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UEPG – Ponta Grossa – PR
24 a 26 de Outubro de 2017
Resumo: O presente artigo tem como objetivo discutir a mudança ocorrida no campo da
história da arte e no trato com imagens iniciada pelas propostas do historiador da arte
hamburguês Aby Warburg. A escrita da história da arte tem início com Vasari, sendo
estruturada por Winckelmann dois séculos depois e confrontada pela pesquisa de
Warburg, ao final do século XIX e início do XX. Os conceitos warburguianos de
Pathosformel (fórmula do páthos) e Nachleben (sobrevivências) guiarão a discussão
relacionada ao problema da recepção apontado por ele e, posteriormente, trabalhado por
Hans Belting e Georges Didi-Huberman. Esses dois historiadores da arte, tratam das
posturas humanas diante das imagens sob uma abordagem antropológica da imagem. O
alemão Belting trata, inclusive, das relações entre “picture” e “image”, meio e imagem
no contexto de sua proposta de Antropologia da Imagem. O francês Didi-Huberman fala
sobre uma imagem que devolve o olhar ao seu observador e traz sob a forma da
metáfora do pescador de pérolas uma proposta para o pesquisador interessado no
trabalho com imagens. Por fim, essa metáfora será relacionada ao paradigma indiciário
do historiador italiano Carlo Ginzburg, que apresenta uma sugestão diferente,
posicionando o historiador como um investigador.
Abstract: This article aims to discuss the change in the field of art history and dealing
with images initiated by the proposals of art historian hamburgers Aby Warburg. The
writing of the history of art begins with Vasari, being structured by Winckelmann two
centuries later and confronted by the research of Warburg, in the late nineteenth and
early twentieth centuries. The warburgian concepts of Pathosformel (formula of the
pathos) and Nachleben (survival) will guide the discussion related to the problem of
reception pointed out by him and later worked by Hans Belting and Georges Didi-
Huberman. These two historians of art deal with human postures before images under
an anthropological approach to the image. Belting also deals with the relations between
picture and image, medium and image in the context of its proposal of anthropology of
the Image. Didi-Huberman talks about an image that returns the look to its observer and
brings in the form of the metaphor of the pearl fisherman a proposal for the researcher
interested in the work with images. Finally, this metaphor will be related to the
italicizing paradigm of the italian historian Carlo Ginzburg, who presents a different
suggestion, positioning the historian as a researcher.
II Congresso Internacional de Estudos em
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alemão Abraham Moritz Warburg, também conhecido como Aby Warburg, se destaca
ao introduzir a proposição de “uma disciplina que, ao contrário de tantas outras, existe
mas não tem nome” (Agamben, 2015, p.111).
1
Segundo Panofsky (2014, p. 65), o primeiro desses níveis, a descrição pré-iconográfica, consiste na
compreensão da maneira pela qual objetos e eventos foram expressos pelas formas. O segundo nível, a
análise iconográfica, é voltada para a maneira pela qual temas e conceitos foram expressos por objetos e
eventos. O terceiro nível, a interpretação iconológica, buscava compreender os símbolos, a maneira pela
qual diferentes condições históricas foram expressas por temas e conceitos específicos.
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Uma imagem, [...], pode viver em uma obra de arte, mas não coincide com ela. A
distinção inglesa entre image [imagem] e picture [gravura] é pertinente no meu caso,
mas apenas no sentido em que essa distinção permite-nos aguçar a busca da imagem no
retrato. [...]. Mas ela só faz sentido quando somos nós que a perguntamos, porque
vivemos em corpos físicos, com os quais geramos nossas próprias imagens e, por
conseguinte, podemos contrapô-las a imagens do mundo visível. (Belting, 2005, p.66).
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Sempre, diante da imagem, estamos diante do tempo. Como o pobre iletrado da narrativa
de Kafka, estamos diante da imagem como Diante da lei: como diante do vão de uma
porta aberta. Ela nada nos oculta, bastaria entrar, sua luz quase nos cega, nós a
respeitamos. Sua própria abertura - e eu não me refiro ao guardião - nos faz parar: olhá-la
é desejar, é esperar, é estar diante do tempo. (Didi-Huberman, 2015, p15) .
Essa ambivalência das imagens também possui uma dimensão que é incômoda
ao observador. Para instrumentalizar o observador a entender aquilo que também o
observa, Georges Didi-Huberman (1998) propõe que ele abra seus olhos para
experimentar o que não vê. Para o autor, “O que vemos só vale - só vive - em nossos
olhos pelo que nos olha” (Didi-Huberman, 1998, p. 29). No entanto, ao invés de tentar
assimilar algo, como se a obra desse como absoluta, o observador deve atentar para a os
seus vazios, suas possibilidades. Para encontrar o vazio, ele deve perder algo, pois
impressão de perda é o estopim dessa busca. Em O que vemos, o que nos olha (1992),
ao se valer da obra Ulysses (1922) de James Joyce, Didi-Huberman demarca a tensão
existente na relação observador-observado, onde Stephen Dedalus, se “vê visto” por
sua mãe moribunda:
Seus olhos vidrados, fitando de dentro da morte, para sacudir e subjugar minha alma. Só
em mim. A velafantasma para iluminar sua agonia. Luz espectral sobre o rosto torturado.
