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SÉRIE LEITURAS JURÍDICAS

PROVAS E CONCURSOS

DIREITO CIVIL
PARTE GERAL

Atualizado com as Leis n~ 10.825, de 22-12-2003,


10.838, de 30-1-2004,11.127, de 28-6-2005 e 11.280,
de 16-2-2006, com referência aos enunciados proferidos
nas Jornadas de Direito Civil do Centro de Estudos
Judiciários do Conselho da Justiça Federal

Volume 3

Gustavo Rene Nicolau

2ª Edição

SÃO PAULO
EDITORA ATLAS S.A. - 2007
Copyright © 2005 by Editora Atlas S.A. ""O~

1. ed. 2005; 2. ed. 2006; 2. reimpressão 2007 l~\+~~ ••

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Composição: Formato Serviços de Editoração SIC Ltda. ~~~7~~
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, Sp, Brasil)

Nicolau, Gustavo Rene


Direito civil: parte geral: atualizado com as Leis nº' 10.825, de 22-12-2003, 10.838, de 30-1-
2004, 11.127, de 28-6-2005 e 11.280, de 16-2-20061 Gustavo Rene Nicolau - 2. ed. - 2. reimpr.
- São Paulo: Atlas, 2007. - - (Série leituras jurídicas: provas e concursos; v. 3)

Bibliografia.
ISBN 978-85-224-4437-3

I. Direito civil - Concursos - Brasil 2. Direito civil- Legislação - Brasil 3. Parte geral (Direi-
to) - Brasil I. Título. 11.Série.

05-2317 CDU-347(81) (079)

Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil: Direito civil: Provas e concursos 347(81)(079) Se um livro pode ser comparado a um filho, tenha certeza de que este, que
2. Brasil: Provas e concursos: Direito civil 347(81)(079)
agora apresento, foi planejado e criado da maneira mais responsável
possível.
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de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor
(Lei nQ 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
o zelo, a atenção, o carinho, a seriedade com que cada palavra foi
escrita
Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto nº 1.825, de 20 de dezembro de 1907. neste trabalho me lembram imediatamente das pessoas que me trataram
Impresso no Brasil/Printed in Brazil com esses mesmos substantivos, desde quando eu era um nascituro.

Aos meus pais, João Nicolau Neto e Belenice Fabricio Nicolau, que, pelo
~ modo honesto, íntegro, brando e inteligente de se comportar diante de
Editora Atlas S.A. suas vidas, serviram de norte para cada passo que dei na minha. Meu
Rua Conselheiro Nébias, 1384 (Campos Elísios)
O 1203-904 São Paulo (SP)
desejo é que a satisfação e a sensação do dever cumprido que eu sinto em
Tel.: (0__ 11) 3357-9144 (PABX) apresentar este trabalho sejam idênticas àquelas que vocês, pais, possam
www.EditoraAtlas.com.br
sentir em relação ao seu filho.
Sumário

Nota, xvii
Mensagem ao leitor, xix

Livro Introdutório Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), 1

Capítulo I - Função e alcance da LICC, 1


1 Função da LICC, 1
2 Decreto-lei nº 4.657/1942 não introduz apenas o Código
Civil, 2
3 Proposta para uma nova LICC, 2

Capítulo II - Vigência e eficácia das leis no tempo, 3


1 Vacatio legis, 3
1.1 Vacatio de leis brasileiras com aplicação no exterior, 3
1.2 Proibição de vacatio legis em lei que altera processo
eleitoral, 4
1.3 Princípio da obrigatoriedade simultânea, 4
2 Correção da lei, 5
2.1 Correção em texto de lei dentro da vacatio legis, 5
2.2 Correção em texto de lei já em vigor, 5
3 Delegação legislativa não recepcionada, 6
4 Visualização dos planos de existência, validade e eficácia da
lei,6
5 Princípio da continuidade, 8
5.1 Espécies de revogação da Lei, 8
vIII Illodlo Civil
Sumário ix

5.1.1 Revogação quanto a sua extensão, 9 6.3 Morte presumida sem decretação de ausência, 46
5.1.2 Lei geral e lei especial, 10
6 Repristinação, 10 Capítulo III - Direitos da personalidade, 46
7 Princípio da obrigatoriedade, 11 1 Características, 48
7.1 Exceção ao princípio da obrigatoriedade, 11 1.1 Relativização das características dos direitos da
personalidade, 48
Capítulo III - Os sistemas integradores do ordenamento, 12 2 Indenização pela violação dos direitos da personalidade, 50
1 Analogia, 12 3 Do nome, 52
2 Costumes, 13 3.1. Composição do nome, 53
3 Princípios gerais do Direito, 15 3.2 Causas de alteração do prenome, 53
4 Eqüidade, 16 3.2.1 Estrangeiro, 54
3.2.2 Prenome ridículo, 54
Capítulo IV - Interpretação da lei, 17 3.2.3 Erro gráfico, 55
1 Interpretação teleológica, 18 3.2.4 Mudança de sexo, 55
3.2.5 Apelido público notório, 56
Capítulo V - Direito intertemporal, 20 3.2.6 Proteção às testemunhas e vítimas, 57
1 Direito adquirido (OAB/SP - 124º), 21 3.2.7 Adoção, 58
3.3 Causas de alteração do sobrenome, 58
Livro I - Das Pessoas, 23
4 Direito à imagem, 59
5 Direito ao corpo, 60
Capítulo I - Estrutura do Direito privado, 23
5.1 Em vida, 60
5.2 Após a morte, 60
Capítulo II - Das pessoas naturais, 25
1 Capacidade e personalidade, 26
Capítulo IV - Das pessoas jurídicas, 62
1.1 Capacidade de direito, 26
1 Análise das pessoas jurídicas, 62
1.1.1 Início da capacidade de direito, 27
2 Nascituro, 28 2 Início da personalidade jurídica, 63
3 Capacidade de fato, 29 3 Direitos da personalidade das pessoas jurídicas, 64
3.1 Absolutamente incapazes de fato, 30 4 Classificação das pessoas jurídicas, 65
4.1 Fundações, 66
3.1.1 Benefício da restituição, 32
4.1.1 Fiscalização das fundações, 67
3.2 Relativamente incapazes de fato, 32
4.1.2 Extinção das fundações, 68
4 Aquisição da capacidade de fato, 34
4.2 Corporações, 68
4.1 Maioridade civil, 34
4.3 Associações, 68
4.2 Emancipação e suas espécies, 36
4.3.1 Associações e interesses transindividuais, 71
4.3 Levantamento da interdição, 40
4.4 Sociedades, 71
5 Capacidade de fato e legitimação, 40
6 Extinção da personalidade, 41 5 Desconsideração da personalidade jurídica, 72
6.1 Comoriência, 42 5.1 Responsabilidades independentes como regra. Proteção
aos sócios e à economia nacional, 72
6.2 Da ausência e suas fases, 43
5.2 A exceção, diante do abuso, 73
6.2.1 Da curadoria dos bens do ausente, 43
5.3 A desconsideração da personalidade jurídica no Código
6.2.2 Da sucessão provisória, 44
de Defesa do Consumidor, 74
6.2.3 Da sucessão definitiva, 45
x Di rciLo Civil Sumário xi

5.4 A desconsideração da personalidade jurídica no Código 6 Singulares e coletivos, 94


Civil, 76 6.1 Bens singulares, 94
6.2 Bens coletivos, 94
,y'
\j' Capítulo®'- Do domicílio, 76
1 Diversas residências, 77 Capítulo 111 - Classificação dos bens considerados uns
2 Pessoas sem residência habitual, 77 em relação aos outros, 95
3 Domicílio necessário, 78 I Principais, 95
4 Domicílio convencional, 78 2 Acessórios, 96
4.1 Cláusula de eleição de foro nas relações de consumo, 79 2) Benfeitorias, 96
2.1.1 Importância da distinção entre benfeitorias, 97
2.2 Pertenças, 98
=P Livro(~ Dos Bens, 80
Capítulo I - Bens. Segundo elemento da estrutura do direito Capítulo IV - Classificação dos bens considerados em sua
subjetivo, 80 titularidade, 100
1 Conceito, 81 Públicos, 100
2 Distinção entre bens e coisas, 81 1.1 Bens de uso comum do povo, 100
3 Critérios de classificaçãodos bens, 82 1.2 Bens de uso especial, 101
1.3 Bens dominicais ou dominiais, 102
Capítulo 11- Dos bens considerados em si mesmos, 83 2 Características dos bens públicos, 102
1 Imóveis, 83 2.1 Inalienabilidade, 102
1.1 Imóveis por sua natureza, 83 2.2 Impenhorabilidade, 102
1.2 Imóveis por acessão natural, 84 2.3 Imprescritibilidade. Vedação da usucapião de bem
1.3 Imóveis por acessão artificial, 84 público, 103
1.3.1 Acessão artificial física, 84
1.3.2 Acessão artificial intelectual no Código Civil de Capítulo V - Bens fora do comércio, 104
1916, 85 1 Bem de família, 105
1.4 Imóveis por determinação da lei, 86 2 Bem de família legal. Lei nQ 8.009/90, 106
1.4.1 Direitos reais sobre bens imóveis e as ações que 3 Bem de família convencional, 107
os asseguram, 86
1.4.2 O direito à sucessão aberta, 87 I;. Livro(~L Dos Fatos Jurídicos, 110
1.4.2.1 Renúncia pura e simples do direito à
sucessão aberta, 88 ~apítulo I - Introdução ao estudo dos fatos. Terceiro
2 Móveis, 88 \\\~ elemento do direito subjetivo, 110
2.1 Móveis por sua natureza, 89
2.2 Móveis por determinação da lei, 89 OK' Capítulo 11- Conceito e classificação, 111
2.3 Importância da distinção entre bens móveis e 1 Fatos jurídicos e fatos irrelevantes, 111
imóveis, 90 2 Fatos jurídicos decorrentes das forças da natureza
3 Fungíveis e infungíveis, 91 e fatos jurídicos decorrentes da atividade humana, 111
4 Consumíveis e inconsumíveis, 92 3 Ato ilícito é fato jurídico, 112
5 Divisíveis e indivisíveis, 92 4 Atos lícitos, 113
5.1 Indivisíveis por força de lei ou por vontade das 4.1 Negócios jurídicos, 113
partes, 93 4.2 Atos jurídicos em sentido estrito, 115
li. jj Direito Civil Sumário xiii

4.3 Ato-fato jurídico, 116 2.2 Termo e direito adquirido, 142


2.3 Termo determinado e indeterminado, 143
Capítulo(Ill)- Teoria geral dos negócios jurídicos, 118 ;I Encargo, 143
f0~' 1 Existêntia, validade e eficácia do negócio jurídico, 118
2 Elementos essenciais para a existência do negócio, 120 Capítulo V - Defeitos do negócio jurídico, 144
2.1 Vontade, 121 I Introdução, 144
2.1.1 O silêncio como expressão de vontade, 122 2 Conseqüência dos negócios defeituosos, 145
2.1.2 Da representação, 124 3 Prazos para anulação dos negócios defeituosos, 146
2.1.3 Autocontrato, 124 'I Erro, 146
2.1.4 Reserva mental, 125 4.1 Erro e ignorância, 147
3 Requisitos de validade do negócio jurídico, 126 4.2 Requisitos para configuração do erro, 147
3.1 Capacidade, 127 4.2.1 Substancialidade, 147
3.2 Objeto lícito, possível, determinado ou determinável, 4.2.1.1 Natureza do negócio, 148
128 4.2.1.2 Objeto da declaração ou qualidades a ele
3.3 Forma prescrita ou não defesa em lei, 128 essenciais, 148
3.3.1 Reflexos processuais da forma, 130 4.2.1.3 Identidade da pessoa, 148
4 Interpretação do negócio jurídico, 130 4.2.2 Escusabilidade do erro, 148
5 Classificação dos negócios jurídicos, 131 4.2.2.1 Critério para avaliação da
escusabilidade, 149
Capítulo IV - Elementos acidentais dos negócios jurídicos: 4.3 Erro de direito e ignorância da lei (LlCC, art. 3Q), 150
condição, termo e encargo, 133 4.4 Falso motivo (errar in causa), 151
1 Condição, 134 5 Dolo, 151
1.1 Condições proibidas, 135 5.1 Dolo substancial e dolo acidental, 151
1.1.1 Condições que privem de todo efeito o negócio 5.2 Dolo negativo, 152
jurídico, 135 5.3 Dolo de terceiro, 152
1.1.2 Condições puramente potestativas, 136 5.4 Dolo bilateral, 153
1.1.3 Cláusulas condicionais em negócios 5.5 Dalus banus, 154
extrapatrimoniais, 136 6 Coação, 154
1.2 Condição suspensiva, 137 6.1 Requisitos da coação, 155
1.2.1 Condição suspensiva e direito adquirido, 137 6.1.1 Critério de apreciação da coação, 155
1.3 Condição resolutiva, 137 6.2 Ameaça de exercício normal de direito e temor
1.3.1 Condição resolutiva tácita, 138 reverencial, 155
1.4 Impossibilidade da condição, 139 6.3 Coação proveniente de terceiro, 156
1.4.1 Impossibilidade da condição suspensiva, 139 7 Estado de perigo, 156
1.4.2 Impossibilidade da condição resolutiva, 140 8 Lesão, 157
1.5 Novas disposições quanto à coisa sob condição, 140 8.1 Lesão e resolução por onerosidade excessiva, 158
1.6 Condição maliciosamente implementada ou obstada, 9 Fraude contra credores, 159
141 9.1 Garantia do credor é o patrimônio do devedor, 159
2 Termo, 142 9.2 Requisitos para a configuração da fraude em negócios
2.1 Termo inicial e condição suspensiva; termo final e onerosos: eventus damni e cansilium fraudis, 160
condição resolutiva. Paralelismo, 142 9.3 Negócios gratuitos, 161
xiv Direito Civil
Sumário xv

9.4 Ação pauliana, 162 2.2 Renúncia à prescrição consumada, 186


9.5 Conseqüência do negócio fraudulento: invalidade ou 2.3 Alegação da prescrição, 187
ineficácia?, 162 2.3.1 Momento. O prequestionamento, 187
9.6 Fraude de execução, 163 2.3.2 Quem pode alegar ou suscitar a prescrição. A Lei
nQ 11.280/2006, 188
Capítulo VI - Invalidade do negócio jurídico, 164 2.4 Transcurso do lapso prescricional por culpa de
1 Nulidade absoluta, 164 representante legal da pessoa jurídica ou assistente do
1.1 Hipóteses, 165 relativamente incapaz, 188
1.1.1 Motivo determinante ilícito, 166 2.5 Impedimento e suspensão do lapso prescricional, 189
1.1.2 Atos proibidos não sancionados, 166 2.5.1 Hipóteses de impedimento ou suspensão do
1.1.3 Simulação, 167 lapso prescricional, 190
1.1.3.1 Simulação absoluta, 167 2.6 Interrupção do lapso prescricional, 191
1.1.3.2 Simulação relativa, 168 2.6.1 Hipóteses de interrupção, 193
1.1.3.3 Simulação inocente, 168 3 Disposições específicas sobre a decadência, 194
1.2 Características do negócio nulo, 169 3.1 Transcurso do lapso decadencial por culpa de
2 Nulidade relativa, 169 representante legal da pessoa jurídica ou assistente do
2.1 Hipóteses, 169 relativamente incapaz, 195
2.2 Características do negócio anulável, 170 3.2 Decadência convencional, 195
2.3 Efeitos dos negócios nulos e anuláveis, 172 4 Prescrição e direito intertemporal, 195
2.4 Conversão dos negócios jurídicos, 173 4.1 As duas possíveis interpretações do art. 2.028, 196
4.1.1 A interpretação inconstitucional, 197
Capítulo VII - Dos atos ilícitos, 175 4.1.2 Interpretação do art. 2.028 conforme a
1 Bipartição da regra geral de responsabilidade civil, 175 Constituição Federal, 198
2 Abuso de direito, 179 4.1.3 Interpretação do art. 2.028 outorgada pelo
3 Atos lícitos que podem gerar direito a indenização, 179 Conselho da Justiça Federal na I Jornada de
3.1 Legítima defesa, 179 Direito Civil, 200
3.2 Estado de necessidade, 180 4.1.4 Conclusão, 200

Capítulo VlIli- Da prescrição e da decadência, 181 Q/lestões, 203


1 Diferenciação dos institutos mediante a classificaçãodos
direitos subjetivos, 181 Hibliografia, 207
LIas direitos a uma prestação, 181
1.2 Os direitos potestativos, 182 índice remissivo, 213
1.3 Do fundamento da prescrição, 183
1.4 Do fundamento da decadência, 184
1.5 Classificação das ações quanto à eficáciade sua
sentença, 184
1.6 Critério topográfico para identificar prazos
prescricionais de decadenciais, 185
2 Disposições específicas sobre a prescrição, 186
2.1 A exceção prescreve no mesmo prazo que a pretensão,
186
Mensagem ao Leitor

A ciência
los paraà uma
qual perfeita
nos dedicamos possui entre
comunicação uma série de da
o texto
plcna compreensão do destinatário. Há um vocabulário próprio
obstácu-
lei e a

(quase um idioma), não há imagens ilustrativas e parte-se sem-


pre do pressuposto de um conhecimento prévio de institutos ju-
ddicos avançados.
Por conta disso, o norte deste trabalho foi o mesmo já ado-
('ildo com nossos queridos alunos de graduação, cursinhos pre-
paratórios, palestras e cursos de especialização: tornar a com-
preensão desta parte fundamental do Direito Civil mais acessí-
vt.:1 e até agradável, sem esquecer a indispensável técnica. Espero
que o objetivo tenha sido alcançado. Boa leitura!
A,gradecimentos

'.' devedor insolvente de tantas pessoas que passaram pelos


QIC bom
de
CUII'\Kt
sabervida.
minha
I' S que Com
há tantos para agradecer.
um pequeno esforço Que bom ser
de memória,
visualizar muitos que de alguma forma contribuíram para
IC)I'IIII:!-()

pu desse alçar vôo no maravilhoso céu da ciência jurídica.


~~ 1,1 cr U 11

N~.I/lH; ccnário, algumas pessoas destacam-se ainda mais pela


(H11IFlllçae apoio que me deram, cada uma de seu modo, cada
umn lia sua esfera de atuação. Que fiquem aqui registradas com
H~d('lII1CU carinho, gratidão e consideração:

Álvaro Villaça Azevedo e sua família;


Ameleto Masini Neto;
Giselda Hironaka;
José Femando Simão;
Márcio Moreira de Souza;
Marcos Martins Paulino;
Marisa Harms;
Murilo Sechieri Costa Neves;
Paulo Henrique Vargas;
Ricardo Nicolau;
Thereza Nahas.

Queira Deus que eu possa fazer por outros um pouco do que


Ices fizeram por mim. Se isso acontecer, grande parte do meu
V(

delo vital estará realizada e esta corrente do bem, fortalecida.

Obrigado, muito obrigado.


Livro Introdutório
Lei de Introdução ao Código
Civil (LICC)

Capítulo I
Função e alcance da LICC

1 Função da LICC

Antes de regulamentar as relações interpessoais, o ordena-


mento deve disciplinar a aplicação, a vigência, a interpretação e
até a omissão da própria lei. Em nosso sistema, tal tarefa foi de-
sempenhada pela Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), que
tem por objeto a própria lei, o próprio ato normativo criado pelo
Congresso Nacional, em consonância com o Processo Legislativo
dos arts. 59 e seguintes da Constituição Federal. A LICC é a lex
legum, ou seja, um conjunto de normas sobre normas. É chama-
da de norma supralegal.
A Lei Complementar nQ 95, de 26 de fevereiro de 1998, tam-
bém tem por objeto a lei. Criada em obediência ao mandamento
contido no parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal,
dispõe sobre elaboração, redação, alteração, numeração, vigên-
cia e revogação das leis. Esta lei complementar sofreu alterações
com a edição de outra espécie normativa da mesma natureza, a
de nQ 107, de 26 de abril de 2001. São estas leis que auxiliarão,
Livro Introdutório - Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) 3
2 Direito Civil

Capítulo 11
por exemplo, a correta contagem de prazos de entrada em vigor Vigência e eficácia das leis no tempo
das leis.
1 Vacatio legis
2 Decreto-lei nQ 4.657/1942 não introduz apenas o
Código Civil LlCC - art. 1Q "Salvo disposição contrária, a lei começa a vi-
gorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficial-
Mas a referência em sede de vigência da lei, regulamentação
mente publicada."
no tempo e no espaço, sistemas que a integram e até Direito In-
ternacional é a Lei de Introdução ao Código Civil. Tal norma é O art. 1Q da LICC trata da chamada vacatio legis. Após sua
um Decreto-lei, redigido em 1942, que revogou a antiga LlCC publicação (e não sua promul~ação), a norma pode ou não vigo-
rar desde logo (ter vigência). E uma opção do legislador. A LlCC
(esta promulgada junto com o Código de 1916), e seria mais
não impõe que se aguarde o prazo de 45 dias para então a lei vi-
apropriado que levasse o nome de Lei de Introdução ao Direito, ou
gorar; ao contrário, estabelece esse prazo apenas no caso de
Lei de Introdução à Lei, posto se aplicar a todos os ramos do Direi-
omissão da lei quanto à sua vacatio.
to (com raras exceções).
A LlCC costuma prefaciar o Código Civil por mera questão O fundamento deste lapso temporal é permitir que a socie-
de didática e editoração. É tradição de nosso Direito estudar a dade se acostume com o novo ordenamento. Em 1942, a norma
publicada na Capital Federal (Rio de Janeiro) demorava algum
LlCC juntamente com a matéria de Direito Civil, mas ela não se
limita às lindes deste sistema. tempo para ser conhecida em todo o território nacional. Como
ela deve entrar em vigor de uma só vez, era razoável que aguar-
dasse um tempo para assimilação geral de seus termos.
3 Proposta para uma nova LICC
Nada impede que a lei preveja outro prazo para a entrada em
Não é de hoje que se almeja uma nova Lei de Introdução ao vigor da norma, como fez o art. 118 da Lei nQ 8.078, de 11 de
Código Civil. Vários projetos foram elaborados e posteriormen- setembro de 1990, ou o art. 2.044 da Lei nQ 10.406/2002. Com a
te arquivados e atualmente o Projeto nQ 243/2002, de autoria do revolução na comunicação, entretanto, é cada vez mais comum
Senador Moreira Mendes, encontra-se em tramitação pelo Sena- a disposição: "Esta lei entra em vigor na data de sua publicação", em
do Federal da República. Com 45 artigos, o projeto trata de as- que pese a Lei Complementar nQ 95 determinar que tal cláusula
suntos como domicílio, sucessões, separação e divórcio, regime só seja utilizada para "leis de pequena repercussão".
de bens, no que se refere aos problemas de aplicabilidade da lei Concluindo, vaca tio legis é o tempo que medeia entre a publi-
e situações em que as relações se estabelecem entre brasileiros e cação da norma e sua vigência. Se a norma não o previr, será em
estrangeiros. 45 (quarenta e cinco dias); se o fizer, vale sua disposição. Nesse
intervalo, ela não tem validade no ordenamento (MP/SP - 81º).

1.1 Vacatio de leis brasileiras com aplicação no exterior

O § 1º do art. 1Q da LICC traz a hipótese da obrigatoriedade


da lei brasileira no exterior. Nesse caso, a vaca tio legis será de 3
(três) meses. Via de regra, uma lei brasileira não tem vigência em
4 Direito Civil
Livro Introdutório - Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) 5
território alienígena. Tal dispositivo refere-se à lei brasileira na
eventualidade de ser obrigatória em território estrangeiro. Lei que tros, compreendidas as circunscrições não constituídas em Esta-
dos."
regula os "direitos políticos dos brasileiros com moradia no exterior",
ou leis que disciplinem a situação de "diplomatas brasileiros em
A própria LICC, que deveria dar o exemplo sobre técnica le-
missão de paz" são alguns exemplos. Em face da maior distância e
dificuldade de acesso ao exterior, a vacatio desta lei será de 3 (três) gislativa, determinação de validade de leis e revogação das ante-
meses, se outro prazo não for determinado no bojo da própria lei. riores, precisou de um outro Decreto-lei, 13 dias depois, apenas
A possibilidade de a lei com aplicabilidade no estrangeiro ter para dispor sobre a sua própria vigência. É o Decreto-lei nQ 4.707,
vacatio diferente da prevista pela LICC decorre da expressão sal- de 17 de setembro de 1942, que - em seu artigo único _ dispõe:
vo disposição contrária prevista no caput do art. 1Q. "O decreto-lei nQ 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de In-
trodução ao Código Civil Brasileiro) entrará em vigor no dia 24 de
1.2 Proibição de vacatio legis em lei que altera processo outubro do corrente ano, revogadas as disposições em contrário."
eleitoral
2 Correção da lei
Há, porém, uma hipótese em que a vacatio está proibida. Tra-
ta-se da lei que altera o processo eleitoral que deve entrar em A LICC prevê a não rara hipótese de correção da lei promul-
vigor na data da publicação. O art. 16 da Constituição quis evi- gada e publicada.
tar que artifícios de última hora prorrogassem demasiadamente ou ainda dentro daTal situação pode ocorrer com a lei já em vigor
vacatio.
a entrada em vigor da norma, sobrestando-a por longo período.
Porém, ainda que em vigor, tal lei não pode ser aplicada às elei- 2.1 Correção em texto de lei dentro da vaca tio legis
ções ocorridas no período de um ano.
Se a lei ainda está no período de vacatio, significa que não está
1.3 Princípio da obrigatoriedade simultânea em vigor. Ocorrendo nova publicação, o prazo da vacatio reinicia-
se desde a nova publicação. Havendo várias publicações, é a últi-
Não importando o tempo previsto para a vacatio, expirado o ma que vale para a contagem do prazo (DINIZ, 2002, p. 60). Tais
seu prazo a lei entra em vigor de uma só vez em todo o território correções são apenas formais, posto que qualquer alteração de seu
nacional. É o que se chama de princípio da obrigatoriedade simul- texto que possa influir no sentido ou no contexto global requer
tânea (MP/SP - 82Q), ou princípio do prazo único que vigora no apreciação por parte do Congresso Nacional, seguindo novamente
país desde 1942. todo o processo legislativo.
A antiga LICC, publicada no mesmo documento legislativo
que deu origem ao Código Civil de 1916 (Lei Ordinária nQ 3.071, 2.2 Correção em texto de lei já em vigor
de 1Q de janeiro de 1916), previa de modo diverso em seu art. 2Q•
Adotava o sistema do prazo progressivo com a seguinte redação: Neste caso, já há uma lei em vigor, em que pese a falha de
seu texto. Uma nova lei deverá ser aprovada, promulgada, publi-
"A obrigatoriedade das leis, quando não fixem outro prazo, cada, aguardar o novo período de vacatio (se houver) para só en-
começará no Distrito Federal três dias depois de oficialmente tão corrigir a norma.
publicadas, quinze dias no Estado do Rio de Janeiro, trinta dias
A norma errada continua válida e eficaz. Maria Helena Diniz
nos Estados marítimos e no de Minas Gerais, cem dias nos ou- (2002, p. 61) leciona:
Livro Introdutório - Lei de Introdução ao Código Civil (LlCC) 7
6 Direito Civil

presunção absoluta de conhecimento geral e, com sua entrada em


"Se a correção for feita dentro da vigência legal, a lei, apesar
vigor, passa ao plano da validade.
de errada, vigorará até a data do novo diploma legal publicado
[...]. Respeitar-se-ão os direitos e deveres decorrentes de norma Apesar de estar em vigor, a norma pode não ser eficaz, não
ser aplicada efetivamente nas relações jurídicas; sua inobservância
publicada com incorreções ainda não retificada."
pode não gerar sanção estatal. O artigo constitucional em análi-
Nada impede, porém, de o juiz corrigir inexatidões ou imper- se deixa isso bem claro, mostrando que a norma já é válida, mas
feições presentes no corpo da lei. A própria Lei Complementar só será aplicada nas eleições que ocorram após um ano da sua
nº 95 determinou em seu art. 18 que: "eventual inexatidão formal vigência.
de norma elaborada mediante processo legislativo regular não constitui Outros exemplos esclarecem a percepção dos diferentes pla-
escusa válida para o seu descumprimento". nos normativos. A lei declarada inconstitucional em ADIN pelo
Se houver inexatidão no procedimento criador da norma, no STF não foi revogada, mas não pode ser aplicada, não tem eficá-
processo legislativo, estaremos diante de inconstitucionalidade cia. O mesmo ocorre quando, em controle difuso de constitu-
formal da mesma, cabendo sobre ela todo o mecanismo de con- cionalidade, o STF - após várias decisões no mesmo sentido -
trole de constitucionalidade analisado na matéria de Direito oficia ao Senado que expede resolução retirando a eficácia da lei
Constitucional (MAGISTRATURA/BA - 1999). (art. 52, X, da CF). Clóvis Beviláqua (1980, p. 55) lembra outra
hipótese:
3 Delegação legislativa não recepcionada
"Muitas vezes as leis trazem em si o princípio de seu desa-
O § 2º do art. 1Q da LICC não foi recepcionado pelo sistema parecimento do mundo jurídico, determinando que cessarão de
constitucional. O art. 17 da Constituição de 1937 previa a hipó- ter eficácia numa determinada época. As leis ânuas que regulam
tese de delegação federal, permitindo aos governos estaduais a a receita e as despesas da República, em cada exercício financei-
elaboração de leis de competência exclusiva da União. A Consti- ro, são exemplo desta espécie."
tuição de 1946 (art. 36, § 2º) vetou "a qualquer dos Poderes delegar O costume também pode retirar a eficácia da lei. Recente
atribuições". Nosso federalismo enfraquecido mantém a orienta- debate na capital de São Paulo discutia acerca de determinada
ção de 1946 e o art. 24, §§ 1Q ao 4º, da Constituição de 1988, prevê avenida notoriamente comercial, em que a letra fria de antiga lei
a divisão de competências entre União e Estados para legislação impunha fosse uma zona exclusivamente residencial. Decisão
concorrente.
judicial ordenou - no prazo de 90 dias - que toda a alameda vol-
tasse a ser utilizada exclusivamente com fins residenciais. O cos-
4 Visualização dos planos de existência, validade e tume social, a reiteração de conduta de modo prolongado pela
eficácia da lei sociedade e pelo Município (que nunca autuou, impediu ou mes-
mo dificultou a atividade comercial ali exercida) não revogou a
O art. 16 da Constituição Federal traz a perfeita exposição dos
lei, mas - no mínimo - retirou sua eficácia. Na época, Miguel
planos de existência, validade e eficácia da norma jurídica que diz: Reale se pronunciou no artigo "Drama dos Jardins", publicado no
"A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua
jornal O Estado de S. Paulo, no dia 3 de fevereiro de 2001:
publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data
de sua vigência." A lei passa a existir no ordenamento quando da "compreendo e louvo o cuidado dos magistrados no tocante à
sua promulgação (momento no qual ela ganha também a presun- obediência às leis em vigor, mas, data venia, não é demais que
ção relativa de constitucionalidade). Com a publicação, ela ganha
8 Direito Civil
Livro Introdutório - Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) 9

prevaleçam sobre a letra fria da lei fatos e valores supervenientes mercial, Lei na 556, de 25 de junho de 1850". Esta é inclusive a
que vieram modificar totalmente a realidade sobre a qual ora
orientação da Lei Complementar nQ 95/98, que diz no art. 9Q: "A
incidem os mandamentos legais. [...] é preciso reconhecer que se
cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou dispo-
não pode admitir a eficácia de uma norma legal que, durante lar- sições legais revogadas. "
go tempo, não teve qualquer aplicação, tão profundo era o seu
divórcio com a experiência social". Por sua vez, utilizar-se da forma tácita para praticar um ne-
gócio jurídico significa praticá-lo sem a ele referir-se expressa-
Devemos nos lembrar de que a lei brota exatamente desta mente, significa agir como quem pretende praticar um ato, sem
relação social, deste convívio humano e deste reiterado compor- necessariamente exteriorizar sua real intenção. Significa agir
tamento da coletividade num certo sentido. Se esta é uma das com "silêncio eloqüente".
fontes do Direito, deve também ser respeitada como uma força A revogação tácita enseja exatamente esse expediente. Des-
que retira a eficácia das normas. Leis como a que disciplina o trân- ta forma, nova lei revogará a anterior, "quando seja com ela incom-
sito de gado pela Avenida Paulista ou a que regulamenta estacio- patível" (art. 2Q, § 1Q, da LlCC). A nova lei não afirmou expressa-
namento de mulas no centro de uma das maiores metrópoles do mente, mas, pelo seu conjunto, verifica-se uma flagrante incom-
mundo perderam eficácia por conta dos costumes, apesar de não patibilidade com a lei anterior. Nas palavras de Câmara Leal
terem sido revogadas e, portanto, continuarem vigentes. (1930, p. 57): "a nova lei, sem declarar revogada a anterior, estabelece
I,receitos .cuja applicação se torna incompatível
anterior" com a applicação da lei
5 Princípio da continuidade
É por isso que as Leis não precisariam prever a tradicional
Só uma nova lei pode revogar outra. Só o ato normativo pri-
mário possui o condão de regulamentar situações já abordadas expressão "revogam-se as disposições em contrário". Se a disposição
antiga é no sentido contrário, já está revogada tacitamente.
por outras leis. Esse é o princípio da continuidade das leis, pre-
visto no art. 2Q da LICC: "Não se destinando à vigência temporária, a A terceira forma de revogação de uma norma é a global, que
lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue." A perda da eficá- ocorre quando nova lei disciplina totalmente a matéria anterior-
cia da lei não se confunde com sua revogação, que trabalha no plano mente veiculada em outra norma. Um bom exemplo veio com a
da validade da norma. lei de acidentes do trabalho de 1991, que regulou totalmente esse
intrincado assunto, até então disciplinado pela Lei nQ 6.367/76.
5.1 Espécies de revogação da Lei Outro exemplo enunciado por Silvio Rodrigues (2002, p. 19) é o
da própria LlCC de 1942, que disciplinou totalmente a matéria
Há três formas de uma nova lei revogar anterior. Estão pre- versada na LlCC de 1916, sem fazer expressa referência à revo-
gação desta.
vistas no § 1Q do art. 2Q: "A lei posterior revoga a anterior quando
expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando
5.1.1 Revogação quanto a sua extensão
regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior."
A primeira delas é a revogação expressa, que ocorre quando
Quanto à extensão da revogação, temos a ab-rogação (revo-
a nova lei diz textualmente que está revogando a anterior. É
gação total da lei anterior) e a derrogação (revogação parcial). Câmara
taxativa, expressa. Um bom exemplo é o art. 2.045 da Lei nQ
10.406, de 2002, que revogou expressamente "a Lei na 3.071 de Leal (1930, p. 57) ainda insere uma terceira espécie de revoga-
ção quanto à extensão, a chamada sub-rogação, que seria "a modi-
1a de janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte Primeira do Código Co-
ficação da lei anterior, por se lhe accrescentar qualquer disposição".
Livro Introdutório - Lei de Introdução ao Código Civil (LlCC) 11
10 Direito Civil

Tal possibilidade não é descartada de nosso ordenamento,


5.1.2 Lei geral e lei especial desde que seja feito de modo expresso pela lei mais recente. A
É muito freqüente ouvir a expressão: "lei geral não revoga lei
lei C teria então o condão de repristinar a lei A, bastando que
mencionasse a volta de sua vigência. A possibilidade de repris-
especial e vice-versa". Esta frase tem origem no art. 4º da LICC de
tinação automática, porém, é sufocada pelo art. 2º, § 3º, da LICC,
1916 e não pode ser tomada como verdade absoluta, ao menos
nesta limitada forma. que determina: "Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se
restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência."
A lei geral - quando expressamente contrariar a lei especial
_ terá o condão de revogá-Ia e vice-versa, ainda que parcialmen-
7 Princípio da obrigatoriedade
te. O Estatuto da Criança e do Adolescente -lei especial de 1990
_ disciplinou a adoção. Este diploma (art. 42) estabelecia como Com a publicação da norma estabelece-se uma presunção
requisito a idade mínima de 21 anos do adotante. O Código Ci- absoluta de que todos conhecem a lei e - por conta disso - não é
vil - lei geral de 2002 - disciplinou o mesmo assunto nos arts. lícito alegar seu desconhecimento para dela se escusar. É o que
1.618 a 1.629 e já em seu artigo vestibular reduziu a idade do estabelece o art. 3º da LICC: "Ninguém se escusa de cumprir a lei,
adotante para 18 anos. Assim, a lei geral revogou parcialmente a alegando que não a conhece."
lei especial, sem qualquer possibilidade de se cogitar a convivên-
cia das normas nesse pormenor. Entre se firmar na realidade, aceitando o fato de que é im-
possível conhecer todo o ordenamento (mas assumindo o risco
Na verdade, o próprio art. 4º da LICC de 1916 já fazia essa do descumprimento da norma) e presumir que todos conhecem
ressalva nos seguintes termos: a lei (para dar maior segurança às relações), o legislador optou
"A lei só se revoga, ou derroga por outra lei; mas a disposi- pela segunda alternativa.
ção especial não revoga a geral, nem a geral revoga a especial,
senão quando a ela, ou ao seu assunto, se referir, alterando-a 7.1 Exceção ao princípio da obrigatoriedade
explícita ou implicitamente."
A despeito da regra geral da LICC, o ordenamento permite a
Carlos Roberto Gonçalves (2003, p. 45) leciona: "É possível, alegação de ignorância da lei para seu descumprimento em pelo
no entanto, que haja incompatibilidade entre a lei geral e a especial. A menos uma oportunidade específica.
existência de incompatibilidade conduz à possível revogação da lei geral Tal previsão está na lei de contravenções penais (Decreto-lei
pela especial, ou da lei especial pela geral." nO 3.688/41). Esta norma enumera os chamados "crimes menores",
prevendo fatos típicos em completo desuso, como "emissão de
6 Repristinação fumaça, vapor ou gás", "embriaguez" e "vadiagem". O art. 8º salien-
ta: "No caso de ignorância ou errada compreensão da lei, quando escusá-
Repristinar significa restaurar ao estado original, eliminan- veis, a pena pode deixar de ser aplicada. "
do o que foi eventualmente acrescentado. Em termos legais, a
situação se oferece da seguinte forma: a lei A é revogada pela lei
B, que vem a ser revogada pela lei C. Repristinar a lei A significa
torná-Ia novamente vigente no ordenamento, devolvendo os efei-
tos que a lei B lhe ceifou.
12 Direito Civil
Livro Introdutório - Lei de Introdução ao Código Civil (LlCC) 13

Capítulo 111 da sucessão por força da lei, independentemente de testamento.


Os sistemas integradores do ordenarnento São hipóteses graves, enumeradas no art. 1.814, que por si sós
demonstram a justiça desta exclusão. Permitir que uma pessoa
A ciência humana do Direito está em constante defasagem em que matou seu pai ainda receba herança deste é no mínimo tor-
relação à sociedade. A vida é rica em situações peculiares e a lei pe. Foi por isso que a lei estabeleceu o instituto da indignidade,
não as consegue prever totalmente. Nas hipóteses de ausência de exigindo a ação própria no âmbito civil para efetivá-Ia. Ainda neste
lei diante de determinada relação, ocorre o que se denomina La-
capítulo o Código estabelece que os descendentes do indigno
cunas da Lei.
herdam por representação, afinal, a pena não passará da pessoa do
Nos primórdios, a "justiça" era realizada pelos próprios ci- condenàdo. Assim, em nosso exemplo, o filho do assassino teria
dadãos, em exercício da autotutela. A família vingava a morte do direito de receber a parte que deste foi retirada.
filho, matando o assassino; o credor tomava de assalto a casa de Mais para a frente, ainda no livro das sucessões, o Código
seu devedor para se ver pago, e assim por diante. Até que se per- previu outro instituto denominado deserdação. É um instituto
cebeu que esta "justiça" realizada pelos próprios indivíduos ge- semelhante, que tem como ponto básico impedir que alguém
rava na verdade uma vingança que tornava a situação de instabi- receba do de cujus após tê-Io tratado de modo incompatível com
lidade cada vez maior. o carinho e atenção que se esperam de um herdeiro. Tal institu-
O Estado então tomou para si a incumbência de fazer Justi- to diferencia-se da indignidade por depender de testamento e por
ça, tirando tal poder do cidadão. Ao fazer isso, o Estado não pode privar os herdeiros necessários de sua parte legítima, enquanto
mais se furtar a dizer o Direito, alegando eventual omissão da lei :lquela emana diretamente da lei e priva qualquer herdeiro de
(art. 125 do CPC). Por conta disso, a LICC prevê mecanismos receber sua parte na herança.
inteligentes que têm a tarefa de completar, tornar íntegro o Nas disposições sobre a deserdação, o legislador não previu
ordenamento, suprindo eventuais lacunas. São três os chamados se o filho do deserdado herdaria por representação ou se os bens
Sistemas Integradores da Lei, que passaremos a examinar: Analogia, voltariam ao monte para ser partilhado entre os herdeiros de
Costumes e Princípios Gerais do Direito. mesmo grau do deserdado. Estamos diante da clássica situação
A aplicação destes sistemas, entretanto, somente será pos- ele analogia. Indignidade e deserdação são institutos parecidos,
sível na hipótese de omissão da lei. Verificada a lacuna, poderá o análogos, que visam impedir o direito sucessório para quem não
Juiz utilizá-Ios. o mereça. Para resolver a questão lacunosa da deserdação, basta
aplicar o art. 1.816, que regula a situação semelhante no capítu-
lo da indignidade.
1 Analogia
A utilização analógica da lei de imprensa para quantificar o
É possível - e até comum - determinado fato não ser previs- dano moral também é um exemplo constantemente identificado
to pela lei. Entretanto, outra lei pode ter previsto uma situação na jurisprudência. Cabe lembrar, entretanto, que a recente
parecida. Utilizar esta lei para aquele fato significa servir-se do Súmula 281 do STJ pontificou: "A indenização por dano moral não
instituto da analogia que, para Washington de Barros Monteiro está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa."
(2001, p. 40), é: "aplicar a hipótese, não prevista especialmente em lei,
2 Costumes
disposição relativa a caso semelhante".
Um bom exemplo está no Direito das Sucessões. O legisla- A sociedade tem seus hábitos, suas diretrizes e até mesmo
dor previu situações em que determinada pessoa seria excluída
seu código de ética silencioso. Apesar de não escrito, tal código
1·1 111,..1, •• Civil
Livro Introdutório - Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) 15

vigora com força maior ou menor, dependendo do lugar onde se 3 Princípios gerais do Direito
encontra. São modos de vida, são procedimentos contínuos e
gerais que ganham da sociedade - e até da moral - sua força "Nada existe de mais tormentoso para o intérprete que a explicação
coercitiva. dos princípios gerais de direito, não especificados pelo legislador." Esta
Tais hábitos podem servir como fonte de inspiração para o é a opinião de Washington de Barros Monteiro (2001, p. 42).
legislador, como no caso do 13Q salário, que inicialmente era um Explicar o que sejam os princípios gerais de direito é tarefa
costume dos patrões de boa índole para com seus subordinados das mais árduas para o estudioso das ciências jurídicas. O pró-
e logo se transformou em lei. Pode, por outro lado, servir de com- prio Washington Monteiro (2001, p. 43) insere oito diferentes
plemento à lei, ampliando seu alcance quando esta não for sufi- concepções sobre tais princípios. Qualquer que seja a definição,
cientemente precisa. É o que se denomina costume praeter legem. há um ponto que se configura como o cerne de tais princípios:
.r ustiça.
É esta espécie de costume que a LICC prevê para integrar a lei
quando ela for omissa. Sobre tal substantivo gravitam todos os ramos da ciência
Há ainda o costume contra legem, que fere a lei. Esta espécie j li rídica.
Não seria diferente com seus princípios. A noção de dar
não serve de complemento da lei, não podendo integrar nosso a cada um o que é seu, a idéia de proteger o correto, o sensato
em detrimento do oportunista, a prevalência da boa sobre a má-
ordenamento. É o que relembra João Baptista de Mello e Souza
fé, a consciência de se evitar o enriquecimento ilícito, a vedação
Neto (2000, p. 26), mencionando decisão do STJ:
em utilizar-se da própria torpeza; todos têm em comum aquele
"Evidentemente que o último (costume contra legem) não é su bstantivo feminino, que será o norte para se encontrar o ver-
reconhecido pelo ordenamento, não tendo o condão de modifi- dadeiro sentido de tais "princípios".
car a eficácia da lei, dado o princípio da continuidade desta. Ou, Há algumas leis que possuem um princípio flagrantemente
como decidiu o STJ: 'o sistema jurídico brasileiro não admite presente. A Lei nQ 8.078/90 visa claramente proteger o consumi-
possa uma lei perecer pelo desuso, porquanto, assentado no prin- dor, a parte vulnerável na relação de consumo; o ECA (Lei nQ
cípio da supremacia da lei escrita (fonte principal do direito), sua 8.069, de 13-7-1990), em seu artigo primeiro, obedecendo ao
obrigatoriedade só termina com sua revogação por outra lei. constitucional mandamento de prioridade absoluta da criança
Noutros termos, significa que não pode ter existência jurídica o (art. 227 da CF), determina: "Esta Lei dispõe sobre a proteção inte-
gral à criança e ao adolescente." Aí está o princípio que norte ará toda
costume contra legem'" (RESP nQ 30.705-7/SP, 6ª T. j. 14.3.95,
a aplicação desta lei. Numa eventual omissão dela, o Juiz já terá
ReI. Min. Adhemar Maciel). lim norte a seguir.
Por fim, há ainda o costume secundum legem, que nada mais é Para evitar a omissão, prefiro me filiar a um dos conceitos de
do que mero vetor interpretativo para a norma. Serve de guia para princípios gerais de direito, liderado por COVIELLO (citado por
o Juiz aplicar devidamente a Lei existente. Um exemplo é o art. MONTEIRO, 2001, p. 43), que afirma ser "os pressupostos lógicos
599, que expressamente determina a utilização do costume para e necessários das diversas normas legislativas".
delimitar o prazo do contrato de prestação de serviços, na ausên- Precede à elaboração de uma lei uma situação que carece de
cia de disposição entre as partes. regulamentação. Há uma injustiça, há uma situação que fere a
consciência do equânime, do ponderado. Para solucionar essa
situação, a lei é criada. Esta premissa ética, esta consciência mo-
16 Direito Civil Livro Introdutório - Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) 17

ral que impulsiona o legislador para a criação da norma, é o seu elos princípios gerais. A eqüidade aproxima-se muito do concei-
pressuposto lógico, que alguns, não sem razão, afirmam se tra- to do justo, do razoável, do equilíbrio, que - por natureza - são
tar de princípios gerais do direito. conceitos subjetivos. Exatamente por este caráter, a lei tomou um
Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo deparou- cuidado especial para sua aplicação. De fato, não basta a ausên-
se com uma situação singular não prevista pela lei. Um mesmo cia de norma a regular o caso concreto. É preciso ainda que a lei
varão manteve concomitantemente duas amásias por mais de 30 preveja a possibilidade de aplicação da eqüidade. É o que deter-
anos, de modo estável, público e duradouro. O inteiro teor do Illina o art. 127 do CPC, no capítulo referente ao Juiz, nestes ter-
acórdão informa inclusive que ele participava com ambas (de modo mos: "O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei."
separado) de festas familiares, aventuras, viagens etc. Com seu Um desses casos está no próprio CPC (art. 1.109), ao tratar
falecimento, a legítima foi disputada por ambas e o Tribunal - dos procedimentos de jurisdição voluntária, determinando que:
aplicando os princípios gerais do direito - optou por dividi-Ia ao
meio. Note a precisão do relatório (inteiro teor do Acórdão in "O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é,
LOUREIRO FILHO, 2000, p. 29): porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, poden-
do adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente
"não existe lei que discipline uma situação como a dos autos. Os ou oportuna."
princípios gerais de direito permitem decidir pela separação eqüi-
tativa da meação (arts. 4º, da LICC e 126 do CPC). Cumpre res- Encerrando o tema sobre lacunas da lei e sistemas integra-
peitar a vontade de A, no que tange ao destino de sua parte dis- tivos, Silvio Rodrigues (2002, p. 23) lembra uma solução inteli-
ponível; a metade do seu patrimônio, no entanto, comporta divi- gente encontrada pelo legislador europeu:
são entre as duas mulheres que lhe foram solidárias com o tipo
"Uma solução de alto interesse para o problema das lacunas
de vida que escolheu." (grifamos)
da lei é a apregoada pelo legislador suíço. Diz o art. 1Q do Códi-
A ementa esclarece: go Civil suíço que, no silêncio da lei e não havendo um costume
a regular uma relação jurídica, deve o juiz decidir segundo as
"APELAÇÃO CÍVEL - Deve o juiz encarregado de julgar ação regras que ele estabeleceria se tivesse de agir como legislador."
que versa sobre a me ação de homem de hábitos incomuns e que
manteve vida concubinária dúplice por mais de 30 anos, guiar-se
pelos princípios gerais de direito (artigos 4º da LICC e 126 do
Código de Processo Civil) - Dividir a meação significa decisão de Capítulo IV
justiça social (artigo 226, § 3º da Constituição Federal) - Provi- Interpretação da lei
mento do recurso, em parte, da autora para atribuir-lhe 25% do
patrimônio do de cujus, prejudicado os demais recursos" (TlSP Nem todos os dispositivos de lei são cristalinos e precisos.
Apelação Cível n. 64.847-4 - Piracicaba - 3ª Câmara de Direito Não é sempre que a lei consegue expressar tudo o que preten-
Privado - Relator: Ênio Zuliani - 02.03.99 - V.U.) deu. Para atingir a exata compreensão da ordem, por vezes é
necessário um exercício interpretativo, uma luz a guiar o alcan-
ce do texto, trazendo à superfície seu real sentido.
4 Eqüidade

A rigor, a eqüidade não poderia ser classificada como um meio


integrativo da norma, como é o caso da analogia, dos costumes e
I fI 1111(·11 •• Civil
Livro Introdutório - Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) 19

