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CAPA

ORELHA DO LIVRO

O leitor curioso não terá dificuldades em entender a filosofia de Sloterdijk.


Inicialmente é estranho como Sloterdijk descreve as coisas, principalmente na trilogia das
Esferas, mas depois que você pega o fio da meada é impossível parar de lê-lo. Sloterdijk
tem uma tradição vinda de Heidegger, Nietzsche, Hegel, entre outros. As 2.500 páginas
da trilogia das Esferas se tornam uma obra acessível e fascinante mesmo para aqueles
não familiarizados com filosofia. Não apenas porque o autor reflete com originalidade e
agudeza sobre a lei das esferas ou da globalização, mas porque estamos diante de uma
“reconstrução fantástica” do mundo. Além de sua escrita, Sloterdijk nos banha com
imagens intrigantes para nos situarmos nesse mundo em Esferas. Afinal, se estamos
falando de mundo, estamos também falando de representação de mundo e imagem de
mundo. Sloterdijk passeia pelos temas mais diversos que vão desde subjetividade,
política, metafísica, cosmologia, antropologia, teologia, psicologia, psicanálise, ecologia,
teoria da mídia, religião, biologia.
A obra Bolhas é o primeiro volume da trilogia Esferas, do filósofo alemão Peter
Sloterdijk. O segundo volume, ainda não traduzido para o português, intitula-se Globos,
e o terceiro, Espumas. Certamente uma obra prima e como tal, foi a principal fonte deste
livro. Falar de Esferas é falar de um mundo do onde estamos quando estamos no mundo?,
passa a ser nossa verdadeira pergunta ontológica. Com suas esferas, Sloterdijk acabou
por criar um vocabulário próprio. Ele está num gênero literário próprio, e é preciso entrar
no contexto de seu vocabulário. O mundo esférico nos dá: intimidade, solidariedade,
luxo, clima, ressonância, sons, maternidade e tudo isso com intuito de abandonarmos a
visão solitária do homem, a visão de que o homem é sempre o um. Nascemos como
biunidades: aí está o segredo da intimidade. Temos que pensar desde o início em algo
que é no mínimo duplo, relacional, afinada com o que mais tarde irá se chamar
subjetividade feita para a solidariedade. A microesferologia, por exemplo, ao traçar o
panorama da intimidade, ao servir à “arqueologia da intimidade”, vai se pôr como uma
bolha oval, na qual há dois polos do tipo um Aqui e um Lá (ou um Com) em
interpenetração e em ressonância. O feto e sua placenta ou a placenta e seu feto são um
campo esférico que se delineiam pela ressonância interior antes do que por ser qualquer
coisa. O pensamento da esferologia mostra, com isso, que não nascemos solitários no
mundo, mas somos desde o início duplos. O pensamento de Sloterdijk começa com o
Dois, nunca com o Um. Ele diz sem rodeios: “inicio a ontologia com o numero Dois”.
ORELHA PARTE DETRAS

Ao longo da sua principal obra, Sloterdijk se dedica a mostrar as várias formas


de evolução da bolha, ou seja, a saída do âmbito microesferológico da esfera para um
plano macro de Globos e Espumas. A cada fase um companheiro sai e outro entra, de
modo que a ressonância não se interrompa. Ressonâncias interrompidas criam formas
patológicas individuais, como ele bem descreve ao se referir ao Inferno de Dante e com
seu respectivo rei do mundo caído. Foi Nietzsche quem inventou a fórmula do “filósofo
como médico da cultura”. Assim, hoje, quando alguém exprime uma opinião sobre o
tempo presente evolui necessariamente num terreno que Nietzsche explorou. Para se
poder formular um diagnóstico sobre uma época é necessário ser intoxicado por ela. O
pensamento filosófico não é uma pura reflexão nem a expressão de qualquer sabedoria
ou mesmo de se fazer questões eternas sem dar resposta alguma: trata-se
principalmente de uma febre reagindo à inoculação de uma espécie de cura. Se a filosofia
é uma intoxicação voluntária, ela é o fermento de um veneno graças ao qual, por uma
lenta alquimia, o espírito consegue recuperar uma parte da sua liberdade. Não é difícil
ver que “radicais livre” ainda estão no ar, caso se deseje com eles fazer uma exposição,
um empurrão no sentido de uma construção de um texto que nada tem a ver com
“sociologia clássica”, psicologia ou política, apesar de claro, tomar partido em alguns
desses campos. E com isso, ele funciona como um verdadeiro designer. É possível um
filósofo-designer? Um filósofo seria uma espécie de “médico da cultura”, um
arqueólogo/investigador. Alguém que se converte em um “imunologista da cultura”, um
esferologista. Um médico lúcido que olha a cultura do exterior e que “possui o dom
obscuro dos vampiros”.
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A Filosofia de Peter Sloterdijk

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Ficha catalográfica
A FILOSOFIA DE PETER SLOTERDIJK

EDUARDO DOS SANTOS ROCHA

1ª EDIÇÃO

SÃO LUÍS – MARANHÃO, 2018.

EDITORA:
NOTA PRELIMINAR

Apesar de este livro não abordar somente a trilogia das esferas, que
reconhecidamente, no âmbito acadêmico e filosófico é a principal obra de Peter
Sloterdijk, tive o cuidado de utilizar obras menos conhecidas que ajudaram a finalizar
todo esse trabalho para que ao final o leitor pudesse ter uma noção maior de como
Sloterdijk trabalha. Utilizei bastante as aulas e leituras do professor Paulo Ghiraldelli
Júnior no CEFA juntamente com seus artigos e livros. Além disso, o presente livro faz toda
uma pesquisa em vídeos, artigos, sites, livros, PDF, entrevistas e indicações de matérias
de cultura como séries e filmes. Falar de Sloterdijk não é só falar de livros. Temos que ter
uma atenção especial ao onde nós estamos. E como tal, não poderia fazê-lo sem que
colocasse uma ótica contemporânea para como Sloterdijk vê o que chamamos de
“sociedade” também chamada de “síntese social” ou nos tempos atuais, coisas como:
globalização, mídias, imigração, psicopolítica, etc. Ver o mundo como Sloterdijk é fazer
uma “reconstrução fantástica”. É fazer um trabalho de um designer. Talvez todos os
filósofos o sejam em um certo sentido. Quem crê na “reconstrução fantástica” abre uma
porta para um ambiente surreal, não só na temática, mas também com uma variedade
de figuras, imagens, pinturas, livros, esculturas que Sloterdijk usa para presentear seus
leitores com a sua espacialidade.
SUMÁRIO

Introdução

Capítulo 1: Microesferologia

1.1 Arqueologia da intimidade, subjetividade e bolhas


1.2 Escutar antes de pensar? O cogito sonoro
1.3 Pragmatismo em Sloterdijk?
1.4 Sloterdijk esbarra em Kubrick. O que são as antropotécnicas?
1.5 Ascetismo, mestres e treinadores - A superação de si mesmo
1.6 O Homem enquanto animal acrobático – Design humano “eugênico” em Peter
Sloterdijk?

Capítulo 2: Macroesferologia, Esferologia Plural e Exo Úteros

2.1 Modernidade e Globalização: magia, metafísica e tecnologia


2.2 Jesus, o idiota
2.3 Subjetividade moderna e os jesuítas
2.4 O Nascer das Espumas: Atmoterrorismo e uma teoria das cápsulas
2.5 Arquitetura da Espuma: Neo-individualismo e apartamento
2.6 A Mercadorização das relações humanas e cinismo do capital
2.7 Sociedade contemporânea e egotécnicas
2.8 Capitalismo e luxo
2.9 Uma crítica ao Welfare State

Capítulo 3: Democracia, Justiça, Economia e Filosofia


3.1 Tocqueville – Democracia, A Maioria, Fascismo e a Espiral do Silêncio
3.2 Ética em Freud e noções sobre uma nova justiça
3.3 Para uma nova economia: Solidarismo e filantropia. A ética da generosidade
3.4 Notas sobre Zizek e Sloterdijk
3.5 Existe uma teoria geral em Sloterdijk?
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INTRODUÇÃO

Nascido em Karlsruhe, Peter Sloterdijk é um dos mais conhecidos e lidos


filósofos na contemporaneidade, considerado um dos renovadores da filosofia atual.
Estudou filosofia, filologia germânica e história nas Universidades de Munique e
Hamburgo, tendo concluído seu mestrado sobre “O estruturalismo como hermenêutica
política” e o doutorado com uma dissertação sobre “Literatura e organização sobre
experiência de vida”. No fim dos anos 70, Sloterdijk passou dois anos na Índia. Um
período de sua vida que deixou consequências "irreversíveis", segundo o próprio filósofo:
"Quem fez uma experiência como essa, se torna imune a quaisquer teorias, nas quais a
depressão sempre vence". Seus estudos sobre filosofia oriental acabaram por dar um
respiro onde ele mesmo diz que um europeu na Índia é um choque de uma tradição sua
alemã, especialmente de Nietzsche o do niilismo ativo para um respirar em cada esquina
a metafísica viva de forma plural. Para uma cultura tão decantada como ele se coloca,
essa abertura metafísica é de fato um fator de importância em seus escritos. Essa
abertura permite um diálogo entre a sua metafísica e a metafísica do outro, uma
metafísica negativa como a dos japoneses como se fossem colegas.
Na década de 1980, trabalhou como escritor autônomo e, já em 1983, lançou a
obra que o classificaria como um dos maiores intelectuais alemães da atualidade. Crítica
da razão cínica (Kritik der zynischen Vernunft), alcançou sucesso com mais de mil páginas,
se tornou o maior best-seller alemão de filosofia desde a Segunda Guerra Mundial.
Partindo de uma reflexão sobre o Crítica da razão pura de Kant, Sloterdijk destrincha e
recompõe o legado da filosofia ocidental de cunho racionalista e progressista, visando
romper os moldes clássicos de argumentação de Adorno e Horkheimer, de Sartre e de
Foucault. Sloterdijk notabilizou-se por defender o retorno a um maior rigor filosófico.
Sloterdijk acredita que uma certa tradição sofista hoje é importante para os filósofos,
especialmente para dialogar sobre coisas banais com as pessoas. Sloterdijk está, com
frequência, presente na mídia de língua alemã. Seu suposto protesto contra o cinismo,
definido como "falsa consciência esclarecida", levou o autor a observações amargas
acerca da sociedade de consumo e informação. Chegou a dizer que o cinismo moderno
foi preparador dos fascismos do século final do século XIX e do século XX. A disseminação
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do computador e a consequente dependência do homem deste é outro ponto tocado


por Sloterdijk, para quem "comunicação é trabalho escravo". Filosofia "sem dedo em
riste" O recurso à terminologia semelhante à do repertório nazista fez com que na
trajetória do filósofo fosse apontada uma "guinada para a direita", o que em sua
autodefesa foi chamado de "agitação da esquerda fascista". Como se não bastasse,
Sloterdijk declarou ainda na época "a morte da Escola de Frankfurt" e anunciou um
"acerto de contas com a Teoria Crítica", com o qual Jürgen Habermas "teria se
aposentado".
Algum tempo depois Sloterdijk entra em uma “segunda fase” de sua Filosofia.
Ele parte para uma análise da Modernidade não tão apoiada no Iluminismo. Sloterdijk
toma a antropologia como algo de seu interesse. Surge a atenção pela palavra
“imunidade”. Para o alemão, com sua tradição heideggeriana as noções de êxtase para
atribuir ao que é humano. Grande parte desse período está nos Ensaios Sobre a
Intoxicação Voluntária em 1995, uma conversa que Sloterdijk teve com Carlos Oliveira.
Em sua “última fase”, temos a partir de 1998 até o período atual um Sloterdijk
caracterizado pelo seu projeto da Trilogia das Esferas. Um trabalho interessantíssimo e
riquíssimo onde na área da filosofia, um trabalho que toca desde crise ecológica,
antropologia, teologia, cosmologia, psicologia, teoria da mídia, política, surrealismo. Na
obra, Sloterdijk propõe um novo tipo de fenomenologia e ontogênese dos espaços,
dando luz a metáfora das “Esferas”, onde o ser humano vive em esferas, em incubadoras,
onde o homem se desenvolve, se protege e se relaciona com os outros. Nos três
massudos volumes, vemos grandes nomes do pensamento que vão de Platão, Sócrates,
Gabriel de Tarde, Vilém Flusser, Bachelard, Deleuze, Lacan, passando pela trindade de
Hegel, Nietzsche e Heidegger, um toque leve de pragmatismo americano e têm diálogos
permanentes com Bruno Latour. Da forma como leio Esferas: Bolhas I, temos a
microesferelogia. Os espaços de formação do homem pelo homem, onde a dualidade
mãe-filho (natalidade) seria a primeira das criações relacionais de espaços de simbiose, a
fonte primordial da noção de solidariedade que instigará no rebento o instinto de
sobrevivência. Sloterdijk diz que devemos abandonar a visão moderna da “sociedade de
massas” e do individualismo liberal. O homem não é esse ser que anda sozinho. O
individualismo moderno seria um grande erro ideológico. O uterotopo passa a ser algo
fundamental nas “prestações maternas” e na arquitetura contemporânea dos espaços.
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Dentro desse processo esferológico, os espaços menores precedem os espaços maiores.


