Sie sind auf Seite 1von 13

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/312160860

| 31 ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA E HERMENÊUTICA

Article · January 2012

CITATIONS READS

0 1,912

1 author:

Elton Vitoriano Ribeiro


Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
38 PUBLICATIONS   0 CITATIONS   

SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

Ética, desigualdade e Justiça. Ethics, inequality and justice. View project

Desafios para uma Ética Contemporânea. View project

All content following this page was uploaded by Elton Vitoriano Ribeiro on 09 January 2017.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


| 31

ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA E
HERMENÊUTICA
Elton Vitoriano Ribeiro

1. Introdução

A pergunta sobre quem é o ser humano se impõe a todos em


todos os tempos. Perguntar-se pelo que se é, é uma atitude irrecusável.
Neste perguntar-se, encontra-se também o cristão, isto é, aquele que
fez de sua vida um seguimento radical a Jesus, o Cristo. Mas aí surge
outra questão na esteira da primeira: o que é o ser humano a partir
da revelação cristã? O que é o ser humano em sua relação com Deus
Trino revelado em Cristo? O que somos à luz de Jesus Cristo revelador
de Deus?

Para a autocompreensão cristã, conforme a Encíclica Gaudium


et Spes, “Cristo, ao revelar o mistério do Pai e de seu amor, desvela
também plenamente o homem ao homem e lhe faz conhecer sua
altíssima vocação” (CONCÍLIO VATICANO II, 1968, p.22). Mas qual é
esta vocação humana revelada pelo Cristo? O que ela tem a dizer sobre
o ser humano em geral, e não apenas sobre os cristãos? Qual a sua
relevância para a vivência dos homens e mulheres contemporâneos?
Estas são algumas das indagações que a reflexão antropológica, na
sua vertente teológica, quer nos ajudar a elucidar. Elucidação que se
dá a partir de e com as Sagradas Escrituras, lidas em Igreja, no mundo
histórico.

Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.11, n.21, p.31-42, jan./jul. 2012.


32 | ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA E HERMENÊUTICA

2. Surgimento da antropologia teológica

A antropologia teológica, assim como a entendemos


atualmente, é uma disciplina recente (LADARIA, 1998, p.11-16).
Podemos, de certa forma, datar seu surgimento no período pós-
Vaticano II. Nesse período, houve um resgate e reagrupamento de
vários tratados da teologia com intenção de compor uma reflexão
acerca do ser humano em sua totalidade. Evidentemente, esta
preocupação com o ser humano sempre esteve presente no discurso
teológico. Temas como criação, graça, pecado original, destino final
do ser humano, revelam a presença do ser humano no horizonte
reflexivo da teologia. Desde a patrística, especialmente com as
reflexões de Santo Agostinho, passando pelo pensamento escolástico
de Santo Tomás de Aquino, até os primeiros tratados de Antropologia
Teológica do período pós Vaticano II, o ser humano esteve mais ou
menos tematizado, presente na reflexão teológica. Mas só com
uma especial abordagem acerca da necessidade de uma nova e
criativa articulação entre cristologia e antropologia que a questão
da antropologia teológica ganhou relevância no quadro dos temas
teológicos a serem refletidos.

Na tentativa, necessária e urgente, de conciliar a fé cristã com


o pensamento moderno, o Concílio Vaticano II construiu uma reflexão
que levou em consideração toda a questão antropológica e sua
relevância naquele momento. Quer dizer, houve uma preocupação
em dialogar com o pensamento moderno de cunho, eminentemente,
antropocêntrico que se revelou, paradigmaticamente resumido,
na questão antropológica fundamental apresentada por Kant:
o que é o homem? É sob esse signo que vai caminhar todo o
pensamento moderno. É sob esse signo que a teologia encontrará
um ponto de diálogo com a modernidade. Só assim a teologia terá,
verdadeiramente, palavras que façam sentido para o ser humano
moderno.

