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Maria Ines Azambuja, Maria Carlota Borba Brum, Maria Cecilia Verçoza, Jose Heitor Fernandes
1. Fatores Ocupacionais
Há duas categorias principais de fatores ocupacionais: (i) os fatores físicos ou bio-
mecânicos e (ii) os fatores organizacionais e/ ou psicossociais.
1.1.Fatores biomecânicos
O quadro 1 resume as evidências epidemiológicas de associação causal entre os fatores
biomecânicos ocupacionais e algumas condições osteomusculares revisadas pelo National
Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH)10.
(+++) associação moderada à forte; (++) evidência de associação; (+/0) evidência insuficiente; branco, sem estudos.
Fonte: NIOSH 10
2. Fatores extra-trabalho
Lombalgia aguda
- Esforço físico - metalúrgicos - Atitude antálgica;
Dor de intenso com a coluna -pedreiros e auxiliares de -Desvio postural na coluna
característica vertebral pedreiro lombar (escoliose antálgica);
mecânica, - levantamento e -enfermeiros e auxiliares - Contratura muscular
localizada entre a carregamento de peso de enfermagem paravertebral lombar;
parte mais baixa do (mais de 20 kg) -motoristas de taxi, de - Crepitação;
dorso (última -Exposição do corpo ônibus - Dor a palpação processos
costela) e a inteiro à vibração; de longo curso espinhosos lombares;
prega glútea, que - Postura sentada - carregadores de sacarias - Diminuição da mobilidade
aparece após força prolongada; em depósitos lombar;
física excessiva em - Postura forçada do -estivadores portuários
estruturas normais dorso -açougueiro
ou após força física - Ritmo lombo-
normal em pélvico inadequado (a
estrutura movimentação de
lesadas. flexão anterior
seguida de extensão
da coluna lombar, de
forma repetitiva);
Sexo?
Epicondilite
lateral - Sobrecarga - atividades de torque - Palpação dolorosa no
repetitiva; (parafusar, torcer, virar) epicôndilo lateral, origem dos
Inflamação do - Esforços em -operar motosserra tendões extensores do carpo?,
epicondilo lateral arrancos, - rebocar paredes com é sugestiva de epicondilite
especialmente argamassa (usando colher lateral (cotovelo de tenista);
- disfunção clínica envolvendo extensão de pedreiro )
mais comum do do punho cotovelo?; - preparar argamassa - -Dor na região lateral do
cotovelo. -Trauma agudo ?; arremessar tijolos de um cotovelo, acentuada por
- Carregar peso acima andar para outro com pá de manobras contra-resistência;
O braço dominante de 20 Kg; madeira (construção civil) também acentuada pela
é afetado com -jogar tênis extensão forçada do 3° dedo;
freqüência três - desencapar fios
vezes maior do que - tricotar - dor local com abaulamento
o não-dominante. -dentistas sugere sinovite.
