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“A

“A política
política éé imaginação”.
imaginação”. Entrevista
Entrevista
com
com Jacques
Jacques Rancière
Rancière

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27 Julho 2018

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Nascido na Argélia, em 1940, Jacques Rancière provém do
grupo encabeçado por Louis Alhusser, que revalorizou e
refrescou a tradição marxista. O rompimento, no entanto,


veio após as revoltas do Maio francês, que se refletiu no
ensaio A lição de Althusser (1974). Entre 1969 e o ano
2000, foi professor de Filosofia na Universidade Paris
VIII. Sua obra transita entre a redefinição do movimento
operário (A noite dos proletários) e a crítica à esquerda
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ortodoxa. Destacam-se também seus estudos sobre o
cinema, a literatura e as artes plásticas e a relação entre
estética e cultura popular.

A entrevista é de Melina Balcázar Moreno, publicada por


Milenio, 14-07-2018. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.
Algo que me parece que o distingue da
intelectualidade francesa atual é sua rejeição em
opinar sobre a política, à maneira de um experto ou
especialista. No entanto, esta posição lhe trouxe
críticas, pois se tende a considerá-la como uma
negativa em tomar posição no debate público. Como
se situaria a respeito deste tipo de interpretação de
seu trabalho filosófico?

Preciso dizer que não sou um político, nem tampouco um


verdadeiro filósofo político. Por isso, quis mostrar a
política mediante uma investigação histórica, que enfoque
muito mais na emancipação, que é o que me interessou na
história social, ou seja, a transformação existencial de
alguém que, de repente decide não só se rebelar, mas entrar
em outro universo, mudar a vida de servidão e obediência
que levava. E isto me levou a observar a maneira como os
fenômenos de igualdade e desigualdade se expressam na
percepção sensível.
Não sou alguém que emite grandes juízos acerca da ordem
do mundo; ao contrário, concentro-me na forma como
igualdade e desigualdade se manifestam na ordem
cotidiana, no universo perceptivo, na maneira de ocupar o
tempo e o espaço. Tento apresentar outra visão sobre o que
se vê, se ouve, se percebe, o que me distancia forçosamente
daqueles que esperam que eu critique e julgue tudo o que
acontece.

A ideia de que a emancipação está ao alcance de


todos ocupa um lugar central em seu pensamento.
Haveria um deslocamento do que poderíamos
chamar uma macroestrutura para o cotidiano?

Acontecimentos como o de Maio de 68 ou meu trabalho


sobre a emancipação operária me permitiram tomar
distância do modelo marxista, segundo o qual a
emancipação passa pelo conhecimento e o conhecimento
pela ciência, pelo privilégio dos que sabem. Daí que a
emancipação não seja simplesmente um grande movimento
coletivo com objetivos precisos, mas, sobretudo, a série de
transformações mediante as quais os indivíduos começam a
transformar suas vidas e se tornam capazes de fazer coisas
que pensavam que não poderiam fazer. Não oponho
necessariamente o macroscópico e o microscópico, o global e
o cotidiano. Procuro pensar as relações entre ambos. O
trabalho de emancipação social e política adota sua
origem em uma maneira diferente de perceber o mundo em
origem em uma maneira diferente de perceber o mundo em
que vivemos.

Quando você ressalta que “os incapazes são


capazes”, trata-se de uma maneira de questionar a
hierarquia dos saberes, a perícia dos intelectuais?

Existe o modelo clássico da libertação através do saber, que


se baseia na ideia de que se as pessoas são submetidas e
exploradas é porque não possuem conhecimentos, nem
cultura, mas no dia em que tiverem, as portas do futuro se
abrirão para elas. Pudemos constatar que o saber não
liberta, mas tampouco a ignorância faz com que as pessoas
obedeçam. Não obstante, esta ideia opõe pessoas
humilhadas, que se submetem porque não são ainda
suficientemente inteligentes para atuar, às pessoas que
sabem e podem guiá-las. Este esquema foi mais ou menos
rejeitado pela realidade das práticas de emancipação. A
partir de O mestre ignorante, tentei mostrar que a
igualdade não é um objetivo para o qual é necessário se
dirigir, mas, sim, um princípio. A subversão social começa
quando as pessoas se declaram capazes de fazer aquilo que
não são consideradas capazes de fazer.

Ao lê-lo, pode resultar desconcertante sua ideia do


capitalismo como “meio” ou “mundo” e não como
um poder: “não estamos diante do capitalismo,
vivemos em seu mundo”. Isto explica sua reticência
it d i t líti
a respeito dos movimentos políticos que
preconizam um enfrentamento direto contra o
capitalismo?

