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II Congresso Internacional de Estudos em

Linguagem
UEPG – Ponta Grossa – PR
24 a 26 de Outubro de 2017

A CIÊNCIA SEM NOME DE ABY WARBURG: DISCUSSÕES ACERCA DO


“PENSAR A IMAGEM”

Leonardo Bento de Andrade (mestrando) - UFPR

Resumo: O presente artigo tem como objetivo discutir a mudança ocorrida no campo da
história da arte e no trato com imagens iniciada pelas propostas do historiador da arte
hamburguês Aby Warburg. A escrita da história da arte tem início com Vasari, sendo
estruturada por Winckelmann dois séculos depois e confrontada pela pesquisa de
Warburg, ao final do século XIX e início do XX. Os conceitos warburguianos de
Pathosformel (fórmula do páthos) e Nachleben (sobrevivências) guiarão a discussão
relacionada ao problema da recepção apontado por ele e, posteriormente, trabalhado por
Hans Belting e Georges Didi-Huberman. Esses dois historiadores da arte, tratam das
posturas humanas diante das imagens sob uma abordagem antropológica da imagem. O
alemão Belting trata, inclusive, das relações entre “picture” e “image”, meio e imagem
no contexto de sua proposta de Antropologia da Imagem. O francês Didi-Huberman fala
sobre uma imagem que devolve o olhar ao seu observador e traz sob a forma da
metáfora do pescador de pérolas uma proposta para o pesquisador interessado no
trabalho com imagens. Por fim, essa metáfora será relacionada ao paradigma indiciário
do historiador italiano Carlo Ginzburg, que apresenta uma sugestão diferente,
posicionando o historiador como um investigador.

Palavras-chave: Aby Warburg, antropologia da imagem, história da arte.

Abstract: This article aims to discuss the change in the field of art history and dealing
with images initiated by the proposals of art historian hamburgers Aby Warburg. The
writing of the history of art begins with Vasari, being structured by Winckelmann two
centuries later and confronted by the research of Warburg, in the late nineteenth and
early twentieth centuries. The warburgian concepts of Pathosformel (formula of the
pathos) and Nachleben (survival) will guide the discussion related to the problem of
reception pointed out by him and later worked by Hans Belting and Georges Didi-
Huberman. These two historians of art deal with human postures before images under
an anthropological approach to the image. Belting also deals with the relations between
picture and image, medium and image in the context of its proposal of anthropology of
the Image. Didi-Huberman talks about an image that returns the look to its observer and
brings in the form of the metaphor of the pearl fisherman a proposal for the researcher
interested in the work with images. Finally, this metaphor will be related to the
italicizing paradigm of the italian historian Carlo Ginzburg, who presents a different
suggestion, positioning the historian as a researcher.
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Key-words: Aby Warburg, anthropology of the image, art history.

0. Entre o Antigo e o Moderno

Na obra biográfica Vidas (1550), Giorgio Vasari marca o início do estudo da


história da arte. Segundo Kern (2010), Vasari apresenta uma historiografia da arte
magistra vitae, enaltece seus pares e introduz na pesquisa da futura disciplina um
caráter narrativo-progressivo, objetivando a perfeição clássica. Vasari, aponta a Idade
Média como a grande culpada pelo esquecimento da cultura clássica, mas felizmente
seus contemporâneos foram capazes salvá-la (Didi-Huberman, 2013a, p.13). Seus
contemporâneos, após perceberem a decadência da arte na Idade Média, “[...] agora
serão capazes de reconhecer mais facilmente o progresso do renascimento da arte e o
estado de perfeição a que ela voltou a ascender [...]” (Vasari, 1991, p. 6, tradução
nossa).
A história da arte vasariana pautava-se no pressuposto do “re-nascimento” da
arte clássica no período moderno e propunha um regime epistêmico fechado “[...]
segundo o qual a história da arte se constitui como o saber ‘específico’ e ‘autônomo’
dos objetos figurativos” (Didi-Huberman, 2015, p. 73). A percepção de arte
apresentada em Vidas está intrinsecamente relacionada, e reservada, à uma elite
capacitada para realizar a devida reprodução da natureza em suas produções.
Vasari toma três nomes como os grandes responsáveis pela retomada das
influências clássicas. “[...] o Renascimento engendrado por Giotto, depois guiado por
Masaccio e ‘divinamente’ realizado por Michelangelo, compreende-se que esse
Renascimento tenha podido aparecer como a idade de ouro reencontrada da
semelhança.” (Didi-Huberman, 2015, p. 96). O historiador da arte então, teria a
responsabilidade de impedir que a semelhança clássica reencontrada por Giotto,
Masaccio e Michelangelo fosse novamente esquecida e, para que isso não ocorresse,
ele deveria estar atento as “vidas dos artistas”.
A escrita da história da arte se mantém com status de estudo ligado à crônica até
Johann Winckelmann publicar A História da Arte Antiga (1764). “Winckelmann
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inventou a história da arte” (Didi-Huberman, 2013a, p.13), ao pensa-la como uma


