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Pedro Velez, Doutor em Direito (especialidade Ciências Políticas), Professor Universitário


(Univ. Nova e Univ. Europeia)

Sobre a natureza religiosa da política moderna


Nas nossas Cidades, domina a ideia de que a era moderna é um tempo de separação entre
"religião" e "política". A matriz axiológica que subjaz às nossas sociedades políticas – o
Liberalismo, com L maiúsculo – fundaria a sua legitimidade mesma no seu ser outra coisa que
não uma posição religiosa ou em se encontrar para além do religioso. Mas não serão tais ideias-
base ficções, porventura mistificantes? As principais formas políticas modernas parecem poder
ser facilmente "descodificadas" como formas religiosas, na medida em que constituem escolhas
de algo maximamente valioso para os seres humanos, de um Bem tido como Supremo, ou mesmo
de um “verdadeiro” Absoluto, de uma fonte única, exclusiva, ilimitada, incondicional de toda a
normatividade/de todos os valores/de toda a autoridade axiológico-normativa. Mais
especificamente, estariam em causa instâncias de religiosidade intramundana, escolhas de Bens
Supremos e de Absolutos com carácter terreno/imanente. Por outro lado, as formas políticas
modernas parecem representar sempre uma tomada de posição em relação à “religião-
tradicional”, definindo-se (mais ou menos intensamente) como instâncias de negociação com esta
e de redefinição desta. Mas tentemos ilustrar esta “narrativa alternativa”:

Sovietismo
O que dissemos afigura-se evidente no caso do mundo político aberto pela Revolução
Bolchevique de 1917. A nova sociedade política estatista-colectivista liderada por um partido
comunista concentrou em si toda a autoridade axiológico-normativa, tendo efectivamente
constituído um Absoluto próximo-tangível, dada a “distância” do horizonte marxista final e
definitivo por vir: o livre e completo desenvolvimento do indivíduo. De acordo com os pais-
fundadores, Lenine e Estaline, o processo de transição em direcção ao momento de perfeição
comunista deveria ser longo, preenchendo toda uma época histórica.
Um Partido-Estado deveria, entretanto, constituir a fonte e o protagonista exclusivo da
reconstrução da ordem. Um novo patriotismo holístico, o patriotismo soviético, uma nova ética
de estado holística, uma ética centrada numa subordinação disciplinada e devotada à nova
sociedade política, passaria a informaria a ordem política in fieri. Os tradicionais direitos
fundamentais liberais foram aqui redefinidos como direitos garantidos ao serviço de um fim
específico maior, de uma concepção de bem socialista.
Na ordem comunista, um novo ethos aspiracionalmente unívoco e completo parece ter estado in
fieri. Na célebre interpretação de Gramsci, o projecto comunista seria um “substituto” da
Cristandade medieval num mundo moderno completamente secularizado, a declinação de um
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ethos imanentista omnicompreensivo equivalente, que a integralidade do social num momento


moderno pós-cristão exigia. Na Declaração de 1957 dos doze Partidos Comunistas no Poder (num
espaço ideológico-imperial liderado pela URSS), de entre os traços da semântica político-
constitucional partilhada, constava a ideia de «uma revolução socialista na ideologia e na cultura»
(ponto v). Não faltaria a pretensão de superar a infra-estrutura civilizacional básica herdada (a
família, designadamente). Num tal quadro se entende a ideia-directriz segundo a qual “a religião
tradicional” deveria ser reduzida a um fenómeno puramente privado e a prevalência de uma
relação amigo-inimigo com as Igrejas. Em algumas experiências, um modus vivendi foi, porém,
negociado com as denominações cristãs locais. Noutros casos contados, as sínteses locais do
nacional com “o religioso tradicional” foram ainda cooptadas (após a nacionalização das
respectivas organizações eclesiais).

