entre
más maneiras de formulá-la. Uma boa distinçáo, chamada os animais: "(a) os que pertencem ao imperador, (b) os
uma distinção apropriada, apresenta duas características: embalsamados, (c) aqueles que são treinados, (d) ba-
seus termos são exaustivos e mutuamente exclusivos. Um corinhos, (e) sereias, (fl os fabulosos, (g) cães perdidos,
par de termos é exaustivo quando pelo menos um deles (h) todos os que são incluídos nessa classificação, (i)
se aplica a cada objeto do grupo que se supõe distinguir. todos os que tremem como se estivessem loucos, [) os
Um par de termos e mutuamente exclusivo quando ape- inumeráveis, (k) os que são desenhados com um flno
nas um dos termos se aplica a cada objeto. pincel de pêlo de camelo, (l) outros, (m) os que acaba-
A maneira de assegurar esse tipo de divisão dos ram de quebrar um vaso de flores, (n) os que, a distân-
objetos e usar pares contraditórios de termos: cia, se assemelham a moscas" (Other inquisitions, 1937-
1952, trad. por Ruth Simms, Nova York, Washington
vermelho/não-vermelho
Square Books, 1965, p. 108), Deixo ao Ieitor o exercício
azul/não-azul
de explicar por que os termos não são nem exaustivos
humano/não-humano
nem mutuamente exclusivos.
justo/não-justo
Embora seja fácil ver que algumas distinçôes não
clemente/não-clemente
são apropriadas, como, por exemplo, vermelho/azul ou
A grande vantagem das distinções apropriadas e o cáo/animal, isso não se aplica a outras. Considere macho/
fato de fornecerem uma clara categorização dos objetos. fêmea. Embora pareça apropriada, essa distinção não o e.
Há um lugar para cada coisa, e todas as coisas estão em 0s hermafroditas têm características do macho e da fê-
seu lugar. Podemos ver isso na Arvore de PorfÍrio, na mea. Não são nem um nem o outro. Tendemos a esquecê-
seção 1 acima. Uma das personae de Soren Kierkegaard los, porque eles constituem uma pequena minoria.
relata uma classificação da humanidade segundo as ca- Qual seria a maneira correta de dividir as pessoas
tegorias "funcionários, empregadas domesticas e limpa- em sexos? As distinções macho/não-macho e fêmea/não-
dores de chamines" (Repetition, ed. e trad. por Howard fêmea são apropriadas, mas um tanto estranhas. Cada

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Ensaio filosófico Táticas para o texto analítico

uma delas parece favorecer um sexo em detrimento do Há dois tipos de trabalho: alienado e não-alienado, 0 tra-
balho de um camponês, de um mecânico e de um burocra-
outro (as pessoas têm sexo; os pronomes têm gênero).
ta e alienado, 0 trabalho do artesão, do poeta e do esta-
Uma maneira de evitar a promoção de um desses sexos
dista é nâo-alienado.
em detrimento do outro consiste em distinguir entre se-
xos normais e não-normais e depois dividir os normais A desvantagem da caracterização por exemplo é que
em macho e fêmea. (E necessário dizer que sexos não- o principio da distinção pode não ser eüdente. Claro que
normais e uma categoria biológica descritiva e que não e esse e o caso da classificação chinesa de Borges. E fácil
moral nem psicoiogicamente normativa?) para o disseminador de uma distinção enganar a si mes-
Um exemplo famoso de distinção Íilosófica impró- mo. Se só se apoiar em exemplos, e possivel que o autor
acabe por misturar duas distinções diferentes.
pria tomada por apropriada é dados dos sentidos/objeto
Lo$o, a caracterização e teoricamente o melhor
material. Uma sombra não e um dado dos sentidos nem
metodo de estabelecer uma distinção, já que especifica o
um objeto material. (Veja J. L. Austin, Sentido e percep- princÍpio ou propriedade que diferencia os termos. Eis um
çrí0, Martins Fontes, São Paulo, 1993. Para outro exem- exemplo de caracterização da distinção entre trabalho
plo, veja John Searle and his critics, ed. por Ernest alienado e nâo-alienado:
Lepore e Robert Van Gulick, Oxford, Blackwell Publi-
Há dois tipos de trabalho: alienado e não-alienado. 0 tra-
shers, 1991, p. 141.) Outra e a distinção entre aparência
balho é alienado quando o trabalhador nâo tem pleno
e realidade, As aparências das sombras, das imagens
controle de seu trabalho ou não recebe todo o valor que
especulares e dos arco-Íris constituem sua realidade; o
este produz. 0 trabalho e não-alienado quando não exibe
mesmo se aplica às aparências que constituem a cons-
esses fatores de alienaçâo.
ciência de sua realidade ou são parte dela. (De modo
mais controverso, os pensamentos secretos de Zeus não E muitas vezes aconselhável combinar os dois me-
são aparência nem realidade.) todos, como na passagem:
Consideremos agora as duas maneiras de fazer uma Há dois tipos de trabalho: alienado e não-alienado, 0 tra-
distinção: por caracterização e por exemplo. Começamos balho é alienado quando o trabalhador não tem pleno
com a segunda. Pode-se fazer uma distinção dando-se controle de seu trabalho ou não recebe todo o valor que
exemplos suficientes para levar o leitor a compreender este produz, c0m0, por exemplo, o trabalho de um campo-
a que se resume a distinção. Eis um exemplo de um nês, de um mecânico e de um burocrata, 0 trabalho é não-
autor fazendo uma distinção por meio do oferecimento alienado quando não exibe esses fatores de alienação, como
de exemplos: e o caso do trabalho do, artesã0, do poeta e do estadista.

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Ensaio filosófico Táticas para o texto analítico

Como minha discussão da caracterização de uma igualmente a tradição de distinguir entre os dois corpos do
distinção sugere, toda distinção depende da existência de rei: o físico e o politico. 0s rebeldes da Guerra Civil In-
alguma propriedade de que são dotados todos os termos glesa alegavam estar tentando libertar o rei político Carlos
de um grupo ou categoria e de que carecem todas as V ao combater a pessoa Carlos Stuart. 0s partidários do
coisas do outro grupo ou categoria, mesmo que o autor rei julgavam que essa alegada distinção entre os corpos
não saiba articular a diferença, real e natural de seu rei era sem diferença.
Sem uma diferença, não haveria nenhuma distinção. Permita-me um exemplo final. Um ministro da de-
Às v.zes as pessoas tentam estabelecer uma distinção e fesa francês tentou certa vez defender a decisáo de seu
fracassam porque na verdade não especificam uma dife- país de retomar os testes nucleares dizendo, na realida-
rença. E isso que diz a expressão um tanto imprecisa uma de: "0 governo francês nâo está testando bombas nuclea-
distinçdo sem diferença. (Ela e imprecisa porque, sem uma res. E preciso fazer uma distinção entre bombas e arte-
diferença, não há nenhuma distinção, mas só a tentativa fatos que explodem. 0 governo francês está testando
ou a aparência de uma.) Por exemplo, no filme de Woody artefatos nucleares que explodem, não bombas". O ministro
Nlen Poderosa Afrodite, um pai inepto tenta salvar a foi ridicularizado por estar tentando estabelecer uma dis-
situação propondo distinguir entre o chefe da familia (ele) tinção sem diferença. Mas os testes continuaram.
e o tomador de decisões (a mulher), mas essa é uma dis-
tinção sem diferença. A mulher é a chefe da familia jus-
tamente por ser a tomadora de decisões. (Ele seria no 3 Análise
máximo o chefe nominal, isto e, uma pessoa que tem o
tÍtulo de "Chefe", mas nâo tem o poder de um.) Um exem- A análise e análoga à definição. As definições pro-
plo relacionado vem da Igreja Anglicana. Quando o Ato curam explicitamente dar o sentido das palavras. As
de Supremacia precisou ser reformulado, alguns clerigos análises procuram explicitamente dar as condições neces-
relutaram em chamar Elizabeth I "Chefe da Igreja", como sárias e suficientes para os conceitos. Como as palavras
fora chamado Henrique MII, por ser ela uma mulher. Era exprimem conceitos, as definições são a contraparte lin-
seu desejo fazer uma distinção. Assim, chegou-se ao termo güística das análises. Muito do que se disse sobre as
Governadora. Porém, o Ato restituiu-lhe exatamente os deflnições aplica-se às análises. Talvez se devesse tratar
mesmos poderes que tivera Henrique MII, caracterizando- esses dois tópicos em conjunto, mas creio que pedagogi-
a como "suprema,.. em todas as coisas espirituais ou ecle- camente faz sentido tratá-los separadamente.
siásticas'i Logo, a alegada distinçâo entre Chefe e Gover- Toda análise, assim como toda definição, consiste
nadora e uma distinçáo sem diferença. Na Inglaterra, há em duas partes, tm analysandum eum analysans. O analy-

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Ensaio filosófico Táticas para o texto analítico

sandum e a noção que precisa ser explicada e esclarecida Mas jovens focas machos adultas que ainda não
devido ao fato de haver nela algo que não e compreen- acasalaram também são chamadas de solteiros. Não e
dido. 0lnalysans e a pafte da análise que explica e necessário alegar aqui se se deve ou não adicionar a
esclarece o analysandum, seja ao decompô-lo em partes,
quarta condição, e por duas razões. Em primeiro lugar,
seja ao especificar suas relações com outras noções.
minha intenção e dar um exemplo de análise, e não
Uma análise tenta especificar em seu analysans as
condições necessárias e suficientes para o conceito expres-
defender essa análise. Em segundo lugar, o que se deve
so no analysandum. Condições necessárias são aquelas que perceber aqui e que estabelecer um analysans da maneira
o analysans tem de conter a fim de evitar ser demasiado explícita como o fiz asora torna claros os termos do
fraco. Ser um organismo é condição necessária para ser desacordo dos propositores e dos opositores quanto à
humano, porque um ser humano tem de ser um organismo, designação como solteiros das focas machos adultas que
mas ser um or$anismo não é condição suficiente. 0s cães ainda não acasalaram.
são organismos, mas não são humanos. Condições sufl- Consideremos agora uma análise genuinamente fllo-
cientes são as que bastam para garantir que o conceito sófica de um conceito:
presente ao analysans seja satisfeito. Ter dez milhões de
dólares em ações da Microsoft e uma condiçáo suficiente Uma pessoa S sabe que I se e somente se
para ser rico, mas não e uma condição necessária, visto (1) é verdade que p;
que uma pessoa pode ser rica sem ter dez milhões de (2) S acredita que p;
dólares em ações da Microsoft. Ter dez mil quilos de ouro (3) S está justificada em acreditar que p,
tambem é uma condição suf,ciente para ser rico.
Esta análise e bastante atraente (compare-a com a
Há mais um ponto preliminar a tratar. Consideremos
definição de "r sabe QUe p", na seção 1). Ela torna bem
a seguinte análise da condição do celibato masculino.
claro ao menos um elemento do saber: não é possivel
Alguma coisa é solteiro se e somente se saber uma coisa falsa. Isso não mostra que e possivel saber
(1) nâo é casada; algo que não e verdadeiro. Mostra apenas que às vezes
(2) e adulta; as pessoas se enganam quanto àquilo que pensam saber.
(3) e homem.
Nossa análise do saber tambem o equipara à crença. 0
Trata-se de um bom começo, mas talvez não seja saber é, segundo a análise acima, uma espécie de crença.
adequado. Pode-se pensar qlle, como só seres humanos Isso e mais discutÍvel. Têm sido apresentados alguns argu-
sâo solteiros, é necessário adicionar uma quafta condição: mentos ponderáveis cuja conclusão e que o saber e a cren-
(+) e humana.
ça são estados psicológicos distintos. Mais uma vez, não

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Ensaio filosófico Táticas Para o texto analítico

e nosso propósito alegar que a análise acima ou qualquer pende do entendimento do analysandttm, tssa análise não
outra esteja ou não coÍreta. Por flm, a condição (3) não e informativa nem útil,
e por certo adequada tal como está, Para que essa seia Contudo, essa análise náo e de todo desprovida de
uma análise satisfatória, ê necessário que se especiflque o informações. Ela diz, de fato, que o congelamento e algo
que signÍflca estar justif,rcado em acreditar em alguma que acontece com lÍquidos, e a pessoa que precisa da
análise pode não saber disso antes de the ser apresentada
coisa. Mais uma vez, não pretendemos discutir o merito
essa análise circular. Mas observe-se que a informação
da explicação, Basta assinalar que a análise torna mais
vem da parte do analysans que não depende de nenhuma
claras as questões a debater.
compreensão previa da análise do congelamento.
Há três maneiras pelas cluais análises propostas co-
E importante distinguir esse tipo de circularidade de
mumente estão erradas:
um fenômeno com ele relacionado e que por vezes se
Uma análise pode ser defeituosa por (1) ser circular, (2) ser apresenta sob o mesmo nome. Suponha que temos para
fofie demais, (3) ser demasiadamente fraca. propor algumas análises que tenham por analysanda A,
B, C..., Z. Suponha ainda que A ocorre como parte do
Discutirei esses três tipos de defeito, nessa ordem. analysans de B, B como parte do analysans de C,... e Z
Uma análise e circular se seu analysandum, ou ter- como pafie do analysans de A.
mo-chave, ocorre no analysans. Por exemplo, se se tenta 0ra, parece, a principio, que alguém que não tenha
analisar "congelamento", e um erro propor como analysans entendido nenhuma dessas noções não seria ajudado por
"algo que acontece com um liquido quando ele con$ela". nenhuma dessas análises. Se essa pessoa não compreende
0 problema e óbvio: se alguem precisa de uma análise de nenhum dos analysanda e se cada analysans contém um
"congeiamento" porque nâo sabe o que é, de nada adian- d,os analysanda, ao que parece ela não poderia igualmen-
ta dizer-lhe que se trata de algo que acontece com um te entender nenhum analysans; ela não teria como entrar
Iíquido quando ele congela. Isso náo torna a noção de no círculo. Em casos extremos, isso pode de fato ocorrer.
congelamento nem um pouco mais clara ou compreensi- De modo §eral, no entanto, alguem que depara com um
vel porque, como o analysans inclui a própria noção de tal grupo de análises já tem uma compreensão razoavel-
congelamento, tem-se de entender isso antes de com- mente boa de ao menos uma (e possivelmente de mais de
preender o analysandum, o ato de congelar' Se, por outro uma) das noções envolvidas. Se isso se dá, ela pode ad-
lado, alguem já entende o que e conSelamento, não há quirir ao menos uma compreensáo parcial das outras,
sentido em fazer uma análise disso. Em ambos os casos, bem como uma compreensão melhor e mais clara daquela
na medida em que a compreensão de tm ana$sans de- com a qual começou a perambular ao redor do cÍrculo e

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Ensaio filosófico Tàticas pata o texto analítico

ver como essa primeira noção se vincula com noções a diante inteiramente em termos das caracteristicas de ob-
essa relacionadas. Logo, se se estender a um número bem jetos fÍsicos, poderemos passar sem a noção da existência
grande de análises (e, quanto maior esse número, melhor), dos números, porque poderemos dizer que "dois e dois
a circularidade deixará de constituir um defeito. são quatro" é apenas um enunciado sobre objetos fisicos
Mas essa ideia de análise supõe que o objetivo da numa forma grandemente abreviada. Do mesmo modo,
análise filosófica seja a compreensão. Nem todos parti- um materialista redutivo tentará mostrar que vários tipos
tham essa concepçã0, Alguns consideram o objeto uma de objeto que não parecem feitos de matéria, as mentes
reduçao. A ideia por trás do reducionismo e a de que, tal em particular, podem na verdade ser analisados em ter-
como no caso das teorias científicas, uma teoria filosóflca mos materiais.
e preferivel a outra se requer menos tipos disüntos de objeto Em alguns casos, a redução requer mais de um pas-
para explicar a realidade. Logo, uma teoria que requeira so, isto é, depende de mais de uma análise. Thomas Hobbes,
um ou dois tipos de objeto e superior a uma que precise por exemplo, propôs reduzir todos os fenômenos a movi-
de 27 tipos básicos. Isso explica a preferência filosófica mentos de particulas materiais. Ele tentou analisar gover-
tradicional pelo monismo e pelo dualismo. (0 principio de nos em termos das ações dos seres humanos, as açôes dos
que as entidades não devem ser multiplicadas alem do seres humanos em termos dos movimentos de seus órgãos
necessário é conhecido como "navalha de 0ckham", a e membros e estes, por fim, em termos dos moümentos
partir de William de 0ckham, o filósofo inglês do seculo das partículas materiais.
XIV que o enunciou.) Suponha que temos uma noção de Está, contudo, claro que nunca se pode permitir que
algum tipo de objeto e que e possivel fazer uma análise um grupo de análises redutiuas forme um circulo, por
dela em que o analysans não contenha menções a esse maior que ele seja. Um analysandum que se vincula a um
tipo de objeto. O analysandum sera então teoricamente analysans subseqüente não foi reduzido nem eliminado
dispensável, visto que o que quer que desejemos dizer da teoria fllosófica, o que vicia todo o projeto do redu-
sobre ele pode ser dito, em vez disso, acerca d,o analysans. cionista. Esse fato apresenta algumas conseqüências pa-
Por exemplo, pode parecer que os números tenham de ser radoxais. Há muitos casos em que é óbvio que A pode ser
reconhecidos como objetos, visto que dizemos coisas como analisado em termos de B e B pode ser analisado em
"dois mais dois são quatro" e "há um número integral que termos de A, mas nenhum dos dois e mais simples ou
e tanto par como primo", enunciados que só parecem ser mais básico do que o outro. 0 reducionista que leve a
verdadeiros em função de certos fatos sobre os números. serio a navalha de Ockham vai presumivelmente querer
Mas se pudermos descobrir uma maneira de analisar a adotar uma dessas reduções, porem não poderá adotar as
noção de número, de adição, de ser primo e assim por duas sem formar um círculo. Como ele deve escolher?

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Ensaio filosófico Táticas para o t€xto analÍtico

Permita-me que eu me volte agora para outras manei- Uma única análise pode ser ao mesmo tempo muito
ras pelas quais uma análise poderia ser defeituosa, a saber,
forte e muito fraca. Por exemplo, podemos combinar os
como pode ela ser forte ou Í?aca demais. Uma análise será
defeitos da análise do celibato que e muito fraca com os
demasiadamente forte se for possÍvel dar um exemplo da
da que e muito forte:
noção sob análise que não satisfaça todas as condições
especificadas no analysans; inversamente, será demasiada- Alguma coisa é solteiro se e somente se
mente fraca a análise em que seja possÍvel descrever algu- (l) não é casada;
ma coisa que satisfaça todas as condições estabelecidas no (z) é homem;
analysans, mas que não é um exemplo do analysandum. (3) e humana; e
Considere-se, por exemplo, a seguinte análise do (s) joga tênis.
celibato:
Como há solteiros que não jogam tênis, a análise e
Alguma coisa é solteiro se e somente se
muito forte. Como há crianças do sexo masculino não
(t) não e casada;
casadas que jogam tênis e não são solteiras (porque são
(2) e homem; e
(l) é humana. jovens demais), a análise e muito fraca, ou seja, é a um
só tempo muito forie e muito fraca.
Essa análise e muito fraca, porque as crianças satis- Uma análise tenta especificar em seu ana$sans as
fazem essas três condições, mas não flguram entre os condições necessdnas e suficientes para o conceito ex-
solteiros; apenas adultos são solteiros. presso no analysandum. Condições necessárias são aque-
Consideremos agora uma análise mais forte do celi-
las que o analysans tem de conter a fim de evitar ser
bato:
muito fraco. Condições suflcientes são as que têm força
Alguma coisa é solteiro se e somente se suficiente para garantir a plenitude da realização do con=
(1) não e casada; ceito designado no analysandum. A análise do celibato
(2) e homem; que deixou de fora a condição (+) era muito fraca por ter
(3) é humana;
omitido uma condição necessária. Em conseqüência, as
(4J é adulta; e
condições não eram suficientes para especificar o concei-
(s) joga tênis.
to. E possivel especiflcar condições suficientes que não
Essa análise é muito forte; e fácil encontrar solteiros sejam necessárias. As condições (t) a (5) acima são con-
que não jogam tênis e que, portanto, não preenchem a dições suficientes para o celibato, mas (S) não é uma
condição (5). condiçáo necessária.