Interpretação teleológica de comunicação e informação como são hoje em dia o telefone e


a televisão.
Prevendo tal situação, o art. 5º da LICC determinou alguns
vetores nos quais o juiz deverá se basear para encontrar aquele Em interessante julgado, o ST] enfrentou a questão e resol-
sentido. Diz a lei: "Na aplicação da lei, ojuiz atenderá aos fins sociais veu-a ,c~m base no art. 5º da LICC, fazendo uma interpretação
teleologrca da norma:
a que ela se dirige e às exigências do bem comum. "
Não é tarefa fácil definir conceitos tão vagos e amplos. Mas "GRAVADOR E BICICLETA - Lei nº 8.009/90: [...] Sob a
há um ponto de partida e através dele perceberemos como os cO,b~rt?-rade precedentes da Corte que consideraram bem de fa-
conceitos se relacionam: a lei é elaborada por uma imposição de Imha aparelh~ de televisão, videocassete e aparelho de som, ti-
nossa vida social, de múltiplos relacionamentos. Por ela, busca- dos como eqUIpamentos que podem ser mantidos usualmente na
se limitar o direito individual em prol do coletivo, da paz social. residência, não é possível admitir-se a penhora do gravador, que
Busca-se o equilíbrio, o justo, almeja-se nivelar eventuais desi- reveste-se das mesmas características. A bicicleta, porém, não é
gualdades criadas pela própria natureza humana. De alguma for- bem de família, sendo meio de transporte, mais bem situada na
ma, portanto, um dos fins sociais da norma nada mais é do que vedaç~o do artigo 2º da Lei nº 8.009/90. 3. É preciso considerar
o próprio bem comum. Encontrar o fim a que se destina a nor- q u: a mterpretaçã..? da lei considerando os termos do artigo 5º da
ma é realizar uma interpretação teleológica. Le~ ,de. Introduçao ao Código Civil não pode gerar dese-
Um bom exemplo decorre da Lei nº 8.009, de 29 de março qlllhbno no processo, como se o fim social somente se destinas-
de 1990, originária da Medida Provisória nº 143/90, que criou o se a prote~er uma das partes. [...]" (ST] - 3ªT.; REsp. nº 82.067-
instituto do "Bem de Família". Esta lei tornou impenhorável SP; ReI. Mm. Carlos Alberto Menezes Direito; j. 26-6-1997; v.u.).
(insuscetível de constrição judicial por dívidas) o único bem
imóvel residencial do devedor, seus móveis e equipamentos (a Mas o fim social e o bem comum, previstos no art. 5º da LICC
lista das exceções a tal regra encontra-se no art. 3º da referida lei). não são as únicas formas possíveis de interpretação. A doutrin~
aponta diversas espécies de interpretação conforme a classifica-
Logo surgiu a dúvida sobre o alcance de expressões previs-
ção adotada. Os mais importantes estão no quadro seguinte:
tas na lei como: "móveis e equipamentos", "adornos suntuosos". A
solução veio com a interpretação da norma. Analisando o fim
social da norma, percebe-se que a intençãoquanto à fonte
do legislador foi não Espécie de interpretação Emana
Emana das obras
reiteradas
do próprio
Significado
científicas.
legislador.
decisões judiciais.
mexer no ambiente domiciliar, mantê-Io dentro dos
Doutrinal padrões
Jurisprudencial or- Autêntica
dinários de convívio e harmonia, preservando um princípio fun-
damental da própria Constituição Federal, a saber, a dignidade da
pessoa humana (CF, art. 1º, 1Il). A idéia é que se cobre, mas com
dignidade. Privar o devedor do seu domicílio e dos itens básicos
que o guarnecem seria uma pena demasiadamente alta pelo "cri-
me" da inadimplência.
Com tal interpretação, os Tribunais deram o real sentido à
norma. Se o objetivo do legislador era manter a tranqüilidade do
recesso familiar, seria injusto privar o devedor de itens básicos
20 Direito Civil
Livro Introdutório - Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) 21

Recorda-se
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Entende-se Direito
nas como
regras da
de um í1partir da nova lei submetem-se ao seu império e serão por ela
Espécie de interpretação quanto Significado reguladas. A questão torna-se mais complexa quando a nova lei
dúvida.
todo,
criação como
comparando
gramática
outras um
da para
norma.
espécies sistema,
a norma
alegais. comda
solução
ramatical se depara com relações pretéritas onde duas situações distintas
se apresentam:
Na primeira, a lei expressamente retroage, regula situações
pretéritas, o que não é proibido por nosso ordenamento. Aliás, é o
que se depreende do art. 6Q da LICC e do art. 5Q, XXXVI, da CF.
Nada impede que a norma regule situações pretéritas, desde que
respeite o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisajulgada (sen-
do então denominada lei retroativa justa). É a lição de Carlos
Roberto Gonçalves (2003, p. 60): "no direito brasileiro a irretroa-
tividade é a regra, mas admite-se a retroatividade em determinados casos".
Silvio Rodrigues (2002, p. 29) ratifica: "Entre nós a lei é retroativa
[...] A lei retroage, apenas não se permitindo que ela recaia sobre o ato ju-
rídico perfeito, sobre o direito adquirido e sobre a coisajulgada. "
Capítulo V Uma segunda situação mais freqüente é a nova lei alcançar
Direito intertemporal efeitos de atos praticados sob a égide de lei anterior. Nesse caso,
ela não retroagiu, passando apenas a regular "conseqüências" de
Via de regra, a lei é criada para regular situações futuras. atos constituídos anteriormente à sua vigência. É o que prevê o
Deseja o legislador eliminar problemas que até então afligiam a art. 2.035 do Código Civil de 2002:
sociedade, aprimorando cada vez mais o ordenamento. Caio
Mário da Silva (2001, p. 137) pontifica: "A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituí-
dos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao dispos-
"Quando uma lei entra em vigor, revogando ou modificando to nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efei-
outra, sua aplicação é para o presente e para o futuro. Não seria tos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele
compreensível que o legislador, instituindo uma qualquer nor- se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes deter-
mação, criando um novo instituto, ou alterando a disciplina da minada forma de execução."
conduta social, fizesse-o com os olhos voltados para o tempo pre-
térito, e pretendesse ordenar o comportamento para o decorrido." João Baptista de Mello e Souza (2000, p. 22) sustenta com
acerto que há um preciosismo técnico em enumerar os três ins-
Entretanto, a convivência da lei nova com a lei revogada não Iitu tos, posto que o direito adquirido já é o gênero do qual os
é tão pacífica. Como assevera Mário Luiz Delgado (2004, p. 1): demais seriam espécie. De fato, quem concluiu o ato jurídico
"o conflito de leis, decorrente da coexistência de duas normas dis- perfeito ou detém a seu favor a coisa julgada possui em seu
patrimônio um direito adquirido.
tintas regulando uma mesma relação jurídica, surge a partir do
momento que são violados os limites temporais ou espaciais de
Direito adquirido (OAB/SP - 124º)
aplicação de determinados preceitos jurídicos".
Quanto às situações futuras não há dúvida de que é a lei nova Quando o direito é adquirido, não há mais pendência a obs-
que iluminará seus caminhos. As relações jurídicas constituídas lar a plena fruição do direito, posto que este já integra o patri-
.\".\, I iI.~II" '<11'11

1I10n In da pessoa. Carlos Maximiliano, citado por Alexandre de


Montes (2001, p. 112), define:

"Se chama adquirido o direito que se constitui regular e de-


finitivamente e a cujo respeito se completam os requisitos legais
e de fato para integrar no patrimônio do respectivo titular, quer Livro I
tenha sido feito valer, quer não, antes de advir norma posterior
em contrário." Das Pessoas
Parece falha a parte final do art. 6º, § 2º, da LICC, que sus-
tenta ser adquirido o direito cujo exercício dependa de "condição
preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem".
O dispositivo em tela refere-se a uma condição suspensiva,
posto que o exercício "depende de condição". Se assim é, o art. 125
do Código Civil não deixa dúvidas de que: "Subordinando-se a efi-
cácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não
verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa."
Ademais, ao mencionar a expressão arbítrio de outrem, parece Capítulo I
que a LICC quis se referir à condição meramente potestativa (vis- Estrutura do Direito privado
to ser vedada a puramente potestativa). Se assim o é, depende da
vontade de outrem e também de circunstâncias externas ao que- É erro comum iniciar o estudo de Direito Civil com a leitura e
rer dos agentes, o que confirma que não há aquisição de direito a análise direta dos artigos do Código Civil. Isso equivale a tentar
nesta situação. conhecer uma localidade sem ao menos saber em que hemisfério
Se, por um lado, faltou um pouco de técnica ao definir o di- ou continente se encontra, nem qual o idioma é ali praticado.
reito adquirido, o mesmo não ocorreu com o ato jurídico perfei- Antes de adentrar neste maravilhoso livro que regula a vida
to e a coisa julgada, onde o legislador foi um verdadeiro doutri- e as relações cotidianas do cidadão brasileiro, é necessário ter uma
nador, conceituando nos §§ 1º e 3º do artigo em análise: "Repu- visão geral dos elementos que compõem o direito privado. Esta
ta-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo visão panorâmica equivale à análise de uma foto de satélite, uma
em que se efetuou" e "Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão observação atenta sobre as diversas fronteiras e demarcações da
judicial de que já não caiba mais recurso." ciência jurídica.
Partindo desta observação genérica, o leitor poderá aterris-
sar no solo específico que pretende estudar com uma consciên-
cia mais cristalina e com maior segurança sobre os elementos com
os quais se deparará.
A estrutura clássica do Direito Civil é composta de três ele-
mentos nodais para sua formação: o sujeito, o objeto e a relação
jurídica. É em torno deles que todos os livros do Código Civil
Úravitarão. É a "separação de poderes" do direito privado.
24 Direito Civil
Das Pessoas 25

Não por acaso, a importantíssima Parte Geral do Código Ci- Capítulo II


vil é dividida em três livros: Das Pessoas, Dos Bens e Dos Fatos Jurí- Das pessoas naturais
dicos. Ela é um guia, um mapa, uma carta de navegação valio-
síssima, dirigi da àquele que pretende iniciar sua viagem pelo O Direito (qualquer que seja sua vertente e sua especialida-
Direito Civil. Tal documento trará informações utilizadas em de) tem como destinatário final o ser humano. A pessoa é a preo-
qualquer dos livros da Parte Especial. cupação permanente desta ciência. Até mesmo o Direito Am-
Também não por acaso, o Código Civil de 1916 abria as cor- biental regulamenta o meio ambiente, visando - em última aná-
tinas dos seus 1.807 artigos com uma redação eminentemente lise -.a melhores condições de vida para o homem. O Código Civil,
didática, de imenso valor e síntese, possibilitando até mesmo ao por exemplo, trata em diversas passagens dos animais irracionais
leigo compreender a estrutura daquele imenso compêndio. Dizia (arts. 445, § 1º; 936; 1.297, § 3º ...), mas sempre pensando no
a lei: "Este Código regula os direitos e obrigações de ordem privada homem como titular da proteção jurídica.
concernente às pessoas, aos bens e às suas relações." Pessoa, na acepção técnica do termo, é o titular de direitos e
Da combinação destes três elementos haurirá todo o Direito obrigações na ordem jurídica. Via de regra, é o ser humano, indi-
Civil. Assim, quando o cidadão compra uma casa, há duas pes- vidualmente tomado. Mas poderá ser também um conjunto de-
soas relacionando-se através de um contrato típico de "compra e les reunidos formalmente para um determinado fim, ou mesmo
venda", concernindo a um bem imóvel. Ultrapassadas as forma- uma pessoa moral, constituída de bens sob a forma de fundação,
lidades que a lei impõe a esse negócio jurídico, o adquirente (pes- casos em que a lei concede o nome de Pessoa Jurídica. Mesmo
soa) terá uma relação jurídica (fato jurídico) direta com a coisa nesta última acepção, é o ser humano que se busca tutelar. É ele
(bem imóvel), exercendo então o direito real por excelência, de- que dá origem, sustentação e razão de o Direito existir.
nominado propriedade. Há ainda os chamados entes despersonalizados, que são pa-
Clóvis Beviláqua (1980, p. 56) sintetiza: trimônios especiais que titularizam alguns direitos, embora não
tenham personalidade jurídica. Não são pessoas nem coisas.
"O direito subjetivamente considerado é um poder de ação Encontram-se na linha fronteiriça entre o titular de direitos por
assegurado pela ordem jurídica. Anatomicamente ele compreen- excelência e os bens. Alguns exemplos destes patrimônios são: a
de um sujeito, um objeto e a relação que os liga. Propriamente herança jacente, a massa falida, o espólio e a pessoa jurídica sem
nesta relação é que está o direito." registro. Tais entes podem inclusive ser autor e réu em ações
Com essas considerações iniciais, fica simples concluir que patrimoniais, mas nem por isso possuem personalidade. A emen-
o Direito Civil é a ciência que regula as relações jurídicas esta- da de nº 88 ao projeto do Código Civil pretendia incluí-Ias entre
belecidas entre as pessoas, concernindo aos seus bens. as pessoas jurídicas de direito privado, mas sagrou-se vencida.
Moreira Alves (2003, p. 140) opinou:
Nessa linha de raciocínio, o Código Civil inicia seus trabalhos,
classificando e disciplinando os três alicerces do direito subjeti- "Massa falida, espólio e condomínio não são pessoas jurídi-
vo, iniciando com a regulamentação Das Pessoas, que examinare- cas; não têm personalidade jurídica (senão, seria preciso registrá-
mos doravante. Ias, aplicando-Ihes todas as normas concernentes às pessoas ju-
rídicas). Em processo civil são elas denominadas pessoas formais,
isto é, comunhões de interesses sem personalidade jurídica a que
a lei (art. 12 do Código de Processo Civil) dá representante em
juízo (o síndico, o inventariante). É, aliás, o mesmo que ocorre
26 Direito Civil
Das Pessoas 27

com a herança jacente ou vacante (cujo representante em juízo, sequer a possibilidade eventual de adquirir direitos. Assim eram
considerados os prisioneiros de guerra, os que cometiam crimes
por força do citado art. 12 do CPC, é seu curador), as quais não
constam do inciso aposto." previstos com pena perpétua e os escravos.
Mas não precisamos remontar até Roma para encontrar
1 Capacidade e personalidade exemplos desta torpe previsão. Escrevendo no século retrasado,
o Conselheiro Joaquim Ribas (1977, p. 267) dava ares de licitude
O primeiro artigo do Código Civil já estabelece a capacidade e razoabilidade a uma situação odiosa: "Se por um lado a lei creou
de direito, a aptidão genérica do ser humano de adquirir direitos outra$ pessoas que não o homem - as pessoas jurídicas; por outro lado
e contrair obrigações, prevendo que "toda pessoa é capaz de direitos privou até certo ponto alguns homens da qualidade de pessoa, taes são os
e deveres na ordem civil". Às pessoas jurídicas - como logo veremos escravos. "
- também se outorga tal capacidade de direito. Mas ainda hoje o nosso ordenamento prevê situações rarís-
Se, por um lado, capacidade de direito é o atributo que todo simas em que o indivíduo é considerado - para algumas relações
ser humano tem de adquirir direitos e contrair obrigações, por jurídicas - como se morto fosse. O exemplo clássico é o do in-
outro lado logo veremos que nem todos podem exercer tais di- digno em relação à sucessão do parente contra o qual cometeu
reitos. O conjunto destas capacidades forma o que se denomina um dos fatos previstos nos incisos do art. 1.814. Tanto é assim
personalidade, ou seja, a qualidade da pessoa, desse ente que se que o art. 1.816 salienta no caput: "São pessoais os efeitos da exclu-
está a comentar (SOUZA NETO, 2000, p. 33). Por sua vez, há são; os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fos-
direitos do ser humano tão importantes em sua esfera privada, se antes da abertura da sucessão. "
tão inerentes à sua dignidade e intimidade que a lei lhes atribui Washington de Barros Monteiro (2001, p. 62) ressalta inte-
o nome de "direitos da personalidade", que veremos logo mais. ressante curiosidade, de um mundo que aparenta ser tão distan-
te de nossa visão ocidental. Diferentemente de nosso país, na
1.1 Capacidade de direito antiga URSS do século XX, a capacidade de direito era apenas
"concedida", a título precário, pelo Estado.
Este é o mais democrático dos direitos que o ordenamento
conhece. Não há ser humano que careça dessa prerrogativa. A
.1.1. .1 Início da capacidade de direito
mera condição de existir, de ser uma pessoa, já confere a titula-
ridade que o art. 1Q expressa (MAGISTRATURA/SP -171Q). Ali- O ordenamento disciplina o início e o fim de tal capacidade.
ás, não há margem de interpretação para o pronome indeter- E o faz nos arts. 2Q e 6Q, prevendo respectivamente que "a perso-
minado Toda, localizado no limiar do novo Código. nalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida ... " e "a existên-
A capacidade de direito confere ao cidadão a possibilidade de cia da pessoa natural termina com a morte ... "
ser titular de direitos e obrigações na ordem civil, qualquer que Estes são os limitadores temporais do direito de ter direitos. Os
seja sua idade, condição social, aptidão mental ou grau de cons- fatos jurídicos do nascimento e da morte limitam, cada um em
ciência. É uma aptidão genérica concedida a todo indivíduo que seu extremo, a prerrogativa universal do art. 1Q. É por isso que o
nasce com vida. registro destes fatos é meramente declaratório, importando para
Em Roma, algumas pessoas não possuíam tal aptidão. Eram o direito a data de sua natural ocorrência.
consideradas civilmente mortas, apesar de plenamente vivas e Mas tais conceitos podem não ser tão objetivos assim. Quanto
lúcidas. Note a gravidade desta previsão. O cidadão não tinha ao nascimento, o legislador exigiu não só o nascimento, mas o
28 Direito Civil Das Pessoas 29

nascimento com vida (OAB/SP - 100º; MP/BA - 2001). É a Esta proteção se exterioriza de diversas maneiras pelo Códi-
"docimasia hidrostática de Caleno" que determinará se houve ou não go ~fora. O art. 542 permite a doação ao nascituro, desde que
a obediência a tal requisito. Basicamente, consiste em submer- aceIta pelo seu representante; o art. 1.779 prevê sua curatela
gir o pulmão da criança em água e verificar se o mesmo vem à quando sua mãe não tiver poder familiar e seu pai falecer duran-
superfície. Caso positivo, significa que ali houve oxigênio e, por- te a gravidez; o art. 1.798 outorga-lhe capacidade sucessória. In-
tanto, vida; do contrário estaremos diante do natimorto. Desse teressante aresto do TJSP determinou a colação dos bens doados
modo, não é necessária a saída total da criança do ventre mater- por ascendente ao seu descendente, quando outra descendente
no, nem o corte do cordão umbilical para que ocorra o fenômeno já ha,,:ia sido concebida, apesar de não nascida:
do nascimento (MP/SP - 83º).
"Ação Ordinária - Bens doados que deverão ser trazidos à
Percebemos a importância de tal exame quando nos depara-
colação - Apelada que, quando da doação, já havia sido concebi-
mos com a situação da herança. Imagine um empresário milio-
da - Proteção aos direitos do nascituro - Questão da paternida-
nário que vem a falecer poucos dias após saber que sua namora-
de em relação à apelada já superada em processo incidente - Ar-
da (não companheira) estava grávida.
gumentações dos apelantes, no recurso, que não têm o condão
Na hipótese de a criança nascer com vida e logo depois mor- de modificar o r. Decisório de primeiro grau - Recurso improvido"
rer, ela teve - ainda que por alguns segundos - plena capacidade (TJSP Apelação Cível nº 218.3 74-4/5 - São Paulo - 3ª' Câmara de
de direito, plena personalidade. Neste pequeno intervalo de tem- Direito Privado - Relator: Flávio Pinheiro - 26.02.02 - V.U.).
po, adquiriu todo o patrimônio de seu pai e, assim que morreu,
transmitiu para a mãe. A juri.s~rudência tem outorgado ao nascituro a capacidade de
Na hipótese de a criança ser um natimorto, ela não teve per- esta: em JUlZ~,r~~resentado pela mãe, a fim de investigar a pa-
sonalidade, não teve capacidade de direitos e - por isso - nada termdade do mdIgltado pai.
recebeu do seu pai. A fortuna então, segundo a ordem do art. Cabe observar por derradeiro que o Projeto de Lei nº 6.960,
1.829, passa para os ascendentes do empresário, que livremente de 12 de junho de 2002, que pretende alterar mais de 300 arti-
rece bem toda herança. gos ?o Código Civil, inclui em sua alçada protetora não só o
n~sClturo, ~as também o embrião. Em épocas de fertilização in
2 Nascituro vltro e embnoes excedentários (art. 1.597, IV), a lei pretende res-
guardar mais esse sujeito de direitos, apesar de ainda não pos-
O Código não pára por aí e prevê também a figura do nasci- suir personalidade.
turo, ser já concebido, mas ainda no aguardo de seu nascimento.
A lei não lhe confere personalidade, mas também não o olvida e 3 Capacidade de fato
tutela sua frágil situação. O nascituro é ser com a maior das ex-
pectativas, a da vida. Já vimos que todo ser humano possui a capacidade de direi-
A doutrina aponta diversos conceitos para caracterizar a si- to. Todos possuem a aptidão genérica de adquirir direitos, asse-
tuação do nascituro. Para uma primeira corrente, ele é um ser com gurada des~: o nascimento com vida. Porém, nem todos pos-
expectativa de direito, enquanto outros afirmam que o nascituro suem a aptldao de exercer, de fruir pessoalmente tais direitos e
tem direito condicional suspensivo. Qualquer que seja a posição, de cumprir pessoalmente com seus deveres. Esta aptidão - ou-
o importante é lembrar que ele é tutelado pelo ordenamento e o lorgada à maioria, mas não a todos -leva o nome de capacidade
de fato.
art. 2º do Código assim já previu.
::\U "11111,,, ,'Ivll Das Pessoas 31

U 111 exemplo torna clara a distinção. O absolutamente inca- Nesse sentido, é esclarecedor o enunciado nº 138 proferido na III
pHZ lcm direito a receber herança de seu pai. Tem plena aptidão Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:
para adquirir o direito de tornar-se proprietário dos bens deixa-
dos por seu ascendente. Nem seria justo que a lei o privasse dis- "A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc.
so. Entretanto, esse menor não tem discernimento para nego- ] do art. 3º, é juridicamente relevante na concretização de situa-
ciar, transferir, alienar, permutar, alugar pessoalmente o bem. Ou ções existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem
seja, ele tem aptidão para adquirir direitos (capacidade de direi- discernimento suficiente para tanto."
to), mas não para exercê-los pessoalmente (capacidade de fato).
Quanto aos enfermos ou deficientes mentais que não tenham
Se o fizer, o negócio será declarado nulo de pleno direito (MA-
discernimento necessário para a prática dos atos, foi feliz o legis-
GISTRATURA/SP -171 º). Aliás, não é outra a redação do art. 3º,
lador de 2002, deixando de lado a expressão "loucos de todo o gê-
que diz: "São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos
da vida civil. .. " nero", muito criticada por sua vulgaridade e pouco rigor técnico.
Frise-se que tal incapacidade nada tem a ver com a idade da pes-
Estudando as limitações da capacidade de fato, percebemos soa. Uma senhora de avantajada idade, mas com pleno discer-
o intuito protetivo do legislador, ao prever um rol de pessoas nimento, tem a liberdade de praticar os atos que entender con-
especiais, que não poderiam ficar abandonadas, à mercê do tiro- venientes.
cínio e da sagacidade dos homens. Perceberemos que, quanto
Cabe ressaltar que o analfabeto é plenamente capaz de exer-
maior o grau da incapacidade, maior a limitação imposta e, con-
cer seus direitos e obrigações. O art. 3º é uma típica lei restritiva
seqüentemente, maior a proteção conferida.
de direitos e por isso mesmo deve ser interpretado de modo res-
trito. Não podemos relevar, entretanto, o tratamento dispensa-
3.1 Absolutamente incapazes de fato do ao analfabeto no art. 595, quando o legislador cuidou do con-
trato de prestação de serviços. Note o cuidado da lei: "no contrato
O art. 3º traz um elenco de pessoas privadas desta capacida-
de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem
de (OAB/SP - 125). Para a lei não importa a vontade:
escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas
"I - do menor de 16; testemunhas" .

11- dos enfermos ou deficientes mentais que não tenham Talvez seja de bom alvitre e cautela aplicar para todas as de-
discernimen to; mais relações jurídicas a orientação do dispositivo mencionado,
III - de todos aqueles que não possam exprimir sua vontade." visando a maior segurança. Frise-se, entretanto, que esse não é
o comando legal. O analfabetismo por si só não é causa de inca-
Questão relevante se apresenta na hipótese do inciso I do art. pacidade.
3º. Apesar de a lei desconsiderar a vontade do menor de 16 anos, O Código Civil de 1916 cuidava também dos "surdos-mudos,
casos há em que a relação jurídica envolve justamente essa pes- que não puderem exprimir sua vontade". Desnecessária tal previsão
soa e não seria razoável descartar totalmente sua manifestação. em virtude da cláusula genérica contida no inciso III do art. 3º do
É o caso, por exemplo, da hipótese de alteração de guarda do novo Código. O fato de não se poder exprimir a vontade já confi-
menor de idade, em que pai e mãe litigam pela sua titularidade. gura a incapacidade protetora da lei.
Em que pese o menor ser absolutamente incapaz para o exercí- Cuidava também o Código revogado de declarar absolutamen-
cio dos atos da vida civil, é razoável e até aconselhável que sua te incapaz o "ausente", declarado tal por ato do juiz. O novo
vontade seja ao menos considerada pelo juiz para a decisão final.
32 Direito Civil Das Pessoas 33

Código altera esta condição e desloca todo um capítulo que anti- podem ser equiparadas às que não possuem qualquer lucidez.
gamente encontrava-se no livro do Direito de Família para a par- Encontram-se por vício, idade ou saúde com o discernimento
te geral do Código, infra-analisada. incompleto ou reduzido. Exatamente por isso, a lei lhes atribui
Quanto ao inciso I1I, um exemplo de tal situação é a pessoa uma capacidade relativa, deixando-os na mediatriz daqueles dois
que sofre sério acidente, comprometendo seu discernimento para grupos.
expressar a vontade. O "estado de coma" é uma das hipóteses em A prática pessoal de negócio jurídico pelo relativamente in-
que se configura a proteção legal. A vítima não tem condições de capaz gera sua anulabilidade, conforme o art. 171 do novo Códi-
exercer pessoalmente os seus direitos e deveres e sua família pode go. A maneira correta de seu exercício é com a assistência de uma
precisar fazê-Io. A interdição com base nos arts. 1.177 e seguin- pessoa capaz de fato, designada pela lei.
tes do CPC será a solução. O inciso I presume que aquele que atingiu os 16 anos já pos-
Para o exercício de sua personalidade, o absolutamente in- sui certo tirocínio para o exercício de seus direitos, porém não
capaz deverá ser representado pelos pais, tutor ou curador. A de modo completo ainda, devendo aguardar um biênio para a
desobediência a este mandamento é funesta. O art. 166, I, prevê: aquisição da capacidade de fato.
"É nulo o negócio jurídico quando: celebrado por pessoa absolutamente Os incisos II e III (ébrios habituais, viciados em tóxicos, e os que,
incapaz" (OAB/MG - março 2003). por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; excepcionais,
sem desenvolvimento mental completo) do art. 4º complementam o
3.1.1 Benefício da restituição alcance do artigo precedente. De fato, não se configurando a hi-
pótese de absoluta ausência de discernimento ou incapacidade
Instituto avoengo que tentava proteger demasiadamente o total de expressão da vontade, mas também não sendo completa
absolutamente incapaz fulminava de nulidade os atos regularmen- a aptidão da pessoa, sua capacidade é apenas relativa.
te praticados em seu nome, com a devida representação, mas que O inciso IV prevê a figura do pródigo, que é aquele que
lhe trouxessem prejuízo. A insegurança em negociar com os "pro-
desordenadamente gasta e destrói a sua fazenda, reduzindo-se à
tegidos" tornou-se tão grande que o efeito foi o con:r.ário: miséria por sua culpa (BEVILÁQUA, 1980, p. 94). Perceba que
desestimulando os negócios com os incapazes. Tal benefiCIOfOI
é até bom para a sociedade a circulação de capital. Além do mais,
revogado pelo art. 8º do Código Civil de 1916 e assim se mante- a privação de direitos patrimoniais de uma pessoa com discer-
ve no novo Código.
nimento para os demais atos da vida caracterizaria-se como uma
ofensa à liberdade individual. Assim, a preocupação do legisla-
3.2 Relativamente incapazes de fato
dor neste caso foi com a família do pródigo, que poderia ser in-
justamente prejudicada (RODRIGUES, 2002, p. 53).
A regra, portanto, é que o ser humano tenha capacidade de
direito e de fato, a fim de gerenciar sua própria vida como lhe Clóvis Beviláqua (1980, p. 95) ressalta:
aprouver. Já vimos algumas hipóteses em que esta ú~t~mafacul- "A interdição por prodigalidade apareceu em uma época, em
dade é podada totalmente, privando pessoas eSpeCIaiS de pes- que havia uma espécie de compropriedade da família, na qual os
soalmente exercer seus direitos.
herdeiros de uma pessoa, ainda em vida desta, eram considera-
Entre os absolutamente incapazes de fato e os plenamente dos seus condôminos [...]. Neste tempo, a interdição só se refe-
capazes, há um terceiro grupo composto por pessoas que, se ainda ria aos bens, que o indivíduo, por força da lei, herdava de seus
não possuem o pleno discernimento exigido pela lei, também não parentes."
34 Direito Civil Das Pessoas 35

Tanto assim que o Código Civil de 1916 (art. 460) exigia gue a tendência da legislação internacional, como noticia Mário
como requisito de sua interdição a existência de cônjuge, ascen- Luiz Delgado (2004, p. 119):
dente ou descendente, impondo o levantamento da interdição
quando não mais houvesse tais familiares. O novo Código não "Assim estabelecem o Código Civil italiano, de 1942 (art. 2º),
repetiu tal requisito (art. 1.782), mas entendo que permanece a o português, de 1966, com as alterações de 1977 (art. 130º), o
necessidade de tais parentes, em função da razão protetora da rrancês, com as inovações da lei de 1974 (art. 488). No mesmo
família nesta interdição (MAGISTRATURA/SP - 169º). sentido, a Constituição espanhola de 1978 (art. 12)."
De qualquer maneira, a interdição do pródigo só o privará de Entretanto, o próprio Moreira Alves (disponível em <www.
praticar os atos que se relacionem com sua deficiência. Assim, cjf.gov.br/revista/numero9/artigo1.htm», um dos redatores da
apenas os estritamente patrimoniais é que lhe são vedados. É lí- parte geral do Código Civil, é contrário a tal mudança, afirman-
cito ao pródigo, por exemplo, contrair matrimônio, adotar e re- do ter sido voto vencido nessa questão:
conhecer filhos sem qualquer assistência.
"Não desconheço que a imensa maioria das legislações mo-
O legislador de 2002 foi flexível e não repetiu a disposição
dernas abaixou o limite de idade em matéria de capacidade de fato,
do Código Civil de 1916 quanto aos silvícolas. Inseriu no pará-
mas também penso que, no momento em que o mundo mais se
grafo único do art. 4º uma sábia disposição: "A capacidade dos ín-
complica e em que as relações jurídicas se tornam complexas, não
dios será regulada por legislação especial."
me parece que um instituto dessa natureza seja 'capitis deminutio',
que não visa denegrir ninguém, e, portanto, considerar que quem
4 Aquisição da capacidade de fato
tenha 18 anos não tem um certo discernimento; no entanto, es-
Atingir a capacidade de fato significa libertar-se dos grilhões quecem-se aqueles que se baseiam nisso de que esse é um insti-
de zelo e preocupação do legislador e ganhar autonomia própria tuto de proteção e não visa senão a tutela dos interesses daquele
para a prática em geral de todos os atos da vida civil. A pessoa que é lançado na vida das relações jurídicas e pode ter o seu
então assume vantagens e ônus de livremente circular direitos, patrimônio e as suas relações jurídicas sem a tutela necessária,
bens e obrigações. Há várias formas de adquirir tal capacidade em face da complexidade da vida jurídica moderna."
plena, sendo a maioridade civil a mais comum. A maioridade civil é um dos fatores que gera a extinção do
poder familiar (art. 1.635, IIl) e de todos os deveres dele decor-
4.1 Maioridade civil rentes, como, por exemplo, o de sustentar os filhos. Por conta
desse raciocínio, já há decisões procedentes em ações que visam
Ao completar 18 anos, a lei estabelece uma presunção de que à exoneração dos pais quanto à obrigação de prestar pensão ali-
o ser humano já possui formação e experiência suficientes para mentícia aos filhos que atingiram a maioridade (T]R], AI
a prática desassistida dos atos da vida civil. Esta é a forma ordi- 2003.002.03561).
nária de aquisição da capacidade de fato. Prescinde de confirma-
ção, solicitação, averbação ou registro. Configura-se de modo Todavia, se, a despeito da maioridade civil, o jovem prosse-
guir nos seus estudos universitários, necessitando então de ali-
automático, tão logo o menor atinja os 18 anos.
mentos, nada impede que o reclame dos pais, com base na regra
O Código de 2002 inovou em relação ao diploma anterior, geral do art. 1.694. Mario Luiz Delgado (2004, p. 121) conclui:
igualando a capacidade de fato do ordenamento civil com a "Mesmo cessado o dever de sustento, persiste a obrigação alimentar se
imputabilidade do Direito Penal (CF, art. 228). Tal alteração se-
36 Direito Civil
Das Pessoas 37

comprovado que os filhos não têm meios próprios de subsistência e neces-


sitam de recursos para a educação. " sentença judicial ou por algum dos motivos do art. 5º, parágrafo
único. -
O Superior Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente que a
idade de 24 anos constitui um marco na vida do jovem que en- Por isso mesmo, é correto afirmar que a emancipação não
antecipa a maioridade civil. Os institutos não se confundem. São
cerra seus estudos universitários e está apto a obter no mercado
de trabalho os recursos necessários para sua mantença (STJ - espécies distintas do gênero: aquisição da capacidade de fato. O
REsp nº 202868-RJ, REsp nº 255082-RJ, REsp nº 392240/DF). emancipado permanece menor de idade, mas agora com capaci-
Evidentemente que tal idade não constitui um critério absoluto, dade de fato. Vale lembrar que não há revogação da emancipação.
O Código disciplina, em seu art. 5º, três espécies de emanci-
restando analisar o caso concreto para o deslinde da questão. pação.
O mesmo ocorre quanto à questão previdenciária, fato que
A primeira delas é a emancipação voluntária. Ordinariamen-
levou o Conselho da Justiça Federal a se pronunciar mediante o
Enunciado nº 3: te a lei concede capacidade de fato ao cidadão com 18 anos. En-
tretanto, deixa ao arbítrio do particular antecipar tal concessão
"A redução do limite etário para a definição da capacidade ao seu filho, desde que ele tenha 16 anos. O instrumento públi-
civil aos 18 anos não altera o disposto no art. 16, I, da Lei nº co é a forma exigida para tal emancipação e não haverá qualquer
8.213/91, que regula específica situação de dependência econô- intervenção judicial nesse procedimento. O Código de 2002 re-
mica para fins previdenciários e outras situações similares de vogou a redação do art. 9º, I, que dava prioridade ao pai para con-
proteção, previstas em legislação especial." ceder a emancipação. É bem verdade que nossa Constituição Fe-
deral já havia positivado tal entendimento, não recepcionando tal
Referida lei dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdên- norma, mas isso agora ficou explícito na letra do Código.
cia Social e - como já dito - o jovem entre 18 e 2l anos continua
Quando o poder familiar que resguarda um jovem é extinto
sendo beneficiário do regime geral da previdência social, na con-
(art. 1.635) ou retirado forçosamente das mãos de quem o exer-
dição de dependente do segurado.
cia (art. 1.638), a lei oferece o instituto da tutela, outorgando ao
tutor os deveres que normalmente cabem aos pais, bem como
4.2 Emancipação e suas espécies confiando a ele a administração dos bens do tutelado.
Vimos que a lei presumiu que o maior de 16 e menor de 18 Por diversas vezes, a lei demonstra que não confia no tutor.
anos não possuía ainda plena aptidão para o exercício de sua per- Exige prestação de contas, oferecimento de caução (inclusive com
sonalidade. Entretanto, o legislador não se esqueceu de que - responsabilidade subsidiária do juiz caso a dispense), proíbe-lhe
mesmo nessa tenra idade - alguns fatos poderiam provar o con- de (ainda que com autorização do juiz) adquirir bens do menor e
trário. De fato, a ocorrência de relevantes acontecimentos na vida até mesmo prevê a nomeação de um protutor (a quem a lei garan-
do jovem (ou mesmo o consentimento mútuo dos pais) são fa- te uma módica gratificação) .
tores que fazem demonstrar exatamente a maturidade e o discer- Quando prevê a emancipação de um pupilo (menor sob tu-
nimento deste cidadão, possibilitando então que sua capacidade tela), a lei novamente mostra que não confia no tutor, proibin-
de fato lhe seja deferida antes de atingir a maioridade. do-lhe que exerça livremente tal prerrogativa. Nesta hipótese, a
Daí se conclui que a emancipação é a concessão antecipada lei exige que o Poder Judiciário interfira e só possibilita a conces-
da capacidade de fato em decorrência da concessão dos pais, de são da emancipação do pupilo com a devida sentença judicial que
deverá então ser averbada no registro civil de pessoas naturais,
,~u nj",Ii" Civil Das Pessoas 39

para que haja conhecimento geral sobre o fato. É por isso que tal ou sentença judicial e nas quais o comportamento do menor, suas
emancipação é chamada de judicial. conquistas ou seus compromissos são de tal modo maduros que
Justificável o receio do legislador. Quando a criança se vê não há raZão para impedi-Io de adquirir a plena capacidade de fato.
destituída do poder familiar que lhe acobertava, naturalmente As hipóteses estão descritas nos incisos II a V do parágrafo úni-
passará a depositar plena confiança naquele que lhe educa e ad- co do art. 5Q do Código Civil.
ministra os bens. Se fosse permitida sua livre emancipação (o que A primeira hipótese é o casamento. Também tem como re-
ensejaria a cessação da tutela), não é necessária grande dose de quisito a idade mínima de 16 anos, salvo a rara hipótese do art.
malícia para perceber que o menor poderia ser facilmente indu- 1.520. Essa é a chamada idade núbil prevista no art. 1.517 do
zido pelo ex-tutor a negociar com ele, em condições não muito Código, que exige a autorização dos pais até a maioridade civil.
vantajosas. Daí a exigência de interferência estatal nesta hipóte- Considerado um dos fatos mais relevantes de todo ordenamento,
se (MP/SP - 82Q).
a lei entendeu que o casamento - por si só - já seria motivo para
Mas a emancipação judicial também poderá ocorrer quando se antecipar a capacidade de fato.
houver divergência entre os pais sobre sua concessão. De fato, a
A segunda hipótese é o exercício de emprego público. Note
norma genérica do parágrafo único do art. 1.631 assegura a qual- que persiste aqui o requisito da idade mínima de 16 anos, salvo
quer deles recorrer ao juiz sempre que houver desacordo no exer-
para o aprendiz. É o art. 7Q, XXXIII, da Constituição Federal (com
cício do poder familiar. Nessa hipótese, é novamente o Juiz quem
a redação que lhe conferiu a Emenda nQ 20, de 15 de dezembro
decidirá, tomando por conta o interesse do menor.
de 1998), que proíbe "qualquer trabalho a menores de dezesseis anos,
Em caso concreto, pais solicitaram judicialmente a emanci-
salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos".
pação do filho, confundindo a emancipação voluntária com a ju-
dicial. O pedido foi negado, visto que a trilha judicial não era A terceira hipótese é a colação de grau em curso superior. Tal
necessária para tal situação. Bastava a escritura pública dos pais. situação já era rara na vigência do Código anterior quando a eman-
Nestes termos: cipação poderia ocorrer a partir dos 18 anos. Agora, então, tor-
na-se praticamente letra morta. É inimaginável uma pessoa co-
"Pedido de Emancipação - Extinção - Possibilidade - Menor lar grau em curso superior com apenas 16 anos de idade. Se con-
a contar, presentemente, com 20 anos de idade - Suficiente es- seguir tal proeza, o legislador atribui-lhe o prêmio da eman-
critura pública - Carência por ausência de interesse em pedir ju- cipação.
dicialmente e pela impossibilidade jurídica do pedido - Recurso A última situação que gera a emancipação legal é a do me-
não provido" (Apelação Cível nQ 76.776-4 - Cotia - 4ª Câmara de
Direito Privado - Relator: Fonseca Tavares - 08.04.99 - nor que possui economia própria. Tal situação de independência
v. u.). financeira não pode decorrer de doações ou herança. A lei exige
como causa desta independência o "estabelecimento civil ou comer-
Cabe lembrar que os arts. 89 a 94 da LRP (Lei nQ 6.015, de cial ou pela existência de relação de emprego".
31-12-1973) especificam o procedimento do registro da emanci- Fácil fica perceber que também tem como requisito a idade
pação voluntária e da judicial. mínima de 16 anos, não só devido à disposição expressa do Có-
Todavia, ainda que sem decisão judicial e sem requerimento digo Civil, como também pelo já mencionado art. 7Q, XXXIII, da
dos pais, alguns fatos relevantes têm o condão de automaticamen- Constituição Federal. Há ainda uma pequena divergência na dou-
te gerar a emancipação, antecipando a capacidade de fato do me- trina comercial quanto à idade mínima para se tornar comer-
nor. São hipóteses sérias, em que a lei dispensa escritura pública ciante. Uma corrente se satisfaz com 16 anos e a outra exige 18,
.ICI lIi"",,,, ~~Ivll Das Pessoas 41

fi I'gll rncntando que para cometer crime falimentar é necessário L. 749 do Código Civil onde se proíbe ao tutor adquirir bens do
contar com 18 anos e, portanto, para ser comerciante também. menor.
De qualquer modo, a emancipação legal por e-ssahipótese tem - Roberfo Senis e Lisboa (2004, p. 304) conclui:
mais uma vez - como requisito a idade mínima de 16 anos (MP/
MT - 2002). "Legitimação é a autorização legal para a prática de um ato
ou negócio jurídico. Em princípio, toda pessoa se encontra legi-
4.3 Levantamento da interdição timada para adquirir direitos por si ou através de seu represen-
tante. Entretanto, a lei proíbe que algumas pessoas capazes, em
Ao lado da autoridade civil e da emancipação, há ainda uma determinadas situações, possam integrar a relação jurídica que as
terceira forma de adquirir (na verdade, readquirir) a capacidade colocaria, conforme o legislador, em uma situação mais favorá-
veL"
de fato. Ocorre na hipótese do art. 1.186 do cpc. São os casos
em que desaparece a causa justificadora da interdição judicial e
o próprio interditado solicita ao juiz o levantamento. O pródigo 6 Extinção da personalidade
tornou-se sovina, o toxicômano, naturalista e o louco, são.
Nesses casos, a lei convida o outrora interditado a retomar à O art. 6º trata do término da existência da pessoa natural.
sua condição de plena capacidade de fato. O pedido será apen- Afinal, qual é a última fronteira da vida? Não é apenas a espécie
sado aos autos da interdição e a perícia médica é obrigatória. Con- clássica de morte (com a perda de todos os sinais vitais, a pre-
cedida a sentença, passa-se à fase de sua publicação por três ve- sença do corpo e dos sinais clássicos do óbito) que gera seus efei-
zes, com intervalo de dez dias, seguido então da averbação no tos legais. Há situações em que a lei não se depara com o corpo,
registro civil. não tem a certeza absoluta do óbito, biologicamente falando, mas
que ainda assim trata tal pessoa como se morta fosse para todos
5 Capacidade de fato e legitimação os fins sucessórios.
Os dois primeiros exemplos serão analisados em breve e re-
A capacidade de fato é a aptidão para - pessoalmente - exer- ferem-se à ausência (com a decretação da sucessão definitiva) e
cer genericamente os atos da vida civil. Uma vez atingida a capa- à morte presumida. Outra hipótese já mencionada refere-se à
cidade de fato, a pessoa torna-se perfeitamente apta a exercer indignidade. O indigno está presente, certamente vivo e - para
genericamente seus deveres e a adquirir seus direitos, para o bom aquela específica sucessão - é considerado morto.
andamento de sua vida.
Por sua vez, a Lei nº 9.434/97 (dispõe sobre a remoção de
Todavia, há pessoas plenamente capazes de fato que, por uma órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante
característica especial e em situações também especiais, estão e tratamento) se contenta com a morte encefálica para fins de
impedidas de praticar determinado negócio jurídico. O que lhes transplante. Em termos pouco técnicos, tal espécie de morte equi-
carece não é capacidade e sim legitimação. O tradicional exem- vale à parada total e irreversível das funções cerebrais. A resolu-
plo está no art. 496 do Código Civil. O homem tem plena capa- ção do Conselho Federal de Medicina nº 1.480, de 8 de agosto de
cidade de direito (essa todos têm), tem plena capacidade de fato, 1997, traz uma série de procedimentos exigidos para a compro-
é maior, lúcido, solerte, mas - para aquela específica situação de vação desta morte que se diferencia do "coma" pelo fato de ser
alienar bens para um de seus filhos - não possui legitimação irreversível. Exigem-se, por exemplo, para confirmação da mor-
(SAMPAIO, 2000, p. 70). Outro exemplo vem previsto no art. te encefálica duas avaliações clínicas com intervalo de seis horas.
42 Direito Civil
Das Pessoas 43

6.1 Comoriência 6.2 Da ausência e suas fases

Se, por um lado, a lei já se preocupou com o ser que ainda É o art. 22 do Código quem define de modo sucinto o signi-
nem nasceu (o nascituro), por outro também previu a hipótese ficado de ausência:
de ser impossível identificar a pessoa que faleceu primeiro, ocor- "Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela ha-
rendo a hipótese de morte "na mesma ocasião". ver notícia, se não houver deixado representante ou procurador
Fugindo de soluções mágicas de leis estrangeiras (ex.: pre- a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de
sumir que a mais idosa falece antes), a lei brasileira decidiu pre- qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausên-
sumir que morreram simultaneamente. A conseqüência de tal cia, e nomear-Ihe-á curador."
previsão é muito relevante. Se houve morte simultânea por pre-
sunção da lei, significa que um não preenche o requisito do art. Como já falamos anteriormente, o Código Civil retirou o re-
1.798 para a sucessão do outro e vice-versa. Referido artigo está Ferido capítulo do livro de família e o trouxe para a parte geral,
sob a rubrica "Vocação hereditária", ou seja, quem é apto a suce- onde encontra campo mais apropriado para sua regulamentação.
der. O artigo exige que as pessoas sejam nascidas ou já concebi- Um ponto fundamental para se entender a ausência é perce-
das no momento da morte do de cujus, o que não acontece na hi- ber que o legislador andou por um caminho estreito, tentando
pótese do art. 8º. evitar injustiças. De um lado, não poderia desde logo atribuir
Imagine um casal, sem filhos, que falece em acidente de trân- todos os bens do ausente a seus herdeiros, pois a qualquer mo-
sito. Aplicando a presunção da comoriência, cada um deles trans- mento poderia aquele retomar. Por outro lado, a função social da
mitirá seus bens aos seus herdeiros respectivos (ascendentes em propriedade não permite que os bens do ausente fiquem sem uti-
primeiro lugar), sem comunicação nenhuma. Todo o patrimônio lização por décadas, no aguardo de um eventual retorno que pode
do varão se transmitiria aos seus pais. não ocorrer.
Porém, se a virago sobrevivesse ao varão, ainda que por pou- Compreendendo este ponto, fica fácil perceber por que o pro-
co tempo, 1/3 do patrimônio dele se deslocaria para a pós- cedimento da ausência demora tanto para ser concluído. Anali-
moriente, e desta para seus pais. Os 2/3 restantes iriam para os saremos sucintamente as três fases deste procedimento, sugerin-
pais do varão (art. 1.837). do, contudo, que o leitor tenha em mãos os arts. 1.159 et seq. do
Ressalte-se que- a comoriência é uma presunção que só tem CPC (Dos bens dos ausentes é um dos capítulos do Título que ver-
lugar na hipótese de ser impossível identificar o pré-morto. sa sobre os Procedimentos especiais de jurisdição voluntária),
Camara Leal (1930, p. 72) já alertava: bem como os arts. 22 et. seq. do Código Civil.

