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Antropologia Anarquista
David Graeber
B4N5H33
Sumário
Manifesto da edição........................................................................... 4
Apresentação...................................................................................... 5
Explodindo Barreiras......................................................................... 37
Antropologia...................................................................................... 87
Manifesto e
nota da edição
Existe uma dificuldade de acesso muito grande a conteudo
anarquista. Muitos conteúdos não existem em português; outros tem
uma linguagem defasada ou academica demais; e alguns, simples-
mente estão em um formato que desencoraja a leitura.
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Apresentação
O que se segue é uma série de reflexões, rascunhos de teorias em
potencial e pequenos manifestos - tudo com o intuito de permitir
vislumbrar o esboco de uma teoria radical que nao existe de fato,
embora ela possa existir em algum momento futuro. Uma vez que
existem boas razoes pelas quais uma antropologia anarquista deva
existir, poderíamos começar nos perguntando por que ela nao existe
- ou, nesse mesmo sentido, por que uma sociologia anarquista não
existe, ou uma teoria econômica anarquista, ou uma teoria literária
anarquista, ou, ainda, uma ciência política anarquista.
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“Anarquismo:
O nome dado a um princípio ou teoria de vida e conduta em que
uma sociedade é concebida sem governo - harmonia em tal socie-
dade sendo obtida, não pela submissão a lei, ou pela obediência
a qualquer autoridade, mas pelos livres acordos firmados entre
diversos grupos, territoriais e profissionais, livremente constituídos
com a finalidade de produzir e consumir, bem como de satisfazer
uma infinita variedade de necessidades e aspirações de um ser
civilizado.”
(Piotr Kropotkin, Enciclopédia Britânica)
“Basicamente, se você não é um utópico, é um imbecil.”
(Jonothon Feldman, Indigenous Planning Times)
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Por que existem tão poucos
anarquistas na academia?
Esta é uma questão pertinente já que enquanto filosofia política,
o anarquismo de fato está crescendo neste momento. Anarquistas ou
movimentos inspirados pelo anarquismo estão surgindo em todos os
cantos; os princípios tradicionais do anarquismo - autonomia, associa-
ção voluntária, autogestão, ajuda mútua, democracia direta - estão na
base organizacional do movimento antiglobalização, assim como em
movimentos radicais em todos os lugares. Revolucionários no México,
Argentina, Índia e demais lugares, têm cada vez mais deixado até mes-
mo de falar sobre tomar o poder e começou a germinar entre eles ideais
radicais distintos sobre qual seria o significado da revolução. A maior
parte das pessoas assume abertamente que tem receio de empregar
a palavra “anarquista” em suas práticas. Mas como Barbara Epstein
recentemente colocou, o anarquismo de longe tomou o lugar do marxis-
mo nos movimentos sociais dos anos 60: mesmo aqueles que não se
consideravam anarquistas perceberam que teriam que se posicionar em
relação ao anarquismo e recorrer a suas ideias.
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Fragmentos de uma Antropologia Anarquista
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Em resumo, então:
1 - O marxismo tendeu a ser um discurso analítico e
teórico sobre estratégia revolucionária.
2 - Anaquismo tendeu a ser um discurso ético sobre
prática revolucionária.
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Isso não significa que
teorias anarquistas
sejam impossíveis
Isso não significa que anarquistas tenham que ser contra teo-
ria. Afinal de contas, anarquismo é, em si, uma ideia, mesmo que seja
uma ideia bem antiga. E é também um projeto, o qual se dirige para
a criação das instituições de uma nova sociedade “dentro da casca
da antiga”; para expor, subverter e minar as estruturas de dominação,
mas sempre, enquanto o faz, procedendo de modo democrático, uma
maneira que demonstra como tais estruturas são desnecessárias.
Qualquer projeto desse tipo, claramente, precisa de ferramentas de
compreensão e análise intelectual. Talvez não precise de Grandes
Teorias (High Theory), no sentido hoje familiar do termo. Certa-
mente, não precisará de uma única Grande Teoria Anarquista. Isso
seria completamente distante de seu espírito. Muito melhor, penso
eu, seria algo com o espírito dos processos anarquistas de tomada
de decisão, aplicados em tudo, desde pequenos grupos de afinida-
de até conselhos gigantes de milhares de pessoas. Muitos grupos
anarquistas operam através de um processo de consenso, o qual
tem sido desenvolvido, de várias formas, para ser o extremo oposto
dos processos arbitrários, divisores e sectários tão populares entre
outros grupos radicais. Aplicado à teoria, isso implicaria em aceitar
a necessidade de uma diversidade de grandes perspectivas teóricas,
unidas somente por alguns compromissos e entendimentos mútu-
os. No consenso, todo mundo concorda, desde o início, com alguns
princípios amplos de unidade e sentido de existência do grupo; mas,
além disso, aceita-se como uma coisa natural que ninguém vai
converter completamente uma pessoa ao seu ponto de vista, e que
provavelmente seja melhor nem tentar; e que, portanto, a discussão
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deve focar em questões concretas relativas à ação e à elaboração
de um plano com o qual todos consigam conviver e no qual ninguém
sinta que seus princípios tenham sido fundamentalmente violados.