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Ensaio filosófico Táticas para o texto analítico

E ortodoxo manter que os termos contidos no não implica serem eles termos correlativos. Cada um deles
analysans são mais básicos ou primários do que os ter- e definÍvel em termos de alguma coisa comum aos dois:
mos do analysandum. Há, no entanto, termos correlativos Um marido e um cônjuge masculino.
que são igualmente primários. (Dois termos são correlati- Uma esposa e um cônjuge feminino.
vos quando a análise mais simples de um termo for em
termos do outro.) Isto é, é incorreto dizer que um seja
mais básico ou primário que o outro. A maioria dos ter- 4 Dilemas
mos alegadamente correlativos e contestável. Por exem-
plo, alguns fllósofos chegaram de fato a definir mente e Outra importante estrategia analítica usada com fre-
mafurta nos seguintes termos: qüência na elaboração de ensaios fllosóficos envolve a for-
mulação de um problema em forma de dilema. Uma das
Mind: no matter. lMente: não-materia/nenhum problema.] razões para isso e o fato de ser comum um projeto filosóflco
Matter: neuer mind. [Materia: nunca mente/náo se importe.] investigar e corrigir nossas crenças amplamente mantidas,
E fácil ser um dualista se mente e materia sáo ge- porem irrefletidas. Muitas dessas crenças mostram' a partir
nuinamente termos correlativos. 0s termos particular e da reflexão, ou que estão em conflito com alguma outra ou
que são inconsistentes. 0 mesmo se aplica ainda a várias
uniuersal tambem têm sido tratados, se bem que nem
crenças desenvoMdas depois de um longo período de refle-
sempre, como termos correlativos: um universal e algo
xão. E comum que uma üsão esteja em conflito com outra
que agrupa particulares numa classe, sendo um particular
üsão esposada pela mesma pessoa; ou um texto náo e claro
algo que e agrupado numa classe por um universal, mas
e uma interpretação plausÍvel conflita com outra üsão plau-
que não agrupa coisas.
sÍvel em outra parte desse texto. Em todos esses casos, a
Alguns pares de termos que inicialmente parecem tensão ou inconsistência entre textos ou crenças podem ser
termos correlativos podem mostrar que não o são. Por explicitadas por meio da formulação de um dilema.
exemplo, e tentador alegar que marido/esposa constituem No capitulo 2 foram explicadas as formas válidas de
termos correlativos a partir da ideia de que cada um deles inferência de dilemas construtivos e destrutivos. Podemos
e deflnivel em termos do outro: denominá-los dilemas formais, visto que eles nada dizem
acerca do conteúdo das premissas ou conclusões. Num
Um marido é uma pessoa que tem uma esposa.
sentido mais conhecido de dilema, um dilema sempre
Uma esposa e uma pessoa que tem um marido,
envolve a apresentação de alternativas que são de algum
Mas, embora seja verdade que o conceito de marido modo conceitualmente desagradáveis. Por exemplo, con-
não e mais básico ou primário do que o de esposa, isso sidere este arSumento, que contem um dilema material:

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Ensaio filosófico Táticas Para o texto analítico

Se o determinismo é verdadeiro, os seres humanos não são Embora seja necessário trabalhar com mais detalhes
responsáveis por suas ações; e, se o indeterminismo e esse fragmento de ensaio e preciso fornecer definições,
verdadeiro, os seres humanos não causam suas próprias ações. explicar por que a
-
causalidade exclui a responsabilidade
0u o determinismo é verdadeiro ou o indeterminismo etc. ele é um começo. Como os dilemas materiais são
e verdadeiro.
-,
concluídos com alternativas desagradáveis, os filósofos
tentam resolvê-los. Como os dilemas construtivos e des-
0u os seres humanos não são responsáveis por suas açoes ou
trutivos são formalmente válidos, a única maneira de
0s seres humanos nâo causam suas próprias ações.
resolvê-los consiste em mostrar que uma das premissas e
As alternativas expressas na conclusão são desagra- falsa. Como eles apresentam duas premissas, há duas for-
dáveis porque os seres humanos querem ser responsáveis mas padrão de fazê-lo: mostrar que a premissa conjuntiva,
por ao menos algumas de suas ações e desejam ser a composta por duas proposiçoes condicionais, e falsa ou
causa de suas ações. (0bserve que dilema formal/dilema mostrar que a premissa disjuntiva é falsa.
material náo são termos mutuamente exclusivos.) Mostrar que a premissa disjunüva e falsa recebe o
, Um dilema pode constituir o núcleo de um ensaio. nome de ficar entre os chifres do dilema- Mostrar que a
E comum que não requeira mais do que uma ou duas premissa disjuntiva é falsa é mostrar que ambas as
frases introdutórias e um relaxamento do estilo ascético disjuntas são falsas e que há uma terceira possibilidade
da lógica formal. Considere o f?agmento de ensaio a se- que e verdadeira. Considere o seguinte dilema:
guir, que incorpora o exemplo de um dilema construtivo:
Se Hobbes estiver certo, 0s seres humanos não passam de
-1 ..
E muito importante compreender a natureza das açoes hu- máquinas; e, se Hume estiver certo, os seres humanos não
manas, a fim de compreender a natureza dos seres huma- têm nenhuma existência substancial.
nos. Não obstante, a natureza das açoes humanas dá 0u Hobbes está certo ou Hume está certo'
margem a perplexidades, ensejando o seguinte dilema. Se
0u os seres humanos não passam de máquinas ou não têm
o determinismo é verdadeiro, os seres humanos não são
nenhuma existência substancial.
responsáveis por suas ações; e, se o indeterminismo é ver-
dadeiro, os seres humanos nâo causam suas próprias açôes. E fácil ver que esse dilema pode ser resolüdo por
Mas ou o determinismo é verdadeiro ou o indeterminismo meio da demonstração da falsidade da premissa disjuntiva.
e verdadeiro. Assim, ou os seres humanos nào são respon- A segunda premissa apresenta uma alternaüva falsa. As
sáveis por suas açôes ou os seres humanos não causam filosoflas de Hobbes e de Hume não são a única escolha.
suas próprias açoes. 0 objetivo deste ensaio é defender Há inúmeros casos a escolher. Não e fácil derrotar os bons
uma resolução desse dilema. dilemas, dado que eles costumam ser formulados com uma

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Ensaio filosófico Táticas para o texto analÍtico

premissa disjuntiva que exaure ou parece exaurir as al- próprias ações. 0 objetivo deste ensaio e defender uma re-
ternativas, como é o caso do fragmento de ensaio acima. solução desse dilema. Alegarei que a primeira premissa e
A premissa "0u o determinismo é verdadeiro ou o falsa porque a primeira conjunta, "Se o determinismo e
indeterminismo é verdadeiro" parece cobrir todas as pos- verdadeiro, os seres humanos não são responsáveis por suas
sibilidades; não há outra alternativa. Mas o dilema pode açôes", é fa-lsa, porque, ainda que o determinismo seja ver-
ser suscetivel ao outro método de resolução. dadeiro, os seres humanos são responsáveis por suas açôes;
Mostrar que a premissa conjuntiva e falsa recebe o e eles o são porque efetivamente as causam.
nome de "pegar o dilema pelos chifres'l Consiste em
mostrar que ao menos uma das conjuntas e falsa. 0 di- Há um terceiro método de lidar com dilemas: produ-
lema do fragmento de ensaio acima pode ser objeto da zir um contradilema. Isso consiste tipicamente em pro-
ação de pegar o dilema pelos chifres. Nesse caso, isso duzir um dilema com a mesma premissa disjuntiva. A
envolve mostrar que a primeira proposição condicional premissa conjuntiva conserva seus antecedentes, mas seus
da premissa cor{untiva é falsa: "Se o determinismo e conseqüentes são de modo geral contrários às disjuntas
verdadeiro, os seres humanos não sâo responsáveis por da conclusão do dilema original. 0 fragmento de ensaio
suas ações'l Alguem pode alegar que, embora o determi- a seguir contém um dilema e um contradilema:
nismo seja verdadeiro, os seres humanos são responsáveis
A existência humana pode parecer absurda. Esse aparente
por suas ações, porque os seres humanos são responsá-
absurdo üncula-se com questões acerca da existência de
veis pelas ações que causam, e o são porque as causam.
Deus, da liberdade humana e da salvaçà0. Isso enseja o
Se se seguir essa linha, incorporando-a a um ensaio, o
seguinte dilema: se Deus existe, os seres humanos não são
resultado se parecerá com:
liwes para determinar seu próprio destino; e, se Deus não
E muito importante compreender a nafureza das açoes hu- existe, não há esperança de salvação etema. 0u Deus existe
manas, a fim de compreender a natureza dos seres huma- ou não existe. Assim, ou os seres humanos nâo são livres
nos. Náo obstante, a natureza das açoes humanas dá mar- para determinar seu próprio destino ou não há esperança
gem a perplexidades, ensejando o seguinte dilema. Se o de salvação eterna.
determinismo é verdadeiro, 0s seres humanos não são res- Esse dilema náo es$ota, confudo, o assunto, como 0
ponsáveis por suas ações; e, se o indeterminismo e verda- demonstra o seguinte contradilema: se Deus existe, há es-
deiro, os seres humanos não causam suas próprias açoes. perança de salvação eterna; e, se Deus não existe, os seres
Mas ou o determinismo é verdadeiro 0u o indeterminismo humanos são livres para determinar seu próprio destino.
e verdadeiro. fusim, ou os seres humanos não são respon- Logo, ou há esperança de salvação eterna ou os seres
sáveis por suas ações ou os seres humanos não causam suas humanos são livres para determinar seu próprio destino.

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Ensaio filosófico Táticas para o texto analítico

Produzir um contradilema não refuta por si só um 0 sofista replicou ao aluno com um contradilema:
dilema. Isso não mostra que o dilema original não e Se eu ganhar esta causa, meu aluno tem de me pagar.
sólido. E bem possível que a conclusão do dilema e a do Se eu perder esta causa, meu aluno tem de me pagar
contradilema sejam verdadeiras. Mas os contradilemas (visto que terá ganho sua primeira causa).
indicam, de fato, que o dilema correspondente não e coe- 0u ganho ou perco esta causa.
rente. Uma maneira de mostrar a falta de coerência e
Meu aluno tem de me Pagar.
indicar que o dilema não leva em conta todas as consi-
derações relevantes para a questão. 0 fragmento de en- 0 fato de tanto o dilema como o contradilema serem
saio acima torna explicito que o dilema não leva em válidos e suas conclusoes contraditórias sugere que há
conta todas as questões relevantes para determinar se a alguma contradição nas premissas.
vida humana tem ou não sentido. 0 dilema só registra o Contudo, há mais uma coisa a notar quanto a esses
lado negativo da existência ou inexistência de Deus, mas dois argumentos: as conclusões não são proposições
não o seu lado positivo. Isso mostra que o dilema, embora disjuntivas. Se esses arSumentos tivessem sido apresenta-
possivelmente sólido, náo é coerente. dos de maneira mais explÍcita, a conclusão do primeiro
seria "0u não tenho de pagar a meu mestre ou não tenho
As vezes o contradilema indica que as premissas do
de pagar a meu mestre" e a conclusáo do segundo seria
dilema original são contraditórias. Conta-se a história de
"0u meu aluno tem de me pagar ou meu aluno tem de
um soflsta que concordara em ensinar um aluno a ser
me pagar". Como em ambos os casos a segunda disjunta
advogado com a seguinte condição: o aiuno não teria de
é redundante, e válido omiti-la. Esse movimento e cano-
pagar pelas aulas, a nao ser que ganhasse sua primeira nizado em outra regra de inferência, que se pode somar
causa. Como o aluno nunca conseguiu causas depois de às regras de inferência já introduzidas:
completada sua educação, o sofista o processou. 0 aluno
defendeu-se construindo o seguinte dilema: Tautologia
ptp
Se ganhar esta causa, não terei de pagar a meu mestre
(visto que ele terá perdido seu processo por pagamento). p

Se perder esta causa, nâo terei de pagar a meu mestre


(visto que, por n0ss0 contrato original, nâo tenho de lhe
pagar se perder minha primeira causa).
5 Contra-exemplos

0u perco ou ganho esta causa.


0 metodo do contra-exemplo e uma arma poderosa
Não tenho de pagar a meu mestre. usada com freqüência para refutar uma concepção filo-

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Ensaio filosófico Táticas para o texto analitico

sófica. 0 contra-exemplo e um exemplo de alguma coisa S sabe que p se e somente se


que se opõe a alguma proposição ou a algum argumento'. (1) p é verdadeiro;
As pessoas sáo capazes de usar contra-argumentos a partir [2) S acredita que p; e
dos 5 ou 6 anos de idade. As crianças muitas vezes usam (3) S está justificado em acreditar que p.
o metodo dos contra-exemplos de maneiras que fazem os
pais chorar. Um pai frustrado diz ao filho: "Você nunca Para refutar esta análise, Edmund Gettier construiu
pega as roupas em seu quarto!" A criança responde: "lsso dois cenários; esses dois cenários satisfaziam as três con-
não e verdade. Ontem eu peguei meu sapato e o atirei em dições do analysans, mas não eram exemplos de conhe-
Mary'l 0 pai e refutado. Às vezes os contra-exemplos provo- cimento. Assim, ele construiu dois contra-exemplos. 0
cam risos, mesmo que essa não seja a intenção. Um amigo segundo e mais simples deles foi o seguinte. Imagine que
meu tem duas filhas precoces. Um dia, a mais velha Smith esteja justificado em crer na proposição "Jones tem
cometeu algum erro insigniflcante, algo que a mais nova um Ford". (Smith conhece Jones há muitos anos; Jones
atacou impiedosamente. Numa tentativa desesperada de sempre teve um Ford; Smith viu Jones dirigindo um Ford
se defender, a mais velha protestou: "Ninguém e perfeito". há uma hora etc.) Imagine que Smith acredita nisso. Alem
A mais nova apontou vitoriosamente o indicador para o disso, suponha que Smith perceba que "Jones tem um
alto, referindo-se ao Todo-poderoso. E assim a irmã se Ford" implica "Jones tem um Ford ou Brown está em
viu refutada. Barcelona". Mas agora imagine que Jones vendeu seu
Podem-se distinguir dois tipos de contra-exemplo: o Ford e está dirigindo um carro alu$ado e que Jones, por
proposicional e o argumental. 0s proposicionais são contra- coincidência, está em Barcelona. Assim, a proposição
exemplos a proposições. Eles costumam ser refutações de "Jones tem um Ford ou Brown está em Barcelona" e
alguma proposição universal. Uma asserção geral de que verdadeira; Smith acredita nela; e Smith está justificado
todos os Fs são G e refutada por um contra-exemplo se em crer nela. Mas ele não sabe disso, porque as bases de
mostrar que há alguma coisa que e F e que não e G, A sua crença coincidem com a verdade disso.
afirmação de que todos os Fs têm as propriedades G I1 e Embora esse contra-exemplo seja relativamente sim-
I e refutada por um contra-exemplo se for demonstrado que ples, podem-se construir alguns mais simples. Suponha
algo do tipo F tem as propriedades G e H, mas não as L que Smith conhece Jones há anos, que ele o vê regular-
Um dos mais famosos contra-exemplos da filosofia mente etc. Suponha ainda que Smith acredita na propo-
moderna tem relação com uma análise padrão do conhe- sição "Jones está atravessando a West Mall" porque vê
cimento. Segundo essa teoria padrão, o conhecimento é alguém exatamente igual a Jones fazendo isso. E suponha
uma crença verdadeira justiflcacla, isto e: que, embora Jones esteja de fato atravessando a West

_162- - 1,63 -
Ensaio filosófico Táticas para o texto analítico

Mall, ele está por trás de uma parede e fora do alcance argumental que envolve uma inferência imediata: uma
da visão de Smith; que a pessoa que Smith vê nâo e premissa e uma conclusão. Bertrand Russell julgava que a
Jones, mas alguem que tem a aparência de Jones e que proposição "Um nome próprio genuÍno tem de nomear al-
age e se veste exatamente como ele. Então, todas as guma coisa" implicava a proposição "Só um nome que tem
condições do analysans estão satisfeitas, mas Smith não de nomear alguma coisa é um nome próprio'i Peter Geach
sabe que "Jones está atravessando a West Mall". assinalou ser isso "um erro de lógica modal" (Peter Geach,
Um dos mais engraçados contra-exemplos ocorre numa "The perils of Pauline", in Logic matters, 0xford, Basil
obra literária. No chá do Chapeleiro Maluco, Alice, num Blackwell, 1972, p. 155). Isto e formalmente o mesmo que
dado momento, aflrma que pretender dizer lmean) o que se alegar, a partir da proposição "0 que se sabe tem de ser de
diz é o mesmo que dizer o que se pretende. 0 Chapeleiro tal maneira", a proposição "Somente o que tem de ser
produz um contra-exemplo a essa alegação ao dizer: "Ora, de tal maneira e realmente sabido'l Com relação ao segun-
você poderia tambem dizer que 'vejo o que como' é o do par de proposições, observe que a primeira é verdadeira,
mesmo que 'como o que vejo'!" (Alice no País das Mara- mas a proposição inferida e falsa. Logo, a inferência e
uilhas, capÍtulo VID. A Lebre apóia a ideia do Chapeleiro inválida e, como o primeiro par de frases exibe o mesmo
ao produzir mais um contra-exemplo que diz: "Você pode- padrão, a inferência ali também deve ser inválida.
ria tambem dizer que 'gosto do que tenho' é o mesmo que Suponha que alguem alegue:
'tenho o que gosto"i Tanto o Chapeleiro como a Lebre Se Platâo foi um idealista, entâo fuistóteles foi um realista.
produzem contra-exemplos eficazes, porque cada um pro- Aristóteles foi um realista.
duz uma frase que tem a mesma forma da de Alice, mas
que e obüamente falsa, Assim, a frase de Alice não pode Logo, Plaião foi um idealista.
ser verdadeira em ürtude de sua forma. E importante que Este argumento pode parecer sólido. Tanto as premis-
o alegado contra-exemplo seja eüdentemente falso. Depois sas como a conclusão são verdadeiras, e sua forma de
dos contra-exemplos do Chapeleiro e da Lebre, o Rato ten- inferência e superficialmente semelhante à forma de infe-
ta produzir um contra-exemplo, mas fracassa porque a rência válida modus ponens, mas na realidade o argumento
frase que enuncia náo e obviamente falsa. Quando o e inválido. Podemos vê-lo produzindo um contra-exemplo:
narcoleptico Rato diz "Você poderia tambem dizer que 'res-
Se Platão foi o autor da Crítica da razão pura, PlaLào foi
piro quando durmo' é o mesmo que'durmo quando respi-
um grande filósofo.
ro"', o Chapeleiro diz: "Isto e a mesma coisa para você".
Platáo foi um grande filósofo.
0 segundo tipo de contra-exemplo envolve argumen-
tos, em vez de simples proposições. Eis um contra-exemplo Logo, Platão escreveu a Crítica da razão pura.

-164- -165-
Ensaio filosófico Táticas para o te xto analítico

Observe que as premissas do argumento são verda- (3) Se a maior ilha concebível existe apenas no entendimento,
deiras e que a conclusão e falsa. Logo, o argumento tem ela não e a maior ilha concebÍvel.
de ser inválido. E um exemplo do que se conhece como
(a) A Ilha Perfeita existe tambem na realidade.
a falácia da afirmaçáo do conseqüente. Em forma de ensaio,
o argumento original e seu contra-exemplo poderiam ser A falsidade da conclusão mostra que há algo errado
formulados como: com a forma do argumento. Como ele parlilha essa forma
com o argumento ontológico, deve haver algo errado
Alega-se, por vezes, que Platão foi um idealista. Porque, se
tambem com este último.
Platão foi um idealista, então Aristóteles foi um realista.
As vezes a natureza de um contra-exemplo e um
Mas esse argumento nào é sólido. Poder-se-ia igualmente
hÍbrido de contra-exemplo proposicional e argumental:
dizer que Platão escrevet a Crítica da razao pura,Porqu.e,
mostra-se que uma proposição e falsa no contexto de um
se Platâo escreveu a Crítica da razão pura, enÍào Platâo foi
argumento, mostrando-se, então, que este não e sólido
um grande filósofo. E Platão foi um grande filósofo, Logo,
em ür1ude dessa falsa proposição. Considere o seguinte
Platão escreve,,s, a Crítica da razao pura.
fragmento de ensaio, que tenta apresentar um contra-
Um dos mais famosos contra-exemplos argumentais exemplo para um argumento em favor do aborto:
refere-se ao argumento ontológico em favor da existência
Algumas pessoas acham justo o aborto porque a mulher
de Deus. Anselmo de Cantuária na verdade argumentou
tem o direito de fazer com seu c0rp0 0 que quiser, e fazer
da seguinte maneira:
um abofto e fazer algo com seu próprio corpo. Esse argu-
(t) Deus e o maior ser concebível. mento não é sólido. Pode-se igualmente alegar que dar um
(Z) 0u o maior ser concebível existe apenas no entendimento ou s0c0 n0 nariz de um passante ejusto porque a mulher tem
existe tambem na realidade. o direito de fazer o que quiser com seu próprio coryo e dar
(:) Se o maior ser concebivel existe apenas no entendimento, ele um s0c0 no nariz de um passante e fazer alguma coisa
nâo e o maior ser concebÍvel. com seu próprio corpo.