"O nosso Código Civil exige que, quando dois ou mais indi- 6.2.1 Da curadoria dos bens do ausente
víduos falleceram na mesma occasião, se averigúe qual dos
commorientes precedeu aos outros. E não sendo possível essa Nesta primeira fase, o ausente acabou de "ir embora". A au-
averiguação, estabelece a presumpção de que todos morreram sência é ainda muito recente e por isso mesmo o juiz arrecadará
simultaneamente." os bens, nomeará curado r na ordem estabelecida pelo art. 25 e
publicará editais de dois em dois meses, anunciando a arrecada-
Entretanto, uma vez estabelecida tal presunção, será neces- ção e chamando o ausente a entrar na posse de seus bens (art.
sária prova científica para derrubá-Ia, não bastando mera prova 1.161 do CPC).
testemunhal.
44 Direito Civil
Das Pessoas 45

Passado um ano da arrecadação dos bens (ou três, no caso de 6.2.3 Da sucessão definitiva
o ausente ter deixado procurador que não queira ou não possa exer-
Neste ponto, o Código de 2002 diminuiu em uma década o
cer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes),
prazo para abertura da sucessão definitiva. Passados dez anos (art.
os interessados (e interessados são aqueles que o art. 27 deter-
mina), e na sua falta o Ministério Público (art. 28, § 1º), poderão 37 do Código Civil de 2002, enquanto o Código de 1916 falava
em 20 anos no art. 481) desde o trânsito em julgado da sentença
solicitar seja declarada a ausência e aberta a sucessão provisória.
Não havendo interessados, os bens serão declarados como heran- de sucessão provisória, ou "provando-se que o ausente conta oitenta
anos de idade e que de cinco datam as suas últimas notícias", iniciamos
ça jacente. De qualquer forma, tal sentença só produzirá efeitos
a terceira fase, a sucessão definitiva, em que todos os herdeiros
180 dias após ser publicada pela imprensa. Concedida a senten-
terão seus direitos sucessórios exercitados, adquirindo assim a
ça, entramos na segunda fase do procedimento, a sucessão pro-
visória. propriedade resolúvel dos bens. As garantias oferecidas na fase
da sucessão provisória serão então levantadas. É com a decreta-
ção da sucessão definitiva que o ausente passa a ser considerado
6.2.2 Da sucessão provisória
presumivelmente morto (art. 6º).
Mais de um ano se passou desde que o indivíduo sumiu. Não Adjetivamos a propriedade de resolúvel, pois o legislador ain-
houve mais notícias, ele não retomou e não há comprovação de da concede mais um lapso para o ausente regressar. Após a aber-
seu falecimento. Neste ponto, o Código Civil de 1916 dava níti- tura da sucessão definitiva, o "ausente" tem mais dez anos para
da preferência ao "herdeiro rico". regressar, caso em que "haverá só os bens existentes no estado em que
se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os herdeiros
Isso porque o revogado art. 473, parágrafo único, daquele
houverem recebido pelos bens alienados ... " Depois desse prazo, ne-
diploma retirava o direito à posse dos bens do herdeiro que não
nhum direito mais assiste ao ausente (OAB/SP - 125º).
pudesse prestar caução, enquanto os que pudessem prestar refe-
rida garantia ingressavam na posse e faziam seus todos os frutos A Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, concedendo anistia
dali advindos. No art. 478 daquele Código o legislador concedia aos presos e desaparecidos políticos, regulou a situação de ausên-
ao herdeiro que não tinha posse metade dos rendimentos do cia destes. Tornou para este tipo de situação o rito mais acelera-
quinhão que lhe tocaria. do, conce?endo a possibilidade da sucessão definitiva em apenas
Todas essas disposições foram mantidas, respectivamente, um ano. E o que diz o art. 6º, § 4º, da referida lei, nestes termos:
nos arts. 30, § 1º, e 34 do atual Código Civil. A inovação que "Art 6º O cônjuge, qualquer parente, ou afim, na linha reta,
mitigou a flagrante discriminação veio no § 2º do art. 30, que isen- ou na colateral, ou o Ministério Público, poderá requerer a decla-
tou todos os herdeiros necessários de prestar garantia. A desigual- ração de ausência de pessoa que, envolvida em atividades políti-
dade remanesce, porém, quanto aos colaterais e companheiros, cas, esteja, até a data de vigência desta Lei, desaparecida do seu
que só entrarão na posse do bem se apresentarem as garantias domicílio, sem que dela haja notícias por mais de 1 (um) ano.
legais.
§ 4º Depois de averbada no registro civil, a sentença que de-
Nesta fase, a alienação dos bens só é permitida com ordem clarar a ausência gera a presunção de morte do desaparecido, para
judicial, conforme o art. 31. Frutos e rendimentos do bem são os fins de dissolução do casamento e de abertura de sucessão
todos do herdeiro possuidor. definitiva. "
-l(j DI •.•!!", Civil Das Pessoas 47

6.3 Morte presumida sem decretação de ausência perpétuo e indelével e confundem o titular com seu próprio ob-
jeto. Se o direito de crédito pode perfeitamente ser cedido - pode
Se na hipótese de ausência a lei caminha por trilhos estreitos, ser destacado do patrimônio de seu titular -, há direitos que ja-
temerosa de que um dia o cidadão possa retomar e reclamar todos mais serão subtraídos do ser humano.
os seus bens; se nesta situação a dúvida sobre o paradeiro e a Tais direitos levam o nome de Direitos da personalidade e têm
incolumidade do ausente remanesce na mente do legislador, have-
a ver com o que o ser humano tem de melhor. São atributos que
rá hipóteses em que a probabilidade da morte é muito maior. Nes- têm como fonte a existência e a dignidade da pessoa humana
tes casos, não seria razoável exigir que a família aguardasse mais (Constituição Federal, art. 1º, IV), que nascem antes mesmo do
de uma década por alguém que viveu situação catastrófica ou béli- rebento e vivos permanecem por muitos e muitos anos após a
ca em que as chances de sobrevivência foram mínimas. morte. Ciente disso, o Conselho da Justiça Federal proferiu em
Pensando nisso, a lei prevê o instituto da morte presumida seu primeiro enunciado a seguinte orientação: "A proteção que o
sem decretação de ausência. O art. 7º do Código deve ser lido em Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos di-
consonância com o art. 89 da Lei de Registros Públicos (6.015, reitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura."
de 31 de dezembro de 1973). São hipóteses gravíssimas (desa- A Constituição já havia se preocupado com tal categoria pe-
parecimento em campanha ou feito prisioneiro, não encontrado culiar de direito, enunciando no art. 5º, X, um rol exemplificativo
até dois anos após o término da guerra, naufrágio, inundação, in- desta categoria: "São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra
cêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, além da previsão e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
genérica do Código Civil de quando for extremamente provável a material ou moral decorrente de sua violação."
morte de quem estava em perigo de vida) em que a família da vítima
A honra, a moral, a imagem, o sossego, a intimidade, a pri-
deverá se socorrer dos arts. 861 a 866 do CPC para obter senten- vacidade, o próprio corpo, o nome são exemplos. São, no dizer
ça em procedimento de justificação de óbito e então dar início à
sucessão normalmente. de Sílvio Venosa (2003, p. 152), "os que resguardam a dignidade
humana".
O Judiciário já se pronunciou sobre o assunto: O Código não desceu a minúcias sobre o assunto, de modo
"Considera-se morte presumida, de modo a admitir a justi- proposital, nas palavras do coordenador do anteprojeto, Miguel
ficação para o assento de óbito, prevista no art. 89 da Lei 6.015/ Reale (NERY JR., 2003, p. 124):
73, quando as circunstâncias em que aconteceu o acidente dão a "Tratando-se de matéria de per si complexa e de significação
certeza de que a pessoa desaparecida veio a falecer" (RT 781/228). ética essencial, foi preferido o enunciado de poucas normas do-
tadas de rigor e clareza, cujos objetivos permitirão os naturais
desenvolvimentos da doutrina e da jurisprudência."
Capítulo lU A violação desta espécie de direito costuma ocasionar um
Direitos da personalidade dano moral, que deve ser ressarcido. Tal hipótese é muito fre-
qüente quando a imprensa viola a honra de um cidadão por meio
Alguns direitos são inerentes à condição humana, são intrín- de críticas extremadas ou notícias falsas. Entretanto, não se pode
secos ao ser humano, tendo origem desde a concepção e prosse- olvidar que o Direito é a ciência do razoável, do equânime. Há
guindo ativos, mesmo após a morte de seu titular. São direitos
também o direito constitucional de livre manifestação que - quan-
dos quais não se dispõe, não se abdica, tingem o espírito de modo do exercido dentro dos padrões razoáveis das relações civis - não
"li I>ln:lto Civil
Das Pessoas 49

pode sofrer ameaças ou censuras. Claudio Luiz Bueno de Godoy O ponto que deve ficar bem sedimentado quando se analisam
(2001, p. 128) conclui:
os direitos da personalidade é que eles em si são intransmissíveis,
"O direito de crítica, concebido como expressão da liberda- indisponíveis, imprescritíveis etc. Em sua essência, não é licito
de de opinião, constitucionalmente garantido, de per si, mesmo alguém alienar seu nome, sua honra ou moral. O direito da per-
sonalidade, em sua essência, é dotado das características men-
exercido de modo veemente, com conteúdo de boa ou má quali-
cionadas.
dade, e quando não animado por sentimento pessoal, subjetivo,
de antagonismo a pessoa certa, não é causa de abuso da liberda- Entretanto, destes direitos fluem repercussões, efeitos patri-
de de imprensa." moniais e exercício que podem sim ser objeto de transmis-
sibilidade por contrato ou até mesmo causa mortis. É a hipótese
1 Características da atriz que cede onerosamente sua imagem a determinada mar-
ca de aparelho eletrônico, causando uma associação benéfica para
a marca que certamente terá seu valor enriquecido no conscien-
O art. 11 do Código Civil traz duas principais características
dos direitos da personalidade, afirmando que são "intransmissíveis te dos consumidores. Criou-se no caso concreto um direito pes-
soal de crédito, decorrente da cessão do exercício de um dos di-
e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária".
reitos da personalidade. Há mercancia de um desses espe-
Melhor é a redação que o Projeto de Lei nº 6.960/2002 pretende
cialíssimos direitos ainda que de forma limitada. O mesmo ocorre
outorgar ao caput deste artigo, trazendo um rol exemplificativo
destes direitos ainda maior, bem como aumentando o número de com o autor que cede seus direitos autorais para a exploração de
obra literária. Dizer que tais direitos são intransmissíveis sem
suas características essenciais. Esta é a redação do projeto em
fazer esta indispensável ressalva pode gerar confusão na mente
trâmite pelo Congresso Nacional:
do operador do Direito.
"O direito à vida, à integridade físico-psíquica, à identidade, Nélson Nery JI. e Rosa Maria de Andrade Nery (2003, p. 158)
à honra, à imagem, à liberdade, à privacidade, à opção sexual e explicam com clareza habitual:
outros reconhecidos à pessoa são natos, absolutos, intrans-
missíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, impres- "Embora intransmissíveis em sua essência, os efeitos patri-
critíveis, impenhoráveis e inexpropriáveis." moniais dos direitos de personalidade são transmissíveis. A uti-
lização dos direitos de personalidade, se tiver expressão econô-
mica, é transmissível. A autoria de obra literária (direito de per-
1.1 Relativização das características dos direitos da sonalidade) é intransmissível, mas o recebimento de dinheiro pela
personalidade comercialização da referida obra (direito patrimonial) pode ser
negociado livremente, sendo, portanto, transmissível inclusive
Todas essas características são citadas e recitadas sempre que por herança (CF 5º, XXVII). O direito a alimentos também é
esta peculiar categoria de direitos é estudada. Sua simples men- irrenunciável porque respeita ao direito à vida; mas os seus efei-
ção, entretanto, sem uma explicação vagarosa leva a questio- tos patrimoniais (valor da pensão alimentícia) pode ser objeto de
namentos sérios e até à confusão de conceitos. É isso que expli- transação."
ca a exploração econômica da imagem e da voz de pessoas famo-
sas, contratos milionários de direitos autorais sobre obras lite- Pensando sob esse aspecto, o Enunciado nº 4 do Conselho da
rárias etc. Justiça Federal pacificou: "O exercício dos direitos da personalidade
50 1111<·11" Civil Das Pessoas 51

pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem ge- esfera patrimonial, pois desta exposição decorreriam efeitos fu-
ral. " nestos para sua carreira, sendo certamente privado de dezenas de
Interessante aresto do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro outros comerciais, filmes e trabalhos afins. O segundo dano ocor-
asseverou: "há que se distinguir o direito à imagem, inserido que está re na esfera exclusivamente moral, tendo que se avaliar a dor
no âmbito dos direitos da personalidade, portanto inalienável e psíquica, íntima, moral que atinge o sujeito. Se tal vítima for
irrenunciável, do direito ao uso da imagem, que pode ser objeto de ces- pessoa já falecida, nada impede a transmissão dos direitos patri-
são" (Apelação Cível nº 2.940/97. Relator: Moraes Marinho). moniais que esta imagem gera aos seus sucessores.
Outra característica que deve ser cuidadosamente analisa- E.m recente julgado, o STJ esmiuçou exatamente esta ques-
da é a da imprescritibilidade dos direitos da personalidade. Tec- tão, entendendo perfeitamente viável o pedido de indenização da
nicamente, isso significa que a não-utilização de um direito da mãe pela violação do direito de imagem da filha já falecida:
personalidade por décadas não tem o condão de retirar do indi-
víduo sua titularidade. Porém, uma vez violado um dos direitos "Os direitos de personalidade, de que o direito à imagem é
um deles, guardam como principal característica a sua
da personalidade, nasce para o agente a pretensão de reparação
intransmissibilidade. Nem por isso, contudo, deixa de merecer
civil (art. 189), que prescreverá em prazos maiores ou menores,
proteção a imagem de quem falece, como se fosse coisa de nin-
dependendo do direito violado. Assim, o direito de imagem do
guém, porque ela permanece perenemente lembrada nas memó-
famoso artista não caduca, ainda que ele não a utilize comer-
rias, como bem imortal que se prolonga para muito além da vida,
cialmente por décadas. Porém, se ocorrer uma indevida utiliza-
estando até acima desta, como sentenciou Ariosto. Daí por que
ção por algum órgão da imprensa, seu titular não pode quedar-
não se pode subtrair da mãe o direito de defender a imagem de
se inerte, pois contra ele teve início um prazo no qual deverá
sua falecida filha, pois são os pais aqueles que, em linha de nor-
pleitear sua respectiva indenização. Fábio Ulhoa Coelho (2003,
malidade, mais se desvanecem com a exaltação feita à memória
p. 182) resume:
e à qualquer agressão que possa lhes trazer mácula. Ademais, a
"Homens e mulheres titularizam os direitos da personalida- imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além
de por toda a vida. Isso não significa, porém, que sejam impres- de sua morte, pelo que os seus sucessores passam a ter, por di-
critíveis. Se o ofendido não promove a responsabilidade do reito próprio, legitimidade para postularem indenização em juízo"
ofensor dentro do prazo geral de prescrição, ele perde a oportu- (STJ, 4ª T., REsp 268660-R], reI. Min. César Asfor Rocha, v.u., j.
nidade para defender seu direito da personalidade -do mesmo 21-2-2000, DJU 19-2-2001).
modo que perderia o de defender qualquer outro direito
Como visto, o dano moral que a mãe sofre pela violação de
prescritível. "
um dos direitos da personalidade de sua filha é inconteste. É o
chamado dano moral reflexo ou por ricochete em que a mãe (ou
2 Indenização pela violação dos direitos da personalidade
qualquer parente próximo) alega um direito próprio, um dano que
lhe foi causado pela ofensa a uma pessoa muito próxima.
Outro aspecto que emana dos direitos da personalidade é sua
proteção legal em face de atos ilícitos que causem dano patri- Porém, o parágrafo único do art. 12 do Código Civil dá mar-
monial ou extrapatrimonial ao indivíduo. A mera exposição da gem a um raciocínio interessante e avançado, concedendo legiti-
imagem de famoso esportista ao lado de drogas ilícitas, por exem- mação ao cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou
plo, já poderia causar-lhe duas espécies de danos. O primeiro na colateral até o quarto grau para reclamar perdas e danos decorren-
52 Direito Civil Das Pessoas 53

tes da violação de algum dos direito da personalidade da pessoa ses em que exponham ao desprezo público quanto nas hipóteses
que já faleceu. de uso em propaganda comercial. A utilização desta designação
Nessa hipótese, os parentes não alegam direito próprio, mas individual po"rterceiros é por si só uma violação a um direito da
direito da vítima que já faleceu. Ocorre processualmente o fenô- personalidade passível de reparação civil. A hipótese é muito fre-
meno da legitimação extraordinária em que alguém atua em juízo qüente no universo das pessoas jurídicas, com a utilização não
como parte e em nome próprio, mas na defesa de interesse indi- autorizada do nome de determinada pessoa, o que causa, sem
vidual alheio (como é o caso, por exemplo, do Ministério Públi- dúvida, pretensão indenizatória. Tal violação ocorre também em
co nos termos do art. 2Q, § 4Q, da Lei nQ 8.560, de 1992). preju.ízo de pessoas naturais. Famoso escritor não pode ter seu
A conclusão a que se chega é de que - em tese - a violação nome impresso na capa de livro alheio, por flagrante ofensa ao
de um direito da personalidade de pessoa já falecida pode gerar seu direito de personalidade.
duas espécies de pedido por parte de seus familiares próximos.
Um decorrente do dano reflexo que os próprios parentes sofre- 3.1 Composição do nome
ram e outro pelo direito do falecido, cuja legitimação extraordi-
nária foi concedida pelo parágrafo único do art. 12 aos seus pa- o nome é composto de um elemento pessoalmente identi-
rentes próximos. A indenização decorrente deste último pedido ficável, seguido de outro que identifica a origem, a família à qual
deve ser revertida em favor dos herdeiros, na ordem do art. 1.829 pertence aquela pessoa. Tais elementos são tradicionalmente
do Código Civil. denominados prenome e patronímico. Antigamente, o patronímico
identificava a região natal ou de criação da pessoa. Daí os nomes
3 Do nome José de Arimatéia, Saulo de Tarso e Jesus de Nazaré, por exemplo.
O Código utilizou linguagem mais atualizada do que o ante-
Filosoficamente, os poetas costumam dizer que a palavra rior, denominando o patronímico de "sobrenome". Diz o art. 16:
mais importante na vida de um ser humano é seu nome. Social- "Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o preno-
mente, nada mais cordial do que se dirigir ao próximo ,Pelo nome, me e o sobrenome."
independentemente de classe, função e status social. E o elemen-
to identificador do ser humano perante a sociedade. 3.2 Causas de alteração do prenome
Juridicamente, ter um nome é um direito dos mais relevan-
tes, posto ser considerado pelo próprio legislador como um di- Em princípio, não se altera o prenome. Não é de interesse
reito de personalidade. Neste sentido, o art. 16 do Código Civil social que o prenome fique sujeito à instabilidade. Aliás, sua
dispõe: "Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o preno- mudança por mero capricho do titular implicaria enorme insegu-
me e o sobrenome." rança jurídica, premiando aqueles que maliciosamente alterassem
Tornar-se plenamente identificável perante a sociedade é di- sua identificação para subtrair-se de obrigações e responsabilida-
des.
reito do cidadão. Mas também é de interesse do Estado que cada
ser humano possua um sinal individualizador perante a sociedade. As raras hipóteses de alteração de prenome não estão previs-
Como diz Carlos Roberto Gonçalves (2003, p. 120), "destacam-se, tas no Código Civil. São leis esparsas que versam sobre o assun-
no estudo do nome, um aspecto público e um aspecto individual". to, referindo-se incidentalmente a tal direito da personalidade.
Como direito que é, o nome deve ser protegido e os arts. 17 Deste modo, a Lei de Registros Públicos (6.015, de 31 de dezem-
e 18 assim o fazem, proibindo sua divulgação tanto nas hipóte- bro de 1973), o Estatuto do Estrangeiro (6.815, de 19 de agosto
54 1>1 •.• :illl Civil Das Pessoas 55

de 1980), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de Impossível deixar de lembrar alguns exemplos mencionados
13 de julho de 1990), a Lei dos Apelidos Públicos Notórios (9.708, por Sílvio Venosa (2003, p. 216) de nomes que mereceriam - sem
de 18 de novembro de 1998) e a Lei de Proteção às Testemunhas dúvida - o albergue da tutela jurisdicional para sua alteração. São
(9.807, de 13 de julho de 1999) são exemplos de diplomas legais alguns deles: Antônio Dodói, Antônio Manso Pacífico de Oliveira Sos-
que autorizam - em determinadas situações - a alteração do pre- segado, Céu Azul do Poente, Dezêncio Feverencio de Oitenta e Cinco,
nome. Graciosa Rodela, João da Mesma Data, João Cara de José, Casou de Calças
Curtas, Remédio Amargo, Restos Mortais de Catarina, Rolando Pela
3.2.1 Estrangeiro Escada Abaixo.

Preocupado com a situação do alienígena em nosso territó- 3.2.3 Erro gráfico


rio, o legislador federal entendeu por bem conceder-lhe o direito
de alterar o seu prenome. Fez isso na Lei nº 6.815, de 19 de agosto Antes de as Leis nQS.9.708/98 e 9.807/99 alterarem o pará-
de 1980, no capítulo que versa sobre a Alteração de Assentamen- grafo único do art. 58 da Lei de Registros Públicos, havia expres-
tos, mais especificamente no art. 42. Nesses termos: sa previsão de alteração de nome por erro gráfico (OAB/SP -
112º) .
"O nome do estrangeiro, constante do registro (art. 30), po-
derá ser alterado: Tal dispositivo era redundante, pois tal possibilidade já es-
tava prevista no capítulo XIV da Lei de Registros Públicos sob o
I - se estiver comprovadamente errado;
título: "Das retificações, restaurações e suprimentos." O art. 110
II - se tiver sentido pejorativo ou expuser o titular ao ridí- é expresso:
culo;
III - se for de pronunciação e compreensão difíceis e puder "A correção de erros de grafia poderá ser processada no pró-
ser traduzido ou adaptado à prosódia da língua portuguesa." prio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante peti-
ção assinada pelo interessado, ou procurador, independentemente
O sentido da norma é poupar o constrangimento decorrente de pagamento de selos e taxas."
da difícil pronúncia do nome do cidadão estrangeiro. Nomes in-
ternacionais consagrados em nosso vernáculo usual não dão en- Entretanto, a lei não subtrai tal procedimento da apreciação
sejo a alteração, pois já vimos que - em regra - o prenome é imu- do Judiciário, exigindo inclusive participação do Ministério Pú-
tável. Não estariam no alcance da norma nomes como: Willian, blico (art. 11O, § 1º).
George, Gian, Elizabeth.
3.2.4 Mudança de sexo
3.2.2 Prenome ridículo
Tal hipótese foi criada por nossa jurisprudência. Com base
Seria dever do oficial de registros indeferir tais hipóteses (art. no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, IlI, da Cons-
tituição Federal), alguns Tribunais concederam ultimamente tal
55, parágrafo único da Lei nº 6.015, de 1973). A lei ainda previu
que, diante do inconformismo dos declarantes, o oficial poderia direito àquelas pessoas insatisfeitas com a escolha da natureza,
suscitar a dúvida ao juiz. Entretanto, se nada disso acontecer, a possibilitando a felicidade do ser humano (e sua dignidade) sem
causar prejuízo a outrem.
pessoa poderá se valer dos arts. 56, 109 e 110 da mesma lei para
tentar alterar seu nome.
56 Direito Civil
Das Pessoas 57

Como já vimos, os direitos da personalidade não podem so- também o prenome oficial tanto pode ser substituído por apeli-
frer limitação e são inexpropriáveis. A opção sexual é um desses do popular, como exemplificamos acima, como por outro preno-
direitos e o Projeto nº 6.960/2002 já o prevê categoricamente no me, pelo qual a pessoa é conhecida no meio social em que vive."
rol do art. 11. Se assim o é, nada mais adequado do que possibi- Mas não apenas as pessoas notoriamente conhecidas por toda
litar sua alteração. O Tribunal de Justiça de São Paulo já se pro- a sociedade têm esta faculdade. O que importa para possibilitar
nunciou:
alteração do prenome é como a pessoa é conhecida em seu meio
"Registro Civil- Retificação - Transexual submetido à cirur- social, em seu mundo, ainda que não seja famosa para a grande
gia de mudança de sexo - Pretendida alteração do assento civil massa da população. Nesse sentido, interessante decisão emanada
para dele constar prenome e sexo feminino - Procedência - Sen- pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (Acórdão nº 119.544,
tença mantida - Recurso não provido" (TJSP Apelação Cível nº de 3 de fevereiro de 1999) esclarece:
86.851-4 - São José do Rio Pardo - 5<1Câmara de Direito Privado
"O nome integra a personalidade por ser o sinal exterior pelo
- Relator: Rodrigues de Carvalho - 10.02.00 - v.u.). qual se destina, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio
da família e da sociedade. Assim, como tal, a pessoa deve sentir
3.2.5 Apelido público notório orgulho e honra o próprio nome. Não há, pois de se aceitar a hi-
pótese do formalismo extremo que considera o prenome imutá-
A redação original do caput do art. 58 da Lei de Registros vel, se sobrepondo à realidade da vida."
Públicos não deixava dúvidas: "O prenome será imutável."
Duas leis historicamente recentes vieram a alterar o referido
3.2.6 Proteção às testemunhas e vítimas
artigo, bem como seu parágrafo único. Em 1998, a Lei nº 9.708
deu nova redação ao caput do referido artigo: "O prenome será defi- Pouco tempo depois, em julho de 1999, foi publicada a Lei
nitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos nº 9.807, que tinha como principal objetivo proteger vítimas e
notórios. "
testemunhas que tenham voluntariamente prestado efetiva cola-
Tal situação é muito comum na práxis forense. É a via mais boração à investigação policial e ao processo criminal. A disciplina
freqüente de se alterar o prenome de uma pessoa. De fato, a lei do tema foi completa, desde a instituição de um "Programa fe-
não pode virar as costas para a realidade social e a maneira pela deral de assistência a vítimas e a testemunhas ameaçadas" até a
qual uma pessoa é socialmente avocada. A letra fria da lei sucum- possibilidade de o cidadão ameaçado alterar seu nome completo
be diante do calor dos costumes e dos hábitos de uma socieda- (e até de seu cônjuge ou companheiro, ascendentes, descenden-
de. Note que a lei falou em substituição, o que possibilita mais tes e dependentes) para ganhar maior proteção do Estado. Nada
do que a mera inclusão do apelido no nome do cidadão, como já mais justo: o cidadão colabora com o Estado na persecução pe-
fizeram famosos políticos. nal e o Estado retribui, protegendo o cidadão.
Ao portador de tal apelido é facultado trocar seu prenome de Este diploma previu nova alteração na Lei de Registros Pú-
registro por aquele pelo qual é notoriamente conhecido. Carlos blicos, alterando o parágrafo único do art. 58, que ganhou a se-
Roberto Gonçalves (2003, p. 128) exemplifica: guinte redação:

"Se o desejar, Edson Arantes do Nascimento poderá passar "A substituição do prenome será ainda admitida em razão de
a chamar-se Pelé Arantes do Nascimento. Atualmente, portanto, fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apu-
58 Direito Civil
Das Pessoas 59

ração de crime, por determinação, em sentença, de juiz compe- 4 Direito à imagem


tente, ouvido o Ministério Público."
Outro direito da personalidade muito difundido no cotidia-
no forense é o relativo à imagem. A "expressão exterior sensível da
3.2.7 Adoção
indivi~ualidade humana" (GAGLIANO e PAMPLONA, 2002, p.
183) e amparada pelo art. 20 do Código Civil que em sua parte
o ECA previu a hipótese de adoção plena que passa a ser a I1nal pontifica:
única forma de adoção em nosso ordenamento a partir de 2003,
com as disposições complementares dos arts. 1.618 a 1.629 do '~Aexposição ou a utilização da imagem de uma pessoa po-
Código Civil. Ambos os diplomas continuam em vigor, sempre derão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da inde-
que não houver incompatibilidade absoluta entre as normas. nização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a res-
O art. 47, § 5Q, do ECA possibilitou não só a alteração do peitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais."
sobrenome do adotado, como também de seu prenome. O art.
Extrai-se do dispositivo que em duas hipóteses distintas a
1.627 referendou. Tudo para proporcionar-lhe uma plena integra- pessoa pode proibir a divulgação da sua imagem. A primeira de-
ção em seu novo lar.
las ?~orre se~pr~ ~ue se atingir a honra, a boa fama ou a respei-
tabilIdade. Sao hIpoteses em que há uma utilização indevida ou
3.3 Causas de alteração do sobrenome desvirtuada da imagem da pessoa, que lhe afeta o respeito, a
moral, a decência.
Mais comum, entretanto, é a hipótese de alteração do sobre-
nome. O Código Civil deixou claro, no art. 1.565, § 1º, que am- Mas o artigo não pára por aí e dispõe que - ainda que não afete
bos os nubentes "podem acrescer ao seu o sobrenome do outro". a honra, ainda que não cause constrangimento - a veiculação da
imagem poderá ser proibida pelo seu titular, pelo simples fato de
Nos casos de divórcio (direto ou por conversão), o cônjuge
"se destinar a fins comerciais". Hipótese freqüente ocorre em pro-
poderá manter o nome de casado, salvo (no caso de divórcio por gramas de televisão em que os civis são submetidos a constran-
conversão) se a sentença de separação disser o contrário. É a re-
gimentos flagrantes da vida real nas ruas e praças das cidades e
gra do art. 1.571, § 2Q, do Código. São famosos os exemplos de depois transmitidas para todo o país. Nestas situações as emis-
manutenção de patronímico de ex-cônjuges, como, v. g., Luiza
soras de televisão, após a prática do gracejo, devem solicitar a
Brunet.
expressa autorização da "vítima", sob pena de incorrer em
Se a separação for litigiosa, o cônjuge culpado perde o direi- gravíssima violação aos direitos de imagem do cidadão e, conse-
to de usar o sobrenome do outro, desde que isso não acarrete qÜentemente, arcar com o pagamento da indenização devida.
prejuízo para sua identificação, dano grave ou manifesta distin- Vale lembrar que há abuso de direito (e, portanto, ato ilíci-
ção entre o seu nome e o de seus filhos, ex vi do art. 1.578.
t~) por parte da divulgadora que exibe imagem autorizada, po-
No caso de dissolução do casamento por morte, nada obsta rem de modo desvirtuado do convencionado com seu titular.
à viúva retirar o sobrenome do finado marido. A procedência da Desta forma, a cessão autorizada de imagens para a divulgação
ação de investigação de paternidade também confere ao menor a de campanha de um aparelho de celular não pode ser utilizada
possibilidade de incluir o sobrenome de seu pai (Lei nQ 8.560, de para a divulgação de outro modelo. Do mesmo modo, imagens
1992) .
de. ~ma festa ocorrida em determinada época não poderiam ser
utilIzadas meses depois sob pretexto de informação jornalística,
60 Direito Civil Das Pessoas 61

conforme já decidiu o Tribunal paulista (TJSP - Apelação Cível dios, O cadáver goza de proteção e respeito dos cidadãos, e após
nQ 73.410-4 - São Paulo - 2a Câmara de Direito Privado - Relator: a organização da sociedade em Estado isso se tornou ainda mais
Ênio Zuliani - 23-2-1999 - v.u.). patente. Até o Código Penal prevê todo um capítulo de crimes
contra o respeito aos mortos. Comentando o art. 212 (vilipêndio
5 Direito ao corpo ao cadáver), Guilherme Nucci (2000, p. 211) salienta: "O sujeito
passivo é a coletividade, cuja ética prevê o respeito aos mortos. Secunda-
5.1 Em vida
riamente está a família do morto."
O direito à inviolabilidade do corpo humano e a segurança O estudo do corpo após a morte, entretanto, pode servir de
que se outorga à sua integridade física são preocupações constan- grande valia para avanços da ciência e medicina, colaborando com
tes do ordenamento. O livre arbítrio confere ao titular a prerro- a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos que remanescem
gativa de proceder em relação ao seu corpo da maneir~ .que lhe vivos. Além disso, o transplante de órgãos de pessoa que já fale-
aprouver, resguardada a razoabilidade dentro do eXerCICl?de~te ceu pode salvar uma vida humana carente daquela parcela do
direito. Assim, são vedadas utilizações do corpo com mtUlto organismo. É por isso que a lei permite a "disposição do próprio
atentatório à dignidade da pessoa humana, ou que contrariem a corpo" para depois da morte. Deve-se ressaltar, entretanto, que tal
moral e os bons costumes. disposição deve obrigatoriamente ocorrer de forma gratuita e é
Uma das conseqüências do direito que o indivíduo possui eminentemente revogável (MAGISTRATURA FEDERAL/3a RE-
sobre o próprio corpo é a possibilidade de doaç~o em vida ?e GIÃO - 11Q).
órgãos e tecidos do corpo humano, dentro dos parametros legaIS. A decisão de dispor de seu próprio corpo após a morte en-
Alguns requisitos são exigidos pela Lei nQ 9.434/9:: (a). só volve a consulta da mais variada gama de valores que um ser
podem ser doados órgãos duplos, ou partes d~ corpo .cuJa retira- humano pode ter. Razões (emoções) religiosas, morais, familia-
da não impeça o organismo do doador de contmuar VIvendo sem res, da própria existência humana são apenas alguns dos questio-
risco para a sua integridade; (b) a doação não represente grave namentos que o indivíduo se faz antes de tomar uma decisão
comprometimento das aptidões vitais e saúde mental do doador; desse jaez. O mínimo de razoabilidade impõe concluir que tal
(c) não cause mutilação ou deformação inaceitável; (d) c?rr~s- decisão deva ser expressa por parte do indivíduo, não se possibi-
ponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente mdIs- litando a anuência tácita ou mesmo presumida. Contrariando tal
pensável à pessoa receptora. raciocínio, a Lei nº 9.434, de 1997, previa em seu art. 4Q que, "salvo
Senis e Lisboa (2004, p. 265) ainda lembra outras possibili- manifestação de vontade em contrário, [...] presume-se autorizada a
dades de utilização do próprio corpo, como "relações sexuais, dis- doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de
transplantes ou terapêutica post mortem". Desta forma, bastava o
posição do útero para alojar o produto de concepção humana por
indivíduo não se manifestar em vida para que estivesse autoriza-
inseminação artificial e a polêmica cirurgia de mudança de sexo".
da a disposição de partes do seu corpo após a morte. Para com-
pletar a inversão valorativa, a lei determinava a gravação de for-
5.2 Após a morte ma indelével e inviolável da expressão "não-doador de órgãos e tecidos"
na Carteira de Identidade Civil e na Carteira Nacional de Habili-
Como já dissemos, os direitos da per~onalidad~, n:ui:a~ ve-
zes manifestam-se após a morte de seu tItular. O dIreIto a mte- tação da pessoa que optasse por essa condição. No afã de solu-
cionar problemas seculares, o Estado brasileiro mostra-se pródi-
gridade e ao respeito ao cadáver é um exemplo clássico. Re:n0,n-
ta às mais distantes manifestações humanas. Desde os pnmor- go em violar liberdades. Tal previsão atentava flagrantemente con-
tra a privacidade e o constitucional direito à intimidade.
62 Direito Civil
Das Pessoas 63

Felizmente a Lei nQ 10.211, de 23 de março de 2001, derrogou com lastro, serviços, empregos e tributos. Interessa ao Estado
aquele diploma, retirando a previsão da expressão "não-doador de proteger tais pessoas jurídicas, destacando sua personalidade da
órgãos e tecidos" dos documentos civis e condicionando tal cessão à
dos seus membros. Entender que esta pessoa tem existência dis-
autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha tinta da dos membros que a fundaram (art. 20 do Código Civil
sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em do- de 1916: "As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus mem-
cumento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte. bros") equivale a cultivar o instituto em solo fértil de técnica so-
cial e jurídica.
Explicando a natureza das pessoas jurídicas, Roberto de
Capítulo IV Ruggiero (1934, p. 429) afirmava:
Das pessoas jurídicas "Qualquer que seja a forma por que se formaram e seja qual
for a finalidade a que se destinem, são elas entidades reais e exis-
1 Análise das pessoas jurídicas tentes, unidades orgânicas que têm uma vida própria e desenvol-
vem as suas actividades e funções. Independentemente dos indi-
Como já mencionamos alhures, o destinatário final de toda víduos, estas associações organizadas têm, como o indivíduo, uma
proteção jurídica oferecida pelo Estado é o ser humano. A pes- capacidade patrimonial, que lhes é reconhecida pelo Estado."
soa natural é objeto mediato ou imediato de qualquer dispositi-
vo legal. A ciência do Direito tem como norte a busca da paz so- Não por acaso, o art. 47 do Código Civil distingue tal perso-
cial entre os indivíduos. Goffredo da Silva Teles a ela se referia nalidade e obriga a "pessoa jurídica" pelos "atos dos administradores,
como a "ciência da convivência humana". Não por acaso, o Livro I exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo". A III
da Parte Geral do Código Civil traz em seu primeiro título a pre- Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça
visão e a regulação das pessoas naturais, das pessoas chamadas Federal, publicou o Enunciado nQ 145, sustentando que o artigo
físicas, humanas. em análise "não afasta a aplicação da teoria da aparência". Nem sem-
Por outro lado, o ser humano é o animal social por excelên- pre a pessoa que praticou o ato em nome da pessoa jurídica é seu
cia. Busca se unir, se agrupar, se reunir em torno de outras pes- legítimo representante para aquele específico ato, em que pese
soas naturais que apresentam características e objetivos comuns. tudo indicar o contrário para o contratante. A lei protege a justa
Faz isso trilhando os caminhos da vida social, religiosa, familiar, expectativa criada pela aparência da situação apresentada e res-
esportiva, cultural ou mesmo empresarial, para citar apenas ponsabiliza a pessoa jurídica pelos atos da pessoa que aparente-
alguns. mente a representava.

Quando esta união obedece a alguns requisitos e objetivos


2 Início da personalidade jurídica
legalmente previstos, a lei se olvida das pessoas naturais que se
agruparam e passa a enxergar ali uma terceira pessoa, uma pes- Quando estudamos as pessoas naturais, vimos que sua exis-
soa fisicamente invisível, intocável, mas que para a lei passa a ter
tência legal, sua personalidade jurídica, iniciava-se com o nasci-
existência, personalidade e até mesmo direitos da personalidade. mento com vida. Concluímos que o registro daquelas tinha cará-
Daí ganhar o nome de "pessoa jurídica". Tal ficção tem por obje- ter meramente declaratório, pois era o nascimento (fato jurídico
tivo principal proteger as pessoas físicas que criaram esta nova natural e ordinário), e não seu registro, que outorgava a capaci-
categoria de ser. Interessa ao Estado e à coletividade a cria- dade de direito.
ção e o fomento de pessoas jurídicas, que fazem circular capital
64 Direito Civil Das Pessoas 65

o mesmo não ocorre com as pessoas jurídicas. Para o orde- 4 Classificação das pessoas jurídicas
namento, a pessoa jurídica só passa a existir com a devida inscri-
ção no registro competente (art. 45). A doutrina ainda diverge o Código preliminarmente classifica as diversas pessoas ju-
quanto à natureza das pessoas jurídicas sem registro. Enquanto rídicas, dividindo-as inicialmente nas pessoas jurídicas de Direi-
para alguns seria uma sociedade irregular, para outros seria mera to Público e de Direito Privado. Aquelas são estudadas nas fron-
sociedade de fato e para outros um mero ente despersonalizado. teiras do Direito Constitucional, Administrativo e Internacional.
Conclui-se que sem registro não há personalidade jurídica a São exemplos desta categoria a União, os Estados de nossa Fe-
acobertar os sócios, não havendo, portanto, separação patrimonial deração, a ONU, o Mercosul, os Municípios, bem como as autar-
entre estes e a própria pessoa jurídica. Nesta esteira, João Baptista quias (PROCURADOR DO ESTADO/SC - 2003).
de Mello e Souza Neto (2000, p. 46) afirma: Para o direito civil, interessa a análise das pessoas jurídicas
de direito privado e estas são divididas em dois grandes grupos:
"Tratando-se de sociedades irregulares ou .de fato, ocorre a as fundações e as corporações. A diferença substancial entre tais
comunhão patrimonial de seus sócios-integrantes para responde- espécies é que naquelas há um patrimônio visando a determina-
rem às obrigações assumidas; tais obrigações terão sido contraí-
da finalidade prevista em lei e não lucrativa, enquanto nestas há
das apenas aparentemente pela sociedade de fato ou irregular, uma reunião de pessoas com (sociedades) ou sem fins lucrativos
haja vista que contrair obrigações é prerrogativa das pessoas." (associações) .

3 Direitos da personalidade das pessoas jurídicas , . As socied,ad.es, por sua vez, dividem-se em simples e empre-
sanas, estas ultImas estudadas no Livro II da Parte Especial do
Já vimos que a lei conferiu personalidade à pessoa jurídica, Código Civil.
dotando-a da aptidão de adquirir direitos e contrair obrigações na Toda essa explanação pode ser resumida pelo seguinte
ordem civil. Com existência distinta da dos seus membros, a quadro:
pessoa jurídica passa então a ter deveres (recolhimento de impos-
tos, pagamento de seus funcionários, obrigações de dar, fazer e
não fazer) e também direitos. A jurisprudência - e mais tarde o
legislador - percebeu que não poderia atribuir certos direitos à
Pessoa Física e negá-Ios à Jurídica, ao menos quando tais direi-
tos fossem compatíveis com a sua natureza.
Não se nega, por exemplo, que a pessoa jurídica possui um
nome que a individualiza perante a sociedade e que - tal qual
ocorre com as pessoas físicas - merece a devida proteção e não
pode ser utilizado ardilosamente por terceiros. São freqüentes as União, Estados, Estados
DF,Territórios, estrangeiros e
ações de reparação civil por infringência deste dever de absten- Municípios, todas as pessoas
ção. Tal entendimento já havia sido inclusive sumulado pelo Su- autarquias e regidas pelo direito
demais entidades internacional
perior Tribunal de Justiça, que assim se manifestou na Súmula de caráter público público
227: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral."
Nessa esteira, o art. 52 do novo Código Civil preleciona:
"Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da
personalidade. "
(j(j Dlrd(C) Civil
Das Pessoas 67

4.1 Fundações quem - via de regra - elabora o estatuto. Não o fazendo, serão as
pessoas a quem ele incumbir e, no caso de inércia destas, o Mi-
A fundação distingue-se da corporação pelo fato de não se
nistério Público (vide os arts. 1.199 et. seq. do CPC). Há forma
constituir pela união de pessoas. Aqui a ficção vai ao limite e o
prevista em lei para se criar uma fundação. A lei exige que o
legislador atribui personalidade a um bem ou a um conjunto de
instituidor o faça por escritura pública (OAB/SP - 123º) ou por
bens visando a um fim não lucrativo. Este, aliás, é o binômio que
testamento, dotando bens livres e especificando o fim a que se
caracteriza a fundação: patrimônio e finalidade. A finalidade de destinam. Note que a escritura deve ser pública, mas o testamento
uma fundação, aliás, tem previsão legal no art. 62, parágrafo úni-
não precisa necessariamente ser da espécie pública, podendo
co: "A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, mo-
mesmo ser criada uma fundação com testamento particular. A
rais, culturais ou de assistência."
alteração do estatuto deverá observar os estreitos limites do art.
O parágrafo único do art. 62 tem uma importância prática 67 do Código Civil. O fim da fundação vale como cláusula pétrea e
muito grande, tanto que o Conselho da Justiça Federal proferiu não pode ser alterado.
dois enunciados sobre o assunto. Nestes termos, o Enunciado nº
Vale lembrar que, no caso de os bens serem insuficientes para
8 ressalta: "A constituição de fundação para fins científicos, educacio- constituir a fundação, eles serão incorporados em outra funda-
nais ou de promoção do meio ambiente está compreendida no CC, art. 62, ção com fim semelhante (art. 63).
parágrafo único." Por sua vez, o Enunciado nº 9 afirma: "O art. 62,
parágrafo único, deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fun- 4.1.1 Fiscalização das fundações
dações de fins lucrativos."
A fundação tem objetivos sociais, é voltada para a socieda- Devido ao fim social a que se propõem, as fundações são sem-
de, não para um grupo restrito de pessoas, como é o caso da as- pre fiscalizadas pelo Ministério Público (MP/RS - 41 º), que par-
sociação. Interessa à coletividade a sua criação e o seu desenvol- ticipará nos processos em que as fundações estejam envolvidas,
vimento, pois todos terão o direito de - atendidos alguns requi- deliberará sobre qualquer alteração do estatuto, podendo inclu-
sitos casuísticos - dela se servir. Nada impede o pagamento pe- sive propor sua extinção.
los serviços prestados por uma fundação, mas o que importa é que O art. 66 do Código traz a divisão territorial de competên-
o excedente entre o arrecadado e o efetivamente gasto seja nova-
cias dos respectivos Ministérios Públicos. Prevê no § 1º que ca-
mente investido nesta pessoa jurídica. Com isso, obtêm-se resul-
berá ao Ministério Público Federal zelar pelas fundações que "fun-
tados notáveis em algumas fundações. cionarem no Distrito Federal ou em território".
Um saudável exemplo é a Fundação Armando Alvares Pen- Atento à falha do dispositivo, que se olvidou da competência
teado, de São Paulo, instituída em 1947 pelo conde Armando atribuída ao Ministério Público do Distrito Federal, o Conselho da
Alvares Penteado, que - em testamento -legou todos os seus bens Justiça Federal interpretou referido parágrafo no Enun-
para a fundação que deveria ter como objetivo amparar, fomen- ciado de nº 10: "Em face do princípio da especialidade, o art. 66, § 1º,
tar e desenvolver as artes plásticas e cênicas, a cultura e o des- deve ser interpretado em sintonia com os arts. 70 e 178 da LC nº 75/93."
porto. Mais de meio século depois, referida pessoa jurídica é um
dos pólos de excelência e desenvolvimento das artes, da cultura O Projeto nº 6.960/2002 pretende corrigir tal dispositivo,
e da ciência. excluindo a expressão: "no Distrito Federal ou". A razoável justifi-
cativa do autor do projeto é a seguinte:
A pessoa que separa bens de seu patrimônio visando co~sti-
tuir uma fundação é denominada pela lei de "instituidor". E ele
Das Pessoas 69
68 Direito Civil

associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econô-
"Há necessidade, também, de se alterar a redação dos pará- micos. "
grafos 10 e 20 do art. 66, para que as fundações que funcionem
A associação pode ter como objetivo a defesa, o interesse e a
no Distrito Federal sejam fiscalizadas pelo Ministério Público do
Distrito Federal e não pelo Ministério Público FederaL" prestação de serviços aos seus associados. Imagine, v. g., uma
associação desportiva ou recreativa. O importante é que ela não
O art. 66, § 2º, prevê a hipótese de a fundação se estender por tenha como objetivo final o lucro. Este pode até advir, mas como
mais de um Estado, hipótese em que a fiscalização caberá respec- meio de se atingir o fim proposto pela associação. Fábio Ulhoa
tivamente a cada órgão estaduaL Coel!1o (2003, p. 255) comenta:
"Sem lucro, nenhuma atividade é promissora no sistema ca-
4.1.2 Extinção das fundações
pitalista. As sociedades, por buscarem fins econômicos, têm o
Mais uma vez o caráter social das fundações impõe a neces- lucro como fim, ao passo que as associações e fundações, por
sidade de extinção da fundação pela via judiciaL Qualquer inte- buscarem fins não-econômicos, podem ter o lucro como meio."
ressado poderá promovê-Ia, desde que a sua finalidade se torne A Lei nº 10.825/2004 acrescentou os incisos IV e V ao art.
ilícita, impossível, inútil ou que vença o prazo de sua existência 44 do Código Civil, outorgando-lhe ainda três parágrafos até en-
(MP/PR - 2002). tão inexistentes:
Nestes casos, o patrimônio da fundação será destinado a
"Art. 44 .
outra fundação com finalidade semelhante escolhida pelo juiz,
desde que o ato constitutivo não tenha previsto de modo diver- IV - as organizações religiosas;
so (art. 69). V - os partidos políticos.
§ 1º São livres a criação, a organização, a estruturação inter-
4.2 Corporações na e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado
ao poder público negar-Ihes reconhecimento ou registro dos atos
As corporações distinguem-se das fundações, pois o que pre- constitutivos e necessários ao seu funcionamento.
domina em sua constituição são as pessoas, enquanto na funda-
§ 2º As disposições concernentes às associações aplicam-se
ção são os bens que ganham personalidade para atingir os fins
subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da Parte
propostos. As corporações, como dissemos, subdividem-se em
Especial deste Código.
associações e sociedades. O ponto central da distinção é a finali-
dade lucrativa presente nestas e inexistente naquelas. Vejamos § 3º Os partidos políticos serão organizados e funcionarão
primeiramente as associações. conforme o disposto em lei específica."
A mesma lei ainda excluiu as organizações religiosas e os
4.3 Associações partidos políticos do alcance do art. 2.031 do Código Civil, que
impõe a adaptação dos estatutos sociais das pessoas jurídicas de
As associações decorrem de um direito maior, garantido cons-
titucionalmente. É o direito de associação, previsto no art. 5º, direito privado no prazo de um ano após a entrada em vigor do
incisos XVII-XX. O art. 53 do Código prevê tal espécie de pessoa Código. Nova lei, agora a de nº 11.127, de 2005, estendeu o pra-
zo de adaptação para todas as associações até janeiro de 2007.
jurídica, delimitando seu traço característico: "Constituem-se as
7() ul.,,11<1 Civil Das Pessoas 71

Os partidos políticos continuam com a natureza jurídica de 4.3.1 Associações e interesses transindividuais
pessoa jurídica de direito privado, sendo regulamentados pelo
Código Civil e pelas Leis n!2S.
9.096/95 e 9.259/96. Sobre o assun- As associações ganharam destaque na última década pelo
to, o Conselho da Justiça Federal, em sua III Jornada, proferiu o vigor que receberam da Constituição Federal e de leis esparsas.
Enunciado nº 142: "Os partidos políticos, sindicatos e associações reli- De fato, o art. 5º, XXI, prevê que: "as entidades associativas, quando
giosas possuem natureza associativa, aplicando-se-lhes o Código Civil." expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados
Na mesma ocasião, foi proferido o Enunciado nº 143 que versou judicial ou extrajudicialmente".
sobre as associações religiosas: O Código de Defesa do Consumidor foi avançado ao delegar
talle"gitimidade às associações. São as chamadas ações "transin-
"A liberdade de funcionamento das organizações religiosas
dividuais", em que uma só pessoa jurídica defende direitos de to-
não afasta o controle de legalidade e legitimidade constitucional
dos os seus associados. A origem desta espécie de ação remonta
de seu registro, nem a possibilidade de reexame, pelo Judiciário,
ao direito norte-americano da década de 1930, com as chamadas
da compatibilidade de seus atos com a lei e com seus estatutos."
class actions. Ada Pellegrini Grinover (2001, p. 763) informa que
Relevante problema envolve a exclusão de associados dos
"tais ações de classe norte-americanas, estão ganhando novo e re-
quadros de uma associação. A redação original do art. 57 do Có-
dobrado impulso, (...) assim ocorreu com as vítimas do asbesto, que
digo Civil permitia que isso ocorresse desde que verificada uma
já eram em 1990 mais de 87.000 e cujas pretensões foram
"justa causa", o que é um requisito subjetivo e que dava margem freqüentemente agrupadas perante tribunais federais e estaduais".
a abusos.
Referido artigo continha também uma imperfeição técnica, O art. 82, IV, do Código de Defesa do Consumidor previu
pois dispunha que, na hipótese de omissão do estatuto, "moti- expressamente como legitimado concorrente nestas ações cole-
vos graves" poderiam levar à exclusão do associado, desde que a tivas, "as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que
"maioria absoluta dos presentes em assembléia" assim deliberas- incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos
se. A rigor, quando a lei exige "maioria dos presentes", trata-se protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear".
de maioria relativa e não absoluta. Esta só ocorre quando se im- Não se pode esquecer ainda do § 1º do referido artigo, que
põe a maioria de todos os membros de um órgão colegiado. traz regra de importante aplicação prática, dispensando o prazo
Todavia, a Lei nº 11.127, de 28 de junho de 2005, alterou a ânuo, "quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimen-
imperfeita redação do art. 57, revogando seu parágrafo único e são ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser
dispondo desta forma no caput: "A exclusão do associado só é protegido".
admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que
assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto." 4.4 Sociedades
Para a destituição dos administradores, o órgão competente
é a assembléia geral, que também tem competência para altera- Espécie do gênero "corporação", têm como traço distintivo
da associação a finalidade lucrativa. As sociedades, na maioria dos
ção dos estatutos da associação, sempre obedecendo ao quórum
casos, prestam serviços profissionais, diferenciando-se das so-
previsto nos estatutos (art. 59, com a nova redação outorgada pela
Lei nº 11.12 7) . ciedades empresárias, objeto de estudo do Direito Comercial.
Quanto ao conceito de sociedades empresárias, é o art. 982
do Código Civil que - por exclusão - as define: "salvo as exceções
72 111•• 1110 Civil
Das Pessoas 73

expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exer- pessoa jurídica. É desta premissa que haurem todos os desdobra-
cício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e,
mentos e conseqüências da distinção e da proteção da pessoa jurí-
simples, as demais". O parágrafo único especifica: "Independentemente
dica. O já mencionado art. 47 do atual diploma civilista substitui
de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a
com vantagens o saudoso art. 20, obrigando a pessoa jurídica pelos
cooperativa. " atos praticados por seus administradores (OAB/SP - 125º).
Sobre a distinção entre sociedade e associação, o coordena-
De maneira razoável, a lei protege os membros da pessoa
dor do anteprojeto que deu origem ao Código Civil, Miguel Reale,
jurídica, colocando um véu sobre eles e determinando que não
esclareceu em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, de
15 de fevereiro de 2003: respo.nderão com seu patrimônio pessoal pelas obrigações oriun-
das daquela.
"Há uma distinção básica entre associação e sociedade, aquela
relativa a atividades científicas, artísticas e culturais, esta perti- 5.2 A exceção, diante do abuso
nente à atividade econômica. Por sua vez, a sociedade se desdo-
bra em sociedade econômica em geral e sociedade empresária. Valendo-se da proteção que a lei confere às pessoas jurídi-
Têm ambas por fim a produção ou a circulação de bens ou servi- cas, alguns sócios (pessoas físicas, portanto) passaram a valer-
ços, sendo constituídas por pessoas que reciprocamente se obri- se da proteção legal conferida, para fraudar terceiros de boa-fé.
gam a contribuir para o exercício de atividade econômica e a par- Quando o Poder Judiciário tentava resgatar os direitos dos le-
tilha entre si dos resultados. Exemplo típico de sociedade econô- sados, os sócios de má-fé acobertavam-se sob o manto da pes-
mica não-empresária é a constituída entre profissionais do mes- soa jurídica, esquivando assim seu patrimônio pessoal da "per-
mo ramo, como, por exemplo, a dos advogados, médicos ou en- secução judicial".
genheiros, configurando-se como sociedade simples (art. 961 e Stolze e Pamplona (2002, p. 233) relembram a origem do
981)." instituto, remontando ao clássico episódio da empresa Salomon
& Co., em que o sócio majoritário (Aaron Salomon) - antevendo
5 Desconsideração da personalidade jurídica a falência da empresa - emitiu títulos privilegiados adquiridos por
ele mesmo e, quando a quebra se consumou, tratou de recebê-
5.1 Responsabilidades independentes como regra. los da pessoa jurídica, tornando-a insolvente e impossibilitando
Proteção aos sócios e à economia nacional os demais credores de receber o que lhes era de direito.
Thereza Nahas (2004, p. 146) conclui: "observou-se que a
Da leitura atenta dos primeiros parágrafos do capítulo que personalização de sociedades comerciais dava azo a manobras
versa sobre a pessoa jurídica, conclui-se que a pessoa jurídica é um maliciosas de pessoas que agiam por detrás da pessoa jurídica,
ser com existência e personalidade própria, distinta dos membros causando prejuízos e danos a terceiros ou à própria sociedade,
que a constituíram. A livre iniciativa é alicerce da ordem econômi- aproveitando-se da autonomia patrimonial que a personalidade
ca, por expressa disposição constitucional (art. 170, caput), deven- lhe concede".
do ser incentivada e protegida por seu notável interesse coletivo.
Diante dessa atitude torpe, surgiu a idéia de desconsiderar
Não por acaso, o art. 20 do Código Civil de 1916 distinguia perfe~- aquela proteção jurídica para ingressar no patrimônio do próprio
tamente a existência desta pessoa da dos seus membros. Tal artI-
sócio e dar a cada um o que lhe era devido. A tese - então cha-
go não foi repetido no Código em vigor por tratar-se de disposição
científico-doutrinária, origem de todo o conceito criado sobre a mada de disregard of legal entity - foi inovadora para o século XIX,
vitoriosa nos juízos de primeira instância, mas vencida na Câmara
74 Direito Civil Das Pessoas 75

dos Lordes. Este caso é exemplo típico da saudável jurisprudên- previsão genérica, enquanto o caput traz previsões específicas. É
cia que se cria de "baixo para cima". a técnica jurídica sucumbida.
Atentando para tal fato, as ciências jurídicas foram evoluin- A solução encontrada à época foi simplesmente vetar o dis-
do para consolidar um instituto que, diante da torpeza e da má- positivo. As razões do veto deixam claro que esta era a intenção:
fé dos sócios, excepcionalmente desconsiderasse a proteção con-
"O caput do art. 28 já contém todos os elementos necessá-
ferida e buscasse no patrimônio pessoal deles o devido ressarci-
mento aos lesados. Excepcionava-se assim a regra da separação rios à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, que
absoluta entre a pessoa jurídica e os seus membros (TRF5 - constitui, conforme doutrina amplamente dominante no direito
1999) . pátrià e alienígena, técnica excepcional de repressão a práticas
abusivas."

