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Introdução à Prática
Clínica Baseada em
Evidências
O que é a Prática Clínica Baseada “... a integração da melhor
evidência de pesquisa com a
em Evidências? experiência clínica e as pre-
ferências do paciente”
A prática clínica consiste em fazer escolhas. Que exame seria melhor para descobrir mais – Dave Sackett
sobre essa doença? Que tratamento seria mais efetivo para esse paciente? As respostas
para essas questões dependem do conhecimento, da habilidade e da atitude do médico,
dos recursos disponíveis e das preocupações, expectativas e preferências do paciente.
d a tomada de dec
n tes isã
o
o ne cl Referência:
p
ín
ica
Co
Alguns elementos
Regras de
essenciais da abordagem
acesso do sistema da PCBE
de saúde (PBS, Preocupação sobre
financiamento por questões judiciais 1. Reconhecer as incertezas
Medicare, etc.) no conhecimento clínico
2. Utilizar informação de pes-
quisa para reduzir as incer-
tezas
Assim, a medicina baseada em evidências consiste em tentar melhorar a qualidade da
informação na qual se baseiam as decisões em cuidados de saúde. Ela ajuda o médico 3. Distinguir entre evidências
a evitar a “sobrecarga de informação” e, ao mesmo tempo, a encontrar e aplicar a infor- fortes e fracas
mação mais útil. 4. Quantificar e comunicar as
incertezas com probabilida-
O termo “medicina baseada em evidências”, que tem em grande medida substituído o des
antigo termo “epidemiologia clínica”, também tem sido usado atualmente como “prá-
tica clínica baseada em evidências”. Além de ser mais abrangente para diferentes áreas
da prática de cuidados de saúde, esse termo salienta o ponto importante de que as
“evidências” a que nos referimos são as evidências empíricas sobre o que realmente
funciona ou não funciona na prática. Não é a evidência científica para um mecanismo
de ação (como uma via bioquímica, um efeito fisiológico ou uma característica anatô-
mica). Muitos fatores afetam os desfechos de atividades clínicas; o mecanismo subja-
cente é apenas um deles. A prática clínica baseada em evidências (PCBE) preocupa-se
com os desfechos clínicos reais e é o termo que usaremos neste livro de exercícios.
14 Paul Glasziou, Chris Del Mar & Janet Salisbury
Este trabalho continuou sendo feito pela Cochrane Collaboration (consulte o quadro),
que publica revisões sistemáticas de ECRs eletronicamente no Cochrane Database of
Systematic Reviews, na Cochrane Library. O acesso online à Cochrane Library é disponibili-
zado de maneira gratuita em muitos países.
A história da flecainida
A história do uso da droga flecainida para tratar ataques cardíacos nos Estados Unidos na
década de 1980 é um bom exemplo da distância entre a pesquisa e a prática clínica e da
confiança na evidência de um mecanismo em vez de um desfecho. Em 1979 o criador do
desfibrilador, Bernard Lown, chamou a atenção em um comunicado no American College
of Cardiology para o fato de que uma das maiores causas de morte era o ataque cardíaco,
particularmente entre homens jovens e de meia-idade (20 a 64 anos de idade). As pessoas
sofriam um ataque cardíaco, desenvolviam uma arritmia e morriam em decorrência da
arritmia. Ele sugeriu que “uma droga antiarrítmica segura e de longa ação que protegesse
contra a fibrilação ventricular” salvaria milhões de vidas.
Em resposta a esse desafio, foi publicado um artigo no New England Journal of Medicine
introduzindo uma nova droga denominada flecainida – um derivado de anestésico local
que suprime arritmias. O artigo descreveu um estudo no qual os pacientes que acabavam
de sofrer um ataque cardíaco eram designados de maneira randomizada a grupos que re-
cebiam placebo ou flecainida, e então trocados de um grupo para o outro (um ensaio cru-
zado). Os pesquisadores contaram o número de extrassístoles ventriculares (ESVs) como
uma medida de arritmia. Os pacientes no grupo da flecainida tinham menos ESVs do que
os pacientes que recebiam placebo. Quando os pacientes no grupo da flecainida “cruza-
vam” para o grupo do tratamento placebo, as ESVs aumentavam novamente.
