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Brinca brincando, vai-se lendo a sério...

Maria Virgílio Cambraia Lopes* esforço inerente à aprendizagem inicial –


necessita de uma prática continuada para que
se converta gradualmente em hábito. O pro-
Escolher um bom livro, concentrar-se na sua blema é saber como ajudar a criança a ganhar
leitura, esquecendo durante algum tempo essa tendência preciosa para dedicar alguns
outros prazeres, é antes de mais um acto de momentos do seu dia a dia à leitura quando
vontade e uma opção individual. O acto de tudo à sua volta rema num outro sentido e
ler é exigente: requer tempo, pede disponi- com um ritmo diferente. Como poderá a
bilidade pessoal e, exceptuando os casos da escola básica ajudar a essa aproximação?
leitura em voz alta, cumpre-se geralmente No contexto actual de grande disseminação
sem partilhas e ao arrepio de outras solicita- da imagem e das novas tecnologias, procla-
ções menos exigentes e mais convidativas. mar as vantagens e os prazeres da leitura não
Trata-se de um percurso diferente do pro- chega. Se é verdade que ler um bom livro 197
posto pela imagem. Enquanto esta se insinua proporciona momentos inesquecíveis, não é
rapidamente a olhares desprevenidos, atrai os igualmente menos certo que enaltecer as
sentidos e, dirigindo-se a um colectivo, se maravilhas da obra impressa por oposição
intromete e se impõe ao observador, o con- aos outros divertimentos (televisão, telemó-
junto de cadernos impressos que dá pelo vel, computador, dvd, playstation ou i-pod)
nome de livro resiste a aproximações imedia- procurando deste modo contrariar a ten-
tas e vira-se para um leitor individual. Se é dência dominante nos jovens – a esmaga-
certo que quem é alfabetizado também tro- dora maioria dos quais vivendo em ambien-
peça a cada passo com os caracteres escritos e tes onde o livro já não prevalece – se tem de
quase insensivelmente os vai decifrando, não facto mostrado muito pouco eficaz.
deixa de ser um facto que a leitura de um E, todavia, há livros muito lidos mas à margem
volume literário impresso não é algo que se da escola. Essas excepções conhecidas (Harry
processe ao minuto, de forma instantânea. As Potter, O Senhor dos Anéis, O Código da
palavras escritas e prensadas no interior de Vinci...), além de outros aspectos que não cabe
uma encadernação estão escondidas e não aqui analisar, radicam em gigantescas máqui-
cativam com facilidade olhares incautos. Por nas publicitárias (com o cinema a ter um
muito sugestivo que seja um título, por muito papel não menosprezável) e em fortes pres-
apelativa que seja uma capa ou uma ilustra- sões sociais. Ler torna-se aqui um imperativo
ção, isso já não constitui por si passaporte que e transforma-se quase numa necessidade para
assegure a exploração do seu conteúdo. a criança e para o jovem. Em todo o caso,
A leitura é um acto complexo, muito depen- trata-se de leituras esporádicas que não depo-
dente da iniciativa pessoal, que – após o sitam de modo geral a semente do hábito.

* CET, Centro de Estudos de Teatro

Saber (e) Educar 13 | 2008


Um dos aspectos que me parece importante emoção que neles colhe é diferente da pro-
tem a ver com a relação que a escola estabe- porcionada por outros entretenimentos.
lece com o livro. Não obstante as mudanças Nesta perspectiva de uma maior e mais
que se têm vindo a pouco e pouco a introdu- ampla dinamização do texto literário, as
zir, vemos que – ao contrário do que acon- actividades ligadas à Expressão Dramática e
tece nos outros contextos onde a criança cir- ao Teatro poderão, pelas suas características
cula – o livro, na escola, continua a ser e pela forte componente lúdica que as carac-
privilegiado relativamente a outros suportes teriza, desempenhar um papel privilegiado
e a leitura dos manuais como dever imposto na familiarização da criança com as obras
é largamente preponderante. O livro surge literárias, contribuindo para a criação de
assim associado (ao enfado da) à obrigação ambientes estimulantes onde elas apareçam
escolar, contrastando com o estímulo das como instrumento valioso. Refiro-me quer à
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tecnologias muito mais aliciantes, onde aliás utilização do texto literário como indutor
se pode recolher muita da informação exis- privilegiado de actividades de Expressão
tente nos manuais escolares, tornando mui- Dramática, quer ao texto dramático literário
tos deles por isso dispensáveis. Como sabe- como eixo de projectos teatrais de maior
mos, os livros informativos, de consumo fôlego.
rápido podem, com vantagem, ser substituí- Algumas questões se colocam:
dos por outros suportes, daí que dificilmente
se encontrará neles o gérmen de um hábito · O texto literário, pelo seu grau de dificul-
duradouro de leitura. dade, é o mais adequado a esta faixa etária?
O mesmo não acontece com as obras literá- · Será que pode ser trabalhado com alunos
rias a que a escola reserva ainda um espaço pertencentes a meios mais carenciados?
muito diminuto. Como sabemos, são textos · Os exercícios de Expressão Dramática
diferentes que, pelas suas particularidades, cumprem-se com outro tipo de indutores.
apelam à sensibilidade da criança, enrique- Porquê este?
cem o seu imaginário, a colocam diante de
olhares originais e de histórias outras. São As actividades teatrais radicam no agir, no
textos insusceptíveis de um consumo ins- fazer e no exprimir. Convocam uma paleta
tantâneo, a que a criança por si só dificil- de linguagens que torna visíveis (e audíveis)
mente acede e que tem que ser a escola a representações, emoções, sentimentos, ati-
promover. Se desde o Ensino Básico a tudes e acções. Os corpos, a postura, a
criança for estimulada a percorrer universos mímica, o gesto, a fala e o som em conjunto
poéticos, a saborear espaços metafóricos daí (se for caso disso) com a indumentária, o
retirando prazer, mais facilmente se habi- penteado e os adereços interagem no espaço
tuará a não prescindir deles no futuro por- de cena, materializando o abstracto, concre-
que vai aprendendo (ou intuindo) que a tizando o imaginário de quem actua e fun-