“análise dos tempos” e delimitando uma fronteira para ela. Assim, Winckelmann
demarca o início do desenvolvimento de uma disciplina, que o levou a pensar um
“corpo”, uma “reunião dos estilos artísticos e sua lei biológica de funcionalidade, ou
seja, de evolução” (Didi-Huberman, 2013a, p.15). Enquanto Vasari atentava apara a
genialidade e insuperabilidade de seus contemporâneos, a história da arte de
Winckelmann se pauta em uma perspectiva do devir, onde o estudo das obras clássicas
fornece mecanismos para uma “produção do novo”.
Não por acaso, a cisão de 1687 na Academia Francesa, conhecida como A
Querela entre Antigos e Modernos, também mostrava um movimento semelhante: dois
grupos buscam a hegemonia quanto à produção artística na instituição. Para DeJean
(2005), os Antigos se constituíram como um grupo classicista que viam os autores
antigos como modelos, enquanto os Modernos procuravam espaço para problematizá-
los com base no racionalismo e em uma perspectiva progressista. Ocorre que “O
partido dos modernos se insurge contra a auto compreensão do classicismo francês,
quando assimila o conceito aristotélico de perfeição ao de progresso, tal como este foi
sugerido pela ciência natural moderna.” (Habermas, 2000, p.13).
Os Antigos exaltavam os autores clássicos, pensando em uma “beleza ideal”,
assim como Vasari (1991) exaltava Giotto, Masaccio e Michelangelo como salvadores
da arte antiga. Já os Modernos, de forma semelhante a Winckelmann, consideram a
importância da arte clássica, mas buscam pensar a partir de seu desenvolvimento. Para
Kern (2010), a perspectiva da arte para o devir se mantém até o final do século XIX,
quando então, uma vertente mais cultural da disciplina se desenvolve. Diferente da
questão entre Antigos e Modernos, que se desdobra em uma

solução elegante: [onde] o romantismo é a ‘consumação’ da arte, tanto no sentido da


decadência subjetivista da arte reflexiva, quanto no do rompimento reflexivo de uma
forma de exposição do absoluto ainda presa ao simbólico (Habermas, 2000, p.51).

No entanto, a “solução romântica” da história da arte surge apenas dois séculos


depois de Winckelmann, com um historiador da arte “judeu de sangue, hamburguês de
coração, de alma florentina” (Bing, 2014, n. p., tradução nossa). O historiador da arte
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alemão Abraham Moritz Warburg, também conhecido como Aby Warburg, se destaca
ao introduzir a proposição de “uma disciplina que, ao contrário de tantas outras, existe
mas não tem nome” (Agamben, 2015, p.111).

1. A ciência sem nome

Aby Warburg inaugura um modelo para pensar a arte confrontante com o


estilismo, derivado de Winckelmann, dominante até então na história da arte. Warburg
objetiva “ um deslocamento do foco da investigação histórica dos estilos e da avalição
estética para os aspectos pragmáticos e iconográficos da obra de arte” (Agamben, 2015,
p.112). Essa “ciência sem nome”, da qual nos fala Agamben (2015), trata-se da análise
do movimento pendular dos signos entre dois polos, o das imagens e o dos símbolos.
A fama de Warburg e posteriormente, dos estudos de pesquisadores vinculados
ao instituto que carrega seu nome cresceu gradativamente, mas a abordagem
warburguiana foi sendo asfixiada por seus seguidores. Erwin Panofsky, um dos
seguidores de Warburg, tentou sintetizar a proposta warburguiana na obra Estudos de
Iconologia (1939), definindo um método em três níveis1 distintos que posteriormente
foram retomados em Significado nas artes visuais (1955). No entanto, “o método
iconográfico tem sido criticado por ser intuitivo em demasia, muito especulativo para
que posamos nele confiar” (Burke, 2004, p. 50). Especulativo pois a iconologia de
Panofsky tinha como principal objetivo encontrar o significado da imagem, ao definir
seus três níveis de forma tão precisa e, ao mesmo tempo, engessada. No entanto,
destaca-se que