Já em Esferas II: Globos (Macroesferologia) e Esferas III: Espumas (Esferologia Plural). Nos
dois últimos, Sloterdijk fala a respeito dos “espaços maiores” a ideia de reprodução das
prestações maternas em um espaço-meio não materno com as noções de espaços
imunitários ou sistemas imunitários. Em Globos a ideia da Esfera redonda explode. As
cosmologias e teologias totalizantes e universalistas sofrem um baque. A terra não pode
mais ser parte de uma cosmologia clássica, nem mesmo de Impérios. A noção de globo
substitui a de bolha, pois o que Sloterdijk tem em mente é o modo como antigos projetos
teológicos e metafísicos são proprietários na história que encosta e até adentra a
modernidade, é a da órbita. A noção da Esfera seja ela como espaço animado ou como
bola imaginada ou virtual do ser presta-se para nos dar transições do espaço. Do mais
íntimo para o mais explodido. Em “Espumas”, o volume três da trilogia, temos as
pequeninas bolinhas, as espumas, que formam o que parece ser algo espesso, mas é
altamente volátil. Estamos na “arquitetura da Espuma”. Eis que estamos no mundo atual,
construído por um “dentro” de paredes finas. As esferas aqui estão em constantes
catástrofes entrando em implosões. A esfera virtual, por exemplo, é um dentro que torna
todos nós aparentemente familiares, ao mesmo tempo em que arrebenta as esferas que
até então chamávamos íntimas. Sloterdijk mostra como que a forma esfera totalizante se
perde, e o que passa a valer são as pequenas células, que até podem ter alguma forma
esférica, mas diversas outras, hexagonais. Disso, temos a noção do individualismo
contemporâneo onde a conservação do espaço do um é preservado na noção de cidades
e o apartamento como o modelo. As espumas são co-isolamento da sociedade
individualistamente condicionada, não são meras aglomerações de corpos vizinhos (que
compartilham separações), pesados e maciços, mas multiplicidades de células mundano-
vitais que se esfregam umas nas outras sem aperto, as espumas limitam umas com as
outras, se empilham umas sobre e debaixo de outras, sem ser realmente acessível umas
para outras, nem efetivamente separáveis umas das outras.
Poucos anos depois, em 2002, o filósofo estrearia em grande estilo um programa
na televisão alemã, o chamado Quarteto Filosófico (Philosophisches Quartett) ao lado do
colega Rüdiger Safranski, no qual abordava temas filosóficos e assuntos movimentados
pela opinião pública. Temas desde darwinismo, política, mídias, religião, etc. Em 2005,
seria publicado No Interior do Mundo do Capital: Por uma Teoria Filosófica da
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Globalização (Im Weltinnenraum des Kapitals: Für eine philosophische Theorie der
Globalisierung), em que o autor dá continuidade às teorias desenvolvidas na trilogia
Esferas e disseca as dimensões do conceito de globalização. Em Ira e Tempo (Zorn und
Zeit), temos um tratado "político-psicológico", onde Sloterdijk analisa a cultura ocidental
a partir da ideia da ira, como "o motor real da história". Iniciado com uma reflexão sobre
a Ilíada, de Homero, epopéia constituída em função da ira de Aquiles, o volume se opõe
à teoria psicanalítica, ao desconstruir a pulsão de morte, situando Eros em um ligar sim
na sociedade, mas elege uma preferência pelo Thymos, que para os gregos, era
responsável pelo arrebatamento da ira, orgulho e reconhecimento. Sloterdijk é uma
máquina de escrever. Fora isso temos sua bibliografia invejável e bem variável com livros
como A Loucura de Deus, Derrida - Um Egípcio, A mobilização Infinita, O Sol e a Morte e
por aí vai. Suas mais recentes publicações são, o Nach Gott: Glaubens - und
Unglaubensversuche de 2017. Traduzindo para o português “Depois de Deus:
Experiências em Fé e Descrença”, What Happened in the Twentieth Century?: Towards a
Critique of Extremist de 2018, livro de ensaios sobre a globalização que aborda também
a questão da migração e da crise dos refugiados, descrevendo o século XX como radical
e surpreendente e analisando qual o caminho que a humanidade continua a percorrer no
século XXI e »Von Morgenröten, die noch nicht geleuchtet haben«: Ein Symposium zu
Peter Sloterdijk (suhrkamp taschenbuch), traduzido como “De amanhecer que ainda não
brilhou" - Um simpósio sobre Peter Sloterdijk de 2018 onde com um representante da
citação atitude por Friedrich Nietzsche (Ecce Homo) dirigiu o Centro de Mídia e Artes em
Karlsruhe, o simpósio, que teve o 70º aniversário da nascido em Karlsruhe diagnosticador
tempo como uma oportunidade para iluminar o trabalho em sua força provocante. Peter
Weibel justificou o projeto: “Como Peter Sloterdijk com sua primeira grande publicação
Critique of Cynical Reason (Crítica da Razão Cínica) em 1983, o palco da filosofia entrou,
tomou-lhes o mesmo (sam) ao terremoto, porque mesmo a primeira frase anunciou em
um tom alto. Durante um século, a filosofia está morrendo e não pode, porque a sua
tarefa não está satisfeita. Embora a filosofia deva deixar de existir, os filósofos continuam
a existir - como pensadores que se opõem à ciência e como poetas que se opõem à arte.
Peter Sloterdijk criado como um poeta, filósofo e cientista uma nova linguagem de
pensar, porque rejeita o passado, a filosofia e a linguagem do passado. Ele luta uma nova
linguagem para pensar ou um novo pensamento para a linguagem”.
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Atualmente, colabora frequentemente com artigos para conceituados jornais e


revistas alemãs. Dá entrevistas, faz palestras, Peter Sloterdijk classifica o papel da filosofia
no século atual como marginal. Assim como Friedrich Nietzsche, argumenta que os
filósofos contemporâneos precisam pensar de forma perigosa e se permitirem ser
sequestrados pelas hipercomplexidades da atualidade, possibilitando uma visão mais
ampla do mundo, ao mesmo tempo ecológica, global e de uma hiperpolítica ainda não
muito bem delineada para o século XXI. Quando lemos algumas obras de Sloterdijk você
se espanta porque não é uma forma tão “tradicional” de escrever. Sloterdijk em alguns
momentos aparenta ser um contador de histórias, principalmente no Esferas (sua
principal obra) quase nunca se pergunta sobre as coisas como: o que é a justiça? O que é
a vida? O que é a coragem? Ele faz o contrário. Sloterdijk não quer saber da essência do
homem. Sloterdijk quer saber de como a ontologia do homem se faz no espaço, como o
dasein ou o ser-aí, é sempre em um ser-com relacionável ou um ser-contido. Filosofias
materialistas e descritivas do homem se assemelham ao Humanismo. O que somos? De
onde viemos? Somos animais políticos? Filhos de Deus? A preocupação de Sloterdijk é
onde está o homem?! A pergunta “onde estamos quando estamos no mundo?” é
apropriada por Sloterdijk como a verdadeira pergunta que fala muito mais sobre o
homem do que coisas como: “o homem é um trabalhador”, “o homem consegue se
comunicar”, “o homem é um ser racional”, etc. Só primeiro sabendo o onde, é que
saberemos e construiremos todas essas outras filosofias. O estar no mundo é muito mais
decisivo e fala muito mais sobre nós mesmos que qualquer pergunta existencialista possa
fazer.
Pensar em Esferas é pensar em um certo grau de autismo, mas não
excessivamente autista. Na verdade, nós temos de lidar aqui com uma ontologia ou teoria
da coexistência. Para Sloterdijk é o agrupamento, a coexistência que faz o espaço. Todo
ser-no-mundo possui traços de coexistência. Sloterdijk está num gênero literário próprio,
e é preciso entrar no contexto de seu vocabulário. O mundo esférico nos dá: intimidade,
solidariedade, luxo, clima, ressonância, sons, maternidade e tudo isso, com intuito de
abandonarmos a visão solitária do homem, a visão de que o homem é sempre o um.
Nascemos como biunidades: aí está o segredo da intimidade e da psicologia esferológica
para uma posterior política esferológica. Temos que pensar desde o início em algo que é
no mínimo duplo, relacional, diádico afinado com o que mais tarde irá se chamar
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subjetividade feita para a solidariedade. A questão do ser, que é tão acaloradamente


discutida por filósofos, pode ser feita aqui em termos da coexistência de pessoas e coisas
em espaços conjuntos. Isso implica uma quádrupla relação: o ser significa alguém. O estar
junto de alguém mais e com algo mais e dentro de algo. Essa fórmula descreve a
complexidade mínima que é preciso construir a fim de se chegar a um conceito
apropriado de mundo. A resposta de Sloterdijk sobre onde estamos é só uma. Estamos
em esferas. Por isso, a indagação pelo nosso onde faz mais sentido do que nunca, pois se
dirige ao lugar que os homens produzem para nele poder existir tal como são. Esse lugar
leva, aqui em memória de uma venerável tradição, o nome Esfera. A esfera é a
rotundidade fechada, dotada de um interior compartilhado, que os homens habitam
enquanto têm sucesso em se tornar homens. Como habitar significa sempre constituir
esferas, menores ou maiores, os homens são as criaturas que estabelecem mundos
circulares e olham em direção ao exterior, horizonte. Viver em esferas significa produzir
a dimensão na qual os homens podem estar contidos. Esferas são criações espaciais
imunologicamente efetivas para seres extáticos sobre os quais opera o exterior.
Sloterdijk nos diz que a esfera é isso, aquilo, usa figuras, a Bíblia, teologia,
biologia, física, arqueologia, filosofia, antropologia, etc. Sua é quase como se ele lhe
estivesse contando uma história. Ele está na verdade, aos seus olhos, descrevendo como
cada passo humano pôde se desenvolver através das Esferas. Esferas seriam um tipo de
ontologia topológica do sapiens. Não à toa, Sloterdijk leva bastante tempo e páginas
falando sobre formas de comunicação, formas espaciais, de muros, “sociedades”, das
bolhas, globos e espumas e de como isso se deu. O surrealismo é uma atividade, louvada
por Sloterdijk, ao se valer também da chamada epoché de Husserl para investigar essa
arquitetura humana da casa. De como o homem foi aos poucos dominando ou
domesticando o espaço junto com seu corpo. Dando uma ideia do continente e do
contido, da mãe e bebê e da caverna e do hominídeo. Sloterdijk escreve por uma espécie
de “ginecologia negativa” em sua esferologia. Um filósofo esferologista é um médico da
cultura. Os seres humanos precisam ser tratados com extrema precaução desde o útero
(natural ou artificial). Um filósofo seria uma espécie de “médico da cultura”, um
arqueólogo/investigador. Alguém que se converte em um “imunologista da cultura”, um
esferologista. Um médico lúcido que olha a cultura do exterior e que “possui o dom
obscuro dos vampiros”. Em uma passagem de Esferas I: Bolhas, Sloterdijk diz que a teoria
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das esferas é uma “teoria geral dos meios”. Acima de tudo, uma “teoria dos meios”
remete a ferramentas (como meio de...). Se soubermos entender isso, entretanto, ela
pode significar também o “meio”, o espaço intermediário, a atmosfera compartilhada. A
esferologia busca fundamentar a midiologia em geral em uma teoria do espaço. No seu
estudo sobre, revela que o motivo da construção moderna de seus “espaços surreais”,
com o palácio de cristal, é a erradicação da penúria e da realidade. Isso significa, em
primeiro lugar, que o que caracteriza a história dos seres humanos é a promessa, o luxo,
a riqueza e é o impulso ao elevado, as tensões verticais ou ao antigravitacional. Porque
só assim por meio de antropotêcnicas é possível fazer um antropo, homo-sapiens. Nosso
vocabulário deveria ser reformulado para não pensar no homem mais sob o crivo de
natureza vs cultura. Os homens teriam se aprimorado cada vez mais tecnicamente para
a conquista de seus espaços, pois inicialmente eles estão como que lesmas no espaço.
Seu corpo a tudo toca, inclusive os seus semelhantes na microesferologia. A técnica, o
ascetismo e seus respectivos sistemas de proteção ou a criação de sistemas de imunidade
são mecanismos de imunologia contra as interferências de seu ambiente externo. A
chamada “sociologia clássica” fica para trás. Esse movimento de gravidade relacionada à
pobreza, à miséria, à dor, à escassez e perdas materiais e não materiais, evolutivamente,
não subsistiu à “pressão ontológica” pelo mimo, conforto e pelo luxo. A generosidade da
mãe e do pai nesse “projeto” é o de dar mais que receber. Dou mais que recebo porque
quero ver a promessa crescer em abundância. Em segundo lugar, o impulso
antigravitacional significou também a vitória de um sentido de realidade simbolicamente
construída. Isto é, nós contemporâneos estamos desonerados por uma conquista de um
mundo de luxo e conforto que passa a utilizar o discurso de recusa de uma degradação
ou miséria. Por isso mesmo, esse discurso venha acompanhado da defesa dos Direitos
Humanos, ideais mais fundamentais das redes sócio técnicas da modernidade (Estado
racional e economia de mercado, Welfare State) ou do liberalismo (igualdade e
liberdade).
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Capítulo 1: Microesferologia