Seu sopro rouco estrepitando alto com horror, enquanto todos rezavam de joelhos. Os
olhos dela sobre mim para me derrubar (Joyce, 2010, n. p.).
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Didi-Huberman (1998), alega que foi necessário que a mãe de Stephen fechasse
seus olhos para vê-lo verdadeiramente. Da mesma forma, o olhar lançado a uma obra
reverbera na observada e “derruba” o próprio espectador, subitamente espectador e
expectado trocam de lugar, ver é ser visto. O autor, disserta acerca da impossibilidade
da existência de um olho puro, de um olho sem sujeito. Valendo-se da “aura”
benjaminiana, desconsidera o que vemos e o que nos olha como uma “fenomenologia
da fascinação alienada a tender para a alucinação”, ao invés disso, pensa um olhar
articulado com o tempo, que deixaria o “espaço o tempo de se retramar de outro
modo”. Ou seja, “todos os tempos nela [imagem] serão trançados, feitos e desfeitos,
contraditos e superdimensionados” (Didi-Huberman, 1998, 149).
Roland Barthes (1915-1980), pensa o amor da mesma maneira que Didi-
Huberman pensa a imagem: “Coincido ao mesmo tempo com a imagem e com esse
segundo espelho que reflete o que eu sou” (Barthes, 1981, p.54). Barthes situa essa
passagem em uma situação hipotética, na qual um sujeito se imagina falando de seu
amado para seu rival, com o decorrer da conversação ele percebe que no rosto do outro
ele vê a si próprio, sua própria inquietação, ciúme e medo. No entanto, ele também
percebe a mutualidade desse movimento, seu rival “padece” da sua inquietação. Ao
ouvir seu amado depreciar seu rival, não pode deixar de pensar na eventual troca de
seus lugares.
O autor pensa o amor a partir de uma imagem vista nos olhos do outro, pois “as
imagens nos dão a ver alguma coisa, nos colocam alguma coisa ‘sob os olhos’ e sua
demonstração procede, portanto, de uma mostração. ” (Boehm, 2015 p. 23). Tendo em
vista este status da imagem, ao tê-las como foco de pesquisa, em uma abordagem
antropológica, carece ao historiador a tomada de alguns cuidados.
3. Considerações Finais
Assim como o médico está atento aos sintomas de seu paciente, o detetive às “pistas”
presentes na cena do crime e o caçador aos rastros de sua presa, o historiador deve estar
atento aos vestígios de seu objeto.
Ginzburg, pensa a partir dessa percepção investigativa de vestígios, para
formular um “paradigma indiciário”, associando a análise morfológica à pesquisa
histórica. No entanto, ressalta que os rastos de animais ou sintomas de doenças são
fundamentalmente diferentes da cultura. Logo, as regras do paradigma indiciário
ginzburguiano “não se prestam a ser formalizadas nem ditas. Ninguém aprende o oficio
de conhecedor ou de diagnosticador limitando-se a pôr em prática regras preexistentes.
” (Ginzburg, 1989, p. 179). No entanto, algumas considerações são cabíveis justamente
ao ponto mais seguro de Ginzburg, a investigação criteriosa do historiador que não
pode acessar o passado.
No que diz respeito as imagens, o historiador-investigador ginzburguiano é
confrontado pelo pescador de pérolas de Georges Didi-Huberman. O autor francês,
tomando como exemplo um fragmento de A tempestade2 (ato 1, cena 2), de William
Shakespeare, demostra que esse pesquisador-detetive precisa “mergulhar” em busca de
pérolas, mas ao encontrá-las, também encontra algo mais. Segundo Didi-Huberman
(2013a), o pescador retorna ao mar, ao perceber que a pérola que tomou do meio era,
como na obra de Shakespeare, um dos olhos de seu pai. Chegando aos recifes, se dá
conta que o corpo de seu progenitor havia se metamorfoseado em coral, assim como
seus olhos em pérolas. Ao perceber que o mesmo havia ocorrido com seus
antepassados, também nota que, continuamente, novos tesouros surgem devido a ação
do tempo no mar.
Didi-Huberman acredita que Aby Warburg, assim como o pescador, tomou
ciência dessa situação e chegou à conclusão: “para conhecer completamente esse meio
vital, esse meio de sobrevivência, seria preciso viver nele, afogar-se, perder a vida”
(Didi-Huberman, 2013a, p. 425). A trajetória da vida de Warburg atesta isso3, ele de
fato deixou-se afogar pelo mar e percebeu “novas formas e configurações cristalizadas
2
“Teu pai está a cinco braças. /Dos ossos nasceu coral, /dos olhos, pérolas baças. /Tudo nele é perenal; /
mas em algo peregrino, /transforma-o o mar de contínuo. (Shakespeare, 2000, n. p.).
3
Segundo Johnson (s.d.) Warburg, foi internado devido à depressão e esquizofrenia. Quando recebeu
alta, dedicou os cinco anos restantes de sua vida à composição do inacabado Atlas Mnemosyne
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Referências
BOEHM, Gottfried. Aquilo que se mostra: Sobre a diferença icônica. In: ALLOA,
Emmanuel (Org.). Pensar a Imagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos e o que nos olha. São Paulo: Editora 34.
1998.
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 2014.
VASARI. Giorgio. The Lives of the artists. Oxford: Oxford University Press, 1991.