Warburg produziu, no início, a parte maldita, a parte nietzschiana e sintomal dessa


“disciplina humanista” que contribuiu para fundar, deixando a seu discípulo Panofsky a
tarefa mais recomendável, em certo sentido mais eficaz, de produzir sua parte triunfal,
positiva, neokantiana, fornecedora de respostas. (Didi-Huberman, 2013b, p. 22)

1
Segundo Panofsky (2014, p. 65), o primeiro desses níveis, a descrição pré-iconográfica, consiste na
compreensão da maneira pela qual objetos e eventos foram expressos pelas formas. O segundo nível, a
análise iconográfica, é voltada para a maneira pela qual temas e conceitos foram expressos por objetos e
eventos. O terceiro nível, a interpretação iconológica, buscava compreender os símbolos, a maneira pela
qual diferentes condições históricas foram expressas por temas e conceitos específicos.
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A crítica feita pela historiografia à iconologia de Panofsky está nas limitações


impostas pela própria, as variadas abordagens historiográficas existentes veem a
iconologia mais como um empecilho do que uma ferramenta. Segundo Burke (2004),
os historiadores devem ir para além da iconologia e buscar apoio na psicanálise, no
estruturalismo e na teoria da recepção. Peter Burke defende uma aproximação mais
sistêmica e abrangente no trato com imagens, aproximação essa já assinalada por
Warburg, em O Nascimento de Vénus e A Primavera de Sandro Botticelli (1893).

No presente trabalho proponho-me a comparar os conhecidos quadros mitológicos de


Sandro Botticelli, O nascimento de Vênus e A primavera, com as representações
equivalentes da literatura poética e teórico-artística contemporânea com o objetivo de
clarificar quais foram os aspectos da Antiguidade que interessaram ao artista do
Quattrocento. (Warburg, 2005, p. 73, tradução nossa).

A partir da identificação de sobrevivências da antiguidade (Nachleben der


Antike) na obra do artista italiano, Warburg se preocupou em “clarificar” os “aspectos
da Antiguidade” que interessaram a Botticelli, assim tomando uma nova postura em
relação ao campo da história da arte já consolidado. O problema das sobrevivências
para Warburg, está relacionado ao “reaparecimento” das imagens, deixado de lado pela
abordagem winckelmanniana. A Nachleben, esse “[...] ser do passado que não para de
sobreviver. ” (Didi-Huberman, 2013a, p.29), de Warburg irrompe os modelos rígidos
dos estilos definidos desde o século XVIII. Seria impossível para Warburg trabalhar
sem desconstruir esses paradigmas, já que

A forma sobrevivente, no sentido de Warburg, não sobrevive triunfalmente à morte de


suas concorrentes. Ao contrário, ela sobrevive, em termos sintomais e fantasmais, à sua
própria morte: desaparece num ponto da história, reaparece muito mais tarde, num
momento em que talvez não fosse esperada, tendo sobrevivido, por conseguinte, no
limbo, ainda mal definido de uma “memória coletiva” (Didi-Huberman, 2013a, p.55).

Warburg pensa a história da arte como uma “antropologia da cultura ocidental”


(Agamben, 2015, p. 127). A abordagem antropológica warburguiana sublinha a
necessidade de conciliar a antropologia à etnologia, mitologia, psicologia, e biologia no
trato dos “problemas do homem”. Os problemas nos quais Warburg debruça-se são os
problemas das formas – ou melhor, fórmulas – que o homem recorre para expressar-se.
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O problema da sobrevivência para Warburg surge ao perceber, “com uma