-cozinheiras industriais
Dor no ombro
Tenossinovite
estenosante de
DeQuervain
- O tendão do - Movimento brusco - costureiras e alfaiates que - Dor na face radial do punho,
músculo abdutor ou repetitivo em usam tesouras de modo na região do processo estilóide
longo e do extensor abdução do polegar; freqüente na confecção de do rádio ou no primeiro
curto do polegar ao roupas compartimento dorsal do
nível da estilóide - Esforços repetitivos, - manicures punho;
radial, passam por com força em desvio - jardineiros - Piora os movimentos do
um túnel ulnar do punho ou --fabricantes artesanais de polegar (abdução, adução
osteofibroso prono-spinação telas de arame forçada e extensão);
denominado 1° repetitiva; -fritadeira - dor à extensão do polegar
compartimento dos - Movimento -cabeleireira - Crepitação na projeção dos
extensores cujo repetitivo de pinça do -lavadeira tendões ALP e ECP;
limite superficial é polegar seguido de
o ligamento anular flexão, extensão ou - Dor que piora na manobra de
dorsal do carpo que rotação do punho, o desvio ulnar forçado (teste
se torna espessado. principalmente de Filkenstein);
associado à força;
As mulheres são - Edema sobre o primeiro
mais acometidas - Posturas viciosas do compartimento dorsal do
(6:1), sobretudo polegar e do punho, punho;
entre a quinta e a como manter o
sexta décadas de polegar elevado e/ou
vida. abduzido durante as
atividades (polegar
O quadro é alienado);
também mais
freqüente em -Compressão
gestantes. mecânica do polegar
ou do processo
estilóide radial;
Dedo em Gatilho
- Alta repetitividade - apertar alicates e tesouras - Os sintomas são mais
-É a dificuldade - compressão palmar intensos pela manhã e na
para extensão associada à realização -uso de alicates, martelos e articulação interfalangiana
forçada do dedo, de força; marretas proximal;
contra
obstáculo, após sua -Movimentos -Segurar com força objetos - A condição pode afetar o
flexão máxima, repetitivos de flexão cilíndricos; polegar e todos os dedos;
condição que gera de dedos associada à
sensação de força, em postura -Marteleiro (pedreiro, - Dor localizada devido à
ressalto e, inadequada ou lenhador); dificuldade do tendão deslizar
freqüentemente, compressão dos pela polia anular A1;
dor. tendões nos dedos por
Decorre da objeto de aresta viva - Nódulo palpável na bainha
constrição da polia ou muito fino; do tendão flexor;
dos flexores,
fenômeno que - Vibração; - Estreitamento sinovial no
dificulta retináculo dos flexores;
o deslocamento dos
tendões e causa -“Clic” audível quando o dedo
reação se desengatilha pela passagem
inflamatória. do nódulo na polia A1;
As mulheres são
afetadas com mais
freqüência.
Associado à
síndrome do túnel
do carpo e
síndrome De
Quervain.
Quadro 5. Critérios para o diagnóstico de síndrome complexa de dor regional - tipo 1 ou distrofia
simpático-reflexa
Trauma inicial ou imobilização (não obrigatório)
Dor contínua, alodinia ou hiperalgesia de modo a que a dor seja
desproporcional ao evento desencadeante.
Evidência, em algum momento, de edema, alteração no fluxo sanguíneo
da pele ou atividade sudomotora anormal na região abarcada pela dor.
O diagnóstico é excluído em caso da existência de condição que poderia
explicar o grau de dor e disfunção.
(Os critérios 2, 3 e 4 são requeridos para o diagnóstico)
Fonte: International Association for the Study of Pain, 1994.
Não há exames objetivos de rotina para o diagnóstico destas síndromes. Seu diagnóstico é
eminentemente clínico, o que inibe a realização de estudos epidemiológicos. No entanto, a
reiteração das mesmas queixas por diferentes pacientes e a observação proxima dos casos,
inclusive durante episódios de agravamento, validam a utilização de sintomas em estudos
epidemiológicos de casos 25 . Assim, apresentamos a seguir resultados de um estudo descritivo
que caracteriza bem estas duas formas de apresentações clínica em uma amostra representativa
de mulheres portadoras de DORT atendidas em um ambulatório de Saúde do Trabalhador do
SUS em Porto Alegre 23-24 .
Os examinadores foram dois médicos do proprio serviço. Todas as pacientes foram
acompanhadas em consultas regulares a cada 20-30 dias. Tinham idade = 41,1 ± 9,6 anos, menos
de 8 anos de escolaridade (77,6%); tempo na última ocupação: X= 5,6 anos, Med= 2,7 anos;
53% eram trabalhadoras na industria (metalúrgica, alimentação e outras..) e 47% em serviços
variados (saúde, hoteis e restaurantes, limpeza, etc...); celetistas (92,6), em benefício
previdenciário (87,1%), sendo 74,1% com CAT. Para 22% este não era o primeiro episódio de
incapacidade pela condição osteomuscular. Um terço tinha sintomas há menos de seis meses, 1/3
entre seis meses e 2,5 anos e 1/3 entre 2,5 e cinco anos.