5.3 A desconsideração da personalidade jurídica no Porém, não foi o que aconteceu e o veto simplesmente recaiu
Código de Defesa do Consumidor sobre o parágrafo primeiro, que - como já dissemos - nada de
novo trazia. Com este equívoco manteve-se em vigor o terrível
O art. 28 do Código de Defesa do Consumidor previu a apli- § 5Q• Entendo que não se pode considerar eficaz referido parágrafo,
cação deste instituto dentro do âmbito de proteção deste micros- prestigiando um engano em detrimento de toda uma construção
sistema. O caput do artigo enumera as hipóteses em que o insti- doutrinária absolutamente solidificada e que visa - em última
tuto pode ser aplicado, sempre em situações excepcionais, tais análise - proteger a coletividade. Assim como na vida, toda defe-
como: abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilí- sa exacerbada acaba por prejudicar o protegido. Levar a proteção
cito ou violação dos estatutos ou contrato social, falência, estado de in- do consumidor às últimas conseqüências, como é o caso do § 5º,
solvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por significa desestimular o impulso para a criação de novas pessoas
má administração. São esses os estritos "fatos típicos" que ensejam jurídicas e de novos fornecedores, o que desestimula a concor-
a punição dos sócios com a desconsideração da personalidade rência e coloca o consumidor nas mãos dos poucos "sobreviven-
jurídica (OAB/SP - 102Q). tes" de um mercado já famoso pela rara longevidade
O § 1Q do referido artigo não trazia grandes novidades para o diante de fatores como a tributação explosiva, a concorrência com
mundo jurídico, indicando apenas qual patrimônio seria afetado produtos piratas, o pagamento de "um funcionário a mais para
pela desconsideração. O dispositivo indicava: "acionista contro- os cofres públicos a cada funcionário efetivamente contratado" e
lador, sócio majoritário, sócios-gerentes, administradores societários e, no da condescendência estatal com o mercado ilegal (MAGISTRA-
caso de grupo societário, as sociedades que a integram". TURA FEDERAL/3ª' REGIÃO - 2001).
O problema do art. 28 está sem dúvida no § 5Q que vira do Zelmo Denari (GRINOVER, 2001, p. 212) conclui:
avesso toda construção secular da personalidade jurídica distin-
"De fato, não há referibilidade alguma entre as razões de veto
ta dos membros que a compõem. Referido parágrafo torna regra
e a disposição contida no parágrafo vetado, que se limita a indi-
o que é exceção. Faz o caput do artigo tornar-se letra morta, pois
car quais administradores deverão ser pessoalmente respon-
permite a aplicação da desconsideração "sempre que sua personali- sabilizados na hipótese de acolhimento da desconsideração [...]
dade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos cau- admitindo que houve um 'equívoco remissivo de redação', pois
sados aos consumidores". Em termos simples, todos aqueles "fatos
as razões de veto foram direcionadas ao § 5Q do art. 28, não se
típicos" do caput caem por terra, pois o indigitado parágrafo traz pode deixar de reconhecer o comprometimento da eficácia deste
parágrafo, no plano das relações de consumo."
76 Direito Civil Das Pessoas 77

5.4 A desconsideração da personalidade jurídica no O~~~!go CiviL(arL'ZO).copsidera cog1o gomi5:illo da .Ressoa


Código Civil residêllciíLc.amânimo definitivo". Per-
"oJygar_Qnde_elaesJaQe}~c!UL~L!a
ceba como o legislador exige a "residência qualificada". Além de
o Código Civil positivou a referida teoria em seu art. 50, residir, o indivíduo deve ali estar com ânimá de permanecer. Daí,
mantendo a estrutura da construção doutrinária e prevendo aliás, a distinção entre residência e domicílio (OAB/RJ - março
taxativamente o abuso da personalidade como fato típico para tal 1999). Naquela há um aspecto fático, material, nesta uma cono-
desconsideração. Entretanto, tal abuso deve estar caracterizado tação jurídica. J??l!?-icjli?_é~~~ntro de relações turídicas da pes-
"pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial". soa, o lugar onde ela celebra seus negócios, relaciona-se camuá.
O artigo é ainda mais severo na aplicação da teoria ao limi- sºçi~gã~te=_d~·-mõ~oj~~r~l.Quando tratada mudãnça-do domicí-
tar a incidência da desconsideração a "certas e determinadas re- lio, o legislador mantém o raciocínio: não basta a alteração da
lações de obrigações". O Conselho da Justiça Federal posicionou- residência, é necessário que haja intenção manifesta de mudar o
domicílio.
se de modo bastante técnico e rigoroso sobre o assunto, dispon-
do no Enunciado de nº 7: "Só se aplica a desconsideração da persona- Nos artigos em que versa sobre o domicílio, o legislador tem
lidadejurídica quando houver a prática de ato irregular, e limitadamente, uma preocupação constante. Pretende ele ao menos presumir um
aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido." O Enunciado domicílio para cada pessoa, ainda que tal pessoa tenha várias re-
de nQ 51 complementou: "A teoria da desconsideração da personali- sidências ou nenhuma.
dade jurídica - disregard doctrine - fica positivada no novo Código Ci-
vil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na 1 Diversas residências
construção jurídica sobre o tema." A III Jornada foi além e sustentou
no Enunciado nº 146: "Nas relações civis, interpretam-se restri- Não raro o cidadão possui mais de uma residência até em
tivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica cidades diver.~as, alternando suà p-ermanência em períod~ais
previstos no art. 50 (desvio definalidade social ou confusão patrimonial). ou menos espaçados. O Código já se acautela prevendo (art. 71)
(Este Enunciado não prejudica o Enunciado nº 7.)" que nesta hipótese, "c~ar-se-á domicíliQ seu qualquer delas" (DE=
LEGADO DE POLICWSP - 2001); (OAB/SP -125º); (TRE/PE).
Esta orientação já era adotada pelo Código anterior e
Capítulo V Beviláqua (1980, p. 158) ponderava:
Do domicílio
"Ê, porém, conforme à verdadeira noção de domicílio e às
Encerrando o primeiro livro da Parte Geral, o legislador re- necessidades da vida social reconhecer-se que a pessoa tenha mais
de um domicílio, desde que o centro de seus negócios é vário. Esta
gulamenta o domicílio da pessoa, o local onde ela poderá ser
convocada, encontrada e - se necessário - demandada. Aliás, esta é a doutrina romana, do direito pátrio, de grande número de au-
toridades e de várias legislações."
é a mais importante razão para se determinar o domicílio de uma
pessoa. Ê de importância social que a pessoa seja identificada, 2 Pessoas sem residência habitual
individualizada e encontrada para ali receber seus direitos e cum-
prir com suas obrigações. "Se não houvesse essa fixação, se não exis-
Mas a lei não poderia se esquecer dos andarilhos, ciganos,
tisse um ponto de referência onde a pessoa pudesse responder pelos seus
errantes, _artistas de circo, ou ainda - para ClóvisBevl1àqu; (1980,
deveresjurídicos, precário e instável se tornaria o direito" (MONTEIRO,
~158) - "dos que empregam a vida em viagens, deslocando-se continua-
2001, p. 134).
78 Direito Civil Das Pessoas 79

mente, sem se fixar em parte alguma e sem ter um estabelecimento, ao do CPC). Prevendo eventuais litígios que possam surgir de dis-
qual se prendam as relações jurídicas que firmarem". Enfim, o Código posições contratuais, ~ __
P3_!:f~.i'-l)feVecuwdomicílio onde

------~-_._----
trata daquela pessoa que "não tenha residência habitual", e consi-
dera que seu domicílio é "oli;gtir ond;l;;r-e~~~;;trãd(i"-:
Interessante ares to do primeiro Tribunal de Alçada Civil apli-
os mesmos serão solucionados. Tal cláusula recebe o nome de foro
de eleiç{ío.e está prevista no-árt. 78: .
Vale lembrar que tal cláusula não pode suplantar o domicí-
--

cou a lei ao caso concreto: lio necessário escolhido pelo legislador. Dessa forma, contrato
celebrado com relativamente incapaz (devidamente assistido) não
"Citação de empresa circense. Não se confundem as perso- pode .livremente se olvidar do art. 76, e escolher outro domicílio
nalidades jurídicas da empresa com as dos seus sócios indivi- que não seja o de seu representante legal.
dualmente. Correto o ajuizamento da ação e a citação do circo no
lugar onde foi encontrado, independentemente de seu sócio res- 4.1 Cláusula de eleição de foro nas relações de consumo
ponsável ser domiciliado em outro lugar" (1º TACIV-SP, 7ª Câm.,
AG 652.776-4, ReI. Juiz Carlos Renato, j. 6-2-1996). No campo do Código de Defesa do Consumidor, tal cláusula
deve ser vista com reservas. Não é raro que uma empresa forne-
3 Domicílio necessário cedora, com estabelecimentos em São Paulo e Espírito Santo, v.
g., insira como domicílio convencional em seus contratos de ade-
Por razões variadas, a lei presume o domicílio de determina- são uma localidade diversa daquela em que o contrato se celebra,
das pessoas. Ora porque deseja protegê-Ias (como faz ao prever afrontando o art. 6º, VIII (que prevê a facilitação da defesa do consu-
midor), e obrigando o aderente capixaba a dirigir-se até São'Pau-
como domicílio do incapaz o de seus representantes), ora por
razões lógicas (domicílio do preso onde cumpre sua pena e do [o para acionar (ou ser acionado) judicialmente e vice-versa. Os
funcionário público onde exerça suas funções). Este domicílio tribunais já pacificaram o entendimento pelo qual tal disposição
recebe o nome de necessário ou legal, pois a tais pessoas não se é nula, a~~nden90 ao ~ec!!do.d~s consumidores para R!omoverem
atribui a livre escolha para serem demandadas e encontradas. ~s ações em se!;-rRr§p"riodOEJicí!io'.'·· - ~--- -' ..~- --
Também se encaixam nesta previsão os militares (cujo domicí- O problema se agrava quando a parte não alega a incompetên-
lio é o local onde servir e sendo da marinha e aeronáutica na sede cia do domicílio escolhido. O juiz - em tese - também não poderia
do comando a que estiver subordinado) e os marítimos (onde o fazê-Io, por tratar-se de incompetência relativa. A Súmula 33 do
navio estiver matriculado) (MP/MG - 40º). STJ é peremptória: "A incompetência relativa não pode ser declarada de
ofício." Entretanto, há no caso um interesse ainda maior, constitu-
Quanto às Ressoas jurídicas d~_dir~ito privad<?,a lei também
cionalmente protegido, que são o acesso ao Judiciário e o direito à
impõe o seu domicílio no <!.~.:..15,prevendo que este será onde
ampla defesa de possibilitar tal reconhecimento ex officio, o que fez
funcionarem as respectivas diretorias e administrações. Se vá-
rios forem seus estabefeciment~s,~ cada um deles é cõnsidêiado com que o próprio STJ passasse a permitir a nulidade da cláusula
comoaàh1idlio.·· -.. - de eleição em contratos de adesão.
Por conta desse raciocínio, a Lei nº 11.280, de 16 de fevereiro
4 Domicílio convencional de 2006, trouxe uma saudável alteração na sistemática processual,
ao inserir um parág5afo único no_ªrt. 112 do Código de Processo
Já dissemos que o domicílio é importante para a fixação do Civil, que possibilita.ao_juiz: declaraLçl~_Qfício..a nuliçliçle de cláu-
lugar onde a pessoa deverá ser demandada. Assim, surgida a lide,
a~gra é q~QJ9.Lº-ç9mpetenteé º-,-do-,-domicíliodo réu (ª[t~_~.4 -
sula de eleição ~.loro, el!?-_
competênciª-'p"ara o juízo de
co!!!zato de adesão, declin~o
---.--
domicílio-doré"lL'"
-_._--_.~- ..•......
.-----.-.---.-.
su'à
Dos Bens 81

Perceberemos também que - por razões oportunamente ex-


pnstas - o legislador fugiu da realidade, enumerando, v. g., como
!IIIÓveis bens absolutamente móveis. A análise fria e leiga da
mobilidade de um bem nem sempre conduzirá o intérprete à so-
Livro II lução almejada pela lei.

Dos Bens Conceito

O ser humano possui necessidades de acordo com a realida-


~kvivida por cada ser. São elas satisfeitas com utensílios que po-
dem decorrer da racionalidade e criação humana, ou da própria
natureza. Podem ainda ser perceptíveis ou não aos órgãos do sen-
rido.
Mas o que importa para o mundo jurídico é que tal utensílio
tenha uma raridade e uma utilidade que a torne objeto de apre-
Capítulo I c,;iaçãoeconômica. Ao preencher tais requisitos, a lei lhes atribui
Bens. Segundo elemento da estrutura do direito subjetivo glqualidade de "bens" e passa a classificá-Ios.
Aqueles bens perceptíveis aos órgãos do sentido são comu-
)'Jo início do presente estudo, fizemos referência expressa mente denominados "bens materiais". Um carro, uma casa~ um
àquilo que denominamos "separação de poderes do direito pri- livro são exemplos. Já os que não podem ter essa percepção são
vado". Mencionamos que os três elementos estruturais do direi- chamados de "imateriais". Exemplo clássico é a energia. Nossos
to subjetivo são: pessoa, objeto e relação. órgãos do sentido não são aptos a percebê-Ia, mas algumas são
Dissemos também que - não por acaso - a Parte Geral do raras e úteis ao ser humano e por isso o legislador a define como
Código Civil é dividida em três livros, que tratam respectivamente bem no art. 82, I.
daqueles três elementos. Analisado o livro que versou sobre os Se a utilidade é flagrante, mas não há raridade, não estamos
titulares do direito subjetivo, chegamos ao estudo do objeto da diante de um bem juridicamente considerado. Assim, o ar atmos-
relação jurídica. É sobre esse elemento que o Código lança luz em férico, a água do mar, embora úteis, não são considerados den-
24 artigos alocados no segundo livro da Parte Geral. tro do conceito jurídico de bem.
O objetivo da Parte Geral é preparar os caminhos para um
bom desenvolvimento da Parte Especial. Isso se torna muito cla-
ro no Livro 11,que ora estudamos. O Código neste momento res- 2 Distinção entre bens e coisas
tringe-se a uma classificação dos bens, agrupando-os segundo
critérios que o legislador entendeu como adequados. A importân- A doutrina não é uníssona ao distinguir bens de coisas. Há duas
cia desse capítulo é basilar, visto que na Parte Especial inúmeros principais correntes para esclarecer tal distinção. Há doutri-
dispositivos partem do pressuposto de que o operador do direi- nadores que sustentam ser os bens espécie do gênero coisa (VE-
to tem a plena ciência das classificações efetivadas na Parte Ge- NOSA, 2003, p. 314; LOPES, 1943, p. 354; DINIZ, 2002, p. 275;
ral. RODRIGUES, 2002, p. 116; COELHO, 2003, p. 264). Por sua vez,
82 Direito Civil Dos Bens 83

há aqueles que entendem que bem é o gênero, e que uma de suas


espécies seria o que se denomina coisas (GAGLIANO, 2002, p.
261; SOUZA NETO, 2000, p. 57).
Prefiro a primeira corrente e - assim como Fabio Ulhoa Coe-
lho (2003, p. 265) - entendo que tudo o que existe além dos ti-
tulares de direito é coisa. Dentro dessas há um grupo que "tem
valor econômico, isto é, quantificável em dinheiro" e por isso leva a
denominação de bens.

3 Critérios de classificação dos bens

Classificar, segundo Edmond Goblot (citado por


RODRIGUES, 2002, p. 118), é "uma operação de espírito, um Capítulo 11
procedimento de ordem lógica, que tem por escopo facilitar a Dos bens considerados em si mesmos
inteligência de um fenômeno. A clareza de um conceito exige não
só que ele seja definido, mas também que seja classificado". Essa foi uma operação muito simples que a lei efetuou. Indi-
vidualizou um bem e - exclusivamente sobre ele - elaborou sua
O legislador civilista tratou de analisar o bem e classificá-Io
primeira classificação. Não se importou com o dono, com outros
sob diversos prismas. Analisou então o bem tomado individual-
bens porventura a ele relacionados, enfim, tomou o bem por si
mente, por si próprio, sem se preocupar com seu dono e sem
mesmo, individualmente e de acordo com as principais caracte-
compará-Io com outros bens. Foi o que o levou a classificar pri-
meiramente os bens em si mesmos. rísticas, agrupando-o em cada uma das categorias.

Passando a uma segunda análise, o legislador agora enten- 1 Imóveis


deu por bem avaliar os bens, mas sob outra perspectiva. Colo-
cou-os lado a lado, comparando uns em relação aos outros, re- Assim procedendo, o legislador percebeu que os bens pode-
ciprocamente. É o critério denominado "bens reciprocamente con- riam ser móveis ou imóveis. Fez tal comparação nos arts. 79 a 84,
siderados". alternando realidade e ficção, conforme sua conveniência. Cha-
Por fim, e num exercício de classificação mais simples, ape- ma de imóveis, por exemplo, os materiais separados de um pré-
nas separou os bens por sua titularidade, criando dois imensos dio, para nele se reempregarem (art. 81, lI) . Vejamos então como
classificou os bens imóveis.
grupos de titulares, os públicos e os particulares. Cada um destes
será agora analisado individualmente.
1.1 Imóveis por sua natureza

O art. 79 do Código inaugura o Livro 11da Parte Geral, enu-


merando três espécies de bens imóveis, numa só frase. Perceba:
"São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou arti-
ficialmente. "
84 Direito Civil Dos Bens 85

De fato, o solo é o bem imóvel natural por excelência. Se É O art. 81 que complementa o alcance da lei, ao salientar que
caminhássemos para o sentido mais estrito do termo imóvel, che- "não perdem o caráter de imóveis: II - os materiais provisoriamente se-
garíamos ao solo. Fática e juridicamente não há dúvidas quanto parados de um prédio, para nele se reempregarem". É o caso de um bem
à sua inamovibilidade. que originalmente é móvel (ex.: grande porta de madeira de lei);
ao ser empregado na construção, perde essa característica e ga-
1.2 Imóveis por acessão natural nha a qualidade de imóvel pela lei, ainda que tempos depois seja
provisoriamente separada do prédio. Entretanto, se sobrevir uma
o substantivo feminino acessão significa: "aumento, acréscimo, dem9lição do prédio, o bem readquire sua condição de bem mó-
união ... ". É neste sentido que a segunda parte do art. 79 salienta vel (art. 84).
também ser considerado como imóvel "tudo quanto se lhe incorpo-
rar naturalmente ... ". É o caso do curso da água do subsolo; de fós- 1.3.2 Acessão artificial intelectual no Código Civil de 1916
seis e jazidas, árvores que ali nasceram naturalmente, de rochas
naturais, enfim, tudo quanto se incorporou de modo natural ao No sistema do Código de 1916, dizia-se que os bens eram
imóvel. imóveis por acessão intelectual quando a adição operada não ocor-
ria de modo a incorporar fisicamente o bem ao imóvel. Ocorria a
1.3 Imóveis por acessão artificial destinação, a submissão de um bem a um imóvel. O destino a ele
dado visava incrementar, melhorar, tornar mais cômodo, útil ou
Por sua vez, tudo o que se unir ao imóvel de forma artificial, prazeroso o uso de determinado imóvel. É o caso do trator que
por obra do homem, será considerado igualmente imóvel. Esta se destina a atender às necessidades de cultivo, do cavalo exclu-
acessão pode se manifestar de forma física ou por destinação, sivamente destinado ao arado da plantação e das máquinas que
também chamada de acessão intelectual. compõem uma indústria. A importância desta classificação vinha
à tona na hipótese de "venda de porteira fechada", pois, como a lei
1.3.1 Acessão artificial física tratava de todos esses bens como imóveis, caso a venda ocorres-
se nestes termos, o imposto de transmissão teria como base de
Utilizando a definição do Código Civil de 1916, imóvel por cálculo não só o imóvel por natureza, mas todos os bens que a
acessão física é "tudo o quanto o homem incorporar permanentemente ele se destinam e que foram conjuntamente alienados.
ao solo, como a semente lançada à terra, os edifícios e construções, de modo No sistema do Código Civil de 2002, não houve previsão
que se não possa retirar sem destruição, modificação, fratura, ou dano". desta categoria especial de bens, como bem ratificou o Conselho
Os exemplos são dados no próprio corpo da lei e são, obviamen- da Justiça Federal, em seu Enunciado nº 11, ao afirmar:
te, numerus apertus. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona
(2002, p. 267), concluem: "Não persiste no novo sistema legislativo a categoria dos bens
imóveis por acessão intelectual, não obstante a expressão 'tudo
"Acessão significa incorporação, união física com aumento de quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente', constante da
volume da coisa principal. Nesse caso, os bens móveis incorpo- parte final do art. 79 do CC."
rados intencionalmente ao solo adquirem a sua natureza imobi-
liária. Por exemplo: o forro de gesso utilizado na construção da Entretanto, essa espécie de destinação intelectual aproxima
casa." o até então chamado "imóvel por acessão intelectual" de outro
instituto infra-analisado, denominado "pertença". Neste sentido,
Carlos Roberto Gonçalves (2003, p. 262) afirma:
86 Direito Civil Dos Bens 87

"O conceito de pertença está muito próximo do conceito de exemplo, se o marido tem usucapião sobre terreno de terceiro,
bens imóveis por destinação do proprietário ou por acessão inte- não poderá transferir tal direito real sem autorização de sua es-
lectual a que aludia o art. 43, III do Código Civil de 1916." posa, salvo no regime de separação convencional e na participa-
ção final de aquestos, quando o pacto permitir.
1.4 Imóveis por determinação da lei
1.4.2 O direito à sucessão aberta
Pretendendo dar maior segurança a certos direitos, o Códi-
go usou de artifício engenhoso. Denominou esses direitos de "bens Para a lei, a expressão abertura da sucessão significa, em ter-
imóveis", garantindo-Ihes toda a proteção que a lei confere a esta mos"claros, a morte daquele sobre cuja sucessão se passará a
versar. O instante do falecimento coincide com a abertura da
classe. Dentre outras implicações, a concessão do título bem imó-
vel a esses direitos acarreta: (a) necessidade de escritura pública
sucessão e com ela todas as implicações que o livro de Direito das
para sua constituição, transferência, modificação ou renúncia (art. Sucessões explicará com pachorra. A partir deste momento, os
108); (b) necessidade de autorização do cônjuge para alienar ou herdeiros possuem um direito indivisível sobre o patrimônio do
gravar de ônus real os bens imóveis e pleitear, como autor ou réu, de cujus.
acerca desses bens ou direitos (art. 1.647); (c) diferenciação de Note que patrimônio significa conjunto de bens, direitos e
tributos para sua transferência. obrigações e, portanto, não há certeza do quantum que cada her-
deiro receberá. Antes de as cotas dos herdeiros serem devidamen-
1.4.1 Direitos reais sobre bens imóveis e as ações que os te transmitidas, cada um deles tem o direito à sucessão aberta.
asseguram O art. 1.791 resume:

Quando a relação jurídica se estabelece diretamente entre "A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vá-
uma pessoa e uma coisa (res), o direito que daí nasce é chamado rios sejam os herdeiros. Parágrafo único. Até a partilha, o direito
de Direito Real. Tema intrincado, com um milhar de desdobra- dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será
indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio."
mentos e proteções que uma sociedade capitalista reclama. O
direito real por excelência é a propriedade, mas existem outros Esse direito não só é reconhecido pelo ordenamento, como
também importantes para a vida prática do cidadão. Há direitos também é prestigiado, ganhando a condecoração de bem imóvel e
reais sobre coisas próprias e também os que se desdobram sobre todas as conseqüências já examinadas. Perceba que o direito ga-
coisas alheias, ora servindo para gozo ou fruição (como, por exem- nha status de bem. Desta forma, ainda que o de cujus tenha deixa-
plo, a usucapião, a superfície, a enfiteuse constituída antes de do apenas e exclusivamente quatro motocicletas (bens móveis),
2003, o uso, a habitação), ora servindo de garantia (hipoteca, até a partilha o direito que cada um dos herdeiros possui sobre
anticrese) . esta herança é considerado como um bem imóvel (PROCURA-
O direito real é aquele que a pessoa tem sobre a coisa, seja DOR DO ESTADO/SC - 2003).
esta de sua propriedade ou não. Tais direitos ganham uma pro- Quis o legislador dar segurança e seriedade a esses direitos,
teção jurídica ampla. A lei protege, tutela tais direitos de modo posto que - com essa definição legal-, para se realizar uma ces-
exaustivo, considerando-os como de primeira classe perto dos são de direitos da natureza destes dois incisos, imprescindível será
demais previstos na lei. Tal direito ganha o status de bem imó- a outorga uxória, o registro público e o recolhimento de imposto
vel, bem como todas as suas garantias e proteções. Assim, por sobre bens imóveis (MAGISTRATURA/SP - 174º).
88 Dircito Civil Dos Bens 89

1.4.2.1 Renúncia pura e simples do direito à sucessão aberta rior, a par de prever os móveis por natureza, a lei concede a certos
direitos o título (menos nobre, é verdade) de bens móveis.
Nada impede que o titular do direito à sucessão aberta renun-
cie à sua titularidade. Há inclusive um capítulo que versa sobre 2.1 Móveis por sua natureza
"aceitação e renúncia da herança" no livro das sucessões (arts.
1.804-1.813). Há duas espécies de renúncia a este direito. Na o legislador rende-se à realidade e define o bem móvel, nes-
renúncia translativa ou in favorem há - tecnicamente - uma ces- tes termos: "São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou
são de direitos, já que o renunciante indica quem pretende favo- de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação
recer com sua liberalidade. Nesta espécie de renúncia, não há econômico-social" (art. 82).
dúvidas e a doutrina é uníssona ao afirmar a necessidade de ou- O essencial para que se caracterize um bem como móvel não
torga uxória para sua concretização. é apenas sua mobilidade, mas também a possibilidade de esta
Porém, na renúncia pura e simples, o renunciante não indica realizar-se sem alteração de sua substância ou da destinação eco-
a pessoa que deve beneficiar-se com sua liberalidade. Neste caso, nômico-social do bem. Não esqueceu ainda de classificar como
sua parte retoma ao monte partível e deste para os herdeiros do móveis os semoventes (aqueles que podem se locomover por
de cujus. A dúvida é saber se nesta hipótese - em que não há uma movimento próprio).
cessão de direitos, e tampouco uma alienação - há necessidade Tem-se tornado comum, principalmente nos Estados Unidos,
de autorização do cônjuge para sua efetivação. a construção de verdadeiras casas ambulantes, que são facilmente
Carlos Roberto Gonçalves (2003, p. 246) entende que há removidas de um lugar para outro. Vale lembrar que, a despeito
necessidade desta autorização ainda que a renúncia seja pura e da viabilidade de sua mobilidade, o Código continua a tratar tais
edificações como bens imóveis (art. 81,1).
simples. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona (2002, p.
269) sustentam o contrário.
2.2 Móveis por determinação da lei
Interessante aresto do Tribunal paulista (RT nQ 538/92) en-
tendeu despicienda a autorização conjugal. Argumenta o relator: Assim como na seção anterior, o art. 83 equipara alguns di-
"Cuidando, como cuida, de restrições de direitos, o precei- reitos a bens móveis, aplicando-Ihes, portanto, toda regulamen-
to não pode ser lido e interpretado senão com sentido estrito, tação prevista para estes. Assim, se um direito real sobre bem
sem ampliações indevidas: dizendo o legislador que em apenas imóvel (usufruto, por exemplo) é considerado bem imóvel, um
direito real sobre bem móvel também será considerado como bem
quatro hipóteses o homem tem restringida, com o casamento,
móvel. Dessa forma, um direito real de uso sobre um veículo é
sua capacidade obrigacional, é inadmissível acrescentar um
quinto exemplo (...). A tese de que a proibição de alienação de taxado pela lei como bem móvel e a ele se aplicam todas as dis-
imóvel envolve também a incapacidade de renunciar herança é posições relativas a esta espécie de bem. O marido que detém tal
eviden temen te forçada." direito real poderá transferi-Io a terceiro sem autorização de sua
esposa e sem escritura pública. Outro exemplo é o direito real de
garantia sobre bem móvel, denominado penhor. A lei considera
2 Móveis este direito real como um bem móvel. Entretanto, na hipótese de
penhor agrícola (art. 1.442), a garantia pode recair sobre colhei-
Prossegue a lei na classificação dos bens, dessa vez determi- tas pendentes (bem imóvel por acessão) e nesta hipótese o direito
nando quais seriam os móveis. Assim como fez na seção ante- real é sobre imóvel e, portanto, considerado um bem imóvel.
90 Direito Civil Dos Bens 91

Também são considerados bens móveis as energias que te- • incidência de distintos direitos reais de garantia (hipo-
nham valor econômico (MAGISTRATURA/DF - 2003), bem teca para imóveis, penhor para móveis - arts. 1.451,
como os direitos pessoais de caráter patrimonial. O direito de 1.473) ;
crédito, o direito a receber determinada prestação de fazer são • necessidade de outorga uxória para alienação ou grava-
exemplos de direito pessoal que se opõem aos direitos reais so- ção de ônus reais sobre os imóveis (art. 1.647);
bre os quais já versamos sucintamente. O direito de autor era • diferenciação de tributos.
expressamente denominado bem móvel pelo Código Civil de
1916, o que não foi repetido pelo Código Civil de 2002. Tal pre-
3 Fungíveis e infungíveis
visão era de fato despicienda, pois a Lei nº 9.609, de 19 de feve-
reiro de 1998, que versa exclusivamente sobre os direitos auto-
Juridicamente, é fungível o bem móvel substituível. É aque-
rais assim já previra em seu art. 3º (MP/SP - 82º).
le que pode ser trocado por outro do mesmo gênero, sendo ape-
A respeito de aeronaves e navios, é bom esclarecer que am- nas avaliado pela sua espécie e quantidade. O dinheiro é o bem
bos são bens móveis e não perdem esta característica pelo seu fungível por excelência, dado que é sua quantidade e não ele em
porte ou valor. Possuem, entretanto, regras especiais para alie- espécie que é avaliado no momento do negócio. Por sua vez, o
nação, necessidade de registro e possibilidade de figurarem como bem infungível é aquele sobre o qual recaiam qualidades intrín-
objeto de hipoteca, conforme art. 1.473, VI e VII. secas únicas e diferenciadoras em relação aos demais. Não há
substituição possível quanto aos bens infungíveis.
2.3 Importância da distinção entre bens móveis e imóveis Vale notar que somente pode ser bem fungível o móvel. É
presunção da lei que os bens imóveis sejam todos infungíveis. Aos
Distinguir na parte geral os bens móveis dos imóveis e clas-
bens fungíveis, reserva-se a forma de mútuo para o empréstimo
sificar alguns direitos como bens trará sérias repercussões na
(arts. 586-592), enquanto o comodato é a forma especial regula-
Parte Especial do Código e em legislações esparsas. Algumas
da para os bens infungíveis (arts. 579-585).
conseqüências advindas desta distinção são:
Interessante destacar que não é a espécie do bem em si que
• necessidade de escritura pública para transferência de possui a característica de ser ou não fungível. O que determina
direitos sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta) essa característica é a análise do caso concreto. O dinheiro, por
vezes o maior salário mínimo vigente no país (art. exemplo, bem fungível por excelência, pode ser infungível se o obje-
108); to for uma cédula dos tempos da monarquia, por exemplo. Uma
• possibilidade de doação verbal em bens móveis de pe- bola de futebol, por exemplo, é um bem fungível. A partir do
queno valor (art. 541 parágrafo único); momento em que nela se apõe uma assinatura de famoso joga-
• diferentes regras de locação (art. 565 do Código Civil e dor, transforma-se imediatamente em um bem infungível.
Lei nº 8.245/91); A Parte Especial do Código se utilizará estes conceitos para
• necessidade de transcrição para aquisição de direitos tratar não só de bens como de prestações de fazer. Assim, por
sobre imóveis (art. 1.227) e de mera tradição para os exemplo, o art. 249 versa sobre as prestações fungíveis, ou seja,
móveis (art. 1.226); aquelas em que o fato pode ser executado por terceiro. Se, por
outro lado, a obrigação não puder ser prestada por terceiro, esta-
• prazo diferenciado para o usucapião (arts. 1.238 et. seq.;
remos diante de uma obrigação infungível. Conforme a natureza
1.260 et. seq.);
da prestação de fazer, conseqüências diversas surgirão.
92 Direito Civil Dos Bens 93

4 Consumíveis e inconsumíveis taria necessariamente uma alteração na sua substância, na sua


essência. Assim, só será divisível o bem cujas partes resultantes
Mais uma vez, o que importa é o conceito jurídico da co~sun- do fracionamento tiverem valor, guardarem a essência da ante-
tibilidade. O art. 86 diz: "São consumíveis os bens móveis cUJouso rior. Juridicamente, portanto, um grande terreno - em princí-
importa destruição imediata da própria substância. " pio - é um bem divisível por natureza. Um animal, um veículo
Evidente que tudo no mundo passa por um processo de des- são indivisíveis.
gaste e deterioração natural com a utilização rotineira. Porém, ?
que importa ao mundo jurídico é a ~es:ruição ,imediata n.o pn- S.l.lndivisíveis por força de lei ou por vontade das partes
meiro uso do bem. Como exemplo classlCo, tenamos os alImen-
tos, cujo uso implica - necessariamente - destruição. A lei enumera hipóteses em que - a despeito da natural
Mas o Código não pára por aí e prosse~ue na p~rte fin,al ~o divisibilidade - alguns bens poderiam, por ficção jurídica, se tor-
mesmo artigo: "sendo também considerados tms os destznados a alze- nar indivisíveis, tanto por força de lei, como por força de conven-
nação". Aqui fica ainda mais visível a distância ent~e o ~und? ção entre as partes. Como já dissemos, um terreno é - pela sua
fático e o jurídico. O legislador - sabiamente - repetIU a dlSPO,SI- natureza - um bem divisível. Porém, a Lei nº 6.766/79 proibiu,
ção do art. 51 do Código Civil de 1916, albergando no conceIto v. g., no art. 4º, 11,a divisão de lotes cuja área seja inferior a 125m2•
de bem consumível aquele que é destinado à alienação. O exem- Diz o mencionado inciso:
plo tradicional é do livro, que - em princpi~ - é um típico be~ "11- os lotes terão área mínima de 125m2 (cento e vinte e
inconsumível, dado que seu uso regular nao Importa em destrUI-
ção. Porém, sob a óptica do livreiro, assim que alienado aquele cinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros,
bem foi "juridicamente destruído". salvo quando o loteamento se destinar a urbanização específica
Da mesma forma que nos bens fungíveis, devemos alertar que ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, pre-
não há uma "tabela" a determinar quais são os bens consumíveis. viamente aprovados pelos órgãos públicos competentes."
É o caso concreto que dirá. Um típico bem consumível pode - A livre convenção entre particulares também pode prever a
segundo sua destinação - tornar-se inco~su:nível. Irr:agine o indivisibilidade do bem. Dois sócios podem adquirir um terreno
exemplo de uma rara coleção de vinhos. O lIqUId~ dos vmhedos, estipulando que o mesmo será indivisível. A lei (art. 1.320, §§ 1º
em princípio, é consumível, por natureza. Se destmado apenas a e 2º), porém, sabendo que o condomínio é uma situação por na-
exposições, entretanto, será inconsumível, dado que sua,s 5ons- tureza transitória, insere um teto de cinco anos para tal indivi-
tantes "aparições" ao público não importarão sua destrUlçao. sibilidade, estipulando ademais o mesmo limite para cláusulas
A classificação ganha relevo ao examinarmos, na Parte Espe- similares em doações ou testamento. Arrematando, o § 3º do art.
cial, institutos peculiares a bens consumíveis ~u .inconsu~ívei~. 1.320 prevê a possibilidade de ação de divisão do bem (seguindo
Ao tratar sobre o usufruto, por exemplo, o COdIgOprevIU a hI- o rito do art. 967 et. seq. do CPC), ainda que o prazo de indivisi-
pótese da existência de bens consumíveis acessórios ao objeto bilidade esteja em curso.
principal e dá sua regulação específica no art. 1.392, § 1º. Vale lembrar que o direito de prelação ou preferência outor-
gado pela lei ao condômino só recai sobre bens indivisíveis juri-
5 Divisíveis e indivisíveis
dicamente (art. 504).
Pela sua natureza, quase tudo no mundo é "divisível", até o
átomo. Bens indivisíveis são aqueles cujo fracionamento impor-
Dos Bens 95
94 Direito Civil

No art. 91, O Código define a universalidade de direitos. O


6 Singulares e coletivos
exemplo típico é a herança que compõe uma universalidade de
Em três artigos, o Código trata deste intrincado tema. Cló- direitos. O Código de 1916 trazia disposição didática no art. 57,
vis, citado por Sílvio Venosa (2003, p. 333), dizia que a_matéria exemplificando que "o patrimônio e a herança constituem coisas uni-
versais, ou universalidades, e como tais subsistem, embora não constem
se apresenta com contornos confusos, razão pela qual nao a con-
templou na redação de sua obra. de objetos materiais".
Os bens singulares dividem-se em simples ou compostos,
enquanto os bens coletivos dividem-se em universalidade de fato
ou de direito. Capítulo 111
Classificação dos bens considerados uns
6.1 Bens singulares em relação aos outros

Na definição de Sílvio Venosa (2003, p. 331), os bens singu- Alterando o critério de análise, o legislador passou a obser-
lares simples: var os bens uns em relação aos outros, em uma condição de de-
pendência, classificando-os então sob o ângulo da sua reciproci-
"São as coisas constituídas de um todo formado naturalmente dade. É o que a lei chama de "bens reciprocamente considerados".
ou em conseqüência de um ato humano, sem que as respectivas Com tal critério, o legislador percebeu que alguns bens bas-
partes integrantes conservem sua condição jurídica anterior, tavam por si sós, enquanto outros tinham para com aqueles uma
como, por exemplo, um animal." relação de dependência. Chamou aqueles de principais e estes de
Por sua vez, os bens singulares compostos são aqueles em que acessórios, como veremos doravante.
os elementos justapostos mantêm sua. condição jurídi~a_ ante-
rior. Um automóvel, por exemplo, pOSsUIem sua composlçao ele- 1 Principais
mentos que mantêm sua condição anterior, como, por exe~plo,
as portas, os bancos, os vidros que reunidos formam um so bem "É o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente." Esta é a
singular. definição que a lei dá aos bens principais no art. 92, primeira
parte. Bem principal é o substantivo, aquele que, independente-
6.2 Bens coletivos mente de outros, subsiste e tem existência própria.
O antigo Código Civil (art. 59) ainda esclarecia que "salvo
Nos dois artigos subseqüentes, define-se o que sejam univer- disposição especial em contrário, a coisa acessória segue a principal". O
sitas rerum (coisas coletivas), dividindo-as em universalidade de Código preferiu deixar tal disposição para sua Parte Especial,
fato e de direito. Quanto àquela, o Código diz (art. 90) que as- quando a regra se fizesse necessária. Um bom exemplo é o art.
sim são considerados "a pluralidade de bens singulares que, pertinen- 233, que versa sobre as obrigações de dar: "A obrigação de dar coi-
tes à mesma pessoa, tenham destinação unitária", como é o típico caso sa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o
de uma biblioteca ou um rebanho. A lei ainda permite que cada contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso."
um dos bens que compõem tal universalidade podem se consti- Ademais, há obrigações acessórias que dependem da princi-
tuir objeto de relação jurídica própria. pal. A cláusula penal (arts. 408-416), a fiança (arts. 818-839) são
todas acessórias de um contrato de compra e venda, por exem-
96 Direito Civil Dos Bens 97

pIo. Na hipótese de este ser anulado, todas as obrigações acessó- rias são as realizadas para mero deleite, como, por exemplo, a
rias também serão. piscina, a churrasqueira, a sauna. O Código conceitua no art. 96,
§ 1º: "São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam
2 Acessórios o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de
elevado valor. "
Acessórios são aq,ueles bens "cuja existência supõe a do princi- Já as benfeitorias úteis são aquelas que, ainda que não sejam
pal" (art. 92 in fine). E nesse momento que o Código disciplina consideradas indispensáveis à manutenção do bem, aumenta-
as pertenças, frutos e produtos. Quanto a estes dois últimos, a riam seu valor ou facilitariam seu uso. Um bom exemplo é a cons-
diferença é simples. Nos frutos, sua exploração não causa dimi- trução de um dormitório a mais na casa ou a ampliação da cozi-
nuição no valor do bem principal e se reproduz periodicamente, nha. O Código assim define: "São úteis as que aumentam ou facili-
enquanto nos produtos tal desvalorização necessariamente ocorre tam o uso do bem."
(v. g., extração de pedras de uma pedreira ou de metais precio- Por fim, as benfeitorias necessárias têm como característica
sos de uma mina).
a "conservação" do bem. Tendem a evitar a ruína do principal. Ex.:
Os frutos podem ser naturais (surgem pela própria nature- troca das telhas quebradas de uma casa que constantemente ala-
za, como a safra anual, os filhotes do rebanho), industriais (de- gava com as chuvas. O Código conceitua: "São necessárias as que
correm da intervenção humana direta, como a produção da indús- têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore. "
tria têxtil) e civis, que na definição de Silvio Rodrigues (2002, p.
140) são "os rendimentos tirados da utilização da coisa frugifera por 2.1.1 Importância da distinção entre benfeitorias
outrem que não o proprietário, como as rendas, aluguéis, foros ejuros".
Vale lembrar que, em regra, o bem acessório segue a sorte do A classificação das benfeitorias terá imenso valor prático não
principal, ao que se dá o nome de "princípio da gravitação jurí- só na Parte Especial do Código Civil, como também em legisla-
dica" . ções esparsas. Ao regular a posse e seus efeitos, o art. 1.219 de-
termina indenização às benfeitorias úteis e necessárias realizadas
2.1 Benfeitorias pelo possuidor de boa-fé, concedendo inclusive o direito de re-
tenção; enquanto que para as voluptuárias concede apenas auto-
Para Amoldo Wald (2002, p. 173), benfeitoria é "o que se rização para o seu levantamento e isso "quando o puder fazer sem
acrescenta a um bem móvel ou imóvel para melhorá-Io, aumen- detrimento da coisa". Solução similar traz a Lei nº 8.245/91, que
tar a sua utilidade, ou permitir que seja usado para outros fins, versa sobre a locação, em seus arts. 35 e 36. Finalmente, tratan-
tomando-o mais cômodo ou mais ap razível" . O legislador divi- do de "Preferências e privilégios creditórios", o Código Civil faz nova
diu então as benfeitorias em voluptuárias, úteis e necessárias, distinção, concedendo privilegio especial ao credor que - sobre a
deixando expresso no art. 97 que "melhoramentos sem interven- coisa beneficiada - fizer benfeitorias necessárias ou úteis. Ao
ção do proprietário" não seriam considerados benfeitorias. É o possuidor de má-fé, o Código Civil (art. 1.220) reservou apenas
caso das acessões naturais, estudadas no campo dos direitos e tão-somente direito à indenização pelas benfeitorias necessá-
reais. O Código foi muito didático na definição atribuída a cada rias, excluindo-lhe o direito de retenção e qualquer outro direito
uma delas. sobre as voluptuárias.
A primeira espécie de benfeitoria é a chamada voluptuária. Enfim, é flagrante a preferência que o legislador atribui às
Volúpia significa prazer, deleite. Logo, as benfeitorias voluptuá- benfeitorias necessárias e úteis, posto atenderem a um interesse
98 Direito Civil Dos Bens 99

maior, qual seja, a conservação e maior utilidade do bem. Nesse uma pertença nele introduzida pelo proprietário do bem princi-
ponto, percebemos a importância da Parte Geral do Código, ir- pal; se for um modelo original, já adaptado ao painel do veículo
radiando seus efeitos para toda a Parte Especial e até legislações e que só a este se amolda, será um acessório, que seguirá o des-
esparsas de nosso ordenamento. tino do bem principal."

2.2 Pertenças Diferentemente do princípio de que o "acessório segue o princi-


pal", o art. :4 do Código Civil expressamente inverte a regra ge-
As pertenças aproximam-se muito dos "bens considerados r~l e p:eleclOna: "Os negóciosjurídicos que dizem respeito ao bem prin-
CIpalnao abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei da
imóveis por acessão intelectual", previstos no Código Civil de
manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso." '
1916. Há uma destinação; o bem não constitui parte integrante
do principal, mas é um serviçal dele, de modo duradouro para fins Ao celebrar contrato de compra e venda de um veículo o toca-
de "uso, serviço ou aformoseamento". fitas só estará incluso se assim expressamente constar da ~onven-
ção, o mesmo ocorrendo com a lousa de uma sala com o con-
O Código assim define no art. 93: "São pertenças os bens que, versor de gás em um carro. '
não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao
uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro." São coisas que o ho- Moreira Alves (2003, p. 43) defendia a orientação do
Código:
mem mantém no bem principal para fins de exploração e aformo-
seamento. Um bom exemplo é o conversor de gás natural insta- "~~ prática, mesmo sem disposição voluntária ou legal em
lado em veículos automotores.
c~nt~ano, as ~ertenças - como o mobiliário - não acompanham
Orlando Gomes (2001, p. 243) assim conceitua: "Coisas aces- o lmovel vendldo ou desapropriado, mas com a modificação que
sórias destinadas a conservar ou facilitar o uso das coisas principais, sem se segue, com a qual- já que se vai unificar parcialmente o direi-
que destas sejam parte integrante." Pontes de Miranda (apud to privado - se atenderá melhor aos interesses comerciais."
TEPEDINO, 2002, p. 168) exemplifica:
"As máquinas e utensílios em relação aos estabelecimentos Bens reciprocamente considerados - Organograma
industriais e comerciais e o gado, os utensílios e as sementes in-
Bens reciprocamente considerados
dispensáveis à exploração e à continuação do trabalho até a pró-
xima colheita."

O trator da fazenda é um exemplo, pois - enquanto serve ao


trabalho rural - é pertença. Se alterarmos sua destinação, utili-
zando-o apenas para fins de lazer, o bem volta a ser móvel e com-
pletamente destacado da propriedade.
O ponto nodal das pertenças é o fato de que elas não são parte Voluptuárias
integrante do objeto principal. Paulo Dias de Moura Ribeiro (in Em regra, não seguem o
principal
Revista do Advogado nQ 77 - jul. 2004, p. 63) esclarece: Úteis

"Tome-se, neste particular, um exemplo singelo: o toca-CD N ecessá rias

de um carro. Se for um comum, adaptável a qualquer veículo, será


100 Direito Civil Dos Bens 101

Capítulo IV ga tributária que lhe é imposta. Sobre o assunto, o Tribunal de


Classificação dos bens considerados em sua titularidade Justiça de São Paulo se pronunciou:
"INCONSTITUCIONALIDADE - Decreto Municipal nQ
O legislador adota agora um critério simples para classificar
os bens. Analisa-os de acordo com sua titularidade, encontran- 1.855, de 1988, da Estância de Campos do Jordão - Instituição
do então dois grandes grupos. Primeiro, aqueles pertencentes ao de preço público cobrado de condutores de veículos por ocasião
Estado, os quais denomina de bens públicos, subdivididos em de uso da passagem pelo Portal da cidade - Decreto impugnado que, na
comum, de uso especial e dominicais. Todos os demais são - nesta realidade, institui taxa de uso de bens de uso comum do povo -
classificação - bens particulares (MP/RN - 2001). Ofensa aos princípios da legalidade e da anterioridade - Artigo
5Q, inciso 11,e art. 150, incisos I e I1I, b, da Constituição da Re-
1 Públicos pública - Representação procedente" (TJSP Relator: Cunha
Camargo - Representação Interventiva nQ 9.105-0 - São Paulo-
São aqueles cujo titular é o Estado. É seu o domínio e será 21-6-1989) .
ele o responsável por sua guarda, conservação e manutenção. A Exemplos de tais bens são obtidos no próprio art. 99, mas não
matéria faz fronteira com o Direito Constitucional e Administra-
se esgotam aí, visto tal disposição ser numerus apertus: praças, ruas,
tivo. Os arts. 20 e 26 da Constituição Federal (que enumeram, estradas, rios e mares. As praias, v. g., são bens de uso comum
respectivamente, os bens da União e dos Estados) fornecem uma
do povo. Especificamente sobre as praias, a Lei nQ 7.661, de 16
visão geral sobre o tema.
de maio de 1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerencia-
O legislador civilista percebeu, entretanto, que tal divisão não mento Costeiro, em seu art. 10 já disciplinava:
era suficiente para a complexidade do problema e decidiu subdi-
vidi-Io em três outras categorias, conforme o fim a que se desti- "Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo,
nam. Assim, previu os bens de uso comum do povo, os de uso espe- sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar,
cial e os dominicais. em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos conside-
rados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas
1.1 Bens de uso comum do povo protegidas por legislação específica."