surpreendente intuição antropológica, que a questão da ‘transmissão e da
sobrevivência’ é o problema central da uma sociedade ‘quente’ como a ocidental”
(Agamben, 2015, p. 117). Nesse momento as “fórmulas de pathos” warburguianas se
tornam pertinentes para a questão das sobrevivências. No ensaio Dürer e a antiguidade
italiana (1905), Warburg utiliza o termo Pathosformel ao tratar das representações da
morte de Orfeu. Partindo da obra de Dürer, o autor percebe que “no meio artístico havia
se generalizado esta fórmula arqueológica do patético (Pathosformel), inspirada em
uma representação clássica de Orfeu ou Penteu” (Warburg, 2005, p. 406, tradução
nossa).
A utilização do termo formel (fórmula) por Warburg não é em vão. Para
Agamben (2012), a fórmula implica a possibilidade de repetição de um fenômeno,
sendo que nenhuma imagem é original, no entanto, também não existem cópias. Didi-
Huberman (2013a), a vê como uma irrupção das obras clássicas, em função da
representação de efeitos de movimento externos a seres animados. Já Kurt Foster
(2005), afirma que o termo Pathosformel diz respeito a “[...] posturas e gestos extraídos
do repertório da Antiguidade, que os séculos posteriores usaram para representar as
condições específicas de ação e excitação psicológica” (Foster, 2005, p. 23, tradução
nossa).
A Pathosformel, a “fórmula do patético”, da expressão, ou seja, de algo que
comove, tem na figura da “ninfa” sua representatividade. A protagonista do painel 46
do Atlas Mnemosyne de Warburg, é uma entidade a qual não é possível rastrear a
origem pois, “ [...] a ninfa não é uma matéria passional à qual o artista deve dar nova
forma, nem um molde ao qual deve submeter seus materiais emotivos. A ninfa é um
composto indiscernível de originalidade e repetição, forma e matéria ” (Agamben,
2012, p. 29). A ninfa está intrinsecamente relacionada a uma transitoriedade perene, ela
está no espaço da ação inconclusa, ela é fantasmata, é “uma parada repentina entre dois
movimentos, capaz de concentrar virtualmente na própria tensão interna a medida e a
memória de toda a série coreográfica” (Agamben, 2012, p. 24). A ninfa como fantasma
e como Pathosformel, revela ainda um problema ligado à dimensão da representação e
a recepção das imagens. Pois, o pathos
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É, sem dúvida, manifestação de um eterno retorno, de uma inequívoca vontade de chance


e de potência mas, ao mesmo tempo, ele é uma vontade sem semelhança, que nos
fornece uma imagem da arte depurada de toda força. A fórmula do pathos amarra assim,
ambivalentemente, a receptividade (ou potência passiva) e a representatividade (ou
potência ativa). (Antelo, 2004, p.11).

A ambivalência do pathos, aliada ao seu potencial de aliar tanto dimensões


passivas e ativas, corroborou para sua disseminação como chave de análises
relacionada à imagem. Atentos a isso, uma nova leva de historiadores, historiadores da
arte e filósofos, posteriores a influência de Panofsky, debruçaram-se novamente sob as
prerrogativas warburguianas.

2. O que vemos no outro

O historiador da arte alemão Hans Belting, é um dos pesquisadores que buscam


um retorno aos pressupostos pontuados por Warburg. Para ele, “Aby Warburg teria
desenvolvido a sua própria antropologia das imagens, se o seu pensamento não tivesse
sido coartado pela iconologia de Erwin Panofsky e Edgar Wind” (Belting, 2014, p.10).
Belting pensa as imagens a partir da relação entre o conceito de meio (media) e imagem
(image).
O conceito de imagem de Belting, embora possua uma relação direta, não é
semelhante ao de retrato, pintura ou gravura. A imagem de Belting é uma produção
interna do indivíduo e é afetada por suas experiências particulares, o meio é o suporte
pelo qual o indivíduo tem acesso à produção que, por sua vez, incita seu corpo a
produzir uma imagem.