Desenho de Útero. Embrião e Placenta. Leonardo da Vinci. (1510).


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1.1 Arqueologia da Intimidade, Subjetividade e Bolhas

O grande drama que temos que inicialmente imaginarmos é o da coexistência


humana. Esse é o ponto central em Esferas: I – Bolhas, livro que é o primeiro volume da
trilogia das Esferas, lançado inicialmente em versão alemã pela editora Suhrkamp com
edição brasileira traduzida pela Estação Liberdade e pelo professor Dr. José Oscar de
Almeida Marques. Eurídice, para Sloterdijk, é metáfora uma para o elo e para entender
os humanos como seres “naturalmente” fora do contexto de adaptação do homem no
meio ambiente. Digamos que toda nossa psicologia, antropologia e nossa espacialidade
fica perdido no nascimento do indivíduo, dando assim, uma visão bem peculiar e própria
sobre o onde nós estamos quando estamos no mundo? Sloterdijk embasa toda a
existência humana, por termos de transferência para relações posteriores de
coexistência, o que ele chamaria de um "ser-em-nas-esferas". A esferologia de Sloterdijk
elabora uma teoria híbrida, inicialmente surreal, mas ao mesmo tempo, filosófica,
antropológica, literária, psicanalíticas, etc, que nos diz sobre a transferência para relações
de intimidade posteriores diante da perda do companheiro originário. Com isso, veremos
também uma visão de Pode-se dizer também de “ambientes imunológicos” novos diante
da perda do habitat originário e da expulsão concomitante para o vazio desprotegido da
exterioridade (especialmente Esferas: II - Globos e Esferas: III - Espumas). A teoria das
esferas começa com a microesferologia do primeiro livro. Um tipo de “célula” ou
“células” que constituem o modelo de toda relação de algo com algo em algo. Uma
proximidade de tudo para a constituição do ser-em-no-mundo. Ou seja, para pensar o
espaço interior, na filosofia de Sloterdijk é dar um giro para uma tendência a quebrar a
visão moderna estabelecida por quase toda as ciências que dizem sobre o homem.
Especialmente com relação à psicologia contemporânea, com notada atenção à
psicanálise (Freud, Lacan e Otto Rank), que subverteu a questão do indivíduo totalmente
esclarecido de si e passou a permitir se pensar o surrealismo da espacialidade humana, a
saber, de ser conteúdo e continente ao mesmo tempo. Digamos que nossa espacialidade
de coexistência e a política nas Esferas inicia-se com uma psicologia esférica. O “ser-em”,
significa habitar o monstruoso. Quem está no mundo habita um lugar em que, graças à
estrutura do (Em), a chamada relação forte sempre afirma seu direito. O Dasein é seu
próprio lugar, e este se abre pela habitação dos que coexistem confusamente e
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inicialmente imbricados, emaranhados. Ele está aberto desde sempre, ainda que só o
insignificante ou o medíocre iluminem o horizonte. Assim, a relação de intimidade própria
da microesfera é uma relação de ressonância, interpenetração, intersimbiose,
autoconstituição de si com o outro, digamos em outras palavras “relações fortes”. E
pensar em espaços menores anteriores aos espaços maiores. Uma microesferologia vem
antes de uma macroesferologia e estas duas antes de uma esferologia plural. Esta visão
bastante peculiar de Sloterdijk nos dá uma “psicossomática do espírito do tempo”.
Enquanto o processo civilizacional é constituído em seu centro com as ciências e às
coisas, de modo a mantê-los como objetos diante de nós, o sentido fisionômico nos
fornece uma chave para tudo aquilo que a proximidade do mundo circundante denuncia.
Seu segredo é intimidade e não distanciamento. Ele promove um saber das coisas que
não é objetivo, e sim convivial. Sloterdijk toma aqui o conceito de Ivan Illich e o faz
transportar para o domínio da teoria do conhecimento. Sabe-se que tudo tem forma e
que cada forma fala conosco de modo plural. A pele pode ouvir, os ouvidos capazes de
ver e os olhos distinguir o quente e o frio. O “sentido fisionômico” se atém às tensões das
formas e espreita, na vizinhança das coisas, seu expressivo sussurro. Uma fisionômica
filosófica onde não somente a linguagem verbal tem algo a nos dizer, também as coisas
falam para aquele que sabe usar sua sensorialidade.
Sartre e Simone de Beauvoir são os dois principais expoentes do existencialismo.
A ideia central de todo pensamento existencialista é que a existência precede a essência.
Não existe nenhum Deus que tenha planejado o homem e, portanto, não existe nenhuma
natureza humana fixa a que o homem deva respeitar. O homem está totalmente livre é
o único responsável pelo que faz de si mesmo. Nos deparamos com Simone de Beauvoir
e sua obra que até pouco tempo abriu uma série discussões sobre direitos de minoria e
igualdade de gêneros. A frase de Simone De Beauvoir é de um livro de 1949 utilizada no
início da década de sessenta e, até hoje é associada de maneira equivocada por diversas
pessoas. A frase que gerou tantos problemas é de caráter existencialista. A relação de
Simone com Sartre, permite fazer essa suposição. Além disso, o próprio contexto em que
foram ditas essas palavras nos leva para essa ideia.
Vale à pena mencionar o trecho todo sobre o assunto. Segundo Beauvoir (1967,
pp. 9-10):
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Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico,


econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade;
é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o
macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de
outrem pode constituir um indivíduo como um outro. Enquanto existe para si,
a criança não pode apreender-se como sexualmente diferenciada. Entre
meninas e meninos, o corpo é, primeiramente, a irradiação de uma
subjetividade, o instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através
dos olhos, das mãos e não das partes sexuais que apreendem o universo. O
drama do nascimento, o da desmama desenvolvem-se da mesma maneira
para as crianças dos dois sexos; têm elas os mesmos interesses, os mesmos
prazeres; a sucção é, inicialmente, a fonte de suas sensações mais agradáveis;
passam depois por uma fase anal em que tiram, das funções excretórias que
lhe são comuns, as maiores satisfações; seu desenvolvimento genital é
análogo; exploram o corpo com a mesma curiosidade e a mesma indiferença;
do clitóris e do pênis tiram o mesmo prazer incerto; na medida em que já se
objetiva sua sensibilidade, voltam–se para a mãe: é a carne feminina, suave,
lisa, elástica que suscita desejos sexuais e esses desejos são preensivos; é de
uma maneira agressiva que a menina, como o menino, beija a mãe, acaricia-a,
apalpa-a; têm o mesmo ciúme se nasce outra criança; manifestam-no da
mesma maneira: cólera, emburramento, distúrbios urinários; recorrem aos
mesmos ardis para captar o amor dos adultos”.

A citação utilizada é nada mais que a ideia do projeto de um “eu” existencial que
é uma verdadeira construção de si mesmo. Escolher aquilo que você quer ser (ideia de
liberdade do Sartre). Uma imagem célebre é fundamental. O fotógrafo Antanas Sutkus
tirou uma foto de Sartre em uma duna. Na fotografia a sua sombra é projetada no chão,
como se o “eu” fosse projetado de mim para o mundo e estivesse sempre no mundo. A
sombra dá ideia de que o “eu” no mundo, brota de mim mesmo. E essa projeção da
sombra sempre estará presente no mundo por meio da liberdade de escolha. Para Sartre
(1970, p. 11):

A doutrina que lhes estou apresentando é justamente o contrário do


quietismo, visto que ela afirma: a realidade não existe a não ser na ação; aliás,
vai mais longe ainda, acrescentando: o homem nada mais é do que o seu
projeto; só existe na medida em que realiza; não é nada além do conjunto de
seus atos, nada mais que sua vida.

O homem, através da projeção da sua vontade no mundo, é que constrói a si


mesmo e o seu próprio caminho. A existência precede a essência. Assim, a escolha de um
homem abre um precedente (uma abertura histórica) para que toda a humanidade possa
optar por aquilo que você escolheu, conseguindo na sua vontade expressa no mundo sua
liberdade. Nas palavras de Sartre “escolher ser isto ou aquilo é afirmar ao mesmo tempo
o valor do que escolhemos, porque nunca podemos escolher o mal, o que escolhemos é
22

sempre o bem, e nada pode ser bom para nós sem que o seja para todos” (SARTRE, 1970,
p. 6). Se a existência precede a essência, não há nenhuma natureza humana ou Deus que
nos defina como homens. Primeiro existimos, e só depois constituímos a essência por
intermédio de nossas ações no mundo. Então, nada jamais poderá ser explicado tendo
por ponto de partida uma natureza humana dada e definitiva. Não existe nenhuma
espécie de determinismo essencialista. O existencialismo, desta forma, coloca no homem
a total responsabilidade por aquilo que ele é.
Segundo Sartre (1970, p. 4):

O que significa aqui dizer que a existência precede a essência? Significa que,
em primeira instância, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo
e só posteriormente se define. O homem, tal como o existencialismo o
concebe, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só
posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo [...].
O homem é tão somente, não apenas como ele se concebe, mas também
como ele se quer; como ele se concebe após a existência, como ele se quer
após esse impulso para a existência. O homem nada mais é do que aquilo que
ele faz de si mesmo: esse é o primeiro princípio do existencialismo. É também
a isso que chamamos de subjetividade [...].

Sartre disse que o homem está condenado a ser livre.1 Assim, a todo o momento
de escolha o homem é compelido a se inventar, posto que são suas decisões que
constroem a sua essência. Sua filosofia existencialista diz que a verdadeira essência
humana é decidir e é essa qualidade que melhor define o homem. E, diante dessa
condição intrínseca ao ser, cabe ao homem por meio de suas decisões, estabelecer o seu
caminho. Mas, diante da escolha, o homem titubeia, pois, decidir é uma verdadeira
responsabilidade, e ao mesmo tempo em que a escolha é a própria manifestação da
liberdade ela também é a cruz nas costas do homem com todo o seu peso e
consequência. A liberdade é incondicional e é isso que Sartre quer dizer quando afirma
que estamos condenados a sermos livres: “condenado porque não se criou a si próprio;
e, no entanto, livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto
fizer”.
Nos dizeres de Sartre (1943, pp. 47-48):

[…] o que se poderia chamar de moralidade cotidiana exclui a angústia ética.


