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Fichamento

O DIREITO Á DIFERENÇA DE ALVARO RICARDO DE SOUZA.

CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O Direito á Diferença.

Capitulo I : Introdução

Quando Mark Twain lançou o romance As Aventuras de Hncklebeny Finn (1882), ele
provocou um enorme reboliço na Sociedade Americana: o protagonista da estória era
um negro, numa época em que a questão da escravatura ainda dividia a população,
especialmente nos Estados do Sul.

Cento e vinte anos depois, já no século XXI, o mesmo romance continua sendo foco
de polêmica nos Estados Unidos. Agora, o debate está no frequente emprego da
expressão niger Ativistas americanos veem tal registro como demonstração cabal de
que essa obra deve ser enquadrada como expressão artística do racismo. ( Pag. 1)

Na época do lançamento da obra de Twain, ora em referência, o Constitucionalismo


centrava suas atenções no princípio da liberdade humana. Liberdade esta que rompia
com uma tradição teocêntrica e absolutista de legitimação do uso coativo da força e
consequentemente do Direito. A tutela, especialmente das liberdades de expressão,
de locomoção e religião, compunham uma visão antropocêntrica e individualista da
Sociedade e do Estado, entes distintos e distanciados. A Constituição era entendida
como expressão da Soberania Estatal e garantia da liberdade do indivíduo contra os
abusos dos governantes

Menos de cinquenta anos depois, o eixo deontológico do Constitucionalismo mudava


para o princípio da igualdade, mas com um conteúdo absolutamente distinto da noção
de igualdade nos paradigmas medieval e liberal. ( Pag. 2)

E curioso dizer que esses ideais, quando consolidados no ordenamento jurídico,


vieram semear o caminho das lutas sociais do século XIX, construindo uma sociedade
que levou a expressão maior da exploração do homem pelo homem. O Manifesto
Comunista de Marx e Engels, a Encíclica Kerum Novarum do papa Leão XIII e a
Declaração dos Direitos do Homem Trabalhador e Explorado da Revolução Russa
traduzem a luta de mais de cem anos pelo direito de associação em sindicatos, por
direitos sociais, econômicos, pelo amparo Estatal relativo a prestações sanitárias e
previdenciárias. ( Pags. 8-9)

Prevalecia, nesse momento, a aspiração à igualdade no seio da Declaração Francesa.


Do État Gendarme passa-se ao Wdfare State. Os cidadãos tornam-se clientes de
prestações positivas do Estado. A Sociedade não deseja mais o absenteísmo estatal e
passa a cobrar essas prestações em favor da população, na forma de direitos
previdenciários, sanitários, assistenciais, dentre outros. “A reação foi brutal e o aparato
policial estatal reprimiu com violência física os movimentos sociais’”. Mesmo no campo
do Direito, a chamada teoria das normas programáticas constitui reação à aplicação
dos direitos sociais e econômicos positivados nas Constituições do princípio do século
XX. ( Pag. 9)

Não obstante tal reação, é inegável que os direitos sociais, trabalhistas e coletivos
ganharam densidade normativa com sua positivação, não apenas na Constituição,
mas também no ordenamento infraconstitucional. No Brasil, apesar de todas as
dificuldades, deu-se o nascimento de legislações tipicamente sociais, tais como a
Consolidação das Leis Trabalhistas e a Lei Elói Chaves, origem do Direito
Previdenciário nacional. ( Pag. 9)

Avançando mais 50(cinquenta) anos, vamos nos deparar com um novo


Constitucionalismo, cuja síntese alterou sensivelmente o significado do princípio da
igualdade, pois passou a centrar-se no princípio da dignidade humana. A pessoa
humana não pode mais ser vista de forma abstrata e distante, tornando-se um ser
concreto/palpável. O programa normativo densifica-se nas múltiplas facetas e
diferenciações da humanidade, particularizando-se na defesa dos hipossuficientes,
especialmente das minorias étnicas e sociais. ( pag. 10)