Historicamente a teologia católica fechou-se às novas


descobertas antropológicas num primeiro momento. Toda uma série
de antropologias regionais (física, cultural, psicológica, etc...), que
exigiam cidadania no pensamento moderno, pareciam perigosas
Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.11, n.21, p.31-42, jan./jul. 2012.
Elton Vitoriano Ribeiro | 33
à teologia. Mas tais desafios levaram a teologia a colocar-se,
humildemente, à escuta do outro e em diálogo com as várias questões
levantadas pela modernidade. Neste contexto mais amplo de virada
antropocêntrica é que alguns teólogos católicos construíram um
discurso específico de antropologia teológica.

3. Atual contexto e o discurso cristão sobre o humano

O contexto atual no qual devemos pensar o discurso cristão


sobre o humano não é menos desafiante. O advento do pós-moderno
(LYOTARD, 1986; LIPOVETSKY, 1989; TAYLOR, 1991), a crítica radical
ao antropocentrismo moderno, o enfraquecimento das concepções
de Deus, de ser humano e de mundo; o fim das grandes narrativas, do
discurso único, propõem novos e desafiantes problemas à teologia.
É neste campo minado pelos mestres da suspeita Marx, Nietzsche e
Freud (RICOEUR, 1978, p.350-351), mas cheio de possibilidades, que
devemos pensar a teologia. Pensar uma palavra teológica que seja
relevante para o ser humano contemporâneo.

O enfraquecimento da concepção de Deus acontece num


momento de crítica à ontoteologia (Heidegger) e na busca de uma
abordagem linguística do real por meio de seus jogos de linguagem
(Wittgenstein). Contribuiu muito para isso o desmoronamento
da ideia clássica de Deus Todo Poderoso diante das inomináveis
tragédias ocorridas no século vinte (Auschwitz, Ruanda, Bósnia, para
lembrar algumas). As consequências desse enfraquecimento são
visíveis na redução da fé à moral, por exemplo, numa continuidade
epistemológica da reflexão de Kant em “A religião dentro dos limites
da pura razão”; na impossibilidade de conceitualização de Deus,
por exemplo no ressurgimento de um tipo de teologia negativa
(GIBELLINI, 1998, p.115-122); na substituição da transcendência
divina pela transcendência humana, como no pensamento de Comte-
Sponville e Luc Ferry; e pela busca de um lugar no sentimento humano
para o encontro com Deus deixando de lado toda a reflexão teológica
que busca conciliar fé e razão.

Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.11, n.21, p.31-42, jan./jul. 2012.


34 | ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA E HERMENÊUTICA

Também, o enfraquecimento do ser humano é um radical


questionamento de todo o antropocentrismo moderno. Esse
enfraquecimento conduz a um questionamento da noção de pessoa,
à substituição da noção de criatura pela noção de condição humana
(H. Arendt), à morte da memória e das utopias, à substituição da
vivência das virtudes pela busca desenfreada da felicidade, à ojeriza
e repulsa de todo tipo de culpa e pecado, a substituição da ética e da
política pela estética.

Finalmente, o enfraquecimento da concepção de mundo


conduziu à colonização do mundo pelos objetos da tecnociência que
levou a uma redução do mundo a um grande depósito de coisas, visto
como uma pátria desambientada e sem futuro.

Ora, neste contexto atual que se nos apresenta fica a questão


sempre pertinente de como pensar a antropologia teológica numa
época tão plural. Face à grande narrativa que sempre foi a teologia,
como pensá-la num mundo de narrativas parciais, de pensamento
fraco (Vattimo)? Ainda, como pensar a antropologia teológica desde
nossa situação latino-americana e, mais especificamente, brasileira?
Situação marcada profundamente por uma cultura mestiça e por uma
história longa e triste de injustiças?

4. diálogos da teologia com a contemporaneidade

Dois discursos teológicos de grande relevância nos ajudam a


refletir sobre a possibilidade e o método necessários à teologia para
um frutífero diálogo com o nosso tempo. Karl Rahner e Wolfhart
Pannenberg, cada um em seu tempo e a sua maneira, pensaram a
questão do discurso da antropologia teológica que, verdadeiramente,
fale aos homens e mulheres contemporâneos.

Karl Rahner (1972) tece uma reflexão sobre a antropologia


e a protologia no conjunto de sua teologia. Rahner, com seu
discurso teológico transcendental, se inscreve dentro da primeira
modernidade. Influenciado por Maréchal em sua obra Le point de

Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.11, n.21, p.31-42, jan./jul. 2012.