Há angústia ética quando me considero em minha relação original com os

1
SARTRE, Jean Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Les Éditions Nagel Paris, 1970, p. 7.
23

valores. Estes, com efeito, são exigências que reclamam um fundamento. Mas
fundamento que não poderia ser de modo algum o ser, pois todo valor que
fundamentasse a sua natureza ideal sobre seu próprio ser deixaria por isso de
ser valor e realizaria a heteronomia de minha vontade. […]. Daí que minha
liberdade é o único fundamento dos valores e nada, absolutamente nada,
justifica minha adoção dessa ou daquela escala de valores.

Para Sartre, o existencialismo é uma doutrina do agir e do decidir. Pois, sem o


compromisso não existiria nenhum projeto de homem (ser). E não atribuiria nenhum
valor à existência. Portanto, mesmo nas piores situações possíveis não há nada que possa
eximir o homem da sua condição de ser livre e de decidir sendo consequentemente
responsável pelos seus atos. A escolha é sempre possível, em certo sentido, porém o que
não é possível é não escolher. Eu posso sempre escolher, mas devo estar ciente de que,
se não escolher, assim mesmo irei escolher. A frase de Simone De Beauvoir foi associada
à luta feminista na década de 60 e ao atual debate entre a sociedade machista e os
direitos das minorias aqui no Brasil. Vale frisar que essa discussão não tem mais sentido.
É fato que o mundo (a cultura ocidental e oriental é masculina). O próprio surgimento
das civilizações, e porque não, posteriormente, as navegações nos permitem
antropologicamente fazer essa afirmação. O Existencialismo tem estreita relação com a
subjetividade do sujeito.2 Temos a definição em duas maneiras. O sujeito é aquele que
tem consciência dos seus pensamentos e responsabilidade pelos seus atos (Luc Ferry). E
a segunda, de origem Alemã, que entende o sujeito como um tipo de auto posição, o
auto chamamento, autoprodução (uma espécie de construção interior), o chamar a si

2
JÚNIOR, Paulo Ghiraldelli. O Que São o Sujeito e a Subjetividade? Um Verbete em Filosofia Contemporânea,
2018, p. 1. Sujeito é uma noção antiga, subjetividade uma noção moderna. O sujeito vem do latim
subjectum, que quer diz o substrato e o que subjaz. É a tradução do grego hipokeimenon, que se refere ao
que sustenta a predicação em um enunciado. Subjetividade é uma noção moderna que, como Heidegger
insistiu, foi fundida ao homem pelo grande movimento cultural do Humanismo. Dizendo “eu”, o homem
passou a ser o sujeito (ativo e passivo) da ação e, uma vez substancializado, deu origem a uma instância
filosófica própria. A subjetividade é uma instância com três grandes características: consciência (e
autoconsciência), identidade e autonomia. A consciência e a autoconsciência dizem respeito ao fato de que
o sujeito é aquele que sabe e aquele que sabe que sabe. A identidade diz respeito ao fato de que o sujeito
tem uma identidade ipse (Eu=Eu) e não a identidade idem (A=A). O si-mesmo ou o self, que é o eu que se
sabe, a consciência, sabe-se também como permanente no tempo e no espaço, proprietário de estados
internos em continuidade. Solicita reconhecimento do outro por conta desse saber com o qual se instrui e
se apresenta. Por fim, a subjetividade exibe a capacidade de autonomia, ou seja, de autogoverno, que
pressupõe liberdade e e capacidade para a responsabilidade. Essa instância é que mostra que o sujeito é
aquele que se põe em uma tarefa, que empreende, que se compromete consigo mesmo e com outros.
Disponível em:
<https://www.academia.edu/36081823/O_que_s%C3%A3o_sujeito_e_subjetividade_Um_verbete_em_fi
losofia_contempor%C3%A2nea>. Acesso: 09 Mar. 2018.
24

mesmo. É então, um sujeito ativo perante o mundo, um indivíduo capaz de produzir


história. O Esferas I de Peter Sloterdijk inicia-se com uma “comunidade insuflada”. Um
menino que assopra uma bolha ao alto. O menino acompanha o movimento da bolha
extasiadamente e cria com ela uma relação não nos moldes da filosofia moderna. De
certa forma, a criança animou a bolha com vida, na mesma forma que o menino vive um
pouco dentro daquela bolha. Sloterdijk é taxativo “a coexistência precede a existência”.
As esferas funcionam como uma passagem do ser-aí das filosofias existenciais para um
ser-com relacionável. O menino e a bolha criaram uma relação de ressonância, um
interpenetrar. De certa forma, um vive dentro do outro. Uma aliança que parte do
número dois e forma o “um”, forma-se um pacto pneumático por vibrações. “Entre a
bolha de sabão e seu insuflador vigora uma solidariedade que exclui o resto do mundo”
(SLOTERDIJK, 2016, p. 20). É justamente esse entendimento de sujeito do qual Peter
Sloterdijk fala (2004, p. 127):

O que é o sujeito e o que é a subjectividade, eis uma questão que, por


conseguinte, já não pode ser suficientemente abrangida com as fórmulas
filosóficas tradicionais. A subjetividade nem é uma fundamentação no sentido
do Hypokeimeno grego, nem é um puro agir ou um deixar-brotar no sentido
das modernas filosofias da actividade, mas um conjunto de forma de
comportamentos, que se agrupam em torno dos gestos fundamentais do
trazer, erguer e manter. Se para os homens o mundo, em-virtude do seu modo
de ser-dado, já tem a forma de uma promessa, o homem – uma vez que está
«em» o mundo e «veio» a este – é, na qualidade de sujeito e recebedor da
promessa, também já o respectivo portador e cumpridor. Até a famosa
«conservação de si próprio», que muitas vezes foi filosoficamente definida
como aspiração fundamental da subjectividade, activa indica, por certo, que
ela encontrou coragem para se lançar numa aventura que faz história, a fim de
poder esperar o máximo da sua própria actuação no mundo. Que é a filosofia
da subjetividade senão uma maquinaria lógica que julga ter identificado no
sujeito cumpridor de todas as promessas-possíveis? Sendo aquele que pensa
e age livremente; o homem é para ela, por natureza, o que se cumpre a si
próprio, o prometedor. Ele é, como sujeito, o garante das promessas, com as
quais o animal malnascido dá a si próprio o seu mundo. Só onde o sujeito
presta o seu contributo sustentador, é que para os homens, o seu mundo se
tem de pé como «dado». Por ser ele próprio a cumprir as promessas que lhe
foram feitas, o sujeito para a queda numa fase suportável.

Sloterdijk em Bolhas, pensa o sujeito de maneira que ele quebra a tradição


Grega (Era antiga) do ser contemplativo (sujeito e objeto). Podemos também fazer uma
analogia não tão existencialista assim, mas bastante útil: a bolha de sabão que deve ser
soprada nas primeiras páginas onde Sloterdijk começa a escrever sobre isso, advém do
25

próprio menino, ou seja, ela não é uma alteridade fria e estrangeira, e sim, um “objet”, o
objeto “eu”. É como se a bolha tivesse surgido de você mesmo, “a subjetividade,
enquanto feito desse cumprimento pelo próprio, não é, pois, uma fundamentação
tranquila, mas um esforçar-se” (SLOTERDIJK, 2004, p. 128).

Bolhas. Gravura a meia tinta. Sobre tela a óleo. Sir John Everett
Millais (1829-1896). G. H. Every. (1887).

Continua Sloterdijk (2004, pp. 128-129):

Não é por acaso que as filosofias da subjectividade, ao seu nível mais alto,
desembocam em teorias do trabalho; pelo menos o conceito de trabalho –
mesmo depois da sua carreira enganadora em Hegel e Marx –, ainda conserva
uma recordação dos esforços arcaicos para cumprir as promessas do mundo,
e embora hoje saibamos que a equação do sujeito e do «trabalhador» assenta
26

num circuito produtivista, ainda há mesmo assim, fortes razões para sublinhar
o parentesco de origem entre subjcetividade e esforço [...]. Apesar de muito
falarem de actividade, espontaneidade, dever e querer, ao passo que se
refestelavam no metaforismo das fontes com o «manar de si próprio», não
compreenderam forço fundamental, que aflui às espontaneidades, provém do
que há de malnascido no homem. Este torna-se sujeito unicamente porque e
na medida em que, apenas pela saída do ventre materno, não vem ao mundo,
antes tem de fazer enormes esforços adicionais para definir o mundo ao qual
vem, e para nele se ter em pé. Na verdade, a subjectividade só é efectivamente
compreensível, conforme ensinou o idealismo, a partir do fenómeno da
actividade pura, mas esta, por sua vez, não é uma «acção», nem um pousar-se
fichteano nem um escolher-se sartriano, identifica-se antes como esforço,
sempre posto sob tensão, para o sujeito se trazer ao mundo – ripostando à
exposição pré-subjectiva no inquietante –, graças a um nascimento por si
próprio, e nele arranjar lugar, graças a um procedimento próprio. Sujeito é
tudo aquilo que tenta tornar-se e ser o seu próprio mundo – como? Atendo-
se a si próprio, aos seus «princípios» e ao seu cuidado consigo próprio. A
circunstância de ater-se a si próprio mostra vários rostos: aparece como
abstinência, como respeito pelas normas escolhidas, como autonomia, como
conservação e fundamentação de si próprio.

É por isso que Sloterdijk bebe bastante nas fontes de Nietzsche. Segundo aquele,
o homem quando traz a si próprio no mundo não se trata de trabalho, mas de dores e
sofrimento de chegada, de dores do parto (Labors, em inglês). É um literalmente abrir
caminho para tudo o que é exterior, como se pode observar abaixo nas palavras de Peter
Sloterdijk (2004, p. 132):

O nascimento do sujeito por si próprio, dizem-no as fórmulas de Nietzsche, é


um nascimento para se ficar em pé. Também quanto a isso, Marx representa
uma segunda voz concordante: «Um ser só se tem por independente, logo que
anda por seu próprio pé, desde que deva a sua existência a si próprio». Assim,
essa maneira de nascer conduz diretamente à vertical, isto é, a estar de pé,
graças a um endireitar-se do próprio, descurando as possibilidades de um
suportável estar deitado ou de um basilar ser-levado por se tratar do imediato.
Pôr se tratar do imediato pôr-ser-direito-por-si-próprio, o sujeito que se
intensifica pelo nascimento. Por seus próprios meios também não é, para
Nietzsche, da mesma natureza que os sujeitos nascidos passivamente,
falhados, que – por serem eles próprios apoucados, intoxicados, asfixiados –
não podem fazer outra coisa senão espalhar à sua volta uma atmosfera de
sufocação e apoucamento – para grande tormento daqueles que ainda trazem
na carne o aguilhão do êxito. É por isso que quem resolutamente nasce por si
próprio se tem de afastar do que é indecorosamente cómodo, medíocre e
enfezado.