Por conseguinte, a preocupação atual volta-se para o respeito aos direitos humanos
em função das particularidades individuais e coletivas dos diferentes grupamentos
humanos, os quais se distinguem por fatores tais como a origem, o sexo, a opção
sexual, a raça, a idade, a sanidade a realização etc. Sob essa perspectiva, o
pluralismo eleva-se à condição de princípio indissociável da ideia de dignidade
humana, exigindo do Estado e da Sociedade a proteção de todos os "outros",
diferentes de nós pelos aspectos acima mencionados. ( Pag. 12)

O papel do Direito é ser instrumento de transformação social para o resgate de direitos


ainda hoje não realizados. Cabe, pois, inevitavelmente, estabelecermos o caminho da
reconstrução dos direitos fundamentais traçado pelo paradigma constitucional do
Estado Democrático de Direito. ( Pag. 13)

Capitulo II: Discriminação Licita

Característica do Direito Constitucional é a polissemia semântica dos conceitos por ele


trabalhados. Logo, torna-se ,desde já, indispensável a conceituação do termo
discriminação. ( Pag. 15)
Buscamos nosso conceito na sistematização das concepções construídas nas
Convenções Internacionais sobre a eliminação das formas de discriminação,
especialmente contra a Mulher, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU)
em 1979, mas entrando em vigor em 1981. ( Pag. 15)

Nesse sentido, entendemos a discriminação como toda e qualquer forma, meio,


instrumento ou instituição de promoção da distinção, exclusão, restrição ou preferência
baseada em critérios como a raça, cor da pele, descendência, origem nacional ou
étnica, gênero, opção sexual, idade, religião, deficiência física, mental ou patogênica,
que tenha o propósito ou efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou
exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos
campos politico, econômico social,, cultural ou em qualquer atividade no âmbito da
autonomia pública ou privada. Todavia, ha que se deixar claro que é absurdo afirmar
que toda discriminação é odiosa ou incompatível com os preceitos do
Constitucionalismo contemporâneo. Muitas vezes, estabelecer uma diferença,
distinguir ou separar é necessário e indispensável para a garantia do próprio princípio
da isonomia, isto é, para que a noção de igualdade atenda as exigências do princípio
da dignidade humana e da produção discursiva (com argumentos racionais de
convencimento) do Direito. ( Pags. 15-16)

A adequação de normas válidas ao caso concreto é absolutamente indispensável para


a aferição da legitimidade de medidas ou ações de cunho discriminatório. ( Pag. 18)

O respeito à diferença só pode ser fruto de um esforço contínuo, uma vez que a
maioria, não reconhecendo como cidadão o integrante de outro grupo, geralmente
rejeita-o. É uma tendência etnocêntrica, que se registra pelos antropólogos em todos
os grupamentos humanos. Logo, uma discriminação legítima pode facilmente se
desvirtuar, pela imposição às coletividades minoritárias de condutas violentadoras de
sua cultura e tradição. (Pag. 25)

Uma sociedade plural pressupõe exatamente o dissenso e a diferença no tocante a


projetos de vida, refletindo-se no texto constitucional através da concorrência de
princípios, tal como se vê através da percepção metonímica de uma religião
dominante e a noção de pluralismo. (Pag. 27)

Por conseguinte, restou claro que a análise semântica e pragmática do ordenamento


jurídico, em especial do constitucional, é fundamental para que se possa divisar a
legitimidade de discriminações. Essa análise, por sua vez, deve ser veementemente
reforçada pelo Constitucionalismo contemporâneo. (Pag. 28)

Capitulo III: Discriminação Ilícita

A discriminação ilícita é uma conduta humana (ação ou omissão) que viola os direitos
das pessoas com base em critérios injustificados e injustos, tais como a raça, o sexo,
a idade, a opção religiosa e outros. Esses critérios injustificados são, de maneira geral,
frutos de um preconceito, ou seja, de uma opinião preestabelecida ou um senso
comum imposto pela cultura, educação, religião; em outras palavras, pelas tradições
de um povo. No caso, o preconceito se manifesta por um julgamento prévio, negativo,
estigmatizando pessoas ou coletividades por meio de estereótipos. ( Pag.29)

Com base nesses estereótipos, as pessoas, a Sociedade e o próprio Estado passam a


julgar e a considerar os outros em consonância com esses modelos preconceituosos.
como o racismo É, pois, um fenômeno inserto na psicologia das massas, gerando
subprodutos tais e o sexíssimo. ( Pag. 30)