Com base na observação clínica, foram identificados três grupos de pacientes: 1) em
menor número, as apenas com diagnósticos ortopédicos e sintomas localizados (9 casos); 2) em
maior número (54 casos), as com SMF isolada ou sobreposta a uma ou mais condições
ortopédicas específicas, mas sem SDRC. A queixa mais comum era a dor regional em membro
superior e pescoço e perda de força em membro superior; e 3) as com possível SCDR, com ou
sem diagnósticos localizados ou SMF (45 pacientes). Nestas a dor era mais intensa e
característicamente localizada em um membro superior (mas não no pescoço). Um achado
frequente neste último grupo foram episódios de exacerbação da dor. Os agravamentos ocorriam
após a fisioterapia e após esforços moderados como varrer a casa ou carregar sacola do
supermercado, e duravam de 2 a 5 dias. A dor “mudava” de caráter. Havia necessidade de maior
quantidade de analgésicos ou analgésicos mais potentes (TilexR). O agravamento acompanhava-
se por dor articular (especialmente nas interfalangeanas proximais, metacarpo-falangeanas,
punho e região medial do cotovelo), edema em punho, mão e dedos, choques nos dedos e
sensação de “gelar” o braço. Vários destes episódios e seus sinais e sintomas foram registrados
em prontuários. Este foi o grupo com tempo de acompanhamento médio maior no serviço: 14
meses x 9 dos dois outros grupos 23, e o com maior exigência de força no trabalho 24.
A SDRC possivelmente acomete parcela pequena de pacientes com DORT, mas dada a
gravidade dos casos, ela responde por proporção significativa da demanda em serviços que
oferecem tratamento continuado para dor cronica osteomuscular.
Casos de fibromialgia também são identificados em ambulatórios de Saúde do
Trabalhador. Este quadro de dor muscular cronica generalizada não é considerado como
causalmente associada com o trabalho18, embora tenhamos observado quadros de síndrome
miofascial associados ao trabalho evoluírem para dores generalizadas sugestivas de fibromialgia.
4. Lombalgia cronica
A lombalgia crônica é, como a dor crônica de pescoço e/ou membros superiores, uma das
mais importantes causas de incapacidade para o trabalho1, 26 . Mas é interessante observar que, no
caso das lombalgias, a cultura médica dominante indica tratar a condição como dor crônica
regional 1,26 . Esta abordagem é oposta na dor em pescoço e membros superiores, quando mesmo
em casos crônicos de dor regional ainda se insiste na individualização dos diagnósticos
ortopédicos 3. Os desafios para o tratamento e reabilitação dos casos são semelhantes 1,26.
Nas lombalgias, 70% dos casos são considerados síndromes dolorosas inespecíficas (ver
Capítulo “&Lombalgias”). Também no caso de dor e incapacidade secundária a um disturbio
osteomuscular de membro superior e/ou pescoço relacionados ao trabalho tem-se procurado
enfatizar menos os diagnósticos ortopédicos específicos e mais o caráter regional e inespecífico
da dor 27-28. Mesmo quando o exame clínico ou exames complementares são compatíveis com
diagnósticos ortopédicos definidos (tendinite do supra-espinhoso, síndrome do impacto,
síndrome do túnel do carpo), a atribuição da sintomatologia a essas condições é controversa.