Contrapondo-se a Sloterdijk, Heidegger não faz essa introdução do homem ao


mundo. Ele fez uma narrativa ontológica da mobília do mundo e do homem num contexto
histórico. A intimidade não é do “eu”, mas sim da casa, da habitação e do “fora”
(familiaridade íntima com a minha casa, a intimidade de onde eu vivo). Onde estamos
27

quando estamos no mundo? Para Heidegger nós já estamos no mundo tomando táxi,
sujeito moral, e no domínio de uma significatividade pública e social. O “ser-aí” do
Heidegger é adulto. Ele é lançado e cai no mundo já de maneira pronta. O que de certa
forma é essencial para compreender a subjetividade em Peter Sloterdijk. Sloterdijk busca
uma ontologia da não estática, uma cinética do ser como algo que vem da inexistência
para a existência e que “aponte para a inexistência”. Ele inverte Heidegger ao afirmar que
o “ser-no-mundo” vem para uma “mobília do mundo”, entretanto, com a narrativa
esferológica ao falarmos de ontologia, devemos entender que o mundo não é uma
mobília povoado por peças já de antemão constituídas. O mundo está povoado por aquilo
em constante movimento, que viaja, transita entre os elementos, mas não como algo
imutável, e sim como algo que transita junto com a transição, algo que se desloca em si
mesmo, transformando-se enquanto muda no espaço e no tempo. Não “ser-no-mundo”,
mas sim, “ser-entrando-no-mundo”. Uma analítica do lugar enquanto “do vir ao mundo”,
ou seja, uma antiga noção vinda da tradição de Sócrates e de uma cosmologia, a de
metoikesis, que tem relação com a mudança de elementos, especificamente, quando ele
fala da mudança de morada da alma ao estar prestes a tomar a cicuta. Com esta noção,
fica um tanto fraca uma filosofia que considere a existência de um ponto de vista estático
e positivo, como se ela não implicasse à inexistência. Só assim é que poderemos
compreender a mobília do ser existente. Os homens são seres sobre os quais há que dizer
que estão no mundo. Em que sentido devemos compreender isto? O que significa o no,
quando ela se apresenta como parte do teorema ser-no-mundo? Estamos no mundo do
mesmo modo que você está no seu quarto? E que por sua vez está na cidade? No país?
No planeta? No universo? Vendo por essa ótica, ficaríamos encapsulados como uma
boneca dentro de outra boneca, numa ordenação espacial de nós próprios cada vez
maior em contentores. Sloterdijk fala que devemos compreender adequadamente a
mobilidade do ser existente, mas no seu vir-a-ser, ou seja, no seu instalar-se, no seu ser-
andando, enquanto seres de mobilidade, já que os humanos estão englobados em
mudanças e elementos que atravessam o mundo, que implica em êxodo e retirada.
Sloterdijk (2017, p. 2):

A teoria das esferas busca de fato uma descrição abrangente do ser-junto


(Zusammen-Seins). Aquilo que eu chamo de esfera é sempre um espaço que
organiza um estar-com-outro – do par romântico até os agrupamentos sociais
28

e cósmicos, de grande escala. A origem desse projeto é antiga: começou por


volta de 1990, na Academia das Artes de Viena, quando eu me dedicava a uma
pesquisa sobre a introdução de jovens artistas à reflexão filosófica. Ocorreu-
me, na ocasião, a ideia de falar-lhes sobre duas figuras morfológicas, o círculo
e a flecha; a flecha representaria a existência temporal, e o círculo, a habitação
no espaço. A esferologia desenvolveu-se a partir dessas duas figuras.

Para Peter Sloterdijk, o homem tem a necessidade do receptáculo imunológico


inicial – a primeira esfera. Exatamente porque somos jogados no mundo, nós precisamos
do outro e da proteção esferológica. O tema da ontologia fundamental heideggeriana,
critica por sua parte em um nível conceitual extremo a mentira “sujeito” característica da
filosofia europeia dominante. O eu; não é o senhor do mundo, mas vive no mundo sob o
sinal do caráter de jogado; em todos os casos, fazemos “projetos”, mas mesmo esses
projetos, por sua vez, são “projetos jogados”, de tal modo que vige primariamente uma
estrutura ontológica passiva. Diga-se de passagem, o Dadaísmo anteciparia essa noção
ontológica de Heidegger. Basta vermos o manifesto Dadaísta, panfleto de 1918, ao dizer
que “Ser dadaísta significa deixar-se jogar pelas coisas, ser contra toda e qualquer,
formação de sedimentos, sentar-se por um momento em uma cadeira significa colocar a
vida em perigo...”. Pode-se dizer que a existência seria um acolhimento acadêmico da
“dadasofia” ou da “dadalogia”, sendo que Heidegger teria contestado com um sucesso
gigante o lugar do mestre Johnnes Baader como sumo Dada. O segredo de seu sucesso
foi que ele tocou no ponto que constitui o “fracasso” do Dada: a seriedade. Ao invés das
produções que brilham de maneira nada séria, própria dos artistas da vida “jogados”
dadaisticamente e de suas sátiras politizantes, o caráter de jogado participou da corrida
em sua variante séria (dadasein?).
Dentro da mãe, o bebê está envolto pela placenta e no líquido amniótico, temos
então, o primeiro “ser-em” e conectado com o “outro” (a mãe), por meio do cordão
umbilical. Só que tem um problema: o nascimento. É que nós somos postos para fora no
mundo (quebra do cordão umbilical, saída da placenta e útero), ou melhor, a nossa saída
é feita por nossa própria vontade. As interferências do bebê na mãe são literalmente as
relações do “eu” interiorizadas no outro. Nossa saída é literalmente o “eu” pedindo
passagem para o exterior, o “eu” forçando essa saída, “abrindo caminho” para se ficar de
pé, pois ele deve a sua própria existência a si mesmo. Se observarmos o reino animal
(utilizando-se a biologia e antropologia), se nós somos um coelho ou um tigre já nascemos
29

muito bem e de forma “completa” e “pronta”. Você já sai pulando, comendo, correndo,
caçando, já o homem não, o homem nasce mais ou menos. É um meio termo, nós
nascemos “prematuros”. Somos animais malnascidos mais precisamente.3 Esse é o
ponto.
O homem sai meio feto e meio “completo” – ele é um meio termo. Se você está
dentro da placenta e conectado com a mãe, a partir do momento em que a conexão é
cortada e você nasce, o umbigo é a marca do “outro” em “mim” que esteve aí, é uma
marca da individualização. “Naturalmente, mesmo nos tempos modernos, corta-se por
toda parte o cordão umbilical segundos as regras da técnica; ainda hoje, o umbigo forma
sobre o corpo do sujeito o hieróglifo do drama de sua individuação” (SLOTERDIJK, 2016,
p. 353). Seria como se o outro tivesse me guardado e que posteriormente morreu para
eu vir. A própria placenta é um pedaço de mim que “sobrou”.
Latour (2009, p. 140) fala:

Peter pergunta a seu mestre Heidegger algumas perguntas bastante


maliciosas: "Quando você diz que o Dasein é jogado no mundo, onde ele é
jogado? Qual é a temperatura lá, a cor das paredes, o material que foi
escolhido, a tecnologia para eliminação de lixo, o custo do ar condicionado, e
assim por diante? "Aqui a ontologia filosófica aparentemente profunda de" Ser
enquanto Ser ou sendo na medida que está sendo" assume uma mudança
bastante diferente. De repente, percebemos que é a "pergunta pro-funda" do
Ser que tem sido muito superficialmente considerada: o Dasein não tem
roupas, nenhum habitat, sem biologia, sem hormônios, sem atmosfera ao
redor, sem medicação, sem sistema de transporte viável até mesmo para
alcançar sua cabana na Floresta Negra. O Dasein é jogado no mundo, mas está
tão nu que não tem muitas possibilidades de sobrevivência.

Na filosofia contemporânea, há o que hoje podemos chamar de uma “filosofia


do entre”, uma “teoria do meio” e do ambiente. “Mittel” em alemão é “Mitter”. Em
português corresponde a “médium” (meio) em latim. Um meio como espaço
intermediário, um tipo de atmosfera compartilhada. A Esferologia busca fundamentar a
mídia em geral no âmbito espacial. Assim é, se olhamos para o vocabulário proposto por
Peter Sloterdijk na sua “teoria das esferas”. Aliás, o nome “esferas” é bom se nunca nos
esquecermos de acoplarmos a ele essa sua virtude, de ser uma “teoria da mídia”.
Sloterdijk desenvolveu uma leitura crítica da mídia. A função moral da mídia é criar

3
SLOTERDIJK. Peter. A Mobilização Infinita: Para Uma Crítica da Cinética Política. Editora: Relógio D’Água,
2004, p. 121.
30

coesão social num mundo sem o amparo da religião. É uma visão meio cínica. A função
da mídia é fazer com que emoções sejam compartilhadas, não apenas transmitir
informações. A cada ano fica mais claro que surgem novas categorias para dar conta
disso. Não se pode explicar isso a partir de uma teoria da comunicação. Há sedução.
Precisamos falar de epidemiologia. A mídia pode disseminar doenças mentais coletivas.
Temos de recorrer também à parasitologia. Bruno Latour, amigo de Sloterdijk trabalha
muito isso. E por que o meio, o “entre”? Por que a pergunta de Peter Sloterdijk vem de
um insight de quem é um leitor inovador de Heidegger: “onde estamos quando estamos
no mundo?” Essa pergunta é semelhante a uma outra: se o Dasein é o ser-aí, onde é e
como se manifesta esse “aí”? O “Dasein”, o sujeito, ontologicamente falando é espacial,
porque quando se fala no “ser-aí” esse “aí” é o campo histórico. O sujeito não pode
semear sua história senão por meio de um espaço.4 Porque por mais que o aí do ser-aí
seja histórico e, assim sendo, nos dê o Dasein como o que se mostra fora das abstrações
que buscam tradicionalmente descrever o homem, colocando-o sempre em uma linha
de etiquetagem de ideias preconcebidas – “filho de Deus”, “animal racional”, “animal
político” (ideias substancialistas e essencialistas), a historicidade completa necessita se
ater ao espaço. Fora disso, o “aí” do ser-aí ainda seria, também, uma abstração. O Dasein
não pode esbanjar historicidade se não esbanja espacialidade. Tomar o Dasein como o
que não é algo somado às suas condições, mas é tudo que chamamos de “aí”, é tomar o
homem como o que é uma contínua existência, ele não é nada senão o que habita e
cohabita. A esferologia é composta de “bolhas”, “globos” e “espumas”. As bolhas são o
que cabe investigar no âmbito de uma microesferologia, no caso, então, a intimidade.
Mas a intimidade aqui visto espacialmente, tem de ser estudado pelo historiador do
espaço, o arqueólogo. Sloterdijk se faz filósofo à medida que se põe como um arqueólogo
da intimidade. Trata-se de um profissional que busca encontrar peças antigas de
designers de interior (hominídeos e proto-símios; animais antigos com parentesco com
os primatas e sapiens) que viveram no passado deixaram como relíquias, no sentido de
aperfeiçoar o meio no qual estiveram em suspensão. A questão toda é investigar as
mutações do “entre”, “do meio ambiente”, da esfera que podemos chamar de

4
SCHINKEL & EELENS. Peter Sloterdijk’s Spherological Poetics of Being. Amsterdam University Press, 2011,
p. 12.
31

intimidade, em várias fases. Esse “entre” é o que preenche toda a esfera e a constituições
por conta de ressonância.
O homem não é algo antes de ser lançado ao mundo, ou melhor, se lançar ao
mundo. O sujeito é um lançar-se ao mundo, mas ele está tão nu, tão aquém de tudo que
não possui muita chance de sobreviver. A vida intrauterina é uma “vida nua” conforme
falou Agamben,5 é simplesmente o “estar vivo” que conta nada mais. Este “aí” que é um
“entre” ou um “meio”, não é algo que já vem colado ao homem, mas é o próprio homem.
A protohistória da subjetividade é a história da subjetividade enquanto história da
intimidade no dois que é um. É a história espacial de nós mesmos enquanto nós mesmos.
Assim, tomando o “Dasein” nessa concepção, conseguimos efetivamente nos livrar de
qualquer metafísica clássica do substancialismo ou essencialismo do sujeito. Pois essa
intimidade só se faz com o “outro” em ressonância “comigo” dentro da própria esfera.
Sobre isso Sloterdijk (2004, p. 122-124):

Se seguirmos o rasto do inquietante até ao ponto de partida, deparamos com


o drama do nascimento humano. Já de si, a maneira como os homens vêm ao
mundo contém, provavelmente, a solução completa para o problema do nada.
Caso a palavra nada deva ser mais do que um pretexto para charlatanaria,
então indica que, para seres humanos, não basta nascer para vir ao mundo. O
nascimento físico é o contrário de um vir-ao-mundo, é um cair para fora de
tudo quanto é «conhecido», uma queda no inquietante, um achar-se-exposto
numa situação; não segura. O que se verifica em três aspectos: nascer significa
para a criatura humana, em primeiro lugar, a despedida da sua vida intra-
uterina, que é, presumivelmente o único estádio da sua recepção no mundo a
possuir um caráter realmente caseiro, isto é, próprio de terra natal – isto,
pressupondo que os estolhos do mundo exterior hostil não penetram mesmo
até lá; em todo caso, o êxodo natal para o mundo representa uma viagem
aventurosa através de inquietantes florestas, ao lado das quais as florestas de
Artrejú apenas causa arrepios românticos. Em segundo lugar, vir ao mundo
quer dizer chegar à incerteza, posto que para os homens, mais que para todos
os outros seres vivos, o mundo é algo que não é dado de antemão nem está
assente, mas que tem de ser investigado e definido; o próprio local da chegada
é tomado inseguro e posto em movimento pela chegada do homem, do animal
construtor; quem tenha tido a má ideia de cair do corpo materno
directamente em Tóquio, México, Nova lorque ou Cairo, em breve muito terá
de contar sobre a vida sinistra na selva das cidades. E, em terceiro lugar, vir ao
mundo significa sempre para seres humanos vir demasiado cedo e chegar num
estado que é absolutamente inadequado a uma chegada bem-sucedida ao
real, num estado de completa desorientação, impotência e perplexidade. A
única coisa que, nessa situação exposta, nos continua a ajudar é o facto de, a
princípio, o mundo a que chegamos, ser idêntico, salvo numa insignificância, à
mãe da qual nós vimos. Essa insignificância tem, precisamente, a dimensão da
diferença ontológica. Pois, logo que temos idade suficiente para ficar a