A violação dos direitos fundamentais através da discriminação pode se manifestar de


diferentes maneiras. A primeira delas, mas não a mais comum no Brasil, é a
discriminação direta ou intencional, ou seja, uma conduta da qual se depreende
facilmente o animus discriminatório, ou seja, o dolo, a vontade de violar o direito de
outrem. Nela, está presente a premeditação, a vontade de violar a integridade física e
moral do outro. ( Pag. 30)

Ao lado da discriminação direta, encontramos a discriminação de fato, extremamente


comum no Brasil. Esse tipo de discriminação se dá tanto no campo da autonomia
privada, quanto no da pública. ( Pag. 30)

Outra forma de discriminação de fato resulta de uma política de neutralidade e de


indiferença do aparato estatal para com as vítimas da discriminação. Nesse sentido,
as minorias não conseguem fazer com que as mesmas recebam um tratamento
diferenciado em razão de suas peculiaridades étnicas, culturais e sociais. ( Pag.31)

Dessa maneira, salvo algumas exceções dignas de nota em que a prática


discriminatória tem sido considerada como presumida, o Judiciário brasileiro ainda
está longe de se posicionar de modo efetivo contra ações ilegítimas de discriminação.
Portanto, o Legislativo nacional se preocupa quase que exclusivamente com
legislações repressivas e o Judiciário assume postura nitidamente conservadora, ou
seja, refratária a posições de vanguarda na defesa dos direitos fundamentais das
minorias. Por sua vez, o Executivo, no Governo Lula, passou a desenvolver uma
"agressiva" postura em favor das ações afirmativas, em uma notável mudança de
perspectiva. Contudo, exageros, tais como, por exemplo, as normas que
determinavam a identificação da cor da pele em documentos de identidade, a
proibição do emprego de termos como negro em favor do emprego da expressão
'afrodescendente', bem como a imposição de cotas raciais sem qualquer contrapartida
na cobrança de apoio específico a tais estudantes, têm contribuído para um crescente
sentimento de rejeição da população no tocante a tais políticas públicas. Ao contrário
dos EUA, que se dispõe a debater e a enfrentar o problema de forma ampla e
democrática, no Brasil, as autoridades preferem "escondê-lo debaixo do tapete", de
um lado fazendo "lindos discursos" em favor das minorias e, na prática, avançando
pouquíssimo nessa direção. De qualquer modo, o debate sobre esta questão começou
a ganhar corpo nos últimos tempos. Interessante, pois, fazer-se uma análise
específica da discriminação contra a mulher, o negro e o homossexual, sempre
estabelecendo comparação com os Estados Unidos. ( Pag. 36)
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo.
Tradução, Marco Aurélio Nogueira 6ª Edição.

Premissa

Reúno neste pequeno volume alguns escritos dos últimos anos sobre as chamadas
"transformações" da democracia. Uso o termo "transformação" em sentido
axiologicamente neutro, sem associar a ele nem um significado negativo nem um
significado positivo. Prefiro falar de transformação, e não de crise, porque "crise" nos
faz pensar num colapso iminente. A democracia não goza no mundo de ótima saúde,
como de resto jamais gozou no passado, mas não está à beira do túmulo. Diga-se o
que se disser a este respeito, a verdade é que nenhum dos regimes democráticos
nascidos na Europa após a Segunda Guerra Mundial foi abatido por uma ditadura,
como ocorrera após a Primeira. Ao contrário, algumas ditaduras que sobreviveram à
catástrofe da guerra transformaram-se em democracias. Enquanto o mundo soviético
é sacudido por frêmitos democráticos, o mundo das democracias ocidentais não está
seriamente ameaçado por movimentos fascistas. ( Pag. 9)