50
45
40
35
ESVs/12 horas
30
25
20
15
10
5
0
Placebo Flecainida Placebo Flecainida
A conclusão foi direta: a flecainida reduz arritmias, arritmias causam ataques cardíacos (o
mecanismo); então, as pessoas que sofriam ataques cardíacos deviam receber flecainida.
Após a publicação dos resultados, a flecainida foi aprovada pelo Food and Drug Adminis-
tration dos Estados Unidos e tornou-se o tratamento absolutamente padrão para ataques
cardíacos nos Estados Unidos (embora não tenha alcançado essa condição na Europa ou
na Austrália).
Quase imediatamente após a finalização dos primeiros ensaios, todavia, outros pesquisa-
dores começaram a reunir informações sobre a sobrevida dos pacientes (o desfecho) em
Prática Clínica Baseada em Evidências 17
vez da taxa de ESVs (o mecanismo). Isso demonstrou que, nos 18 meses que se seguiram,
mais de 10% das pessoas que receberam flecainida morreram, o que representava o dobro Pontos-chave
da taxa de mortes do grupo placebo. Em outras palavras, apesar de haver um mecanismo Acima de tudo, a história da
perfeitamente adequado para a eficácia da flecainida (ela reduz arritmias), a droga era cla- flecainida levanta duas ques-
ramente tóxica e, em geral, causou mais malefícios do que benefícios. tões importantes:
90
neira a todos os médicos.
Flecainida • O tipo de pesquisa é im-
portante. Precisamos evitar
85 uma abordagem mecanís-
tica tradicional e procurar
evidências empíricas de efe-
80 tividade usando um desfe-
0 200 400 600 cho clinicamente relevante
(como sobrevida, melhora
Dias na qualidade de vida).
“Mate o mínimo de
Tantas evidências, tão pouco tempo
pacientes” Os médicos precisam estar atentos à literatura da pesquisa médica de uma maneira
Um livro do médico e humo-
que lhes permita obter rotineiramente a informação atualizada e baseada em desfe-
rista Oscar London, intitulado chos. Porém, a maioria dos médicos, particularmente os clínicos gerais, estão sobre-
Kill as Few Patients as Possible, carregados com informações. Apenas as informações não solicitadas recebidas pelo
nos dá uma lista de “regras” correio podem chegar a quilos por mês, e a maioria delas termina na lata de lixo.
para a prática clínica.
A regra 31 oferece um con- O número total de ECRs publicados aumentou de maneira exponencial desde a década
selho sobre como manter-se de 1940. Um total de 20.000 ensaios são publicados a cada ano (com mais de 400.000
atualizado com a pesquisa ensaios no total). Em 2005, aproximadamente 55 novos ensaios foram publicados a
médica: cada dia. Assim, para manter-se atualizado apenas com os ECRs, um clínico geral teria
que ler mais do que um relato de estudo a cada meia hora, dia e noite. Além dos ECRs,
“Revise a literatura mundial
fortnightly*” em 2005, cerca de 1.800 artigos também foram indexados diariamente no MEDLINE de
um total de provavelmente 5.000 artigos de periódicos publicados diariamente.
Referência:
London O (1987). Kill as Few Patients A quantidade de pesquisa médica
as Possible: And 56 Other Essays
on How to Be the World’s Best
Doctor, Edition 2, Ten Speed
2.500.000
Press, Berkeley, Califórnia, EUA.
5.000 ao dia
2.000.000
Artigos médicos por ano
1.000.000
1.800 ao dia
500.000
55 ao dia 55 ao dia
0
Biomédicos MEDLINE Ensaios Diagnósticos?
30.000
25.000
Número de ensaios controlados por ano
20.000
15.000
10.000
5.000
0
1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
Mastro da bandeira Ano
da Australian
Um ano de
Parliament
periódicos
House (81 m)
indexados no
MEDLINE
Prática Clínica Baseada em Evidências 19
Na melhor das hipóteses, a maioria dos clínicos gerais faz uma revisão superficial de
uma amostra seletiva da literatura, mas muito pouco é adequadamente avaliado e qua-
se nada influencia o que é feito na prática.