Elton Vitoriano Ribeiro | 35
depart de la metaphysique, 1944-1949, que buscou um diálogo do
tomismo com o kantismo e, na filosofia por Kant e Heidegger, Rahner
vai propor um novo ponto de partida para o desenvolvimento de uma
antropologia teológica (OLIVEIRA, 1984).

O ponto de partida de Rahner é a noção de existencial


sobrenatural. Para Rahner, o ser humano se encontra sempre no
existencial sobrenatural, ou seja, ele não pode prescindir do fato de
que sua autoconsciência, mesmo que de forma não necessariamente
tematizada, está interpelada pelo chamado de Deus à comunhão
com Ele. O ser humano é caracterizado por sua abertura para Deus,
quer dizer, o ser humano está desde sempre, em virtude de sua
estrutura antropológica, aberto à possível revelação e chamado
de Deus. Esta capacidade de conhecer a Deus é dom. Este dom,
que é a própria autocomunicação de Deus é graça, isto é, é relação
com o Absoluto. Autocomunicação que se dá historicamente, e
que historicamente se realizou em Cristo Jesus, o logos encarnado.
Portanto, o trabalho da antropologia teológica será o de tematizar
esta abertura transcendental do ser humano para o Absoluto, e sua
efetivação histórica em Jesus Cristo onde encontramos de maneira
fundamental e plena o que é e quem é o ser humano. Ou seja, é em
Cristo que a natureza humana foi conduzida definitivamente à sua
salvação absoluta.

Wolfhart Pannenberg (1972) busca uma fundamentação


cristológica para a antropologia cristã. Pannenberg possui um discurso
fortemente influenciado pelo pensamento filosófico de Hegel, assim
ele se encontra no que chamamos segunda modernidade. Desse
lugar ele vai construir um discurso teológico de cunho messiânico
histórico.

A perspectiva de Pannenberg (1993) é a de dar à antropologia


uma fundamentação cristológica. Elementos importantes dessa sua
reflexão são a dimensão de historicidade constitutiva do ser humano
e a abertura radical do ser humano para uma determinação que não
é dada, mas que será realizada historicamente. Esta abertura para

Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.11, n.21, p.31-42, jan./jul. 2012.


36 | ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA E HERMENÊUTICA

uma determinação futura encontra seu novo, isto é, sua plenificação


em Jesus Cristo. Na vida de Cristo se revela a presença do Reino de
Deus, ele é autobasileia. Neste segundo Adão, neste homem novo
e definitivo, se dá a salvação de Deus. Salvação que consiste na
relação, isto é, na comunhão do ser humano com Deus, vale dizer,
numa espécie de participação na vida de Deus, por Cristo, no Espírito.
Assim, a presença do Reino de Deus, na aceitação de seu anúncio por
Cristo Jesus, é o ato de amor salvífico de Deus presente na vida do
humano. Esta salvação é dada como dom ao ser humano. Dom que
deve ser acolhido na liberdade. Liberdade que é dada historicamente
em Cristo Jesus, que nos libertou para a liberdade, para falar como
São Paulo. Ora, dom, amor, relação, não podem existir a não ser em
regime de liberdade. E é a esta liberdade fundamental que todos
somos chamados em Cristo Jesus. Liberdade que liberta para o amor,
para o dom, para a relação com Deus e com o outro.

5. Um novo ponto de partida

As reflexões de Rahner e Pannenberg nos ajudam a perceber


que o discurso teológico sobre o humano deve trabalhar em regime de
peregrinação. Quer dizer, sua tarefa de diálogo com o mundo nunca
deve se fixar em posições caducas e retrógradas. Caso isso ocorra,
corre-se o risco de tornar irrelevante para os homens e mulheres de seu
tempo a sempre nova e criativa mensagem de Deus sobre o humano.
Cabe, portanto, aos teólogos fazerem sempre e de maneira renovada
uma hermenêutica da palavra de Deus e da existência humana.