Uma imagem, [...], pode viver em uma obra de arte, mas não coincide com ela. A
distinção inglesa entre image [imagem] e picture [gravura] é pertinente no meu caso,
mas apenas no sentido em que essa distinção permite-nos aguçar a busca da imagem no
retrato. [...]. Mas ela só faz sentido quando somos nós que a perguntamos, porque
vivemos em corpos físicos, com os quais geramos nossas próprias imagens e, por
conseguinte, podemos contrapô-las a imagens do mundo visível. (Belting, 2005, p.66).
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A abordagem de Belting, propõe “uma interrelação (e até interação) estreita e


fundamental de imagem, corpo e meio como componentes de toda e qualquer tentativa
de figuração” (Belting, 2014, p.12). Essa “antropologia da imagem”, onde o termo
“antropologia” se afasta de seu sentido etnológico, toma o indivíduo como o objeto que
dá forma as imagens partir de um estímulo externo. Nesse sentido, as imagens operam
“no limiar entre a existência física e mental” (Belting, 2014, p.10), é entre os polos da
materialidade e da imaterialidade, que se encontram as imagens, em um constante
movimento pendular. Ao tentar delimitar esse lugar da imagem, o historiador da arte e
filosofo francês Georges Didi-Huberman também se aproxima da antropologia da
imagem. No entanto, acrescenta um elemento extra à relação apresentada por Belting,
para Didi-Huberman a imagem também oferece um olhar de volta ao seu espectador.

Sempre, diante da imagem, estamos diante do tempo. Como o pobre iletrado da narrativa
de Kafka, estamos diante da imagem como Diante da lei: como diante do vão de uma
porta aberta. Ela nada nos oculta, bastaria entrar, sua luz quase nos cega, nós a
respeitamos. Sua própria abertura - e eu não me refiro ao guardião - nos faz parar: olhá-la
é desejar, é esperar, é estar diante do tempo. (Didi-Huberman, 2015, p15) .

Essa ambivalência das imagens também possui uma dimensão que é incômoda
ao observador. Para instrumentalizar o observador a entender aquilo que também o
observa, Georges Didi-Huberman (1998) propõe que ele abra seus olhos para
experimentar o que não vê. Para o autor, “O que vemos só vale - só vive - em nossos
olhos pelo que nos olha” (Didi-Huberman, 1998, p. 29). No entanto, ao invés de tentar
assimilar algo, como se a obra desse como absoluta, o observador deve atentar para a os
seus vazios, suas possibilidades. Para encontrar o vazio, ele deve perder algo, pois
impressão de perda é o estopim dessa busca. Em O que vemos, o que nos olha (1992),
ao se valer da obra Ulysses (1922) de James Joyce, Didi-Huberman demarca a tensão
existente na relação observador-observado, onde Stephen Dedalus, se “vê visto” por
sua mãe moribunda:

Seus olhos vidrados, fitando de dentro da morte, para sacudir e subjugar minha alma. Só
em mim. A velafantasma para iluminar sua agonia. Luz espectral sobre o rosto torturado.
Seu sopro rouco estrepitando alto com horror, enquanto todos rezavam de joelhos. Os
olhos dela sobre mim para me derrubar (Joyce, 2010, n. p.).
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Didi-Huberman (1998), alega que foi necessário que a mãe de Stephen fechasse
seus olhos para vê-lo verdadeiramente. Da mesma forma, o olhar lançado a uma obra
reverbera na observada e “derruba” o próprio espectador, subitamente espectador e
expectado trocam de lugar, ver é ser visto. O autor, disserta acerca da impossibilidade
da existência de um olho puro, de um olho sem sujeito. Valendo-se da “aura”
benjaminiana, desconsidera o que vemos e o que nos olha como uma “fenomenologia
da fascinação alienada a tender para a alucinação”, ao invés disso, pensa um olhar
articulado com o tempo, que deixaria o “espaço o tempo de se retramar de outro
modo”. Ou seja, “todos os tempos nela [imagem] serão trançados, feitos e desfeitos,
contraditos e superdimensionados” (Didi-Huberman, 1998, 149).
Roland Barthes (1915-1980), pensa o amor da mesma maneira que Didi-
Huberman pensa a imagem: “Coincido ao mesmo tempo com a imagem e com esse
segundo espelho que reflete o que eu sou” (Barthes, 1981, p.54). Barthes situa essa
passagem em uma situação hipotética, na qual um sujeito se imagina falando de seu
amado para seu rival, com o decorrer da conversação ele percebe que no rosto do outro
ele vê a si próprio, sua própria inquietação, ciúme e medo. No entanto, ele também
percebe a mutualidade desse movimento, seu rival “padece” da sua inquietação. Ao
ouvir seu amado depreciar seu rival, não pode deixar de pensar na eventual troca de
seus lugares.
O autor pensa o amor a partir de uma imagem vista nos olhos do outro, pois “as
imagens nos dão a ver alguma coisa, nos colocam alguma coisa ‘sob os olhos’ e sua
demonstração procede, portanto, de uma mostração. ” (Boehm, 2015 p. 23). Tendo em
vista este status da imagem, ao tê-las como foco de pesquisa, em uma abordagem
antropológica, carece ao historiador a tomada de alguns cuidados.