O próprio nome já explica o que esta especial categoria de 1.2 Bens de uso especial
bens representa. O art. 99, I (repetição do art. 66, I, do Código
Civil de 1916), não conceitua, apenas os exemplifica. Mais uma vez, o legislador (art. 99, 11)limita-se a exemplificar
São aqueles que - embora de propriedade do Estado - têm tal espécie. São aqueles bens em que há uma destinação estatal
sua utilização facultada ao povo. Observe que o fato de o Estado específica. O Estado os utiliza para melhor desempenhar suas
(qualquer que seja a esfera administrativa) cobrar pelo uso do funções administrativas, tais como Câmaras Municipais, Gabinete
mesmo não descaracteriza a sua classificação, como menciona o de Prefeitura, Secretarias de Estado etc. Caberá à administração
art. 103 do novo Código Civil (em redação idêntica à do art. 68 regular o acesso e o uso do bem, tendo em vista fatores de
do Código Civil de 1916). O pedágio nas estradas é prova disso. destinação, organização e segurança (DELEGADO DE POLÍCIA/
Em regra, porém, o acesso e a fruição destes bens são gratuitos. SP - 2000).
O cidadão já paga pela sua conservação e manutenção com a car-
102 Direito Civil Dos Bens 103

1.3 Bens dominicais ou dominiais "À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamen-
tos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em vir-
Por fim, temos os bens públicos dominicais que constituem tude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem
patrimônio do Estado. Fazem parte do acervo estatal e - ao con- cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos crédi-
trário das outras duas espécies - podem ser alienados na forma tos res·pectivos."
da lei (art. 101 do novo Código Civil). A Constituição do Estado
de São Paulo tem previsão restritiva desta possibilidade de alte- Malgrado a disposição expressa da Constituição, os débitos
ração de destinação do bem. É o que diz o art. 180, VII: alimentares também são pagos pela sacrificada via dos preca-
tórios.
"No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao de- Na época da promulgação da Carta de 1988, os créditos en-
senvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão: tão existentes sofreram regulação própria do Ato das Disposições
VII - as áreas definidas em projeto de loteamento como áreas Constitucionais Transitórias, em seu art. 33:
verdes ou institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter
sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos "Ressalvados os créditos de natureza alimentar, o valor dos
alterados." precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da promul-
gação da Constituição, incluído o remanescente de juros e corre-
2 Características dos bens públicos ção monetária, poderá ser pago em moeda corrente, com atuali-
zação, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máxi-
2.1 lnalienabilidade mo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, por decisão edi-
tada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulga-
Os bens de uso especial, enquanto conservarem a sua qualifica- ção da Constituição."
ção, são inalienáveis. É necessário proceder à desafetação primei-
ramente para que então possam ser alienados como bens domi-
niais através de licitação. O art. 17 da Lei nº 8.666/93 regula o 2.3 lmprescritibilidade. Vedação da usucapião de bem
público
assunto, enquanto leis estaduais e municipais determinam o pro-
cedimento para tal transferência.
U sucapião é uma forma originária de aquisição da proprie-
dade que tem como requisito principal o lapso de tempo. É tam-
2.2 lmpenhorabilidade bém chamada de prescrição aquisitiva. Tal forma de aquisição de
propriedade não é aplicável aos bens públicos. Desta forma, não
O cidadão não litiga com o Estado em igualdade de condições.
se adquire um terreno público através de sua posse mansa e pa-
Nem poderia fazê-Io, considerando a imensa desigualdade de es-
cífica, com justo título e boa-fé, ainda que decorridos os dez anos
trutura e atribuições que os distancia. Dentre outras vantagens,
para sua configuração. A Constituição Federal é redundante e
o Estado usufrui de prazos maiores e do direito de - após todo
repete a mesma disposição em dois artigos diferentes. Tanto o art.
processo de conhecimento e de toda execução - não ver seus bens
183, § 3º, quanto o art. 191, parágrafo único prevêem tal vedação.
penhorados. Após todo o longo trâmite que o cidadão percorre
O Código obedece e repete a proibição em seu art. 102.
para ver reconhecido seu direito pelo Judiciário, terá ainda que
aguardar a famosa fila dos precatórios. É o art. 100 da Constitui- Antes mesmo da Constituição, o Supremo Tribunal Federal
ção que impõe: já havia pacificado a questão na Súmula 340: "Desde a vigência do
104 Direito Civil
Dos Bens 105

Código Civil, os bens dominiais, como os demais bens públicos, não po- almejava ficassem fora de circulação (v. g., bem de família con-
dem ser adquiridos por usucapião." vencional, os bens dotais).
A questão permanece polêmica quando a hipótese é de usuca- Ocorre que o legislador de 2003 sabiamente não repetiu o
pião de herança jacente. Duas correntes principais se formaram. dispositivo e, conseqüentemente, o capítulo "Coisas que estão fora
A primeira sustenta que é a declaração de vacância que confere do comércio" não mais integra nosso ordenamento.
ao município a titularidade dos bens e por isso haveria a possibi-
Isso não significa que as coisas fora do comércio deixaram de
lidade de atos possessórios no período de jacência, decorrendo daí
existir. Elas existem e estão previstas em dispositivos esparsos
a usucapião como efeito principal. A segunda corrente afirma que
pelo Código, que - como já dissemos - prefere mantê-Ias fora da
não há tal possibilidade, pois não há patrimônio sem sujeito e
circulação material humana. O art. 100, retroanalisado, traz um
desde a abertura da sucessão o bem já considera propriedade
exemplo de bem fora do comércio. A própria natureza dos bens
pública, ainda que resolúvel.
públicos de uso comum do povo e dos de uso especial grava-os com tal
impossibilidade. O art. 1.911 traz mais um exemplo desta espe-
Bens Quanto à Titularidade - Organograma
cial categoria de bens. Desta vez é a vontade do homem que ali
os inclui. É a hipótese da cláusula de inalienabilidade imposta pelo
testador. Tal cláusula ainda implica: "impenhorabilidade e
incomunicabilidade". O art. 1.848 exige para tal restrição a decla-
ração de justa causa no "testamento". O Projeto nº 6.960/2002
pretende tornar desnecessária a justa causa quando a restrição
versar sobre incomunicabilidade.
Enfim, a supressão do penúltimo Capítulo do Livro II não traz
Dominicais relevantes conseqüências para o mundo prático. A categoria es-
Alienáveis na Forma da Lei pecial destes bens continua existindo, embora sem uma previsão
genérica a seu respeito.

1 Bem de família
Capítulo V
Bens fora do comércio Havia ainda um último capítulo no Livro II da Parte Geral do
Código Civil de 1916. Disciplinava na verdade uma espécie de
Previu o legislador que haveria certos bens cuja "circulação" "Bem fora do comércio", devendo então ser tratada como seção
seria impossível ou inapropriada de acordo com a finalidade al- do capítulo anterior. Tratava-se do "bem de família convencional",
mejada. O antigo Código Civil previa um capítulo específico para cuja regulamentação - no Código Civil de 2002 - foi trans-
tratar do assunto, dispondo em seu único artigo: "São coisas fora ferida para o livro do Direito de Família. Outra espécie de bem
do comércio as insuscetíveis de apropriação e as legalmente inalienáveis. " de família foi criada em nosso ordenamento pela Lei nº 8.009/
Do conteúdo do mencionado art. 69, era possível então ex- 90. É o chamado bem de família legal que analisaremos doravante.
trair uma outra grande classificação de bens fora do comércio,
separando aquelas que assim se encontravam por força da pró-
pria natureza (ar atmosférico, água do mar. ..) daquelas que a lei
106 Direito Civil Dos Bens 107

2 Bem de família legal. Lei nº 8.009/90 Exatamente dentro destas exceções é que reside mais uma
questão polêmica. A Lei nº 8.245/91 inseriu no art. 3º o inciso
Enquanto o bem de família do Código Civil proíbe a penho- VII, aumentando o rol de hipóteses em que, a despeito de ser o
ra e a alienação do imóvel, a Lei nº 8.009/90 apenas dispõe so- Único imóvel da família, este poderia ser penhorado. Assim, via
bre sua impenhorabilidade. Referida lei traz a proteção de modo de regra, caso o fiador descumpra sua obrigação de garantir o
automático, não exigindo a escritura pública. Salutar tal disposi-
pagamento dos alugueres, ele pode ter seu único imóvel penho-
ção, visto não ser de bom alvitre impor ao particular este ônus. rado e arrematado.
Já o bem de família convencional exige tal formalidade (art.
1.711). O estudo do bem de família legal é repleto de questões Tal possibilidade já sofre ameaça tanto do Judiciário, quanto
peculiares e polêmicas. Algumas solucionadas pela lei, outras pela do Poder Legislativo. A Emenda Constitucional nº 26/2000 in-
jurisprudência e doutrina (OAB/SP - 124º e DP/CE - 2002). seriu o substantivo "moradia" no caput do art. 6º, alçando tal di-
No caso de a família possuir mais de um imóvel, a proteção reito à categoria de "social". Tal alteração serviu de argumento
legal recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido regis- para que alguns julgados vedassem a penhora do imóvel do fia-
trado. O importante é que se proteja a residência da família, mui- dor de contrato de locação (TJDF Agravo de Instrumento nº
to embora esta família possua um devedor. 20000020030532AGI DF, Registro do Acórdão Número: 139864.
Data de Julgamento: 13-11-2000. Órgão Julgador: 4ª Turma Cível
Outra questão interessante é saber qual a extensão da expres-
Relator: Lecir Manoel da Luz. Publicação no DfU: 20-6-2001,
são entidade familiar prevista no art. 1º da Lei nº 8.009/90. Viúva,
celibatário, divorciado, casais homossexuais estariam protegidos p.38).
pelo benefício legal? O julgador aqui se depara com dois direitos Por seu turno, o Projeto de Lei nº 3.452 de 2004, em trâmite
conflitantes. De um lado, o direito do credor, que não pode ser pelo Congresso, pretende expressamente revogar o inciso VII do
limitado, sem que a lei assim previsse. De outro lado, a dignidade art. 3º da Lei nº 8.009/90, impedindo a penhora do imóvel do
da pessoa humana, consubstanciada no direito ao lar, à residência fiador do contrato de locação.
que possui a viúva, o solteiro, o homossexual. Outro tema relevante é entender o que, dentro da residência,
A jurisprudência se defrontou com a questão e majoritaria- pode ou não ser penhorado. A Lei nº 8.009 excluiu de sua inci-
mente concedeu o benefício a todos eles. Na expressão de Luiz dência os veículos e os adornos suntuosos. A questão que surge
Vicente Cernicchiaro, "a Lei nº 8.009/90 não está dirigida a nú- é saber se a televisão, o telefone, o computador, o mi-
mero de pessoas. Ao contrário - à pessoa. Solteira, casada, viú- croondas, dentre outros utensílios, estariam incluídos no bene-
va, desquitada, divorciada, pouco importa. O sentido social da fício legal. A esse respeito a jurisprudência adotou a interpreta-
norma busca garantir um teto para cada pessoa (REsp 182223/ ção teleológica da norma, considerando que estará protegido tudo
SP; 1998/0052764-8 Df: 10-5-1999, p. 234)". o que for essencial à dignidade da pessoa humana, representan-
Importante ressaltar que - diferentemente do Código Civil, do no seio familiar o necessário para uma vida digna. O que ul-
onde apenas tributos e despesas do condomínio podem levar à trapassar tal status poderá ser penhorado (OAB/SP - 111º).
penhora do bem - o legislador de 1990 retira tal proteção em
várias oportunidades, como, por exemplo, nos créditos dos tra- 3 Bem de família convencional
balhadores da residência, no crédito de pensão alimentícia, na
obrigação decorrente de fiança em contrato de locação, dentre Pouco utilizado na prática, o bem de família convencional foi
outras (art. 3º da Lei nº 8.009/90). reformulado pelo Código de 2002, mantendo seu paralelismo com
108 Direito Civil Dos Bens 109

aquele estipulado pela Lei nQ 8.009/90. Sua regulamentação en- clIção, se essa for proveniente de tributos relativos ao prédio ou
contra-se no Livro que trata do Direito de Família e sua institui- de despesas de condomínio (ano 1.715 infine). No segundo caso,
ção depende de escritura pública ou testamento, ao contrário do poderá o bem ser alienado, desde que haja consentimento de to-
bem de família legal que decorre automaticamente da Lei. dos os interessados, ouvido o Ministério Público (art. 1.717) oA
Tanto o cônjuge quanto a "entidade familiar" poderão, me- extinção do bem de família ocorrerá com a morte de ambos os
diante escritura pública, instituí-Io (arts. 1.711 e 1.714), desde que cônjuges, desde que os filhos sejam maiores e capazes, como já
não ultrapasse o limite de 1/3 do patrimônio líquido existente ao determinava o Código Civil de 1916. Com a nova redação do ca-
tempo da instituição. Esse teto introduzido pelo art. 1.711 não era pítulo, também se extinguirá o bem de família, se comprovada a
previsto pelo Código Civil anterior, e sofre críticas da doutrina. impôssibilidade da sua manutenção.
Ana Marta Cattani de Barros Zilveti (2003, p. 158) pondera:

"Da forma como está redigido o novo Código Civil, o limite


acaba por restringir sobremaneira a aplicação do instituto. Ora,
considerando que no momento da constituição do bem de famí-
lia seu valor não pode ser superior a 1/3 do patrimônio total dos
instituidores e que o bem de família só pode ser bem imóvel ou
valores mobiliários, será necessário que a família tenha um
patrimônio significativo, composto por outros imóveis, aplicações
financeiras e bens móveis, que assim formarão os restantes 2/3
de seu patrimônio, de modo a liberar um único imóvel (ou um
imóvel e mais algumas aplicações financeiras) para ser consti-
tuído como bem de família."

o objeto do bem de família convencional será o "prédio residen-


cial urbano ou rural, com pertenças e acessórios, destinado a domicílio fa-
miliar" (art. 1.712). Interessante previsão do Código possibilita
que o bem de família abranja ainda "valores mobiliários" (ações,
debêntures, cadernetas de poupança ... ) cuja renda será aplicada na con-
servação do imóvel (art. 1.712 infine) oO "teto" destas aplicações
é o preço do imóvel à época de sua instituição e a sua administra-
ção pode ficar a cargo de instituição financeira. A lei assegura que,
no caso de liquidação da instituição, os valores não serão atingi-
dos (arts. 1.713 e 1.718). Nesta hipótese, resta saber quem arcará
com o ressarcimento ao instituidor do bem de família.
As conseqüências da instituição do bem de família conven-
cional são: (a) impenhorabilidade (arto 1.715) e (b) inaliena-
bilidade (art. 1.717). Tanto uma quanto a outra podem ser rela-
tivizadas. No primeiro caso, o bem não estará protegido da exe-
Dos Fatos Jurídicos 111

Capítulo 11
Conceito e classificação

1 Fatos jurídicos e fatos irrelevantes


Livro III A vida é uma sucessão de fatos; tudo o que ocorre é um fato.
Dos Fatos Jurídicos Fatos_bons, ruins, indiferentes, ordinários, únicos. Alguns des-
tes têm ~petcussão no mundo jurídico, alterando de modo mais
ou menos relevante o panorama jurídico das pessoas. Por este
motivo são cha1:llados-de--:fatos jurídicos". Outros fatos são
irrelevantes para o mundo d~Direito. Deles não decorrem efei-
tos e o panorama jurídico não é afetado minimamente. Exatamen-
te por isso já são descartados e não 'Considerados no âmbito da
ciência jurídica (MAGISTRATURAISP,\ 171 º).
Rose MeIo Vencelau (TEPEDINO, 2002, p. 179) pondera:
J

Capítulo I "Jurídico é a qualidade Jtribuída ao/fato que traz no seu bojo


Introdução ao estudo dos fatos. Terceiro elemento a produção de efeitos jurídi~os._Em/grande número, a doutrina
do direito subjetivo conceitua f~Ü!fídico colPo o acontecim~nto natural o.~~ol~-
tário g~~.tem capacidade de provocar os'I. efeitos
-,.- (juríakQ§.;;-

__o'••__----:-_.__••~•
Revendo a noção da "separação de poderes do direito privado",
desembarcamos no último elemento da estrutura do direito sub- Assim, em uma classificação preliminar, podemos distinguir
os fatos em dois grupos, conforme demonstra o quadro a seguir:
jetivo. Após analisarmos detidamente os sujeitos da relação jurí-
dica e seus objetos, chegamos agora ao liame que envolve aque-
les em torno destes. Tamanha é a relevância de seu estudo que o
legislador dedicou maior número de artigos para este livro do que
para os dois anteriores somados.
O Código de 2002 positivou ensinamentos descortinados pela
doutrina, como, por exemplo, a diferenciação entre o negócio Fatos Juridicamente
jurídico e o simples ato jurídico, a separação entre prazos pres- Fatos Jurídicos
Irrelevantes
cricionais e decadenciais, a introdução da teoria do abuso de di-
reito e a criação de dois novos defeitos do negócio (um deles já
previsto no diploma do consumidor de 1990). Estes são apenas
alguns dos muitos itens a seguir tratados. 2 Fatos jurídicos decorrentes das forças da natureza
e fatos jurídicos decorrentes da atividade humana

Após separar os fatos irrelevantes daqueles que têm reper-


cussão na órbita do direito, podemos detalhar ainda mais estes
112 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 113

últimos, dividindo-os em subespécies. Temos então os fato§ju- ()S arts. 927 e 948 do Código Civil). Fica evidente que os efeitos
~ic!içQsqlle.ocorrem por força da nature~a (grande tempéstade na não coincidem com a intenção do agente, mas continuam sendo
colheita do agricultor que enseja a reparação por seguro) _~_osque j li rídicos.

~c~rrem da at~vidade hum~J?-a,quer sejam lícitos quer não. Nas palavras de Álvaro Villaça Azevedo (2003, p. 346):
Aosfãtosjurídicos decorrentes das forças da natureza dá-se
--------.
- -' jurídicos em sentido estrito e "'-'--
o nome de fatos também.. --'.:.;,:--se divi-
dem em ordinários (nascimento, morte, maioridade) ê-extraordi-
-- "Desse modo, qualquer ato produtor de efeito jurídico inte-
ressa ao Direito: o ato jurídico lícito para ser acolhido e o ato jurí-
,nÉriQs (tempestade, furacão). _.~ -- dico ilícito para ser rejeitado. A palavra jurídico, portanto, não sig-
!li ficà que seja o ato lícito, senão que esse ato produz efeitos jurídi-
Segundo o explanado nos parágrafos acima, temos então um
cos. Assim, poder-se-ia, normalmente, dizer ato jurídico lícito e
novo desdobramento, desta vez limitado aos fatos jurídicos:
ato jurídico ilícito."
Na Parte Geral o legislador tratou desta espécie de ato em dois
ilrtigos, mais especificamente no Título III do livro ora em estu-
do. Nesta oportunidade apenas tratou de conceituá-Ios. Sua prin-
cipal conseqüência, porém, será analisada no Livro 11,Título IX
Decorrentes da Atividade
Decorrentes da Natureza na Parte Especial do Código, sob o título "Responsabilidade Ci-
Humana
vil" .

4 Atos lícitos

Dentro da classe dos atos lícitos, há uma última divisão es-


pecialmente utilizada pelo legislador de 2002, dividindo-os em
3 Ato ilícito é fato jurídico ne_~óciosjurí~ico~!..-a~ojurídico_eIE.:.~~B,!i<i~~str!toe.ª!º-fatQl~E-
d·lCO. . ~~- .... '
Os atos ilícitos são fatos jurídicos porque geram efeitos na
órbita do Direito. Porém, nesta espécie, o efeito encontrado pelo 4.1 Negócios jurídicos
ilícito difere da vontade do agente. Num contrato de compra e
venda (negócio jurídico perfeitamente lícito), a lei dá guarida à Na maioria dos casos, e atendendo à distância que o Estado
vontade humana externada, obrigando as partes a cumprir com deve manter da vida privada do indivíduo, a lei permite ao cida-
o avençado. Logo, os efeitos jurídicos coincidem com a vontade dão certa mobilidade de procedimentos e dá efeitos jurídicos a
das partes. A lei obriga o adquirente a pagar o preço e o alienante esta auto-regulamentação da vontade, possibilitando que os ci-
a entregar a coisa. dadãos exerçam uma espécie de codificação própria para reger sua
vida privada.
Em acidente de trânsito no qual o agente embriagado e em
alta velocidade atropela e mata um indivíduo (ato ilícito), há tam- Nestas hipóteses, a lei se limita a estabelecer normas gerais
bém efeitos jurídicos (pagamento de todas as despesas médicas, que vedem abusos e disparidades e permite que as outras regras
tratamento, internação, despesas com luto, funeral e alimentos sejam discricionariamente escolhidas pelo particular. O traço
- civis e naturais - às pessoas a quem o morto devia, conforme essencial desta espécie de fato jurídico denominado "negócio jurí-
114 Direito Civil Dos Fatos Juridicos 115

dica" é a autonomia privada em relação aos efeitos almejados.ili É com essa espécie de fato humano que o legislador mais se
uma vontade qualificada das partes, qu~_a:!mejama produção de cer- preocupa, concedendo-lhe mais de 80 artigos da Parte Geral. Aqui
~?s.._efeitos refere~~d~dos.pela l~tra da lei.
.- .- '">'---- -~
repousa a esmagadora maioria dos fatos que compõem o univer-
Q exemplo típico é o t~s"tamento. Sujeitando-se a algumas so jurídico. Sílvio Venosa (2003, p. 369) complementa:
limitações impostas pelo Código, é facultado ao maior de 16 anos "É contudo, no negócio jurídico, até que se estabeleça nova
destinar seu patrimônio para depois de sua morte. Dentro das conceituação, onde repousa a base da autonomia da vontade, o
fronteiras estabelecidas, o testador pode livremente destinar seus fundamento do direito privado. [...] o negócio jurídico continua
bens, estabelecer substituições fideicomissárias ou vulgares, pre- sendo um ponto fundamental de referência teórica e prática. É por
ver deserdações, criar fundações etc. Há um espaço regulador em meio do negócio jurídico que se dá vida às relações jurídicas tu-
que o agente pode se movimentar, criando o seu regramento per- teladas pelo direito."
sonalizado.
Fábio Maria De Mattia (apud AZEVEDO, 2003, p. 40)
elucida: 4.2 Atos jurídicos em sentido estrito
"O negócio jurídico é aquela manifestação da vontade que Por outro lado, alguns atos - apesar de praticados pelo ho-
objetiva o resultado prático, que objetiva exatamente atingir um mem - não possuem esse "querer especial", não possuem no seu
escopo prático ou, de acordo com a nomenclatura mais moder- bojo essa destinação específica e qualificada. Há uma i~ção,
na, é o negócio jurídico um ato através do qual se procura regu- um animus, um comportamento do agente, mas 'que se cÓnforma,
lar a autonomia privada. O negócio jurídico é o ato jurídico atra- se subsume at-õclos õs éfeWÓs~aeciaradospe[al~i. O ordenameriio
vés do qual o particular procura resolver os seus interesses. O concede:rprevisão genéiici do'ãio que:" W:i.í.ã~vez praticado pelo
negócio jurídico nada mais é senão aquele ato regulamentador dos agente - n:~ceberá_cJª!~Jodos Q~ efeitos e reRercussões possíveis.
interesses privados. O traço característico do negócio jurídico é A lei cria a-hipótese- e, casõ~ agente'se- manlté-ste-no sentido ~de
a existência de uma regulamentação da autonomia privada, da com ela anuir, receberá de brinde todos os efeitos (MAGISTRA-
autonomia particular." TURA/RJ - 2lº).
O e.xeglplo típico é o r~cg!!he,.ç!!;ne}}!o
vol~ntár.:i.9çl.ep~terni-
Sílvio Venosa (2003, p. 369) referenda: "Trata-se de uma de-
A.age (Lei nº 8.560/92). UnÍa'vez"praticado, produzirá todos os
claração de vontade que não apenas constitui um ato livre, mas
efeitos existentes entre pai e filho, como o direito a alimentos,
pela qual o declarante procura uma relação jurídica entre as vá-
alteração do registro da criança, direitos sucessórios, alteração do
rias possibilidades que oferece o universo jurídico." sobrenome etc.
O contrato de compra e venda é outro exemplo. Com peque-
A fixação do domicílio também é dotada de um querer, mas
nas limitações (por exemplo, art. 489: "Nulo é o contrato de com-
não no sentido de criar e fixar todas as diretrizes, regras e efei-
pra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a
tos decorrentes deste ato. Há uma intenção deliberada, mas seus
fixação do preço"), a lei permite uma boa dose de mobilidade das
efeitos são fixados pelo ordenamento.
partes para fixar entrega, posse, despesas com registro e tradição,
cláusulas especiais (retrovenda, venda a contento, preempção) etc. As Note que a vontade nesses casos é de menor refinamento,
partes têm o direito de prever os efeitos que surgirão do negócio pois não é dela que decorrerão efeitos e sim da própria lei. Álva-
e sobretudo a ver tais efeitos amparados pelo ordenamento e pelo ro Villaça Azevedo (2003, p. 40) resume:
Judiciário em caso de seu descumprimento.
116 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 117

"O que existe é uma 'determinação do ordenamento jurídi- na diversa, conforme a lei lhes atribua conseqüências, com base
co'. O ato jurídico em sentido estrito j_1Jmªsituª-çãq~çl~ fªto, que, no maior ou menor relevo, que confira à vontade de quem as pra-
enquadrando-se em uma disposição do ordenamento, gera efei- tica. Num contrato de compra e venda, vendedor e comprador,
tos jurídicos. No ato jurídico há efeitos jurídicos por força da lei. ao celebrá-Io, formam o seu conteúdo, determinando a coisa a ser
'É a lei quem diz: as pessoas que estão enquadradas em tal situa- vendida e o preço a ser pago, e estabelecendo, muitas vezes, clá-
ção sofrerão esta conseqüência jurídica.''' usulas que afastam princípios, dispositivos da lei, ou que encer-
ram condição ou termo. A vontade das partes tem papel prepon-
4.3 Ato-fato jurídico der~nte na produção dos efeitos jurídicos desse contrato, cujo
conteúdo foi fixado por ela. O mesmo não ocorre quando alguém,
Por sua vez, há cond~tas nas quais a vontade é si!?1Ple~IDente numa pescaria, fisga um peixe, dele se tornando pro-
prietário graças ao instituto da ocupação. O ato material dessa
~êimporta'aperiascom os"e'feitos daí decor-
ig!!Qr.:adae_~"DlrE~ito
captura não demanda a vontade qualificada que se exige para a
xgntes. O consagrado exemplo da criança que compra um refrige-
rante na padaria com o dinheiro do pai (a ilustração é de Moreira formação de um contrato. Um garoto de sete ou oito anos - até
Alves) ilustra bem o ato-fato jurídico. Ao inserir tal atitude no de menos - torna-se proprietário dos peixes que pesca. [...] A in-
campo dos negócios jurídicos, estaríamos fulminando-o de nuli- capacidade, no caso, não acarreta nulidade ou anulação, ao con-
dade absoluta (art. 166, I), o que não é socialmente tolerável. trário do que sucederia se essas mesmas pessoas celebrassem um
contrato de compra e venda. Por quê? Porque, na hipótese de
Para esses casos, o que importa é a conseqüência, os efeitos
daí decorrentes, e não a vontade ou intenção do agente em pro- ocupação, a vontade exigida pela }ei ~ão~é a vont_a.d~,qualificada,
necessária pã"raa-iéãlizãção do contrato; basta ã'~lmples inten-
duzi-Ios. Dessa forma, o indivíduo que conduz o automóvel de
ÇãOdetornar-se proprietário d~Cresl1Ullius, ~_~"l'o petxe, e essa
modo diligente e - desviando abruptamente sua trajetória para
iirtençãopOdêm'tê-=lã 'iodos 'os qüe possuem consciência dos atos
não atingir criança no meio da rua - destrói o muro de uma casa,
que praticam."
apesar de ter praticado ato lícito (e até heróico), deverá pagar
ressarcimento ao proprietário do muro, pois pouco importa a O organograma a seguir explica a divisão dos atos lícitos,
intenção, a vontade do agente, e sim a conseqüência que foi pre- segundo a valorização atribuída pela lei à vontade das partes
judicial ao dono do imóvel (MP/RS - XLII). (MAGISTRATURA FEDERAL/4ª REGIÃO - 2001).
Do mesmo modo, se o louco encontrar depósito antigo de
coisas preciosas, ainda que não seja em imóvel de sua proprieda-
de, terá direito à metade do seu valor, pois a sua vontade não é
levada em conta e sim a conseqüência do seu ato-fato. Novamen-
te, não seria razoável sustentar pela não-produção de efeitos deste
comportamento.
O autor da Parte Geral do Código Civil, Moreira Alves (in
Revista de Informação Legislativa, p. 8, out./dez. 1973) conclui:

"Os atos jurídicos em geral são ações humanas que criam,


modificam, transferem ou extinguem direitos. Mas as ações hu-
manas que produzem esses efeitos jurídicos demandam discipli-
118 Direito Civil Dos Fatos Juridicos 119

Atos Lícitos contemplação de casamento (art. 546) sujeita os efeitos deste


negócio à efetiva realização do matrimônio (condição), dispon-
do a parte final do artigo que "sóficará sem efeito se o casamento não
se realizar".
O plano da existência do negócio jurídico também não é de
Negócios Jurídicos Ato-fato jurídico
Ex.: contrato de Ex.: ato danoso
difícil visualização, embora sua pertinência não seja consenso
compra e venda de Atos jurídicos em
praticado em entre os doutrinadores. Se determinado sujeito possui um docu-
bem imóvel. sentido estrito
Ex.:
estado de mento nas mãos que alega ser um testamento público e não há
Vontade necessidade.
Reconhecimento sequer registro deste no respectivo tabelião de notas, estamos
qualificada Vontade
de paternidade, diante de um negócio que para o mundo jurídico é inexistente.
desprezada
fixação de Roberto Senis e (2004, p. 509) explica:
domicílio.
Vontade "Ato inexistente é o ato que, embora presente no mundo
desprestigiada fático, não possui qualquer interesse p'a~~LQ_c;lireito.
~.meroJato
ou aconteciinêrit<?qUé.Í1ão"proa~~,quatquer efeito jurídico, ante
a-ausência' de"elementos essenciais de sua existência perante o
ordenamento jurídico."
Capítulo lU
Teoria geral dos negócios jurídicos O casamento entre pessoas do mesmo sexo é outro exemplQ.
Aliás"J"oiessa'líipótese que fez surgir a';ecessidade Cié se imagi-
1 Existência, validade e eficácia do negócio jurídico nar o plano da existência do negócio jurídico. A teoria de Zacarias,
conforme lembra Silvio Rodrigues (2002, p. 291), surgiu exata-
o assunto que envolve os três planos do negócio jurídico é mente para contornar uma lacuna da lei francesa, que não previa
dos mais intrincados e apaixonantes do Direito Civil. Polêmicas a nulidade de casamentos desta natureza. Se a lei não previa,
sobre o assunto subsistem até hoje e não há consenso sobre nulidade não havia e a saída foi afirmar que o casamento não era
muitos dos seus aspectos. nulo, mas inexistente para o mundo jurídico.
A validade e a eficácia são planos mais evidentes do negócio, Enquanto a visualização desses três planos do negócio jurí-
porquanto a própria lei prevê expressamente os requisitos de dico não é difícil, o consenso sobre quais são os elementos de
validade do negócio (art. 104), fulminando-os de nulidade abso- existência e até mesmo a utilidade deste plano ainda é matéria
luta em caso de seu descumprimento. Há inclusive um capítulo de aceso debate. Silvio Rodrigues (2002, p. 291) sustenta que esse
inteiro dedicado ao estudo da "lnvalidade do Negócio Jurídico" plano é inexato, inútil e inconveniente, e que a teoria da nulidade
(art. 166 ss). absoluta dos negócios jurídicos substituiria com vantagem a no-
O Código também disciplina hipóteses clássicas de negó- ção da existência.
cios válidos, porém ineficazes, no capítulo que versa sobre a con- O fato é que conseqüências podem advir de um negócio que,
dição e o termo, institutos que afetam diretamente a regular pro- para o mundo jurídico, não existe, mas que para os olhos do in-
dução de efeitos de um negócio válido. O negócio jurídico do tes- divíduo é perfeitamente existente e válido. Um casamento cele-
tamento, por exemplo, apesar de plenamente válido, só surtirá brado por advogado pode fazer surgir um documento bem redi-
efeitos quando da morte (termo) do seu autor. A doação feita em gido, com assinaturas, carimbos, selos holográficos, que para os
120 Direito Civil Dos Fatos jurídicos 121

olhos de um leigo representaria um verdadeiro matrimônio. Tal 2.1 Vontade


constatação fática pode dar ensejo a um negócio jurídico de doa-
ção em contemplação de matrimônio feita por terceiro que está Segundo elemento essencial à concretização do negócio, <!.
de plena boa-fé. O Direito visa proteger o cidadão do bem, que v:ontade é o elemento subjetivo que - aliado ao objeto - dá vida
age com honestidade e ignora a inexistência jurídica daquele ao' ;;to. A vontade nada mâís é do que a intenção subjetiva do
matrimônio. Será então indispensável que o Direito socorra este agente em praticar determinado negócio, ao qual a lei empresta
cidadão, declarando que o negócio jurídico que ensejou aquela sua eficácia, desde que respeitados alguns princípios e limitações.
doação nunca existiu. A isso se dá o nome de autonomia da vontade. Em conformidade
com o princípio da legalidade, a lei respeita e dá força à manifes-
Os planos podem ser facilmente identificados quando nos
tação da vontade. Perceba 9J,te.9.yício na formação da vontade de
deparamos com exemplos de negócios que, embora válidos, são
determinado sujeito nos h~y~~ ã.ose-g~;;dõ- plano dó negócio, a
ineficazes (negócio jurídico de doação condicionado a determi-
validade. ~s..sJm, o negÓcio j~rídTco cuja vontade geradora foi vi-
nado evento futuro e incerto), ou que, embora inválidos, são efi-
ciada é ~m negóciq ~!,lll}ável.Entretanto, um negócio jurídico
cazes (casamento putativo), como julgou o Tribunal de justiça do
Paraná: celebrado com ausência dest'a intenção subjetiva (cidadão que é
fisicament~ forçado a apor sua impressão digital em determina-
"Ação de alimentos. Anulação de casamento - Bigamia - Boa- do documento) gera ainexi~tência do_negócio. É por isso que se
fé do cônjuge - Efeitos civis do casamento putativo. Art. 221 e diz que a vontade' é elemento de existência do negócio, enquan-
seu parágrafo do Código Civil. Ação procedente - Recurso impro- to a vontade livre, esclarecida e ponderada é requisito de valida-
vido. A putatividade, no casamento anulável ou mesmo nulo, de do mesmo.
consiste em assegurar ao cônjuge de boa-fé os efeitos do casamen- A vontade expressa demonstra-se pela manifestação escrita,
to válido, entre os quais encontra-se o direito a alimentos, sem falada ou mesmo gesticulada do agente. É aquela que não dá mar-
limitação no tempo" (TjPR - Ac. nº 9.858, 28-11-94, ReI. Des. gem a dúvidas, realizada de modo explícito. O agente pode assi-
Wilson Reback). nar um contrato, aceitando a condição de depositário, pode sim-
plesmente aceitar verbalmente a doação de bens móveis de pe-
2 Elementos essenciais para a existência do negócio queno valor (art. 541, parágrafo único), ou pode até mesmo fa-
zer o sinal com as mãos para aceitar a oferta de contrato de trans-
Sílvio Venosa (2003, p. 399) já alertava para o fato de que, porte que o letreiro do ônibus oferece (art. 429).
"no exame da estrutura do negóciojurídico, a doutrina longe está de atin- A vontade pode ainda se manifestar através do comportamen-
gir a unanimidade de critérios. Assim, cada autor apresenta estrutura pró- to do agente, de sua conduta e postura diante das relações jurí-
pria no exame do negócio jurídico". Entendo que o negócio jurídico dicas que lhe são apresentadas. O indivíduo que recebe proposta
para existir carece de três ~~~,rr.2..entos:
sujei~o, .QpJ~tQe yop.té:!..<ie. de cartão de crédito não se manifesta de modo expresso a esse
Não há negócio se não l1õuver ser humano que lhe dê vida atra- respeito, mas dirige-se ao primeiro terminal eletrônico para
vés de um ato de vontade que se refira ao menos a um objeto. desbloqueá-Io e em seguida utilizá-Io e age como quem preten-
AgfE1te"objeto e vontade,são.os eleme~tos que comp9w-ª-~.xistên- de aceitar referida proposta. O mesmo ocorre com aquele que se
(ia d922-egócio. Os dois primeiros já' foram abordados alhures e prontifica a participar de entrevista ao vivo. Seu comportamento
por conta disso passo a examinar o elemento vontade. demonstra que concorda plenamente com a veiculação de sua
imagem na televisão.
122 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 123

2.1.1 O silêncio como expressão de vontade declaração de uma das partes, que implique uma obrigação para
a outra a que se dirige, o silêncio desta última pode entender-se
Situação diferente ocorre quando o sujeito não se manifesta, como assentimento."
simplesmente silencia a respeito de determinada situação. O di-
tado popular que sustenta que "aquele que cala consente" não pode Nas relações de consumo, há um expediente ardiloso utili-
ser utilizado integralmente no mundo jurídico. Isso porque a lei zado com certa freqüência que é o envio de cartão de crédito sem
trata o silêncio com muito cuidado, ora considerando que ele sig- a solicitação do cliente, com a abusiva cláusula de que, "não recu-
nifica aceitação, ora recusa. sando o cartão de forma expressa, o destinatário será automaticamente
A doação, como contrato que é, deve obrigatoriamente conter incluído como novo cliente". Perceba que a cláusula contratual trata
dupla declaração de vontades (todo o contrato é - na sua formação o silêncio como aceitação. Tal disposição (que se enquadra no rol
- bilateral). Dessa forma, tanto o doador quanto o dona- das práticas abusivas no art. 39, I1I, do Código de Defesa do Con-
tário devem se manifestar para a concretização deste negócio jurí- sumidor) não possui valor legal, posto que os usos e circunstân-
dico que em seus efeitos é unilateral (gerando deveres apenas para cias neste caso não autorizam que se interprete o silêncio como
vontade tácita.
uma das partes). Ao tratar da aceitação da doação sem encargo, o
Código prevê que o silêncio do donatário configura sua aceitação. Julgando situação semelhante, a 9ª Câmara de Direito Priva-
A contrario sensu, na doação onerada por um encargo, o silêncio do do do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu de modo
donatário importará em sua recusa (art. 539). Da mesma forma, o técnico e ponderado:
herdeiro que reluta em aceitar a herança pode ser intimado a pro-
"CONTRATO - Prestação de serviços de saúde - Assistên-
nunciar-se pelo seu credor e, após o prazo estabelecido pelo juiz,
cia médico-hospitalar - Aumento da taxa de manutenção superi-
seu silêncio importará em aceitação (art. 1.807).
or a 1.000% de um mês para outro - lnadmissibilidade (...). O
Tratando a declaração de vontade de modo genérico, o Códi- silêncio como demonstração de aceitação - seja na elaboração de
go privilegiou os costumes e as circunstâncias do negócio jurídi- um negócio jurídico, seja na novação, transformação ou cessação
co realizado, a fim de disciplinar a eficácia do silêncio como ma- do negócio já existente -, é o silêncio intencional, refletido, ama-
nifestação de vontade. durecido e despido de qualquer vício de vontade, por mais tênue
Dessa forma, o art-"111 dis,Rõeque o silêncio signifiCélrá.,acei- que seja. É a concordância fruto de firme deliberação. É por as-
t~ção "quando as clrcu~stâ,ncia~__
ou os..~~S!{~o
_ci~t~~~qrem:-e-não fãr ;e- sim dizer, a resposta natural a uma indagação ou proposta for-
cessária a declaração de vOrJtadeexpre-ssã". Bõns-exemplos são obti- mulada sem dolo, reserva mental, malícia, fraude, coação, simu-
dõs no Direito Comercial. tj4irma~ém que durante anos solicita lação ou dissimulação etc. Quando a pergunta ou proposta vem
determinada quantidade mensal de produtos ao seu fornecedor informada de segundas intenções - ainda que não sejam neces-
anui com seu silêncio à entrega do mesmo ainda que sem o pe- sariamente dolos as, mas plasmadas em práticas negociais conde-
dido expresso. náveis -, o silêncio nem sempre pode ser admitido como demons-
Roberto de Ruggiero (1934, p. 251) explicava há mais de 70 tração de aprovação. Na espécie, usou-se da técnica do silêncio
anos: com propostas dirigidas a muitos associados com cabelos ralos e
encanecidos, visão enfraquecida ou turvada, ombros arqueados
"O silêncio vale especialmente como declaração quando, dada com o peso dos anos, pele enrugada e pigmentada, alguns em
determinada relação entre duas pessoas, a maneira corrente de inexorável decadência mental. Se essa técnica, per se já não é das
proceder implicasse o dever de falar; principalmente em frente da mais louváveis, o que se dirá quando dirigida, em assunto deste
124 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 125

jaez, a pessoas que já se encontram na fase crespuscular da vida?" Controvertida figura do mundo dos negócios, a hipótese em
(Apelação Cível nº 50.836-4 - São Paulo - 9ª Câmara de Direito tela se desenvolve nos seguintes termos: uma pessoa pretenden-
Privado - ReI. Franciulli Netto - 23.02.99 - v. u.). do, v. g., alienar seu imóvel outorga procuração a advogado de
confiança para que este se encarregue de tal tarefa.
2.1.2 Da representação No corpo do contrato de mandato, fica facultado ao advoga-
do alienar o imóvel para quem entender conveniente (respeita-
Ainda tratando da "vontade", prevê o legislador a hipótese de do obviamente o preço estipulado), inclusive para si próprio.
esta não ser declarada pessoalmente pelo agente, mas por tercei- Neste contexto, curiosa situação se configura no momento do
ro assim designado pela lei ou pela vontade das partes. É a hipó- registro no cartório. O advogado dirige-se ao tabelião solicitan-
tese da representação, inserida na Parte Geral do Código no Ca- do cumprir a formalidade do registro, apresentando-se como
pítulo II do Livro m. alienante (representando o proprietário) e como adquirente (aí
O artigo inaugural desse capítulo (art. 115) traz a consagra- em'nome próprio).
da distinção entre representação legal e convencional. Naquela fi- O Código permite tal situação desde que a lei ou o represen-
gura, a lei determina que a vontade de uma pessoa será exte- tado assim o consintam. Na ausência de tal consentimento, o
~ - ~ :=";- .•...•.••..•
-' ,.•~ , I' •••• _" __ •••••

riorizada por outra. É o caso do pai que representa seus filhos negóciõãfigura:'~e an!;1lável. E o que de resto dispõe .QJ!E!: -117:
menores (art. 1.690), do tutor que representa o menor sem um ''Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico
poder familiar que o proteja (art. 1.728), do curado r que repre- que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar
senta os maiores incapazes (art. 1.781), do síndico que representa consigo mesmo. "
o condomínio edilício (art. 1.348, 11),do administrador que re-
presenta a pessoa jurídica (art. 47). Na modalidade convencional, 2.1.4 Reserva mental
é o próprio agente quem atribui a outrem a tarefa de manifestar
sua vontade. Tal representação é consubstanciada no mais das Ainda disciplinando a vontade e suas formas de expressão, o
vezes pelo contrato de mandato (art. 653), cujo instrumento é a legislador de 2002 inovou, tratando da reserva mental. Fez isso
procuração. no art. 110, que assim dispõe: "A manifestação de vontade subsiste
Um exemplo da distinção de efeitos entre as duas espécies ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que
manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento. "
de representação está no art. 149 do Código Civil, que - em caso
de dolo do representante - prevê conseqüências mais sérias para Dá-se a ~eserva mental quando a parte emite declar,?ç}o p.!:~-
o representado na hipótese convencional do que na legal. positalmente divergente de sua real intenção com o intuito de
O capítulo ainda insere algumas regras importantes sobre a enganar o destinatári~. Nestas hipótesês, o negócio apenas não
subslstiráse o destinatário tinha conhecimento destà -divergên-
representação, tachando de anulável aquele que for concluído em
conflito de interesses com o representado, desde que o fato fos- oa entre o realmente dve-5.ej;:lsioe o que foi declarado. A expres-
se conhecido daquele com quem se contratou (art. 119). sãõ não subsistir significa ine;(istência para Nélson Nery e Rosa
Maria Nery (2003, p. 202). Não se pode negar, entretanto, que a
2.1.3 Autocontrato reserva mental conhecida pela outra parte é instituto muito pró-
ximo da simulação, sendo inclusive tratada como tal por diver-
O ponto mais importante do capítulo é sem dúvida aquele que sos diplomas estrangeiros. Acompanhando o pensamento de ÁI-
permite o autocontrato ou o contrato consigo mesmo.
!
126 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 127

varo Villaça Azevedo (2003, p. 64), entendo que a hipót~é de de validad,e o agente capa~, o objeto)íci~o, possível, determinado ou
l).ulidade. determinável e ~forma prescrita ou não defesa em lei. '
Nélson Nery e Rosa Maria Nery (2003, p. 202) exemplificam Os requisitos de validade do negócio jurídico são reflexos
hipóteses de ocorrência de negócio jurídico maculado pela reserva oriundos dos elementos de existência (vontade e objeto). Ao
mental: exigir que o agente tenha "capacidade", a lei apenas impõe que a
vontade (elemento de existência) seja expressa por quem é con-
"Estrangeiro, que, estando em situação irregular no País, siderado apto a tanto. Os aptos são todos os que estão fora dos
casa-se com uma mulher da terra a fim de não ser expulso pelo arts. 3º e 4º do Código. De modo similar, a forma (requisito de
serviço de imigração; pessoa declara verbalmente a outrem ven- validade) é o modo como a vontade será expressa, a maneira pela
der-lhe certa coisa móvel para o enganar, julgando erradamente qual o legislador exige que a vontade seja declarada em determi-
que a lei sujeita essa venda a escritura pública, pelo que será nulo nados negócios.
o contrato por vício de forma." Por fim, o objeto lícito, possível, determinável e determina-
do decorre necessariamente do elemento objetivo de existência
Atente, porém, ao fato de que o negócio celebrado com re-
serva mental será plenamente válido na hipótese de o destinatá- do negócio, à qual nos referimos anteriormente.
rio ignorar a divergência entre o declarado e o pretendido.
3.1 Capacidade
3 Requisitos de validade do negócio jurídico Vimos que a capacidade de fato ou de exercício é a aptidão
que alguns possuem de praticar pessoalmente os atos da vida civil,
Ultrapassada a fase da existência, a lei impõe uma nova pro-
de exercer seus direitos e cumprir suas obrigações. A capacidade
va por onde só passarão os negócios jurídicos que obedecerem a
de direito não sofre - nem poderia sofrer -limitação, salvo nos
alguns requisitos. Os "aprovados" ganham da lei o título de vali-
raríssimos e limitados casos de indignidade e deserdação.
dade, estando potencialmente aptos a gerar seus regulares efei-
tos. Digo "potencialmente", pois, ainda que válidos, os negócios O legislador determina que o agente emissor da vontade te-
podem não produzir efeitos por imposição legal ou mesmo por nha aptidão e solércia para assim proceder. Tais atributos são
determinação das partes. O testamento que obedece aos requisi- entregues ao agente quando sai das fronteiras dos arts. 3º e 4º.
tos legais existe e é válido, mas só surtirá efeitos com a morte do Enquanto ali permanecer, o negócio por ele praticado sem a de-
testador, o mesmo ocorrendo com a doação condicionada a evento vida representação ou assistência será nulo ou anulável, confor-
futuro e incerto que só ganhará eficácia com o implemento da me sua incapacidade seja absoluta ou relativa (an. 166, I) (MA-
mesma. GISTRATURA/SP - 170Q). A preocupação com o incapaz é tanta
que a lei proíbe os próprios pais de venderem bens imóveis dos
Os requisitos de validade do negócio jurídico são um com- seus filhos sem autorização judicial (art. 1.691), procedendo com
plemento dos elementos de existência. Se há necessidade de pes- maior cautela quando se tratar de tutor que represente o menor
soa, objeto e vontade, é também verdade que para a validade do (art. 1.750).
negócio o agente deve ser capaz, o objeto, lícito, possível, deter-
minado e determinável e a vontade deve ser livre, esclarecida e Quanto à diferença entre capacidade e legitimação, remete-
mos o leitor ao estudo referente às pessoas e sua capacidade, onde
ponderada, além de se manifestar pela forma que a lei impõe em o assunto é abordado em minúcias.
alguns casos. Q.§:rl:.121 -- segue
-. ~ esta
.. - . ~--- --:-
~--.~ trilha e traz- como requisitos
.. ---
128 Direito Civil Dos Fatos]urÍdicos 129

3.2 Objeto lícito, possível, determinado ou determinável Alguns atos, porém, são de tamanha importância e repercus-
são social que o legislador não poderia deixá-Ios à mercê da in-
Seria um contra-senso o ordenamento emprestar valor e efi- segurança e fragilidade que a informalidade carrega. A forma tam-
cácia àquilo que não possui liceidade. Pelo ~eg?cio, as. part:s bém chama a atenção das partes para a relevância do ato que es-
convencionam a aquisição, resguardo, transferencIa, modlficaçao tão praticando (RODRIGUES, 2002, p. 176). Exige para tais atos
e extinção de direitos disponíveis sob o manto da lei, ~ue.lhes um caminho a ser trilhado para sua perfeita conclusão. São os
atribui a garantia de eficácia. O ordenamento aI?para t,als.dlSPO~ chamados atos solenes e têm em comum o fato de ocuparem posi-
sições volitivas até o momento em que a fronteira da hceldade ,e çãq de destaque na vida do agente. A transferência, a modifica-
ultrapassada. Um exemplo de objeto ilícito encontra-se no pr~- ção ou a renúncia de qualquer direito real sobre imóvel, por exem-
prio corpo do Código, no art. 426, onde expressam~nte se prOl- plo, não se perfazem sem a escritura pública (nas hipóteses em
be a chamada pacta corvina. Diz a lei: "Não pode ser objeto de contra- que o imóvel valha mais do que 30 vezes o maior salário mínimo
to a herança de pessoa viva." vigente no país), conforme o art. 108.
O Código de 2002 introduziu ainda os adjetivos possível, de- Outro exemplo de negócio jurídico com forma prescrita em
terminado ou determinável corno requisitos para a validade do ob- lei é o testamento, cuja eficácia está condicionada à morte do
jeto. testador. Na modalidade de testamento cerrado, o Código deter-
Não se negocia o impossível. Se A contrata com empresa de mina até mesmo a costura do instrumento (art. 1.869) corno urna
engenharia a construção e entrega em cinco dias d~ ~m prédi? ~e de suas etapas de confecção.
20 andares que ainda está na planta, não consegmra do ]udlCla- O mais solene dos atos, porém, ainda é o casamento, preven-
rio a condenação pelo descumprimento do avençado. do a lei todo um processo de habilitação e quase um ritual em sua
Também não se encaixa com a sistemática do direito a celebração, chegando a apontar as palavras que devem ser ditas
indefinição absoluta do objeto negociado. É da essência do negó- pelo presidente do ato após a concordância dos nubentes: "De
cio que as partes saibam sobre o que estão avençando. Se impos- acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos
sível urna determinação exata sobre o objeto (corno, por exem- receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados"
(art. 1.535).
plo, em um contrato que versa sobre futu!"a .sa,fra), que a?
menos seja determinável. O art. 243 refere-se a hlpotese de obn- Nada impede que as partes estabeleçam entre si urna forma
gação de dar coisa incerta, mas estipula que ao menos o gênero e obrigatória, ainda que a lei não exija. É o que dispõe o art. 109:
a quantidade serão indicados. "No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instru-
mento público, este é da substância do ato."
3.3 Forma prescrita ou não defesa em lei Parte da doutrina divide os atos solenes em ad solemnitatem e
ad probationem tantum, salientando que, enquanto naqueles a for-
Em regra, ~s negócios são de forma livre, sem maiores ~xigê.n- ma é da substância do ato, nestes ela serve apenas de prova de
cias legais, o que é inclusive razoável quand? se busc~ m~lOr CIr- sua realização. Na esteira de Silvio Rodrigues (2002, p. 177) e
culação de capital e serviços na sociedade. E o que dlspoe o art. Sílvio Venosa (2003, p. 410), entendo não oferecer maior relevo
107: "A validade da declaração de vontade não dependerá de forma es- tal distinção, pois, ao exigir a lei forma especial, nada mais resta
pecial, senão quando a lei expressamente a exigir." ~ão se pod~ e:n- ao indivíduo a não ser cumpri-Ia; caso contrário, o negócio será
baraçar a vida cotidiana da civilização com um Clpoal de eXlgen- nulo. De qualquer forma, fica o registro da distinção.
cias e trâmites legais.
130 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 131

3.3.1 Reflexos processuais da forma ~ue r:vel~m a resolu~ão tomada, e, se foram mal empregadas, por
JgnoranCla ou descUldo, não manifestam a vontade como esta
Desaguadouro das questões cíveis, é no âmbito do processo existiu no momento de ser celebrado o ato."
que eventuais litígios desembocam. Logo, é interessante analisar
alguns reflexos da ausência da "forma" exigida pela lei. O Código preocupa-se demasiadamente com a interpretação
O art. 320 do CPC, por exemplo, trata dos efeitos da revelia dos negócios jurídicos. Na Parte Geral, ordena interpretar estri-
tamente os negócios benéficos e a renúncia (art. 114). Tal orien-
e excepciona a regra do art. 319, afastando a presunção de vera-
cidade dos fatos alegados, quando "a inicial não estiver acompanha- tação é seguida pelo Código em diversas oportunidades (fiança:
art: 819; testamento: art. 1.899; transação: art. 1.027). A Parte
da do instrumento público, que a lei considere indispensável à prova do
Especial do Código ainda impõe a interpretação estrita dos con-
ato". Nélson Nery (2003, p. 601) exemplifica:
tratos de adesão quando houver cláusulas ambíguas (art. 423).
"Não se pode, por exemplo, ter como verdadeiro o fato de Legislações especiais também utilizam regras interpretativas.
que o autor, em ação reivindicatória, é proprietário de imóvel, A Lei nº 9.610/98, em seu art. 4º, dispõe: "Interpretam-se restri-
se deixou de juntar a escritura pública devidamente registrada, tivamente os negóciosjurídicos sobre os direitos autorais"; o Código de
que é da substância do ato e documento indispensável à pro- Defesa do Consumidor determina que a interpretação se faça
positura da ação." sempre de modo mais favorável ao consumidor (art. 47).
O diploma processual é ainda mais elucidativo quando versa O art. 113 impõe ainda que se proceda à interpretação dos
sobre a prova documental, proclamando no art. 366 do CPC: negócios jurídicos com a utilização do princípio da boa-fé como
"Quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento vetor interpretativo. O intérprete deve entender o contrato da ma-
público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode neira como se ele tivesse sido redigido por partes dotadas de plena
boa-fé.
suprir-lhe a falta."