Parece-nos que numa situação de desconstrução das grandes


narrativas, de fragmentação do humano, de coexistência num
mesmo contexto cultural de elementos pré-modernos, modernos e
pós-modernos, exige-se uma nova abordagem que possibilite tornar
relevante o discurso teológico sobre o humano. Neste contexto atual,
parece-nos que a proposta de uma hermenêutica narrativa tem mais
a dizer e dá mais a pensar aos homens e mulheres de hoje (GEFFRÉ,
1989).

Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.11, n.21, p.31-42, jan./jul. 2012.


Elton Vitoriano Ribeiro | 37
6. A hermenêutica como proposta para um método em antropologia
teológica

Na incessante busca de falar para seus contemporâneos,


acreditamos que um possível caminho para a antropologia teológica
seja o de pensar seu método a partir da proposta hermenêutica de
Paul Ricoeur. Ricoeur propõe a hermenêutica como via longa para o
pensar. Essa via longa leva a pensar a interpretação como um processo
complexo que inclui tanto o momento da descrição das estruturas e
suas leis (a explicação), como o momento da apropriação do sentido
pelo sujeito (a compreensão), como fazendo parte de um único arco
hermenêutico. Arco hermenêutico que leva aquele que interpreta a,
através do encontro com o mundo do texto, configurar sua figuração
interior, re-orientando sua orientação a partir da afecção provocada
pelo texto. Quer dizer, os textos com os quais entramos em contato,
para falar como Ricoeur, os quais lemos, refletimos e amamos,
refazem nosso horizonte, vale dizer, nossa própria identidade
narrativa (RICOEUR, 1990).

É próprio da linguagem remeter a um além de si mesma.


Ela remete a um mundo da vida, mundo humano que é tecido pela
linguagem1. Por isso, para Ribeiro (2003), a exegese narrativa se
preocupa com, ao interpretar as narrações que compõem nosso
ethos originário, por exemplo, as narrativas bíblicas sobre a criação,
o problema da intriga. A intriga, segundo Lévinas (1998), é a relação
entre os termos onde um e outro não são unidos nem por uma síntese
do entendimento, nem pela relação do sujeito ao objeto e, no entanto,
um é imprescindível ou é significante para o outro, sendo que eles
estão ligados entre si sem que o saber possa esgotá-los ou desvelá-
los. Daí que a função hermenêutica será, propriamente, um tecer
uma intriga. Esse tecer é um configurar a ação humana e dar-lhe certa
inteligibilidade. Isso na medida mesma em que o ato configurante da
intriga coloca junto elementos díspares formando uma totalidade
significante de sentido.
1 Para Ricoeur há uma impossibilidade de acesso imediato ao que quer que seja.
Assim, toda experiência humana no mundo é mediada pela linguagem e só é acessível
através dela. Daí a preferência de Ricoeur pela chamada via longa da hermenêutica
em detrimento da via curta heideggeriana.
Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.11, n.21, p.31-42, jan./jul. 2012.
38 | ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA E HERMENÊUTICA

Este diálogo entre as interfaces intrigantes, na temporalidade,


numa tradição, se dá na narratividade. Ora, narrar não é um ato
gratuito e ingênuo. No narrar encontramos algumas modalidades
pré-narrativas da ação que exigem, pela própria condição humana
que tem na linguagem um medium intransponível, serem conduzidas
à narrativa. Por exemplo, na memória das vítimas da injustiça a
narratividade refigura, no plano do agir, o acontecido, podendo
alterar o sujeito, em alguns casos, para uma verdadeira conversão
ética. Assim, Ricoeur (2002) vai propor uma poética da existência, vale
dizer, uma hermenêutica narrativa, em que o poético tem o caráter
de recriar a existência humana a partir da narratividade.

Ora, a antropologia teológica, ao adotar esse método,


tentará compreender o ser humano a partir das narrativas bíblicas.
Especialmente, pensar o ser humano a partir desta fonte inesgotável
de sentido que é o Evento Cristo (JUNGES, 2001, p.89-130; PALACIO,
2002, p.5-21). Mas, antes ainda, é necessário esclarecer o caráter
mimético da narração. Para Ricoeur, a narração é o resultado de
uma tríplice mímesis. Mímesis que é o próprio caráter de modelo das
formas narrativas, e que pode ser descrito como transmissão, como
confrontação e como descoberta de si.