(4) Deus existe tambem na realidade. 0bserve que a mesma forma de argumento leva a
uma conclusão evidentemente falsa. Se as premissas do
0 monge Gaunilo produziu o seguinte contra-exemplo:
primeiro argumento forem verdadeiras, as do segundo
(1) A Ilha Perfeita e a maior ilha concebível. tambem o serão. Mas, como as premissas do segundo
(2) 0u a maior ilha concebível existe apenas no entendimento ar$umento Ievam a uma conclusão patentemente falsa,
0u existe tambem na realidade. ao menos uma das premissas do segundo ar$umento tem

166 - -167-
Ensaio filosófico Táticas paía o texto analítico

de ser falsa e, portanto, uma das premissas do primeiro o direito de fazer o que quiser com seu próprio corpo"
tambem tem de ser falsa. Se não for a segunda, tem de venha a persuadir muitas pessoas, que nela acreditariam.
ser a primeira. E claro que se deve observar que não se A razâo é ser isso um lugar-comum, algo amplamente
segue do fato de o argumento acima não ser sólido (por- aceito sem discussão. (Embora seja um lugar-comum, eu
que uma das premissas e falsa) que não haja um argu- o julgo falso. Ninguém, homem ou mulher, tem direitos
mento coerente em favor do aborto. Na verdade, é pro- ilimitados sobre o uso de seu próprio corpo.) 0 principio
vável que para cada proposição verdadeira haja um nú- precisa ser restringido de alguma maneira, a fim de ser
mero inflnito de argumentos falsos. Por exemplo, eis dois verdadeiro. Só os seres humanos talvez tenham o direito
argumentos obviamente falsos em favor da proposição de fazer o que quiserem no tocante a questões de repro-
obüamente verdadeira "2 + 2 = 4": dução, questões privadas ou coisa que o valha, mas esses
direitos não sáo ilimitados. E possível que os defensores
Se 2 +', e prana'
do princípio em discussão não queiram dizer isso literal-
;-i;x-i"1^l'J:'
mente, mas algo verbalmente semelhante a 'A mulher
2+2=4 tem o direito de fazer que façam a seu próprio corpo o
que ela desejar", mas mesmo esse princípio e dúbio, dado
0u Descartes é um fllósofo ou Platão e um filósofo,
Descaftes e um fllósofo.
que muitos estados [americanos] têm leis contra o maso-
quismo, a automutilação e o suicidio. Logo, um ataque
2+2=4 indireto à proposição tem muito mais oportunidades de
Dados esses argumentos ultrajantemente ruins, deve ser bem-sucedido. E isso o que o metodo do contra-
ser fácil ver que há um número infinito de maus argu- exemplo proporciona.
mentos para toda proposição verdadeira. Logo, um mau Embora seja uma maneira logicamente eflcaz de
argumento para uma proposição não mostra que a pro- argumentar contra alguma posiçáo, o contra-exemplo pode
posição seja falsa. Logo, apesar de o argumento em favor muitas vezes não ser persuasivo devido a não ser reco-
do aborto acima não ser coerente, pode muito bem haver nhecido como tal. Nessas situações, há necessidade de
outros ar$umentos que o são. mais alguma coisa. 0 autor tem de Ievar o leitor a reco-
Seja como for, o metodo do contra-exemplo costu- nhecer que a proposição relevante e falsa, sugerindo, talvez,
ma ser potente porque permite uma especie de ataque uma explicação dos motivos de alguem poder pensar que
indireto a uma proposição ou argumento que náo possam a proposição e verdadeira. Essa explicação não e prova de
ser persuasivamente atacados diretamente. E improvável que a proposição e falsa. Em vez disso, ela prepara psi-
que reunir eúdências contra a proposição 'A mulher tem cologicamente o leitor para reconhecer a prova. Dá-se a

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Ensaio filosófico Táticas para o texto analitico
-

isso o nome de "diagnóstico'i E algo análogo a manobra com a análise do conhecimento como crença verdadeira
freudiana de levar o paciente a perceber as causas de sua justificada. 0u seja, tem-se a impressáo de que o contra-
neurose. 0s diagnósticos podem ser bastante controver- exemplo não poderia ser acomodado por meio da mera
sos; eles exigem bem mais imaginação e raramente são alteração da formulação ou pelo acrescimo de alguma
definitivos, se é que chegam a sê-lo. Diferentes pessoas expressão mais precisa (mas outros filósofos tentaram, e
podem acreditar na mesma proposição falsa por diferen- ainda tentam, consertar as condições originais). 0 que
tes razões. tambem dotava o contra-exemplo de importância era o
AJguns contra-exemplos simplesmente refutam uma fato de sugerir uma direção na qual a análise correta do
teoria. Se a teoria for importante, o contra-exemplo será conhecimento poderia ser encontrada. 0 contra-exemplo
derivativamente importante. Isso ocorre especialmente indicava que, para que algo conte como conhecimento, e
quando o contra-exemplo ataca algum aspecto central da preciso que o tipo correto de relação causal ocorra entre
teoria, como o fez o de Gettier. Se não funcionar solapan- a crença e a coisa objeto de crença. Assim, foram geradas
do um aspecto central, o contra-exemplo pode simples- várias versões de uma teoria causal do conhecimento.
mente assinalar que a teoria precisa de alguns aprimora- 0s contra-exemplos são um metodo muito impor-
mentos e que e possível corrigi-la alterando sua formu- tante de argumentação filosófica. As vezes o contra-exem-
Iação. Nesse caso, o contra-exemplo talvez tenha valor, plo pode ser sucinto e direto. Um filósofo disse uma vez
mas não tem especial importância. 0 mais forte e impor- que a diferença entre a face do ser humano e a dos
tante tipo de contra-exemplo e aquele que não só aponta animais é que estes náo podem mudar a expressão do
uma fraqueza fatal em alguma teoria, como também su- rosto (ele pensava em formigas, tamanduás e porcos). Seu
gere alguma linha promissora de desenvolvimento de uma colega retrucou imediatamente: "E os chimpanzes?" 0u-
teoria diferente e mais adequada. Por exemplo, lembre-se tras vezes é necessário um bom tempo para desenvolver
do contra-exemplo sobre Smith pensando que viu Jones um contra-exemplo. E preciso uma cuidadosa preparação
cruzando a West Mall quando viu, na verdade, alguem de cenário e de explicação para mostrar ser ele de fato
parecido com Jones. Para muitos filósofos, o exemplo um caso daquilo que pretende ser. Incito-o a tentar usá-
parecia indicar que o conhecimento requer uma certa los e a nomeá-los como tais em seus ensaios'
relaçáo causal entre a crença e a eüdência, tendo desper- Não há regras simples para conceber contra-exem-
tado muito interesse pela "teoria causal" do conhecimen- plos. Pode-se dizer que se deve repassar mentalmente
to. Uma característica que tornou o contra-exemplo im- uma série de exemplos ate que nos ocorra um caso que
portante segundo muitos filósofos e o fato de ele parecer náo se enquadre na proposição a ser refutada. Mas é justo
mostrar que há alguma coisa fundamentalmente errada perguntar: "Como você faz isso?" ou "Como se faz isso de

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Ensaio filosófico Táticas para o texto analítlco

maneira qlre se acabe com um contra-exemplo e não Explicite as premissas e a conclusão do argumento original e
apenas com um monte de exempios que confirmam a do contra-exemplo. Explique por que tanto o argumento ori-
proposição?" Em outras palavras, pensar contra-exemplos ginal como o contra-exemplo são argumentos válidos. Tente
depende em última análise da imaginação. Algumas pes- então defender o argument0 original mostrando que o autor
soas são bem talentosas no tocante a isso e outras não. do contra-exemplo interpretou erroneamente a alegação de
que "a mulher tem o direito de fazer com seu corpo o que
ExercÍcios quiser" ou então revise o argumento oriqinal de alguma ma-
neira capaz de evitar o contra-exemplo.
1 Considere a proposição:
E comum que contra-exemplos famosos sejam mais compli-
A participação na Passeata do "Homem do Milhão" foi mo- cados do que precisam ser, sendo valioso escrever um ensaio
ralmente permissíve l, apesar de patrocinada por um racista que simplifique ou inclua uma simplificação de algum des-
(Louis Farrakan), dado que foi por uma boa causa, a saber, ses contra-exemplos. Escolha algum contra-exemplo elabo-
a promoção do comportamento responsável por parte dos rado que você tenha encontrado em suas leituras. Tente
homens afro-americanos.
construir um contra-exemplo mais simples e que tenha o
A proposição a seguir e um contra-exemplo? mesmo efeito.
Para um contra-exemplo elaborado e influente, leia Keith
A participação na Passeata "Respeitem as nossas mulheres"
Donnellan, "Proper names and identifying descriptions", in
foi moralmente permissÍvel, apesar de patrocinada por um
Sernontics of noturol longuoges, ed. por Donald Davidson e
racista (o Grande Sábio da KKK), dado que foi por uma boa
causa, a saber, a promoção do comportamento responsável
Gilbert Harman, Nova York, Humanities Press, 1972, pp.
por parte dos homens americanos brancos. 3s6-379.
0 artigo de Gettier provocou grande interesse logo depois de
2 Formule as questoes discutidas em (1) como argumento e
ter sido publicado.0s três artigos a seguir referem-se a várias
contra-exemplo argumental.
tentativas de corrigir a análise do conhecimento e contra-
3 Retome a passagem: exemplos adicionais. Leia-os para obter mais exemplos do
Algumas pessoas acham justo o aborto porque a mulher método dos contra-exemplos.
tem o direito de fazer com seu corpo o que quiser, e fazer
um aborto é fazer algo com seu próprio corpo. Esse argu-
(a) Michael Clark, "Knowledge and grounds: A comment on
mento não é sólido. Pode-se igualmente alegar que dar um Mr. Gettie/s pape(, Anolysit n" 24, '1963.
(b) Ernest Sosa, "The analysis of 'Knowledge that P"', Anolysis,
soco no nariz de um passante é justo porque a mulher tem
o direito de fazer o que quiser com seu próprio corpo, e dar n" 25, 1964, pp. 1-8;
um soco no nariz de um passante é fazer alguma coisa com (c)John Turk Saunders e Narayan Champawat, "Mr. Clark's
seu próprio corpo. definition of 'Knowledge', Anolysis, n" 25, 1964, pp. 8-9.

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Ensaio filosófico Táticas para o texto ânalítico

7 Pense em possíveis contra-exemplos para as seguintes propo- fins de argumentação, o oposto da proposição que de-
si çoes:
seja provar. A noção de argumento com reductio explora
(a)Todo homem é mortal. um aspecto da noção de implicação. Lembre-se de que
(b)Todo homem age por interesse. a implicação preserva a verdade. A partir de uma pro-
(c) Tudo o que promove a maior felicidade para o maior nú-
posição verdadeira, seguem-se proposições verdadeiras.
mero de pessoas é certo.
(d)Todas as pessoas têm um corpo.
Isto quer dizer que, se implicar alguma coisa patente-
mente falsa, a proposição tem de ser falsa. 0ra, se essa
proposição falsa e o oposto da proposição a ser provada,
6 Reductio ad Absurdum esta tem de ser verdadeira. E essa a estrategia que os
arSumentos com reductío exploram. Em suma, se algu-
0s argumentos que recorrem à reductio od absurdum ma proposição implica uma proposição falsa, essa pri-
são freqüentemente usados sem dificuldades na argumen- meira proposição também tem de ser falsa e sua nega-
tação corriqueira: ção, verdadeira.
Como se evidencia a partir dessa descrição de ar-
Muitos acreditam no Princípio do Inimigo, isto e, o prin-
cipio segundo o qual o inimigo de meu inimigo e meu Sumentos com reductio, é crucial mostrar que a propo-
sição implicada e falsa. Há duas maneiras de fazê-lo. A
amigo, embora isso seja muito evidentemente falso. Du-
rante os anos 1980, tanto o Iraque como o Irã eram mais segura consiste em derivar uma contradiçã0, qual-
nossos inimigos. Alem disso, o Irã era inimigo do Iraque. quer contradição. Por exemplo, se puder provar que o
i Assim sendo, nos termos do Princípio do Inimigo, o Irã oposto de sua concepção dos universais implica, diga-
era n0ss0 amigo. Mas isso e absurdo. Logo, o PrincÍpio mos, que e possível a um objeto estar num dado lugar
e não estar nesse lugar ao mesmo tempo, está claro que
I

do Inimigo e f,also.
ii essa visão e falsa e, portanto, a sua tem de ser verda-
li Embora seja fácil seguir esse argumento, as pessoas
deira.
li muitas vezes têm dificuldades para perceber por que ar-
I

lr gumentos com reductio como esse são válidos, bem como


Na lógica formal, os argumentos com reductio sáo
i

ti dificuldades para compreender argumentos com reductio sempre derivações de uma proposiçáo. Eles podem ser
li em filosofia, quando explicitamente formulados. representados da seguinte maneira, onde p,, ..., p, sâo
Grosso modo, num argumento com reductio ad ab- premissas, q e a conclusão desejada e r e qualquer pro-
surdum, a pessoa prova uma proposição supondo, para posição derivada:

1?É
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Ensaio filosófico Táticas Para o texto analítlco

outro Deus, D, táo teria uma propriedade que torna um


P,
ser perfeito e por conseguinte não seria Deus' Se não
Pz
contiibui, D, tem uma propriedade que não o torna perfei-
to e, nesse caso, D, tem uma propriedade supêrflua ao ser
perfeito e, Poftanto, não e Perfeito'
;" Esse argumento pode ser apresentado da seguinte
-q [Suposiçao da reductio] maneira:
t
(1) Existem dois Deuses, D, Dr.
[Suposição da r eductio]
iz) bu
p, contribui para tornar D, perleito ou não contri-
(r &. -r)
bui. [Tautologia]
0bserve que as premissas são listadas numa coluna (3) Se P, contribui para tornar D, perfeito, então D, não e

e a conclusáo q, na parte direita superior, numa meia Deus.


caixa. A primeira linha da derivação -q é a negação da (+) Se P, não contribui para tornar D, perfeito, então D,
conclusão. 0s três pontos verticais indicam as inferências nào e Deus.
(válidas) necessárias para derivar alguma contradição (5) 0u D,ot D, não e Deus. (A parlir de 2, 3 e 4' por
"(r&,-r)". (Deve ser desnecessário dizer que a contradição conjunçáo e dilema construtivo')
poderia ser "(q&-q)'l) Como supor -q leva a uma contra- (6) Há dois Deuses, D, e Dr,e ou D, ou D, não e Deus'
(lsso

dição, ela tem de ser falsa. Em conseqüência, q tem de ser e uma contradiçã0.)
verdadeira.
(7) Não existem dois Deuses.
Eis um exemplo inspirado por um argumento de
Avicena: A outra maneira, menos segura, de mostrar que uma
Náo pode haver dois Deuses, isto e, náo pode haver dois proposição implicada e falsa e derivar uma proposiçáo
seres perfeitos. Suponha, contudo, que houvesse dois. Nesse hagrrrt.m.nte falsa. Hilary Putnam tenta produzir uma
caso, um deles, digamos D,, teria a propriedade P, que o tal reductio como parte de sua defesa da alegaçáo de que
outro náo teria. (Tem de haver essa propriedade porque, se o significado de uma palavra, digamos, "água"' náo e
exem-
há duas coisas, tem de haver aiguma propriedade que deteiminado pelo estado psicológico do falante' Por
distinga uma da outra.) P, contribui ou não contribui para plo, se houvesse um planeta ("Terra Gêmea") exatamente
"água"
tornar D, perfeito ou nâo perfeito. Se contribui, então o igual ao nosso, com exceção do uso da palavra

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177 -
Ensaio filosófico Táticas Para o texto analítico

para referência a uma substância com todas as caracte- Nada se move.


rísticas fenomênicas da água na Terra, mas que tivesse Só existe uma coisa.
outra composiçáo química que não HrO, então a palavra Todas as coisas sào Deus.
"água" em Terra Gêmea não teria o mesmo significado da Não existem substâncias materiais.
água na Terra. 0ra, como alguns duvidaram disso, Put- "Sir Walter Scott" não e um nome próprio'
nam apresentou em defesa de sua concepção a seguinte 0s seres humanos náo agem livremente'
reductio: Na verdade, inventar um argumento en$enhoso para
Suponha que "água" tenha o mesmo signiflcado na Terra uma proposiçáo flagrantemente falsa e o caminho mais
e na Terra Gêmea. [Suposição da reductio.] Ora, deixemos curto para entrar na história da filosofla. Considere a ten-
que a palavra água se torne fonemicamente diferente em tativa de provar a proposição "Algumas ações humanas sáo
Terra Gêmea que ela se torne, digamos, "quaxel'l Pre- livres" por meio de uma reductio. Poder-se-ia ale$ar:
-
sumivelmente, essa não e uma mudança de significado Suponhamos que nenhuma ação humana seja livre' [Supo-
per se em nenhuma concepçã0. Assim, "água" e "quaxel" siçáo da reductio.] Entã0, nenhum ser humano e respon-
têm o mesmo significado (embora se refiram a liquidos sável por suas açoes. Mas isso é absurdo' L0g0, algumas
diferentes). Mas isso é altamente contra-intuitivo' [Con- açóes humanas são livres.
clusáo supostamente absurda.] Por que não dizer então
0 problema com esse argumento é que muitos f,ló-
que "olmo" em meu idioleto e 0 mesmo que "faia" no
sofos sustentarão que não e absurdo afirmar que os seres
seu, embora se refiram a árvores distintas? ("Meaning
humanos nào são responsáveis por suas ações' Eles po-
and reference", in The philosophy of language,3' ed., A.
dem oferecer seu próprio argumento com reductio em
P. Martinich, Nova York, Oxford University Press, 1996,
favor da ideia de que nenhuma ação humana e livre:
p. 291, n. 2).
Suponha que algumas açôes humanas sejam livres' Entào
Mas essa conclusão e absurda? Ao menos um flló-
alguns eventos, a saber, as ações humanas, não têm causa'
sofo de renome não estava persuadido disso (Jay David
Mãs isso é absurdo, porque todos os eventos têm causàs'
Atlas, Philosophy without ambiguity, 0xford, Clarendon
Logo, nenhuma ação humana é livre'
Press, 1989, p. 136). Logo, não e tão fácil quanto você
poderia pensar produzir uma proposição que seu público 0 que se pode fazer? Saber qual e o padrão do
considere patentemente falsa e, portanto, absurda' Consi- sucesso. Na filosofia, parece haver dois padrões concor-
dere as seguintes proposições, que parecem patentemente rentes, embora em alguns casos eles possam náo ser
falsas, sustentadas por alguns filósofos: mutuamente exclusivos.

-t7B- -179-
Ensaio filosófico Táticas paÍa o texto analitico

Um dos padrões diz que uma conclusão fllosóflca não elegante dessa forma é um argumento de Bertrand Russell
deve, se for razoavelmente possivel, contmdizer o senso contra o senso comum:
comum, ou seja, as crenças geralmente partilhadas pelos
0 senso comum leva à ciência. A ciência diz que 0 senso
não-fiIósofos. Esse padrão e motivado pela posição segun-
comum e falso; I0g0, o senso comum é falso.
do a qual a tarefa do filósofo é justificar ou explicar as
crenças comuns e não modificáJas. Foi o que Wittgenstein Podemos expor mais claramente a estrutura da reductio
quis dizer com a segiuinte afirmação: 'A filosof,a deixa se formularmos o argumento da seguinte maneira:
tudo tal como e'l 0s filósofos que adotam esse padrão têm A provar: 0 senso comum é f,also.
I
sido chamados defilósofos descritiuos. Claro que nem sem-
pre e possível justificar todas as nossas crenças comuns. Prova:
Do mesmo modo, pode muito bem haver um conjunto de (1) Suponha que o senso comum não e falso.
crenças básicas não triviais que todas as pessoas têm. Logo, [Suposiçâo da reductio)
o objetivo aqui e um ideal que nem sempre pode ser al- (2) Se o senso comum náo e falso, então a ciência e
cançado. No exemplo acima, "Algumas açoes humanas sáo verdadeira.
livres" se enquaüaria na visão do senso comum. [Premissa]
(g) Se a ciência e verdadeira, entáo o senso comum é falso.
0 outro padrão determina que a conclusão filosófica
não deve contradizer proposições teóricas básicas. Esse [Premissa]
padrão e motivado pela ideia de que a tarefa da fllosofia (4) 0 senso comum é falso. [A partir de 1, 2 e3,por modus
ponens.)
é produzir a mais simples e intelectualmente mais satis-
fatória explicação da realidade. Embora os filósofos dessa Num ensaio, esse argumento pode ser expresso da
tradição muitas vezes discordem acerca de qual é a me- seguinte maneira:
lhor explicaçáo, assim como os filósofos descritivos dis-
cordam quanto ao conteúdo do senso comum, eles con- 0 senso comum tem de ser falso. Porque suponha que ele
não seja falso. Se o senso comum náo e falso, então a
cordam que e preciso antes de tudo buscar os princÍpios
ciência é verdadeira, porque 0 senso comum deu ensejo
filosóficos de que se vai partir e depois usá-los para
à ciência. E, se a ciência e verdadeira, o senso comum é
determinar como e a realidade. Esses filósofos têm rece-
falso, porque a ciência diz que a visáo da realidade que
bido o nome de filósofos especulatiuos. Uma forma espe-
tem o senso comum e falsa. Logo, o senso comum é falso.
cial de argumentação por reducfio recebe o nome de
mirabilis consequentia. Ela consiste em mostrar que uma 0s alunos com freqüênciajulgam desorientadores os
proposição "náo-p" impiica uma proposição p. Um caso argumentos com reductio, e por duas razões. Primeiro,