Alterações similares (hipoecogenicidade de tendão, acrômio em gancho, distúrbios de condução)
também podem ser demonstradas em indivíduos sem queixas e até no membro contralateral
assintomático do mesmo paciente. Além disso, em casos cronicos, a eventual resolução da
situação identificada (p. ex., a liberação do mediano no nível do punho) usualmente não é
suficiente para a resoluçao dos sintomas. Assim, dirigir o tratamento à liberação cirúrgica do
nervo mediano no túnel do carpo sem reconhecer a existência de outras alterações regionais
inespecíficas concomitantes é garantia de frustração para o médico e para o paciente. O mesmo
se aplica às diversas condições específicas abrangidas pelo guarda-chuva “ombro-doloroso”.
Especialmente em casos crônicos, a avaliação inicial deve identificar fatores associados
à má evolução do tratamento, que podem ser decorrentes de más condições objetivas do trabalho
para o qual o paciente deve retornar, ou de aspectos psico-sociais (“yelow-flags”) que
antecedem o início da doença ou emergem com ela 1,26.
Os quadros 6 a 9, a seguir, sugerem roteiros de anamnese clinica e ocupacional e de
exame físico e aspectos psico-sociais (“yelow-flags”), que podem contribuir para a avaliação de
cada caso. É importante ressaltar que o roteiro sugerido é extenso e não será esgotado na
consulta inicial. Como estes são pacientes portadores de doença cronica, boa parte da avaliação,
especialmente as questões relacionadas ao significado da doenca para o paciente e suas
expectativas reais com relação ao tratamento, irão se elucidando ao longo do tempo, em
consultas sucessivas, e a medida que se estabeleça um relação de confiança entre o paciente e o
médico.
EXAMES COMPLEMENTARES
TRATAMENTO
Usa-se, para tratar estes casos, todo o arsenal disponível. Uma interconsulta com especialista
em dor, em casos mais severos, está indicada.
Anticonvulsivantes: são deste grupo as três principais drogas utilizadas no manejo da dor
crônica não relacionada a cancer: gabapentina, pregabalina e carbamazepina ou
oxacarbamazepina. Gabapentina mostrou uma boa evidência no tratamento da dor
neuropática e pequeno benefício em relação a radiculopatia por comprometimento lombar,
mas não nos casos de dor lombar inespecífica. A pregabalina melhorou os sintomas da
fibromialgia. A carbamazepina recentemente revisada para o uso na dor crônica teve 3
estudos mostrando eficácia e dois negativos para melhora da dor crônica, assim como
oxcarbazepina 13.
Agentes tópicos: São utilizados para dores localizadas. Comparado com placebo os agentes
tópicos reduzem a dor neuropática e dos distúrbios osteomusculares, incluindo osteoartrite
13
.
2. Medidas Físicas
Fisioterapia em Serviço Especializado
• Na dor osteomuscular cronica o tratamento fisioterápico deve ser individualizado, com
orientação de especialista, podendo-se considerar sua substituição por modalidades de
autocuidado (calor local (Nivel III), e exercícios também inicialmente orientados por
especialista.
Exercicios
Embora evidências sugiram que os exercícios possam diminuir a dor e melhorar a função,
estes ganhos são pequenos (<30% de redução da dor e 20% na função) 13. Revisão
sistemática sugere que os exercícios podem afetar o estado de incapacidade, entretanto não
há conclusão sobre o tipo de exercício. Além disto, a adesão do paciente pode ser um
problema. Tratamentos com exercício variam muito e são freqüentemente incorporados a um
programa de reabilitação com múltiplas intervenções, tornando difícil avaliar a influência do
exercício sozinho. 13
Acupuntura
Há evidências da efetividade da acupuntura no tratamento da dor lombar crônica e resultados
promissores em relação à cervicalgia e fibromialgia. Os pacientes com fibromialgia avaliam
positivamente o tratamento com acupuntura.
3. Medidas Educativas
Orientar sobre fatores desencadeantes e agravantes da dor (movimentos repetitivos, força,
vibração, posições inadequadas) a serem evitados tanto no trabalho como na vida diária
(postura inadequada ao assistir televisão, colchões e travesseiros inadequados, faxinas, ariar
panelas, carregar sacolas de supermercado).