[...] Creio ser útil precisar melhor que, daquelas promessas não cumpridas — a
sobrevivência do poder invisível, a permanência das oligarquias, a supressão dos
corpos intermediários, a revanche da representação dos interesses, a participação
interrompida, o cidadão não educado (ou mal-educado) —, algumas não podiam ser
objetivamente cumpridas e eram desde o início ilusões; outras eram, mais que
promessas, esperanças mal respondidas, e outras por fim acabaram por se chocar
com obstáculos imprevistos. Todas são situações a partir das quais não se pode falar
precisamente de "degeneração" da democracia, mas sim de adaptação natural dos
princípios abstratos à realidade ou de inevitável contaminação da teoria quando
forçada a submeter-se às exigências da prática. Todas, menos uma: a sobrevivência
(e a robusta consistência) de um poder invisível ao lado ou sob (ou mesmo sobre) o
poder visível, como acontece por exemplo na Itália. Pode-se definir a democracia das
maneiras as mais diversas, mas não existe definição que possa deixar de incluir em
seus conotativos a visibilidade ou transparência do poder. Elias Canetti escreveu: "O
segredo está no núcleo mais interno do poder". Os construtores dos primeiros regimes
democráticos propuseram-se a dar vida a uma forma de governo na qual este núcleo
duro fosse definitivamente destruído (ver capítulo "A democracia e o poder invisível").
Que a permanência das oligarquias, ou das elites, no poder esteja em contraste com
os ideais democráticos é algo fora de discussão. Isto não impede que haja sempre
uma diferença substancial entre um sistema político no qual existem diversas elites
concorrendo entre si na arena eleitoral e um sistema no qual existe apenas um único
grupo de poder que se renova por cooptação. Enquanto a presença de um poder
invisível corrompe a democracia, a existência de grupos de poder que se sucedem
mediante eleições livres permanece, ao menos até agora, como a única forma na qual
a democracia encontrou a sua concreta atuação. ( Pag 10-11)

Por fim, mais que uma promessa não cumprida, o ausente crescimento da educação
para a cidadania, segundo a qual o cidadão investido do poder de eleger os próprios
governantes acabaria por escolher os mais sábios, os mais honestos e os mais
esclarecidos dentre os seus concidadãos, pode ser considerado como o efeito da
ilusão derivada de uma concepção excessivamente benévola do homem como animal
político: o homem persegue o próprio interesse tanto no mercado econômico como no
político. Mas ninguém pensa hoje em confutar a democracia sustentando, como se
vem fazendo há anos, que o voto é uma mercadoria que se cede ao melhor ofertante.
Naturalmente, todo este discurso apenas vale se nos atemos àquela que chamei de
definição mínima de democracia, segundo a qual por regime democrático entende-se
primariamente um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões
coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos
interessados. ( Pag 11-12)

Retomo a minha velha ideia de que direito e poder são as duas faces de uma mesma
moeda: só o poder pode criar direito e só o direito pode limitar o poder. O estado
despótico é o tipo ideal de estado de quem se coloca do ponto de vista do poder; no
quem se coloca do ponto de vista do direito. ( Pag 13)

Premissa não solicitada

Para dar-lhes brevemente a minha opinião, se me perguntassem se a democracia tem


um porvir e qual é ele, admitindo-se que exista, responderia tranquilamente que não o
sei. Nesta comunicação, meu propósito é pura e simplesmente o de fazer algumas
observações sobre o estado atual dos regimes democráticos, e com isto, para retomar
o mote de Hegel, creio que temos todos nós muito o que fazer. Se, depois, destas
observações for possível extrapolar uma linha de tendência no desenvolvimento (ou
involução) destes regimes, e assim tentar um cuidadoso prognóstico sobre o seu
futuro, tanto melhor. ( Pag 17)

Afirmo preliminarmente que o único modo de se chegar a um acordo quando se fala


de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo
autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou
fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e
com quais procedimentos. ( Pag 17)

os direitos à base dos quais nasceu o estado liberal e foi construída a doutrina do
estado de direito em sentido forte, isto é, do estado que não apenas exerce o poder
sub lege, mas o exerce dentro de limites derivados do reconhecimento constitucional
dos direitos "invioláveis" do indivíduo.( Pag 19)