4 Interpretação do negócio jurídico 5 Classificação dos negócios jurídicos

Preocupado em extrair do contexto do negócio a real inten- Como em toda classificação, diversos critérios são adotados
ção das partes, o legislador inseriu três artigos visando à interpre- e de cada um deles extraem-se grupos que apresentam determi-
tação dos negóciosjurídicos. É a lei inserindo-se no contexto do par- nadas afinidades. Classificar alunos de uma classe pela sua altu-
ticular para extrair a substância do que se pactuou e alcançar a ra, por exemplo, resultaria em grupos (baixos, médios, altos).
prevalência da justiça e da boa-fé: Classificá-Ios pelo rendimento escolar, idem (notas ruins, boas
O primeiro destes artigos é o art. 112, em orientação muito e ótimas). Perceba que um mesmo aluno estaria em diversos gru-
pos, conforme o critério utilizado.
semelhante à prevista no art. 85 do Código de 1916. A lei prefe-
re a intenção dos contratantes ao sentido literal utilizado na Ao classificar os negócios jurídicos, procede-se à operação
manifestação do negócio. semelhante. Critérios são criados e deles resulta a divisão em
grupos. Quatro são os critérios mais importantes.
Beviláqua (1980, p. 215) justificava a orientação do Código:
A primeira classificação leva em cQnta o número de manifes-
"Nas declarações de vontade, atende-se mais à intenção do ta5~es de vontade ~ecessária.s_par~ .;~a~forIE-açãô:Aguéle~que
que às palavras, porque as palavras são simplesmente os sinais ~epen~em necessanament~,da manifestàçãõ de mais de uma parte
132 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 133

são chamados de bilaterais. O contrato é necessariamente• um


Gratuitos
Testamento
Solenes
Bilaterais
Contrato
Casamento
Não
Onerosos
Patrimonial
Reconhecimento
Unilaterais
Causa
Inter solenes
vivos
Aquisição
Doação
Contrato mortis
Extrapatrimonial
de • •
dedeeserviços
de empreitada
Critério venda
prestação
compra
móvel
Classificação
Exemplo
vontade
prescrita necessárias
vantagem
produção em
Natureza por
de lei
do
efeitos
direito
• filho
negócio bilateral. 'Não há cóntrato formado
Momento
Sujeição
Manifestações de
àde
Reciprocidade uma
forma da só declara-
ção de vontade. A doação, por exemplo, depende de aceitação do
donatário.
Injustificada confusão se estabelece nesta idéia, pois há con-
tratos que geram obrigações para apenas uma das partes, como
é o caso das doações puras. Na classificação dos efeitos dos con-
tratos (que sempre são negócios jurídicos bilaterais, entenda-se:
formados pelo acordo de duas ou mais vontades), eles são cha-
mados de contratos unilaterais. Note, porém, que houve mani-
festação de ambas as partes (bilateral em sua formação) e obri-
gações apenas para uma delas (unilateral em seus efeitos).
Os negócios unilaterais, por sua vez, são os que prescindem
desta dupla manifestação, aperfeiçoando-se com apenas uma
emissão de vontade, como é o caso do testamento.
Quanto à forma exigida, os atos se dividem em solenes ou
formãis (exigem forma prescrita'em 'lei) e ~ão solenes ou infor-
mais(ilão exigem tal forma).
Com relação à reciprocidade (e não há confundir-se com a Capítulo IV
primeira classificação), os atos-podem ser onerosos e gratuitos, Elementos acidentais dos negócios jurídicos: condição,
dependendo - no primeiro caso - de retribuição da vantagem termo e encargo
percebida. Perceba que o negócio bilateral (aquele que depende
de manifestação de pelo menos duas pessoas) geralmente é one- Ultrapassadas as etapas de verificação de existência e valida-
roso (ex.: contrato de compra e venda), mas pode bem ser bila- de do negócio, há ainda uma derradeira fase a ser superada. Tra-
teral e gratuito (ex.: doação pura). ta-se do plano da eficácia do negócio jurídico. Como frisamos
alhures, o negócio que existe no mundo jurídico, ainda que obe-
Quanto à natureza do direito veiculado, os negócios podem
deça aos requisitos de validade, pode não surtir seus regulares
ser patrimoniais e extrapatrimoniais (também chamados de pes-
soais), como, por exemplo, a emancipação. ~feitos seja por vontade das partes, seja por imperativo da lei que
msere alguns elementos subordinadores da eficácia do negócio.
Por fim,_quanto aQ momento de produção de efeitos, a doutrina Consoante a lição de Nélson Nery e Rosa Maria Nery (2003, p.
divide os negócios emcáÍtsa mortis e inter vivos, subordinando aque- 796), quando é a lei que impõe tal subordinação, fala-se em con-
les à morte do agente. dição legal (conditio iuris), como o exemplo da renúncia à heran-
ça que tem como condição resolutiva o fato de algum credor do
herdeiro-renunciante impugnar tal ato abdicativo (art. 1.813).
Tais elementos não são essenciais como aqueles estudados
no art. 104 (objeto lícito, agente capaz e forma prescrita em lei),
mas, uma vez apostos ao negócio, a ele aderem de modo indelé-
134 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 135

vel e subordinam sua eficácia ou ineficácia. São por isso chama- tos passados, posto já terem se tornado direito adquirido ou ne-
dos de elementos acidentais. gócio ineficaz, conforme a natureza da condição.
De fato, nada impede que as partes insiram no negócio jurí- Do mesmo modo, se houver certeza quanto à ocorrência do
dico elementos que suspendam temporariamente seus efeitos, fato, estaremos diante de outro elemento acidental, o termo, onde
barreira esta que será automaticamente transposta com a ocor- já há direito adquirido do agente.
rência de determinado evento futuro. Se não pairar dúvida sobre O art. 121 define o instituto de modo defeituoso pois se li-
o implemento deste evento, diz-se que o evento é certo e, por- mita ao perímetro da condição suspensiva convencional. Melhor
tanto, estamos diante de um termo inicial (Dar-te-ei meu carro no a conceituação de Planiol e Ripert, citados por Silvio Rodrigues
próximo Natal). (2002, p. 241): "um acontecimento futuro e de realização incerta que
Entretanto, se o evento futuro for incerto, ou seja, se pairar suspende, seja o nascimento, seja a resolução de um direito e que produz
qualquer dúvida sobre a sua futura ocorrência, estamos diante de seu efeito retroativamente".
uma condição que suspende o negócio; daí levar o nome de con- As condições recebem ampla classificação da lei, sendo algu-
dição suspensiva. mas inclusive proibidas pelo ordenamento. Nas próximas seções
Nada impede também que as partes insiram um elemento que analisaremos suas principais espécies, bem como a implicação
age no sentido diametralmente oposto. Nesta hipótese, o negó- prática de sua ocorrência.
cio já nasce surtindo seus regulares efeitos, mas o elemento fu-
turo é uma ameaça constante, uma verdadeira espada de 1.1 Condições proibidas
Dâmocles que pende sobre o negócio e que terá o condão de
resolvê-Io assim que acontecer. Se tal evento futuro for certo, se Algumas condições não podem ser apostas ao negócio jurí-
não pairar dúvida sobre a ocorrência deste evento futuro, estare- dico, sendo consideradas pelo ordenamento como ilícitas. Assim
mos diante do termo final (emprestarei meu apartamento até o pró- são consideradas aquelas que contrariarem a lei, a ordem públi-
ximo mês dejaneiro). Se tal evento for incerto, estaremos diante de ca e os bons costumes. O art. 122 ainda enumera duas peculia-
uma condição resolutiva. José Fernando Simão e Luciano Dequech res espécies de condições proibidas, analisadas separadamente.
(2003, p. 52) exemplificam: "compro tua fazenda sob condição de o
contrato se resolver se gear nos próximos 12 meses". 1.1.1 Condições que privem de todo efeito o negócio jurídico
Tais figuras, que subordinam ora a produção, ora a cessação
As condições que retiram do negócio seus regulares efeitos
dos efeitos de um negócio jurídico a um evento futuro, serão
doravante analisadas. são proibidas pela lei. Maria Helena Diniz (2002, p. 437) as cha-
ma de perplexas e dá como exemplo o negócio jurídico de compra
e venda de bem imóvel, com a condição de que o adquirente não
1 Condição o ocupe. Perceba que tal condição afronta diretamente a nature-
Pode interessar às partes estipular que a eficácia (ou ineficá- za do contrato de compra e venda, que tem como objetivo prin-
cipal entregar o bem ao adquirente e a contraprestação ao
cia) do negócio fique sujeita à ocorrência de um evento futuro e alienante.
incerto. Nestes casos, a ocorrência de referido evento terá o con-
dão de ora abrir as comportas dos efeitos ora fechá-Ias.
Há que se ter em mente os dois elementos nodais da condi-
ção: futuro e incerto. Não há se falar em condição quanto a even-
136 Direito Civil
Dos Fatos Jurídicos 137

1.1.2 Condições puramente potestativas pIo, um casamento que possa se desfazer automaticamente caso
a sogra venha residir na casa dos cônjuges (OAB/SP - 104º).
A lei define tais condições como aquelas "que sujeitarem o negó-
cio ao puro arbítrio de uma das partes". Note que "puro arbítrio" é dife-
1.2 Condição suspensiva
rente de "mero arbítrio". O que o legislador veda é deixar ao exclu-
sivo arbítrio de um dos sujeitos a ocorrência ou não da condição. Nesta hipótese, o evento futuro e incerto suspende os efei-
Nos casos em que o implemento da condição estiver a cargo tos do negócio jurídico. Enquanto não se verificar tal condição,
de uma das partes e também sujeito a fatores externos, ela é vá- hav~rá mera expectativa de direito das partes. Tal expectativa só
lida. Quem traz o exemplo de cláusula condicional meramente se converterá em efeitos concretos do negócio se o evento futu-
potestativa é João Baptista de Mello e Souza Neto (2000, p. 90): ro e incerto ocorrer. O exemplo típico é o da doação condicional,
em que o pai firma negócio jurídico de doação com o filho, com
"Dar-te-ei vultosa soma em dinheiro se passares no vestibu-
a condição de que ele seja aprovado no vestibular de determina-
lar: A parte pode impedir a ocorrência do evento, não indo fazer da instituição de ensino.
a prova, mas se pretender adimplir a condição não bastará a sua
vontade: terá de superar os concorrentes. A cláusula será válida."
1.2.1 Condição suspensiva e direito adquirido
Vale também a cláusula que subordina a compra de determi-
nada obra na hipótese de ela ser premiada em concorrido concurso Já tivemos oportunidade de tratar do árduo tema do direito
internacional. Nesta hipótese, o implemento da condição se ve- adquirido. Naquela oportunidades mencionamos a lição de Carlos
rificará dependendo não só do esforço e zelo do autor, mas tam- Maximiliano que - dentre outros elementos - incluía a necessi-
bém da qualidade dos concorrentes e das circunstâncias do cer- ?ade de preenchimento integral dos "requisitos legais e de fato para
tame (MAGISTRATURA/RS - 2000). zntegrar no patrimônio do respectivo titular". Não é, obviamente, a
hipótese da "condição suspensiva".
O intuito da lei é impedir que o negócio fique ao puro capri-
cho de uma das partes que pode ou não por si só implementar a Nesta, o agente tem mera expectativa de direito, não vê con-
condição no caso concreto. cluídos os requisitos para considerar seu o patrimônio subordi-
nado à condição. Afinal, não podemos esquecer do binômio: 'ju-
1.1.3 Cláusulas condicionais em negócios extrapatrimoniais turo-incerto" que define o elemento acidental do negócio ora em
estudo. Sendo incerto, obviamente não é adquirido o direito. É o
Como já explicamos alhures, há negócios jurídicos que não que de resto determina o art. 125: "Subordinando-se a eficácia do
se referem a disposições patrimoniais. São negócios que dispõem negóciojurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não
sobre direitos imensuráveis economicamente. A emancipação se terá adquirido o direito, a que ele visa."
voluntária feita por escritura pública, a adoção, alguns direitos da
personalidade, como a honra, a integridade física e psíquica, a 1.3 Condição resolutiva
moral, os direitos pessoais que envolvem o campo de família são
exemplos de negócios que não têm por objeto disposição econô- Os negócios jurídicos subordinados a uma condição reso-
mica, patrimonial. Sobre tais negócios jurídicos não se admite a lutiva produzem regularmente seus efeitos práticos e ordinários.
imposição de cláusulas condicionais. Não se imagina, por exem- Estão, porém, constantemente ameaçados pela eventual ocorrên-
cia de um evento futuro e incerto que - uma vez implementado
- terá o condão de resolver, extinguir aquela relação jurídica. Em
138 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 139

negócio jurídico de comodato (empréstimo) de determinado apar- fato de que a cláusula genérica de resolução do art. 476 a substi-
tamento, pode-se estabelecer sua resolução tão logo o como- tui com vantagens e é por isso chamada de pacto comissório implí-
datário abandone ou conclua os seus estudos universitários. Note cito (OAB/SP - 106º).
que o contrato de comodato (plenamente válido e eficaz) tem No direito das coisas, há também um pacto comissório que é
sobre si uma ameaça constante, afinal, será rescindido tão logo o nulo de pleno direito e tem a intenção de conceder ao credor com
estudante cole seu grau. O contrato será "resolvido" assim que garantia real o ingresso na posse do bem caso a dívida não lhe seja
o evento da formatura ocorra. paga. Assim, por exemplo, ao credor hipotecário, não sendo
É correto, portanto, afirmar que a condição resolutiva é o aditnplida a dívida, assistiria o direito de ingressar incontinenti na
evento futuro e incerto que subordina a ineficácia do negócio posse do bem empenhado. Enquanto o pacto comissório implícito é
jurídico, pois com seu implemento o negócio se tornará ineficaz, regra geral em nosso ordenamento (art. 476), o pacto comissório
estéril (OAB/SP - 101º; OAB/SP - 106º; DELEGADO/BA- do direito das coisas é nulo (art. 1.428).
2001).
1.4 Impossibilidade da condição
1.3.1 Condição resolutiva tácita
o legislador ainda prevê condições ditas impossíveis. Nelas, a
Em todos os contratos bilaterais (obrigações recíprocas), há incerteza de sua ocorrência é absoluta, seja física, seja juridica-
uma condição resolutiva imposta não pelas partes, mas pela lei. mente. Diferentemente do Código Civil de 1916 (em que havia
Ainda que não haja previsão contratual, todo contrato desta es- distinção de conseqüências entre a impossibilidade física e a ju-
pécie está constantemente ameaçado de se resolver,Por uma das rídica), o legislador de 2002 distinguiu apenas a conseqüência da
partes, caso a outra não satisfaça a sua obrigação. E o princípio condição impossível, conforme ela seja suspensiva ou resolutiva.
da "exceção do contrato não cumprido". O art. 476 do Código
prevê esta cláusula: "Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratan- 1.4.1 Impossibilidade da condição suspensiva
tes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do
outro." Explicando a hipótese, Washington de Barros Monteiro Quando a condição impossível (quer jurídica, quer fisicamente)
(2001, p. 111) leciona: for suspensiva, o negócio inteiro está invalidado. É o que dispõe
o art. 123: "Invalidam os negócios jurídicos que lhe são subordinados:
"Em todos os contratos sinalagmáticos existe sempre a cláu- [...] I - as condições física ou juridicamente impossíveis, quando
sula resolutiva, expressa ou tácita, por força da qual acordam os suspensivas. "
contratantes que o ato se desfaça, caso deixe um deles de cum-
A posição do legislador é compreensível. Ao inserir um even-
prir suas obrigações. Ao inadimplente cabe então reparar o dano,
to física ou juridicamente impossível como condição para que
em conformidade com o art. 1.056 do Código Civil."
determinado evento tenha eficácia (condição suspensiva), as par-
Disciplinando o contrato de compra e venda, o Código de tes aguardam a ocorrência do impossível e o negócio nunca virá
1916 previa hipótese semelhante no art. 1.163, dispondo que a se concretizar. Qualquer expectativa em ver o negócio surtir
efeitos é nula.
"ajustado que se desfaça a venda, não se pagando o preço até certo dia,
poderá o vendedor, não pago, desfazer o contrato, ou pedir o preço". Tal
cláusula específica do contrato de compra e venda era denomi-
nada pacto comissório e não foi repetida no Código de 2002 pelo
Dos Fatos Jurídicos 141
140 Direito Civil

(art. 130). No exemplo acima, possível imaginar Tício - respeitada


1.4.2 Impossibilidade da condição resolutiva a posse do proprietário - praticar os atos ordinários de conserva-
Tratamento bem diferente concede o legislador às condições ção do automóvel, impedir seu esbulho por terceiros ete.
resolutivas. Neste caso, se houver impossibilidade na condição,
esta será considerada inexistente e o negócio perdura normalmen- 1.6 Condição maliciosamente implementada ou obstada
te. Perceba que o negócio já surte seus regulares efeitos e só se Nos pólos de uma relação condicional, há um agente a quem
tornaria estéril se ocorresse o impossível. As partes então cum-
favorece e outro a quem desfavorece a ocorrência do evento fu-
prirão com o avençado, pois a condição nunca ocorrerá. Neste turo e incerto. Num contrato de doação condicionado à aprova-
caso, é a condição que deve ser descartada e o negócio estará ção de Mévio em prova pública, por exemplo, certo é que o su-
mantido para todos os efeitos. cesso na avaliação diminuirá o patrimônio do doador e favorece-
rá Mévio.
A lei então (art. 129) antevê a má-fé daquele a quem o imple-
mento da condição desfavorece, prevendo que este possa mali-
ciosamente obstar o implemento da condição. A solução é tão radical
quanto justa. No exemplo acima, se o donatário burlar os resul-
ta~os da prova, ocasionando a reprovação de Mévio (a condição
fatlcamente não se realizou), a lei considera implementada a con-
di~ã? (condição legalmente realizada) e, conseqüentemente,
eXlglvel a doação.
Inexistente a condição (art. 124) Inválido o negócio (art. 123, I)
A regra se mantém quando a hipótese é inversa. Desta for-
ma, se Mévio burlar os resultados do exame para configurar sua
aprovação (condição faticamente implementada), a lei conside-
rará a condição como não ocorrida (condição legalmente não
1.5 Novas disposições quanto à coisa sob condição implementada) .
Qualquer que seja a interferência maliciosa na ocorrência do
Se, por um lado, o legislador não concede a aquisição do di- evento, a lei - punindo o ardiloso - considera que o contrário se
reito àquele que aguarda a ocorrência do evento futuro e incerto, verificou. Na boa redação do art. 129:
por outro não o deixa desamparado e já prevê a possibilidade de
aquele que disponha da coisa sob condição suspensiva fazer no- "Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condi-
vas disposições a seu respeito. A lei, nesta hipótese, retira-Ihes ção cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a
o valor caso a condição venha a ocorrer. quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verifica-
Assim, v. g., no caso de o proprietário de um automóvel com- da a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem
prometer-se a doá-Io a Tício, desde que verificada determinada aproveita o seu implemento" (OAB/SP - 109Q).
condição, não poderá fazer quanto ao veículo novas disposições
conflitantes, sob pena de nulidade.
Ainda protegendo o detentor do direito eventual, a lei lhe con-
cede a faculdade de praticar os atos destinados a sua conservação
142 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 143

2 Termo 2.3 Termo determinado e indeterminado

Se, por um lado, podem as partes subordinar a eficácia (ou Apesar de o elemento acidental termo possuir como caracterís-
ineficácia) do negócio a evento futuro e incerto, com maior ra- tica principal a certeza, nem sempre será exato o momento que
zão poderão fazê-Io em relação ao evento futuro e certo. Com esse ocorrerá. Assim, v. g., a "morte" é fenômeno líquido e certo, em
raciocínio, iniciamos o estudo do segundo elemento acidental do que há dúvida apenas quanto ao momento de sua ocorrência. Por
negócio jurídico, o termo. sua vez, o "próximo natal" é termo preciso em que não há dúvida
Como já definido, termo é o evento futuro e certo que subor- do lapso de tempo que medeia entre o negócio e o implemento do
dina a eficácia ou ineficácia do negócio. O termo inicial suspen- termo. Utilizando este critério, mais adequado é classificar o ter-
de o exercício do direito até que se concretize e o termo final re- mo em determinado ou indeterminado, ao invés de certo ou incerto.
solve o negócio que até então se encontrava em plena validade e Assim, o termo determinado é aquele em que - além da cer-
eficácia. teza da ocorrência - há ainda a exata noção do momento em que
acontecerá; enquanto o termo indeterminado apenas assegura a
2.1 Termo inicial e condição suspensiva; termo final e ocorrência, sem se preocupar com sua ocasião.
condição resolutiva. Paralelismo
3 Encargo
Os institutos do termo inicial e do termo final aproximam-
se muito da condição suspensiva e resolutiva, respectivamente. Último elemento acidental do negócio jurídico, o encargo se
Estabelecer data de início de eficácia de um negócio jurídico as- aproxima muito da condição. Tanto é verdade que o legislador,
semelha-se muito a estabelecer condição suspensiva para iniciar já antevendo a confusão entre os institutos, dispôs no art. 136:
a produção de efeitos. Quando se insere uma condição resolutiva "O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo
ou um termo final, o negócio produzirá efeitos até que o evento quando expressamente imposto no negóciojurídico, pelo disponente, como
venha a ocorrer. A similitude é tamanha que o próprio legislador condição suspensiva."
salientou no art. 135: "Ao termo inicial efinal aplicam-se, no que cou- O encargo tem como função principal restringir uma libera-
ber, as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva." É fácil lidade. Assim, por exemplo, alguém doa determinado terreno com
concluir, por exemplo, que os atos de conservação da coisa sob o encargo de ser levantada uma capela. Neste exemplo, o direito
condição podem ser praticados na coisa sob termo. de propriedade sobre o terreno é adquirido desde logo e os efei-
tos do negócio jurídico fluem naturalmente. Se porventura o
2.2 Termo e direito adquirido donatário não construir a referida capela, ao doador só restará o
caminho da revogação da doação, nos termos do art. 555. Neste
Há uma diferença nodal entre a condição e o termo que deve caso, só a decisão judicial transitada em julgado é que devolverá
ficar cristalina. Enquanto na condição suspensiva há mera expec- o bem ao doador.
tativa de direito (art. 125), no termo inicial já há direito adquiri-
Entretanto, se o exemplo acima fosse subordinado a uma
do (art. 131), e isso tem repercussões seriíssimas; afinal, ainda
condição resolutiva, os termos do negócio seriam estes: "Dôo meu
que nova lei venha a proibir a relação jurídica anteriormente
terreno. Se não construíres uma capela no período de dois anos, o terreno
estabelecida e que aguarda seu termo inicial, esta produzirá seus
retoma à minha titularidade." Aqui a semelhança com o encargo é
regulares efeitos quando da chegada do termo, até em obediên-
cia aos arts. 5º, XXXVI, da CF e 6º da LICC. imensa, mas os institutos não se confundem. Perceba que o ne-
144 Direito Civil
Dos Fatos Jurídicos 145

gócio também produz efeitos desde o início e, se porventura o sinar O contrato, tal elemento volitivo sofreu uma grave distorção
donatário não construir a referida capela, automaticamente o ter- em seu momento criador. A vontade do agente não é livre e isso
reno voltará às mãos do doador. O advento do período final de tem o condão de fulminar a validade do negócio jurídico, decla-
dois anos sem a devida construção gera, por si só, o retorno do rando-o nulo.
bem às mãos do doador.
De modo similar, quando o sujeito adquire quadro falsifica-
Por último, se o exemplo citado fosse de condição suspensiva, do, pensando ser de famoso pintor alemão (T]R] - Apelação Cível
os termos do contrato seriam aproximadamente estes: "se cons- nº 3.063/96 - 7ª Câm. - j. 25-6-1996 - ReI. subst. Des. Gustavo
truíres uma capela, ganharás o terreno". Perceba que o negócio não Adolpho Kuhl Leite), ele age com manifesta vontade de produ-
produziu os regulares efeitos e o donatário - enquanto não cons- zir o negócio jurídico (negócio existente). Entretanto, tal vonta-
truir a capela - tem mera expectativa de direito. Quando cumprir de não é esclarecida porque, se fosse, ele jamais adquiriria o ob-
a condição desejada, o negócio produz efeitos e o donatário en- jeto. Atinge-se assim o plano da validade do negócio jurídico e
tão passa a ser proprietário do terreno (MP/SP - 82º). ele é declarado nulo, pois contaminado pelo defeito do negócio
jurídico denominado erro.
Concluímos assim que, nos vícios do consentimento, não há
Capítulo V divergência entre o que foi declarado e o que foi externado, ao
Defeitos do negócio jurídico contrário - dentro daquela situação fática de ameaça, engodo -, há
perfeita sincronia entre o elemento interno e o externo. Defei-
1 Introdução tuosa é a origem desta vontade que não é livre, esclarecida ou pon-
derada.
Quando tratamos dos planos de existência, validade e eficá- Ressalte-se por fim que - a par de preservar a boa-fé e a real
cia do negócio, vimos que a vontade é elemento essencial para a intenção do agente que foi vítima do negócio defeituoso - a lei
existência, mas que a vontade liyre, esclarecida e ponderada era re- não pode esquecer de proteger também a segurança das relações
quisito de validade do mesmo. E sobre este requisito que o capí-
jurídicas que se alcança por atender à justa expectativa geral dos
tulo ora em estudo se debruçará.
cidadãos de verem seus negócios confirmados e produzindo efei-
Quando o negócio jurídico é desprovido do elemento vonta- tos. É nessa linha fronteiriça que o Estado caminha para anular
de, ele não é considerado nulo e sim inexistente juridicamente. o menor número de negócios possível a fim de, por um lado, pro-
Imagine o exemplo de um cidadão que com as mãos e pés amar- teger a vítima do defeito e, por outro, proteger diretamente a so-
rados sofre coação física irresistível e tem sua digital aposta so- ciedade pela segurança de suas relações.
bre determinado contrato. Perceba que este contrato é inexis-
tente, pois faltou o elemento vontade. 2 Conseqüência dos negócios defeituosos
Situação diversa sofre aquele que - atemorizado com séria
ameaça de morte - assina contrato de doação. Note a sutileza da Quando o negócio vier maculado por qualquer dos defeitos,
técnica jurídica. Neste segundo exemplo, há vontade do agente e a lei o considera anulável. É o que determina o art. 171,11. A si-
ela é coincidente com a vontade externada. O agente opta por mulação, que antes era tratada neste capítulo, foi deslocada para
assinar o contrato ao invés de morrer e assim manifesta sua von- o campo das nulidades e agora fulmina o negócio de nulidade
tade, assinando. Se há vontade, o negócio é existente. Entretan- absoluta (MAGISTRATURA/RS - 2003).
to, apesar de a vontade do agente ser expressa no sentido de as-
146 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 147

3 Prazos para anulação dos negócios defeituosos "um indivíduo, para servir a um amigo, avalizou uma letra de cam-
bio em branco. Acontece, porém, que em vez de uma foram
Hipótese clássica de um direito potestativo (por parte de saccadas duas letras, ambas com o seu aval. Sabedor disto, o
quem pode anular o negócio), que impõe um "estado de sujeição" avalista, antes de resgatar a primeira, só o fez após acurado exa-
à outra parte, o prazo para anulação dos negócios defeituosos é me e depois de convencer-se que a assignatura era sua. Vencida
de decadência. Mais uma vez, a lei disciplina a fraude contra cre- a 2ª e protestada, elle a resgatou, por estar em dúvida e só depois
dores juntamente com os vícios da vontade, determinando um de um exame feito na policia de S. Paulo foi que elle teve certeza
prazo de quatro anos para sua anulação, alterando apenas o ter- da falsidade do aval exarado neste segundo titulo. Em vista dis-
mo inicial da contagem, conforme o vício. to:propoz acção repetir o indébito, fundado em erro. Perdeu em
Ê o que dispõe o art. 178: 1ª' instância, e ganhou em 2ª (sic)".

"Ê de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a 4.1 Erro e ignorância
anulação do negócio jurídico, contado: I - no caso de coação, do
dia em que ela cessar; 11- no de erro, dolo, fraude contra credo- A ignorância é o total desconhecimento a respeito de deter-
res, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negó- minada situação, enquanto no erro há um desvio em sua percep-
cio" (MAGISTRATURA Federal/3ª REGIÃO - llº). ção. O Código de 2002, assim como o de 1916, não tratam da dis-
tinção entre os institutos, posto equipará-Ios em seus efeitos. Nas
4 Erro palavras de Washington de Barros Monteiro (2001, p. 195), na
ignorância a mente está in albis e no erro o que nela está registra-
Na definição de Amoldo Wald (2002, p. 200), o erro se ca- do é falso (MAGISTRATURA/MS - 2001).
racteriza pela: "falsa representação, que exerce influência na formação
da vontade do agente". Há na vítima do erro uma falsa percepção 4.2 Requisitos para configuração do erro
da realidade que o cerca e é justamente esta falsidade que o leva
a praticar atos que jamais faria caso tivesse a plena cognição do 4.2.1 Substancialidade
malfadado negócio. Washington de Barros Monteiro (2001, p.
195), citando Cunha Gonçalves, afirma que a "insuficiência mental O primeiro requisito para a configuração do vício ora em
da grande maioria dos homens leva-os a incorrer freqüentemente em tal análise é sua substancialidade. O engano deve ter relação com um
vício" . elemento essencial do negócio e não com um elemento meramen-
A característica principal do erro é o não-induzimento da víti- te acidental. Não é qualquer erro mínimo que poderia ensejar a
ma ao engano. Não há utilização de ardis ou artifícios ludibriosos anulabilidade do negócio. Já vimos que a segurança das relações
para a prática do negócio de modo equivocado. Nesta espécie de jurídicas é um princípio muito apreciado pelo ordenamento e,
negócio, o engano do agente é espontâneo que - por desconhecer portanto, apenas aqueles erros realmente substanciais, graves,
algumas circunstâncias que envolviam o negócio - acaba por ma- que de fato alteram a estrutura do negócio, darão ensejo à
nifestar uma vontade não esc1arecida que jamais seria manifesta- anulabilidade.
da caso tivesse ciência plena dos termos negociados. Ê por isso que o art. 138 exige que o erro seja "substancial",
Jorge Americano (1935, p. 50) traz interessante julgado em isto é, de monta, grave, suficientemente forte para macular o
que: objeto da declaração de vontade. Mas o legislador não parou por
148 Direito Civil
Dos Fatos Jurídicos 149

aí e no artigo seguinte chama para si o dever de dizer o que pode erro, deve o juiz ate~tar para a acuidade da vítima no desenvolvi-
ser considerado como substancial.
mento do negócio. E óbvio que não se anulará compra e venda
com preço irrisório de um relógio adquirido em banca de praça
4.2.1.1 Natureza do negócio que se imaginava ser de ouro. Entretanto, o Conselho da Justiça
Federal- em seu Enunciado nº 12 - pronunciou-se no sentido
o tradicional exemplo permanece atual. Em um negócio de contrário: "Na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusá-
comodato de bem móvel, o comodatário imagina tratar-se de velo erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança. "
doação verbal (art. 541, parágrafo único), recusando-se a resti-
tuí-Ia na forma do art. 581. O negócio há de ser anulado posto se 4.2.2.1 Critério para avaliação da escusabilidade
tratar de erro quanto a sua natureza.
Em redação pouco clara, o art. 138 do Código Civil precei-
4.2.1.2 Objeto da declaração ou qualidades a ele essenciais tua serem anuláveis os negócios "quando as declarações de vontade
emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de
Sem dúvida, esta é a maior fonte de dissídios no que se re- diligência normal, em face das circunstâncias do negócio".
fere ao erro. No objeto da declaração (bem como em suas qualida- Como já dissemos, erro substancial é aquele engano sério,
des essenciais) reside o maior índice de distorções ocorridas no
grave, de relevo. A segunda parte do dispositivo, entretanto, dá
elemento volitivo do agente. É o exemplo dos candelabros que margem ao entendimento de que, para gerar a anulação do ne-
se imaginavam de ouro ou do quadro que se imaginou ser de fa- gócio, o erro deve ser substancial e também "perceptível pela víti-
moso pintor (OAB/SP - 101º). ma". Ao dizer isso, a norma estaria entrando em contradição fla-
grante, sustentando que só o erro de fácil percepção, aquele que
4.2.1.3 Identidade da pessoa poderia ser percebido pela vítima, é que pode anular o negócio,
enquanto o erro oculto, de difícil percepção, não macularia o ato.
Muito freqüente nas obrigações intuitu personae, em que a fi- Por isso, não me parece que a pessoa a que faz referência o artigo
gura pessoal do contratado é da substância do ato (MPRS - XLII). seja a vítima.
Ao contratar homônimo de famoso cantor para festa de fim de
Projeto de Lei nº 415/2003 em trâmite pelo Senado Federal
ano, o clube pode pedir a anulação do negócio, visto haver erro
(casa iniciadora deste projeto) pretende dar nova redação ao ar-
substancial na modalidade: "identidade ou qualidade da pessoa".
tigo em análise, nos seguintes termos:
Não podemos nos esquecer ainda da previsão específica de
anulabilidade do casamento na hipótese de erro essencial sobre "É anulável o negócio jurídico quando a declaração de von-
a pessoa do cônjuge (arts. 1.556 e 1.557), fonte de inúmeros jul- tade emanar de erro substancial que, em face das circunstâncias
gados em nossos tribunais. do negócio, possa ser percebido, pela outra parte, usando de di-
ligência normal."
4.2.2 Escusabilidade do erro
Pelo que se vê, o projeto pretende substituir a expressão pes-
Apesar de omissa a lei no que tange a este requisito, não é soa por outra parte, o que leva à conclusão de que, para dar ensejo
fácil imaginar que o ordenamento se preste a inverter o princí- a anulação, o beneficiado pelo engano poderia saber da existên-
cia do vício no momento do contrato.
pio da segurança das relações jurídicas, beneficiando a vítima
negligente que pouco zelo forneceu à relação. Na avaliação do
150 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 151

Quando a outra parte sabe ou poderia saber do engano come- 4.4 Falso motivo (error in causa)
tido e se cala, estamos diante do dolo negativo, em que o benefi-
ciado pelo engano silencia sobre elemento essencial do negócio O art. 140 do Código estipula que - via de regra - o falso
que deveria informar à vítima (art. 147). motivo não vicia a declaração de vontade. Poderá, entretanto,
Para avaliar a escusabilidade do erro, o juiz deve levar em inquinar o ato se constar como sua razão determinante. O moti-
conta a vítima no caso concreto, considerando seu grau de ins- vo é o móvel psíquico, a razão psicológica da prática do ato que
trução, sua capacidade e desenvolvimento intelectual. Não seria em geral é irrelevante para o direito. O Código Civil de 2002 atri-
justo retirar-lhe a proteção legal pelo fato de que o "homem bui força jurídica para o mo!ivo, desde que previsto expressamen-
médio" não incorreria no mesmo erro. O fato de a vítima ser te nos termos do negócio. Alvaro Villaça Azevedo (2003, p. 191)
"abaixo da média" não pode ser motivo para o descaso do Judi- exemplifica:
ciário.
"Quando alguém adquire um objeto, em razão de um moti-
Aliás, esta é a orientação do Código ao tratar do terceiro ví- vo, como, por exemplo, um sítio com uma queda d'água, certo
cio do consentimento, a coação. O art. 152, infra-examinado, de que esta poderá gerar força para mover um moinho, e se vê
determina que no apreciar da coação o critério do juiz será indi- frustrado após, ao constatar que esse resultado não pode ser pro-
vidual, levando em conta as condições da vítima. Entendemos duzido; só esse fato não é suficiente para que ocorra a anulação
que, na omissão da lei para os casos de "erro", a analogia é váli- do negócio jurídico, porque esse motivo deve estar expresso como
da e pode iluminar o caso. razão determinante do negócio; sabendo o alienante dessa moti-
vação, que leva o adquirente a adquirir."
4.3 Erro de direito e ignorância da lei (LICC, art. 3º)
5 Dolo
O Código Civil de 2002 trouxe uma derradeira previsão, in-
cluindo o erro de direito como espécie de erro substancial. Ocorre
Nesta espécie de defeito, o negócio jurídico é novamente ata-
aqui a intenção da vítima em aplicar a lei, o que é denotado pela
cado em seu plano de validade. Isto porque, assim como no erro,
expressão: "não implicando recusa à aplicação da lei", prevista no
inciso III do art. 139. a vontade aqui manifestada não é esclarecida e tal equívoco foi
induzido pela outra parte de modo deliberado. Há uma indução,
Um bom exemplo é o do cidadão que contrata advogado para um artifício, um ardil que leva a vítima a praticar um negócio
cumprir determinada formalidade legal em sua documentação jurídico que não praticaria em condições normais e esclarecidas.
societária, imaginando em vigor norma que assim determinava. Pode-se afirmar que o dolo é uma espécie do gênero "engano"
Descobrindo posteriormente que tal norma havia sido revogada, com a característica de ser provocado, estimulado pelo contratan-
seria lícito ao cidadão pedir anulação do negócio com base no erro te de má-fé, enquanto no erro a vítima é traída pela falsa percep-
de direito.
ção que ela mesma possui da realidade.
Perceba que tal disposição é bem diferente daquela previsão
do art. 3º da LICC. O art. 139 prevê o erro cometido com a in- 5.1 Dolo substancial e dolo acidental
tenção de cumprir a lei, enquanto naquela há pretensão de
"descumprir a lei alegando que não a conhece... ", o que é proibido pelo Como no erro, o dolo deverá ser substancial a fim de tornar
princípio da obrigatoriedade. o negócio anulável. O dolo meramente acidental não tem o po-
der de viciar o negócio jurídico, acarretando para o malicioso
152 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 153

apenas o dever de indenizar eventuais perdas e danos (art. 146). ceiro. Se, porém, o beneficiado soubesse ou devesse saber do enga-
Dolo acidental é aquele que não influi diretamente na vontade da no provocado na vítima, o negócio pode ser anulado.
vítima e que, a despeito de sua existência, o negócio teria se realizado, Situação diversa ocorre no dolo do representante. Nesta hi-
embora de outro modo (menos oneroso para a vítima, por exemplo). pótese, há uma relação entre o "beneficiado" e o agente que uti-
Ocorre dolo acidental, v. g., quando a vítima é levada a crer que o liza o dolo como artifício. Conforme esta relação advenha da lei
piso do apartamento que está a adquirir (imóvel este com todas ou do acordo entre as partes, conseqüências diversas surgirão.
as características desejadas pelo comprador) possui mármore de O dolo do representante convencional (aquele que a parte
Carrara, o que acaba por não corresponder à realidade. Não é crí- liv.remente escolhe para representá-Io) gera para o representado
vel que o negócio deixaria de ser praticado em virtude deste pe- uma obrigação solidária de reparação. Responderá juntamente
queno problema; apenas se concretizaria de modo diverso (OAB/ com o seu representante perante a vítima do negócio infirmado.
SP - 111º) . É hipótese de solidariedade legal, em que duas ou mais pessoas
são obrigadas por toda a dívida perante o credor por força de
5.2 Dolo negativo mandamento legal neste sentido (exemplos: arts. 154,518,680,
829,942, 1.644 etc.). Não custa lembrar que a solidariedade não se
O dolo por omissão é tratado no art. 147 do Código, acarre- presume, decorre da lei ou da vontade das partes (art. 265).
tando para o agente as mesmas conseqüências que o dolo por Por sua vez, sendo o representante escolhido pela lei (repre-
ação. É designado por Maria Helena Diniz de dolo negativo (2002, sentante legal), a obrigação do representado limita-se a respon-
p. 391). Mais uma vez, a lei exige a "substancialidade" da omis- der civilmente pela importância do proveito que teve (art. 149).
são dolosa, o que se afigura pela parte final do artigo: "... provan- É evidente a razão da lei. Sendo o Estado-Legislativo quem esco-
do-se que sem ela o negócio não se teria celebrado" (OAB/SP - 106º; lhe o representante, não pode o Judiciário condenar o represen-
Advogado da União/ESAF -1999). Sílvio Venosa (2003, p. 447) tado por valor maior do que obteve.
colaciona interessante aresto com a seguinte ementa:
"O silêncio intencional de um dos contraentes sobre a cir- 5.4 Dolo bilateral
cunstância de se achar insolúvel, e, portanto, em situação de ab-
soluta impossibilidade de cumprir a obrigação de pagar o preço, Vale lembrar que o dolo bilateral não poderá ser alegado por
vicia o consentimento de outro contratante, que não teria reali- nenhuma das partes. É a pura aplicação do princípio de que "nin-
zado o negócio se tivesse ciência do fato, configurando omissão guém alega em seu favor a própria torpeza". É o que afirma o art. 150:
dolosa, que torna o contrato passível de anulação" (RT 545/198). "Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para
anular o negócio, ou reclamar indenização." Darcy Miranda (1995, p.
77) comenta:
5.3 Dolo de terceiro
"Na hipótese de dolo de ambas as partes, conforme dispõe o
O dolo pode também ser exercido por outrem, que não tem art. 97, nenhuma delas pode alegá-Io, para anular o ato, ou recla-
relação com o beneficiado pelo dolo. Imagine, por exemplo, o mar indenização. O dolo bilateral ou recíproco, consagra a regra
corretor de imóveis que engana o adquirente ao detalhar as ca- - turpitudinem suam allegans non est audiendus - Não é de ser ouvi-
racterísticas do imóvel pretendido. Não seria justo anular o ne- do quem alega torpeza própria."
gócio jurídico caso o beneficiado não tivesse ciência do engano
provocado, só restando à vítima reclamar perdas e danos do ter-
154 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 155

5.5 Dolus bonus 6.1 Requisitos da coação

É de ressaltar ainda a figura do dolus bonus, que não enseja A segurança das relações jurídicas impõe que o negócio só
anulação do negócio jurídico por se constituir em expediente jo- possa ser infirmado em condições extremas. Percebe-se isso quan-
coso, de flagrante exagero no enaltecimento das qualidades de um do a lei nega reconhecimento ao erro e ao dolo acidental, bem
objeto. Há uma gabança tolerável pela sociedade, num hábito como ao dolus bonus. Com a coação opera-se o mesmo racio-
inclusive inerente à atividade do comércio que se aproxima mui- cínio. Não é qualquer coação que será capaz de infirmar o negó-
to da brincadeira, da sátira, sem tom de seriedade a inquinar a cio. A coação deve imputar na vítima um "fundado temor de dano
negócio. iniinente à sua pessoa, sua família ou aos seus bens". É o juiz quem
O tema não é exclusivamente acadêmico, tendo sido enfren- apreciará o temor segundo as qualidades e condições da própria
tado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: vítima. É também o juiz quem decidirá se há ou não o vício no
caso de a coação dizer respeito à pessoa não pertencente à famí-
"Ação de anulação de compra e venda de ações da CRT. Ví- lia do paciente.
cios do consentimento. Erro inescusável e dolus bonus. Se os ape-
lantes venderam suas ações da CRT, face desvinculação destas 6.1.1 Critério de apreciação da coação
com o uso da linha telefônica, sem perquir sobre o valor de mer-
cado das mesmas, quando tal era perfeitamente possível, até pe- O art. 152 é muito ponderado, ordenando ao juiz que examine
las suas condições pessoais, incorreram em erro inescusável, a coação com base no sexo, idade, condição, saúde e temperamento do
manifesta a negligência com que atuaram no negócio, o que in- paciente. A orientação do Código aqui foge ao consagrado critério
troduz o dolus bonus, por parte do comprador, também insufi- do "homem médio" e deixa ao arbítrio do juiz averiguar se a co-
ciente para invalidá-Ia. Apelo improvido. Sentença mantida, unâ- ação era ou não suficiente para infligir considerável temor na vÍ-
nime" (TJRS - Apelação Cível nº 599164514, Décima Câmara tima.
Cível, Relatar: Luiz Ary Vessini de Lima, julgado em 13/05/ Um cientista, um intelectual, por certo, não se deixaria ate-
1999) .
morizar com ameaças de bruxaria ou feitiços a fim de produzir
determinado negócio jurídico. O temor nele incutido não seria
6 Coação grave a ponto de fazê-Io contratar para se ver livre da ameaça. O
mesmo não se pode dizer de uma idosa senhora de limitada cultu-
A coação é o mais repugnante dos vícios do consentimento ra que vive em distante vilarejo. Para o mundo dela, uma amea-
por submeter a vítima a uma violência, uma grave ameaça injus-
ça neste sentido pode ser razão mais que suficiente para a produ-
ta que a faz anuir com um negócio que jamais o faria, caso esti- ção de negócio jurídico que jamais consentiria se livre estivesse.
vesse com sua vontade livremente manifestada. Desta vez, o re-
quisito vontade é atingido em sua liberdade. Como já vimos, a 6.2 Ameaça de exercício normal de direito e temor
vontade livremente manifestada é um requisito de validade do reverencial
negócio jurídico e quando infirmada pode gerar nulidade do ne-
gócio. O Projeto nº 6.960/2002 pretende alterar a redação do art. A ameaça de um exercício normal de um direito não é consi-
151 para substituir o termo paciente por vítima, tanto no caput
derada coação (ex.: credor ameaça devedor de promover ação ju-
quanto no parágrafo único, por entendê-Io mais apropriado e de dicial para ver satisfeito seu crédito). Tampouco é o temor
utilização mais correntia.
reverencial que se traduz no receio de desagradar pessoa à qual
156 Direito Civil
Dos Fatos Jurídicos 157

devemos consideração e respeito. Desse modo, se o empregado


na saída de um teatro localizado em local ermo e notoriamente
anui em assinar contrato de fiança para garantir contrato de seu
violento. Frustrada sua expectativa de encontrar diversos táxis,
patrão, não poderá se valer da anulação do negócio jurídico por
coação. d~para-se com apenas um motorista de praça disposto a condu-
ZI-Ia ao lar. Encontrando-se naquela hora da noite, sozinha, em
local de notória insegurança pública, a vítima indaga sobre o preço
6.3 Coação proveniente de terceiro
da "viagem" ao motorista, que lhe exige quantia muito superior
A coação proveniente de terceiro tem regulamentação idên- ao cobrado na região. Visando resguardar a própria segurança,
tica ao dolo de terceiro. A nulidade do negócio só é decretada na co~corda em pagar o elevado preço (note que tal atitude jamais
sena tomada se a vítima estivesse em situação ordinária, livre dos
hipótese de o beneficiado ter ciência do vício que o inquinava. Se,
ao contrário, o contratante não tinha conhecimento da coação perigos da cidade) (MP/MS - 2000).
exercida pelo terceiro, o negócio está mantido, restando à vítima A conseqüência do ato eivado de estado de perigo é a sua
procurar seu ressarcimento perante o autor da coação. É a letra anulabilidade, que levaria à devolução integral da quantia desem-
do art. 155: bolsa~a pela vítima. Porém, não se pode esquecer que, ainda que
de ma-fé, houve um serviço prestado pela outra parte. A lei civil
"Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de tercei- não se presta a punir o agente malicioso. Sua tarefa é tão-somente
ro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter reequ.ilibra.r a situação jurídica. Com base no princípio que veda
conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as per- o ennqueCImento sem causa, pela eqüidade e até pela analogia
das e danos que houver causado ao coacto" (MP/MG - 42º). com o § 2º do art. 157, o juiz deve fixar valor devido pelo servi-
Ç?, obedecendo inclusive ao disposto no art. 884 do Código Ci-
7 Estado de perigo VIl.A III Jornada de Direito Civil se pronunciou no mesmo sen-
tido: "Ao estado de perigo (art. 156) aplica-se, por analogia, o disposto
Inovação do ordenamento civilista, o estado de perigo carac- no § 2º do art. 157" (Enunciado nº 148).
teriza-se pela necessidade iminente que uma das partes tem de
salvar-se, ou salvar pessoa de sua família de grave dano (art. 156). 8 Lesão
Em uma situação tão delicada e perigosa, a vontade da pessoa
obviamente não se manifestará de maneira livre, desembaraçada. ~ltimo d~s .vícios do consentimento, a lesão já havia sido
A busca pela integridade física supera em muito qualquer racio- prevIsta no CodIgo de Defesa do Consumidor (art. 6º, V, Ia par-
cínio consciente e coerente da parte que promete muito além do te! e se aprox~ma muito do Estado de Perigo, afinal, em ambos
que poderia normalmente oferecer. Desde logo percebemos a ha desproporçao entre o cobrado e o justo valor do que foi ofere-
cido.
distinção entre a coação e o estado de perigo. Neste, a situação
aflitiva apresenta-se espontaneamente, enquanto na coação o No vício do art. 156, entretanto, uma das partes está em si-
perigo é criado pelo agente que pretende se valer do temor da tuação de perigo de dano à sua pessoa ou pessoa próxima, enquan-
ameaça para ultimar o negócio. to na lesão há uma necessidade premente ou inexperiência de um
Visando igualar o estado das partes neste tipo de situação, o dos contratantes de ver celebrado um negócio, aproveitando-se
Código Civil reputa anulável o negócio celebrado nestas condi- a. outra parte desta situação para fixar valor muito supe-
ções. Um exemplo ilustra a situação: uma senhora encontra-se nor ao que normalmente o faria (128º OAB/SP).
158 Direito Civil
Dos Fatos]urídicos 159

