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I – Os motivos
1. Mais uma vez surge no palco midiático nacional projetos de redução da idade
penal. Surgiu, neste contexto, a oportunidade de escrevermos um texto em conjunto. Isto
porque os autores dialogam sobre o tema há vários anos e nunca tiveram um “dead line”.
Por isto, talvez, o escrito não saísse. Além disso, queríamos fazer algo mais completo. Esta
possibilidade de emitir um parecer breve sobre as propostas nos fez produzir o que segue.
2. Não é, nem poderia ser, algo aprofundado, mas toca nos temas primordiais.
Preferimos não fazer uma análise normativa dos projetos em tramitação, até porque pouco
divergem no seu conteúdo: simples redução da idade penal. Fizemos uma abordagem
genérica dos equívocos (históricos e constitucionais) das propostas e as maneiras de resistir.
2
CARVALHO, Francisco Pereira de Bulhões. Direito do Menor. Rio de Janeiro: Forense, 1977
3
CAVALLIERI, Alyrio. Direito do Menor. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 1978
4
MORAES. Pedro R. Bodê de. Juventude, Medo e Violência. In Ciclo de Debates Direito e Psicanálise.
Paraná. digit. 2005
matéria jornalística que aponta para características da adolescência nos jovens vitimizados.
No caso, a entrevistada destacou a mentira do casal para viajar e falou, também, na
instabilidade comum nesta fase da vida. “A mentira foi, outrossim, transformada em uma
característica da juventude e associada à instabilidade, como informa a psicóloga
entrevistada: “Os jovens mentem e vão mentir sempre. É uma maneira de adquirir
privacidade’.” A abordagem sobre a adolescência no citado artigo foi emblemática porque
representa o que aconteceu durante todo o tempo em que o caso ganhou as manchetes do
país: apenas as vítimas eram tratadas como adolescentes, como se “Champinha”, aos 16
anos, fizesse parte de uma outra categoria: os “menores” de alta periculosidade, “inimigos
número um da sociedade”.
3. A crítica que aqui se faz é a de que não só na entrevista analisada, mas em outras
reportagens e matérias veiculadas à época, reportava-se a ele sem se destacar que o próprio
“Champinha” tinha as mesmas características por ter apenas 16 anos e um histórico de vida
com problemas de ausência de políticas públicas tanto na sua formação, quanto no seu
desenvolvimento físico saudável 5 . Mas isto não interessa, nem vende jornais. É preciso
construir um novo “bad” do momento para justificar-se o discurso de sempre: cadeia neles.
Mais uma vez, o que o que dominou as discussões foi a periculosidade deste e de qualquer
“menor”6 infrator, apontando-se a redução da idade da maioridade penal como a salvação, e
não o fato de seus direitos fundamentais não terem sido concretizados por ausência de
políticas básicas. É a cultura da prevalência das políticas emergenciais através de respostas
repressivas à emergência criminal sobre as políticas públicas de base7.
4. O episódio ocorrido em 2003 já começava a ficar esquecido até que surge um
outro, a recente e violenta morte do menino João Elio, que comoveu toda a sociedade
diante do grande suplício protagonizado por ele. Quatro anos depois, outro adolescente se
envolve em uma conduta altamente bárbara, mas, também, com a participação de outros
envolvidos maiores de 18 anos. Novamente sobre ele recai toda a imagem de
periculosidade que irradia, de imediato, para qualquer outro jovem autor de ato infracional,
independente da gravidade do ato cometido. Desencadeia mais um “replay”, políticos se
debruçam sobre microfones e holofotes para seus “cinco minutos de fama”, claramente
comprometidos com a simpatia dos eleitores que, completamente, manipulados pela mídia
não desejam outra coisa que a redução da idade da responsabilidade penal, apesar de muitos
saberem da impossibilidade diante do ordenamento jurídico vigente.
5
Champinha, segundo a matéria citada no texto de Pedro Bodê tinha baixa escolaridade, problemas com
evasão escolar e, ainda, sofria de convulsões que demandavam a ingestão de medicamentos não acessíveis a
ele por conta de falta de recursos financeiros. Passado alguns anos, hoje se fala que ele é portador de
psicopatia.
6
Apesar da reforma legislativa que revogou o Código de Menores, os veículos de comunicação trabalham no
sentido de perpetuar a denominação “menor”, em especial quando estes são representantes da juventude pobre.
7
Alessandro Baratta apontou para esta inversão, dizendo “Então, não é verdade que a resposta protetiva à
emergência risco-abandono é o álibi para a resposta repressiva à emergência criminal; é sobretudo verdade
que ambas as respostas emergenciais são o álibi das instituições e da opinião pública para as graves
deficiências das políticas públicas de base e da política de proteção dos direitos fundamentais das crianças e
dos demais cidadãos (direitos de liberdade, direitos econômicos, sociais, culturais, direitos de participação
política), que deveriam favorecer o progresso na direção de uma maior igualdade social. É principalmente
neste ponto que se mede o atraso nas atuações da reforma, viso que são as políticas públicas de base, e não
as emergenciais, a espinha dorsal da reforma no projeto constitucional e legislativo”. In: BATISTA, Vera
Malaguti. Difíceis Ganhos Fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1998
5. Estamos agora sob o grande risco de mais um retrocesso: a exemplo do passado,
por conta de um episódio de grande clamor público que comoveu a nação, surge a atual
proposta de ressuscitar, novamente, o critério do discernimento que nada mais será do que
uma forma de “abrandar” o rebaixamento da idade da responsabilidade penal em
determinados casos que, certamente, não serão os que envolverem os jovens pobres,
clientela alvo do olhar seletivo do poder punitivo (Batista), a quem serão aplicados o
Código Penal a partir dos 16 anos. Será que, realmente, valerá a pena “ver” de novo ou será
melhor caminhar para o futuro com respostas realmente socioeducativas que sejam eficazes
na diminuição do envolvimento de jovens com as condutas criminalizadas ?
6. Assim, está comprovado o grande equívoco histórico da redução da idade penal,
confortavelmente esquecida pelo senso comum teórico (Warat), na pretensão de manipular
a dor e a insegurança de uma massa jogada na inautenticidade (Heidegger), com interesses
ideológicos latentes, obliterados no discurso manifesto.
BIBLIOGRAFIA
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