Disto segue que o estado liberal é o pressuposto não só histórico mas jurídico do
estado democrático. Estado liberal e estado democrático são interdependentes em
dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são
necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na
direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o
poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades
fundamentais. Em outras palavras: é pouco provável que um estado não liberal possa
assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte é pouco
provável que um estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades
fundamentais. A prova histórica desta interdependência está no fato de que estado
liberal e estado democrático, quando caem, caem juntos. ( Pag 19)
Partindo da hipótese do indivíduo soberano que, entrando em acordo com outros
indivíduos igualmente soberanos, cria a sociedade política, a doutrina democrática
tinha imaginado um estado sem corpos intermediários, característicos da sociedade
corporativa das cidades medievais e do estado de camadas ou de ordens anterior à
afirmação das monarquias absolutas, uma sociedade política na qual entre o povo
soberano composto por tantos indivíduos (uma cabeça, um voto) e os seus
representantes não existem as sociedades particulares desprezadas por Rousseau e
canceladas pela lei Le Chapelier (ab-rogada na França apenas em 1887). O que
aconteceu nos estados democráticos foi exatamente o oposto: sujeitos politicamente
relevantes tornaram-se sempre mais os grupos, grandes organizações, associações
da mais diversa natureza, sindicatos das mais diversas profissões, partidos das mais
diversas ideologias, e sempre menos os indivíduos. Os grupos e não os indivíduos são
os protagonistas da vida política numa sociedade democrática, na qual não existe
mais um soberano, o povo ou a nação, composto por indivíduos que adquiriram o
direito de participar direta ou indiretamente do governo, na qual não existe mais o povo
como unidade ideal (ou mística), mas apenas o povo dividido de fato em grupos
contrapostos e concorrentes, com a sua relativa autonomia diante do governo central
(autonomia que os indivíduos singulares perderam ou só tiveram num modelo ideal de
governo democrático sempre desmentido pelos fatos). ( Pag 22)

Desta primeira transformação (primeira no sentido de que diz respeito à distribuição do


poder) derivou a segunda, relativa à representação. A democracia moderna, nascida
como democracia representativa em contraposição à democracia dos antigos, deveria
ser caracterizada pela representação política, isto é, por uma forma de representação
na qual o representante, sendo chamado a perseguir os interesses da nação, não
pode estar sujeito a um mandato vinculado. O princípio sobre o qual se funda a
representação política é a antítese exata do princípio sobre o qual se funda a
representação dos interesses, no qual o representante, devendo perseguir os
interesses particulares do representado, está sujeito a um mandato vinculado (típico
do contrato de direito privado que prevê a revogação por excesso de mandato). [...]
Jamais uma norma constitucional foi mais violada que a da proibição de mandato
imperativo ( Pag 23)

Considero como terceira promessa não cumprida a derrota do poder oligárquico. ( Pag
25)

Se a democracia não consegue derrotar por completo o poder oligárquico, é ainda


menos capaz de ocupar todos* os espaços nos quais se exerce um poder que toma
decisões vinculatórias para um inteiro grupo social. A este ponto, a distinção que entra
em jogo não é mais aquela entre poder de poucos e de muitos mas aquela entre poder
ascendente e poder descendente. ( Pag 26)

A quinta promessa não cumprida pela democracia real em contraste com a ideal é a
da eliminação do poder invisível. ( Pag 27)

No "Apêndice" à Paz Perpétua, Kant enunciou e ilustrou o princípio fundamental


segundo o qual "todas as ações relativas ao direito de outros homens cuja máxima
não é suscetível de se tornar pública são injustas"16, querendo com isto dizer que
uma ação que sou forcado a manter secreta é certamente não apenas uma ação
injusta, mas sobretudo uma ação que se fosse tornada pública suscitaria uma reação
tão grande que tornaria impossível a sua execução. (Pag 28-29)

A sexta promessa não cumprida diz respeito à educação para a cidadania.( Pag 30)

Na medida em que as sociedades passaram de uma economia familiar para uma


economia de mercado, de uma economia de mercado para uma economia protegida,
regulada, planificada, aumentaram os problemas políticos que requerem competências
técnicas.( Pag 32)

Contínuo crescimento do aparato burocrático, de um aparato de poder ordenado


hierarquicamente do vértice à base, e portanto diametralmente oposto ao sistema de
poder democrático. ( Pag 33)

O terceiro obstáculo está estreitamente ligado ao tema do rendimento do sistema


democrático como um todo: estamos aqui diante de um problema que nos últimos
anos deu vida ao debate sobre a chamada "ingovernabilidade" da democracia. Do que
se trata? Em síntese, do fato de que o estado liberal primeiro e o seu alargamento no
estado democrático depois contribuíram para emancipar a sociedade civil do sistema
político. Tal processo de emancipação fez com que á sociedade civil se tornasse cada
vez mais uma inesgotável fonte de demandas dirigidas ao governo, ficando este, para
bem desenvolver sua função, obrigado a dar respostas sempre adequado. ( Pag 34-35)