O afastamento do trabalho visa possibilitar o repouso relativo da região afetada durante a
agudização de sintomas. Orientar o paciente com dor crônica para evitar a imobilização do
segmento em caso de recrudescimento da dor, o que pode agravar o quadro doloroso.
Orientar sobre a prevenção de intercorrências (evitar segurar panelas com líquidos quentes,
procurar viajar sentado em ônibus).
Orientar medidas gerais de promoção da saúde: controle de peso, atividade física –
caminhadas (1 km/dia) –, prática continuada de exercícios aeróbicos.
Encorajar a manutenção e o retorno à atividade produtiva, respeitadas as limitações
funcionais do paciente e as condições objetivas do ambiente de trabalho.
5. Terapias alternativas
As terapias complementares incluem uma variedade de tratamentos que não fazem parte da
medicina convencional. Manipulação da coluna é a mais usada para dor lombar baixa Este
tratamento e mais efetivo do que repouso no leito, tração, mas menos efetivo do que outros
tratamentos recomendados para a coluna.
Massagem é outra modalidade comumente usada para pacientes com dor crônica que pode
trazer benefícios nos casos das dores cervicais, dos ombros, lombares, fibromialgia, embora
haja necessidade de mais pesquisa.
6. Medidas Administrativas
São de responsabilidade do médico clínico as seguintes medidas:
fornecer atestados de comparecimento ou atestados médicos de incapacidade para justificar
faltas ao trabalho, quando for o caso;
para trabalhadores assalariados do setor privado, com carteira de trabalho (regime da
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), incapacidade temporária para o trabalho pode ser
atestada pelo médico assistente por um período máximo de 15 dias (faltas pagas pela
empresa); caso a incapacidade seja superior a 15 dias, o médico deve fornecer atestado
relativo aos primeiros 15 dias e encaminhar o paciente ao INSS para perícia médica, cabendo
ao perito decidir se há ou não incapacidade que justifique o ingresso em benefício
previdenciário a partir do décimo sexto dia;
os demais contribuintes do INSS (autônomos, avulsos, segurados especiais) – que não têm
empregador – devem ser instruídos a procurar o INSS já no primeiro dia de incapacidade
para o trabalho e devem ser submetidos imediatamente à perícia para ingresso em benefício;
o atendimento médico dos trabalhadores, sejam eles do mercado formal ou informal, é o
mesmo e deve ser feito no nível de complexidade requerido em cada caso;
o mesmo se aplica a acidentes e doenças do trabalho; casos de baixa complexidade devem ser
atendidos pelo clínico, médico das unidades básicas ou dos PSF da área de residência do
trabalhador – não há credenciamento especial para o atendimento dos acidentados do
trabalho;
os atestados médicos necessários para justificar a incapacidade temporária para o trabalho
junto ao empregador, ou o encaminhamento e a manutenção dos benefícios do INSS – seja
ou não por acidente de trabalho – devem ser fornecidos pelo médico assistente e fazem parte
do atendimento médico;
no caso de acidentes de trabalho ou de doenças de trabalho em trabalhadores assalariados do
setor privado, o atestado médico inicial deve ser preenchido na Comunicação de Acidente do
Trabalho (CAT), documento oficial do INSS que deve ser fornecido ao trabalhador pela
empresa. Caso o empregador não forneça a CAT, a perícia médica do INSS pode estabelecer
um nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP), pela análise da correlação entre o
CID no atestado médico e a atividade econômica da empresa (CNAE), correlação esta
definida a partir de base de dados da previdencia social.
apenas os trabalhadores assalariados com carteira de trabalho (CLT) tem direito aos
benefícios do seguro do acidente do trabalho (pago à parte pelo empregador conforme o grau
de risco da atividade econômica);
uma vez estabelecidos pelo perito do INSS incapacidade no décimo sexto dia de afastamento
e nexo causal entre a condição incapacitante e o trabalho, o trabalhador assalariado regido
pela CLT terá essa condição reconhecida pelo INSS como doença/acidente de trabalho, o que
lhe garantirá recolhimento do fundo de garantia pela empresa e estabilidade no emprego por
12 meses após a alta do benefício e o retorno ao trabalho (estes bnefícios não existem no
auxílio-doença previdenciário).