Podemos ver um paralelo aqui: diversas perspectivas, conectadas
por um desejo compartilhado de compreender a condição humana, e
movê-la na direção de uma liberdade maior. Ao invés de estarem ba-
seadas na necessidade de provar que suposições fundamentais dos
outros estão erradas, tentar encontrar interesses particulares que
reforcem uns aos outros. Somente porque as teorias são incomen-
suráveis em alguns aspectos não significa que não possam coexistir
ou inclusive se reforçarem mutuamente, da mesma forma que o fato
dos indivíduos terem visões de mundo únicas e incomensuráveis não
significa que não possam se tornar amigos, ou amantes, ou trabalhar
em projetos comuns.
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Graves, Brown,
Mauss, Sorel
Não é que os antropólogos abraçaram o anarquismo, nem,
tampouco, esposaram conscientemente ideias anarquistas; trata-se
mais do fato de que eles se moviam nos mesmos círculos, que suas
ideias tendiam a entram em choque umas com as outras, que havia
algo sobre o pensamento antropológico em particular - sua consci-
ência aguda do alcance das possibilidades humanas - que o dotava,
desde o início, de uma afinidade com o anarquismo.
Deixe-me começar com Sir James Frazer, ainda que ele tenha
sido a coisa mais distante de um anarquista. Frazer, catedrático
de antropologia em Cambridge na virada do (último) século, foi um
enfadonho vitoriano clássico, o qual escreveu crônicas sobre costu-
mes selvagens, baseados principalmente em resultados de questio-
nários enviados a missionários e oficiais coloniais. Sua atitude teó-
rica ostensiva era totalmente condescendente - ele acreditava que
quase toda mágica, mito e ritual estavam baseados em tolos erros
lógicos - mas sua obra maior, O Ramo de Ouro, continha descrições
tão floridas, divertidas e estranhamente bonitas de espíritos-árvore,
sacerdotes eunucos, deuses vegetais moribundos e sacrifício de reis
divinos, que inspirou uma geração de poetas e literatos. Entre eles
estava Robert Graves, um poeta britânico que ficou famoso, inicial-
mente, por escrever amargamente, desde as trincheiras da Primeira
Guerra Mundial, um verso satírico. Ao final da guerra, Graves acabou
em um hospital na França, onde foi curado de fadiga de combate
por W.H.R. Rivers, o antropólogo britânico famoso pela Expedição
ao Estreito de Torres, que também atuava como psiquiatra. Graves
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Explodindo
barreiras
Como disse anteriormente, uma antropologia anarquista não
existe de fato. Existem apenas fragmentos. Na primeira parte deste
ensaio, eu tentei juntar alguns deles e apontar para temas comuns;
nesta parte quero ir além e imaginar um corpo de teoria social que
possa existir em algum momento no futuro.
Objeções óbvias
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Cético: É, e olhe o que aconteceu com esses caras! Eles foram mor-
tos!
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(fim do manifesto)
Dificilmente fui eu o primeiro a argumentar nesse sentido - al-
gumas de tais visões decorrem quase necessariamente a partir do
momento em que não pensamos mais em termos de estado e da
tomada do poder estatal. O que quero enfatizar aqui é o que isso sig-
nifica para a forma como olhamos para a história.
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Um exemplo:
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Toda uma disciplina poderia, sem dúvida, ser inventada para ex-
plicar precisamente como isso acontece: um processo, somente em
alguns aspectos, análogo à “rotinização do carisma” de Weber, cheio
de estratégias, reversões, desvios de energia... Campos sociais os
quais são, em sua essência, arenas para o reconhecimento de certas
formas de valor podem se tornar fronteiras a serem defendidas; re-
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Premissas de uma
ciência inexistente
Permitam-me delinear algumas áreas teóricas que uma antro-
pologia anarquista pode vir a desejar explorar:
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Em certo sentido, é incrível que tal literatura teórica ainda não exista.
