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Sovietismo
O que dissemos afigura-se evidente no caso do mundo político aberto pela Revolução
Bolchevique de 1917. A nova sociedade política estatista-colectivista liderada por um partido
comunista concentrou em si toda a autoridade axiológico-normativa, tendo efectivamente
constituído um Absoluto próximo-tangível, dada a “distância” do horizonte marxista final e
definitivo por vir: o livre e completo desenvolvimento do indivíduo. De acordo com os pais-
fundadores, Lenine e Estaline, o processo de transição em direcção ao momento de perfeição
comunista deveria ser longo, preenchendo toda uma época histórica.
Um Partido-Estado deveria, entretanto, constituir a fonte e o protagonista exclusivo da
reconstrução da ordem. Um novo patriotismo holístico, o patriotismo soviético, uma nova ética
de estado holística, uma ética centrada numa subordinação disciplinada e devotada à nova
sociedade política, passaria a informaria a ordem política in fieri. Os tradicionais direitos
fundamentais liberais foram aqui redefinidos como direitos garantidos ao serviço de um fim
específico maior, de uma concepção de bem socialista.
Na ordem comunista, um novo ethos aspiracionalmente unívoco e completo parece ter estado in
fieri. Na célebre interpretação de Gramsci, o projecto comunista seria um “substituto” da
Cristandade medieval num mundo moderno completamente secularizado, a declinação de um
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“Nacionalismo(s)”.
Os regimes nacionalistas do entre-guerras (lato sensu) destacaram-se no mapa da política
contemporânea pela elevação da comunidade política, considerada em si e por si, a Bem Supremo.
Destes regimes deve dizer-se terem sido instituídos num terreno de “negociação” entre o seu
“conceito axiológico” e o religioso tradicional, num terreno de «coisas mistas»; o religioso-
tradicional foi por eles mobilizado como parte e parcela do nacional.
Importa, porém, reconhecer a heterogeneidade das experiências político-constitucionais aqui em
causa; designadamente quanto à intensidade da “estima axiológica” investida na comunidade
política, que só em alguns casos pôde ser concebida como um Absoluto totalizante. Em certos
regimes, pelo contrário, houve mesmo submissão a «uma invariante moral» concretamente cristã-
católica, anterior e exterior ao poder político – nessa medida a comunidade política foi tida em
última análise como algo penúltimo (caso do Estado Novo, do Franquismo e do Estado
Austríaco). Já a experiência constitucional nacional-socialista merece ser destacada como caso
sui generis. Esta última como que reeditou o paradigma dos Governantes Divinos, paradigma
constitucional de origem pré-cristã ou pré-judaico-cristã, reactivado no final da idade média,
princípios da idade moderna, com as teorias do direito divino dos Reis. No discurso constitucional
nacional-socialista, o Führer Hitler aparece explicitamente como um semideus. Aqui talvez se
deva falar na formação de uma instância de religiosidade política sem paralelo quanto ao seu grau
de intensidade: há aqui a evocação de um Bem Absoluto canalizando, com um grau máximo de
visibilidade, toda a autoridade axiológico-normativa para a ordem política e/ou o poder político.
Liberalismo
Nas primeiras ordens liberais, a ideia de igual liberdade individual constituiu Nec Plus Ultra na
re-imaginação da ordem. O fenómeno das declarações de direitos mostra-o eloquentemente –
nelas elas as sociedades se confessam instituídas ex novo por referência a uma noção de liberdade
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