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Resumo
Abstract
1. INTRODUÇÃO
2 REZEK, José Francisco; Direito internacional público: curso elementar; São Paulo: Saraiva, 1995,
p. 14.
3 BAHIA, Saulo José Casali; Tratados internacionais no direito brasileiro; Rio de Janeiro: Forense,
2000, p. 2-3.
e iii) regência de acordo com as normas de direito internacional, ao passo em que o
controle da forma de manifestação do consentimento, bem como os efeitos jurídicos
decorrentes, ficam relegados à normatização que transcende a ordem jurídica interna
das partes.
Outrossim, além da questão atinente à sua conceituação, outra
celeuma advinda dos tratados consiste em se depreender se o direito internacional e
o direito interno pertencem ao mesmo ordenamento jurídico, ou se representam
ordenamentos independentes, estanques, do mesmo sistema jurídico, e, nesse passo,
cumpre destacarmos de forma breve as considerações em relação às teorias monista
e dualista.
Pois bem, sob a ótica da teoria monista, tanto o direito interno quanto
o internacional pertencem ao mesmo ordenamento jurídico, e, desse modo, esse
prescinde de uma fonte interna que reproduza seus mandamentos a fim de que possa
ter eficácia no plano interno, ou seja, a cerne desta corrente consiste na ideia de plena
integração entre direito interno e direito internacional. Ainda, destaca-se que a
doutrina monista se divide em três vertentes distintas, pugnando a primeira pela
primazia do direito interno, ao passo em que, em sentido diametralmente oposto, a
segunda prega a primazia do direito internacional, e, de forma conciliatória, a terceira,
denominada monista moderada, enunciando a paridade hierárquica, resolvendo
conflitos por meio da regra lex posterior derogat priori.4
De outro vértice, consoante a teoria dualista, o direito interno e o
direito internacional se tratam de duas ordens jurídicas distintas, que se ignoram e não
se sobrepõem. Assim, conforme prega, as normas jurídicas podem ser classificadas
de acordo com as relações sociais que tratam, distinguindo-se os diversos ramos do
direito, ou, então, de acordo com a vontade de que emanam.5
De igual sorte, assim como no caso da teoria monista, a dualista
também conta com mais de uma vertente, e, nesse passo, segundo pugna a corrente
dualista extremada, uma norma de direito internacional somente teria eficácia na
ordem interna no momento em que o mandamento nela contido fosse reproduzido por
meio de um ato normativo interno, momento no qual passaria a ter fonte interna (teoria
4 PINTO, Gustavo Mathias Alves; Tratados Internacionais em Matéria Tributária e sua Relação com o
Direito Interno no Brasil; Revista Direito GV, São Paulo, p. 135-164, 2008. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1808-24322008000100007&script=sci_abstract&tlng=pt.
5 Idem.
da transformação). De outro vértice, a despeito de reconhecer o direito interno e o
direito internacional como pertencentes a ordenamentos distintos, a teoria dualista
moderada entende que a incorporação do direito prescindiria de fonte interna (teoria
da adoção), embora a internalização demandasse iter procedimental, com aprovação
congressual e promulgação executiva.6
Nesse passo, mister destacarmos que, consoante prega Hildebrando
Accioly, “somente depois de incorporadas ao ordenamento jurídico interno, podem as
normas de origem internacional criar direitos e deveres para os particulares, ainda que
antes disso tenha o estado em relação aos seus cocontratantes assumido suas
obrigações no plano internacional, por ratificação e depósito do instrumento próprio”.7
Embora a Constituição Federal tenha silenciado no tocante a teoria
vigente no sistema jurídico pátrio, o Pretório Excelso já se pronunciou anteriormente
sobre o tema do monismo e dualismo, consignando sua posição no bojo da Carta
Rogatória n° 8.279, ocasião na qual sustentou ter o sistema brasileiro adotado o
dualismo moderado, com base, entre outros, no julgamento do Recurso Extraordinário
n° 71.1548, reconhecendo a incorporação das normas provenientes de tratados ou
convenções internacionais ao ordenamento interno.
Entretanto, a despeito do teor do precedente que informa o
posicionamento em comento, destacamos que o voto proferido pelo Ministro Gilmar
Mendes no bojo do Recurso Extraordinário nº 460.320/PR traz um novo panorama
acerca da discussão em tela, em especial no tocante à teoria adotada quanto à
incorporação da norma internacional no ordenamento interno, consoante será
oportunamente trazido à baila no decorrer do presente estudo.
No que concerne à hierarquia normativa, de acordo com o
entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso
Exrtaordinário nº 466.343, o direito brasileiro adota uma “tripla hierarquia” ao passo
em que se reconhece três níveis hierarquicos distintos aos tratados internacionais.