-t8o- -181-
Ensaio filosófico Táticas Para o texto analítico

eles se perguntam como um fllósofo pode usar uma pre- E claro que Russell não crê que Geor$e IV deseja
missa e depois descartá-la. Como pode Russel provar que saber se Scott era Scott. Ele está assinalando o absurdo
o senso comum é falso, se ele começa dizendo que o que se segue caso se aceite a visáo de seu oponente,
senso comum é verdadeiro? A fonte dessa desorientação segundo a qual as descrições não sào nomes'
e a suposição errônea, de que o autor de um argumento Um exemplo flnal ilustrará como os argumentos com
com reductio afirme ou subscreva a suposição da reductio. reductio muitas vezes introduzem uma proposição náo subs-
Russell, por exemplo, não afirma que o senso comum é crita pelo autor e que na verdade ela e o oposto da conclu-
verdadeiro; ele apenas supõe ou finge supor, para fins de são que ele deseja. Por exemplo, poder-se-ia alegar que as
ar$umentação, que o senso comum e verdadeiro. Logo, descrições definidas não têm sentido da seguinte maneira:
ele nunca se compromete com sua verdade. Ele explora
[t] Suponha que as descrições definidas tenham sentido'
ou usa em seu próprio benefÍcio a proposição de que o
senso comum e verdadeiro, sem contudo subscrevê-lo. Ele [2] Então "o autor de Wauerley" significa Scott fiá que

oferece a proposição para fins da consideração de suas Scott e a pessoa que escreveu Wauerley). [3] AIém disso, se
conseqüências; e, quando mostra que tem conseqüências "o autor deWauerley" significa Scott, então a frase "Scott
absurdas, ele demonstra ser falso e que, por conseguinte, e o autor de Wauerley" e uma tautologia' [4] Mas isso e
sua concepção e verdadeira. absurdo, [s] Logo, as descrições definidas não têm sentido'
SeSundo, um argumento com reductio pode ser [t], é o contra-
0bserue que a suposição, expressa em
desorientador se você achar que o autor subscreve a ditório da conclusão t5l. t1l e usada como premissa; é
contradição que deriva. E preciso se dar conta de que a
suposta para f,ns de argumentação'
contradição não é do autor desse argumento. EIe está
nem se comPromete com sua ver
relatando a contradição que se segue se se rejeitar sua
mostrar em última análise ser ela
posição. Considere a seguinte reductio, mais uma vez
tório de [1], isto é, [5], é verdadeira. [3] e absurda' Como
inspirada por Russell: falsa' Logo,
[3] supostamente se segue de [1], [1] tem de ser
As descrições nâo são nomes. Porque suponha que elas o o contraditório de [t], isto e, [5], tem de ser verdadeira'
fossem, Então um nome poderia ser substituido por uma
descriçâo se 0 nome e a descrição se relerissem a um
mesmo objeto, Ora, como "Scott" e "o autor de WauerIE' 7 Raciocinio dialetico
se referem ao mesmo objeto e como George [V queria
saber se Scott era o autor de Waueiley, segue-se que George A palavra dialética tem muitos signiflcados' Num de
IV queria saber se Scott era Scott. ,.r, ,.ntidos, signiflca raciocínio falacioso ou sofístico'

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Ensaio filosófico Táticas para o texto analítico

Noutro sentido, significa raciocínio válido. Esses dois sen- têm uma tendência natural para fazer o bem e, depois de
tidos marcam os extremos de sua gama de signiflcados. Em examinar as deficiências de uma e da outra, terminar por
ambos os senüdos, dialética refere-se a um produto: um concluir que os seres humanos têm algumas tendências
bom produto, no caso do sentido de raciocÍnio válido, e para fazer o mal e algumas tendências para fozer o bem.
um mau produto, no caso do raciocinio falacioso ou Quanto a (b), uma proposição vem da proposição
sofístico. Usarei o termo "raciocinio dialetico" não como o anterior por meio da consideração de suas conseqüências
nome de um produto, mas como designação de um proces- lógicas e, dessa maneira, da descoberta das limitaçoes dos
s0, de um estilo ou de um metodo de raciocÍnio. conceitos nelas expressos. As proposições subseqüentes
Nesse sentido, o raciocínio dialetico se caracteriza vêm de modo geral de um ou mais dos seguintes tipos de
pelo seguinte: reüsão:
(a) É um raciocínio que procede por meio da consideração (1) negação
de uma série de proposiçôes topicamente relacionadas. (2) expansão
(b) Cada proposição subseqüente costuma vir de ou ser (3) restrição
inspirada por proposições anteriores.
(c) Supôe-se que cada proposição subseqüente esteja mais
A negação e o tipo hegeliano clássico de revisão.
Um fllósofo pode começar com a tese "Existem univer-
próxima da verdade do que a anterior.
sais" e então negá-la, diante de objeções, gerando "Não
Esses três aspectos da dialetica requerem alguns existem universais".
comentários breves. A expansão consiste em tornar mais explícita a pro-
Quanto a (a), a relação semântica entre as duas posição; é tornar um ponto mais pleno. Um filósofo que
proposições e paradigmaticamente a de negação. G. F. W. começa com a proposição "Todo homem e livre" pode
Hegel, com cujo nome a dialetica está mais estreitamente explicá-la, expandindo-a: "Todo homem nasce livre,
relacionada, preÍ'eria que uma proposiçáo dialetica fosse a embora alguns se tornem escravos por intermedio da lei'i
negação da outra, Mas e prudente não levar muito a sério Há muitas formas de expansão. Qualificar uma proposi
essa caracteristica. Muitas vezes uma proposição dialética ção e uma delas. Jean-Jacques Rousseau diz: "0 homem
e apenas o contrário da outra. (Duas proposições são nasce livre, mas em toda parte ele está sob ferros'l A
contrárias quando não podem ser verdadeiras ao mesmo aflrmação é vigorosa, mas não literalmente verdadeira,
tempo, mas podem ser falsas.) Por exemplo, pode-se pas- mesmo não havendo falhas em seu uso da metáfora. No
sar da proposição os se/es humonos têm uma tendência curso de sua exposição, flca claro que ele quer dizer "0
natural para fazer o mal à proposição 0s seres humanos homem, considerado como uma criatura em estado de

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Ensaio filosófico Táticas Para o texto analítico

natureza, isto e, não restrito pela civilização, nasce livre, venha a acreditar que p ao menos em parte porque A
mas na sociedade civil ele está sempre sob ferros, sendo reconhece que, ao enunciar r, S pretende que Á venha a

improvável que seja feliz'i Qualificar uma tese dessa acreditar que p.
maneira é por vezes chamado de "matizar'i Seria dificil levar o leitor a crer em (3), para não falar
A restrição equivale a enfraquecer uma proposição. de compreendê-la, se ele não visse por que Grice julgou
Um fiIósofo que transforma "0s seres humanos são neces- necessário rejeitar (1) e (2) como demasiadamente simples'
sariamente bípedes" em "0s seres humanos sáo normal- Nlm'tratamento dialetico da questão, supõe-se que
mente bipedes" ou "Todas as ações humanas são livres" as príposiçoes posteriores sejam mais corretas e mais
em "A-lgumas ações humanas sáo livres" está restringindo bem fundadas do que as anteriores. Elas sáo mais corretas
a proposição. e mais bem fundadas porque o desenvolvimento dialetico
Quanto a (c), a dialetica tem uma motivação peda- permitiu que os ar$umentos em favor de uma tese fossem
gógica. Supõe-se que o tratamento sistemático da suces- apresentados e as objeçoes a essa tese levadas em conta
são de proposições seja uma maneira fácil de levar uma efou refutadas ou usadas para aprimorar a tese original'
pessoa a verdade. A consideração sucessiva de uma serie Eliminaram-se vários tipos de ambigüidade e de impreci-
sáo discutidos no capítulo 6.
de proposições mostra por que outras possibilidades náo
Numa forma de raciocínio dialetico, seria'possÍvel
são corretas. Isso e especialmente útil quando a concep-
combiná-lo com uma reductio. Considere o seguinte frag-
ção correta é muito complexa. Um tratamente dialetico de mento de ensaio:
uma concepção deveria revelar por que a concepção com-
plicada e inevitável. Por exemplo, H. P. Grace considera Poder-se-ia pensar que as únicas coisas reais são as coisas
sucessivamente, em seu artigo "MeaninS", as seguintes que etistem. Mas um momento de reflexão revela que isso

proposições: não pode ser verdade, porque, se fosse, nada seria capaz
de mudar. Isso se deve ao fato de que tudo o que muda
(1) Por meio de um enunciado Í, uma pessoa S quer dizer o faz de algo que existe num dado momento do tempo
que pse e somente se S pretende que um auditório A para algo que não existe nesse momento, Como o que não
acredite que p em virtude de r. existe não e real, segundo nosso principio original, a
(2) Por meio de um enunciado r, uma pessoa S quer dizer que mudança seria impossível. Isso e evidentemente absurdo'
p se e somente se S pretende que um auditório Á reconheça Logo, parece que as coisas reais são coisas que eilstem
que S pretende que A acredite que p em ürtude de r. e coisos que nao enstem. Mas essa posição tambem parece
(3) Por meio de um enunciado Í, uma pessoa S quer dizer insustentável, porque ela, da mesma maneira, nào explica
que p se e somente se S pretende que um auditório A como a mudança e possível: tudo o que muda existe' Se

-186- -187-
Ensaio filosófico Táticas para o texto analítico

aquilo que muda se toma o que não existe, o que muda se [l]Todas as ações humanas são egoistas. [2] Todos são
toma nada, porque o que nã0 existe nã0 é nada, Mas isso motivados por seus próprios interesses mesquinhos. [3]
e impossivel. Logo, alguma coisa parecida com a nossa pro- Ninguém age de uma maneira que considere prejudicial a
posiçáo original e verdadeira. Mas é preciso modiflcá-la a si mesmo. [4] 0 hedonismo atual o evidencia.
fim de levar em conta o fato da mudança: as únicas coisas [5] Poder+e-ia objetar que o egoísmo não pode ser
reais são coisas que existem num dado momento. Logo, tudo verdadeiro. [6] Pessoas que fazem doaçôes a instituiçôes de
o que muda muda de algo que existe num dado tempo, caridade, pais que se sacrificam pelos filhos, soldados que
digamos, f,, em algo que existe em outro tempo, digamos, fr. dâo a vida pelo país poderiam ser provas de que o egoÍsmo
e falso,
Nessa passagem, há um desenvolümento dialetico que
envolve de modo crucial as três proposições em itálico: [7] Mas isso não e suficiente para refutar o egoismo. [a]
As pesscas sempre agem a partir de seu próprio interesse,
(l) fu únicas coisas reais são as coisas que existem. mesmo quando esse auto-interesse nâo e imediatamente
(2) As coisas reais são coisas que existem e coisas que não acessível. [9] As pessoas fazem doaçoes a instituições de
existem. caridade a fim de evitar sentimentos de culpa; os pais se
(3) As únicas coisas reais são coisas que existem num sacriltcam pelos filhos em funçâo do prazer vicário que
dado momento. ohtêm com 0 sucesso ulterior destes; os soldados dão a üda
não pelo país, mas para evitar a vergonha da covardia e a
A passagem da proposição (t) para a proposição (2)
ineütável execução por deserção que haveria se nâo o fi-
foi motivada por um argumento com reductio, tal como o
zessem. (Esta passagem e inspirada por Charles Landesman,
foi a de (2) para (3). (2) tambem parece contradizer (1) e
incorporar essa contradiçã0, embora na verdade as duas
Philosophy: An introduction to the central issaes, Nova
York, Holt, Rinehart and Winston, 1985, p. 24.)
conjuntas aparentes de (2) não sejam contraditórias entre
si. [Talvez esse tipo de aparência tenha levado Hegel a Há quatro proposições importantes para a compreen-
afirmai que a realidade e contraditória.) Quanto a (:), observe são da estrutura dialetica da passagem. A frase [t] apre-
que ela e superficialmente mais próxima de (t) do que de senta a tese. A frase [5] nega [t] preliminarmente, na
(2). Ela se assemelha a um "retorno" a (1), com uma dife- forma de uma objeção. A frase [7] reafirma a tese de
rença: (3) e mais complexa e precisa do que (1). Em suma, maneira geral e prepara o leitor para a frase [B], que e
há um sentido em que (3) supera tanto (1) como (2) , bem uma formulação mais precisa da tese, tornada possivel
como um sentido em que (z) e o oposto de (1). em virtude de [s].
Eis outro exemplo de ensaio que incorpora um método 0 propósito do raciocínio dialetico deve ser retórico
dialético: ou pedagógico. Presume-se que levar o leitor a percorrer

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Ensaio filosófico Táticas Para o texto analitico

algumas alternativas plausÍveis vinculadas com algum ou perca seu curso, como ocorre no começo de Tnstam
problema torne mais simples a compreensão da proposi- Shindy [famoso romance do inglês Laurence Sterne]'
0 raciocÍnio dialetico e útil na redação de ensaios
ção verdadeira. 0 objetivo e instruir, não atordoar'
A medida que se familiarizar com o estilo de escrita porque costuma proporcionar um método fácil de organi-
dos principais filósofos, você poderá perceber que a for- ,uçío. Quando imaginam o ensaio antes de escrevê-lo ou
quando tomam notas antes de esboçá-lo, as pessoas cos-
ma do diálogo parece prestrar-se ao raciocinio dialetico.
0 intercâmbio proporcionado pelo diálogo convida à as- tumam cair no seguinte tipo de pensamento:
serção de uma proposição; convida à sua refutação, à sua De um lado, X.
substituição por outra proposição que leve em conta a Por outro lado, não-X, Por causa de P'
refutaçáo de um falante e seu oposto por outro. Cada Mais uma vez X, Por causa de Q'
falante pode refutar a proposição do outro e, assim, levar Por outro lado, não-X, Por causa de R'
o leitor a sucessivamente rever sua tese. Mas nem por isso
todos os diálogos exibem esse tipo de raciocínio dialetico'
0s estudantes costumam julgar frustrante esse tipo
Emprega-se muitas vezes a forma de diálogo apenas para de ir-e-vir e terminam por pensar que não sabem o que
pensam ou o que devem pensar. E isso tende a provocar
desenvolver com mais elementos uma tese apresentada
no começo e nunca revisada. neles o bloqueio do escritor. Uma saida para o problema
Deve-se fazer, aqui, uma advertência. Embora a apre-
sentação dialetica do raciocínio seja uma boa maneira de
desenvolver um argumento, tenha cuidado ao tentar usar
a forma de diálogo para exprimir uma progressáo dialetica
em seu ensaio. Trata-se de uma forma de manejo muito
Exercício
mais difÍcil do que parece à primeira üsta' Só os melhores
Construa uma pequena passagem dlalética em que o conjunto
de
fllósofos e estilistas filosóflcos, como P1atão, Berkeley e
um papel central:
Hume, por exemplo, tiveram sucesso ao usar essa forma. proposições a seguir desempenhe
(a) Nenhuma ação humana e livre.
Uma das desvantagens üncula-se com a sagacidade: nào
(b) Algumas açôes humanas são livres.
substitua o pensamento e a substância pela presença de
(c)Todas as ações humanas são causadas, mas algumas açoes
espírito ou pelo humor. Outra desvantagem e a digressáo.
não vêm da coação.
E preciso controlar o diálogo. Embora se possam introduzir
algumas questões colaterais e subtramas fllosóflcas, e im-
poftante náo d.eixar que o diálogo se prenda a meandros

-191 -
-190-
to

],

(J Algumas restrições ao conteúdo

\Jo capÍtulo 2, descobrimos que a validade e a verdade


l\ agemluntas para produzir argumentos sólidos e que,
para ser persuasivo, o argumento tem de ser ao mesmo
tempo convincente, isto e, reconhecidamente sólido. Mui-
tos argumentos fiIosóficos são válidos, mas a maioria não
e convincente. Por quê? A resposta e que as eúdências
apresentadas em favor de suas premissas não são do tipo
correto ou não são apresentadas de uma maneira que faça
o público reconhecer sua força evidencial. A pessoa que
não consegue julgar verdadeira cada premissa individual
de um arSumento náo será levada a aceitar sua conclusão.
Seria uma maravilha se houvesse alguma maneira
simples de explicar o que constitui uma boa evidência
para uma premissa filosófica ou como se poderia proceder
para descobri-la. Infelizmente, não creio que haja. 0s
fllósofos costumam usar as tecnicas descritas no capítulo
anterior análise, contra-exemplos e reductio ad absur-
dum-, -mas não se pode descrever de uma maneira geral
qual a análise correta para um conceito específico, qual
o contra-exemplo para alguma proposição especÍflca ou
como construir uma reductio para chegar a uma dada

-193-
Ensaio filosófico Algumas restrições ao conteúdo
-
conclusão. Isso é parte da substância da filosofia, Quando Em anos recentes, alguns filósofos e muitos alunos
as pessoas lêem filosofia ou a praticam elas mesmas, sua passaram a dizer que não existem verdade tal como pen-
atençáo se dirige para essas questões e não se supõe que sam nem a verdade. (Não creio que eles acreditem real-
o estilo interfira na compreensão dessa substância. mente nisso, mas eles dizem que acreditam e podem pensar
Feita a advertência, desejo dizer algo sobre três que sim. Pensar que se acredita em algo em que não se
questões vinculadas com a evidência: a busca da verdade, acredita é enganar a si mesmo.) Quando dizem que não
o uso da autoridade e o ônus da prova. existe verdade, eles não pensam ser verdade que não exis-
te verdade? E, se assim é, eles estão se comprometendo com
a existência de ao menos parte da verdade. Minha alega-
1 A busca da verdade ção e bem simples. Compare-a com aquilo que os tribu-
nais exigem: 'A verdade, toda a verdade, nada mais do
Tanto quanto puder, você deve assegurar-se de que que a verdade".
aquilo que diz e verdadeiro. Não se esforce por dizer algo Por vezes esses filósofos e alunos afirmam rejeitar
"profundo" ou algo que você julgue parecer profundo. apenas a Verdade com "V" maiúsculo, mas julgo suas
Quem pode escrever mil palawas acerca de um tópico explicações da diferença entre verdade e Verdade inade-
filosófico sem dizer nada falso e muito menos alguma quadas ou inexistentes. Negar a existência da verdade e
coisa ultrajantemente falsa conseguiu algo sobremodo im- algo que leva alguns a achar que isso soa profundo. Eu
portante. A profundidade poderá vir por si mesma. julgo isso uma tolice.
Você nem sempre terá êxito, pois em algumas oca-
siões cometerá erros honestos. Dê atençâo a isso, mas
não a ponto de ficar paralisado. Só se preocupe mesmo 2 O uso da autoridade
com os erros desonestos. Já mencionei a tentação de
escrever alguma coisa falsa porque ela soa profunda. As pessoas se apóiam em autoridades no tocante a
Entre as outras tentações, há a de escrever algo fácil por muitas crenças que têm e às decisões que tomam, e com
julgar que seu professor acredita nisso. No long;o prazo, freqüência o fazem com razão. E legitimo apoiar-se nas
e melhor estar comprometido com a verdade do que com previsões do tempo que fazem os meteorologistas des-
aquilo que você pensa que seus superiores julgam ser a culpe, esse é um mau exemplo
-
nos pareceres dos
verdade. No curto prazo tambem; dizer algo em que não -,
medicos sobre nossa saúde, no parecer dos fisicos sobre
se acredita costuma soar falso e pode ser percebido por a natureza do universo e assim por diante. Mas o que
um leitor sensível. torna justificável esse tipo de confiança e- o fato de a

-194- _195-
I

Irl
i Ensaio filosófico Algumas restrições ao conteúdo

autoridade ter boas razões para ter suas ideias, razões que vada por outra pessoa que o autor pode esperar que o
em nada dependem da autoridade. Em última análise, o público aceite como autoridade. Eis um exemplo de (t):
valor evidencial de toda autoridade depende da qualidade Descartes aflrma que sua existência decorre de seu pen-
da evidência que ela apresenta. E um erro substituir as sar. Ele segue a mesma linha geral de argumentação para
evidências que um filósofo apresenta por sua autoridade.
provar que Deus existe, que ele não e idêntico a seu
Por exempio, considere o seguinte fragmento de ensaio,
c0rp0 e muitas outras coisas. Para os propósitos desse
que contem um uso errôneo da autoridade:
ensaio, suponhamos que Descafies esteja certo, Desejo
0s universais são objetos gerais que causam a existência alegar que sua posição pode oÍ'erecer uma base racional
de valores individuais. 0s universais existem nos objetos para o individualismo, bem como para uma forma demo-
ou sem os objetos. Mas como Platã0, o maior 0u a0 menos crática de governo.
um dos maiores fiiósofos de todos os tempos, sustentava Nesse fragmento, o autor usa a autoridade de Des-
que 0s universais existem sem os objetos isso deve ser
cartes para oferecer a suposição de que precisa para de-
verdade e eles náo podem existir nos objetos,
senvolver o ponto principal de seu ensaio.
Esse fragmento contém um uso errôneo da autorida- No tocante a (2), citar os resultados obtidos por umâ
de, porque a grandeza de Platão como filósofo e irrele- autoridade pode poupar o tempo e o esforço necessários
vante para a natureza dos universais. Muitos outros filó- ao oferecimento de uma prova que não tenha lugar cen-
sofos, como Aristóteles, por exemplo, sustentaram que os tral no projeto especifico do autor. Esse uso da autoridade
universais existem nos objetos. E suas crenças são igual- motivou o uso de expressões do tipo "Como o demons-
mente irrelevantes para a questã0. 0 que é relevante é a trou Gôdel.,.", QUe e simplesmente uma abreviação do
argumentaçáo que estabelece ou refuta a concepção de argumento em si. Mas ele só tem eficácia se aquilo que
que os universais existem nas coisas. Em manuais de a autoridade "demonstrou" for conhecido e aceito pelo
lógica náo-formal, um apelo ilegÍtimo a autoridade e público a qlle se dirige o autor. Referir-se a um argumen-
chamado de "a falácia da autoridade". to obscuro ou que seja objeto de amplas dúvidas e ina-
Há, igualmente, apelos legitimos à autoridade. Não e ceitável. Do mesmo modo, não pense que se referindo
possivel provar tudo num ensaio ou mesmo num livro. aprovativamente ao argumento de um autor você está se
Há circunstâncias nas quais o autor precisa ou (1) pres- eximindo de algum ônus e depositando-o na autoridade
supor algum resultado que outra pessoa (alegadamente) a que recorreu. Ao contrário, você está assumindo o ônus
estabeleceu ou (2) usar em seu argumento alguma pre- da prova desse ar$umento. Se o argumento da autoridade
missa que ele mesmo não pode provar mas que foi pro- cotada for defeituoso, seu argumento o será igualmente.