O que tentei dizer é que vivemos em um mundo que já não


está estruturado como em outras épocas, nas quais
podíamos dizer que por um lado há o mundo do trabalho
e por outro o do capital. Esta divisão intelectual estabelecia,
ao mesmo tempo, uma estruturação sensível imediata. As
fábricas com milhares de operários deixaram de encarnar o
poder capitalista, que se difunde através de uma série de
modos de percepção. Todos trabalhamos em maior ou
menor medida para construir a rede do capital, mesmo sem
saber disso, como quando publicamos algo no Facebook.

Contudo, minha intenção não é empreender tal tipo de


análise. O que quero dizer é que já não estamos em um
mundo de confrontação frontal, já não podemos dizer que as
forças da classe operária enfrentam diretamente o capital.
Estamos em um mundo no qual a dominação capitalista se
disseminou por todas as partes e estrutura nossas formas de
experiência, sem assumir a aparência de uma espécie de
poder global. Seria necessário pensar hoje um mundo de
espaços libertados ou, como digo nesse livro, no qual se
podem fazer buracos, abrir fendas nessa rede aparentemente
homogênea. Talvez, hoje, já não possamos pensar a oposição
como um conflito de forças, mas, sim, como um conflito
entre mundos, entre diferentes construções de formas de
experiências sensível, que partem do mais cotidiano.

Contrariamente a seus contemporâneos, como Régis


Debray, você não se negou a pensar o movimento de
Maio de 68. Abordou vários de seus elementos
representativos, como a barricada, na qual
identifica o sinal de um “conflito entre mundos”,
uma “autoafirmação de gostos ou preferências”.

As barricadas são emblemáticas de 1968, ainda que já o


eram antes, no século XIX, com a revolução de 1848. Para
Blanqui, o teórico da guerra revolucionária, pareciam uma
maneira boba de se fechar em seu bairro, de se imobilizar.
Sempre se soube que as barricadas não são um instrumento
militar útil ou eficaz. Mas, já naquela época se fazia valer sua
eficácia e seu poder subversivo, mediante a alteração do
espaço que produzem. Constroem um certo tipo de povo
frente ao poder, a afirmação política de um povo que se cria
e inventa ou, melhor, de um povo ou de uma sensibilidade
em meio a um espaço estruturado pelo poder.

Acredito que é um pouco o que aconteceu nas barricadas em


1968. Não estive lá, mas para que as pessoas que estiveram
o importante foi que cada pessoa, por diferente que fosse,
contribuía para a constituir, com suas ideias ou com os
materiais que levava. Assim se construía um povo. O que era
impressionante, naquele momento, era que as organizações
tradicionais não estavam presentes. Foram organizações
improvisadas que dirigiram a luta, construídas com as
manifestações e as barricadas nas ruas. Dentro daquela
França gaullista, tranquila e em paz, criou-se outro povo. E
já podíamos ver que não se tratava de uma batalha entre
duas forças, mas, sim, de um mundo diferente que se
construía no seio do mundo considerado normal.

Abordou também o slogan “a imaginação no poder”.


Por que lhe interessou?

Pensou-se esse slogan em termos de uma invenção um tanto


provocadora. Mas, a imaginação da qual se trata, aqui, não
consiste em criar slogans paradoxais. A imaginação é o
poder de criar formas, e a política é um assunto de
imaginação. A maneira como se ocupa uma rua, uma
universidade, uma fábrica, cada vez é um novo desafio, e não
só invenções ou fantasias. A imaginação entra em ação para
construir, delimitar, organizar um espaço, dar outro ritmo
ao tempo. É uma faculdade estética, o que não quer dizer
que só cria poemas ou imagens, ao contrário, é necessária
para encontrar novas organizações políticas.

Em uma das demandas do movimento de 68, que


exigia a abolição dos exames e do capitalismo, você
identifica um exemplo da arte de síntese e de curto-
circuito que caracteriza os movimentos sociais.
Considera que esta arte do curto-circuito pode abrir
brechas hoje?
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O poder da imaginação é também o de criar sínteses,


conclusões rápidas, frente ao que poderíamos chamar uma
visão sociológica da política, segundo a qual a ação política
exige que antes se tenham estudado as classes, as relações e
alianças de classe, todas essas noções que dominavam
aquela época. Para esta perspectiva sociológica, a política é o
resultado de uma análise das condições sociais, mas como há
tantas condições a ser analisadas, nunca termina e,
finalmente, nada acontece. Contudo, algo político ocorre
quando entram em curto-circuito todas essas mediações que,
supõe-se, separam a ação local da ação global.

É preciso pensar que 1968 foi gerado de maneira paradoxal,


dentro de um ambiente dominado pelo marxismo, pela
ideia de que seria necessário superar todo um conjunto de
condições, de mediações, antes de se lançar ao ataque do
capitalismo. Além disso, em 1968, embora já fosse assim
em 1967, cria-se um movimento que de certa maneira decide
que não é necessário passar por todas essas mediações e que
afirma que podemos nos dirigir diretamente ao conjunto do
sistema de dominação social, a partir de qualquer ponto.
Podemos partir da questão dos exames e encontrar nela um
resumo de todas as formas de dominação, das cumplicidades
sociais que criam esse sistema e que podemos atacar.