6 PINTO, Gustavo Mathias Alves; Tratados Internacionais em Matéria Tributária e sua Relação com o
Direito Interno no Brasil; Revista Direito GV, São Paulo, p. 135-164, 2008. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1808-24322008000100007&script=sci_abstract&tlng=pt.
7 ACCIOLY, Hildebrando; Manual de Direito Internacional Público; 20 ed.; São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 239.
8 O Recurso Extraordinário nº 71.154 se trata de leading case acerca da matéria, no qual o Pretório
Excelso resolveu caso tratando de conflito entre a Lei do Cheque, de 1912, e a Lei Uniforme de Genebra
sobre os cheques, de 1931, reconhecendo que, a despeito de o direito interno e o internacional
pertencerem a ordenamentos distintos, em decorrência do referendo legislativo, a eficácia da norma
internacional não demandaria reprodução por ato normativo interno.
Via de regra, os tratados em geral, que não versam sobre direitos
humanos, ingressam no ordenamento jurídico brasileiro com força de lei ordinária; de
outro vértice, os que versam sobre direitos humanos, mas que tenham sido aprovados
por procedimento ordinário, possuem status supralegal, situando-se hierarquicamente
entre as leis e a Constituição Federal; e, por fim, os que versam sobre direitos
humanos e que tenham sido aprovados por procedimento de emenda constitucional,
ingressarão no ordenamento com força de emenda, a teor do que dispõe o art. 5º, §3º,
da Carta Magna.
Quanto a interpretação dos tratados internacionais com status de lei
ordinária, mister transcrevermos a doutrina de Valerio de Oliveira Mazzuoli 9, o que
assevera que:
9 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira; A opção do judiciário brasileiro em face dos conflitos entre tratados
internacionais e leis internas; Revista Meio Jurídico, ano IV, n. 41, jan. 2001, p. 36-41.
10 Como se vê em: MALISKA, Marcos Augusto; Constituição e cooperação normativa no plano
internacional: reflexões sobre o voto do Ministro Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário n. 466.343-
1; Espaço Jurídico, Joaçaba, v. 9, n. 2, p. 113-124, jul/dez. 2008 e SCHIER, Paulo Ricardo. Hierarquia
Constitucional dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e EC 45 – tese em favor da incidência
do tempus regit actum. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 14., 2006, Florianópolis. Anais.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. p. 161.
subvertendo-se, desse modo, a supremacia da Constituição ao promover sua
interpretação conforme os tratados, e não o inverso.
11Nesse sentido colhe-se o entendimento de Alberto Xavier e Helena de Araújo Lopes Xavier: “Ora, a
matéria tributária situa-se precisamente no cerne dos direitos e garantias constitucionais, pois não só
a própria Constituição assim o considera (art. 150, caput), como atinge de pleno direitos e garantias,
como a propriedade privada, a liberdade de comércio e a proibição do confisco”. In XAVIER, Alberto;
XAVIER, Helena de Araújo Lopes; Tratados: superioridade hierárquica em relação à lei face à
Constituição Federal de 1988; Revista de Direito Tributário, São Paulo, nº 66, jan. 1996, p. 40.
Destaque-se, por oportuno, que ao referir-se à “legislação tributária”,
as disposições do art. 98 do Código Tributário Nacional, remetem a amplitude de seu
alcance ao conceito determinado pelo art. 96 do mesmo Código que, por sua vez
consigna que a legislação tributária compreende “as leis, os tratados e as convenções,
os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre
tributos ou relações jurídicas a eles pertinentes”, sendo, portanto, essas as normas
em relação as quais os tratados se sobrepõem.
Pois bem, compulsando detidamente os termos da norma em tela
podemos realizar duas inferências, em primeiro lugar, verifica-se que os tratados
internacionais “revogam ou modificam legislação tributária interna que lhes preceda”;
e, em segundo lugar, que os tratados internacionais prevalecem sobre legislação
doméstica que lhes sobrevenha.
Ocorre que, a compatibilização da norma em comento no âmbito do
sistema jurídico-tributário brasileiro nunca se deu de forma tranquila, tendo o
dispositivo sido alvo de inúmeras críticas pela doutrina tributarista nacional., tratando
a primeira delas acerca da imprecisão técnica de sua redação, haja vista a
impossibilidade de que as normas internalizadas por meio dos tratados revogassem
propriamente a legislação tributária doméstica.
Consoante declinado pela doutrina pátria, a expressão revogação
teria sido mal utilizada, sendo mais acertado que tivesse se referido à derrogação da
legislação tributária interna pelos tratados. Nesse diapasão, cumpre consignarmos a
lição de Alberto Xavier12, segundo o qual:
14 Conforme se vê em: BORGES, José Alfredo; Tratado internacional em matéria tributária como fonte
de direito; Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 27-28, jan./jul. 1984; AMARO, Luciano; Direito
Tributário Brasileiro; 17. ed.; São Paulo: Saraiva, 2011, e em CARRAZZA, Roque Antônio; Curso de
Direito Tributário Constitucional; 23. ed.; São Paulo: Malheiros, 2007.