É, ainda, um outro sinal, penso eu, de quão difícil é para nós pensarmos
para além do quadro de referências estadistas. Um excelente exemplo:
uma das demandas mais consistentes dos ativistas anti-globalização
tem sido a eliminação das restrições nas fronteiras. Se vamos globalizar,
nós afirmamos, vamos levar isso a sério. Vamos eliminar as fronteiras
nacionais. Deixem as pessoas irem e virem como desejarem e viverem
onde quiserem. A demanda é formulada em torno da noção de cidada-
2 Luís I o Piedoso (778 – 840), também conhecido como Louis o Belo ou Louis
o Debonaire, ou ainda, em língua alemã, Ludwig der Fromme e em latim, Ludovico
Pio), foi o segundo filho de Carlos Magno, imperador e rei dos francos de 814 a
840.(N. do T.)
3 Huang Di, conhecido no ocidente como o Imperador Amarelo. É um dos Cin-
co Imperadores, reis lendários tidos como sábios e moralmente perfeitos que
teriam governado a China após o período de milênios regido pelos também len-
dários Três Soberanos. O Imperador Amarelo teria reinado de 2698 AC a 2599
AC. É considerado o ancestral de todos os chineses da etnia Han.(N. do T.)
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nia global. Mas isso inspira objeções imediatas: não seria a demanda
por “cidadania global” uma demanda por um tipo de estado global? Nós
realmente desejamos isto? Logo, a questão torna-se a de teorizarmos
uma cidadania fora do estado. Isto é geralmente tratado como um dilema
profundo, talvez insolúvel, mas se considerarmos o assunto historica-
mente, é difícil de entender porque o deveria ser. Noções modernas oci-
dentais de cidadania e liberdade política geralmente parecem derivar de
duas tradições, uma originária da antiga Atenas, e a outra primeiramente
proveniente da Inglaterra medieval (onde há uma tendencia de ser remon-
tada à asserção do privilégio aristocrático contra a Coroa na Carta Magna,
Petição de Direito; e, então, a extensão gradual destes mesmos direitos
para o restante da população. Na verdade, não há consenso entre os
historiadores se a Atenas clássica ou a Inglaterra Medieval foram esta-
dos - e, sobretudo, em função dos direitos dos cidadãos na primeira e dos
privilégios aristocráticos na segunda que estavam bem estabelecidos. É
difícil pensar em Atenas como um estado, com monopólio da força pelo
aparelho do estado, se se considera que o mínimo aparato governamental
que existia consistia inteiramente de escravos, cuja posse coletiva era dos
cidadãos. A força policial de Atenas consistia em arqueiros importados do
lugar onde agora é a Rússia ou a Ucrânia. E algo de seu status legal pode
ser compreendido a partir do fato de que, pela lei ateniense, a testemunha
de um escravo não era admitida como evidência no tribunal, a menos que
fosse obtida através de tortura.
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final das Guerras Médicas (448 a.C.) e sua morte (429 a.C.) é chamado o Século
de Péricles.(N. do T.)
6 A Liga Hanseática foi uma aliança de cidades mercantis que estabeleceu e
manteve um monopólio comercial sobre quase todo norte da Europa e Báltico,
em fins da Idade Média e começo da Idade Moderna (entre os séculos XIII e
XVII). De início com caráter essencialmente econômico, desdobrou-se poste-
riormente numa aliança política. as quais envolviam uma concepção completa-
mente distinta de soberania) as quais não vingaram - pelo menos, não imedia-
tamente - mas eram não menos intrinsecamente viáveis.(N. do T.)
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4. Poder/Ignorância ou Poder/Estupidez
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7. Hierarquia
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incontáveis que são gastas por especialistas para tentar resolver danos
emocionais e físicos causados por excesso de trabalho, acidentes no
trabalho, problemas de saúde, suicídios, divórcios, assasinatos, produ-
ção de drogas para pacificar crianças...).
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fazem, certamente mais do que ficar sem fazer nada durante o dia
todo (é por isso que, quando se deseja punir prisoneiros, eles lhes
tiram o direito de trabalhar), e se se elimina a falta de dignidade e
os jogos sadomasoquistas que são consequencia de toda a orga-
nização hierárquica, poder-se-ia se esperar que ninguem teria de
trabalhar mais do que se deseja.