Toda narração tem um pressuposto, uma pré-figuração


(Mímesis I). Quer dizer, toda história é enraizada num contexto que é
narrativo. Por exemplo, os evangelhos estão intimamente imbricados
no contexto das primeiras comunidades cristãs e na vida daqueles
homens e mulheres que aderiram ao Cristo Jesus, não isolados, mas
em Igreja, vale dizer, em comunidade, a comunidade dos com Jesus.
Portanto, está inscrita em toda narrativa uma pré-compreensão da
ação e da tradição narrativa onde esta ação é dita.

Toda narração possui um princípio, um meio e um fim, quer


dizer, toda narrativa tem uma configuração propriamente dita
(Mímesis II). Esta configuração não existe solta, absoluta, mas só ganha
pleno sentido se for compreendida como um momento intermediário
entre a pré-figuração anterior a ação e sua re-configuração posterior.
Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.11, n.21, p.31-42, jan./jul. 2012.
Elton Vitoriano Ribeiro | 39
É a dimensão refigurativa de toda narração (Mímesis III). Ela
marca a interseção entre o mundo do texto e o mundo do leitor ou
do ouvinte, mundo onde a narrativa ganha seu pleno sentido. Por
exemplo, apropriar-se da narração cristológica é ir-se configurando,
numa verdadeira fusão de horizontes, ao Cristo Jesus. Configuração
que, ao apresentar um modelo de humanidade, interpela nossa
própria humanidade. Diante da figura de Cristo, somos seduzidos,
afetados, atraídos, de forma a constituir nossa própria identidade,
narrativamente. Só assim o ser humano se compreende, só se
compreende ao narrar sua própria história2.

Portanto, a mímesis possui uma relação com a história em geral


(ao propor e dar sentido), uma relação com a ação (ao propor e gerar
ações), e uma relação com a identidade daquele que interpreta (ao
narrativamente influenciar nesta mesma identidade). Daí podermos
fazer-nos a seguinte pergunta antropológica: quem me torno quando
ajo com os outros em Cristo?

7. Conclusão: antropologia teológica e mistagogia

Construir uma reflexão em antropologia teológica como


descrevemos enquanto método exige uma perspectiva hermenêutica.
Perspectiva que, acreditamos, nos ajuda a não cairmos em um
dogmatismo estéril, nem em um fideísmo paralisante. Para uma
antropologia teológica que se quer hermenêutica, falar de Deus é
também falar do ser humano que fala de Deus (GEFFRÉ, 2001).

É um falar antropológico que deve manifestar a pertinência do


mistério cristão para a inteligência e a prática dos homens e mulheres
contemporâneos. Por isso, a antropologia teológica, na sua dimensão
de narratividade, será uma hermenêutica atualizante da palavra de
Deus e da existência humana.

2 Aqui entendemos, como Ricoeur, que o sujeito não é apenas constituído como
substância, como cogito (idem), mas é alguém que atua no drama de sua existência e
aí é também constituído (ipse), quer dizer, todo sujeito é sempre sujeito em relação,
que se constitui narrativamente.
Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.11, n.21, p.31-42, jan./jul. 2012.
40 | ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA E HERMENÊUTICA

Portanto, a antropologia teológica, como a compreendemos,


é mistagogia3. Quer dizer, é fundamentalmente interpretar a narração
da experiência da misteriosa gratuidade de Deus na vida dos seres
humanos, como encontramos nos relatos bíblicos. Interpretação
que faz emergir um sentido, sentido que nos configura e que nos
convoca a uma práxis em favor dos outros como maneira privilegiada
de atualizar a experiência de fé. Experiência de fé que é vivida sob o
signo da adesão pessoal e comunitária ao Cristo Jesus. Experiência
que nos conduz ao Pai e que é guiada pelo Espírito. Experiência que
nos revela a misteriosa e profunda verdade de que somos filhos de
Deus e irmãos uns dos outros.

REFERÊNCIAS

ARENDT, H. A condição humana. São Paulo: Forense, 2002.

COMTE-SPONVILLE, A. O alegre desespero. São Paulo: UNESP, 2002.