15 BRONZATTO, Carlos Alberto; BARBOZA, Márcia Noll; Os efeitos do artigo 98 do código tributário
Constituição Federal de 1988; Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 59, p. 186.
17 BORGES, José Souto Maior; Isenções em tratados internacionais de impostos dos estados-
membros e municípios In MELLO, Celso Antônio Bandeira de (Org.); Direito tributário: estudos em
homenagem a Geraldo Ataliba; 1. v.; São Paulo: Malheiros, 1997.
Desse modo, depreende-se que, em atenção ao disposto no art. 98
do Código Tributário Nacional, dado o efeito paralisante e ab-rogante dos tratados em
matéria tributária, nenhuma legislação que lhe seja contrária poderá ser aplicada sem
que antes se proceda à denúncia do instrumento convencional18.
Entretanto, cabe consignar que o Supremo Tribunal Federal vinha
adotando interpretação restritiva do dispositivo em comento, pugnando ser o mesmo
aplicável somente aos chamados tratados contrato, instrumentos bilaterais de
estipulação recíproca e concreta de prestações entre Estados com fins comuns, e não
aos tratados-normativos, que, diferentemente dos primeiros, criam normas de caráter
geral e abstrato, consoante manifestado por meio do julgamento do Recurso
Extraordinário nº 80.004, a despeito de qualquer restrição traçada pela dicção da
norma insculpida no art. 98 do Código Tributário Nacional.
O entendimento do Pretório Excelso será objeto de análise mais
minuciosa na sequência do presente estudo, somente cumprindo destacar no
presente momento que, de qualquer forma, mesmo nos casos de interpretação
restritiva, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, confirma a primazia dos
tratados internacionais em relação à legislação tributária interna.
Tecidos os comentários acerca dos tratados internacionais em
matéria tributária, impende promovermos breve digressão acerca do Estado
Constitucional Cooperativo e sua relação com a cooperação normativa
intergovernamental.
18BRONZATTO, Carlos Alberto; BARBOZA, Márcia Noll; Os efeitos do artigo 98 do código tributário
nacional e o processo de integração do Mercosul; Brasília: Senado Federal, 1996, p. 66.
fortemente determinados pela cooperação para a realização dos direitos humanos,
substituindo o conceito tradicional de Estado Constitucional Nacional19.
Consoante se colhe das lições de Peter Harbele20 acerca do conceito
de Estado Constitucional Cooperativo, este se trata do “Estado que justamente
encontra a sua identidade também no Direito Internacional, no entrelaçamento das
relações internacionais e supranacionais, na garantia da cooperação e
responsabilização internacional assim como no campo da solidariedade. Ele
expressa, com isso, a necessidade internacional de políticas de paz”.
Ademais, consoante consigna Peter Harbele, a cooperação realiza-se
tanto política quanto juridicamente, representando, sobretudo, um momento de
desenvolvimento de um “Direito Internacional Cooperativo” 21, e prossegue a doutrina
esclarendo que “O Estado Constitucional Cooperativo vive de necessidades de
cooperação no plano econômico, social e humanitário, assim como – falando
antropologicamente – da consciência de cooperação (internacionalização da
sociedade, da rede de dados, da opinião pública mundial, das demonstrações com
temas de política externa, legitimação externa)”. 22
Isso posto, certo que, segundo os termos delineados por Harbele,
esse novo Direito Internacional não se encontra mais restrito àquela função de
estabelecer regras de coexistência entre os Estados, mas ao contrário, surge como
um direito vinculante, responsável pela paz mundial que tem no Estado Constitucional
Cooperativo um novo sujeito de direito ao passo em que esse reconhece as
instituições da comunidade internacional como um importante local de debate e
resolução de problemas comuns à humanidade, visando não somente a busca pela
paz negativa, mas sim por uma paz positiva, calcada na ideia de cooperação.
Ademais, consoante destaca Peter Harbele, a cooperação
internacional no âmbito normativo se trata do momento de participação e cooperação
entre os Estados, sendo demarcada tanto por uma faceta processual jurídico-formal:
o Procedere, disposições para ações em comum; quanto por um lado jurídico-material:
4.