5
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O Poder Soberano e a Vida Nua. Belo Horizonte. Editora: UFMG, 2014,
p. 12.
32

conhece do exterior a nossa mãe, começamos já também a travar


conhecimento com um «mundo» que não é a nossa mãe. [...]. Até se deve dizer
que todo o nascimento tem o seu quê de parto prematuro. Os homens não
chegam como sujeitos sólidos a mundos robustos; antes pelo contrário, o
mundo abre-se para eles, por terem nascido um pouco ao lado e terem sido
expostos no não dado, no inquietante. Nietzsche formulou apenas até meio
esta situação, ao falar do niilismo como o visitante sinistro que assedia a
existência moderna. O que sucede não é uma vida normalmente firme na sela
receber, em raras crises, uma visita medonha; ela é que é, por si própria, uma
visita no inquietante. Nós andamos sempre um tanto à deriva, afastamo-nos
sempre um bocado para mais longe: a grande cadeia dos seres tem no homem
o seu elo aberto. Como ser vivo, o homem é, por isso, um puro problema, um
aborto crónico. Entre cada indivíduo acabado de aparecer e a vida
antecedente, há desde o princípio um vão - de cada vez, este abre-se à medida
do desvio pelo inquietante adentro que os recém-chegados sofrem, aquando
da sua entrada na vida. Esse vão é o espaço, no qual nós fazemos a experiência
do nada como algo que pode estar «presente» e a que nós somos
«apontados». É nesse vão que o mundo é inserido, é nele que um mundo se
pode abrir e aparecer, é passando por cima dele que se esticam as cordas da
promessa, sobre as quais os homens ousam avançar como funâmbulos. [...] O
custo da vida humana é sempre pago com promessas. Se os homens não são,
pois, seres vivos, mas seres que conduzem a sua vida, então encontra-se aí a
fonte de uma fragilidade especificamente humana: a conduta da sua vida
depende do cumprimento de promessas que, por si próprias, tendem a ser
impossíveis de cumprir. Quando as mães tomam nos braços os seus filhos em
pranto e lhes afiançam que está outra vez tudo bem, prometem-lhes mais do
que será possível cumprir, mas também não podem deixar de lho prometer,
se não quiserem, em má ocasião, deixar a criança afundar-se na insegurança.
Todos os indivíduos aprendem bastante cedo que a sombra projectada das
promessas não susceptíveis de cumprimento incide sobre a vida humana e que
da existência fazem parte não só o custeamento errado da vida, devido á para
aquilo que foi prometido.

A partir daí começa os mecanismos de “arte do interior”. O colo da mãe é um


“Holding” (ele serve de sustentação e apresentação do “eu” para o mundo); o mundo é
algo que deve ser experimentado. A mãe no “Holding” é uma espécie de receptáculo, por
exemplo, quando oferta o peito ao bebê faminto; a criança pensa que ela está criando
aquilo que encontra. Funciona como uma chave de adentramento ao mundo, os
processos de intimização e familiarização com o mundo começam aí. Segundo Heidegger,
o exterior nos atinge e nos é estranho quando nascemos, existe uma invasão do
“exterior” no “eu”. Você fica desorientado. Mas para Sloterdijk, o exterior seria emerso
de mim mesmo. O processo de cair no mundo depende dos receptáculos imunológicos.6
A bolha que o garoto vê, lhe é estranha, mas ao mesmo tempo “lhe é familiar”, pois ele
próprio soprou a bolha, e disso se cria uma espécie de excitação daquilo que é estranho.

6
Filme: Gravidade (2013).
33

Sloterdijk quer domar esse “fora”, o “exterior”. Ele quer exorcizar esse caos exterior em
que somos postos para termos domínio e controle daquilo que não conhecemos. É beijar
e saborear o exterior e não enlouquecer. Portanto, aquilo que o Heidegger ama e é
fascinado, trabalhando a sua Filosofia o “exterior caótico” e sem sentido, Sloterdijk quer
domar, porque a partir desse conhecimento e domínio do não conhecido é que somos
capazes de sobreviver. No livro “O Sol e a Morte” de Sloterdijk7 encontramos um “phatos”
anti-existencialista, o “nasci só e vou morrer só” não tem sentido. Para ele, nós nascemos
acompanhados e vamos morrer acompanhados de anjos, daimons, gênios, a voz da mãe,
demônios, entre outros. Pois, existem “outros em mim”, o individualismo é uma ficção.
Sloterdijk é o pensador do dentro. Não um pensador do trágico. Ele quer pensar
contrariamente ao Nietzsche, mas sempre lhe utilizando como base.
Em “Regras para o Parque Humano”,8 existe a ideia de “eugenia”, onde
Sloterdijk dialoga com a “Carta sobre o Humanismo” de Heidegger, nada mais que uma
herança forte de Nietzsche em pensar sobre o “pós-humano”. Ele vê com desprezo o
Humanismo, entendido como a história da domesticação do homem e da criação dos
saberes – criação da tecnologia e da escrita. O Humanismo está em crise devido às
mudanças tecnológicas e antropológicas. A tradição de Nietzsche advém da Cosmologia,
onde a perspectiva não é do ser humano e sim do “Cosmos” (mais um motivo para sua
visão negativa). O homem passou a ser um especialista de algo. E, para isso, utiliza
conceitos de domesticação, luxo, mimos e antropotécnicas. No filme Labirinto do Fauno
(2006) um dos personagens é o verdadeiro “monstro humanista”. Ele é uma espécie de
animal que tem os olhos nas mãos. Incorpora a visão também ao tato. Não se pode
apenas ver ou tocar. O desejo é de ambos. Sloterdijk está preocupado com a
domesticação do animal – homem. Como que fizemos de um animal selvagem um ser
domesticado? Como se deu esse processo? Temos uma resposta Marxista-hegeliana: a
transformação é pelo trabalho-homem. Já a resposta contemporânea é a do Habermas
se produz por meio de uma linguagem. A comunicação é o elemento central da
autoprodução humana. Uma interação (o homem é um ser de relações) não é sujeito
nem objeto (filosofia antiga). Herdeiro de Nietzsche, Peter Sloterdijk responde

7
SLOTERDIJK. Peter. O Sol e a Morte. Lisboa: Relógio D’Água, 2007.
8
SLOTERDIJK, Peter. Regras para o Parque Humano: Uma Resposta à Carta de Heidegger Sobre o
Humanismo. São Paulo. Estação Liberdade, 2000.
34

antropologicamente e filosoficamente que a resposta é que o homem é aquele que se


autoproduz.
Rocca (2013, p. 6)

Sloterdijk desenvolve assim o seu pensamento a partir de conceitos


eminentemente antropológicos, um problema que é observado atendendo a
como seus trabalhos fundamentais discutem a questão da antropogênese. Um
desses conceitos é o "anthropo-técnico", cujo significado é ampliado e
densificado, até se tornar uma peça-chave da abordagem geral adotada por
Sloterdijk para contar a história das práticas de autoprodução do homem pelo
homem, do exercício espiritual que gerou o místico, o individualista, o político.

Será que a natureza impõe uma tarefa tão exigente no respeitante ao homem?
Como lhe veio a ideia de gerar seres que, para poder viver, têm de lançar-se na aventura
da sua própria criação? Nietzsche deixa estas interrogações sem resposta. No entanto, a
sua maneira de falar da tarefa que a Natureza atribuiu a si mesma convida a pensar numa
mãe ambiciosa, que triunfa por intermédio dos seus filhos. Na retórica nietzschiana da
intensificação e da criação, vem muito nitidamente caracterizado o processo autonatal
da vida intensificada por atração das promessas mais elevadas. Marx identificou o
homem como inato parturiente de si próprio: “como para o homem socialista, porém
toda a chamada história universal nada mais é do que a geração do homem pelo trabalho
humano, ele tem, pois, a prova evidente e irrefutável do seu nascimento por si próprio”.9
Mas dos triunfos e dos tormentos da labuta autonatal só Nietzsche, não Marx, consegue
dar uma noção, pois ele, ao contrário do pensador do socialismo, sabe que quando o
homem se traz a si próprio ao mundo, não se trata de trabalho, mas de fadigas da
gravidez, de sofrimentos da chegada, de dores de parto (em inglês labors), de esforços
pela existência (em grego, ponos), dos inevitáveis gastos autonatais da vida, aos quais
não corresponde nenhuma requisição, quando muito a euforia de respirar ao ar livre. Na
visão de Sloterdijk, o mundo é um feixe de relações (cosmos). O homem é um ser da
prática. Argumenta até no sentido de que devemos largar de configurar e encarar o
homem como um “comunicador” ou um “trabalhador”. Na verdade, o homem é o ser da
busca pela performance através da repetição (prática em si). Para Sloterdijk, o homem
amanhã vai fazer a mesma coisa melhor do que ele faz hoje. A catástrofe esferológica é

9
MARX, Karl. Die Frühschriften, ed. por S. Landshut, Estugarda 1968, pp. 247-248.
35

o nascimento. Sair do dois que é um. Para isso, o ser humano vai produzir mecanismos
de esferas. A quebra do cordão umbilical (passando a ser um) para imediatamente
reconstituir a matriz de dois novamente (mãe ou o peito, por exemplo). O homem
procura o fora. Sua conquista é no exterior. Nossas atuais construções, a expansão do ser
humano desde as cavernas, hordas e o Estado são a forma de reconstruir díades com o
que me é estranho (reconstituir sistemas imunológicos). Uma verdadeira domesticação
do espaço externo. O conceito de esferas em Sloterdijk é algo projetado para longas
durações, não se utilizando do referencial Humanista.
A obra “Esferas” é uma fenomenologia dos espaços vividos (habitados). A esfera
sempre é uma unidade de dois. Uma pessoa caminhando no deserto é uma esfera, o bebê
com a mãe outra. Assim, temos uma abordagem que não é sociológica nem econômica
e sim, antropológica. Uma das definições de ser humano é que o ser humano é um
interior que habita um puro exterior, um universo extenso, a matéria, o “Cosmos” sem
sentido e vazio. O filósofo alemão diz sem rodeios. “Início a ontologia com o número Dois”
(SLOTERDIJK, 2007, p. 121). Sloterdijk cria então, uma investigação desse processo de
“esferalização”, do ponto de vista ontogênico, filogenético e do que é o micro. Isso ele
chama de “arqueologia da intimidade”. Sloterdijk está preocupado com a “domesticação
do ser” e se propõe a tratar o homem sem o crivo humanista e, portanto, se apropria da
terminologia de Heidegger. O homem é o Dasein. Ou seja, não é o princípio deslocado
(um buraco no Dasein pela linguagem),10 como o homem adulto e já pronto, único,
isolado do Humanismo, mas o ser que está lançado na existência e no puro exterior, e
isso é o que conta. Entretanto, Sloterdijk amplia a noção de Dasein ao quebrar com o
receio de Heidegger quanto à antropologia que para ele reintroduziria o vício humanista,
o homem isolado, ou o “homem animal racional” de Aristóteles.
Se temos a placenta e seu feto, como está em Bolhas, tudo fica ainda mais claro.
E nisso o homem nunca aparece sozinho como substância. A subjetividade e o protótipo

10
Entrevista de Peter Sloterdijk no Brasil: “O Que Separa o ser Humano da Natureza”, 2016. Ele diz que
houve uma nova promessa de sonho entre homem e natureza, porque o primeiro Romantismo Alemão no
início do século XIX tinha um aspecto reprimido de madrasta, que foi substituído por uma fantástica figura
ideológica de mãe. Na verdade, os seres humanos são, em primeira linha, pronunciados pela sua
bionegatividade. Quer dizer que o humano é um fantasma da sua língua. E a língua, é sempre seu retiro
instintivo e a sua unidade com a biológica condição e, necessariamente, é o que o distancia da primeira
natureza. Entre o homem e a natureza a uma grande cova que é rasgada pela ordem simbólica e reunida
de fantasia o que não pode ser superado. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=EKbfweNE1zw>. Acesso: 28 Set. 2016.
36

da subjetividade, é sempre, no mínimo, um campo de dois em ressonância. Sloterdijk


afirma que a primeira atividade comum entre os seres humanos não é a casa nem a
sexualidade, não é o cuidado das crianças e nem se quer a agricultura, a criação de
animais ou a indústria, mas a criação de um espaço de ressonância entre os que têm vida
em comum. A ideia desse espaço de ressonância que é formadora de toda a história da
cultura humana, desde a bolha indo pelo globo até a espuma, é nada mais que a ontologia
do sujeito de que os homens criam seus espaços (sua casa) e os cria aperfeiçoando-se,
técnico-praticamente, onde temos uma virada da antropotécnica: o impulso até o
elevado, o transcendente, o mimo e a ascese.