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Ensaio filosófico Algumas restÍiçôes ao conteúdo

(Se o argumento da autoridade for bom, claro que o argumento. Refutar essa posição injustamente apresenta-
credito cabe a ela, por ter sido ela quem o concebeu.) da equivale a bater rlirtm inimigo uencido. E muito fácil
Embora referir-se a uma autoridade a fim de tomar fazer isso, mas não e uma grande realização.
para si o argumento dessa autoridade seja uma maneira 0s alunos são especialmente suscetiveis ao abuso da
de abreviar o argumento e evitar a citação, a citação é às autoridade porque a maioria de seus ensaios requer um
vezes desejável. Podemos citar uma autoridade tanto para uso amplo de autoridades, de modo geral algum fllósofo
exprimir um argumento que aceitamos como para expri- de destaque e bem morto Platão, Descartes, Hume,
mir um argumento que pretendemos atacar. As autorida- Kant
-
e eles não sabem o que há de importante numa
des podem ser amigos ou inimigos. Uma autoridade favo- -,
autoridade. 0 que importa não é a fama nem o admirável
recida só deve ser citada se o autor do ensaio não puder caráter do filósofo ou sua possÍvel vida excitante, mas
exprimir o pensamento com mais clareza ou brevidade do seus argumentos. Como eu já disse, na maioria das ati-
que o fez a autoridade, porque, se puder melhor apresen- vidades fllosóficas o Argumento é tudo. E isso explica por
tar esse pensamento com suas próprias palavras, o autor que autoridades filosóficas têm um papel tão destacado
deve fazê-lo. Recorrer a uma citação seria, no caso, uma na maioria dos ensaios filosóficos, tanto nos dos filósofos
confissão de fracasso. Também se pode citar uma autori- proflssionais como nos dos estudantes de filosofla: os
dade se suas palavras tiverem uma eloqüência imponente. grandes fliósofos construiram grandes arsumentos filosó-
Todos os que discutem as concepções de Hobbes sobre o ficos que devem antes de tudo ser conhecidos e depois
homem em estado de natureza se sentem impelidos a criticados, revisados e ampliados. 0s grandes fllósofos do
citá-Io: "e o estado do homem e solitário, pobre, decaden- passado estabeleceram os termos do debate filosófico não
te, brutal e curto'i Uma citação pode ser retumbante mas porque os filósofos tenham um respeito fora do comum
tautológica "Tudo e o que é, e não outra coisa" (Bispo pela tradição, mas porque a tradição consiste nos argu-
Butler)
-
ou de tirar o fôlego "Onde não se pode falar mentos que os filósofos cujos argumentos os tornaram
-
deve-se calar" (Wittgenstein).
- grandes conceberam. Como o disse certa vez o extraordi-
Uma autoridade desfavorecida deve ser citada se for nário historiador da fllosofia medieval e moderna Etienne
necessário provar que você apresentou a posiçáo dela Gilson, 'A única coisa pertinente à história da filosofia e
com imparcialidade e precisão. E muito importante que a filosofla".
você apresente a posição do oponente da maneira mais Alem do uso das obras dos grandes filósofos, os
forte ou mais defensivel, ainda que pense que ela não alunos têm muitas vezes de pesquisar a literatura secun-
pode suportar o ataque de suas objeções. Apresentar com darta, i.sto e, livros e artigos escritos por estudiosos sobre
parcialidade a posição do oponente é construir um falso os grandes f,lósofos. Há ocasiões em que se espera que os

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Ensaio filosófico Algumas restriçôes ao conteúdo

alunos relatem o que disseram esses estudiosos e mesmo sas que precisam ser fundamentadas. Há, contudo, propo-
que avaliem isso. Em ambos os casos, o que importa é a sições que, embora não sejam evidentes por si mesmas
evidência ou a razão que eles oferecem em favor de sua nem sustentadas por eüdências apresentadas no próprio
concepção. A literatura secundária deve ser examinada ensaio, ainda podem ser usadas. As vezes as proposições
a fim de se descobrir se ela lança alguma luz sobre o são usadas condicionalmente ou como suposiçôes, isto e,
tópico primário. alguem poderia tentar provar que existe conhecimento
empírico a partir do pressuposto de que existe conheci-
mento matemático. Nesse caso, a pessoa estaria provando
3 0 ônus da prova condicionalmente a existência do conhecimento empírico.
EIa supõe, para fins de argumentaçdo, que existe conhe-
Liga-se à questão da evidência e da autoridade a cimento matemático, a flm de extrair desse pressuposto
questáo de determinar a quem cabe o ônus da prova do uma conseqüência digna de atenção. Esse uso condicional
argumento. Grosso modo, ele cabe à pessoa que afirma ou de proposições e legítimo desde que â proposição inferida
que se apóia de alguma outra maneira na verdade de uma não seja filosoficamente ultrajante. (Se a proposição for
proposição para tornar conüncente sua posição. Lembre- filosoflcamente ultrajante, a verdade do pressuposto pode
se, no entanto, de que e impossivel provar todas as pro- ser objeto de dúvida.)
posições. Há em todas as ciências algumas proposições Se nenhuma ciência está isenta de pressupostos, é
consideradas básicas e fundamentais. Tais proposições são altamente improvável que algum ensaio possa estar. 0
simplesmente supostas sem prova. Na geometria, esses segredo está em ser capaz de distinguir o que se pode
princípios são os axiomas, considerados tradicionalmente supor e o que exige prova ou evidências. Não há uma
evidentes por si mesmos. Há, alem disso, muitas propo- regra simples sobre como perceber isso além de prestar
sições que, embora não sejam auto-eüdentes, não preci- atenção ao que o professor diz na aula a fim de determi-
sam ser provadas cada vez que são usadas, dado que a nar o que ele permitirá ou não permitirá que você pres-
evidência em favor delas e muito conhecida. Por exem- suponha. Talvez seja necessário perguntar-lhe explicita-
plo, não se precisa provar que a Terra e redonda e muito mente se certas coisas podem ser pressupostas.
antiSa, que os seres humanos usam linguagens para se Você deve pensar na possibilidade de seu argumento
comunicar, e assim por diante. Por outro lado, na maioria precisar de alguma proposição evidente ou apenas supor-
dos contextos não se deve simplesmente supor que só tável pela evidência. Por exemplo, a fim de refutar o
exista um objeto ou que animais não-humanos usem lin- ceticismo, tem de haver uma proposição evidente ou basta
guagens para se comunicar. Trata-se de ideias controver- que haja uma proposição verdadeira para além de uma

-200- -201-
Ensaio filosófico

dúüda razoável? Há, na etica, alguma coisa evidente? t\


A-lgum principio moral substantivo, como "E sempre er-
!
raclo dizer intencionalmente o que e falso" ou "E sempre a
(d
errado se apossar intencionalmente da propriedade alheia", U Algumas metas em termos de forma
precisa ser evidente ou basta que seja mais razoável do
que todo principio concorrente? Estas continuam a ser
questões filosóficas controversas, e a maneira como você
thes der uma resposta determinará em larga medida o
tipo de argumento que você precisará construir a fim de
sustentar a tese de seu ensaio.
f-) s ensaios têm de ser inteligíveis ao leitor. Se você
l.-f um grande argumento e não puder co-
dispuser de
municá-lo ao leitor, esse argumento não terá valor prá-
tico, Três dos mais importantes modos de tornar o ensaio
inteligível são as5eSurar-se de que ele e claro, conciso e
coerente. 0s filósofos empenham-se igualmente por aqui-
lo que denominam "rigor'l Essas quatro qualidades são o
tópico deste capÍtulo.

1 Coerência

Uma das mais sérias falhas de um ensaio é a incoe-


rência, que não equivale à falta de sentido. A falta de
sentido, no significado que Ihe atribuo, e uma noção abso-
luta. Uma frase e ou não e sem sentido, e não pode ser
tornada inteligivel simplesmente ao ser posta num con-
texto. A coerência, em contraste, e relativa. Uma frase
que e por si só perfeitamente dotada de sentido pode ser
incoerente no contexto de um ensaio. Por exemplo, a
frase "Kant é o autor da Crítica da razão pura" certamen-

- 202 -203_
Ensaio filosófico Algumas metas em termos de forma

te tem sentido, não sendo difÍcil compreendê-la. Mas em Platão sustenta que os universais efetivamente existem. 0s
alguns contextos ela seria incoerente, como n0 caso do universais sã0, assim, parte do estofo último do mundo. Se
seguinte fragmento de ensaio: não houvesse universais, nada mais existiria.
Platão, que e 0 maior dos filósofos gregos antigos, se Cada frase desse fragmento se integra as outras por
perguntou como podia ser que muitas coisas diferentes meio do assunto compartilhado: os universais.
pudessem todas pertencer a0 mesmo tipo. Kant e o autor
Alem de partilhar um assunto especifico, as frases se
da Crítica da razao pura. Dado que Fido, Bowser e Spuds integram entre si de outras formas. Uma delas é o uso de
são todos cães, eles são de alguma maneira o mesmo. 0 frases que marcam as fronteiras das grandes partes do ensaio:
que os torna o mesmo?
o começo, o meio e o flm. Considere as Íiases a seguir:
A frase sobre Kant está tão fora de lugar nesse Í?ag-
Começo/Para começar
mento que quase se e tentado a dizer que ela náo faz AJegarei agora/Considere-se 0 argumento
sentido ou mesmo que não tem sentido. Acentuo, no en-
Concluo/Para concluir/Em conclusão
tanto, que ela não e desprovida de sentido ou sem sentido,
porem incoerente em alguns contextos. Uma frase e incoe- Ainda que essas frases não sejam particularmente
rente quando não se integra à Ílase que a precede ou a ele§antes, elas são eficazes para informar o leitor sobre o
segue imediatamente. Um parágrafo e incoerente quando ponto do ensaio em que ele se encontra, e a união das
não se integra ao parágrafo que o segue ou o precede três reúne num todo as três grandes unidades estruturais
imediatamente. E um ensaio e incoerente quando um gran- do ensaio.
de número de frases ou parágrafos seus é incoerente. Outros recursos lingüisticos conectam parcelas meno-
Grande parte da coerência resulta da continuidade, res do ensaio, um parágrafo a outro, uma frase a outra e
isto é, da maneira como o ensaio se move de um lugar mesmo uma parte de uma frase a outra. Esses recursos
para outro, rumo a seu destino. Um ensaio cheio de di- costumam ser chamados de erpressões de transição. Seu
gressões, que parece não ter nenhum destino particular, e efeito e muito mais local do que o de expressões como "Co-
defeituoso mesmo que cada uma de suas frases tenha meço", "Em conclusão" e "Alegarei", que controlam parce-
uma enorme energia retórica. las relativamente grandes do texto. A maior parte dos
Há vários modos de obter a coerência num ensaio. recursos lingüisticos disponiveis para unir partes do ensaio
As vezes uma parte do ensaio mantem uma relação de ocorre no meio do ensaio, lugar da maioria dos movimen-
coerência com outra porque partilham um tópico, como tos importantes do argumento. 0 autor precisa fornecer ao
no caso do seguinte fragmento de ensaio: Ieitor "sinais de trânsito" que marquem a introdução de

-204- _205_
Ensaio filosófico Algumas metas em termos de forma

subargumentos e a apresentação e a refutação de objeções. Alem das expressões de transição que iniciam pará-
Um bom lugar para esses sinais é o começo dos parágrafos. grafos, há ainda palawas e expressôes de transição úteis
Por exemplo, considere as frases de abertura de seis pará- no interior dos parágrafos. As expressões portanto e em
grafos sucessivos de Philosophy: An introduction to the conseqüência indicam a conclusão de um argumento, na
central isszes, de Charles Landesman: maioria das vezes dentro do parágrafo. As expressôes
alem disso, por outro lado, do mesmo modo e em acrés-
G. E. Moore desenvolveu um argumento contra o hedonis-
cimo indicam que se fornecerão evidências ou informa-
m0...
o assunto.
ções adicionais sobre
0 hedonismo tem duas respostas a Moore. Em primeiro
0s pronomes e as nominalizações tambem podem
lugar,,,. Em segundo,,..
ser usados para produzir coerência. Compare as duas
Outro argumento contra o hedonismo...
seqüências a seguir:
0 hedonista replica,..
Assim sendo, o hedonismo não e refutado... Platão argumenta que e mais fácil observar a natureza da
justiça no Estado do que no indivÍduo. Platâo usa a premis-
No começo, Landesman deixa claro qual é o tópico sa de que o mais amplo e observado com mais facilidade,
principal de cada parágrafo. 0 leitor deve ser grato ao
autor por mantê-lo informado sobre o ponto do ensaio Platão argumentá que e mais fácil observar a natureza da
em que ele se encontra. Seu professor tambem o será justiça no Estado do que no indMduo. Seu argumento usa
e poderá exprimir essa gratidão da maneira que você - a premissa de que o mais amplo e observado com mais
mais gosta se você usar expressões de transição seme- facilidade.
lhantes.
-
As duas passagens exprimem a mesma informação,
Eis mais um exemplo de expressõçs de transição no
mas a segunda tem uma coerência de que a outra não e
começo de parágrafos sucessivos:
dotada. A coerência e obtida por meio do uso de duas
Começaremos a nossa consideração do empirismo voltan- palavras: seu e argumento. O pronome seu requer que o
do a nossa atenção para Locke. leitor encontre seu antecedente, que está na frase ante-
Pode-se objetar ao empirismo de Locke chamando a aten- rior. 0 mesmo ocorre com o substantivo abstrato "argu-
çâo para... mento", advindo da nominalização do verbo "arsumen-
Há uma réplica dúplice a essa objeção. tar". Assim, embora não se devam usar palavras abstratas
Mas quem objeta pode nâo aceitar essa replica a parlir do por si sós, há razões para o seu uso, e uma delas e a
fato de que... coerência. Eis mais três exemplos de coerência entre fra-

-206- -207-
Ensaio filosófico Algumas metas em termos de forma

ses obtida pela transformação do verbo de uma frase num outras sem que nenhuma delas transmita o pensamento
substantivo abstrato que e usado na outra: do autor:
TrasÍmaco propõe que a justiça é aquiio que serve aos A arte desafia o principio prevalecente da razão: ao repre_
fortes. Sua proposição é refutada por Sócrates. sentar a ordem dos sentidos, ela invoca um lógica proibida
Camus recomenda que escolhamos nossos valores. Sua a Iógica da gratiflcação, que se opoe à da repressã0. por
recomendação e coreta.
-trás da forma estética
sublimada, revela-se o conteúdo nâo
sublimado: o compromisso da arte com o principio do pra_
Heidegger desafia os filósolos contemporâneos a voltar às
zer. A investigação das raizes eróticas da arte tem um amplo
raizes da filosofia. Seu desafio foi aceito de maneiras ines-
papel na psicanálise (Herbert Marcuse, Eros and ciuilization,
peradas por Denida.
Nova York, Vintage Book, 1955, pp. 168-169).
Virtualmente, todos os princÍpios e recursos para gerar
coerência no ensaio que mencionei deveriam ser conheci- Há coerência aqui, mas não clareza, creio eu. Mar_
dos por você a paftir dos cursos de redaçáo. 0 que tentei cuse poderia ter dito mais ou menos a mesma coisa da
fazer foi torná-lo consciente do fato de eles se aplicarem seguinte maneira:
igualmente à filosofia, bem como tentar levá-lo a usar os A arte tem para a vida a mesma importância que tem a
recursos disponiveis em sua própria prosa filosóflca.
razã0, apesar de os filósofos terem muitas vezes deixado
esse fato de lado, A arte está vinculada primordialmente
Exercícios
com as satisfações das experiências dos sentidos. Mesmo
1 Descubra e registre por escrito três parágrafos sucessivos de quando sob a restrição de formas artísticas especÍficas, o
alguma obra filosófica que contenham expressoes de transi- caráter sensual da arte ainda pode ser percebido. Grande
ção explÍcitas em seu começo. parte da psicanálise tem se dedicado à investigação das
2 Pense em dez palavras ou expressões de transição que pode-
satisfaçôes sensuais advindas da arte.
riam aparecer em ensaios. (Uma sugestão: procure exemplos
em ensaios.) E um tanto embaraçoso um filósofo pregar sobre a
clareza, porque muitos escritos filosóficos carecem dessa
qualidade. Mesmo assim, a clareza permanece como um
2 Clareza ideal. Wittgenstein escreveu: "0 que pode ser dito pode
sê-lo com clareza" (Tractatus Lo gico -philosophicu§. §cho_
E bem possível que um ensaio seja coerente mas não penhauer escreveu: "0 verdadeiro filósofo sempre busca a
claro. Cada frase pode estar obviamente ligada a todas as clareza e a discriminação; ele tenta invariavelmente lem_