3. Considerações Finais

Já atento para a postura metodológica do historiador, Carlo Ginzburg propõem


um paradigma onde o pesquisador deve se portar como um médico, detetive e/ou
caçador. Para o autor, “O historiador é, por definição, um investigador para quem as
experiências, no sentido rigoroso do termo, estão vedadas ” (Ginzburg, 1991, p.180).
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Assim como o médico está atento aos sintomas de seu paciente, o detetive às “pistas”
presentes na cena do crime e o caçador aos rastros de sua presa, o historiador deve estar
atento aos vestígios de seu objeto.
Ginzburg, pensa a partir dessa percepção investigativa de vestígios, para
formular um “paradigma indiciário”, associando a análise morfológica à pesquisa
histórica. No entanto, ressalta que os rastos de animais ou sintomas de doenças são
fundamentalmente diferentes da cultura. Logo, as regras do paradigma indiciário
ginzburguiano “não se prestam a ser formalizadas nem ditas. Ninguém aprende o oficio
de conhecedor ou de diagnosticador limitando-se a pôr em prática regras preexistentes.
” (Ginzburg, 1989, p. 179). No entanto, algumas considerações são cabíveis justamente
ao ponto mais seguro de Ginzburg, a investigação criteriosa do historiador que não
pode acessar o passado.
No que diz respeito as imagens, o historiador-investigador ginzburguiano é
confrontado pelo pescador de pérolas de Georges Didi-Huberman. O autor francês,
tomando como exemplo um fragmento de A tempestade2 (ato 1, cena 2), de William
Shakespeare, demostra que esse pesquisador-detetive precisa “mergulhar” em busca de
pérolas, mas ao encontrá-las, também encontra algo mais. Segundo Didi-Huberman
(2013a), o pescador retorna ao mar, ao perceber que a pérola que tomou do meio era,
como na obra de Shakespeare, um dos olhos de seu pai. Chegando aos recifes, se dá
conta que o corpo de seu progenitor havia se metamorfoseado em coral, assim como
seus olhos em pérolas. Ao perceber que o mesmo havia ocorrido com seus
antepassados, também nota que, continuamente, novos tesouros surgem devido a ação
do tempo no mar.
Didi-Huberman acredita que Aby Warburg, assim como o pescador, tomou
ciência dessa situação e chegou à conclusão: “para conhecer completamente esse meio
vital, esse meio de sobrevivência, seria preciso viver nele, afogar-se, perder a vida”
(Didi-Huberman, 2013a, p. 425). A trajetória da vida de Warburg atesta isso3, ele de
fato deixou-se afogar pelo mar e percebeu “novas formas e configurações cristalizadas

2
“Teu pai está a cinco braças. /Dos ossos nasceu coral, /dos olhos, pérolas baças. /Tudo nele é perenal; /
mas em algo peregrino, /transforma-o o mar de contínuo. (Shakespeare, 2000, n. p.).
3
Segundo Johnson (s.d.) Warburg, foi internado devido à depressão e esquizofrenia. Quando recebeu
alta, dedicou os cinco anos restantes de sua vida à composição do inacabado Atlas Mnemosyne
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que, tornadas invulneráveis aos elementos, sobrevivem e aguardam apenas o pescador


de pérolas que as levará à luz” (Arendt, 1968, .305-306 apud Didi-Huberman, 2013a, p.
426).
Por fim, cabe ressaltar que o “pensar a imagem” de Aby Warburg foi inovador,
construindo uma nova perspectiva, sem romper com Vasari ou Winckelmann e
instigando pesquisadores posteriores. O Atlas Mnemosyne, seu maior projeto, foi a
tentativa última de mapear as Pathosformel e Nachleben. Inacabado, porém suscita, ou
ao menos intenta, um intenso movimento de submersão e emersão, de afogamento e
irrupção à luz.

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WARBURG. Aby. El renacimiento del paganismo: Aportaciones a la historia cultural


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