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cionando simultaneamente como estímulo consigo para momentos de lazer fora do
da imaginação de quem observa. mundo escolar.
Parece-me que tão essencial como falar do
As actividades de Expressão Dramática e escritor x ou da obra y será promover outro
Teatro proporcionam assim uma aproxima- tipo de encontro com o autor e com a obra,
ção diferente da que o espaço aula (mais tra- ensinando a descobrir e a «promover o gosto
dicional) propicia. Sem menosprezo pelas por». Para isso, é condição necessária e pri-
actividades variadas e interessantes que o meira que o professor leia. Se o professor for
conto e a poesia podem e devem continuar a um leitor, a criança vai perceber que ele lê e
motivar na sala de aula, penso que as activi- isso é importante.
dades de Expressão Dramática e Teatro per- Sendo fundamentalmente actividades que
mitem uma apropriação diferente do texto têm a criança como centro e principal
por parte da criança que, nesta sua etapa de sujeito, as actividades de Expressão Dramá- 199
vida, é susceptível de ter reflexos importan- tica e Teatro podem desempenhar aqui um
tes no futuro. papel precioso. Elas não visam, nesta faixa
Em vez de inculcar às crianças, desde cedo, o etária, a análise aprofundada da obra literá-
dever de admirar as obras literárias, sobre- ria. Direccionam-se sobretudo para a
tudo as consagradas, trata-se de conseguir expressão individual (sempre no seio de um
que elas estabeleçam com a literatura uma colectivo) espoletada pelo que se leu e que
ligação afectiva e próxima. As crianças cres- toma forma e se concretiza, sem pretensões
cem a ouvir os adultos falar de grandes auto- de transposições perfeccionistas ou de
res (Camões, Eça, Pessoa, Sophia de Mello recriações ideais, umas e outras aliás sempre
Breyner,... para só citar alguns) nomes que impossíveis. Não é preciso pois recear, nem
de tão repetidos rapidamente se lhes tornam tem de haver a preocupação de tudo com-
tão familiares quanto... distantes do seu uni- preender (nem tal seria possível) nem
verso quotidiano. Como acontece com a sequer a de seguir rigidamente um suposto
maior parte dos adultos (e se as estatísticas fio condutor do texto. A leitura é sempre um
não mentem) depressa os nomes se conver- processo de apropriação: «Lemos com o que
tem em abstracções veneradas, autores míti- somos. Conhecimentos, percepções, rotinas,
cos de obras que efectivamente não são lidas. vivências, formas de ser, de estar e de sentir
As obras de cariz literário (contos, poemas, – tudo se vai entrecruzando e concorrendo
peças de teatro) continuam a ter o seu esta- para o modo como percepcionamos o que
tuto na escola: são matéria ensinada, vão vamos lendo» (Lopes 1999: 22).
marcando presença formal em ocasiões sole- É evidente que a Expressão Dramática tem
nes, mas aparecem quase sempre como algo ao seu dispor outros excelentes indutores
à parte, que os alunos de uma forma geral que são frequentemente utilizados, como é o
não sentem como seu, nem transportam caso da imagem (publicitária, fotográfica...),