-208- -209_
Ensaio filosófico Algumas metas em termos de forma

brar não uma torrente üolenta, impetuosa, mas antes um situação, pode não ser claro para outra em outro momen-
Iago suíço que, por meio de sua câlma, combina uma to e em outra situação. 0 que conta como uma clara
grande profundidade com uma grande clareza, revelando- exposição do teorema da incompletude de Gõdel para um
se a profundidade precisamente por meio de sua clareza" lógico de Harvard pode não parecer uma exposição clara
(citado por Peter A. French, "Toward the headwaters of para uma pessoa que faz seu primeiro curso de filosofia.
philosophy: Curriculum revision at Trinity University", in A presença ou a ausência de clareza na redação depende
Proceedings and Addresses of the Amencan Philosophical em pafte de que fatos ou crenças o autor pode legitima-
Association, no 58, 1985, p. 615). Joseph Butler escreveu: mente supor que seu público possui.
'A Confusão e a Perplexidade no Escrever são efetiva- Quantas vezes você ouviu pessoas dizerem, frustra-
mente indesculpáveis, dado que qualquer um pode, se o das, "Bem, você sabe o que eu quero dizer", quando fra-
desejar, perceber se compreende e conhece aquilo a que cassaram repetidamente em dizer o que querem dizer sobre
se dedica" (Joseph Butler, Fiue sermons, Indianápolis, o tipo de coisa mais banal. Pense como é muito mais difícil
Hackett, 1983, p. 12). Butler pode ter exagerado a verda- dizer alguma coisa etatamente correta sobre o mais
de; talvez um autor rrem sempre saiba que seus escritos central, importante e fugidio de nossos conceitos quando
são confusos, especialmente quando comprqende por in- ninguém o disse antes dessa mesma maneira. Em filoso-
teiro o seu material. Mesmo assim, o que Butler quer fla, depois de se fracassar em dizer alguma coisa de modo
Alem disso, justa-
dizer e verdade em muitíssimos casos. correto, nunca e aceitável recorrer à frase "Bem, você
mente porque e provável que um autor possa não saber sabe o que eu quero dizer". Se o público sabe o que o
que sua redação é confi'rsa, a não ser que pense sobre essa autor quer dizer sem que ele o diga corretamente, o que
possibilidade com algum cuidado, e de todo importante ele tem a dizer e trivial; e, se não for trivial, o público
que ele faça isso, porque o que Butler diz imediatamente não pode ter certeza sobre o que o autor quer dizer.
depois da passagem acima está certo: "e e imperdoável E fácil dizer "seja claro" e difÍcil dizer o que e a

que um homem apresente aos outros o seu pensamento clareza. No sentido amplo em que uso o termo, a clareza
quando ele está consciente de que ele mesmo náo sabe e um conceito complexo que exibe muitas dimensões. Na
onde se encontra nem em que ponto está o assunto que fi.losofia, a dimensão que mais se destaca entre todas e a
tem diante de si" (Butler, Fiue sermons, p. 12)'Não há precisão. A precisão evita três coisas: a ambigüidade, a
desculpas para quem escreve intencionalmente de manei- vaSuidade e a indeterminação.
ra confusa. 0s autores têm a obrigação de ser claros' Uma palavra, expressão ou frase ambígua e a que
A clareza se relaciona com o público. Aquilo que e tem dois ou mais sentidos. A frase "Maria está num ban-
claro para uma pessoa num dado momento, numa dada co" e ambÍgua porque fica entre "Maria está nalguma
,2tt-
-270-
Ensaio filosófico Algumas metas em termos de forma

instituição flnanceira" e "Maria está sentada na praça". Não se deve confundir ambigüidade com vaguidade:
Embora seja muito improvável que essa frase venha a
Pai: Para onde você vai?
causar alguma confusão fllosóflca, há sentenças ambi-
Adolescente: Sair.
guas que a causam, e chamar a atenção para as ambigüi-
Pai: 0 que você vai fazer?
dades nelas envolvidas constitui um progresso filosófico.
Adolescente: Um monte de coisas,
0 egoÍsmo psicológico se apóia na seguinte proposição:
Cada pessoa age apenas para satisfazer seus próprios As respostas do adolescente são vagas, não ambí-
desejos. Essa frase parece ao mesmo tempo obviamente guas. Falta-lhes especificidade. 0s escritores costumam
verdadeira e ultrajante. Como isso é possivel? E possivel ser vagos quando não sabem formular seu pensamento
porque ela e ambígua. Num dado sentido, ela significa: com precisão, embora exista uma formulação precisa para
"Tudo o que uma pessoâ faz é aquilo que ela quer fazer". ele. A vaguidade deve, em última análise, ser eliminada
Para que aja, a pessoa tem de ser movida a agir por nesses casos. Isso signif,ca que você deve se esforçar para
alguma coisa, e a coisa que move uma pessoa e chamada eliminar palavras e frases desnecessariamente vagas. Isso
de uontade ou desejo. Isso e verdade e não é nada exci- náo quer dizer que os primeiros esboços de seu ensaio
tante; muitos o considerariam trivial. Noutro sentido, a não possam conter palavras e frases assim. Ao contrário,
tese do egoismo psicológico significa: "Toda pessoa aSe esse e um bom lugar para elas. Quando da primeira ela-
apenas para satisfazer seus próprios desejos e os de mais boração de seus pensamentos, escreva o que lhe vier à
ninguem". Isso torna o egoismo psicológico ultrajante e mente. Muitas dessas coisas serão vagas. Isso não e um
falso. Gandhi, Martin Luther King e Madre Teresa são três problema. Depois de ter escrito seus primeiros pensamen-
exemplos indubitáveis de pessoas que, embora fizessem o tos, faça uma revisão. Elimine a vaguidade por meio de
que queriam fazer, também foram movidos a fazer coisas uma reflexâo mais cuidadosa acerca da questão; use tam-
a fim de satisfazer os desejos de outras pessoas e apenas bem um dicionário e um vocabulário para ajudá-lo a
pelo bem dessas outras pessoas. E isso o que elas dese- encontrar a palawa precisa que você quer.
javam. Quando o sentido trivialmente verdadeiro da tese Estive falando ate agora da vaguidade evitável. Algu-
do egoÍsmo psicológico e unido ao sentido ultrajante e ma vaguidade é ineütável. Faltam a alguns fenômenos,
falso, a tese parece persuasiva e profunda. 0 egoismo por sua própria natureza, fronteiras definidas, e eles esta-
psicológico se apóia nessa ambigüidade (ver Hastings riam sendo erroneamente representados se se usasse uma
Rashdall, Theory of good and euil,Oxford, Clarendon Press, linguagem abertamente específlca em sua descrição. Um
1907). Uma vez que se aponte a ambigüidade da tese, o conceito va§o importante e o conceito comum de pessoa.
egoísmo psicológico não é persuasivo. Suponha que duas pessoas, Esperto e Bronco, tenham sido

-2t2- _2t3_
Ensaío filosóflco Algumas metas em termos de forma -

operadas e tenham tido seus cérebros trocados. Depois da 0 importante de tudo isso e que ceria vaguidade e
operação, quem e Esperto e quem e Bronco? Se você pen- inerente a alguns conceitos, não sendo um defeito o fato
sar que a resposta óbvia e que o sr. Bronco e o objeto que de sua redação refletir essa vaguidade. Como disse Aris-
consiste no cérebro de Bronco posto no corpo de Esperto tóteles, 'A marca da pessoa educada e não exigir mais
e que o sr. Esperto é o objeto que consiste no cerebro de precisão do que o seu objeto o permite" (veja WittSen-
Esperto no corpo de Bronco (baseando-se no fato de que stein, Inuestigações filosóftcas, para mais elementos sobre
a pessoa e quem quer que tenha o seu cerebro), então precisão e exatidão).
considere uma situação relacionada, mas diferente. Supo- Alem da vaguidade evitável, que se pode censurar
nha que Esperto e Bronco sejam operários; seus cérebros em fllosofia, e da vaguidade inevitável, que se deve
são trocados. Contudo, no curso da troca, trocaram-se tam- recomendar, há uma terceira cateSoria, a da vaguidade
bem todos os estados cerebrais de cada cérebro, isto é, evitável que se deve recomendar. Trata-se de um tipo de
todos os estados originais do cerebro de Esperto estão agora vaguidade que está a serviço do estilo. Muitas vezes,
codiflcados no cérebro de Bronco e todos os estados ori- especialmente quando um tópico e difícil ou quando
ginais do cérebro de Bronco estão agora codificados no aquilo que se vai dizer sobre ele e bastante original,
cérebro de Esperto. Nessa situação, o corpo de Esperto tem uma formulação precisa da concepção do autor, embora
o cérebro de Bronco, mas os estados cerebrais de Esperto; inteligivel em si mesma, pode ser relativamente ininte-
e o corpo de Bronco tem o cérebro de Esperto, mas os ligÍvel para o leitor não preparado. Nesses casos, costu-
estados cerebrais de Bronco. Qual e, agora, o objeto Esper-
ma ser retoricamente aconselhável começar com uma
to e o objeto Bronco? E bem provável que haja uma dis- declaração vaga da posição que se tem e usá-la como
cussão sobre a resposta certa. 0utra maneira de lidar com
oportunidade para convidar a uma formulação mais
precisa dela. Por exemplo, John Searle tinha coisas sur-
a questão é, no entanto, aleSar que não há uma resposta
preendentemente originais para dizer sobre a intencio-
certa, porqte o conceito de pessoa não e tão definido a
nalidade em seu livro Intentionality, a maioria das quais,
ponto de permitir responder a essa pergunta. A situação e
quando formulada de maneira precisa, era expressa ine-
tão estranha que uma solução para ela nunca esteve preüsta
vitavelmente em termos técnicos. Esses termos teriam
no conceito comum de pessoa, mas nada nos impede de
sido ininteligíveis aos leitores no começo do livro. As-
acrescentar a esse conceito original alguma coisa que ve-
sim, num primeiro momento de explicação de suas con-
nha a determinar a resposta. Tenha consciência de que, ao
cepções, Searle escreve:
fazer um acrescimo a esse conceito, nós o estaremos mo-
dificando e, mais precisamente, admitindo que o conceito Todos esses... vinculos entre estados Intencionais e atos de
original continha algum grau de vaguidade. fala sugerem naturalmente uma certa representação da

-214- -215-
Ensaio filosófico Algumas metas em termos de forma

Intencionalidade: todo estado Intencional consiste em um ensaio avançar ao convidar a um maior esclarecimento e

conteúdo representativo numa certa modalidade psicológi- ao encorajar a brevidade.


ca. 0s estados Intencionais representam objetos e estados A indeterminação difere da ambigüidade e da
de coisas... Assim como a minha declaração de que está vaguidade. Trata-se de um tipo de incompletude. Ela e
chovendo é uma representaçâo de um certo estado de coisas, sintomática de um pensamento preguiçoso e semiformado.
tambem a minha crença de que está chovendo e uma Considere a frase "0s seres humanos são egoistas". Essa
representação do mesmo estado de coisas. Assim c0m0 a sentença e indeterminada, pois não especifica se se refere
minha ordem a Sam de que deixe a saia se refere a Sam a todos ou a alguns seres humanos' nem se eles sâo sem-
e representa uma certa açâo de sua parte, tambem o meu pre ou só as vezes egoístas. Há importantes diferenças
desejo de que Sam deixe a sala se refere a Sam e repre- nas condições de verdade dessas proposições:
senta uma certa açáo de sua parte (Intentionality, Cambrid-
Todos os seres humanos são sempre egoístas.
ge, Cambridge University Press, 1983, p, 11).
Todos os seres humanos sâo às vezes e$oistas.
0 uso por Searle de "representa" e de "representa- Alguns seres humanos sáo sempre egoistas.
ção" ajuda a estabelecer um contexto familiar aos filóso- Alguns seres humanos sâo às vezes e$oistas.
fos, mas os fllósofos raramente disseram, se o fizeram, o
que é uma representação. Searle sabe dessa vaguidade e Há todo tipo de maneiras pelas quais uma proposição
pode ser indeterminada, sendo impossÍvel enumeráJas aqui'
a está explorando. Adiante, ele aflrma: 'A noçáo de repre-
sentação e convenientemente vaga'i Ele admite que está Assim, deve-se estar sempre em $uarda contra a indeter-
"explorando essa vaguidade" e reconhece que a noção minação, sendo esse o motivo pelo qual a voz passiva e
"requer algum esclarecimento adicional'i Ele está, na rea- muitas vezes ofensiva. Alguns filósofos afirmam "0 mundo
lidade, convidando a esse esclarecimento, que pouco de- e constituído" como se isso exprimisse um pensamento
completo, mas o que queremos saber e quem ou o que o
pois ele oferece com alguma prolixidade. Depois de forne-
cer o esclarecimento, ele assinala que seu uso de "repre- constitui, para nâo mencionar o que "constitui" signiflca
senta" e de "representação" poderia ser completamente nesse caso. A frase "0 mundo e constituído" seria escrita
eliminado em favor das explicações técnicas que ele ofe- menos enganosamente como "0 mundo é consütuído por'i
rece no esclarecimento, mas e conveniente não substituÍ- Esse esquema frasal ao menos tornaria claro que algo está
los, porque esses termos vagos são um atalho para cons- faltando. Não basta completar a frase da seguinte maneira:
truções sintáticas complexas. Observe, então, que a lin- "0 mundo e constituido pela consciência", porque mesmo
guagem vaga pode ser retoricamente eficaz: ela oferece essa frase não especiflca que consciência está envolvida'
ao leitor uma entrada inteligivel no ensaio; ela faz o Há ao menos três possibilidades óbvias:

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Ensaio fílosófico Algumas metas em termos de forma

0 mundo é constituído por Deus. Assim, talvez a brevidade não requeira muitos comentá-
0 mundo e constituido por cada consciência humana. rios. Ela e desejável porque tipicamente exige menos da
0 mundo e constituido peia consciência humana coletiva. atenção e da compreensão do leitor. 0 autor deve perce-
ber que custa a seu público o tempo que este leva para
Qual é a afirmação original a ser aceita? ler o que ele escreve. 0 professor do aluno é um público
E tentador escrever frases indeterminadas, Elas costu-
cativo; não vá, alem disso, torturá-lo.
mam ser incisivas, intrigantes e epigramáticas. Dão impres-
Embora seja uma boa politica, a brevidade tem exce-
sáo de profundidade, mas sáo vazias. Falta-lhes a profun-
ções. As vezes, o ritmo da linguagem recomenda uma
didade advinda do pensamento esforçado. E poupam injus-
sentença mais cheia de palawas. Do mesmo modo, às vezes
tificadamente ao autor o esforço de pensar uma questáo a brevidade se aproxima do empolado, isto é, por vezes e
completamente. Não poupe esforço. necessário usar mais e não menos palawas, a fim de ex-
Depois de escrever um esboço de seu trabalho, e bom plicitar o conteúdo de uma Í?ase e, assim, torná-la mais
rever seu esboço e procurar termos-chave num dicionário inteligÍvel a seu leitor. As frases curtas e de conteúdo denso
ou vocabulário, para ver se não há uma palavra mais pre- costumam ser menos inteligÍvei§ a um público específico
cisa para aquilo que você quer dizer. A palavra mais do que frases mais longas com o mesmo conteúdo.
precisa costuma ser uma palavra maior ou incomum. Se Por outro lado, a brevidade náo garante a eficiência;
for esse o caso, use-a, mas náo use a palavra maior só ela se refere apenas a coml se diz alguma coisa e nem um
por ela ter mais sÍlabas. (As palavras mais precisas cos- pouco ao que e dito. Ao determinar a eficiência ou a
tumam ser maiores do que as palavras relacionadas, porque economia de uma frase ou ensaio, tem-se de considerar,
é parte da economia da linguagem usar as palavras além da brevidade, o conteúdo. Uma frase breve, mas
menores para os propósitos mais comuns e porque a vazia, não comunica com mais eficácia do que uma frase
precisáo exigida para a filosofia é incomum. E freqüente prolixa, porem informativa. Assim, não e desejável por si
que os filósofos precisem usar palavras incomuns porque mesmo sacrificar o conteúdo em favor da brevidade,
seus pensamentos são incomuns.) embora isso possa ser desejável por alguma outra razáo:
para variar a extensão das frases ou preparar o leitor para
alguma explicação complicada. Por conseguinte, tem-se
3 Concisào de equilibrar brevidade e conteúdo. Essa e a força que
tem o conselho de ser conciso.
A concisão combina brevidade e conteúdo. Ser conci- Embora uma frase curta em algumas ocasiôes trans-
so se traduz em dar muitas informações num espaço breve. mita mais do que uma lonSa, há momentos em que a

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Ensaio filosófico Algumas metas em termos de forma
-
frase longa e indispensável. A maioria das frases concisas Descartes começa duvidando da existência de tudo e con-
pode ser considerada uma expressão daquilo que várias clui que ele existe.
frases curtas poderiam ter transmitido. Por exemplo, a
frase Descartes começa duvidando da existência de tudo, mas
conclui que ele existe.
Descafies tem dúvidas radicais sobre a capacidade dos seres
humanos de saber alguma coisa Embora comece duvidando da existência de tudo, Descar-
tes conclui que ele existe.
pode ser vista como veiculando a mesma informação que
transmitem estas três: Na primeira frase, a palavra "e" exprime o fato de as
ideias contidas em cada segmento da frase receberem
Descartes tem dúvidas. igual ênfase. Na segunda frase, as ideias são contrastadas,
As dúvidas são radicais. e há mais ênfase na segunda do que na primeira em
As dúvidas se referem à capacidade dos seres humanos de virtude do significado de "mas'i Na terceira frase, a ideia
saber alguma coisa, expressa no primeiro segmento é uma concessão do au-
Grande parte da concisão consiste justamente nesse tor, sendo a ideia expressa no segundo segmento enfatizada
tipo de economia de expressâo. Mas não é só isso. A por causa do significado de "embora".
combinação de frases permite que o autor exprima seus As nuances expressas em "e", "mas" e "embora",
pensamentos de maneira organizada. A estrutura sintática assim como em muitos outros conectivos frasais, como
da frase concisa sobre as dúvidas de Descartes deixou "porque/como", são importantes. Seus abusos são óbvios.
claro que a ideia básica e que Descartes tem dúuidas. As Por exemplo, contraste esta passagem
outras duas ideias expressas na frase são subordinadas. A Embora Proclo seja o segundo maior neoplatônico, Plotino
ideia de que as dúuidas são radicais modifica a primeira, é o maior. Proclo nasceu por volta de 410 a.C., mas morreu
e a ideia de que as dúuidas se referem à capacidade dos em 485. A filosofia de Plotino foi organizada por Proclo
seres humanos de saber alguma coisa é uma especificação numa serie de emanações triádicas.
das dúvidas de Descartes,
Há todo tipo de recurso de organização e de subor- com esta
dinação nas línguas naturais. Já vimos que a modifica- Embora Plotino seja o maior neoplatônico, Proclo é o
ção adjetival e de segmentos frasais pode ser usada para segundo maior. Nascido por volta de 410 a.C., ele morreu
esse propósito. 0s conectivos frasais sáo outro desses em 485. EIe organizou a filosofla de Plotino numa serie de
recursos. Pense na diferença entre emanações triádicas.

-220- -221-
Ensaio filosófico Algumas metas em termos de forma
-

Você deve ser capaz de compreender por que a se- (a) 0 utilitarismo e uma teoria.
gunda passagem e estilisticamente superior à primeira' A teoria concerne à ética.
Embora eu não possa explicar todos os diferentes tipos de A teoria tem um princÍpio.
tecnicas de combinaçáo de frases, você deve atentar para 0 princípio é o de que se deve agir no sentido de assegurar
a estrutura sintática de suas frases, a fim de assegurar-se o maior bem para o maior número de pessoas.
de que estas acentuam o que você quer acentuar e subor- J. S. Mill e o autor do princípio.
dinam o que você quer subordinar. Faça experiências com (b) Platão é um autor.
diferentes organizações de segmentos frasais, a flm de Platão escreveu o Fédon.
veriflcar qual e a que melhor veicula seu pensamento. 0 Fédon se relaciona com a alma.
Uma maneira de melhorar a concisão e reformular Platão alega que a alma é imortal.
(c) Sartre e um existencialista.
algumas frases prepositivas, transformando-as em frases
Camus é um existencialista.
infinitivas. Por exemplo, reescreva
Marcel e um existencialista.
0 reconhecimento da existência dos universais resolve Marcel e um cristã0.
muitos problemas

como
4 Rigor
Reconhecer que os universais existem resolve muitos pro-
blemas. 0s filósofos costumam esposar o rigor, que explicam
muitas vezes como clareza (em algum sentido estrito), pre-
E reescreva
cisão e explicitação. A clareza, em particular em seus vín-
A reafirmação do argumento de Descartes.., culos com a precisã0, já foi discutida. E a explicitação?
0s lógicos talvez sejam os maiores proponentes da
como
explicitaçào, mas mesmo eles fogem ao ideal ao introdu-
Reafirmar o argumento de Descartes,., zir várias abreviaturas, como o operador iota e conven-
ções para o não-uso de simbolos (como a omissão do
parêntese final em fórmulas lógicas).
Exercício
A comunicação em lingua natural, mais do que nas
1 Combine os conjuntos de frases a seguir, formando uma frase que artificiais, dá-se muito bem com uma explicitação não-
exprima o mesmo pensamento. Você pode adicionar conectivos, total. A explicitação absoluta não e aconselhável por uma
excluir palavras e mudar a estrutura sintátlca como quiser.
serie de razões. Em primeiro lugar, ocupar-se-ia, com ela,

-222- -223-
Ensaio filosófico Algumas metas em termos de forma _

um espaço fisico bem alem do razoável; em segundo, e Embora seja uma ürtude da comunicação em lingua
mais dificil processar mentalmente uma linguagem total- natural, nossa capacidade de deixar implícita boa parte do
mente explicita do que uma em larga medida inexplicita. que queremos dizer causa problemas, porque é muitas vezes
(A compreensão humana e maior quando o homem tem difÍcil o autor saber o que pode supor que seu público sabe,
bem como determinar se já disse o suflciente para que o
de fazer inferências com relação ao material do que quando
público descubra as implicaçôes coruetas do que dissé. Em
tudo é explicitado.) Em terceiro lugar, o autor pode não
contextos corriqueiros, as pessoas raramente têm proble-
ser capaz de dizer explicitamente o que quer dizer. Uma
mas para determinar isso, mas esse não é o caso na filo-
habilidade necessária à escrita e a de saber o que se deve
sofia. A filosofia e tão geral que às vezes o que um filósofo
e o que não se deve explicitar. Há, portanto, dois com-
tem por certo um outro julga absurdo. Comparem-se, por
ponentes naquilo que se escreve ou se diz: aquilo que se
exempla, as crenças dos realistas com as dos idealistas ou
exprime e aquilo que se deixa implícito, Aquilo que se diz as crenças dos materialistas com as dos dualistas. 0 aluno
e o que as palavras empregadas explicitam; aquilo que se tem outro problema. Como pode ele saber o que explicitar
deixa implicito e aquilo que se comunica em virtude dos e o que deixar implicito quando seu público, o professor,
vários elementos do contexto dos enunciados proferidos. provavelmente já sabe fudo quanto o aluno tem a dizer?
Considere, por exemplo, o seguinte fragmento de ensaio: (Para ter a resposta a esta pergunta, consulte o capítulo 1,
seção 1, "0 professor como público'i)
Immanuel Kant e o autor de várias e longas obras clássicas
Ser demasiadamente explicito pode resultar num texto
de filosofia, incluindo-se aí sra Crítica da razao pura e
canhestro. Considere a seguinte passagem de G. E. Moore,
s;ua Crítica da razão prdtica. A distinção que ele estabelece
que acabara de discutir as diferenças entre asserções como
entre númeno e fenômeno e suas concepções acerca da "Estou de pé", "'Estou vestido" e "Estou falando em voz
contribuiçâo da mente na estruturação da realidade têm relativamente alta":
tido profunda influência sobre muitos fiiósolos de desta-
que nos últimos cento e cinqüenta anos. Mas, apesar dessas e de outras diferenças entre essas sete
ou oito asserções distintas, há vários aspectos importantes
Embora o autor não diga que Kant é um bom flló- em que todas elas são iguais.
sofo, ele por certo deixa isso implícito no fragmento em (1) Em primeiro lugar, todas essas sete ou oito asserções
questão. Ele também náo diz que muitos filósofos leram diferentes que apresentei no início desta palestra eram seme-
a obra de Kant, porem o contexto mais uma vez o deixa lhantes entre si no tocante a um aspecto, a saber, todas elas
implicito. E muito improvável que as palavras do autor foram asserçôes que, embora não sejam de fato falsas, pode-
sobre Kant sejam verdadeiras, a não ser que muitos filó- riam ter sido falsas, Por exemplo, considere o tempo em
sofos tenham lido Kant. que afirmei que estava de pé, E por certo verdadeiio que