Após o que afirmei até aqui, alguém poderia esperar uma visão catastrófica do futuro
da democracia. Nada disso. Em comparação com os anos entre a Primeira e a
Segunda Guerra Mundial — chamados, no célebre livro de Elie Halévy, de A era das
tiranias (1938)21 —, nos últimos quarenta anos aumentou progressivamente o espaço
dos regimes democráticos. (Pag 35- 36)

Podemos desmenti-lo? Em nenhum país do mundo o método democrático pode


perdurar sem tornar-se um costume. Mas pode tornar-se um costume sem o
reconhecimento da irmandade que une todos os homens num destino comum? Um
reconhecimento ainda mais necessário hoje, quando nos tornamos a cada dia mais
conscientes deste destino comum e devemos procurar agir com coerência, através do
pequeno lume de razão que ilumina nosso caminho. ( Pag 38-39).

Kliksberg,Bernardo. América Latina: uma região de risco - pobreza, desigualdade e


institucionalidade social.

Quadro da situação social


A inquietação pelo social que domina o continente tem raizes muito concretas em que
se basear. Amplos setores da população sofrem dificuldades e carências que afetam
fortemente suas condições básicas de existência. A seguir serão enumerados
resumidamente nove problemas sociais-chave de grande impacto na região. Vários
outros problemas sociais deveriam ser acrescentados a essa lista, mas os nove
abordados permitem uma aproximação do que constitui a vida cotidiana de muitos
latino-americanos. ( Pag 15)

O Gráfico 1 mostra os resultados obtidos quando se adota um critério de uso frequente


que considera como pobres aqueles que ganham menos de dois dólares por dia. O
cálculo por meio de outros critérios como a cesta básica, normalmente obtém
resultados maiores. Porém, mesmo utilizando esse critério conservador da pobreza, È
possível verificar nitidamente a tendência ( Pag 15)

Diante dessas cifras torna-se quase trivial o tipo de argumentação utilizada por alguns
setores para tornar o problema relativo: existem pobres por toda parte, sempre houve
pobres. … verdade que existe pobreza em várias sociedades. Mas, enquanto nos
países desenvolvidos a tendência é estar abaixo de 15% da população, em diversos
países da América Latina, essa cifra triplica, quadruplica ou quintuplica. ( Pag 16- 17)

Os números sobre crescimento da pobreza brevemente assinalados transformam-se


em necessidades e miséria angustiantes na vida diária. Mais de 10 milhões de centro-
americanos (29% da população) não têm acesso aos serviços de saúde, e dois de
cada cinco não têm água potável e saneamento básico. Um terço da população da
América Central È analfabeta. Um terço das crianças menores de cinco anos
apresenta tamanho inferior ao normal devido a processos de insuficiências nutricionais
na mãe e na criança.( Pag 17)

A pobreza esta fortemente ligada aos difíceis problemas que se apresentam no


momento á população que busca um trabalho estável. [ ...] Quando se separa por
idade, o problema È ainda mais grave para os jovens.. Em todos os casos, as taxas de
desemprego dos jovens dobram as elevadas taxas gerais. Existe, também, um
problema de gênero. O desemprego entre as mulheres jovens é maior do que entre os
homens jovens.

Ao problema do desemprego soma-se o crescimento dos trabalhos informais. Embora


seu universo seja heterogêneo, uma porcentagem majoritária È, segundo o PREALC,
composta de trabalhos sem estabilidade, sem apoio tecnológico e creditício, e sem
cobertura social. Um trabalho na economia informal tem de um terço a um quarto da
produtividade de um emprego na economia formal. ( Pag 18-19)

Assinalam-se avanços consideráveis nas condições de saúde da região. No entanto,


quando se desmembram os dados, observam-se brechas consideráveis entre os
países e no seu interior. Sua presença È clara em Três dos principais indicadores de
saúde pública..[ ...] Várias analises mostram que, além desses números assustadores
em diversas áreas geográficas e grupos da população, existem, entre outros,
acentuados déficits em aspectos cruciais para a saúde pública. O acesso á água
potável, instalações sanitárias, esgotos e energia elétrica, È limitado para amplos
setores, o que cria fatores de risco de muito peso para a saúde. ( Pag 20)
Registram-se importantes progressos na área de educação na região. Aumentou
bastante a taxa de matrícula nas escolas primárias e a grande maioria das crianças
inicia a escola. Também caíram as taxas de analfabetismo. Mas, ao lado dos bons
resultados, apresentam-se vários problemas que provocam muita preocupação.