9 Fraude contra credores


Bom exemplo é o do aflito agricultor que - ciente da praga
que toma conta dos arredores de seu sítio - procura o único vizi-
A inserção da fraude contra credores no capítulo de defeitos
nho que dispõe do inseticida capaz de solucionar o problema.
do negócio jurídico sempre foi objeto de aceso debate. De fato,
Este, por sua vez, cobra valor muito acima do mercado. Lícito seria
em cada um dos defeitos retroanalisados, percebe-se uma clara
ao agricultor buscar a anulação do negócio com base na lesão
sofrida. O § 2Q do art. 157 dispõe que o negócio será mantido caso violação de algum adjetivo da vontade. No erro e no dolo, a von-
tade não é esclarecida, na coação não é livre, na lesão e no estado
a parte favorecida concorde com a redução de seu proveito, o que
d~ perigo não é ponderada.
parece justo. A idéia de manter o negócio ao invés de anulá-lo é
razoável e o Conselho daJustiça Federal proferiu o Enunciado nQ Na fraude contra credores, não há violação a nenhum adjeti-
149 nesse sentido: vo do elemento vontade. Aliás, a vontade é exatamente a que foi
externada pela parte (devedor). Tem ele a exata noção do negó-
"Em atenção ao princípio da conservação dos contratos, a cio praticado, sabe de todos os elementos que o compõem e tem
verificação da lesão deverá conduzir, sempre que possível, à re- a liberdade e a ponderação necessárias para a prática do ato.
visão judicial do negócio jurídico e não à sua anulação, sendo Visando dar a esse ato o mesmo destino do que os anterior-
dever do magistrado promover o incitamento dos contratantes a mente estudados, o Código insere a fraude contra credores no rol
seguir as regras do art. 157, parágrafo segundo do CC de 2002." dos defeitos e fulmina o ato assim praticado de anulável (art. 171,
II).
8.1 Lesão e resolução por onerosidade excessiva
9.1 Garantia do credor é o patrimônio do devedor
A lesão nasce junto com o contrato e distingue-se nitidamente
da figura da "resolução contratual por onerosidade excessiva", No atual estágio evolutivo das ciências jurídicas, é o patri-
prevista no art. 478 do Código. Tal hipótese de resolu~ão é mônio do devedor que garante seus credores quanto ao efetivo
superveniente ao negócio e não decorre de vício da vontade. E fato recebimento (CPC, art. 591). Nem sempre foi assim. Citando
imprevisíve1 que rompe o equilíbrio, o sinalagma do contrato, al- Alfredo Buzaid, Silvio Rodrigues (2002, p. 5) relembra o perío-
terando substancialmente a situação fática do negócio jurídico. do das legis actiones do Direito Romano:
O mundo fenomênico não é mais o mesmo de quando o contra-
to foi assinado. Fundamentada na cláusula "contractus qui habent "Se o executado não satisfizesse o julgado e se ninguém com-
tractum sucessivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus
parecesse para afiançá-lo,o exeqüente o levava consigo, amarran-
do-o com uma corda, ou algemando-lhe os pés. A pessoa do de-
intelligentur". Na onerosidade excessiva, não há falar-se em anu-
vedor era adjudicado ao credor e reduzida a cárcere privado du-
lação do contrato e sim em resolução ou modificação. O Conse- rante sessenta dias. Se o devedor não se mantivesse à sua custa
lho da Justiça Federal já se pronunciou sobre o tema em seu Enun-
o credor lhe daria diariamente algumas libras de pão. Durante ~
ciado nQ 17, concluindo:
prisão era levado a três feiras sucessivas eaí apregoado o crédi-
"A interpretação da expressão 'motivos imprevisíveis', cons- to. Se ninguém o solvesse, era aplicada ao devedor a pena capi-
tante do art. 317 do novo Código Civil, deve abarcar tanto cau- tal, podendo o exeqüente matá-lo, ou vendê-lo trans Tiberim. Ha-
sas de desproporção não previsíveis como também causas previ- vendo pluralidade de credores, podia o executado na terceira fe-
síveis, mas de resultados imprevisíveis" (MAGISTRATURA/DF ria ser retalhado; se fosse cortado a mais ou a menos, isso não
- 2003; OAB/RJ - 22Q). seria considerado fraude."
Dos Fatos Jurídicos 161
160 Direito Civil

porque, se há plena boa-fé do adquirente, a lei depara-se com dois


Atualmente, a Constituição ainda prevê duas hipóteses em interesses tuteláveis.
que o inadimplemento de uma obrigação civil pode gerar a pri-
são do devedor. São os casos de inadimplemento voluntário e O primeiro é o do credor que vê o patrimônio do devedor -
inescusável de obrigação alimentícia e depositário infiel (art. SQ, que garante seu crédito - se esvaziar. O segundo (que será obje-
LXVII) . to de maior prestígio da lei) diz respeito não só à boa-fé do
adquirente que não sabia nem tinha como saber da insolvência
Frise-se que, se o devedor - com seu patrimônio - puder ar-
car com as dívidas contraídas, terá liberdade plena de exercer seu do alienante, mas também à segurança das relações jurídicas, a
direito de propriedade, alienando ou até mesmo doando seus bens gllem não interessa ver anulado um negócio praticado de boa-fé.
conforme lhe aprouver. O quadro se inverte, porém, quando tal E nesses dois pilares que a lei se apóia para manter válido ou
devedor encontra-se em estado de insolvência, não podendo qui- anular o negócio (MP/MG - 40Q).
tar suas dívidas com o patrimônio que possui. Neste caso, o seu Diante do caso concreto, alguns elementos dão ao juiz as
passivo é maior que o seu ativo e ele passa a ser chamado de de- evidências do consilium. Os exemplos mais comuns de atos que
vedor insolvente pelo ordenamento civil. Chegando a esse está- demonstram o conluio entre alienante e adquirente são: o preço
gio, os bens do devedor pertencem indiretamente aos seus cre- vil, o parentesco ou a amizade entre comprador e vendedor, a
dores, que ali observam a única garantia de pagamento de seus notoriedade da insolvência na praça etc. Este é o risco que corre
créditos. Seu direito de propriedade fica restringido e até mesmo o cidadão que passa a escritura a preço abaixo do realmente acor-
garantias oferecidas neste momento são presumidamente frau- dado, pois o preço vil é um dos indícios de fraude contra credo-
dulentas (art. 163), possibilitando a lei apenas as atividades de res; em eventual e futura ação pauliana, tal indício não será des-
manutenção do estabelecimento e de subsistência do devedor e prezado pelo juiz. Ao adquirente, ainda que de boa-fé, não cabe-
de sua família (art. 164). rá a alegação de que assim procedeu apenas para fraudar o fisco,
dado que ninguém alega em seu favor a própria torpeza.
9.2 Requisitos para a configuração da fraude em negócios 9.3 Negócios gratuitos
onerosos: eventus damni e consilium fraudis
Quando, porém, o negócio celebrado for de transmissão gra-
O requisito objetivo é denominado eventus damni e caracteri-
tuita, a lei dispensa o requisito do consiliumfraudis. Neste caso, a
za-se pelo efetivo dano causado aos credores do agente. Como já
lei depara-se com dois interesses de valoração diferenciada. De
dissemos, tal dano ocorrerá caso o passivo do devedor seja
um lado, há o direito maior do credor, que busca evitar um pre-
maior que seu ativo e desta forma qualquer disposição patri-
monial estaria diretamente afetando a garantia do credor em ver juízo e que tem direito a tal bem antes dos donatários que o re-
seu crédito cumprido. Exemplo disso é a venda do único imóvel ceberam gratuitamente. De outro, há o interesse do donatário,
que busca concretizar um lucro.
do fiador que não tem como arcar com a dívida, ou do devedor
insolvente que paga dívida ainda não vencida, prejudicando aque- A solução lógica encontrada pela lei é - ainda que exista boa-
les credores cujo crédito já venceu (MP/SP - 78º). fé do donatário - declarar o negócio anulável, conforme o art. 158:
O requisito consilium fraudis é o elemento subjetivo da fraude "Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de
e compreende-se pelo conluio fraudulento entre o alienante (de- dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzi-
vedor) e o adquirente do bem. Ao inserir tal requisito, a lei está
indiretamente preservando a segurança das relações jurídicas. Isso
162 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 163

do à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados vamente deixa claro no art. 171, lI, que o ato é anulável e não
ineficaz.
pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos."
É a opinião de Nélson e Rosa Maria Nery (2003, p. 77):
Assim, nos negócios gratuitos, a lei dispensa o segundo re-
quisito, não havendo necessidade de arranjo entre quem se des- "A norma sob comentário dá o regime da anulabilidade ao
faz do bem e quem o recebe. A gratuidade do negócio já é moti- negócio jurídico celebrado em fraude contra credores. As consi-
vo suficiente para a lei encará-Io com maus olhos, tornando-o derações feitas por parte da doutrina de que o negócio seria váli-
anulável se prejuízo decorrer ao credor. do, mas ineficaz (teoria da inoponibilidade) - copiando o direito
Sob o tema, a definitiva lição de Nélson Nery Jr. e Rosa Ma- itàliano, sem reservas -, devem ser consideradas de lege ferenda.
ria de Andrade Nery (2003, p. 78): (...) é a lei que dá o regime jurídico dos defeitos dos negócios ju-
rídicos. Anulado o negócio jurídico por fraude contra credores, o
"Não mais se exige o 'consilium fraudis' ou a 'scientia fraudis' bem alienado volta ao patrimônio do devedor, para a garantia do
para anular o negócio jurídico gratuito celebrado em fraude con- direito dos credores."
tra credores. Ainda que o devedor, o adquirente ou o beneficiário
do ato gratuito de transmissão ou remissão de dívidas ignore que A conseqüência primordial da anulabilidade é o retorno do
o negócio reduzirá a garantia ou conduzirá o devedor à insolvên- bem ao patrimônio do devedor que com este responderá para o
cia, é passível de anulação. A causa de anulação deixou de ser 'sub- pagamento de seus credores, enquanto o regime da ineficácia leva
jetiva' (manifestação da vontade - 'consilium fraudis'), para ser à manutenção do negócio, sem produção de efeitos perante o cre-
objetiva (redução do devedor à insolvência)." dor (MAGISTRATURA/MG - 2000).

9.6 Fraude de execução


9.4 Ação pauliana
Hipótese mais grave afigura-se quando o adquirente compra
É a ação que visa anular negócio jurídico praticado em frau- o bem de pessoa que já tem contra si demandas para cobrança de
de contra credores. Deve ser proposta contra o devedor e tercei- créditos anteriores. Nesta hipótese a lei traz remédio mais grave
ros que com ele praticaram o negócio, em típico litisconsórcio e não precisará o credor valer-se da ação pauliana, podendo, como
passivo necessário, a despeito da expressão poderá do art. 161. O ensina João Baptista de Mello e Souza Neto (2000, p. 87),
prazo decadencial para a propositura da ação é de quatro anos,
conforme previsão do art. 178, lI. "nos próprios autos da ação de conhecimento ou de execução
(RJTESP 82/283), ser obtida, mediante decisão interlocutória, a
declaração de ineficácia da alienação operada relativamente ao
9.5 Conseqüência do negócio fraudulento: invalidade ou credor/autor" .
ineficácia?
Para a configuração da fraude de execução, não é necessário
A despeito de consideráveis opiniões no sentido contrário, que ação promovida pelo credor seja de execução, bastando a
entendo que a ação pauliana tem como ponto de chegada a anu- propositura de ação de conhecimento para que a alienação feita
lação do negócio jurídico e o retorno ao statuo quo ante. O Código pelo devedor já se configure nesta situação.
já assim determinava em 1916 e - fosse um erro técnico - have-
ria corrigido agora no terceiro milênio. Não foi o caso. A lei no-
164 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 165

Art. 104. A validade do Art. quando:


11
I ---celebrado
IV for
nãoilícito,
166. por
revestir
É nulo o forma
impossível
aabsolutamente
negócioprescrita
ou jurídico em lei; o
indeterminável
incapaz;
Capítulo VI negócio jurídico requer: considere
V
VI-- for
seu tiver essencial.
preterida
objeto;por solenidade
objetivo fraudarque lei
lei aimperativa;
Invalidade do negócio jurídico Objeto prescrita
Agente
Fprma lícito
capaz

Como já ressaltei, a invalidade do negócio jurídico opera no


segundo plano da teoria pontiana. De fato, o negócio nulo tem a
sua validade afetada. Este é o plano de mais fácil visualização em
todo o sistema civil, posto que seus requisitos estão expressos
na letra da lei e há todo um capítulo destinado ao estudo dos
negócios que, embora existentes, não são válidos para o mundo
jurídico.
Objetivando restabelecer a ordem e punir os que de seu ca-
minho se desviaram, a lei retira a validade e a proteção que ou-
trora conferia aos negócios assim celebrados e pune de maneira A lei reservou a nulidade absoluta para os atos que conside-
mais ou menos rigorosa, de acordo com o bem soc,ial que foi atin- rou mais graves, mais repugnantes e prejudiciais à sociedade. É
gido pelo descumprimento de suas disposições. ~ nesse ce?á.rio o caso, v. g., do contrato de compra e venda firmado por garoto
que observaremos as nulidades absolutas e relativas do Codlgo de dez anos com experiente advogado ou do contrato celebrado
Civil.
com objeto ilícito. A simples idéia da ocorrência de tais atos, sem
nem mesmo adentrar no seu mérito, já causa indignação da lei
1 Nulidade absoluta que - preocupada com o escasso tirocínio do menor ou com a
torpeza do objeto - não lhe confere validade, rotulando-o de nulo.
Novamente, ressalta-se a importância dos já examinados re-
No estudo da nulidade relativa, percebe-se que o grau da
quisitos de validade do negócio, agente capaz, objeto lícito e forma
ilicitude ou da potencialidade de dano à sociedade é considera-
prescrita. São eles que iluminarão muitas das hipóteses de nuli-
dade absoluta do negócio. Pode-se dizer que o art. 166 é a conse- velmente menor e, por isso, a sanção cominada também é de grau
qüência do não-cumprimento do art. 104. Para tornar a idéia mais mais baixo e com repercussões mais brandas. O erro na aquisi-
visível, observe o quadro a seguir, onde se vislumbram, de um ção de determinado objeto é de interesse particular da vítima do
engano, não afetando diretamente a sociedade.
lado, os requisitos de validade e, de outro, a conseqüência de seu
não-cumprimento, a saber, a nulidade absoluta.
1.1 Hipóteses

A despeito de outras previsões esparsas na lei e mesmo no


artigo subseqüente, é o art. 166 quem traz as principais e mais
freqüentes hipóteses de nulidade absoluta do negócio jurídico.
Diz o artigo:

"É nulo o negócio jurídico quando:


I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
166 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 167

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; 1.1.3 Simulação


III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for
ilícito; No Código Civil de 1916, a simulação era tratada no capítu-
lo dos defeitos dos atos jurídicos, localização pouco técnica. De
IV - não revestir a forma prescrita em lei; modo similar ao que ocorre na fraude contra credores, não há na
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere es- simulação qualquer mácula no processo formador de vontade do
sencial para a sua validade; agente. Sua vontade é livre, esclarecida e ponderada, mas com
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; flagrante intuito de burlar a lei ou prejudicar terceiros, o que já é
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a suficiente para ser declarado pelo Código como um ato nulo (art.
, ..
pratlCa, sem com mar sançao.
-"
167). Outra era a orientação do legislador do século XX, que
declarava o ato simulado como meramente anulável.
Reflexos que são de disposições anteriores do Código, tais Exemplo clássico de simulação é a emissão de títulos de cré-
hipóteses já foram quase todas examinadas, quando estudamos dito que não representam qualquer relação obrigacional com o fim
a capacidade de fato ou de exercício e os planos de existência, de prejudicar a esposa em futura partilha de bens. Inacio de Car-
validade e eficácia do negócio (MAGISTRATURA/DF - 2003; valho Neto e Érika Harumi (2002, p. 185) dissertam com preci-
MP/SP - 79º). são:

1.1.1 Motivo determinante ilícito "Não há na simulação um vício de consentimento, porque não
atinge a sua formação. As partes visam com o engodo atingir outro
o motivo necessariamente antecede o próprio objeto do ne- efeito que não o declarado; ambas as partes querem o resultado
gócio. É psíquico, subjetivo, é o móvel que guia o sujeito à prática em prejuízo de terceiro. Configura-se um vício social, agora tra-
do ato; ato esse que pode ser perfeitamente lícito. tado como causa de nulidade."
Imagine a hipótese de um proprietário de depósito que - cien-
te da intenção do locatário - aluga o prédio para que este ali ins- 1.1.3.1 Simulação absoluta
tale grande centro de tráfico de drogas. O objeto do negócio -
locação de bem imóvel - é lícito e pode até seguir as diretrizes Ocorre a simulação absoluta quando, por detrás do ato simu-
da Lei nº 8.245/91. Porém, o motivo que o enseja é ilícito e co- lado, nenhum ato existe. O exemplo clássico é o do devedor que
mum a ambas as partes; dessa forma se subsume o fato à previ- - ciente da execução que lhe bate às portas - elabora documento
são do art. 166, m. de confissão de dívidas com oferecimento de garantia real a ami-
go, objetivando assim subtrair seus bens dos efeitos constritivos
1.1.2 Atos proibidos não sancionados da execução. Não há dívida com o amigo, não há outro negócio
que se busque esconder. De verdadeiro há apenas a intenção de
O inciso VII traz redação inédita ao nosso ordenamento. Prevê prejudicar os verdadeiros credores (OAB/SP - 121º).
a hipótese de norma que - a de~peito de proibir-lhe a prá- A conseqüência é uma só: nulidade absoluta do negócio si-
tica - não comina sanção expressa. E o caso do art. 426, por exem- mulado com todas as conseqüências que o adjetivo enseja (AD-
plo, onde o legislador proíbe a chamada pacta corvina, ou do art. VOGADO DA UNIÃO/ESAF - 1998).
852, que proíbe convenção de arbitragem para dirimir questões
de estado e de família.
168 Direito Civil
Dos Fatos Jurídicos 169

1.1.3.2 Simulação relativa


1.2 Características do negócio nulo
Diz-se da simulação que esconde outro ato proibido pela lei.
O exemplo tradicional é o do marido que, impossibilitado de efe-
o art. 168 enumera três importantes características do negó-
cio nulo. Como já referi, o tratamento dado pela lei é rigoroso,
tuar doação à concubina, simula com ela contrato de venda e
assim como sua sanção. Desta forma, o negócio nulo é insus-
compra. Note que por detrás deste último contrato há outro ato
cetível de confirmação, o que nos força concluir que, se o agente
real e desejado pelas partes, a despeito da vedação legal.
de dez anos de idade pratica negócio jurídico de compra e venda,
Mais freqüente ainda a declaração de valor abaixo do real- não lhe será possível confirmá-Io quando completar a maiorida-
mente acordado, visando a menor recolhimento de imposto aos de"civil. Também por sua gravidade e potencialidade lesiva aos
cofres públicos. Nesta espécie de simulação, a lei dispõe que: interesses sociais, o negócio nulo pode ser alegado por qualquer
"subsistirá o que se dissimulou se válido for na substância e na forma" interessado e também pelo Ministério Público e pelo Juiz, de ofí-
(art. 167). A III Jornada de Direito Civil explicou no Enuncia- cio. Desta forma, ao se deparar com lide que envolva um contra-
do nº 153: "Na simulação relativa, o negócio simulado (aparente) é
to celebrado por absolutamente incapaz, o juiz deverá - ainda que
nulo, mas o dissimulado será válido se não ofender a lei nem causar sem provocação das partes - declará-Io nulo. Por fim, é impor-
prejuízos a terceiros." tante frisar que o ato nulo não prescreve. O tempo não tem o
Os parágrafos do art. 167 ainda tratam de exemplos em que condão de sanar o negócio considerado nulo pela lei. Ainda que
haverá simulação. Os exemplos dos dois primeiros incisos já fo- décadas transcorram após a celebração do negócio jurídico, ele
ram abordados e o terceiro prevê a hipótese de "instrumentos par- ainda assim será considerado nulo e - na primeira oportunidade
ticulares antedatados ou pós-datados". - declarado como tal.

1.1.3.3 Simulação inocente 2 Nulidade relativa

Hipótese não mais ventilada pelo ordenamento que a nosso Na seara dos negócios anuláveis, as hipóteses previstas pelo
ver não enseja a anulação do negócio. Tem por característica prin- legislador são menos graves do que os atos nulos. O legislador
cipal não prejudicar terceiros nem burlar a lei, ocorrendo apenas aqui observa hipóteses que violam direito de uma pessoa em
a distorção entre o pretendido e o exteriorizado. O Conselho da particular e não da sociedade como um todo. Permite assim que
Justiça Federal entende exatamente o contrário, raciocínio que foi tais negócios tenham valor e eficácia, atribuindo, entretanto, ao
exteriorizado na I1IJornada de Direito Civil no Enunciado nº 152: prejudicado o direito potestativo de - judicialmente - solicitar sua
"Toda simulação, inclusive a inocente, é invalidante." anulação.
É a hipótese, v. g., do homem solteiro, sem herdeiros neces-
sários, que pretende doar imóvel à namorada, mas que - por 2.1 Hipóteses
embaraço perante a sociedade - prefere simular compra e venda.
Não há prejuízo, não há fraude à lei, não há motivos para contra- o art. 171 do Código Civil prevê algumas hipóteses de ne-
riar a ordem primordial de manutenção dos negócios jurídicos, gócios considerados anuláveis (MAGISTRATURA/SP - 2003;
visando à segurança das relações jurídicas. MAGISTRATURA/RS - 2003). Perceba que são situações menos
gravosas do que as previstas no art. 166, onde a sociedade toda
era atingida pela torpeza do ato. Desta forma,
170 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 171

"além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o o art. 174, por sua vez, prevê a confirmação tácita do negó-
negócio jurídico: I - por incapacidade relativa do agente; II - por cio anulável, na hipótese em que o mesmo já foi em parte cum-
vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou prido pelo devedor ciente do vício que o inquinava. Tal disposi-
fraude contra credores". tivo consagra o princípio que veda o venire contra factum proprium,
decorrência da boa-fé objetiva prevista no Código Civil. Segun-
Vimos que entre a capacidade de fato e a incapacidade abso- do tal raciocínio jurídico, não é dado ao agente alterar sua postu-
luta há um meio-termo em que a pessoa possui um discernimento ra no decorrer de um negócio após se portar de um mesmo modo
razoável, sem, entretanto, ostentar a solércia necessária para - por determinado lapso de tempo. É uma restrição ao direito sub-
sozinho - praticar os atos da vida civil. É o que se chama de ca- jetivo do agente que - em que pese ter o direito de anular o ne-
pacidade relativa. Neste momento, o relativamente incapaz já não gócio - agiu como quem pretende confirmá-Io. Claudio Luiz
necessita ser representado, devendo ser assistido por quem a lei Bueno de Godoy (2004, p. 89) explica:
determinar (vide arts. 1.690, 1.747, 1.781). O ato praticado sem
"O venire contra factum proprium, de seu turno, representa
esta devida assistência gera no espírito do legislador uma indig-
máxima pela qual se evidencia, também, o princípio da boa-fé
nação menor do que aquele praticado pelo absolutamente inca-
objetiva, na sua função restritiva de direito subjetivo, significan-
paz. A lei possibilita inclusive sua validade, desde que nenhum
interessado se socorra do Judiciário para pleitear-lhe a anulação. do o exercitá-Io em contradição com o comportamento anterior,
externado pelo próprio indivíduo. Procura-se, aqui, evitar a con-
Ademais, com base de que "ninguém alega em seu favor a pró- trariedade e os efeitos dela decorrentes a outrem."
pria torpeza", o Código prevê que o menor entre 16 e 18 anos que
dolosamente ocultou sua idade ou se declarou maior no momento Perceba que o agente já cumpriu o ato parcialmente, apesar
do contrato não poderá eximir-se da obrigação, alegando sua idade de conhecedor do vício que o inquinava. Isso gera no outro con-
(art. 180), devendo então responder pessoalmente por tal obri- tratante uma justa expectativa que deve ser respeitada pelo
gação (MP/MG - 2000). ordenamento. O art. 175 é ainda mais enfático ao dizer que nes-
Os defeitos do negócio jurídico foram minuciosamente abor- ta hipótese extinguir-se-ão "todas as ações, ou exceções, de que con-
dados em capítulo próprio e têm por conseqüência a produção de tra ele dispusesse o devedor". Antonio Junqueira de Azevedo (2004,
ato anulável, nos termos do inciso II do art. 171. p. 167) comenta a hipótese:

"Tanto a lei brasileira quanto a jurisprudência, ainda que sem


2.2 Características do negócio anulável referência nominal, consagram largamente a proibição de venire
contra factum proprium. É o que se vê, por exemplo, com recurso a
Exatamente em virtude de sua menor gravidade, o negócio
uma espécie de renúncia tácita, no art. 150 do CC brasileiro, ao
anulável possui características mais brandas do que o negó- vedar a lei o pedido de anulação de ato jurídico, quando a obri-
cio nulo. O legislador confere-lhe certa dose de validade e eficá- gação já foi cumprida em parte pelo devedor, ciente do vício que
cia, contemporizando até mesmo com sua convalidação pelo de- a inquinava."
curso do tempo ou pela vontade das partes. Os arts. 172 e seguin-
tes trazem as principais características do negócio anulável. Como já dito, o negócio anulável apresenta relativa gravida-
Assim, ao contrário do ato nulo, o ato anulável pode ser con- de, que não chega a atingir toda a sociedade, pelo que apenas os
firmado expressamente pelas partes. É lícito ao garoto de 16 anos interessados podem alegá-Ia, não cabendo assim nem ao Minis-
que pratica um negócio de compra e venda confirmá-l o ao com- tério Público nem ao juiz declarar no curso da demanda que o
pletar 18 anos (arts. 172 e 173).
172 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 173

contrato debatido foi ou não contaminado com algum vício do No que tange, entretanto, aos efeitos dos negócios nulos e
consentimento. anuláveis, a lei não efetuou qualquer distinção. Ao contrário,
Exatamente por isso que, quando o interessado alega a nuli- previu a mesma conseqüência para ambos no art. 182, com a se-
dade relativa de um negócio jurídico, a declaração de nulidade só guinte redação: "Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes
a ele aproveita, "salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade". ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-
Deste modo, se mediante dolo várias pessoas se obrigaram a con- Ias, serão
\ indenizadas com o equivalente. "
tratar com a mesma pessoa e apenas uma delas alega o vício, Desse modo, tanto o negócio nulo quanto o anulável terão o
apenas ela terá proveito de sua solércia e - somente para ela - o me,smo efeito quando declarados pelo juiz: o retorno das partes
negócio será anulado. A exceção fica por conta dos institutos da ao status quo ante. Afinal, quem em sã consciência poderia defen-
solidariedade e da indivisibilidade, onde - por força do contrato, der a tese de que um contrato de prestação continuada, celebra-
da lei ou da própria natureza da prestação - cada um dos deve- do sob coação moral violenta e duradoura, teria seus efeitos
dores fica responsável (haftung) pelo pagamento de toda a obri- regulares e produtores de efeito até o dia da sentença? Como sa-
gação (schuld). bemos, a coação gera nulidade relativa ao negócio, mas, uma vez
Ao contrário do que ocorre nos negócios nulos, os meramente decretada pelo juiz, terá a mesma conseqüência de um negócio
anuláveis apresentam prazo para sua anulação. O direito que a que foi anulado: "a restituição das partes ao estado em que antes se
encontravam" .
vítima da coação (v. g.) tem de anular um negócio jurídico é da-
queles que não envolvem uma prestação da outra parte, mas que Cabe uma observação importante no que se refere ao ato
submetem esta a um estado de sujeição. Trata-se do direito praticado pelo absolutamente incapaz. A gravidade deste negó-
potestativo, que enseja para seu exercício um prazo decadencial cio é tão premente que o art. 181 proíbe que a outra parte (salvo
sob pena de o próprio direito fenecer. Este prazo será de quatro em uma hipótese) - mesmo quando o negócio for declarado nulo
anos nas hipóteses do art. 178 e de dois anos quando a lei declará- - reclame o reembolso do que pagou ao incapaz. Note a gravida-
10 anulável sem estabelecer prazo (como na hipótese do art. 117) de da disposição. O menor de 16 aliena bem móvel em negócio
(MAGISTRATURA/RS - 2000). de compra e venda celebrado com Pedro, plenamente capaz. De-
clarado nulo o negócio, Pedro terá de restituir o bem móvel e não
2.3 Efeitos dos negócios nulos e anuláveis poderá reclamar o preço que desembolsou ao incapaz.
A única hipótese em que Pedro pode solicitar o reembolso do
As diferenças entre o negócio nulo e o anulável já foram exa-
valor pago é com a difícil prova de que o valor reverteu em pro-
minadas e limitam-se ao campo da titularidade da alegação (art.
veito do menor (provando, por exemplo, que a quantia em dinheiro foi
168), da possibilidade ou não de sua confirmação (art. 172), do aplicada na educação ou na saúde do menor). A mesma linha de ra-
convalescimento pelo decurso do prazo (arts. 178 e 179) ou por ciocínio será utilizada quando a lei tratar do "pagamento" no art.
sua execução com a ciência do vício (arts. 174 e 175) e da possi- 310.
bilidade de pronunciamento ex officio pelo juiz (art. 168, parágrafo
único) .
2.4 Conversão dos negócios jurídicos
Quando a lei quis diferenciar os institutos, ela o fez e de modo
muito didático, reunindo tais disposições no capítulo ora anali- Já salientamos que o negócio nulo não pode ser confirmado
sado, denominado "Invalidade do Negócio Jurídico". pelas partes, prerrogativa esta exclusiva dos negócios anuláveis.
Porém, o Código reserva a possibilidade de conversão do negó-
174 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 175

cio jurídico nulo em outro negócio perfeitamente válido, na for- (requisito imaterial), mas não foi obedecida uma solenidade dita
ma do art. 170: essencial pela lei. Há a possibilidade de converter tal negócio em
promessa de compra e venda para a qual não há necessidade de
"Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de instrumento público (requisito material). Do mesmo modo, o pre-
outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes per- tendido casamento celebrado entre pessoas do mesmo sexo pode
mitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nuli- ser convertido em sociedade de fato, geradora de inúmeras con-
dade." seqüências no campo patrimonial.
O instituto é baseado no princípio da conservação e possui
dois requisitos. O primeiro (requisito imaterial) é a intenção das
Capítulo VII
partes em celebrar o negócio que se pretende agora criar pela Dos atos ilícitos
conversão. O segundo requisito é de que o negócio nulo preen-
cha os requisitos formais e materiais do negócio que se pretende Como já mencionado, os atos ilícitos são fatos jurídicos. Isso
criar (requisito material). Sobre o assunto, o Conselho da Justiça porque se verifica uma repercussão jurídica decorrente deste
Federal já se manifestou em seu Enunciado nº 13, nos seguintes acontecimento. É inegável que, em colisão de automóveis, nas-
termos: "O aspecto objetivo da convenção requer a existência do supor- cerá para o motorista culpado uma obrigação em relação ao
te fático no negócio a converter-se. " outro, com o dever de indenizar danos materiais e morais, pagan-
Carlos Alberto da Mota Pinto (1999, p. 632) versa sobre os do inclusive alimentos a quem o morto os devia em caso de fale-
dois requisitos da conversão: cimento de alguma vítima da colisão (art. 948, 1I), tudo sem pre-
juízo das sanções penais cabíveis ao caso (arts. 302 e 303 da Lei
"1) É necessário que o negócio inválido contenha os requisi-
nº 9.503, de 23 de setembro de 1997).
tos essenciais de forma e substância (capacidade, objecto, von-
tade) , necessários para a validade do negócio sucedâneo ('ersatz').
Assim, a venda verbal de imóveis é inconvertível em promessa de
1 Bipartição da regra geral de responsabilidade civil
compra e venda, dado o art. 41Oº, nº 2.2) Exige-se que a vonta- O Código Civil de 1916 trazia no art. 159 a clássica regra geral
de hipotética ou conjectural das partes seja no sentido da conver- sobre responsabilidade civil. Naquela oportunidade, o legislador
são. Só haverá conversão, quando se imponha a conclusão de que definia o que era ato ilícito e no mesmo dispositivo previa sua
as partes teriam querido o negócio sucedâneo se, na hipótese de conseqüência.
se terem apercebido do vício do negócio principal, não pudessem
tê-Io celebrado sem essa deficiência. Trata-se de um requisito cuja O Código Civil de 2002, entendendo que a conseqüência do
existência deve ser averiguada à luz das particularidades do caso ato ilícito é melhor inserida no campo dos direitos das obrigações,
concreto." preferiu bipartir a clássica definição do art. 159. Assim o fez em
dois dispositivos bem claros, o art. 186 e o 927. Vejamos:
Tal instituto terá grande aplicabilidade quando da violação da
"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, ne-
forma prescrita em lei. Assim, a maioria dos exemplos de aplica-
gligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ção prática do instituto traz como hipótese comum a violação do
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
art. 104, m. É o que ocorre quando se efetuam compra e venda
de bem imóvel sem a devida escritura pública. A intenção das "Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), cau-
partes era evidentemente a transferência da propriedade imóvel sar dano a outrem, fica obrigado a repará-Io."
176 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 177

Os atos ilícitos são praticados diretamente em afronta ao vidades, há um risco inerente maior do que o ordinário e que por
nosso ordenamento jurídico e - por isso mesmo - geram um efeito isso possibilitará ao juiz considerá-Ias como atividades de risco,
jurídico imediato e não coincidente com o querer do agente: o deixando de exigir a difícil prova da culpa por parte da vítima para
dever de reparação. A responsabilidade civil possui quatro requi- alcançar sua justa reparação. Sílvio Venosa (2003, p. 16) conclui:
sitos bem definidos pelo art. 186 do Código Civil. São eles: (a) "Quem, com sua atividade cria um risco deve suportar o prejuízo que, sua
ação ou omissão; (b) dano; (c) culpa ou dolo; (d) nexo causal conduta acarreta, ainda porque essa atividade de risco lhe proporciona um
entre a ação e o dano. benefício. "
O ato assim praticado gera o dever de indenizar, previsto no . Comentando a opção legislativa do Código Civil, Miguel Reale
art. 927. Porque se preocupa com a análise da culpa, esta é a cha- justificava (artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 26
mada responsabilidade subjetiva, mantida como regra em nosso de abril de 2003):
ordenamento. Para configuração de tal responsabilidade, há que
se averiguar se o elemento culpa está ou não presente, para que "Responsabilidade subjetiva, ou responsabilidade objetiva?,
- respectivamente - se configure ou não o dever de indenizar. Vale indagava eu. Não há que fazer essa alternativa. Na realidade, as
o registro - já adentrando em matéria de responsabilidade civil- duas formas de responsabilidade se conjugam e se dinamizam.
de que o parágrafo único do art. 927 traz duas exceções a tal re- Deve ser reconhecida, penso eu, a responsabilidade subjetiva
gra, prevendo hipóteses de responsabilidade objetiva quando: como norma, pois o indivíduo deve ser responsabilizado, em prin-
cípio, por sua ação ou omissão, culposa ou dolosa. Mas isso não
a) lei especial assim prever; são os casos já consagrados de res- exclui que, atendendo à estrutura dos negócios, se leve em con-
ponsabilidade objetiva como da responsabilidade pelo fato e pelo ta a responsabilidade objetiva [...] Pois bem, quando a estrutura
vício do produto ou do serviço no Código de Defesa do Consu- ou natureza de um negócio jurídico, como o de transporte ou de
midor; trabalho, só para lembrar os exemplos mais conhecidos, implica
b) "a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano im- a existência de riscos inerentes à atividade desenvolvida, im-
plicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". põe-se a responsabilidade objetiva de quem dela tira proveito, haja
ou não culpa."
Na parte final do parágrafo único do art. 927, o Código trou-
xe a consagrada teoria do risco (que no Brasil teve como precur- O Conselho da Justiça Federal também já se pronunciou so-
sor Alvino Lima, em sua obra Da culpa ao risco, 1938). Há na so- bre o tema na I Jornada de Direito Civil, proferindo o Enunciado
nQ 38:
ciedade determinadas categorias ou sujeitos que em suas ativi-
dades rotineiramente desenvolvidas expõem os seus pares a um
"A responsabilidade fundada no risco da atividade, como
risco maior do que o normalmente verificado nas demais. São su-
prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo
jeitos que - por conta deste risco natural de sua atividade - nor-
Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente de-
malmente recebem uma remuneração pecuniária maior pelo seu
senvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um
trabalho do que em outras atividades onde este risco não está pre- ônus maior do que aos demais membros da coletividade."
sente. Desta forma, é fácil verificar que uma empresa que faz
entregas de ovos pelo bairro causa à sociedade um risco bem O Projeto nQ 6.960 pretende ainda inserir um § 2Q ao inova-
menor do que outra que transporta valores em dinheiro entre dor art. 927 com a seguinte redação: "§ 2º Os princípios da respon-
bancos e caixas eletrônicos ou de uma outra que faz o serviço de sabilidade civil aplicam-se também às relações de família." O novo pa-
"escolta armada", cada vez mais freqüentes hoje em dia. Nessas ati- rágrafo carrega um dos temas mais palpitantes do Direito Civil,
178 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 179

pois envolve responsabilizar as pessoas por atos de desamor, conforme o art. 311 do Código de Trânsito, mas jamais será con-
abandono ou até negação de parentesco com pessoas que delas denado civilmente se não causar dano a outrem.
descendem. A idéia é positivar o entendimento de que o pai, por
exemplo, poderia ser responsabilizado civilmente por não visitar 2 Abuso de direito
regularmente sua filha menor (em que pese pagar diariamente os
alimentos fixados), o que aliás ocorreu em recente decisão judi- É o ato lícito no antecedente e ilícito no conseqüente. É aquele
cial de primeira instância. Este é um trecho da sentença judicial praticado dentro do direito do indivíduo, porém com excesso nos
proferida nos autos do processo nº 1030012032-0 na com arca de meios. Fartos exemplos são encontrados nos direitos de vizinhan-
Capão da Canoa/RS (disponível em: <www.espacovital.com. ça: Abusa de seu direito o vizinho que, dentro de um pequeno
br»: apartamento, cria dez cachorros de grande porte; abusa de seu
direito o vizinho que cava desnecessariamente profundo poço,
"A ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho esgotando assim o manancial alheio etc. O exemplo clássico,
recém nascido, ou em desenvolvimento, violam a sua honra e a entretanto, é de Planiol e Ripert, aludindo ao caso de um vizinho
sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que que - com lanças enormes - impedia o sobrevôo de balões com
grande parte deles derivam de pais que não lhes dedicam amor e passageiros, prática freqüente na região. Seu objetivo era vender
carinho; assim também em relação aos criminosos. o terreno com preço elevado. O Tribunal de Compiegne (Clement
Por óbvio que o Poder Judiciário não pode obrigar ninguém Bayard) entendeu que tal atitude era considerada um ato ilícito
a ser pai. No entanto, aquele que optou por ser pai - e é o caso posto abusivo, ordenando a retirada das lanças (VENOSA, 2003,
do réu - deve desincumbir-se de sua função, sob pena de reparar p.605) (MAGISTRATURA/SC - 2003).
os danos causados aos filhos. Nunca é demais salientar os inú-
meros recursos para se evitar a paternidade (vasectomia, preser- 3 Atos lícitos que podem gerar direito a indenização
vativos etc.)."
Alguns atos, por sua vez, em que pese serem considerados
No que tange ao requisito dano, a redação do art. 186 - ao pela lei como lícitos - e algumas vezes até heróicos - causam dano
contrário do que ocorria com o art. 159 - não deixa dúvidas. A
a terceiros. Nestas hipóteses, o rótulo de licitude dado pela lei de
conjunção alternativa ou foi substituída pela aditiva e, o que de-
nada vale, pois ainda assim haverá o dever de indenizar. Vejamos
nota a exigência da lei quanto a este específico requisito. De fato, tais espécies previstas no art. 188.
o cidadão pode trafegar pelas ruas com seu carro de modo negli-
gente, sem a mínima atenção para as regras de conduta social, em 3.1 Legítima defesa
altíssima velocidade, sendo condenado na esfera administrativa
por excesso de velocidade, ser condenado no âmbito penal por Este é o clássico exemplo de ato danoso lícito. Não há como
"trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas pro- exigir da vítima reparação pela mera reação que praticou ao ver
ximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desem- um direito seu violado. É bem verdade que a legítima defesa deve
barque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja gran- ser exercida dentro dos limites necessários para que não mude
de movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de de artigo e se transfira para o art. 187 (abuso de direito) (MA-
dano", GISTRATURA/MG - 1999).
O problema ganha contornos mais sérios quando aquele que
se defende causa danos a terceiros estranhos à situação vivida.
180 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 181

Assim, imagine que A - se defendendo de agressão de B - atinja Capítulo VIII


C. Este último terá direito de cobrar indenização do primeiro, que Da prescrição e da decadência
por sua vez terá ação regressiva em face de B para ser ressarcido
do montante que desembolsou. 1 Diferenciação dos institutos mediante a classificação
dos direitos subjetivos
3.2 Estado de necessidade
O exame desses dois institutos exige preliminarmente a dis-
o estado de necessidade se verifica na hipótese de perigo tinção das duas espécies de direitos subjetivos: direitos a uma pres-
iminente, que, para ser removido, exige a destruição ou deterio- tàção e direitos potestativos. Foi partindo desta análise que Agnelo
ração da coisa alheia. A solução legal para tais casos envolve sa- Amorim Filho, em seu artigo "Critério científico para distinguir
ber se a situação de perigo foi criada pela vítima ou não. Em caso a prescrição da decadência e para identificar as ações impres-
afirmativo, não haverá dever de indenizar, posto que a vítima do critíveis" (RT nº 300, p. 7-37), lançou as sementes da constru-
dano foi quem gerou a situação de perigo. O inverso ocorre na ção doutrinária sobre o tema, que resultou no art. 189 do atual
medida em que a vítima do dano nada tem a ver com a situação diploma civilista brasileiro. Da compreensão dessa idéia flui na-
de perigo. turalmente o alicerce para a solidificação e diferenciação dos ins-
titutos da prescrição e da decadência.
Se, v. g., um advogado nota - em dia de calor sufocante - que
há uma criança dentro de um carro estacionado a céu aberto e
1.1 Os direitos a uma prestação
percebe o iminente perigo que passa a vida do infante, é lícito (e
até heróico) que ele quebre o vidro do carro para salvar-lhe. Neste Como o próprio nome diz, o titular de um desses direitos tem
caso, o pai que deixou ali seu descendente criou a situação de a prerrogativa de receber do devedor uma prestação consistente
perigo e não assistirá a ele direito à indenização pelo vidro que- em dar, fazer ou não fazer. Assim ocorre com o direito do mu-
brado.
tuante, que tem o direito de receber do mutuário a quantia
Agora, imagine a hipótese do senhor que - circulando pru- emprestada ou com o vendedor do bem que tem o direito de re-
dentemente por grande avenida - sofre uma brusca fechada de ceber do adquirente a prestação avençada. A tais direitos contra-
imensa carreta, tendo que optar entre sua vida e o muro da casa põe-se um procedimento do devedor que necessariamente deve-
situada à margem da avenida. Se a opção escolhida for a primei- rá colaborar com o credor, dando, fazendo ou deixando de fazer.
ra, ele - apesar de configurado o estado de necessidade - deverá
Por conta dessa colaboração necessária do devedor, há a pos-
indenizar o proprietário do imóvel, restando-lhe o direito de re-
sibilidade de que tais direitos sejam violados. Assim, não é difí-
gresso contra o causador da situação de perigo, a teor dos arts. cil imaginar a hipótese de o devedor não adimplir com sua obri-
929 e 930.
gação no prazo combinado. Basta esta atitude do devedor para
Entre deixar a vítima sem indenização e impor o prejuízo ao
ocorrer a violação desta espécie de direito.
agente causador do dano (ainda que este tenha praticado um ato líci- Assim que tal direito é violado, nasce para o titular uma pre-
to), a lei prefere a última opção, por considerá-Ia menos injusta.
tensão, entenda-se, a possibilidade de o titular exigir a prestação
do devedor. Perceba que o direito ao crédito já existia desde o dia
em que se convencionou o pagamento ao credor. A sua preten-
são, entretanto, só nasce a partir do dia do vencimento.
182 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 183

1.2 Os direitos potestativos nenhuma prestação por parte do donatário. Ao contrário, limita-
se a suportar as conseqüências do exercício deste direito por parte
Nesta segunda categoria de direitos subjetivos, o titular não do benevolente doador. Um último exemplo de direito potestativo
pretende nenhuma prestação da outra parte. Seu único objetivo muito corriqueiro é o que detém o locador - em contrato de 30
é constituir, desconstituir ou modificar uma relação jurídica pe- meses ou mais - de denunciar a locação quando findar o contra-
rante o devedor. Não há necessidade de colaboração por parte do to.
devedor. Não há como imaginar uma violação a um direito
potestativo. 1,3 Do fundamento da prescrição
Agnelo Amorim Filho, no artigo mencionado, conclui:
Quando se idealizou o instituto da prescrição, a ciência jurí-
"Esses poderes [...] se exercitam e atuam mediante simples dica tinha por finalidade impedir que pretensões não exercidas
declaração de vontade, mas em alguns casos, com a necessária durassem eternamente, causando ameaça permanente ao deve-
intervenção do juiz. Têm todas de comum tender à produção de dor, pairando sobre ele como uma espada de Dâmocles. Tal ce-
um efeito jurídico a favor de um sujeito e a cargo de outro, o qual nário geraria uma insegurança muito grande sobre a sociedade,
nada deve fazer, mas nem por isso pode esquivar-se àquele efei- o que não é de agrado da ciência do Direito.
to, permanecendo sujeito à sua produção. A sujeição é um esta-
Como já vimos, a pretensão nasce da violação de um direito a
do jurídico que dispensa o concurso da vontade do sujeito, ou
uma prestação e é esta pretensão que ameaça a sociedade, não a
qualquer atitude dele. São poderes puramente ideais, criados e
existência do direito subjetivo. Entre cometer a injustiça de cei-
concebidos pela lei... (Instituições, trad. Port., 1/41-42)."
far o direito da parte e a injustiça de possibilitar que ela o exer-
O exemplo mais marcante de direito potestativo é o da es- cesse a qualquer momento, a lei preferiu trilhar o meio-termo,
posa que - percebendo ter incidido em erro essencial quanto à eliminando não o direito em si, mas a pretensão de quem não a
pessoa de seu cônjuge - ganha o direito de anular seu casamen- utilizou no momento oportuno. É esta a fundamentação do art.
to. Não pretende a esposa qualquer prestação do marido consis- 189 do Código Civil: "Violado o direito, nasce para o titular a preten-
tente num dar, fazer ou não fazer. O objetivo deste direito é tão- são, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts.
somente desconstituir a relação jurídica do casamento estabe- 205 e 206." É por isso que os prazos prescricionais nascem após
lecida (MAGISTRATURA FEDERAL/Ia REGIÃO - 2001; OAB/ o direito ter sido violado.
SP - 101º). O Conselho da]ustiça Federal pronunciou-se sobre o assun-
A este direito potestativo contrapõe-se não uma prestação do to em seu Enunciado nº 14:
devedor, mas um "estado de sujeição". O marido, no exemplo aci-
"1) o início do prazo prescricional ocorre com o surgimento
ma, fica sujeito às conseqüências deste direito potestativo, nada
da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo;
podendo fazer para violá-Io ou não cumpri-lo. Outro exemplo ilus-
2) o art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce ime-
tra bem: já dissemos que o encargo não subordina os efeitos do
diatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação
negócio jurídico. Assim, se o doador impõe um encargo ao de não fazer."
donatário, o contrato está surtindo seus regulares efeitos. Ainda
que não se cumpra o encargo, os efeitos permanecerão, facultan- Não é técnico, portanto, dizer que a prescrição extingue a
do-se ao doador, entretanto, revogar a doação (art. 555). Ao di- ação. Caso o credor de dívida prescrita ajuíze a demanda, o juiz
reito que o doador tem de revogar tal doação não se contrapõe poderá conhecer de ofício deste óbice, mas haverá resolução do
184 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 185

mérito, conforme o art. 269, IV, do CPC, fazendo coisa julgada aprofundar muito no direito adjetivo, as primeiras têm como prin-
material e impedindo nova propositura. Logo, o direito de ação cipal efeito condenação do réu a dar, fazer ou deixar de fazer al-
foi exercido, mas com uma resposta negativa do Estado. guma coisa; as segundas limitam-se a constituir ou descons-
tituir uma relação jurídica; e as últimas se prestam a declarar a
É por isso que, segundo Humberto Theodoro Jr. (Revista Sín-
nQ 23, maio/jun. 2003), é mais
tese de Direito Civil e Processual Civil,
existência ou inexistência de uma relação jurídica ou ainda a au-
tenticidade ou falsidade de um documento (art. 4Q do CPC).
adequado entender o fenômeno não como a extinção de uma pre-
tensão, mas como o surgimento de uma exceção (na verdade, ob- Fica claro que, para ver efetivado um direito a uma prestação
jeção pois o juiz deve pronunciá-Ia de ofício conforme o parágra- (s4jeito a prazos prescricionais), o titular deve se valer de uma
fo único do art. 112) apta a eliminar pretensão do credor. ação condenatória, enquanto, para exercer um direito potestativo,
deverá utilizar a ação constitutiva.
1.4 Do fundamento da decadência É por isso que se diz que, se a sentença tiver cunho conde-
natório, o direito subjetivo tutelado é direito a uma prestação e,
Quando tratamos de direitos potestativos, percebemos que portanto, sujeito a prazo prescricional e, quando a sentença tiver
não há maneira de se imaginar uma violação a um direito potes- cunho constitutivo, o direito subjetivo tutelado é direito potestativo
tativo. O titular não espera nenhuma prestação da outra parte, e, portanto, sujeito a prazo decadencial. As ações declaratórias não
podendo apenas - a seu puro arbítrio - constituir, desconstituir têm prazo (MAGISTRATURA/MG - 1999; MPRS - XLII).
ou modificar uma relação jurídica. A outra parte fica apenas aguar-
dando a decisão, sem nada poder fazer, num "estado de sujeição". 1.6 Critério topográfico para identificar prazos
Se não há como violar tais direitos, é certo que deles não prescricionais de decadenciais
deflui nenhuma pretensão. É por esse motivo que, na decadência,
o que causa insegurança na sociedade não é a pretensão, é o pró- Um dos princípios que informaram a redação do Código Ci-
vil foi a operabilidade, que visa tornar a norma didática, clara, de
prio direito que - exatamente J;>0risso - já nasce com "período
de validade" para ser exercido. E por isso que os prazos decaden- fácil aplicação e conhecimento da população. Exemplo vivo des-
ciais nascem junto com o direito protegido. Transcorrido este ta inspiração legislativa é o critério utilizado para separar prazos
lapso, o direito em si é atingido mortalmente (MAGISTRATU- prescricionais dos decadenciais. Na sistemática do Código de
RA/PB - 1998). Com isso se atinge uma certeza jurídica que vai 2002, são prescricionais somente aqueles prazos arrolados nos
de encontro aos anseios de segurança e estabilidade social. arts. 205 e 206, sendo de decadência todos os demais dispersos
pelo Código Civil. É o que sustenta Miguel Reale na exposição
Não podemos esquecer ainda que alguns direitos potestativos
de motivos do anteprojeto do Código Civil:
não têm prazo para ser exercidos, como, por exemplo, o do man-
dante em desconstituir seu mandatário ou o do condômino de "Para pôr cobro a uma situação deveras desconcertante, op-
desfazer a comunhão. tou a Comissão por uma fórmula que espanca quaisquer dúvi-
das. Prazos de prescrição, no sistema do projeto, passam a ser,
1.5 Classificação das ações quanto à eficácia de sua apenas e exclusivamente, os taxativamente discriminados na
sentença Parte Geral, Título IV, Capítulo I, sendo de decadência todos
os demais, estabelecidos, em cada caso, isto é, como comple-
Utilizando este critério, temos três espécies de ações: (a) mento de cada artigo que rege a matéria, tanto na Parte Geral
condenatórias; (b) constitutivas; (c) exclusivamente declaratórias. Sem como na Especial."
L
186 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 187