“Nacionalismo(s)”.
Os regimes nacionalistas do entre-guerras (lato sensu) destacaram-se no mapa da política
contemporânea pela elevação da comunidade política, considerada em si e por si, a Bem Supremo.
Destes regimes deve dizer-se terem sido instituídos num terreno de “negociação” entre o seu
“conceito axiológico” e o religioso tradicional, num terreno de «coisas mistas»; o religioso-
tradicional foi por eles mobilizado como parte e parcela do nacional.
Importa, porém, reconhecer a heterogeneidade das experiências político-constitucionais aqui em
causa; designadamente quanto à intensidade da “estima axiológica” investida na comunidade
política, que só em alguns casos pôde ser concebida como um Absoluto totalizante. Em certos
regimes, pelo contrário, houve mesmo submissão a «uma invariante moral» concretamente cristã-
católica, anterior e exterior ao poder político – nessa medida a comunidade política foi tida em
última análise como algo penúltimo (caso do Estado Novo, do Franquismo e do Estado
Austríaco). Já a experiência constitucional nacional-socialista merece ser destacada como caso
sui generis. Esta última como que reeditou o paradigma dos Governantes Divinos, paradigma
constitucional de origem pré-cristã ou pré-judaico-cristã, reactivado no final da idade média,
princípios da idade moderna, com as teorias do direito divino dos Reis. No discurso constitucional
nacional-socialista, o Führer Hitler aparece explicitamente como um semideus. Aqui talvez se
deva falar na formação de uma instância de religiosidade política sem paralelo quanto ao seu grau
de intensidade: há aqui a evocação de um Bem Absoluto canalizando, com um grau máximo de
visibilidade, toda a autoridade axiológico-normativa para a ordem política e/ou o poder político.

Liberalismo
Nas primeiras ordens liberais, a ideia de igual liberdade individual constituiu Nec Plus Ultra na
re-imaginação da ordem. O fenómeno das declarações de direitos mostra-o eloquentemente –
nelas elas as sociedades se confessam instituídas ex novo por referência a uma noção de liberdade
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individual entendida como quid em si e por si não-regrado, incondicional, “soberano”. A seminal


e mimetizada «Declaração dos direitos do homem e do cidadão» de 1789 assentava a ordem
política numa tal ideia fundamental. As ordens liberais originais não parecem, porém, ter
expressado uma ideia (integralmente) auto-suficiente e omnicompreensiva de Bem. A sua
substância axiológica era pensada como aplicável em domínios restritos da vida: os novos
domínios político e económico. O novo código axiológico vivia ainda no interior de um certo
contexto de sentido moral cristão. Um registo de “compromisso” entre a política liberal e a
sociedade de substância “religiosa-cristã” terá, porventura, tendido a prevalecer durante o longo
século XIX.
Depois de uma primeira grande crise e do “parêntesis” do entre-guerras, a forma liberal viria a
ser retomada, agora definitivamente interpretada como liberal-democracia, enquanto norma do
político-constitucional no espaço ocidental. Tal forma política foi sendo progressivamente
declinada como veículo de uma gramática axiológica genérica e global, como forma de vida,
tendo como referente a «égaliberté» individual. A nova grande criação institucional fundamental
da temporalidade político-constitucional aberta pelo segundo após-guerra (não sem prefigurações
anteriores), o chamado Estado social, ter-se-á desenvolvido como mecanismo de construção e
garantia de igual liberdade individual. Nas últimas décadas, uma noção de liberdade individual,
no sentido de licença para exercer a vontade sem obstáculos, tem sido afirmada como ultima ratio
na esfera económica e no âmbito do Estado Social pela “direita realmente existente”. Uma
idêntica noção de liberdade tem também sido sugerida no tocante às áreas cultural e social pela
“esquerda realmente existente”. As recentes mudanças generalizadas na própria infra-estrutura
civilizacional num sentido de égaliberté, na definição da família, por exemplo, afiguram-se
eloquentes. Nas sociedades ocidentais hodiernas, uma noção de (igual) liberdade individual,
concebida como possibilidade de cada um escolher a sua concepção de bem (como poder de
escolha auto-referencial e autotélico), parece ter cristalizado como um Absoluto abrangente.
[Atente-se, por exemplo, na compreensão de liberdade que o Supremo Tribunal Americano
adoptou em célebres casos fracturantes]. Com a elevação da linguagem jurídico-política
informadora das cidades ocidentais, da linguagem dos direitos individuais, a linguagem
informadora do ordenamento jurídico internacional, um tal modelo normativo estaria mesmo a
ser erigido a Norma universal.Característica e genericamente, até aos anos sessenta, as ordens
liberais-democráticas pareceram dominadas por um princípio de “confusão” entre a política
liberal e o “religioso-cristão” – pelo menos a nível profundo de infra-estrutura-civilizacional.
Certo é que desde “os sessentas” – maxime desde o Evento “libertário” de Maio de 68 – tais ordens
têm vindo a dissociar-se de uma substância cristã; na cena política pública parece não haver já
autoridade axiológico-normativa publicamente reconhecida para além do liberal-democrático.
As formas políticas modernas – incluindo o Liberalismo – definem, pois, num terreno eivado de
religiosidade.
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