-224- -225-
Ensaio filosófico

nesse mesm0 momento eu p0deria estar sentadO, embora


de

fato náo estivesse; e, se eu estivesse sentado nesse momen-


+J
to, minha asserção de que estava de pe teria sido falsa' Ê
Como, portan entado nesse momento, Cd
LJ 0s problemas da introdução
segue-se que que eu estava de Pe foi
umaasserção embora não fosse' E o
mesmo e obviamente verdadeiro de todas as outras asser-

0 bom começo é meia tarda realizada.

phical papus, Nova York, Collier Books, 1966, pp' 225-226|


/\ parte mais difícil da redação de um ensaio e de mo-
l1'ao geral a introdução. Quando tentam escrevê-la
em primeiro lugar, os estudantes na maioria das vezes
nada conseSuem produzir. Entra em cena o bloqueio do
escritor.
obviamente decorrente do que está explÍcito no texto' Uma maneira de prevenir esse bloqueio e escrever a
introduçáo por último. Lembre-se de que antes, quando o
Exercícios bloqueio do escritor nâo estava de modo algum na pauta,
afirmei que o começo de um ensaio deve ser escrito por
1. A passagem acima, de G. E. Moore, contém mais de 200 pa-
último e não antes de tudo. Porém, em algum momento
lavras. Reescreva-a mais concisamente. Use no máximo 150
palavras.
você terá de encará-lo.
2 Torne mais concisas as seguintes frases: Em capitulos'precedentes, discuti algumas maneiras
(a) "A primeira questão é uma questão que envolve muitas corretas de começar um ensaio. Neste capítulo, discutirei
questôes" (extraído de G. E. Moore, "A defence of commom algumas maneiras pelas quais não se deve fazê-lo. Na
sense", in Philosophicol popers, Nova York' 1959, p' 32)' seção 1, discuto de que maneira os autores às vezes se
(b) Empregando o rec.onhecimento do fato de que Descartes desviam de seu assunto. Na seção 2, como os autores em
de modo algum refuta a concepção filosófica do ceticis- algumas ocasiões mascaram a significação de seu argu-
mo, podemos compreender melhor as condições apropria- mento, ao introduzi-lo como se oferecesse uma solução
das que estão na base do conceito de conhecimento' para um problema relativamente menos importante. Na 3,

_227 -
-226-
Ensaio filosófico 0s problemas da íntrodução
-

discutirei como os autores iniciam fazendo rodeios, em Considere a primeira frase:


vez de ir direto ao assunto. As descrições definidas têm, como vou alegar, duas fun-
ções possÍveis.
1 Perder o rumo
Eis uma excelente maneira de começar. Trata-se de
Um dos mais importantes artigos sobre filosofia da uma apresentação simples e clara do que o autor fará no
linguagem é "Reference and Definite Descriptions", de aúigo. EIe diz que as descrições definidas têm "duas fun-
Keith Donnellan. Embora seja influente e exiba a subs- ções possÍveis", mas não quais são elas; ele não as nomeia
tancial capacidade filosófica de seu autor, creio que esse nem descreve. Essa vaguidade não é um defeito. E uma
artigo e uma mistura de boa com má fllosofia. Eis todo virtude. Ao começar a escrever um artigo, e necessário
o primeiro parágrafo do artigo. orientar o leitor e apresentar-lhe o tópico. Uma introdução
abertamente específica não conseguiria orientar, mas sim
confundir ou perturbar o leitor. Tal como um cumprimento
A referência e as descriçôes definidas agressivo, uma introdução abertamente especifica ou com-
As descriçÕes deÍinidas têm, como vou ale$ar, duas fun- plicada tenderia a desconcertar. Na verdade, a vaguidade
ções possiveis. EIas sáo usadas
para fazer referência àquilo da primeira frase de Donnellan e de certo modo conüda-
de que o locutor deseja falar, mas tambem recebem um uso tiva. Ao ouvir que as expressões definidas têm duas fun-
sobremodo distinto. Alem disso, uma descrição dehnida ções possiveis, queremos saber quais são essas funções.
que ocorra numa e mesma frase, em diferentes ocasiôes de Somos motivados a continuar a leitura, a fim de saber qual
seu uso, funciona de uma ou de outra maneira. 0 fracasso a designação dessas funções e o que fazem.
em tratar dessa dualidade de funçào obscurece 0 uso re- A frase seguinte de Donnellan e iguamente boa:
ferencial genuÍno das expressões definidas. As mais bem EIas são usadas para fazer referência àquilo de que o lo-
conhecidas teorias das expressões definidas, as de Russell cutor deseja falar, mas também recebem um uso sobremo-
e de Strawson, são ambas, como vou sugerir, vítimas disso. do distinto.
Antes de discutir essa distinçáo em termos de uso, men-
cionarei algumas caracterÍsticas dessas teorias para as quais A expressão "usadas para fazer referência" alude ao
ela tem especial relevância (Keith Donnellan, "Reference "uso referencial das descrições definidas'l Trata-se de um
and Definite Descriptions", in The philosophy of language, tópico conhecido da filosofia, tópico que Donnellan tem
3" ed., ed. por A, Martinich, Nova York, Oxford University todo o direito de esperar que seu público de hlósofos
Press, 1996, p. 231). profissionais compreendam. Ao mencionar o uso referen-

-228- -229_
Ensaio filosófico 0s problemas da introdução
-

cial das expressões definidas, o autor está deixando o do alegado segundo uso alem de que ele não é idêntico
Ieitor cada vez mais à vontade. 0 leitor está se orientando ao primeiro, não é informativo ler que uma descrição
no artigo porque está sendo conduzido ao tema familiar definida poderia funcionar de uma ou de outra maneira
da referência, mas a segunda frase não leva o leitor à numa mesma frase. Ainda não temos ideia de qual e a
complacência. Embora o conteúdo de seu primeiro seg- segunda função das expressões deflnidas.
mento seja conhecido, o do seSundo não o e. Trata-se de A terceira frase poderia justiflcar-se se Donnellan
algo bem misterioso: "tambem recebem um uso sobremo- retomasse o foco principal de seu artiSo e respondesse às
do distinto". De que uso distinto se trata? Qual é o nome duas perguntas que antes evocou na mente do leitor:
desse uso? E ele, tal como o da referência, um tópico Qual e o nome do segundo uso? Que diferenças há entre
filosófico conhecido? Essas são perguntas naturais que o seu funcionamento e o do uso referencial? Infelizmente,
ocorrem ao leitor e que continuam a fazê-lo mover-se a frase seguinte não responde a essas questões e ainda se
para a frente. São questoes que o leitor tem direito de ver afasta bem mais delas:
respondidas imediatamente. Por infelicidade, esse direito
0 fracasso em tratar dessa dualidade de função obscurece
e violado. Embora acabe por dar-lhes uma resposta, o uso referencial genuino das expressôes definidas.
Donnellan só o faz bem adiante no artiSo. Em vez de
nomear ou descrever a segunda das duas "funções possi- Esta é uma asserção de Donnellan. Presume-se que
veis" das descrições definidas, ele muda a direção e o ele vá substanciá-la mais tarde no artigo. Mas o leitor
foco do afiigo. Ele diz algo que e verdadeiro de ambos os náo tem indicação de onde isso vai ocorrer, de como vai
usos das descrições definidas: ocorrer nem da importância que tem para o artigo
substanciar a alegação de que o fracasso em tratar dessa
AIem disso, uma descrição definida que 0c0ra numa e
dualidade de função obscurece o uso referencial genuíno
mesma frase, em diferentes ocasiôes de seu uso, funciona
das expressões definidas. Mas a maneira como se apre-
de uma ou de outra maneira.
senta a frase "obscurece o uso referencial genuino das
Embora essa frase forneça algumas informações
-
expressões deflnidas" sugere que seu principal interes-
adicionais sobre os dois usos, isto e, que um e outro
-
se concerne à referência e não à segunda possÍvel função
podem ocorrer na mesma frase, essa informação não faz das descrições, função não nomeada, não descrita e cada
o artigo avançar nesse ponto. Donnellan afirmou que há vez mais misteriosa. (Não creio que um leitor, em 1967,
dois usos das expressões deflnidas. Ele identificou para epoca em que o artiSo de Donnellan apareceu, possa ter
nós um deles, o referencial, mas não o outro. Agora ele sabido disso, mas o autor de fato tinha interesse primor-
diz algo que se aplica aos dois usos. Como nada sabemos dialmente na função de referência e náo na outra.)

-230- -231-
Ensaio filosófico Os problemas da introduçâo

Meu leitor ideal deve ter a sensação de que esse 0 contraste entre as duas funções possiveis das
artigo começa a perder o rumo, de que suas preocupações expressões definidas desaparece por inteiro na frase se-
mais centrais estão sendo ignoradas e de que ele tem de guinte, a última do parágrafo:
continuar a jogar o jogo da leitura e da compreensão do
Antes de discutir essa distinçâo em termos de uso, men-
artigo sem de fato saber com que se compromete se acei-
cionarei algumas caracteristicas dessas teorias para as quais
tar que há duas funções possíveis das expressões defini-
ela tem especial relevância.
das. Quer dizer, Donnellan fala agora da "dualidade de
função" como se o leitor soubesse quais são as duas fun- 0 foco do artigo nesse estágio é, com solidez, os
çoes, ainda que ele nem sequer tenha dado ao público arti§os de Russell e de Strawson. A distinção entre as
qualquer razão para pensar que a segunda funçáo existe duas funções possíveis das expressões definidas está ago-
além da palavra de Donnellan de que existe. ra francamente em segundo plano. 0 segmento 'Antes de
0 mistério do segundo uso prossegue na Ílase seguinte: discutir essa distinção em termos de uso" e uma nota
promissória para fazer a discussão voltar ao pretendido
As mais bem conhecidas teorias das expressões definidas,
tópico central do artigo em algum momento ulterior não
as de Russell e de Strawson, sáo ambas, como vou sugerir,
especiflcado. (Isso termina por ocorrer no começo da ter-
vitimas disso.
ceira seção do artigo.) Há outro ponto a examinar nessa
Russell e Strawson ficaram famosos em larga medi- última frase do parágrafo. 0 emprego por Donnellan da
da devido a seu trabalho sobre a referência. Em seu artigo frase "essa distinção em termos de uso" sugere que ele
"0n referring", Strawson critica as concepções de Russell, trata "uso" e "função" como sinônimos.
apresentadas no artigo "0n denoting". A principal dife- Aflrmei que o artiSo começa a desandar depois da
rença entre as palavras "denotar" e "referir" e histórica. segunda frase do primeiro parágrafo. Nesse ponto, Donnellan
Em 1905, quando Russell escreveu, "denotar" era o termo começa a desüar-se de seu tópico principal, a distinção
filosófico corrente para aquilo que Strawson denominou entre dois usos possiveis das expressões definidas, e cai na
"referir" em 1950, Mais uma vez, Donnellan continua a discussão das concepções de Russell e Strawson.
discutir a referência, sem fazer nenhuma menção ou co- Há provavelmente duas razões para esse desvio de
nhecimento do "outro uso" das expressões definidas. Esse Donnellan para a discussão de Russell e Strawson. Em pri-
segundo uso paira acima da discussão como um espectro. meiro lugar, as concepções de Russell e Strawson sobre
(Uma última questáo sobre essa frase e que sua última a referência são duas das mais importantes; nenhuma
palavra, "disso", está longe demais de seu antecedente, discussão do tema pode prescindir da obra de Russell e de
que e o primeiro segmento da frase anterior.) Strawson. Em segundo lugar, Donnellan estava defenden-

-232- -233-
Ensaio filosófico 0s problemas da introdução

do uma concepção completamente nova de referência. Ele Supõe-se que ela capture o que ele quer designar por uso
aflrma identificar dois usos das expressões onde fllósofos atributivo, o que consegue fazer na terceira seção do
que o antecederam só viam um. Talvez ele tenha se preo- artigo.
cupado com o fato de que começar com a afirmação pura Examinemos o primeiro parágrafo dessa seção. Aqui
e simples de que há dois usos pudesse ser recebido com ele se recupera da perda do rumo iniciado no primeiro
antipatia ou que o leitor exigisse imediatamente saber parágrafo do artigo:
como suas concepções se vinculam com as de Russell e Darei aos dois usos das descrições def,rnidas que tenho em
de Strawson, Talvez seja tambem por isso que ele se mente as designaçôes uso atributivo e uso referencial. Um
apressou em discutir Russell e Strawson. locutor que usa atributivamente uma descriçâo definida numa
Como critiquei o parágrafo inicial de Donnellan com asserçáo afirma que algo sobre alguem ou alguma coisa e
bastante severidade, e legítimo que se exija que eu sugfua assim e assado. Um locutor que usa referencialmente uma
uma alternativa: descrição definida numa asserção usa a descriçâo, por outro
As descrições definidas têm, como vou alegar, duas fun- lado, a Íim de permitir que o público perceba de quem ou
àquilo do que fala e afirma algo sobre essa pessoa ou coisa.
ções possíveis. Elas sáo usadas para fazer referência
de que o locutor deseja falar, mas tambem recebem um uso A primeira frase nomeia uma distinçáo que o autor
sobremodo distinto. Sao usadus para etprimir uma prl- pretende estabelecer. A segunda e a terceira frases cons-
priedade peculiar que um objeto tem. Darei a esses dois
tituem uma primeira tentativa de caracterização de cada
usos a designaçáo de referencial e atributivo, respectiva- termo da distinção. E e precisamente assim que deve
mente. Nenhum desses usos e mais conhecido do que o proceder um autor. Há, porem, alguns problemas na se-
outro. Em vez disso, foram eles reunidos sob a ideia única gunda e na terceira frases. Embora sejam primordial-
de denotação ou referência. Tanto a teoria de Russell como
mente filosóficos, esses problemas também se apresen-
a de Strawson envolvem essajunçã0, e espero mostrar que tam como estilísticos. Um dos problemas filosóflcos e
essas duas teorias descrevem aspectos distintos dos dois que as frases são abertamente específicas. Donnellan
usos; isso ajuda a explicar as divergências aparentemente pretende que elas caracterizem sua distinção, mas elas
extremas entre elas. Devo dizer que, na verdade, essas são demasiadamente especÍficas para contar como uma
teorias falam, com freqüência de modo incoerente, uma caracterização adequada. Como as expressões definidas
sobre o uso referencial e a outra sobre o uso atributivo. podem ocorrer em frases usadas para exprimir quase
A frase em itálico pretende reparar o que aleguei ser todo tipo de ato de fala promessas, declarações, ju-
ramentos, ameaças etc.
- o autor não pode explicar
uma flagrante omissão do parágrafo original de Donnellan.
-,
-234- -235-
Ensaio filosófico 0s problemas da introdução

legitimamente sua função apenas nas asserções. Um se- Como a introdução do artigo de Grice e demasiadamente
gundo problema fllosófico e que as duas caracterizações longa para ser reproduzida aqui, concebi um frasmento
se baseiam na palavra "sobre"' Isso e um problema por- de ensaio que padece do mesmo defeito:
que os filósofos usam tradicionalmente a noção de "ser
sobre algo" para distinguir o uso referencial de outras Lógica e conversação
funções gramaticais. Assim, a caracterização que o autor
faz entre os usos atributivo e referencial das descrições E bem sabido em lógica filosófica que as constantes lógi-
definidas não e adequada nesse ponto. cas, isto é,

&,V,-, l,ê),g
2 A cauda abanando o cão
não parecem corresponder em termos de significado às
Um dos mais importantes arti$os do seculo XX e
suas traduções correspondentes em inglês,
"Lógica e conversaçáo", de H. P. Grice. Ele e importante
por causa de sua nova e vigorosa teoria da comunicação and, or, not, if..., then, if and only if, there exists
lingüistica, não por causa de sua estrutura literária, que [e, 0u, não, se,.., então, se e somente se, há].
a meu ver deixa a desejar. Seu artigo começa com a 0s filósofos assumiram tipicamente uma de duas atitudes
descrição de um problema relativamente restrito da fllo- com relação a essa falta de correspondência. 0s formalis-
sofia da lógica e das duas atitudes que hlósofos de dife- tas pensam ser isso uma indicação do caráter inexato da
rentes ideologias têm tomado a seu respeito. 0 artigo vai lÍngua natural e dizem "Tanto pior para a lingua natural'i
então ao seu tópico principal, a construção de uma teoria 0s informalistas julgam ser isso uma indicação da estrei-
geral da conversação, teoria que supostamente traz em si teza das linguagens formais e dizem "Tanto pior para as
os recursos para que se resolva o problema. 0 que há de Iinguagens formais'i 0s dois grupos concordam em supor
errado nessa estrutura, do ponto de vista retórico, é que que há de fato uma discrepância de significado entre as
um problema táo estreito e abstruso não e suficiente para constantes lógicas e suas traduções em língua natural.
justificar uma teoria geral da conversação tão complicada Alegarei que esse pressuposto comum é falso. Vou fazê-lo
e de tào largo alcance quanto a de Grice. Esse problema desenvolvendo uma teoria da comunicaçáo lingüística que
retórico e conseqüência de uma questão filosófica subs- se aplica ao uso da linguagem em geral.
tantiva: um problema restrito não pode justificar a cons-
trução de uma elaborada teoria geral, ou seja, Grice pa- Como uma teoria da comunicação lingüistica deve-
rece estar usando um canhão para matar uma mosca' ria ser e de fato e o foco do ensaio, esse desenvolümento

-236- -237-
Ensaio filosófico 0s problemas da introduçâo

0 problema da
deve ser desde o começo o foco do arti$o. dei conta de que a solução desse problema era uma con-
lógica filosóf,ca e sua solução em termos da teoria da seqüência menor de sua teoria, fiquei espantado com sua
comunicação deveria ser movido para o fim de artigo elegância e sua simplicidade.
como evidência da produtividade da teoria. Uma das razões pelas quais o artiSo de Grice começa
Tendo em mente essas considerações, o fragmento mal é o fato de ele ser um excerto de uma obra muito mais
de ensaio a seguir poderia ter sido uma maneira melhor ampla, sua Palestras William James, de 1962. Mencionar
de iniciar o ensaio: isso é em parte explicar o motivo de o ensaio ser estrutu-
rado como é e, em parte, desculpá-lo, mas não justificá-lo.
Lógica e conversaçào
3 Fazer rodeios
0 objetivo deste ensaio é desenvolver uma teoria geral da
comunicação lingüística, Alem do interesse inerente desse Considere o seguinte fragmento de ensaio:
tema, uma tal teoria pode ser usada para resolver grande
número de problemas filosóficos. Um deles e um problema
de lógica fllosófica que resolverei depois de apresentar 0s principios da filosofia de Descartes

minha teoria. Essa solução e apenas uma das muitas ilus- [l] n longa e complexa a história da filosofia. [z] Ela con-
trações possíveis da produtividade da teoria. siste em muitos períodos grego e romano antigo, medi-
-
eval, da Renascença e moderno e em muitas escolas de
Essa maneira de estruturar o ensaio leva o problema -
lógico e sua solução para o flm. E irônico que, embora pensamento
- realismo e idealismo, monismo e dualismo,
Grice motive seu artigo propondo-se a resolver um pro- atomismo e materialismo. [:] Será possÍvel escrever uma
blema, ele nunca explicará de que maneira sua teoria o história geral da fllosofia? [+] Pode algum estudioso ler e
resolve. Mas quem conhece o problema e compreende a compreender toda a obra de todas as flguras históricas de
teoria de Grice pode imaginar, sozinho, a solução. que precisa para escrever uma história geral?
Não há nada de errado em escrever um ensaio sobre [5] 0 objetivo deste ensaio e modesto. [6] Trata-se de uma
um tema restrito. 0 equivoco está em levar o leitor a crer tentativa de apresentar os princípios gerais da filosofla de
que esse tópico e o foco do ensaio, em vez de algum tema Descartes.
mais amplo. Parece a cauda retórica abanando o cão re-
Eis um exemplo de "fazet rodeios'i Em vez de lr
tórico. Quando li o texto de Grice pela primeira vez, assumi
uma atitude dúbia. Julguei sua teoria inaceitavelmente direto ao assunto, o autor faz um aquecimento falando
complexa porque pensei que ele pretendia resolver com nos termos mais gerais sobre a história da filosofia. A
ela apenas um problema de lógica filosófica. Quando me tese do ensaio é expressa clara e sucintamente, porem