2 Disposições específicas sobre a prescrição devedor que com ela anui e passa a quitá-Ia. Será expressa quan-
do decorrer da manifesta intenção da parte favorecida pela pres-
Após tentar contribuir com o amadurecimento das idéias crição de pagar sua dívida, apesar do transcurso do tempo.
sobre prescrição e decadência, passo a analisar as disposições
específicas sobre cada um dos institutos, iniciando com a pres- 2.3 Alegação da prescrição
crição.
2.3.1 Momento. O prequestionamento
2.1 A exceção prescreve no mesmo prazo que a pretensão
. O art. 193 salienta: "A prescrição pode ser alegada em qualquer
Transcorrido o lapso previsto em lei, o titular do direito vê grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita." Entre a letra fria da
consumar a prescrição. O art. 190 determina expressamente que lei e o calor da práxis forense, grande distância existe.
no mesmo período ocorreu também o fenômeno da perda da exce-
Em primeiro lugar, tal afirmação contrasta com o princípio
ção. Um exemplo facilitará a compreensão: no ano de 1980, A
da eventualidade da defesa, previsto no art. 300 do CPC, que
empresta determinada importância para B. O credor A nunca
impõe ao réu alegar toda sua matéria de defesa (apesar de que o
cobrou a dívida e viu então o fenômeno da prescrição atingir a art. 303, III, do mesmo ordenamento abre exceção para as defe-
relação jurídica. No ano de 2002, B empresta quantia para A e este sas que - por expressa autorização legal- puderem ser formula-
não paga. Se B acionar A, este não poderá alegar em sua defesa das a qualquer tempo ou juízo), evitando assim o desnecessário
(exceção) o valor que emprestou em 1980. andamento da máquina estatal.
Mas, como não bastasse, há ainda a questão do chamado
2.2 Renúncia à prescrição consumada
"prequestionamento", onde se impõe às partes o dever de alegar
Vimos que a prescrição na sua mais moderna concepção faz as questões de fato nas instâncias inferiores, não deixando para
nascer uma exceção, uma defesa ao devedor. Tal prerrogativa- fazer quando o recurso estiver nos Tribunais Superiores. A dúvi-
que agora possui o devedor (de alegar a prescrição) - pode ser da que fica é: será que a expressa disposição do art. 193 terá for-
renunciada. ça suficiente para proporcionar ao réu a alegação da prescrição em
qualquer grau de jurisdição? José Fernando Simão (artigo publi-
Como só se renuncia àquilo que se possui, o art. 191, de modo
cado no jornal Carta Forense, edição nQ 8, ago. 2004) - dedican-
coerente, permite ao devedor que renuncie a esta prerrogativa do-se exatamente ao tema - conclui:
quando a prescrição estiver consumada. Este dispositivo também
tem caráter protetivo, pois, caso contrário, a renúncia antecipa- "Isso quer dizer que se a parte não alegou em defesa, por
da à prescrição viraria cláusula de estilo em contratos, principalmen- exemplo, pode alegar a prescrição em sede de apelação? A res-
te nos de adesão, prejudicando o devedor. Pelo mesmo motivo, posta é sim, mas, nesse caso, haverá um ônus à parte que pode-
não podem as partes alterar prazos prescricionais previstos na lei ria tê-Ia alegado desde logo e não o fez. O ônus será a perda dos
(MAGISTRATURA/DF - 2002). honorários advocatícios (mesmo a demanda sendo julgada impro-
A renúncia (que só pode ocorrer após a consumação da pres- cedente o advogado do devedor réu que não alegou na defesa a
crição) pode ser expressa ou tácita. Será tácita quando se presu- prescrição perde os honorários que lhe seriam devidos) e ainda,
mir de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição. Ex.: a parte deverá arcar com os prejuízos de tal demora na alegação.
credor de dívida prescrita envia proposta de parcelamento ao Entretanto, ressaltamos que em razão da necessidade do chama-
do prequestionamento como requisito de admissibilidade do Re-
188 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 189

curso Especial, não poderá a parte alegar prescrição apenas em A primeira ocorre quando são credoras, tendo, portanto, um
quando da interposição do recurso mencionado." prazo para agir. Diante da inércia prolongada das pessoas que a
representam ou assistem, poderão ver seu direito tornar-se dé-
bil, pois grande parte de sua efetividade se dilui com a prescri-
2.3.2 Quem pode alegar ou suscitar a prescrição. A Lei nº
11.280/2006 ção. Terão, portanto, ação contra aqueles que deram causa a tal
prescrição, entenda-se: contra aqueles que permitiram o escoa-
Desde sua redação original, em 1973, o art. 219, § 5º, do mento do prazo (seus assistentes - no caso dos relativamente
Código de Processo Civil impedia que o juiz conhecesse de ofí- incapazes - e seus representantes legais - no caso das pessoas
cio a prescrição que envolvia direitos patrimoniais, o que englo- jurídicas) .
bava quase a totalidade dos casos de prescrição. Logo, se o deve- A segunda hipótese ocorre quando tais pessoas são devedo-
dor não percebesse o transcurso do lapso, a ação fluiria normal- ras. Neste caso, se o prazo do credor já transcorreu, nasce para o
mente até seu final julgamento com provável procedência do devedor uma exceção que deve ser alegada, pois o juiz não pode-
pedido por parte do credor de dívida prescrita. rá suscitá-Ia de ofício. Fica evidente que, caso o representante da
O art. 194 do Código Civil de 2002 alterou tal cenário e per- pessoa jurídica ou o assistente do relativamente incapaz não ale-
mitiu ao juiz a declaração de ofício da prescrição quando o deve- guem a prescrição, haverá prejuízo para os devedores que afinal
dor fosse absolutamente incapaz. Ou seja, se a dívida já estives- sairão vencidos de uma demanda onde bastava alegar a ocorrên-
se prescrita e o devedor-réu fosse um absolutamente incapaz, o cia da prescrição para extinguir o processo. Novamente, a lei ga-
juiz poderia extinguir o processo com resolução de mérito com rante ação dos devedores em face dos representantes ou do as-
sistente inertes.
base no art. 269, IV. Houve, portanto, derrogação do disposto no
CPC (Enunciado nº 155, do Conselho da Justiça Federal).
Todavia, a Lei nº 11.280/2006 alterou a redação do art. 219, 2.5 Impedimento e suspensão do lapso prescricional
§ 5º, do CPC, para permitir que o juiz conheça de ofício da pres-
Suspensão e impedimento da prescrição são fenômenos idên-
crição, seja ela patrimonial ou não, favoreça ela capaz ou incapaz. ticos em sua essência. Decorrem automaticamente de fatos jurí-
O art. 194 do Código Civil, de alcance reduzido, perdeu objeto e
dicos em que a lei não considera apropriada a fluência do prazo.
por conta disso foi expressamente revogado pela referida lei de A única diferença entre eles é o momento de sua ocorrência. Caso
2006 (128º OAB/SP).
o fato ocorra antes de iniciado o prazo prescricional, este ficará
impedido de iniciar. Por sua vez, caso o prazo já tenha se inicia-
2.4 Transcurso do lapso prescricional por culpa de do e verifique-se posteriormente a ocorrência do fato, ocorrerá a
representante legal da pessoa jurídica ou assistente suspensão do lapso. Se o fato deixar de existir, levanta-se a
do relativamente incapaz suspensão e o prazo volta a fluir de onde havia parado, ou seja,
leva-se em conta o período que já havia transcorrido.
Tendo já se preocupado com o absolutamente incapaz (de- O exemplo clássico (art. 197, I) é a suspensão do lapso
terminando que o juiz pronuncie de ofício a prescrição operada prescricional entre cônjuges. De fato, imagine a situação do ma-
em seu favor), a lei (art. 195) agora se volta para os relativamen- rido - credor de sua esposa - que vê fluir o prazo prescricional.
te incapazes e para as pessoas jurídicas, outorgando-Ihes prote- Teria o varão que optar entre quedar-se na inércia (perdendo seu
ção especial em duas hipóteses. prazo), ou mover ação, perdendo a confiança da virago. Preven-
190 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 191

do tal ocorrência, o legislador suspende o prosseguimento do Ary Azevedo Franco (1950, p. 74) elogiava a clareza da pro-
prazo na "constância da sociedade conjugal". teção legal conferida à época pelo Código de 1916:
Atendo-se a este clássico exemplo de "suspensão do lapso
"No Direito Anterior, a questão não se apresentava resolvi-
prescricional", o Código é omisso e enseja um sério questio-
da com tanta clareza, pois, enquanto para uns, a prescrição não
namento: tal regra vale para a convivente na união estável? Em
corria contra os impúberes, isto é, os menores de 14 anos, de
caso afirmativo, a partir de quando haveria a paralisação do lap-
qualquer dos sexos, para outros, não corria contra os menores de
so? Desde o início do relacionamento ou apenas depois de trans-
14 anos e as menores de 12 anos, e não se suspendia a prescri-
corrido determinado tempo que "exteriorizaria a união pública,
ção que corresse contra os loucos. O Código Civil estabeleceu
duradoura e com intenção de efetivamente constituir uma famí-
igualdade entre o regime adotado para os impúberes, e, como bem
lia"? Afinal, a Constituição Federal (art. 226, § 3º) equiparou os
salienta CARPENTER, foi além dos demais códigos estrangeiros,
institutos ou deu certa primazia ao casamento, mormente quan-
tornando-se original a respeito, e credor dos melhores encômios."
do lecionou que a lei deveria "facilitar a conversão da união está-
vel em casamento"? É mais uma questão a ser desbravada pela Por fim, a lei ainda protege os que estão ausentes do país em
jurisprudência. serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios, bem
De qualquer maneira, é importante que fique claro que, em como os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tem-
benefício de certas relações ou de certas pessoas que se encon- po de guerra. São pessoas que estão servindo ao Estado, geralmen-
tram em peculiares situações, a lei não permite que contra elas o te ao Poder Executivo, e não é exigível delas que retomem para
prazo se escoe. Entretanto, uma vez cessada a situação que im- cobrarem seus créditos. O Poder Legislativo então retribui, im-
pede ou suspende a prescrição, o prazo volta a correr de onde pedindo a fluência do prazo prescricional contra eles (ADVOGA-
havia parado. O tempo restante será atribuído ao credor para DO DA UNIÃO/ESAF -1999; MP/MT - 2002). O Conselho da
promover os atos em defesa de seu direito. Justiça Federal entendeu que o ausente (previsto nos arts. 22 a
Vale lembrar que o art. 201 determina que, suspensa a pres- 39) que desaparece de seu domicílio sem deixar notícias também
crição para um dos credores solidários, o mesmo não ocorre para deveria estar protegido pelas normas de suspensão da prescrição
os demais. A suspensão é personalíssima, salvo se a obrigação for e assim se pronunciou no Enunciado nº 156: "Desde o termo ini-
indivisível (o que não se confunde com obrigação solidária). cial do desaparecimento, declarado em sentença, não corre a prescrição con-
tra o ausente."

2.5.1 Hipóteses de impedimento ou suspensão do lapso


prescricional 2.6 Interrupção do lapso prescricional

Estão todas previstas nos arts. 197 a 199 e as mais importan- Diferentemente do impedimento e suspensão, a interrupção
tes são as que protegem as relações de família (não correndo a decorre necessariamente de uma atitude do credor que se mos-
prescrição entre cônjuges, ascendentes e descendentes, tutores tra solerte em relação ao direito que possui. A interrupção do
e tutelados, curadores e curatelados). A lei mantém sua tendên- lapso denota uma solércia do credor, que assim se mostra atento
cia de proteger os absolutamente incapazes e não permite que o em defender seus direitos e seu crédito. Vendo passar seu prazo
prazo prescricional flua contra eles. Assim, se o garoto de dez anos sem o adimplemento do devedor, e ciente de que o direito não so-
é credor em uma relação jurídica, o prazo contra ele somente se corre aos que dormem, o credor sai de sua inércia para interromper
iniciará quando ele completar 16 anos. a prescrição e ver o seu prazo reiniciar desde o nascedouro.
192 Direito Civil
Dos Fatos Juridicos 193

Neste capítulo, o legislador consagrou urna regra perigosa, Via de regra - havendo mais de um devedor ou mais de um
que pode ensejar longos questionamentos e lides futuras. É a credor -, a obrigação presume-se dividida em tantas obrigações
regra do caput do art. 202, que determina: "A interrupção da pres- quantos credores ou devedores existam na relação (art. 257). É
crição, que somente poderá ocorrer uma vez." Tal privilégio só era con- por isso que "a interrupção da prescrição por um credor não aproveita
cedido à Fazenda Pública (hipótese na qual o prazo reinicia-se pela aos outros" e também "a interrupção operada contra o co-devedor, ou
metade, conforme art. 3º do Decreto-lei nº 4.597 de 19 de agos- seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados" (art. 204, caput).
to de 1942). Entretanto, a solidariedade mitiga essa regra e enfeixa as relações
O problema é que a limitação da possibilidade da interrup- d9 lado passivo ou do lado ativo. A conseqüência natural disso é
ção em apenas urna ocorrência traz sério inconveniente quando que, havendo solidariedade, a interrupção operada por um dos cre-
confrontada com a hipótese do art. 202, VI, onde o legislador dores favorece os demais e a interrupção contra um devedor pre-
prevê a hipótese de interrupção da prescrição por "qualquer ato do judica todos (art. 204, § 1º).
devedor que importe reconhecimento do direito". Se, entretanto, um dos devedores solidários tiver falecido, a
Não é necessária grande dose de malícia para perceber que o interrupção da prescrição contra o seu herdeiro não surtirá efei-
devedor poderá valer-se de tal disposição para - "reconhecendo o tos perante os co-devedores, salvo na hipótese de a obrigação ser
direito do credor" - esgotar a oportunidade deste, fazendo com que indivisível (art. 204, § 2º).
a prescrição escoe inexoravelmente até a foz da perda da preten-
são. Mais urna vez caberá à prodigiosa jurisprudência impedir - 2.6.1 Hipóteses de interrupção
contra legem - que tal hipótese tenha efeito quando do reconheci-
mento da prescrição pelo devedor. Corno já alertamos, as hipóteses do art. 202 não decorrem de
Outra regra que certamente ensejará dúvidas está prevista no um fato que automaticamente faz parar o prazo (corno ocorre no
primeiro inciso do art. 202. O dispositivo afirma que é o despacho impedimento e na suspensão). Ao contrário, têm em comum urna
do juiz que interromperá a prescrição. atitude do credor que cabalmente demonstra que pretende valer-
O art. 219 do CPC tratava do assunto de maneira inteligen- se do seu direito, quer imediatamente (intentando a competente
te, fazendo com que o ajuizamento da ação valesse corno causa ação judicial), quer em momento mais oportuno.
interruptiva, bastando que para tanto a citação se efetuasse em Das seis hipóteses de interrupção do lapso prescricional, duas
100 dias; e ainda que tal centena se esgotasse sem culpa do au- já foram analisadas (despacho do juiz e ato inequívoco do devedor que
tor, a citação possuía igualmente o condão de retroagir até a data importe reconhecimento do direito). Mas há outros meios de ocorrer
do ajuizamento. Não é a redação do art. 202, L a interrupção da prescrição. O protesto judicial é urna das formas,
Dessa forma, intentada ação restando dez dias para a ocor- valendo-se o credor dos arts. 867 e seguintes do CPC para pro-
rência da prescrição, a mesma só será interrompida quando do ver a conservação do seu direito. Qualquer outro ato judicial que
despacho do juiz. Se isso ocorrer após 15 dias (prazo inclusive constitua em mora o devedor também interrompe a prescrição.
razoável em com arcas com grande fluxo processual), a prescri- A apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou
ção se consumará contra o solerte autor que moveu a máquina concurso de credores é outra maneira de interromper o lapso.
estatal ainda dentro de seu prazo. Doravante - ao menos na letra Entretanto, a grande novidade do art. 202 é sem dúvida a
fria da lei -, o destino da pretensão está nas mãos do juiz e não possibilidade de interromper a prescrição com o protesto cam-
nas mãos de seu titular. bial. Cai por terra então a Súmula 153 do STF, que dizia: "Sim-
ples protesto cambiário não interrompe a prescrição" (MP/MT - 2002).
194 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 195

3 Disposições específicas sobre a decadência 3.1 Transcurso do lapso decadencial por culpa de
representante legal da pessoa jurídica ou assistente
As regras que estudamos sobre impedimento, suspensão ou do relativamente incapaz
interrupção da prescrição não são aplicáveis à decadência, salvo
quando o titular do direito potestativo for um absolutamente Vale para a decadência a mesma regra de direito de regresso
incapaz. Neste caso, o art. 208 manda impedir a decadência igual- que possuem a pessoa jurídica e o relativamente incapaz contra
mente (aplicando, então, a regra já analisada do art. 198, I). Ou- seus representantes e assistentes. Remetemos o leitor ao item
tra hipótese em que a lei determina a suspensão do prazo "Prescrição operada por culpa de representante legal da pessoa jurídica
decadencial está no Código de Defesa do Consumidor, art. 26, § ou assistente do relativamente incapaz", onde esmiuçamos mais o
2º, que prevê tal paralisação com a reclamação por parte do con- tema.
sumidor ou com o inquérito civil promovido.
Questão interessante é saber se o verbo obstar utilizado pela 3.2 Decadência convencional
lei significa suspensão ou impedimento do prazo decadencial. José
Fernando Simão (2003, p. 120) responde: O Código de 2002 trouxe uma importante inovação na ma-
téria de decadência. Permitiu que as partes convencionem que
"Se os dispositivos prevêem que a decadência está obstada até determinado prazo prescricional seja convertido em decadencial.
a ocorrência de certos fatos (resposta do fornecedor e encerramen- É o que se chama decadência convencional. As partes podem as-
to do inquérito), o Código de Defesa do Consumidor pretendeu sim proceder para atribuir regras de decadência a prazo de natu-
a simples suspensão. A preposição até contida no texto de lei reza prescricional. Perceba que o direito subjetivo da parte é da
permite-nos inferir que até a ocorrência de certo fato o prazo espécie direitos a uma prestação, mas a lei permite que se dê ao prazo
decadencial está suspenso, e, após, volta a fluir de onde parou. o título de decadência. Nestes casos, o juiz não pode conhecer de
Houve simples paralisação. Se o Código de Defesa do Consumi- ofício, pois a alteração do nome do prazo não altera a natureza
dor pretendesse a interrupção do prazo, não mencionaria termo do direito violado (MAGISTRATURA/SP - 175º).
para o fim do prazo decadencial, mas simplesmente estabelece-
ria os fatores interruptivos e não lapsos temporais suspensivos." 4 Prescrição e direito intertemporal
Outra regra da prescrição que o Código utiliza para a deca-
Como visto, o instituto da prescrição influi diretamente na
dência consiste na possibilidade de o relativamente incapaz ou a
vida das pessoas (quer físicas, quer jurídicas) e sofreu conside-
pessoa jurídica pleitearem indenização em face da desídia de seus
ráveis alterações com o novo ordenamento civilista, trazendo no
representantes legais que ou não alegaram quando lhes favore-
seu bojo um problema de difícil solução: como conciliar os pra-
cia, ou a deixaram correr quando lhes prejudicava.
zos em andamento com a entrada em vigor dos novos prazos pre-
Como já vimos, a decadência faz fenecer o próprio direito vistos pelo Código Civil de 2002? Direito intertemporal, tecni-
potestativo da parte que não o exerceu no tempo oportuno. As- camente falando, é o objeto desta questão que deve ser solu-
sim sendo, se o titular de um direito potestativo permitir a con- cionada com a técnica da interpretação conforme.
sumação da decadência e ainda assim intentar ação judicial, o juiz
Com a entrada em vigor do novo Código Civil em 11 de ja-
deve conhecer de ofício, pois aqui simplesmente não há direito a
ser tutelado. neiro de 2003, inúmeros prazos prescricionais estavam em anda-
mento. São empresas multinacionais, associações, fundações,
196 Direito Civil
Dos Fatos Jurídicos 197

profissionais liberais e até simples pessoas físicas que têm a seu vam necessariamente a soluções opostas. Afinal, em que hipóte-
favor um crédito, um direito ainda não cobrado judicialmente. se se aplicará o prazo antigo para as situações em curso em
Contra elas flui um lapso prescricional que tem o condão de - uma janeiro de 2003? Conforme a interpretação que se dê ao mencio-
vez consumado - conceder uma exceção ao devedor que pode nado artigo, inserido no capítulo que versa sobre as "Disposições
utilizá-Ia para fazer extinguir a pretensão do credor. finais e transitórias", chegaremos às seguintes respostas:
Os lapsos prescricionais (de maior ou menor duração, depen-
dendo da espécie) sofreram - com o novo Código - uma grande 1. a aplicação do prazo antigo ocorrerá em duas situações
redução na maior parte dos casos. O prazo de reparação civil, por distintas: a) em todos os prazos diminuídos pela nova
exemplo, diminuiu de 20 (vinte) para 3 (três) anos (art. 206, Lei; b) em todos os prazos em que - na data da entra-
§ 3º, V). Significa dizer que a mãe terá esse pequeno prazo para da em vigor do novo Código - já houver transcorrido
intentar ação em face do causador da morte de seu filho, enfren- mais da metade do tempo;
tando, assim, a "vitimização secundária do processo". Relembrar, 2. a aplicação do prazo antigo apenas ocorrerá em uma
em menos de três anos, nos autos do processo (com fotos, exa- situação, exigindo, entretanto, dois requisitos para
mes, documentos e relatos), o pior capítulo de sua vida pode aplicação do prazo antigo: diminuição do prazo e trans-
desestimular a infortunada genitora a mover o aparelho estatal. curso da metade do lapso.
A dúvida que surge então é: como conciliar os prazos em
andamento com os novos prazos? Imagine o próprio exemplo da 4.1.1 A interpretação inconstitucional
responsabilidade civil. Como já demonstrado alhures, tal prazo,
que era de 20 (vinte) anos na antiga lei, caiu para 3 (três) com o A doutrina vem maciçamente preferindo a resposta nº 2,
novo Código. Como fazer se - na entrada em vigor do novo Có- entendendo que a aplicação do prazo antigo só ocorrerá em uma
situação, exigindo, entretanto, dois requisitos para aplicação do
digo - já houverem transcorrido 11 (onze) anos? Já terá se con-
prazo antigo: (a) diminuição do prazo e (b) transcurso da meta-
sumado a prescrição? Terá o credor mais 9 (nove) anos para co-
de do lapso.
brar a dívida? Ou terá ele apenas mais 3 (três) anos?
Tal interpretação, data venia, leva a uma inconstitucionalidade
Prevendo essa hipótese, o legislador inseriu no art. 2.028 uma
do artigo em estudo, pois viola o direito de igualdade, outorgan-
regra de transição, determinando a aplicação dos lapsos antigos
do prazos maiores para o inerte credor - que deixou passar mais
para os prazos em andamento quando da entrada em vigor do
da metade do prazo - e prazos menores para os credores em que
novo Código. Dispõe o mencionado artigo:
o lapso não transcorreu pela metade.
"Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Imagine o exemplo em que A e B sofrem - em anos diferen-
Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver trans- tes - colisão de automóvel sob as mesmas condições, com culpa
corrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada." exclusiva do outro condutor. Perceba que são dois acidentes dis-
tintos, um ocorrido em 1992 e outro em 2001. Como já disse, tal
4.1 As duas possíveis interpretações do art. 2.028 prazo caiu de 20 (vinte) para 3 (três) anos e um requisito já foi
atendido. A partir de agora, utilizar-se-á a interpretação da qual
Tal dispositivo - a par de fazer jus a elogios pela expressa discordo, apenas para demonstrar sua "inconstitucionalidade (ou,
previsão do problema - merece crítica no que tange a sua reda- pelo menos, sua incongruência) matemática".
ção, confusa e passível de duas principais interpretações que le-
198 Direito Civil Dos Fatos Jurídicos 199

Na data em que entrou em vigor o novo Código, o credor A dos novos prazos aos já em curso, mormente em face da redução
já havia deixado passar 11 (onze) anos (tendo passado mais da de praticamente todos os prazos prescricionais (no que andou
metade do prazo, aplicamos o prazo antigo). Terá então mais 9 bem o legislador face à dinâmica das comunicações e da interação
(nove) para cobrar o devedor. Seu prazo, que se iniciou em 1992, social) .
consumar-se-á em 2012.
Ademais, tempus regit actum, ou seja, para os fatos jurídicos
Por sua vez, o credor B só deixou correr 2 (dois) anos, não ocorridos durante a vigência da Lei de 1916 (e o ato ilícito é um
tendo passado metade do prazo, significa que não preenchemos fato jurídico humano), regra geral será a aplicação dos prazos nela
o segundo requisito solicitado pela doutrina. Aplicaremos, por- e.stabelecidos. O instituto da prescrição existe para proteger a
tanto, o novo prazo. Terá, então, apenas mais três anos - conta- sociedade (a quem não interessa ver potenciais conflitos eterna-
dos a partir da entrada em vigor do novo Código - para levar sua mente em aberto) e não o devedor.
pretensão ajuízo. Seu prazo, que se iniciou em 2001, consumar-
se-á em 2006. Por paradoxal que seja, a partícula e neste caso foi inserida
exatamente com o objetivo de acrescentar uma hipótese a mais e
Perceba que o prazo de A começou antes (1992) e irá se con- não com o fim de inserir um requisito a mais. Quis dizer o legis-
sumar depois (2012), enquanto o prazo de B começou depois lador que seriam os da lei anterior os prazos quando reduzidos
(2001) e irá se consumar antes (2006). por este Código e também (em outra hipótese, portanto) se, na
Utilizar tal interpretação prejudica o credor, que verá seu data de sua entrada em vigor, já houvesse transcorrido mais da
prazo drasticamente diminuído em inúmeras situações, pelo sim- metade do tempo ...
ples fato de metade do prazo não ter escoado; o que, inclusive, Perceba que, se o art. 2.028 quisesse dois requisitos para só
afronta princípios básicos de um ordenamento civil, como a se- então possibilitar a utilização do prazo antigo, teria retirado a
gurança das relações jurídicas e a estabilidade social, sem falar na partícula e de sua redação, fazendo então sentido exigir tanto a
desigualdade entre os credores, que fere diretamente o caput do diminuição quanto o transcurso da metade do prazo. Note como
art. Sº da Constituição Federal. ficaria a redação sem a malsinada partícula:

4.1.2 Interpretação do art. 2.028 conforme a Constituição "Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este
Federal Código se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorri-
do mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada."
Parece preferível a primeira solução, que amplia o leque de
Utilizar o prazo antigo para todos os casos em que o lapso
situações em que se utilizará o Código antigo. Como já salientei,
por esta interpretação utilizaremos o prazo antigo em duas hipó- diminuiu não traz inconvenientes, não prejudica nenhum direi-
teses: (a) em todos os prazos diminuídos pela nova Lei; (b) em to adquirido e coloca todos os cidadãos em pé de igualdade, em
todos os prazos em que - na data da entrada em vigor do novo franca obediência ao mandamento constitucional. A interpreta-
Código - já houver transcorrido mais da metade do tempo. Tal ção conforme servirá para solucionar flagrantes injustiças, como
a do exemplo acima. Alexandre de Moraes (2001, p. 43) leciona
entendimento salva a lei, pois a imensa maioria dos prazos dimi-
que, nas hipóteses em que o diploma legal oferece duas interpre-
nuiu e isso já seria suficiente para aplicarmos os prazos antigos.
tações, é a constitucional que deve prevalecer.
A inserção de um novo ordenamento civilista requer toda uma
adaptação da sociedade, que deve se integrar aos poucos a sua Assim sendo, no caso de normas com várias significações
nova "Constituição". Não seria justo exigir a imediata aplicação possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente
200 Direito Civil Dos Fatos Juridicos 201

conformidade com as normas constitucionais, evitando sua de- tação condizente com a Carta Política. Clemerson Cleve (2000,
claração de inconstitucionalidade e conseqüente retirada do p. 263) vai além:
ordenamento jurídico.
"A interpretação conforme a Constituição, conhecida pelas
A introdução de um novo Código Civil deve ser aplaudida Cortes Constitucionais européias, mais do que uma técnica de
como conseqüência natural de evolução social e jurídica de uma salvamento da lei ou do ato normativo (doutrina americana),
nação. Não se esqueça, contudo, de que tal substituição deve ser consiste já numa técnica de decisão. Assim, em homenagem aos
realizada com a prudência e o vagar necessários. A codificação de princípios da presunção de legitimidade das leis e da supremacia
Clóvis Beviláqua não pode ser substituída como um bem fungível. da Constituição, interpreta-se o ato impugnado conforme a Cons-
Suas disposições ainda serão úteis por muitos e muitos anos, até tituição."
que a sociedade tenha se adaptado ao novo Código.
o art. 2.028 merece detida e criteriosa análise, pois, depen-
4.1.3 Interpretação do art. 2.028 outorgada pelo Conselho da dendo de sua interpretação, a inconstitucionalidade (ou, pelo
Justiça Federal na I Jornada de Direito Civil menos, sua incongruência) é "matemática". Caberá ao Poder Ju-
diciário (tanto na via difusa, quanto na via concentrada) dar a tal
o Enunciado nº 50 tratou exatamente do art. 2.028 e concluiu dispositivo a interpretação que melhor se encaixe no paradigma
pela alternativa que entendo inconstitucional. Nestes termos: constitucional para que o caput do art. 5º da Constituição Fede-
ral não seja violado. Valores como a igualdade, a segurança jurí-
"A partir da vigência do novo Código Civil, o prazo pres- dica e a supremacia da Constituição serão em breve colocados à
cricional das ações de reparação de danos que não houver atingi- mesa para se interpretar o alcance do referido dispositivo. Espe-
do a metade do tempo previsto no Código Civil de 1916 fluirá por ra-se que aqueles substantivos não sejam esquecidos.
inteiro, nos termos da nova lei."

Perceba que o Conselho da Justiça Federal entendeu pela ne-


cessidade dos dois requisitos, pois exigiu - a contrário senso -
que já houvesse passado metade do tempo para só então se apli-
car a lei antiga. Deste modo, a inconstitucionalidade que expu-
semos alhures estaria caracterizada e todos os prazos que não
houvessem atingido metade do seu lapso prescreverão no dia 11
de janeiro de 2006 (três anos após a entrada em vigor do Código
Civil) .

4.1.4 Conclusão

Controlar a constitucionalidade das leis é verificar se o legis-


lador infraconstitucional (poder constituído) respeitou as dire-
trizes do poder constituinte. Tal operação envolve não só extir-
par do ordenamento as normas inconstitucionais, como também
aproveitar aquelas que podem ser "salvas", dando-Ihes interpre-
Questões
. *
(desafie o seu conhecimento!)

1. A lei superveniente pode ser aplicada, respeitando o princípio da


irretroatividade, aos efeitos, que perseveram, de um fato verifica-
do anteriormente a sua vigência? (Magistratura Estadual/2002
- RJ - 34º Concurso).
2. O que quer dizer o art. Sº da Lei de Introdução ao Código Civil
Brasileiro, ao prever que, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos
fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum?
(Magistratura Federal/2001 - 2ª Região - 8º Concurso).
3. Quando pode ser aplicada a analogia na solução, do caso concre-
to? Cite, pelo menos, uma área de exceção à sua aplicação (Ma-
gistratura Federal - 2ª Região - 4º Concurso).
4. O ordenamento jurídico brasileiro prevê alguma hipótese de mor-
te civil da pessoa natural? Responda justificadamente, analisando a
questão do começo e do fim da personalidade jurídica da pessoa natural
(Magistratura Estadual/2000 - MS - 20º Concurso).

o objetivo das questões é apenas indicar ao leitor os assuntos mais


relevantes tratados nos concursos públicos. Quando forem extraídas de pro-
vas, haverá a indicação entre parênteses do concurso, ano ou local. Caso não
haja nenhuma referência, foi elaborada pelo próprio autor. Não há gabarito ofi-
cial, pois o objetivo principal da obra é apresentar doutrina.
204 Direito Civil
Questões 205

5. Uma grande empresa de planos de saúde veiculou publicidade


causou prejuízo ao incapaz. Procede o pedido de anulação? (Ma-
institucional em diversos jornais e revistas, na qual constava uma
gistratura Estadual/2002 - RJ - 36° Concurso).
fotografia de Marcelo, médico famoso na área de neurocirurgia. No
texto da mensagem publicitária, após diversas referências elogiosas 13. Quando a invalidade de um contrato decorre de sua contrariedade
à atuação do médico, ressaltou-se que ele era um dos profissionais a uma norma imperativa, sua subseqüente ab-rogação é suficiente
conveniados aos planos de saúde da empresa. Marcelo não autori- para atribuir-lhe eficácia? (Magistratura Estadual/2002 - RJ _
32° Concurso).
zou o uso da fotografia. É cabível, na hipótese, alguma espécie de
indenização a Marcelo? Em caso positivo, indique o direito viola- 14. O que é prescrição? Diga se os "Direitos Potestativos" podem ser
do e os pressupostos para caracterizar o dever de indenizar (Mi- atingidos por ela (Magistratura Federal/1998 - 2a Região - 5º
nistério Público Estadual/2002 - DF - 24º Concurso). Concurso) .
6. Arão, surdo-mudo, sabendo ler e escrever, aos quinze anos de ida- 15. Faça a distinção entre negócio jurídico e ato jurídico em sentido
de fez um testamento cerrado em favor de sua empregada, deixan- estrito (Magistratura Estadual- RJ - 21º Concurso).
do-lhe todos os seus bens; o documento foi entregue ao oficial
competente. Aos vinte e cinco anos de idade, Arão faleceu sem
descendentes ou ascendentes. Deixou apenas uma irmã e dois so-
brinhos, sendo estes filhos de um irmão premorto. Em face da si-
tuação hipotética apresentada, é válido o testamento? Justifique
(Ministério Público Estadual/2000 - DF - 23º Concurso).
7. A situação jurídica do nascituro e a inteligência do art. 4Q do Códi-
go Civil (Ministério Público Federal/2002 -19º Concurso).
8. Para os fins da Lei nº 8.009, de 29/3/90, a máquina de lavar rou-
pa, o aparelho de som, a televisão, o forno de microondas e o apa-
relho de ar condicionado, existentes no imóvel, estão sob a tutela
da norma protetiva do bem de família? Justifique a resposta, indi-
cando a base legal (Magistratura Federal/2001 - 2a Região - 89
Concurso).
9. A renúncia à herança efetuada por pessoa capaz, casada pelo regi-
me legal de bens, depende do consentimento do consorte? Justifi-
que (Defensoria Pública Rio de Janeiro - 2002 - 20Q Concur-
so).
10. Poderá haver cessão de direitos hereditários, sem consulta aos
demais herdeiros? (Magistratura do Trabalho - 2a Região - 2°
Concurso).
lI. Dentre os bens do domínio da União, existe algum que pode ser
adquirido mediante alguma espécie de usucapião? (Magistratura
Federal- 2a Região - 3Q Concurso).
12. Agente incapaz demanda, devidamente representado, a anulação
de contrato, alegando que, quando de sua celebração, não estava
apto a entendê-Io e querê-Io. A contraparte comprova que o ato não
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,Indice Remissivo

A Atos solenes, Livro m, Capítulo m,


3.3

Aaron Salomon, Livro I, Capítulo Ausente, Livro I, Capítulo lI, 6.2


IV, 5.2 Autocontrato, Livro m, Capítulo m,
Ab-rogação, LICC, Capítulo lI, 5.1.4 2.1.5
Abuso de direito, Livro m, Capítulo Autorização do cônjuge, Livro lI,
VII,2 Capítulo lI, 1.4
Ação pauliana, Livro m, Capítulo V, Autorização judicial, Livro m,
9.5 Capítulo m, 3.1
Ações decIaratórias, Livro m, Autotutela, LICC, Capítulo m
Capítulo vm, 1.5
ADIN, LICC, Capítulo lI, 4
Aeronaves, Livro lI, Capítulo lI, 2.2 B
Alimentos, Livro I, Capítulo lI, 4.1
Almejar, Livro m, Capítulo lI, 4.1 Bem comum, LICC, Capítulo IV, 1
Analfabeto, Livro I, Capítulo lI, 3.1 Bem de família, LICC, Capítulo IV,
Apelidos Públicos, Livro I, Capítulo 1, Livro lI, Capítulo V, 2
m, 3.2 Benefício da restituição, Livro I,
Arts. 1.159 et seq., Livro I, Capítulo Capítulo lI, 3.l.I
1I,6.2 Bens móveis, Livro m, Capítulo m,
Arts. 22 et seq., Livro I, Capítulo lI, 2.l.I
6.2 Bens públicos, Livro lI, Capítulo IV
Assistência, Livro m, Capítulo m, Boa-fé do adquirente, Livro m,
3.1 Capítulo V, 9.2
Atividades de risco, Livro m, Boa-fé objetiva, Livro m, Capítulo
Capítulo VII, I VI,2.2
214 Direito Civil Índice Remissivo 215

Bola de futebol, Livro lI, Capítulo lI, Consumíveis, Livro lI, Capítulo lI, 4 Direito potestativo, Livro I1I, Erro de direito, Livro I1I, Capítulo
3 Contrato consigo mesmo, Livro I1I, Capítulo VIII, 1, 1.2, 1.5 V,4.3
Capítulo I1I, 2.1.5 Direito real, Livro lI, Capítulo lI, 2.2 Ersatz, Livro I1I, Capítulo VI, 2.4
c Contratros de adesão, Livro I, Direitos a uma prestação, Livro I1I, Escravos, Livro I, Capítulo lI, 1.1
Capítulo V, 4.1 Capítulo VIII, I Escritura pública, Livro lI, Capítulo
Cadáver, Livro I, Capítulo I1I, 5.2 Conversão, Livro I1I, Capítulo VI, Direitos autorais, Livro I, Capítulo lI, 1.4
Capacidade de direito, Livro I, 2.4 I1I,1.1 Escusabilidade, Livro I1I, Capítulo
Capítulo lI, 1 Corpo, Livro I, Capítulo III Direitos de personalidade, Livro I, V, 4.2.2.1
Capacidade de fato, Livro I, Capítulo Costume, LICC, Capítulo lI, 4 Capítulo lI, 1 Estado de coma, Livro I, Capítulo lI,
lI,3 Costume contra legem, LICC, Disce.rnimento, Livro I1I, Capítulo 3.1
Capítulo próprio, Livro I1I, Capítulo Capítulo I1I, 2 VI,2.1 Estado de sujeição, Livro I1I,
VI,2.1 Costume praeter legem, LICC, Disregard of legal entity, Livro I, Capítulo VIII, 1.2
Casamento, Livro I1I, Capítulo I1I, 1 Capítulo I1I, 2 Capítulo IV, 5.2 Estrangeiro, Livro I, Capítulo I1I,
Casamento putativo, Livro I1I, Costume secundum legem, LICC, Doação onerada por um encargo, 3.2, Livro I, Capítulo I1I, 3.2.1
Capítulo I1I, 1 Capítulo I1I, 2 Livro I1I, Capítulo I1I, 2.1.3 Eventus damni, Livro I1I, Capítulo V,
Caução, Livro I, Capítulo lI, 6.2.2 Credor hipotecário, Livro I1I, Doação sem encargo, Livro I1I, 9.2
Causa mortis, Livro I1I, Capítulo I1I, 5 Capítulo IV, 1.3.1 Capítulo I1I, 2.1.3 Exceção, Livro I1I, Capítulo VIII, 2.1
Ciência e medicina, Livro I, Capítulo Curado r, Livro I1I, Capítulo I1I, 2.1.4 Doador de órgãos e tecidos, Livro I, Exceção do contrato não cumprido,
I1I, 5.2 Curadoria, Livro I, Capítulo lI, 6.2.1 Capítulo I1I, 5.2 Livro I1I, Capítulo IV, 1.3.1
Class actions, Livro I, Capítulo IV, Curso da água, Livro lI, Capítulo lI, Dolo acidental, Livro I1I, Capítulo V,
4.3.1 1.2 5.1 F
Cláusula de estilo, Livro I1I, Dolo bilateral, Livro I1I, Capítulo V,
D 5.4 Fatos jurídicos em sentido estrito,
Capítulo VIII, 2.2
Cláusula penal, Livro lI, Capítulo Dolo bonus, Livro I1I, Capítulo V, 5.5 Livro I1I, Capítulo lI, 2
I1I, 1 Dano à sua pessoa, Livro I1I, Dolo de terceiro, Livro I1I, Capítulo Fiança, Livro lI, Capítulo I1I, 1
Colação, Livro I, Capítulo lI, 2, Capítulo V, 8 V,5.3 Fim social, LICC, Capítulo IV, 1
Capítulo lI, 4.2.3.3 Dano moral, LICC, Capítulo I1I, 1 Dolo negativo, Livro I1I, Capítulo V, Fins comerciais, Livro I, Capítulo
Comodato, Livro lI, Capítulo lI, 3, Delegação legislativa, LICC, 5.2 I1I,4
Livro I1I, Capítulo IV, 1.3 Capítulo lI, 3 Dolo substancial, Livro I1I, Capítulo Forças Armadas, Livro I1I, Capítulo
Comoriência, Livro I, Capítulo lI, Depositário, Livro I1I, Capítulo I1I, V,5.1 VIII,2.5.1
6.1 2.1.1 Dominiais, Livro lI, Capítulo IV, 1.3 Fraude de execução, Livro I1I,
Condição, LICC, Capítulo V, 1 Derrogação, LICC, Capítulo lI, 5.1.4 Capítulo V, 9.6
Condição meramente potestativa, Desaparecidos políticos, Livro I, E Fundação, Livro I, Capítulo IV, 4.1
LICC, Capítulo V, 1 Capítulo lI, 6.2.3 Fundação Armando Alvares
Condição resolutiva, Livro I1I, Deserdação, LICC, Capítulo I1I, 1 Ébrios habituais, Livro I, Capítulo Penteado, Livro I, Capítulo IV, 4.1
Capítulo IV, 1.3 Despesas de condomínio, Livro lI, lI,3.2 Fundações fiscalizadas pelo
Condições, Livro I1I, Capítulo IV, Capítulo V, 3 ECA, Livro I, Capítulo I1I, 3.2.7 Ministério Público, Livro 1,
1.1.1 Desproporção, Livro I1I, Capítulo V, Eficácia da lei, LICC, Capítulo lI, 4 Capítulo IV, 4.1.1
Condomínio edilício, Livro I1I, 8 Embrião, Livro I, Capítulo lI, 2
Capítulo I1I, 2.1.4 Desvio de finalidade, Livro I, Emenda nQ 20, Livro I, Capítulo lI, G
Capítulo IV, 5.4 4.2.3.2
Configuração do erro, Livro I1I,
Capítulo V, 4.2 Dinheiro, Livro lI, Capítulo lI, 3 Encargo, Livro I1I, Capítulo IV, 3 Gabança intolerável, Livro I1I,
Considerável temor na vítima, Livro Direito de autor, Livro lI, Capítulo Engano, Livro I1I, Capítulo V, 4 Capítulo V, 5.5
I1I, Capítulo V, 6.1.1 lI,2.2 Erro, Livro I1I, Capítulo V, 4 Galeno, Livro 1, Capítulo lI, 1.1.1
Consilium fraudis, Livro I1I, Capítulo Direito intertemporal, Livro I1I, Guerra, Livro I, Capítulo lI, 6.3
V,9.3 Capítulo VIII, 4
216 Direito Civil Índice Remissivo 217

H Lei brasileira no exterior, LICC, Pacto comissório do direito das Privacidade, Livro I, Capítulo III
Capítulo 11,1.1 coisas, Livro m, Capítulo IV, 1.3.1 Processo eleitoral, LICC, Capítulo
Haftung, Livro m, Capítulo VI, 2.2 Lesão, Livro m, Capítulo V, 8 Pacto comissório implícito, Livro III, 11,1.2
Herança jacente, Livro 11,Capítulo Capítulo IV, 1.3.1 Processo legislativo, LICC, Capítulo
M Pai, Livro m, Capítulo m, 2.1.4 11,2.1
IV, 2.3
Patronímico, Livro I, Capítulo m, Pródigo, Livro I, Capítulo 11,3.2
I Mero arbítrio, Livro m, Capítulo IV,
1.1.2
3.1 Protutor, Livro I, Capítulo 11,4.2.2
Perda da eficácia, LICC, Capítulo 11, Puro arbítrio, Livro m, Capítulo IV,
Monarquia, Livro 11,Capítulo lI, 3 5 1.1.2
Ignorância, Livro m, Capítulo V, 4.1
Moral, Livro I, Capítulo III Perpl~xas, Livro m, Capítulo IV,
Imagem, Livro I, Capítulo m, 1.1
Impenhorabilidade, Livro lI,
Morte, Livro I, Capítulo lI, 6, Livro 1.1.1 Q
Capítulo IV, 2.2 m, Capítulo IV, 2.3 Personalidade, Livro I, Capítulo lI, 1
Morte do testador, Livro III, Pertença, Livro lI, Capítulo lI, 1.3.2, Qualidade da pessoa, Livro m,
Imprensa, Livro I, Capítulo m
Inalienabilidade, Livro 11,Capítulo Capítulo m, 3 Capítulo m, 2.2 Capítulo V, 4.2.1.3
Motivo, Livro III, Capítulo VI, 1.1.1 Plano da existência, Livro III, Querer especial, Livro III, Capítulo
IV, 2.1
Mútuo, Livro lI, Capítulo lI, 3 Capítulo III, I 1I,4.2
Incêndio, Livro I, Capítulo lI, 6.3
Incomunicabilidade, Livro lI, Plano de validade, Livro III, Capítulo
N V,5 R
Capítulo V
Indignidade, LICC, Capítulo m, I Planos de existência, validade e
Nascituro, Livro I, Capítulo lI, 2 eficácia da lei, LICC, Capítulo lI, 4 Rebus sic stantibus,Livro m, Capítulo
Índios, Livro I, Capítulo lI, 3.2
Naufrágio, Livro I, Capítulo lI, 6.3 Poder familiar, Livro III, Capítulo V,8.1
Indivisibilidade, Livro m, Capítulo Navios, Livro lI, Capítulo lI, 2.2
VI,2.2 m, 2.1.4 Reflexos processuais, Livro m,
Necessidade premente, Livro m, Posse, Livro lI, Capítulo m, 2.1.4 Capítulo III, 3.3.1
Inexperiência, Livro m, Capítulo V, Capítulo V, 8
8 Possuidor de boa-fé, Livro 11, Registros Públicos, Livro I, Capítulo
Negócios extrapatrimoniais, Livro Capítulo III, 2.1.4 11,6.3, Capítulo m, 3.2
Instituidor, Livro I, Capítulo IV, 4.1 m, Capítulo IV, 1.1.3
Integridade física, Livro m, Capítulo Prazo decadencial, Livro m, Relações de família, Livro III,
Negócios gratuitos, Livro m,
V,7 Capítulo V, 9.4 Capítulo VII, 1
Capítulo V, 9.3
Inter vivos, Livro m, Capítulo III, 5 Preferências e privilégios Renúncia à prescrição, Livro III,
Nova Lei de Introdução ao Código
Interesses tuteláveis, Livro III, creditórios, Livro lI, Capítulo III, Capítulo VIII, 2.2
Civil, LICC, Capítulo 1, 3 2.1.4
Capítulo V, 9.2 Renúncia pura e simples, Livro 11,
Interpretação conforme a o Prenome, Livro I, Capítulo m, 3.1 Capítulo 11, 1.4.2.1
Constituição, Livro m, Capítulo Prenome ridículo, Livro I, Capítulo Renúncia translativa ou in favorem,
VIII,4.1.4 III, 3.2.2 Livro 11,Capítulo lI, 1.4.2.1
Objeto da declaração, Livro m,
Intimidade, Livro I, Capítulo m Prequestionamento, Livro III, Representação, Livro III, Capítulo
Capítulo V, 4.2.1.2
Inundação, Livro I, Capítulo 11,6.3 Obras literárias, Livro I, Capítulo Capítulo vm, 2.3.1 m, 3.1
1II,1.1 Previdência, Livro I, Capítulo 11,4.1 Representação legal e convencional,
J Obrigatoriedade simultânea, LICC, Princípio da continuidade, LICC, Livro m, Capítulo m, 2.1.4
Capítulo lI, 1.3 Capítulo lI, 5 Requisito material, Livro III,
Jazidas, Livro lI, Capítulo lI, 1.2 Onerosidade excessiva, Livro III, Princípio da eventualidade da Capítulo VI, 2.4
Capítulo V, 8.1 defesa, Livro III, Capítulo VIII, Reserva mental, Livro m, Capítulo
2.3.1 m,2.1.6
Opção sexual, Livro I, Capítulo m,
L 3.2.4 Princípio da obrigatoriedade, LICC, Residência habitual, Livro I,
Capítulo lI, 8.1 Capítulo V, 2
Legítima defesa, Livro m, Capítulo p Princípio do prazo único, LICC, Residência qualificada, Livro I,
VII, 3.1 Capítulo lI, 1.3 Capítulo V
Legitimação, Livro I, Capítulo lI, 5 Paciente, Livro III, Capítulo V, 6
218 Direito Civil

Respeito aos mortos, Livro I, Termo determinado, Livro I1I,


Capítulo IlI, 5.2 Capítulo IV, 2.3
Responsabilidade objetiva, Livro IlI, Terremoto, Livro I, Capítulo lI, 6.3
Capítulo VII, I Torpeza, Livro IlI, Capítulo V, 5.4,
Responsabilidade subjetiva, Livro Capítulo VI, 2.1
IlI, Capítulo VII, 1 Tributos, Livro lI, Capítulo lI, 1.4
Tutor, Livro I1I, Capítulo I1I, 2.1.4
s
U
Salário mínimo, Livro IlI, Capítulo
IlI, 3.3 Universalidade de fato, Livro lI,
Shuld, Livro IlI, Capítulo VI, 2.2 Capítulo lI, 6.2
Silêncio, Livro IlI, Capítulo IlI, 2.1.3 Universitas rerum, Livro lI, Capítulo
Silêncio intencional, Livro IlI, 1I,6.2
Capítulo V, 5.2 URSS, Livro I, Capítulo lI, 1.1
Simulação absoluta, Livro IlI, Uso especial, Livro lI, Capítulo IV,
Capítulo VI, 1.1.3.1 1.2
Síndico, Livro IlI, Capítulo IlI, 2.1.4 Usucapião, Livro lI, Capítulo IV, 2.3
Sobrenome, Livro I, Capítulo IlI, 3.1 Usufruto, Livro lI, Capítulo lI, 2.2
Solidariedade, Livro IlI, Capítulo VI,
2.2 V
Sossego, Livro I, Capítulo III
Sub-rogação, LICC, Capítulo lI, Veículo, Livro lI, Capítulo lI, 5
5.1.4 Venire contra factum proprium, Livro
Sucessão aberta, Livro lI, Capítulo IlI, Capítulo VI, 2.2
lI, 1.4.2 Vítima, Livro IlI, Capítulo V,
Sucessão provisória, Livro I, 4.2.2.1, Capítulo V, 6
Capítulo lI, 6.2.2 Vítimas e testemunhas, Livro I,
Capítulo IlI, 3.2.6
T Vocação hereditária, Livro I,
Capítulo lI, 6.1
Temor reverencial, Livro I1I, Vontade livre, esclarecida e
Capítulo V, 6.2 ponderada, Livro IlI, Capítulo V, 1
Tempo indeterminado, Livro I1I, Vontade qualificada, Livro IlI,
Capítulo IV, 2.3 Capítulo lI, 4.1
Tempus regit actum, Livro IlI, Vontade tácita, Livro IlI, Capítulo
Capítulo VIII, 4.1.2 IlI, 2. I.2
Teoria do risco, Livro I1I, Capítulo
VlI,1

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