Os médicos podem se sentir culpados, ansiosos ou inadequados por causa disso (con-
sulte o quadro sobre os critérios JASPA), mas não é culpa deles – existe informação
demais. Deve haver uma maneira melhor.
Critérios JASPA
(Journal-Associated Score of Personal Angst*)
Você pode responder a estas cinco simples questões?
J – Você está ambivalente sobre renovar a assinatura de periódicos (journals)?
A – Você sente raiva (anger) de um autor em particular?
S – Você usa os periódicos para ajudá-lo a dormir (sleep)?
P – Você está cercado de pilhas de periódicos?
A – Você fica ansioso quando chega outro pelo correio?
Você também pode ter incluído as conversas com colegas ou especialistas. No entanto,
todos têm o mesmo problema para manter-se atualizados, e seus colegas podem estar
desatualizados ou apenas errados. Se eles obtiveram a informação de algum lugar, você
precisa saber de onde foi para poder verificar sua validade. Os livros-texto estão sempre
desatualizados em cerca de 5-10 anos.
Prática Clínica Baseada em Evidências 21
Deparando-se com todas as alternativas, como você realmente escolhe o que fazer em seu
tempo de educação continuada? Se for honesto, sua escolha dependerá provavelmente Conclusões do ensaio de
do que mais lhe interessa, e não do que você não sabe. EMC
1. Se você quer EMC sobre
A educação médica continuada (EMC) tem sido a principal forma de desenvolvimento um tópico, você não neces-
profissional dos médicos, mas nunca foi demonstrado que ela funciona. Quando os mé- sita dela.
dicos escolhem seus cursos, eles optam por temas sobre os quais acham que devem
2. A EMC sobre um tópico
saber a respeito. Porém, conforme vimos, a informação mais importante é aquela de funciona apenas quando
que eles não sabem que precisam! Em outras palavras, necessitamos de um sistema que você não quer recebê-la.
nos diga que precisamos saber algo.
3. A EMC não leva a melho-
rias gerais na qualidade de
Em um ensaio de EMC, pediu-se que uma amostra aleatória de clínicos gerais clas- cuidados.
sificasse 18 condições selecionadas em um “grupo de alta preferência”, sobre o qual
gostariam de receber EMC, ou em um “grupo de baixa preferência”, sobre o qual não
gostariam de receber educação adicional. Os médicos com classificações semelhantes
foram agrupados e randomizados para:
Acima de tudo, conforme já vimos, existe informação demais, mas ainda precisamos
Necessidades de dela. A qualidade da maior parte dessas informações é muito ruim: a maioria das in-
informação dos médicos formações publicadas é irrelevante e/ou os métodos não são bons. Encontrar uma
evidência de alta qualidade é como tentar beber água pura de uma mangueira que
Estudo 1 (residentes)
bombeia água suja, ou como procurar pérolas raras.
• 64 residentes em 2 hospitais
foram entrevistados após Dados de alta qualidade/relevantes – pérolas
401 consultas
• Eles anotaram a uma média Alta
de 280 questões (2 ques-
tões para cada 3 pacientes
vistos) Alta qualidade,
relevante (= “pérolas”)
• Na entrevista duas semanas
mais tarde, haviam procura- Relevância clínica
do respostas para apenas 80
questões (29%)
• Outras questões não foram
pesquisadas porque:
– não tiveram tempo, ou
– esqueceram a questão
• As fontes para as respostas
às questões foram: Baixa
– livros-texto (31%)
– artigos (21%) Baixa Alta
– consultorias (17%) Validade
Coleta de informações
Equilibre suas
Existem duas maneiras que usamos para obter informações: informações: “Empurrar”
e “puxar”
• Just in case (no caso de) – de uma maneira ad hoc*, a partir da vasta quantidade de
informação que passa pela nossa mesa ou chega em nossa caixa de correio diaria-
mente (push ou “empurrada”); ou
• Just in time (na hora certa) – de maneira direcionada, procurando informações em
resposta a uma questão específica (pull ou “puxada”).
* N. de R.T.: Ad hoc é uma expressão latina cuja tradução literal é “para isto” ou “para esta finalidade”.