-238- -239-
Ensaio filosófico 0s problemas da introdução

muito tardiamente, no segundo parágrafo. 0 primeiro dos, são poucos os necessários para a compreensão da
parágrafo tem para a tese apresentada a mesma relevân- filosofia de Descartes. 0 catálogo parcial de epocas e de
cia que teria para qualquer ensaio sobre a história da escolas de filosofia, nenhuma delas retomada no ensaio,
filosofia. Na realidade, ele não introduz o tópico particu- é irrelevante para o seu tópico principal. As perguntas de
Iar do ensaio. Isso quer dizer que ele deve ser eliminado. [r] e [+] são um desvio do assunto. Mesmo que não sejam
0 ensaio nada padece com a poda desse primeiro pará- perguntas retóricas, o autor não pretende dar-lhes uma
grafo; ao contrário, ele flca fortalecido com isso. resposta. Pode-se imaginar o fluxo de consciência que
Um professor de redação deu o conselho de que acompanhou a redação de [t] a [4]: "Puxa, tenho de escre-
sempre se apagassem os dois primeiros parágrafos de um ver um ensaio sobre a história da filosofia.,. Que diabos
ensaio. Trata-se de um conselho hiperbólico. Na realida- sei de filosofia?... Que tópico posso escolher de 2.500
de, devem-se revisar os dois primeiros parágrafos, a fim anos de dedicação ao pensamento?... Não posso ler todas
de ver se podem ser eliminados por inteiro ou em parte. as obras relevantes... Só Ii as Meditações de Descartes...
Não se esforce demais em evitar ruminações que no Ah! Já sei!"
final se mostrem superfluas. A maioria das pessoas pre- Isso nos leva a [s] e [0], duas frases claras, precisas
cisa de um rodeio para começar o processo de redação. e plenamente justificadas, as duas frases que exprimem o
Sinta-se liwe para incluir material superfluo em seus pensamento que deveria ter sido o inÍcio do ensaio.
esboços, se isso o faz avançar. E melhor fazer rodeios do
que não começar. Mas não há razão para esse material Exercícios

permanecer no esboço final. Deve-se eliminá-lo no pro- 1 Reescreva a passagem a seguir de modo a evitar as dificulda-
cesso de revisão do ensaio. des discutidas neste capítulo.
Expliquei que o primeiro parágrafo de nosso frag- Promessas, obrigações e capacidades
mento de ensaio e um exemplo de rodeio porque introduz
o tópico tanto desse como de qualquer outro ensaio. Podem Uma das grandes áreas da filosofia é a etica.0s filósofos
ser feitas algumas considerações especificas. A frase Il] e há muito se perguntam sobre o que e certo e o que e
errado. Um dos conceitos centrais da etica é a obrigaçã0,
trMal. Quem duvidaria de qrue a história da filosofia e e deveríamos perguntar qual é a relação entre obrigação e
longa? E dificil? E improvável que uma frase trivial ve- capacidade. Podemos aqui ilustrar a questão por meio da
nha a ajudar de algum modo a orientar o leitor. Na ver- consideração do paradoxo da promessa.
dade, o titulo do ensaio e mais informativo do que [l].
(t) Sempre que faz uma promessa de fazer x, a pessoa se
A frase [z] não e trivial, mas também e em larga impõe a obrigação de fazer x.
medida irrelevante. Entre os detalhes por ela apresenta-

-240- -241-
Ensaio filosófico 0s problemas da introduçâo
-

(2) Se alguem e obriqado afaze( x, esse alguém pode fazer nides (l:tat-b2), o uso do UAM no ATC não produz um
x ("deve" imPlica "Pode"). argumento passível de entrar numa regressão ao infinito.
(3) Algumas pessoas às vezes fazem promessas que não [s] Como o ATC é sob todos os demais aspectos um enun-
podem cumPrir. ciado clásslco da teoria das Formas que costuma ser asso-
As proposiçôes (t) a (:) são bem sustentadas. A proposição ciado com os diálogos intermediários, podemos concluir
(1) é analítica; e parte do conceito de prometer que, se que essa teorla não e metafisicamente falha, ao contrário
prometeu fazer algo, quem pr0meteu e obrigado a fazê-lo' do que por vezes se afirma. [0] Sejam quais forem, os
A distinção entre proposiçoes analíticas e sinteticas se problemas que afetam o ATH não infectam toda a teoria
associa mais estreitamente com 0 nome de lmmanue I Kant, das Formas nos diálogos intermediários porque há ao me-
que usou essa distinção para separar o domínio da lógica nos um exemplo de enunciação clara da teoria que não é
do domínio dos fatos. Segundo Kant, os seres humanos nâo vitimado pela regressão ao inflnito do ATH.
têm acesso a uma realidade não-mediada; ao contrário, [7] Na seçâo 1 deste trabalho, analisamos o ATC e acres-
todo conhecimento humano e filtrado e condicionado por centamos três pressupostos necessários para torná-lo válido.
conceitos como causalidade, substância e temporalidade. [8] Do mesmo modo, explicamos esses pressupostos e apre-
A passagem a seguir e um exemplo de um ensaio que começa sentamos evidências textuais para eles. [9] Na seção 2, tra-
bem. Especifique a função de cada frase. Use os números de çamos o panorama de comentários recentes sobre o ATC e
seção ou títulos descritivos de "Esboço da estrutura de um defendemos nossa interpretação desses comentários. [10]
ensaio filosófico" o máximo que puder. Algumas frases da Mostramos em particular que, em nossa interpretaçã0, o ATC
passagem anunciam coisas que serão feitas mais tarde no não e passível de cair numa regressão ao infinito de Formas
ensaio; exprima esses fatos, especificando a função da frase. da cama. [tt] Na seção 3, examinamos as implicações que
Por exemplo, se uma frase diz que serão respondidas objeçôes este último fato tem para uma teoria das Formas que sus-
num dado momento, diga que a função da frase se vincula tente que a Forma de f é, de alguma maneira, o próprio f
com "objeções'i ['t 2] Mostramos de que maneira essa doutrina central da
teoria das Formas dos diálogos intermediários pode ser
[1] Neste ensaio apresento uma interpretação do argumen-
mantida sem ameaças de inconsistência ou de regressão ao
to do começo de RepÚb/ico 10 (597c1-d3). [2] 0 argumen-
to por vezes nomeado como o Argumento da Terceira infinito. It:] Na seção 4, aplicamos a nossa interpretaçâo do
-
Cama (RtC) que a Form'a da cama e se m par. [3] ATC ao ATH, mostrando que o passo falacioso deste último
- mostra
Trata-se de um argumento interessante p0rque usa 0 prln- pode ser trazido à luz mediante a consideração de importan-
cípio do Um-Acima-dos-Muitos (UAM), que justifica que se tes diferenças entre os dois argumentos. (Richard D. Parry
ponham Formas. [a] Mas, ao contrário do uso que recebeu "The uniqueness proof for forms in Republic 10", Journol of
no primeiro Argumento do Terceiro Homem (ATH) de Pormê- the History of Philosophy, n" 23, 1 985, pp. 1 33-1 3a).

-242- 243 -
(u

<u
"Domingo noite, tenho de
à

entregar um ensaio na segunda


de manhã"

\ /ocê já prometeu a Deus que, se Ele o tirar dessa


V enrascada, você nunca mais deixará para escrever
seu ensaio na véspera da entrega, 0 que fazer agota?
A primeira coisa e pensar em seu tópico. 0 tópico
pode ter sido determinado ou você é quem tem de escolhê-
lo entre vários, como:
a natureza dos universais;
a natuteza do livre-arbitrio;
o conceito de determinismo;
a relação entre mente e corpo;
a teoria platônica do Bem;
o argumento ontológico de Anselmo;
o uso por Descartes do cogito, eÍ90 sum.
A próxima coisa que você deve fazer e tornar seu
tópico mais específico. A maneira mais fácil de fazer isso
e transformá-lo numa tese. 0bserve que os tópicos listados
acima são formulados como frases nominais. Eles não

-245-
Ensaio filosóflco - Apêndice

comprometem o autor do ensaio com nenhuma posição. em alguma coisa. Dito de outra maneira, por que uma
0 tópico do problema dos universais não requer que o pessoa racional deveria acreditar em sua posição?
autor argumente a favor nem contra a existência dos Não se limite a pensar nessas razões; anote-as. Se
universais. E importante que você transforme seu tópico possivel, transforme-as num breve esboço. Pergunte a si
numa frase que o comprometa com alguma posição par- mesmo quais são os motivos mais importantes e os me-
ticular, como é o caso de nos importantes; pergunte-se quais motivos se subordi-
nam a quais, isto e, que razões sustentam outras razões
Não existem universais. (Existem apenas particulares.)
em favor de sua posição?
Nenhum ser humano tem livre-arbitrio.
0 determinismo e verdadeiro. Falta fazer apenas mais uma coisa antes de começar
a escrever: pensar nas qualidades de que você quer dotar
0 corpo e a mente nâo se diferenciam entre si.
sua redação. Sugiro que você escolha as seguintes: clare-
Para os nossos propósitos, não é importante que za, precisão, organização e simplicidade.
você diga que existem ou que não existem universais. 0 A clareza e importante porque sua primeira obriga-
que importa é que você se comprometa com uma dessas ção é comunicar-se com seu público. Se seu professor não
posições. Sua tese, qualquer que seja ela, motiva tudo o entender para onde você está indo, é bem provável que
que você vai escrever em seu ensaio. E ela que faz tudo você não obtenha uma boa nota.
se encaixar de maneira atrativa. Para mudar a metáfora, A precisão e importante por tornar seu ensaio mais
sua tese lhe dá uma perspectiva do problema e ajuda a informativo. Uma linguagem vaga, inexata, ambÍgua ou
moldar o que você vai dizer e como vai dizer. imprecisa de outras maneiras e menos informativa do que
Em seguida, pense nos motivos pelos quais uma uma linguagem precisa.
pessoa racional deve acreditar na posição que você deci- A organização contribui para a clareza; ela torna
diu defender. Seu professor não se interessa pelo senti- sua argumentação de mais fácil compreensão. 0 leitor
mento que a proposição desperta em você, mas pela deve saber o tempo inteiro para onde seu argumento o
maneira como você vê o mundo. EIe quer saber como está levando, como vai chegar a esse destino e em que
anda a sua capacidade de argumentar a favor de sua ponto está a cada momento particular.
posição. Você deveria ter lido sobre argumentos válidos, Por fim, a simplicidade e importante. Mantenha sua
sólidos e convincentes no capítulo 2, há um bom tempo. sintaxe o mais simples que puder. Isso não implica frases
Mas agora e tarde para Ier esse capitulo pela primeira vez. curtas ou truncadas. A sintaxe deve ter a complexidade
Você terá de confiar em sua intuição sobre o que conta que o pensamento que você quer exprimir exige. Use su-
como boas razões ou evidência suficiente para acreditar bordinadas quando o pensamento for genuinamente subor-

-246- -247-
Ensaio filosóflco - Apêndice

dinado a um outro. 0s estudantes costumam tentar escre- Uma vantagem desse metodo e que você nunca perde
ver frases complicadas porque (pensam que) o aprenderam de vista a estrutura de seu ensaio. Sempre que adiciona
no colegial. 0 que deviam ter aprendido e a escrever frases algo, você sabe por que um lugar particular precisa de
complicadas quando necessário, mas não compulsoriamen- maior elaboração, a fim de iontribuir para o todo. Outra
te ou para dar uma impressâo de profundidade. vantagem e que cada parte do ensaio fica com uma pro-
Agora comece a escrever, mas não tente terminar o porção correta com relação às outras. Se uma parie do
ensaio num só esboço. Seu primeiro esboço deve ser uma ensaio começar a se destacar em detrimento das outras,
versão curta do que você pretende que o ensaio completo chame-a a ordem ampliando outras partes do texto em
seja, isto é, escreva, usando entre 50 e 150 palavras, um esboços sucessivos. Mas você pode alternativamente des-
esboço que contenha as mais importantes razões em fa- cobrir que, se uma parte aumentou naturalmente, enquan-
vor de sua tese. to as outras não se desenvolveram, essa parte pode ser a
Feito isso, reescreva esse esboço original. Amplie-o, que deve ser alimentada, devendo as outras serem podadas
fornecendo alguns dos detalhes de que você precisa para na revisão. Se você for adicionando material a todas as
tornar seu esboço original mais inteligÍvel ou persuasivo. partes a cada esboço, não haverá um superdesenvoMmento
Seu segundo esboço deve ser entre 50 e 100 por cento nem um subdesenvolümento das partes.
maior do que o primeiro tudo depende do tamanho do
-
original e de quantas coisas você consegue imaginar no
momento.
Continue a reescrever e a aumentar o ensaio dessa
maneira ate chegar ao limite de palavras [de páginas] es-
tabelecido pelo professor. (Não estou sendo sarcástico. Você
tem a obrigação de trabalhar dentro dos limites fixados
pelo professor, e os limites de palavras [de páginas] são
uma espécie de limite. 0s escritores profissionais enfrentam
o tempo inteiro limites de palavras fde páginas].)
Esse metodo de elaboração sucessiva, que foi discu-
tido no capitulo 4, não aumenta o tempo necessário à
redação de seu ensaio se você usar o computador. Basta
inserir os acréscimos nos lugares apropriados, e o progra-
ma de processamento de textos faz os ajustes necessários.

-248- -249-
l

lndice remissivo

A Argumento conüncente 37, 40, 42,


43, 52, 53, 56, 59, 61, 62, 77
Aluno como autor 26
Argumento válido 40, 41,43-45,
Ambigüidade 85, 87, t87, 2ll- "56,
82
2t3, 217
Aristóteles 35,37, 45, 46,63,66,
Análise 16, 131, 144, 156-165, 81, 114, 165, 166, 196,215
173, 183, 191, 193, 194, 196, Austin, J. 142
205, 214, 216, 233 Autor 17, 2l-33, 57-59, 80, 81,
Análise circular 149 B8-95, 99, 101, 105-108, 1i5,
Analysandum 145, 146, 148-154 t22,124, 131, 134, 135, 142-
Analysans 145-154, 163, 164 144, 165, 169, 173, 182, 183,
Anatomia de um ensaio BB 196-198, 203-206, 209-21t,
Anotação de conceitos 100, 108, 2t5, 2tB-221, 223-226, 228-
109, 111, 115 231, 235, 236, 239, 241, 246
A-nselmo de Cantuária 115, 116, Autoridade 22, 95, 194-200
121, 126, 166
Argumento 18,26,35,36, 38, 39, B
46, 49, 50,55, 57, 58, 60, 63,
73; 75, 76, 80, B3-88, 91-94, Biblia 60, 61, 98
96, 99, 103-107, 110, 114, 115,
Borges, J. L. l4l, 143
Brevidade 93, 198, 217, 218, 219
t56, 162, 165-169, 172, 173,
Busca da verdade 194
175-177, 179, 181, 182, 188,
Butler, Joseph l9B, 210
190, 193, 197-200,202, 203,
205-208, 223, 228, 242, 243,
C
246, 247
Argumento bom 36, 37,39, 41, Caracterização 95, 1,42-144, 235,
42, 62 236

-251-
Ensaio filosófico Índice remissivo

Categorias 12, 73,68, 132, 14O Diagnóstico 17O


Hegel, G. F. W. 184, IBB N
Ceticismo 6t, 74, 81, 2O1, 226 Diálogos 19O, 243 Heidegger, M. 13, 2OB
Citação 90, 198 Dilemas 17, 55, 131' 159 Nasel. Th. 33
Hobbes,Th. 13, 14,51,52, B8-96,
Clareza 15, 16, 18, 82, 132, 198, Dilemas construtivos 155, 157
135,151,157,198
2OB-21O, 211, 223, 247 Dilemas formais 155 o
160,
Coerência 18, 30, 90, 102, Donnellan, K. l7J' 228-215
2O3,2O4,2O7-2O9 Duns Scotus, J. 73, 14O 1 Ônus da prova 194, 197,200

Concisão 18, 2lB, 22o,222 Importância 19, 52, 83, 94, l7O, P
Conclusão 18, 36-40, 42-46, 54, E
17r, 209, 23t
56, 59-62, 73, 82, 83, 85, 87, Paradoxos 64, 66
BB, 93, 96, 104, 113, 147,156,
Edison, Th. 97 Inconsistência 66, 67, 155, 243
Parmênides 39, 242
Egoísmo 189, 212 Indeterminação 211, 217
159-161, 165-167, 173, 175, Parry R. 243
Elaboração sucessiva 92,94, 100, Intuição 246
176, t7B, 180, 183, 193, 194, Persona 28, 29
103, 105, 106, 108, ll5,24B
205, 207 Pesquisa 83, 100, 1O2,111, ll2
e suficien- Empirismo 134,206 K
Condiçoes necessárias
Equivoco 12,238
Platão 16, 24, 37, 62, 72, ll4,
tes 145, 146, 153 Kant, I. 114, 199, 203,204,224, 165, 166, 168, 190, 196, 199,
Estutura um ensaio fiiosóflco 36,
de
Conhecimento 24, 25, 47, 51, 62, 204,205, 207,223
79, 80, 84, 85, BB, 102,242 242
96,98, 134, 138, 162, 163, 170, Precisão il, 15, 135, 198, 211,
171, 173, 201, 226, 232, 242
Evolução de um ensaio 115 Kierkegaard, S. 140
2t5, 2rB, 223, 247
213,
Expansà0, 185
Consistência 62, 63, 66, 67 Premissa 42, 45, 46,58, 59-61,
Explicitação 223 L
Contra-exemplos 17, 131, 161-164, 73,76, 81,92, 120, 126, 130,
166, 170-174, 193 Landesman, Ch. 189, 206 157-1,59, 165, 181-183, 193,
F
Contradição 62, 63, 66, 67,73, Lógica 17, 24,30, 35, 36, 42, 49, 196, 207
139, 161, 175-177, 182, 188 Falácias 60 50, 76, Bl, 1ll, l1B, 1t9, 122-
Problema do mal 68
Contradilemas 160 Formas de argumento 49, 50 Proclo 221
124, 128, 140, 165, 196, 209,
Contraditórios 9, 62, 67, 68,70, French, P. 210 Professor como público 21,225
236,237,238,242
131, 139, 140 Proposições 22, 37, fB, 46, 47,
Contrários 9,62,67,68, 70, 159 Lógica formal 48, 138, 156, 175 49, 54, 63-68, 71-74, 77, 81,
G
Lógica material 47 83, 134, 157, t6l, 162, 164,
D Geach, P. 165 t65, 174, 175, 178, 180, 184-
Gettier, E. 163, 170, 173 M 189, 191, 200, 201,217,242
Descartes, R. 24, 61, 63, 81,99, Gilson, É. 199 Proposiçoes fortes 75
168, 197, 199, 220-222,226, Gramática 12, 13, 15, 16, 113
Marcuse, H. 2O9
Prova 73, 81, 93, 1lB, 123, 128,
239, 241,245 Grice, H. P. 787,236-239 Modus ponens 49,50,51,52, 54, 169, t74, 181, 194, 197, 200,
Deus 12, 13,27,29-31, 57-61,69, 55, 86, 165, 181 201
73, 89-97, 120, 126, 130, 134, H Morlus tollens 50, 51, 52, 54, 55, Público 17, 21-25,27,33, 56,61,
135, 159, 160, 166, 177, 179, 197, B6 62, 73,75, 82, 86, BB, 91, 93,
2t8, 245 Hedonismo 189, 206 Moore, G. E. 206, 225,226 95, 103, 133, 134, 178, tgf,

-252- 253 -
- Ensaio filosófico

197, 210, 211, 219,225, 229, T


232,235, 247
Tautologia 45, 161, 177, 183
Putnam, H. 177, l7B
Termos mutuamente exclüsivos
156
R
Texto 9, 18, 35, 36, 88, 89, 97,
Raciocínio dialético 77, 131, 132, 98, 102, 105, 106, 1t3, 1t2, 155,
183,184,187,189-191 205, 225, 226, 238, 249
Rashdall, ÍL .212 Texto analitico 131
Reducionismo 150
Reductio arJ absurdum 17, 131, U
174,193
Uso da autoridade 194, 195, 197
Relevância 27, 61, 81, 228,233,
240
Retôrica 19, 82, 132,204,238 V
Rigor 18, 49,203,223 Verdade 12, 15, 16, 21, 22, 25,
Rousseau, J.-J. 27, lB5 38-43, 46-48, 52, 57, 59, 60,
Russell, B. 165, 181-183, 228, 232- 63, 65, 66, 70,72,75-77, BO,
234 82, 86, 92, 94, 99, 106, 120,
125, 130, 117-139, 144, 147,
S 151, 154, 162, 163, 166, 168,
Schopenhauer, 209 A. 170, 175, 179, 182-184, 186-
Searle, J.
142,215,216 188, 193-196, 200, 201, 210,
Silogismo 53
212, 2t7, 229, 234, 240
Silogismo disjuntivo 50, 52, 53,
5B W
Silogismo hipotético 50 Wittgenstein, L. lB0, 198, 2O9,215
Sócrates 19, 38, 62, 67,79,2O8
Strawson, P. F. 228, 232-234
Y
Suposição 31, t76-179, 181-183,
197 Young, Ch. 15

àÀ
adláet bf.la
Editoraçâo, lmpressão e Acabamento
Rua I 822, n. 347 . lpiranBa
O42I 6,000 SAO PAULO, SP
Tel.: (0r+l 1) 69'14-1922

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