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A escuta psicanalítica e um lugar para a dor

“Suave é a dor que fala. A grande dor é silenciosa.”


(Sêneca)

O sofrimento psíquico sempre esteve, para mim, relacionado à compreensão


intelectual. Conhecer minhas próprias dores e as de outros dependia inteiramente de
racionalização e interpretação a partir de teorias e técnicas consolidadas. As emoções
pareciam até mesmo estar ausentes desse processo de conhecimento. Em minhas
idealizações, o tratamento psicanalítico tinha como objetivo central a compreensão
de perturbações psíquicas apoiada nos campos teórico e técnico da Psicanálise, que
parecia oferecer um caminho seguro para atingir essa compreensão.
Ao iniciar o Curso de Formação em Psicanálise da EPP, várias de minhas
preconcepções foram questionadas. A ideia de “cura” foi aos poucos desconstruída
para abrir espaço para o conceito de tratamento psicanalítico em intensos debates
nos encontros de teoria e técnica, em que meus colegas apresentaram uma leitura
que tendia à pluralidade de destinos do tratamento clínico.
Em nossos encontros sempre muito interativos, em que não faltaram boas
ideias e uma intensa troca de experiências e impressões, compreendi que um dos
objetivos fundamentais do tratamento psicanalítico é fazer falar o sofrimento
inconsciente que carregamos na forma do que ficou emudecido, sem expressão, sem
representação e, desse modo, aproximar-se do sofrimento através do diálogo interno
e promover uma alteração na consciência por intermédio do remanejamento de
investimentos libidinais.
O tratamento psicanalítico propõe também restaurar a capacidade de amar e
trabalhar, manter relações afetivas e sexuais de qualidade, reconhecer as próprias
limitações, sem exigir do outro o que ele ou ela não pode oferecer, e não oferecer ao
outro o que não se é capaz de dar. O desenvolvimento da capacidade de sublimar,
redirecionando as pulsões, além de capacitar para a vida, diante da aceitação e
distinção da realidade e do possível são horizontes do tratamento psicanalítico. Um
caminho que se abre para o desenvolvimento de capacidades cognitivas necessárias
para exercer uma profissão, viver de modo harmonioso, lutar por interesses e ideais,
viver com mais intensidade. A Psicanálise busca ainda ampliar a inteligibilidade e a
consciência sobre nossos problemas e os dos outros, bem como renomear
experiências, permitindo assumir como sujeitos a vivência de sentimentos e
ressignificar experiências emocionais. Seria como retomar parte da nossa narrativa
de vida tendo agora um novo fio condutor que permite observar e dar sentido a essas
experiências.
O reconhecimento de forças dinâmicas inconscientes que nos impedem de
integrar nossos afetos e conhecer sua profundidade, também chamadas de defesas,
que militam contra a evolução emocional do sujeito, e a própria dissolução dessas
forças, são as tarefas mais importantes do desenvolvimento psíquico almejado pelo
tratamento psicanalítico. Para que isso tenha a chance de acontecer, o cuidado volta-
se para a recuperação de conexões perdidas ou bloqueadas entre as diversas redes
afetivas que se organizaram durante a vida, criando um ambiente interno para o
aprofundamento emocional contínuo. Somos estimulados a nos responsabilizar pelo
que somos, comprometendo-nos com nossas relações emocionais.
A Psicanálise contemporânea preocupa-se sobretudo com o modo como
pensamos, em vez de somente interpretar o conteúdo dos pensamentos em si
mesmos. O propósito fundamental aqui é nos fazer evoluir de um estado psíquico em
que não conhecemos muito bem nossos sentimentos e comportamentos e somos
tomados por eles, para outro estado em que nos tornamos capazes de contextualizá-
los, entendendo quais são e como estão relacionados. Ser capaz de contextualizar a
raiva, por exemplo, e entender em que situação ela ocorre e que outros sentimentos
estão envolvidos exige mais do que coletar fatos passados, torna necessário observar
padrões afetivos e atitudes e refletir sobre eles.
Por meio da escuta atenta e consciente do psicanalista busca-se criar um
ambiente que acolha e permita a investigação, a elaboração e a superação de
resistências com foco na reconstrução de ligações afetivas importantes necessárias
para o aprofundamento da vida emocional do sujeito.
No entanto, como sugere a epígrafe de Sêneca, nem tudo o que é doloroso ou
patogênico pode ser lembrado ou expresso em palavras. A dimensão inconsciente do
sofrimento torna-se inaudível por esconder-se na repetição de comportamentos
defensivos, na superficialização de emoções, na negação de afetos, no silêncio.
A escuta como instrumento clínico tornou-se cada vez mais complexa, à
medida que teoria e técnica agregaram novos conceitos e desdobramentos. O
paciente precisa ser ouvido de diversas maneiras em sua expressão e naquilo que
omite. A partir de ideias inovadoras de Melanie Klein, como identificação projetiva e
posição que, ao mesmo tempo, consideram e revolucionam as propostas freudianas
de escuta, passou-se também a ouvir simultaneamente angústias, defesas e relações
de objeto. Outra evolução importante na escuta psicanalítica ocorre com as ideias de
Bion sobre ouvir efetivamente o paciente a partir da contratransferência como
instrumento clínico, ainda que isso ocorra em uma dimensão inconsciente.
“Os fatos são sonoros, mas entre os fatos há um sussurro.
É o sussurro o que me impressiona” nos diz Clarice Lispector em A Hora da Estrela.
A escuta poética, que desde sempre parece ter estendido uma ponte entre a
Psicanálise e o acolhimento da fala do sujeito, está presente na forma como
psicanalista e paciente escutam a si mesmos. A linguagem poética, carregada de
insólitas e inesperadas correlações entre imagens, sons e ideias restitui ao leitor,
psicanalista e paciente, um mundo de afetos e experiências, estranhamento e beleza.
O encontro do intelecto e das emoções do poeta com o mundo reverbera o que há de
estrangeiro e familiar em todos nós. Por meio da escuta do mundo na linguagem
altamente simbólica da poesia e da arte em geral é possível ouvir as ressonâncias de
nosso próprio sofrimento e ressignificar a maneira como expressamos vontades e
sentimentos. A poesia em seu sentido mais amplo pode transformar a visão de mundo
ao ser escutada cuidadosamente em suas estratégias de linguagem, rastros deixados
pelo autor que traduzem relações de afeto em palavras.
Atualmente, reconhece-se o valor e as limitações de diversas estratégias de
escuta psicanalítica. Há na interpretação um pouco da escuta de sonhos, trilhas
associativas na associação livre, estados afetivos, atitudes e comportamentos.
A Psicanálise destina-se a nomear o que somos, e somos muitas coisas em
permanente transformação. Conhecer e acolher nossos sentimentos mais profundos
parece ser para mim, neste momento, após um diálogo que promete ser permanente
com meus colegas, a proposta fundamental do tratamento psicanalítico e um caminho
para pensar e desenvolver nossas relações de intimidade, criando em nós uma
espécie de espaço interno maior, um lugar em que nossas dores tenham voz e sejam
reconhecidas, de algum modo, como parte do que nos faz humanos.

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