DEMOCRACIA
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Uma hipótese
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Isso, por sua vez, talvez ajude explicar o próprio termo “demo-
cracia”, o qual parece ter sido cunhado como uma espécie de estigma
por seus oponentes elitistas: ele literalmente significa a “força” ou até
a “violência” do povo. Kratos não archos. Os elitistas que cunharam
o termo sempre consideraram democracia como não muito longe do
motim ou da chefia de máfia, embora sua solução obviamente era a
permanente conquista de um povo por outro. E ironicamente, quando
eles conseguiam suprimir a democracia por essa razão, o resultado
era que a única maneira da vontade do povo ser conhecida era preci-
samente através de motins, uma prática que se tornou bastante insti-
tucionalizada na Roma imperial e na Inglaterra do século XVIII.
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te, em um tom o qual sugere que eles consideram o que estão fazendo
bastante radical e certamente à esquerda do centro. Mas no que essas
políticas consistem efetivamente? É cada vez mais difícil de dizer. Antro-
pólogos tendem a ser anti-capitalistas? Certamente é difícil pensar em
um que tenha muita coisa boa a dizer sobre o capitalismo. Muitos estão
habituados a descrever a época atual como “capitalismo tardio”, como se
ao declarar que o capitalismo está para acabar, eles possam pelo próprio
ato de fazê-lo apressar a sua morte. Mas é difícil pensar em um antropó-
logo que tenha, recentemente, feito qualquer tipo de sugestão sobre como
uma alternativa ao capitalismo se pareceria. São eles liberais, portanto?
Muitos não podem pronunciar a palavra sem um ar de desprezo. O que o
são, então? Na medida do meu entendimento, o único compromisso po-
lítico fundamental correndo por todo o campo é um tipo de amplo popu-
lismo. Se é só isso, nós definitivamente não estamos ao lado de qualquer
um, em dada situação, que seja ou se imagina ser da elite. Nós estamos
pelos grupos marginais. Já que na prática a maior parte dos antropólo-
gos está ligada às (de modo crescente no globo) universidades, e se não,
acabam em trabalhos como consultorias de marketing ou trabalhos com
as Nações Unidas - posições dentro do próprio aparato de domínio global
- o que isso realmente acaba se tornando é um tipo de constante e ritua-
lizada declaração de deslealdade àquela mesma elite global da qual nós
mesmos como acadêmicos claramente formamos uma (admitidamente
de alguma forma marginal) fração.
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qualquer coisa que alguém faça e não seja trabalho seja “consumo”,
porque o que realmente importa é que produtos manufaturados estão
envolvidos na situação. A perspectiva do antropólogo e do executivo
de marketing global tornaram-se indistinguíveis nesse aspecto.
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Uma ilustração
Caso não esteja claro o que estou dizendo aqui, deixe-me re-
tornar, rapidamente, aos rebeldes Zapatistas de Chiapas, sobre cuja
revolta, no réveillon de 1994, podemos falar como sendo aquela que
deu o pontapé inicial do movimento anti-globalização. A maioria dos
Zapatistas provinha de comunidades falantes do Maya em Tzeltal,
Tzotil e Tojolobal que se estabeleceram na selva Lacandona – algu-
mas das mais pobres e mais exploradas comunidades no México.
Os Zapatistas não se entitulam anarquistas completamente, e nem
inteiramente de autonomistas; eles representam seu próprio fio
nessa tradição mais ampla; de fato, eles estão tentando revolucionar
a estratégia revolucionária em si através do abandono de qualquer
noção de vanguarda que vise tomar controle do Estado, já que, ao in-
vés disso, batalham pela criação de enclaves libertários que possam
servir de modelos de auto-governo autônomo, permitindo assim
uma reorganização geral da sociedade mexicana numa complexa
rede de grupos auto-gestionados que possam começar a discutir
a reinvenção da sociedade política. Havia, aparentemente, alguma
diferença de opinião, dentro do movimento Zapatista, sobre as for-
mas de prática democrática que eles gostariam de promover. A base,
falante do Maia, enfatizou fortemente uma forma de processo atra-
vés do consenso, adaptada de suas próprias tradições comunitárias,
mas reformuladas para serem mais radicalmente igualitárias; alguns
dos líderes militares, falantes do espanhol, estavam muito céticos
quanto a possibilidade de isso ser aplicado em escala nacional. Ao
final, porém, tiveram de ceder à visão daqueles que “lideravam obe-
decendo”, como diz o ditado zapatista. Mas a coisa mais impres-
sionante foi o que ocorreu quando as notícias da rebelião chegaram
ao resto do mundo. É aqui que podemos realmente ver a “máquina
identitária” trabalhar: ao invés de um bando de rebeldes com uma
visão de transformação radical da democracia, eles logo foram re-
definidos como um bando de Índios Maias demandando autonomia
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