Tabela 10. Atribuições do nível primário de atenção à saúde no atendimento do paciente com
DORT
O que fazer? Como fazer? Quando? Quem? Onde?
Identificar casos Através da Na primeira Médico PSF, unidades
de distúrbios anamnese e consulta por clínico ou básicas, sindicatos,
osteomusculares exame clínico. esse motivo. de família; empresas,
locais ou médico do policlínicas,
regionais. trabalho. consultórios.
CONCLUSÕES
Os distúrbios osteomusculares são em grande parte associados ao trabalho e tem elevada
prevalência populacional. Nos serviços de atenção básica de saúde estão mais representados os
casos que evoluem para a cronificação da dor e a incapacidade para o trabalho. Para estes casos
de dor cronica, nenhum dos regimes de tratamento disponíveis tem-se mostrado suficiente para
eliminar a dor e melhorar a função e a qualidade de vida dos pacientes. Mas um problema
frequentemente identificado por pacientes e médicos é a fragmentação do cuidado.
Trabalhos recentes e antigos sugerem que a abordagem clínica inicial dos pacientes com
dor cronica oriente-se por uma avaliação mais integral de suas necessidades individuais. As
chances de recuperação dependeriam da aliança terapeutica construída entre médico e paciente
(concordância previa sobre objetivos do tratamento, qualidade da interação, confiança, ligação
emocional). 26,36
Uma pergunta reiterada na literatura e entre os profissionais é “Que fatores podem
predizer um pior prognóstico?”
Sugere-se que o risco de cronificação dos casos reduz-se ao 1) prestar-se atenção aos
aspectos psicológicos dos sintomas de apresentação; 2) evitar-se investigação excessiva
desnecessária; 3) evitar recomendações inconsistentes e 4) orientar medidas de prevenção de
recorrências 1.
A má evolução dos casos tem sido associada a diferentes determinantes. Por isto, há
propostas de que se tente identificar grupos de risco que poderiam ser úteis para orientar
abordagens terapêuticas específicas, como 1) um grupo em que o problema primário seria uma
situação de trabalho adversa; 2) outro em que a dor (e não o local de trabalho) é o maior
problema; e 3) um grupo “angustiado” por dor e problemas funcionais cronicos 37.
Pesquisa realizada no Canadá 38 mostrou que fatores como o ambiente de trabalho,
sistemas de benefícios e atuação sindical exerciam maior efeito sobre o retorno ao trabalho do
que os fatores bio-médicos usualmente considerados, embora a avaliação biomédica continue
sendo o principal critério para o estabelecimento de capacidade ou não dos pacientes para o
retorno ao trabalho. Os achados sugerem que o foco no trabalhador individual, embora
conveniente para o sistema de saúde, tem baixa probabilidade de levar a intervenções que
melhorem substancialmente o desempenho dos pacientes com relação à capacidade de retorno ao
trabalho.
De tudo o que foi apresentado, fica evidente que mais investimentos precisam ser feitos
na prevenção, tanto do desencadeamento dos DORT como da evolução para a incapacidade.
Estes investimentos devem ser feitos pelas empresas – em melhorias de ambientes e processos de
trabalho; pelos médicos – na relação médico-paciente e em tentativas de superar os limites das
terapêuticas disponíveis e buscar aprimorar sempre o alívio da dor; e pela previdência social, de
forma a permitir que o trabalhador se recupere sem temer a perda de seu sustento. Este talvez
seja hoje o nó gordio para a reabilitação de boa parte dos casos no Brasil. Em 2009 houve mais
de 100 mil benefícios acidentários em razão de disturbios osteomusculares9. É preciso pensar
um pouco sobre isto.