Bebê e sua placenta.

É um jogo de dois em um. Uma noção de espaço interior entre o olho do menino
e a bolha. As coisas do mundo não são nossas. As coisas funcionam e se movem a partir
do que nós estamos realizando. A noção de bolhas de Peter Sloterdijk é composta pela
trilogia (Sphären): Esferas, Globos e Espumas. O “Blasen” (Bolhas). É a parte I. Trata da
primeira esfera. Globos (parte 2) seria a geometrização do mundo, o asseguramento do
pequeno para o grande, o processo de transposição do espaço interior para a
geometrização do exterior algo como transferir o interior que faz sentido para o grande.
E por fim, a terceira parte, chamada “Schäume” (Espumas), que trata da história do
homem e a história da luta pelo mimo, luxo e sua domesticação. A primeira esfera diz
respeito à “arqueologia da intimidade” os seres humanos no mundo da coexistência, em
37

que a configuração de sua intimidade-subjetividade existe enquanto um “nós” e não


enquanto um “eu” individual, “a micro-esferologia traduz a era da pré-história até a idade
média em que a criação de bolhas (grupos sociais como hordas), revela o acento na
coletividade como nexo primordial de segurança e proteção” (LEAL, 2010, p. 227).
Ribeiro (2013, p. 61):

Para tanto, é necessário que essas esferas consigam inscrever o homem em


um interior que incorpore o Exterior extenso. Essa capacidade do ser humano
de viver em contínuo êxodo em direção a realidades opacas, integrando-as à
estrutura vital de sentido que ele habita, é o que caracteriza não apenas a vida
humana, mas toda a vida, como sistemas autopoiéticos (Luhmann). Assim, a
transferência esferológica se projeta na opacidade viscosa do mundo e a
traduz em uma experiência de proximidade, incorpora o extenso aos interiores
de clareias vitais. O interior e o exterior se resolvem em esferas. Não de modo
harmonioso, pois essa relação fora-dentro e interior-exterior é diádica, não
monista. Para sustentar essa frágil estrutura diádica da vida que se desdobra
por meio de transferência de esferas a esferas, surgem os princípios de
imunidade (Esposito).

Os sistemas autopoiéticos são sistemas autônomos e fechados capazes de auto-


organizar-se. Não tardou para o sociólogo Niklas Luhman em aplicar esse conceito de
autopoiese e processos de organização interna para conceber um novo paradigma
teórico para as suas aplicações nos sistemas sociais com finalidades de apontar soluções
ao comportamento de grupos humanos na sociedade de riscos. Esse conceito de sistema,
como a própria vida, só pode ser compreendido em relação com o entorno, porém nesse
contexto o sistema está condicionado a não-operação, além de seus limites. Se o vivo de
um ser vivo se determina dentro de si mesmo e não fora dele, segundo os sistemas
autopoiéticos, muda sua estrutura em base para novas interações que o “desintegra”, só
temos que nos adaptar e interagir de forma coerente como meio em uma relação de
homeostase, onde nossos mecanismos de autorregulação auto-alimentação que permite
conservar a nós mesmos. Sloterdijk afirma que a consciência do fato de que não podemos
continuar nosso estilo de vida de cuidados menos atuais por mais tempo, mas precisamos
"mudar as nossas vidas" e começar a "cuidar do todo " é hoje quase universalmente
compartilhado. Ele argumenta que as ações de crise globais guardam muitas
caracteristicas com o antigo Deus do monoteísmo, ele especula que esta crise
inevitavelmente vai se iniciar e terá de iniciar, nada menos do que uma volta imunológica
global, ou seja, uma transformação revolucionária na forma como os seres humanos
38

constroem e organizar sua residência imuno-esférica no planeta. Um novo gesto de


formação do mundo em termos de um projeto global de construção de esferas,
entendido em primeiro lugar como uma transformação das estratégias de imunização
locais em globais, de protecionismos locais para um "protecionismo" do todo. Isso exigirá
um "ponto de inflexão social" na consciência, disposição e capacidade de agir
coletivamente como terráqueos. Um futuro viável para a humanidade neste planeta só
pode, portanto, ser concebido para Sloterdijk com base na construção de uma "estrutura
global de co-imunidade" ou um "desígnio imune global", infundido por um espírito de
"co-imunismo", com base na consciência de uma situação ecológica e imunológica
compartilhada e a percepção de que esta nova situação, que é do Antropoceno, não pode
ser tratada com base em recursos culturais técnico ou local existente, mas precisa de
uma "lógica de cooperação" planetária. As esferas são pequenas formas ou um sistema
de autoprodução capazes de criar um tipo de impermeabilização imunológica dos
homens perante o exterior que os aflinge e durante essa autoprodução o homem
abandona sua condição de animal para um processo de hominização, um autotransporte.
Uma antropogênese por vias de uma transferência antropotécnica. Sloterdijk acredita
que uma certa doutrinação foi imposta para nós. Ele fala que existe uma certa tendência
seja nas ciências políticas, psicologia, humanistas, teólogos, sociólogos e politólogos em
crer que o homem não é mais antigo do que a grande civilização, pois a verdadeira
civilização e humanidade emerge de seu apogeu. Para todos esses citados, o “homem”
aparece já na cidade, no Estado ou da nação. Essa fixação é nada mais que uma mentira
e uma ideologia por um engano básico. Essa visão corroi a unidade da evolução humana
e desconecta a consciência atual da cadeia de inúmeras gerações humanas com seus
potenciais genéticos e culturais. Uma doutrina entendida como clássica e moderna e que
é uma doutrinação, de descrever o homem como “ser político”. Uma doutrina entendida
como a que estabelece o homem com um tipo burguês que para sua realização essencial
necessita de bibliotecas, partidos, capitais, academias, catedrais, etc, mas onde quer que
essa ideologia vingue deve impor que o homem é o homem da civilização. Uma forma de
apagar o passado e a pré-história. Tratam o homem como homo pauper e que só a partir
de sua constituição e amadurecimento deve viver uma vida em Estados. Ela ofusca a visão
de um acontecimento fundamental: a antropogênese.
Sloterdijk (1999, p. 20):
39

Enquanto grandes civilizações já consideram o homem como existente, para


poder utilizá-lo para trabalhos, funções e missões, o mundo da pré-história é
perpassado pela consciência de que a arte do possível consiste em chamar à
vida, num mundo árido e arriscado, novas pessoas a partir das existentes e
mais velhas. Paleopolítica é o milagre da repetição do homem pelo homem.
Ela é adquirida e praticada num ambiente que parece querer de certa forma
dificultar às pessoas a arte de repetir-se nas crianças.

A bolha é também uma pequena esfera em ressonância psico-acústica ou


espaço de ressonância capaz de aprender e de se reproduzir pela aprendizagem cujo
individual comparece como polo de ressonância das relações coletivas. O homem para
Sloterdijk é um arquiteto clandestino de espaços interiores para poder existir. É o “Dasein
ist Designer”, porque o homem é um construtor de lares, de algo como “o dentro”, e
nisso coabita e coexiste. Falar de Esferas não é, portanto, simplesmente desenvolver uma
“teoria da intimidade simbiótica” e do surrealismo dual, mas a teoria das Esferas começa
como psicologia da construção do espaço interior partindo de correspondências
biunívocas, mas ela se estende para uma “teoria geral dos vasos autógenos”. É esta teoria
que provê todas as formas abstratas de imunologia. Sob o signo de Esferas coloca-se, por
fim, a questão acerca da forma das criações políticas de espaço no mundo. Para
Sloterdijk, a psicologia esférica vem antes da política das Esferas. A filosofia da intimidade
deve fundar a morfologia topológica política. A arte de uma comunidade humana de
repetir-se nas gerações vindouras é um projeto visivelmente político, no caso das hordas,
quando se entende que o privilégio matriarcal do infanticídio atua como uma política de
imigração intuitiva, as disposições matrimoniais como uma política externa de hordas e
os hábitos de caça como uma política ecológica primeira, veremos que a paleopolítica é
uma arte do possível em diminuta escala, a arte de se manter o pequeno para o bem
maior (a vida anímica). Se falamos de uma “política clássica”, o mesmo se estabelece só
que em larga escala. A política tradicional responde uma pergunta como esta. Como pode
um grupo ou um sistema social tornar-se grande e grande em proporções gigantescas
sem falhar na tarefa de deixar passar o que é o grande para as próximas gerações? É
possível pensar que grupos grandes de hordas poderiam se reunir para um “projeto
comum”? No caso teríamos uma arte de fazer ligações ou forças comuns para grandes
grupos seja com um elemento de tirania ou de cooperação de pessoas.
40

Essa sequência é assim porque cada vida percorre em seu começo uma fase em
que uma suave demência a dois preenche o mundo. Cuidados extáticos misturam mãe e
criança em uma redoma de proximidade e amor, cujos ecos se mostram efetivos em
todas as circunstâncias para uma vida feliz. Desse dois rapidamente vem um terceiro, um
quatro. Com a saída da vida individualizante para fora de seu invólucro original, surgem
os polos suplementares e configurações espaciais mais extensas, que determinam, a cada
passo, uma crescente amplitude de cuidados e participações até se chegar a vida adulta.

Kokeshi.