CONCÍLIO VATICANO II. A igreja no mundo de hoje: constituição pastoral


“Gaudium et Spes”. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 1968. 126 p. (Documentos Pontifícios,
155).

FEINER, Johannes; LOEHRER, Magnus (Coords.). Mysterium salutis: compêndio de


dogmática histórico-salvífica. Petrópolis: Vozes, 1972. v.2; p.2. 142 p. (Fundamentos
de dogmática histórico-salvifica).

FERRY, L. O que é uma vida bem sucedida? Rio de Janeiro: DIFEL, 2004.

GEFFRÉ, G. Como fazer teologia hoje: hermenêutica teológica. São Paulo:


Paulinas, 1989.

GEFFRÉ, C. Croire et interpréter: le tournant herméneutique de la théologie. Paris:


Du Cerf, 2001.

3 A compreensão da antropologia teológica como mistagogia é um mergulhar na


dimensão mistérica da fé cristã, fé que é dinâmica e por isso sempre em processo
de interpretação da narração dos textos bíblicos. Fé que se vive e se celebra
numa comunidade eclesial, e que nos convoca, inexoravelmente, a uma prática
transformadora e libertadora (TABORDA, 2004, p.588-615; VÁZQUES MORO,
2001).
Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.11, n.21, p.31-42, jan./jul. 2012.
Elton Vitoriano Ribeiro | 41
GIBELLINI, G. A teologia do século XX. São Paulo: Loyola, 1998.

JUNGES, R. Evento Cristo e ação humana. São Leopoldo: Unisinos, 2001.

KANT, I. A religião dentro dos limites da simples razão. São Paulo: Escalada
Educacional, 2006.

LADARIA, L. F. Introdução à antropologia teológica. São Paulo: Loyola, 1998.

LÉVINAS, E. Em découvant l’existence avec Husserl et Heidegger. Paris: Libraire


J. Vrin, 1998.

LIPOVETSKY, G. A era do vazio. Lisboa: Relógio D’água, 1989.

LYOTARD, J. F. O pós-moderno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.

OLIVEIRA, M. A. Filosofia, transcendência e religião: ensaio sobre a filosofia da


religião em Karl Rahner. São Paulo: Loyola, 1984.

PALÁCIO, C. Pressupostos teológicos para contemplar a vida de Jesus. Revista de


Itaici, v.52, 2002.

PANNENBERG, W. Fundamentação cristológica de uma antropologia cristã.


CONCILIUM, v.86, n.66, p.732-748, jun. 1973.

PANNENBERG, W. Antropologia en perspectiva teológica: implicaciones religiosas


de la teoria antropológica. Salamanca: Sigueme, 1993.

RAHNER, K. Reflexões fundamentais sobre a antropologia e a protologia no


conjunto da teologia. In: FEINER, Johannes; LOEHRER, Magnus (Coords.).
Mysterium salutis: compêndio de dogmática histórico-salvífica. Petrópolis: Vozes,
1972. v.2, p.2, 142p. (Fundamentos de dogmática histórico-salvifica).

RIBEIRO, N. O caráter narrativo da normatividade em teologia moral. Perspectiva


Teológica, v. 35, p.13-38, 2003.

RICOEUR, P. Les conflit des interprétations. Paris: Seuil, 1969.

RICOEUR, P. O conflito das interpretações: ensaios de hermenêutica. Rio de


Janeiro: Imago, 1978.

RICOEUR, P. Du texte à l’action: essais d’herméneutique II. Paris: Seuil, 1986.

Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.11, n.21, p.31-42, jan./jul. 2012.


42 | ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA E HERMENÊUTICA

RICOEUR, P. Soi-même comme um autre. Paris: Seuil, 1990.

RICOEUR, P. Nas fronteiras da filosofia. São Paulo: Loyola, 1996.

Elton Vitoriano Ribeiro SJ, Jesuíta, Doutor em Filosofia pela Pontifícia


Universidade Gregoriana de Roma, Itália. Atualmente professor
na FAJE – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Autor do livro:
Reconhecimento ético e Virtudes. São Paulo: Loyola, 2012.
E-mail: eltonvitoriano@gmail.com

Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v.11, n.21, p.31-42, jan./jul. 2012.

View publication stats

Das könnte Ihnen auch gefallen