Com isto, não afirmo que as pessoas em 1968 conseguiram


o almejado, mas, sim, conseguiram criar essa espécie de
o almejado, mas, sim, conseguiram criar essa espécie de
síntese, de ponto de encontro. Toda grande manifestação,
ou movimento popular, funciona assim: há um ponto
local, um acontecimento aparentemente insignificante que
cria uma cristalização, uma condensação das relações
sociais, uma maneira de unir uma luta específica e um
questionamento global do sistema. A maioria das grandes
mobilizações e revoluções começaram desta maneira.

Distanciou-se da sociologia que parece dominar,


hoje, a paisagem intelectual francesa. Qual seria
para você a função da filosofia no debate político
atual?

Não é a filosofia, enquanto ocupação profissional, a que me


permite tomar distância. Poderíamos dizer que meu trabalho
está marcado por um período em que me consagrei à
história. As subversões da rua e o pensamento se fizeram na
contramão do pensamento sociológico dominante, que
estabelece que há um estado normal das relações sociais que
produz humilhação, injustiça, dominação, desilusão. Existe
uma espécie de máquina sociológica que explica como e por
que o sistema absorve as pessoas, esmaga e humilha os que
querem se rebelar, e inclusive faz com que percam seu
objetivo.

Esta lógica começa em 1964, com o livro de Pierre Bourdieu


e Jean-Claude Passeron, Os herdeiros: os estudantes
e a cultura que já então afirma que os que irão se sublevar
e a cultura, que já então afirma que os que irão se sublevar,
dentro de quatro anos, serão os filhos de burgueses,
forçosamente integrados ao sistema, prisioneiros de sua
ideologia. É o que, sem ser sociológico, também disse
Althusser, pois em sua filosofia compartilha a mesma visão
sociológica. O movimento de 68 coloca em questão este
dogma sociológico. A sociologia, não como disciplina, mas
como modo de pensamento, estruturará a fenda aberta por
1968 e, ao mesmo tempo, reforçará a argumentação que
sustenta que o movimento foi o início do neoliberalismo.

Sendo assim, hoje em dia, encontramos um pensamento


global da dominação que nos explica por que sempre haverá
dominação e por que tudo o que fazemos se volta contra nós
e não faz mais que servir à dominação. Esta grande
maquinaria sociológica saiu triunfante e recobre nossa
época, o que conduziu à ideia de que 1968 não foi mais que a
emergência dos Baby boomers, que se alimentaram dos
benefícios dos Trinta Gloriosos e que não fizeram mais
que servir aos interesses do capitalismo. Acabou por nos
culpar, inclusive, por pensar que podemos mudar algo em
tudo isto.

Em seu livro com Éric Hazan, “Em que tempo


vivemos?”, destaca que “a palavra que hoje mantém
aberta a possibilidade de outro mundo é a que deixa
de mentir sobre sua legitimidade e eficácia, a que
assume seu estatuto de simples palavra, oásis ao
l d d t á i ilh d d t
lado de outros oásis ou ilha separada de outras
ilhas. Entre umas e outras, sempre existe a
possibilidade de caminhos a traçar”. A política
consistiria em encontrar esse ponto de união entre
diferentes “oásis” ou “ilhas”, em “criar um espaço
inédito de conexão”?

Não tenho programas e nem receitas para a criação de um


movimento revolucionário. Só digo que uma política
de emancipação existe sob a forma da interrupção de um
tempo normal ou talvez também de uma fenda, de uma ilha
ou oásis que se faz dentro do tecido normal das relações
sociais. Trata-se de um oásis não só de resistência, mas
também de autonomia, de criação de vidas autônomas em
relação à lógica dominante. Podem ser espaços de tipo
cooperativo de produção, novas formas de ensino, novas
maneiras de organizar a vida, como a ZAD [zona para
defenfer] de Notre-Dame-des-Landes, onde vemos uma
tentativa de romper as antigas separações entre a luta
político-econômica e as formas de solidariedade social e
de discussão política. A partir da ruptura de todas estas
separações, poderemos pensar a reconstituição de uma força
política autônoma em relação à política partidarista,
eleitoralista.

Leia mais
1968, um ano múltiplo – Meio século de um tempo que
desafiou diversas formas de poder. Revista IHU On-Line,
N° 521
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Maio de 1968: 40 anos depois. Revista IHU On-Line, N°
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Biocapitalismo e trabalho. Novas formas de exploração e
novas possibilidades de emancipação. Revista IHU On-
Line, N° 327
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