O primeiro È o da evasão escolar. Cerca de 50% das crianças que se matriculam na


escola primária não terminam o curso. Também as taxas de evasão no curso
secundário são muito altas. Assim, apenas uma faixa reduzida da população completa
o segundo grau.

O segundo problema È a repetência. O Banco Mundial (1995) calcula o nÌvel de


repetência como um dos mais altos do mundo em desenvolvimento. Quase a metade
das crianças repete o primeiro grau e, 30%, cada um dos níveis seguintes. Puryear
(1997) calcula que uma criança latino-americana média fica cerca de sete anos na
escola primária, ali completando somente quatro séries. ( Pag 21-22)

A unidade familiar esta sendo redescoberta atualmente pelas ciências sociais. Ao lado
das funções fundamentais, espirituais e afetivas, várias pesquisas destacam as
funções-chave que a família desempenha em vários aspectos do desenvolvimento.
Sabemos agora que boa parte do rendimento escolar das crianças È bastante
influenciado pelas características da família (CEPAL, 1997). O grau de organicidade
da família, o capital educacional dos pais, a possibilidade e o interesse dos pais em
dedicar horas ao acompanhamento dos estudos dos filhos, o nível de superlotação da
casa, mostram uma relação direta com o desempenho na escola. ( Pag 25)

A família humilde tem cada vez mais dificuldades para proporcionar uma infância
normal para seus filhos. Esta aumentando de maneira significativa o número de
crianças menores de 14 anos que trabalham. Segundo a OIT (Organização
Internacional do Trabalho), na América Latina ha mais de 17 milhões de crianças que
trabalham, o que as transforma em candidatas naturais a evasão e á repetência
escolar. Tem aumentado também bastante o número de crianças que vivem nas ruas,
na mais absoluta miséria, e submetidas a toda espécie de riscos.( Pag 26)

A região registra uma gravíssima tendência para o aumento da criminalidade,


atualmente é a zona do mundo com o maior número de homicídios, depois da África
Subsaariana. A taxa média da América Latina aproxima-se de 28,4 homicídios para
cada 100 mil habitantes por ano, o que È quase o dobro da taxa média mundial. ( Pag
27)

Os problemas enumerados não ocorrem isoladamente. Tem profundas inter-relações


que vão formando círculos perversos e regressivos. O fato de pertencer a um lar pobre
aumenta as probabilidades de que a criança tenha que trabalhar e deixe a escola. As
baixas taxas de escolaridade vão marginaliza·-la da economia formal. Tem·se, ainda,
dificuldade para formar uma família que possa superar essas condições. O destino de
pobreza tem tendência a se repetir. Um aspecto-chave, a probabilidade de vir a ser
desempregado, vai variar substancialmente de acordo com a camada social a que
pertence. ( Pag 28)

O círculo perverso: família pobre, educação incompleta, desemprego, pobreza, vai


interagir com outros círculos perversos, como o da falta de acesso a bens essenciais
como agua potável, instalações sanitárias, eletricidade, meios de saúde, dificuldades
profissionais, ou o de delinquência, impossibilidade posterior de encontrar trabalho
para reintegrar-se, probabilidade de reincidir na delinquência. No conjunto da situação
vai sendo produzido um acentuado processo de exclusão social. Um extenso setor da
população encontra-se de fato excluído do acesso a uma educação adequada, da
possibilidade de trabalhos estáveis, de participar da cultura, de dispor de uma
cobertura de saúde. Os velhos eixos problemáticos de outros tempos que ainda
subsistem na região, rural/ urbano, sociedade dual, só agora superados em
importância pela problemática da inclusão/exclusão ( Pag 29)

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