Do ponto de vista do médico clínico, identificar uma etiologia ocupacional para o
desencadeamento ou agravamento de disturbio osteomuscular representa uma oportunidade para
intervir, seja educando o paciente e a empresa com relação à prevenção, seja orientando o
retorno do paciente ao trabalho. Já no caso do nexo previdenciário, a lógica subjacente não é a da
educação e sim a da indenização. O enquadramento dos auxílios-doença como acidentários (B-
91) ou previdenciários (B-31) tem repercussão econômica e legal para trabalhadores e
empregadores. Para o INSS não se trata de saber se há um fator ocupacional associado à
causalidade. É preciso dizer se ele é a causa, senão não é. Os pacientes tendem a trazer esta
lógica para os consultórios médicos e esperam dos médicos que se posicionem ao lado deles.
Mas, exceto em casos extremos de exposição ambiental, esta lógica do sim ou não é estranha à
medicina.
Todos nós acumulamos os resultados de doenças e acidentes sofridos ao longo da vida,
tanto mais sequelas quanto mais pobres e exigidos físicamente no passado, como mostram os
estudos sobre desigualdades sociais na saúde. No trabalho, a história de cada um se cristaliza
como vulnerabilidade maior ou menor às demandas físicas e mentais do ambiente ocupacional.
Considerando as implicações economicas e legais envolvidas no nexo previdenciário, ao ter-se
que decidir entre o trabalho atual ser ou não ser a causa do adoecimento, fica-se, muitas vezes,
entre duas más escolhas: sobrecarregar economicamente os empregadores atuais quando não haja
grau de exposição ocupacional suficiente que o justifique, ou abandonar o trabalhador adoecido à
própria sorte, já que a negativa do nexo implicará certamente em demissão na alta previdenciária.
Precisa-se urgentemente outra opção, onde o dano associado às más condições de vida e de
trabalho no passado seja indenizado pelo INSS de forma a proteger o trabalhador, mas que se
faça isto sem penalizar injustamente os empregadores (e os empregos) atuais. É possível que
com menos necessidade de manter um benefício temporário e especialmente um que lhes
garanta um emprego para retornar, parte do estresse que impede a recuperação seja superado.
O contexto social também não deve ser desconsiderado. São necessários investimentos
sociais permanentes na qualificação dos trabalhadores e na ampliação dos postos de trabalho, de
forma a possibilitar a sobrevivência pelo trabalho mas sem o sacrifício da saúde.
Há um aspecto que merece uma reflexão mais aprofundada por parte dos profissionais
que tratam casos cronicos de DORT: nestes pacientes, a dor é um sintoma ou tornou-se a propria
doença? A neurociência tem acumulado evidências de que, não importa o que inicie a dor, em
alguns pacientes este estímulo doloroso inicial é capaz de provocar modificações plásticas no
sistema nervoso que mantém a sensação de dor mesmo depois de cessado o estímulo original. A
comunidade médica começa a entender que quando a dor não é mais função de um sistema
nervoso saudável (que sinaliza para um causa subjacente), ela se torna um problema em si e
precisa ser tratada como patologia primária39. Talvez o melhor CID para enquadrar os casos de
dor cronica osteomuscular não esteja no capítulo das doenças osteomusculares, nem nos codigos
de síndromes compressivas. Talvez devessemos usar, provisóriamente, os CIDs R52.1 – dor
cronica intratável ou R52.2 – outro tipo de dor cronica, do capítulo Capítulo XVIII: Sintomas,
sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte.
E propor que na proxima classificação, a dor cronica passe a ser classificada como doença, como
é o caso hoje, da depressão. Esta simples reclassificação poderia modificar profundamente a
abordagem médica nestes casos, e favorecer os pacientes com mais valorização da dor e mais
foco no seu tratamento efetivo40.
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