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da cor ou do som. Não os pondo em causa, simultaneamente susceptível de dialogar
gostaria de sublinhar a importância de, na com o que está mais perto de nós.
escola básica, se incentivarem e desenvolve- É esta apropriação que tem igualmente a ver
rem de forma ampla actividades teatrais que com a fantasia de quem lê, que é susceptível
tenham como indutor o texto literário, de de ser representada no jogo teatral. As crian-
forma a contribuir para que a literatura seja, ças dão forma ao que imaginam, tornam
para a criança, simultaneamente fonte de visível o que idealizam, transformam o texto
interesse, de diversão, de prazer e de desco- em acção. Ao fazê-lo, interagem com ele e
berta1. ligam-se-lhe afectivamente, encurtando a
Os contos, a poesia, o texto dramático distância entre as palavras pretas, tão alinha-
podem ser excelentes indutores se se tirar damente perfiladas nas páginas, e elas pró-
partido das suas características. Relembro as prias. E são experiências que ficam.
200
palavras de Roberto Cotróneo ao filho
pequeno no seu afectuoso romance-carta: Como sublinha Faure (1984), ao enquadrar
Não transformes a poesia mais inquieta e teoricamente as suas propostas para o jogo
complicada numa mónade, numa coisa que dramático na escola primária, estas activida-
se deve admirar pela sua inútil grandeza. des lúdicas proporcionam também a oportu-
Dante pode aprender-se como uma lenga- nidade de socialização, já que o teatro pede o
lenga, ouvir-se como se fosse música reggae, trabalho em conjunto e vive do espírito de
só que o ritmo é dado pelos tercetos e não equipa. Esta faceta é particularmente impor-
pela guitarra do Bob Marley que já me pedes tante porque vem dar resposta ao impulso da
para ouvir2. criança para brincar com o outro e para se
Trata-se, pois, de capitalizar a energia ines- relacionar com o outro.
gotável do literário que possibilita formas Adoptar o texto literário como motor do
incessantemente renovadas. Quanto mais jogo teatral na escola, proporcionando à
fascinante e complexa for uma obra do criança uma relação lúdica com a obra literá-
ponto de vista artístico, mais aliciante e pro- ria poderá contribuir para que brinca brin-
dutivo se torna todo o processo de leitura, de cando se vá lendo a sério, na medida em que
descoberta e de jogo (Brook 1993). De igual é na familiaridade com o universo poético e
modo, mais ela se abre à sugestão, sendo metafórico da escrita literária que se vai

1 Não pretendo retomar aqui a discussão acerca das (já velhas) questões relacionadas com as virtualidades da
Expressão Dramática enquanto técnica educativa, nem referir o seu potencial no desenvolvimento da sen-
sibilidade para as práticas artísticas nem ainda debater as diferenças entre Expressão Dramática e Teatro.
Ver a este respeito Pierre Leenhardt (1974), Jean-Pierre Ryngaert (1985), Gisèle Barret (1986, 1990, 1991),
Dominique Oberlé (1989), entre muitos outros.
2 Roberto Cotróneo (1996). Se uma Manhã de Verão uma Criança. Carta ao meu filho sobre o amor pelos livros. Lisboa:
Quetzal, p. 16.

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aproximando a criança da literatura e se
adestra a sua competência leitora.
Os hábitos nascem da experimentação e ali-
mentam-se do desejo. No caso da leitura,
fortalecê-lo e fazê-lo crescer implica desen-
volver a inteligência, a vontade e um deter-
minado tipo de sensibilidade.
Na sociedade actual, os gestos de agarrar no
berlinde, de premir o botão da playstation ou
do i-pod ou de abrir uma obra literária resul-
tam, como disse, da vontade individual da
criança. No entanto há uma diferença. Pegar
num livro de autor é uma opção que decorre 201
de um gosto que tem que ser estimulado e
educado desde o Ensino Básico. Porque é a
criança quem tudo acciona, porque do ber-
linde à fascinante playstation é ela o motor de
todos os jogos, sendo evidentemente tam-
bém ela a razão de ser de todo o nosso inves-
timento.

Referências Bibliográficas
BARRET, Gisèle (1981) Pedagogie de l’Expression Dramati-
que. Universidade de Montréal.
BROOK, Peter (1993) O Diabo é o Aborrecimento. Porto:
Asa
FAURE, Gerard; LASCAR, Serge (2000) O Jogo Dra-
mático na Escola Primária. Lisboa: Editorial Estampa.
LANDIER, Jean-Claude, BARRET, Gisèle (1991).
Expression Dramatique Théâtre. Paris: Hatier.
LEENHARDT, Pierre (1997). A Criança e a Expressão
Dramática. Lisboa: Editorial Estampa.
LOPES, Maria Virgílio Cambraia (1999) Texto e Criação
Teatral na Escola. Cadernos Pedagógicos nº 42. Porto:
Asa.

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