Nas Esferas amplificadas temos diversas forças que levam o indivíduo a um


estado de demência, mas não só ele, milhões. Viver em grandes cidades e comunidades
41

parece ser algo impossível sem conceder algo ao delírio da sua tribo. A esferologia é
pensada desde o início com processos de transposições das microesferas para as
macroesferas. Mas o que ela exprime inicialmente é a saída do vivente dos regaços
maternos sejam eles reais ou virtuais. E daí para o cosmos denso das civilizações regionais
desenvolvidas e, para além delas, os mundos de espuma não redondos e não densos da
moderna cultura global. As Esferas são formas enquanto forças do destino. Começando
pelo murmúrio fetal em suas águas escuras privadas, até o globo cósmico-imperial.
Quando o filósofo Hans Jonas reformulava o imperativo categórico estava fazendo um
imperativo ecológico, fazendo isso encontrava um pensamento antecipador de
contornos definidos para o século que estamos ao se encontrar impedido ante a incerteza
a respeito da solidariedade de seus semelhantes porque sua vitória só pode acontecer
perante a derrota de outros. Para se conformar o vínculo de recuperação da confiança
no enfrentado e em geral na coexistência humana para colapsar a relação clássica entre
amizade e inimizade, Sloterdijk recorre para estrutura co-imunizantes de civilização, a
imunidade planetária.11 Uma estrutura que oferece o ator ocupar um lugar de sete
milhões como cidadão do mundo.
Isso pode ser observado quando Sloterdijk menciona (2015, p. 90):

Esferas I é essencialmente dedicado a elaborar um sólido conceito de


intimidade. Com essa finalidade, desenvolvo um movimento explicitamente
regressivo com o objetivo de abordar o tópico do ser-em (being-in), em
marcha à ré (como haveria se passado). Eu primeiro abordo o fenômeno da
interfacialidade. Deixe-me explicar: caso as pessoas se olhem entre si, surge
um espaço não trivial, que não pode ser construído em termos físicos ou
geométricos – o espaço interfacial. Aqui, não ajuda mesmo se eu me sirvo de
uma fita métrica para determinar a distância entre a ponta do meu nariz e o
seu nariz. A relação interfacial cria uma relação espacial de fato única. Eu
descrevo a última em termos de uma interfacialidade mãe/criança, algo que
podemos estudar no reino animal também. Em meu próximo passo, tento
inter-pretar (inter-pret) as imagens das relações inter-cordais (inter-cordial)
que emergem quando as pessoas estão ligadas umas as outras de modo tão
efetivo que dois corações formam um espaço comum de ressonância – aqui,
o fator metáfora aumenta. E então eu vou na ponta dos pés até a mais íntima
das relações, aquela entre mãe e criança: nesse processo, eu explico como
mulheres são unidades arquitetônicas – ao menos se encaradas sob a
perspectiva da vida nascente. Corpos de mulheres são apartamentos! Agora,
por trás dessa tese bastante chocante, encontramos uma perspectiva um
tanto dramática sobre história natural. Entre insetos, répteis, peixes e pássaros
– isto é, entre a grande variedade de espécies – o ovo fertilizado, o portador
da in-formação (in-formation) genética, é posto em um ambiente exterior que

11
SLOTERDIJK, Peter. You Must Change Your Life. Malden: Polity Press, 2013, p. 451.
42

vagamente possui as propriedades de um útero ou ninho externos. Agora, algo


muito incrível acontece na linha evolucionária que leva até os mamíferos: o
corpo das fêmeas da espécie é definido como um nicho ecológico para a sua
descendência. Isso leva a uma dramática virada interna na evolução. O que nós
vemos é um uso dual das fêmeas de uma espécie: de agora em diante, elas
não são somente sistemas de ovos postos (em um senso metabiológico,
feminilidade significa a fase bem-sucedida de um sistema de ovulação), mas
elas põem os ovos dentro de si próprias (them-selves) e tornam seu próprio
corpo disponível como um nicho eco-lógico (eco-logical) para sua
descendência. Desse modo, elas se tornam mães animais integradas. O
resultado é um tipo de evento que não existia antes no mundo: nascimento. É
o proto-drama que forma o que vai da partida do ambiente total primário até
a chegada como um indivíduo. Assim, o nascimento é um tipo de evento
biológico tardio e tem consequências ontológicas. A expressão “ser nascido”
(to be born) enfatiza o lado animal; a expressão “ver a luz do dia” enfatiza a
diferença existencial. Uma lógica bastante explícita é necessária para explicar
isso.

Frontispício de Da Geração Animal. William Harvey. (1651).


43

A “ressonância” é terminologia que Sloterdijk utiliza para a sua crítica da


metafísica clássica, tanto antiga quanto moderna. Considera problemáticas as visões
substancialistas e individualistas. Estas são as que descrevem como ponto de início o
homem isolado e, então, gastam todo o resto da energia intelectual filosófica nesse
enigma, tentando descrever algo como a natureza humana ou coisa semelhante (algo
como o que Heidegger fez). Sloterdijk também observa uma problemática nas filosofias
que definem o homem por meio da linguagem enquanto elemento de interação, pois,
essas visões acrescentam o outro repentinamente, que se assim aparecesse não traria
nenhuma efetiva alteridade e não poderia explicar a interação. Sartre leva o
indeterminismo às suas mais radicais consequências, porque não há nenhum Deus e,
portanto, nenhum plano divino que determina o que deve acontecer, não há nenhum
determinismo. O homem é livre. Não pode desculpar sua ação dizendo que está forçado
por circunstâncias ou movido pela paixão ou determinado de alguma maneira a fazer o
que ele faz. Ao contrário de Sartre onde sua doutrina filosófica consiste é um escolher-
se, Peter Sloterdijk se pergunta coisas como: O que é estar no mundo? E onde estamos
quando estamos no mundo? Entender essas perguntas é tão importante quanto explicá-
las. O homem na visão dele na verdade é uma espécie de arquiteto ou designer de
mundos (de interiores). A formação da subjetividade segundo a ontologia do filósofo
contemporâneo é de que a subjetividade12 se faz pela unidade esférica que contém um
duplo (o dois que é um), ou seja, somos todos gêmeos em origem. Somos seres de
relacionamento com o outro, intra-uterina (placenta-mãe) e fora de lá também. O outro
que é também o “eu” porque nunca fomos sozinhos, somos desde o início dois. E, a nossa
história é saber conduzir a si mesmo e conviver com o outro, pois esse outro irá embora,
mas nunca pensando nesse outro, mas sim, substituindo-o de maneira cada vez mais
sofisticada no interior da esfera. O sujeito é tudo aquilo que tenta tornar-se e ser o seu
próprio mundo.

12
JÚNIOR, Paulo Ghiraldelli. O Que São Sujeito e Subjetividade? Um Verbete em Filosofia Contemporânea,
2018. Disponível em:
<https://www.academia.edu/36081823/O_que_s%C3%A3o_sujeito_e_subjetividade_Um_verbete_em_fi
losofia_contempor%C3%A2nea>. Acesso em: 05 Mar. 2018.
44

Matriosca.

Rocca (2008, p. 24):

Esferas começam por convocar os sentidos, as sensações e as compreensão


do próximo; o que a filosofia geralmente acontece negligenciado: o espaço
viveu e experimentou. A experiência do espaço. É sempre a principal
experiência de existência. Nós sempre vivemos em espaços, em esferas, em
atmosferas. Viver é criar esferas. A díade "Mãe-filho" é a primeira formação
esférica, cheia de tons e espaços de som. Um lugar de refúgio onde a
solidariedade começa entre os seres humanos, a mãe, o núcleo da família, os
grupos próximos e, finalmente, a cultura em que vivem. As histórias de amor
e comunidades solidárias não são mais do que criação de espaços interiores
para emoções estilhaçadas.

O homem cativa e o simples estar no mundo é também cuidar. O cuidado é o


que fazemos, como homens. Cuido para dar continuidade ao meu mimo e luxo (a
domesticação). A minha profissão de Designer busca “reconstruir” exo-úteros e cuidar do
meu “outro”. Há espaço dentro e o fora. O fora me enfraquece e me é hostil, o dentro
me devolve para o meu lar doce lar. As relações de ressonância com o outro na esfera
vem justamente dessa “construção” de exo-úteros. Pois, se estou no “dentro”, no “ser
em comum”, naquilo que é e ao mesmo tempo não é “eu”, isso faz de mim amigo
(cativante) da placenta e, portanto, não faz do homem um ser completamente
45

monoelementar.13 O homem é um construir a si mesmo (autoprodução), já nasceu com


uma “profissão” no qual é PHD: o homem é um design de interiores (Dasein ist Designer).
O homem veio ao mundo de um dois que era um. Um gêmeo de mim que busca relações
desde seu início. A subjetividade começa na construção interior no interior. Por isso, na
fenomenologia microesférica (Bolhas), Sloterdijk vai dizer que elas compõem as formas
íntimas do ser-em-forma arredondado, bem como as moléculas que formam a base das
relações mais fortes. Essa análise aborda uma tarefa para as inteligências adultas. Temos
uma epopeia das bi-unidades perdidas para sempre em si mesmas, mas que não são
destruídas a ponto de não deixar traços.
Sloterdijk (2016, pp. 59-60):

Mergulhamos em uma história desaparecida que relata o florescimento e o


naufrágio da Atlântida interior; exploramos um continente insuflado no mar
matriarcal que habitamos em tempos subjetivamente pré-históricos e
abandonamos com o início das aparentes histórias pessoais. Neste mundo à
parte, evasivas dimensões lampejam à margem lógica convencional. Com a
consciência de que nosso inevitável desamparo conceitual é o único
acompanhamento seguro, atravessamos paisagens da existência pré-objetiva
e das passadas relações. Se “penetração” fosse a palavra correta, seria possível
dizer que penetramos no reino dos fantasmas interiores. O que se mostra,
porém, é que as próprias coisas só toleram invasões não invasivas é necessário,
neste domínio, com um pouco mais de complacência do que é costumeiro nas
diligências metódicas e nas empreitadas intelectuais de objetivos precisos, que
nos confiemos a uma corrente que nos arrasta para a frente sobre os fluidos
linfáticos da auto-experiência pré-subjetivamente primitiva.

Nessa travessia do subterrâneo mundo interior, o quebra-cabeça desdobra-se


como um mapa sonoro. Um universo fluido e escuro composto completamente por
ressonâncias e de materiais em suspensão, é nele que temos que buscar nossa história
da protossubjetividade e do nosso aparelhamento psíquico. Navegando por esses
territórios obscuros da autopercepção e da existência contida (recíproca), é possível de
imaginarmos uma história primitiva do íntimo que atua conjuntamente com uma história
psíquica das catástrofes. Se falamos de “esferas íntimas” não podemos deixar de citar a
maneira pela qual se dá as explosões esféricas e suas reconstituições ampliadas. Todas
as bolhas (bolhas e bolsas) são modelos orgânicos de vasos autógenos. Elas existem com
um único propósito: serem rompidas. Temos aí a catástrofe do nascimento, onde cada

13
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Genealogia da Moral: Uma Polêmica. São Paulo: Editora Companhia das
Letras, 2008, p. 72.
46

vida é lançada ao caos. Isso leva as microesferas íntimas com suas bolhas a desaguar, e
seus antigos habitantes à metamorfose.
47

REFERÊNCIAS:

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______. O Ser e o Nada - Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Rio De Janeiro. Editora:


Vozes, 1943.

2 - JÚNIOR, Paulo Ghiraldelli. O Que São o Sujeito e a Subjetividade? Um Verbete em


Filosofia Contemporânea, 2018, p. 1. Sujeito é uma noção antiga, subjetividade uma
noção moderna. O sujeito vem do latim subjectum, que quer diz o substrato e o que
subjaz. É a tradução do grego hipokeimenon, que se refere ao que sustenta a predicação
em um enunciado. Subjetividade é uma noção moderna que, como Heidegger insistiu, foi
fundida ao homem pelo grande movimento cultural do Humanismo. Dizendo “eu”, o
homem passou a ser o sujeito (ativo e passivo) da ação e, uma vez substancializado, deu
origem a uma instância filosófica própria. A subjetividade é uma instância com três
grandes características: consciência (e autoconsciência), identidade e autonomia. A
consciência e a autoconsciência dizem respeito ao fato de que o sujeito é aquele que
sabe e aquele que sabe que sabe. A identidade diz respeito ao fato de que o sujeito tem
uma identidade ipse (Eu=Eu) e não a identidade idem (A=A). O si-mesmo ou o self, que é
o eu que se sabe, a consciência, sabe-se também como permanente no tempo e no
espaço, proprietário de estados internos em continuidade. Solicita reconhecimento do
outro por conta desse saber com o qual se instrui e se apresenta. Por fim, a subjetividade
exibe a capacidade de autonomia, ou seja, de autogoverno, que pressupõe liberdade e e
capacidade para a responsabilidade. Essa instância é que mostra que o sujeito é aquele
que se põe em uma tarefa, que empreende, que se compromete consigo mesmo e com
outros. Disponível em:
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6 - Filme: Gravidade (2013).

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10 - Entrevista de Peter Sloterdijk no Brasil: O Que Separa o Ser Humano da Natureza,


2016. Ele diz que houve uma nova promessa de sonho entre homem e natureza, porque
o primeiro Romantismo Alemão no início do século XIX tinha um aspecto reprimido de
madrasta, que foi substituído por uma fantástica figura ideológica de mãe. Na verdade,
os seres humanos são, em primeira linha, pronunciados pela sua bionegatividade. Quer
dizer que o humano é um fantasma da sua língua. E a língua, é sempre seu retiro
instintivo e a sua unidade com a biológica condição e, necessariamente, é o que o
distancia da primeira natureza. Entre o homem e a natureza a uma grande cova que é
rasgada pela ordem simbólica e reunida de fantasia o que não pode ser superado
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EKbfweNE1zw>. Acesso: 28 Set.
2017.

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12 - JÚNIOR, Paulo Ghiraldelli. O Que São Sujeito e Subjetividade? Um Verbete em Filosofia


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