21 Ibidem, p. 6.
22 Ibidem, p. 19.
consistente em objetivos solidários, tais como “paz no mundo”, “justiça social”,
desenvolvimento de outros países, direitos humanos.23
No que concerne à relação entre o direito constitucional pátrio em face
à nova realidade do Estado Constitucional Cooperativo, principalmente o fenômeno
de sua abertura, bem como sobre o papel do Estado Constitucional Nacional nesse
contexto, Marcos Augusto Maliska24 assevera o seguinte, vejamos:
23 HARBELE, Peter; Estado Constitucional Cooperativo; 1. ed.; Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 8.
24 MALISKA, Marcos Augusto; A cooperação internacional para os direitos humanos Entre o
direito constitucional e o direito internacional. Desafios ao estado constitucional cooperativo;
Disponível em:
http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/marcos_augusto_maliska.pdf.
Acessado em: 17/02/2019.
25 HARBELE, Peter; Estado Constitucional Cooperativo; 1. ed.; Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.
69-70.
de terceiros Estados por direitos fundamentais para si mesmos e como
esperança por melhoria, em nível de direitos fundamentais, das pessoas
como ‘estrangeiros’ nesses Estados. O prestígio do Estado constitucional
cresce com sua força para a realização cooperativa dos direitos
fundamentais. A estatalidade ganha, aqui, um novo patamar de legitimação.
O “direito comum de cooperação” recebe dos direitos fundamentais os mais
fores impulsos, integra-os para “tarefas da comunidade” e tem neles um
garante confiável.
Muito dessa evolução quanto aos acordos de bitributação pode ser atribuída
ao trabalho da Sociedade das Nações, que elaborou um modelo uniforme de
acordo de bitributação a ser seguido pelos países. Em 1921, quatro
especialistas em finanças públicas foram encarregados pelo Comitê
Financeiro da Sociedade das Nações de apresentar um relatório sobre os
problemas econômicos decorrentes da bitributação e quais seriam as
possíveis soluções para o problema.
Tais modelos foram aprovados, em 1928, por representantes de 28 Estados.
Em 1940, após diversas reuniões do Comitê Permanente de Assuntos
Fiscais, foi sugerida a revisão dos modelos de 1928, realizada em 1943,
quando consagraram-se os interesses dos países menos desenvolvidos, com
aceitação da tributação segundo o princípio da fonte. Essa situação não
tardou a mudar, uma vez que, encerrado o conflito mundial, quando os países
desenvolvidos puderam voltar a centrar suas tenções na discussão, surgiu
um novo modelo que privilegiava a tributação na residência.
A Organização das Nações Unidas procurou retomar os trabalhos da
Sociedade das Nações, tendo sido propostos o exame e a revisão dos
modelos na primeira reunião do Comissão de Finanças Públicas. Não
obstante, os trabalhos da organização nessa época restaram infrutíferos.
Somente em 1967, por influência dos trabalhos da Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômicos, esta retomaria seus trabalhos
para a criação de um modelo de acordo de bitributação.
Em 1956, foi instituído um Comitê Fiscal com a tarefa de apresentar um novo
modelo de acordo de bitributação pela Organização Européia de Cooperação
Econômica, que posteriormente (1961) passaria a se chamar Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE). O Comitê Fiscal
concluiu seus trabalhos em 1963, apresentando um modelo de acordo de
bitributação, em que, à semelhança do modelo elaborado no pós-guerra pela
Sociedade das Nações, contemplava-se a tributação na residência. O Comitê
para Assuntos Fiscais existente na atualidade é a evolução deste Comitê
Fiscal, e ainda hoje continua a trabalhar na convenção-modelo e em seus
comentários.
Direito Interno no Brasil; Revista Direito GV, São Paulo, p. 135-164, 2008. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1808-24322008000100007&script=sci_abstract&tlng=pt.
Nessa esteira depreende-se que, no que tange ao direito tributário, a
cooperação internacional tem como escopo não somente viabilizar a expansão das
operações comerciais transnacionais, que servem como propulsoras ao
desenvolvimento econômico, ao passo em que, promovem o fluxo (recíproco) de
capitais, bens, pessoas, tecnologia e serviços, mas também servir como instrumento
de proteção dos contribuintes quanto à bitributação internacional e de combate estatal
à evasão fiscal internacional, contribuindo, ainda, para o estreitamento das relações
culturais, sociais e políticas entre as nações29.
Tecidas as breves considerações acerca da relação entre o Estado
Constitucional Cooperativo e os tratados internacionais, e, em especial, os tratados
em matéria tributária, impende adentrarmos à análise do entendimento do Supremo
Tribunal Federal acerca da hierarquia de tais tratados, e, ao final, as razões do voto
do Ministro Gilmar Mendes no bojo do Recurso Extraordinário nº 460.320.
30BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 460.320/PR. União Federal e Volvo
do Brasil Ltda. Relator: Gilmar Ferreira Mendes. 08 de abril de 1971. Supremo Tribunal Federal.
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=166999.
intenção dos pactuantes (Código, art. 208); nenhuma das partes se
exoneraria e assim isoladamente (art. 210) podendo apenas fazer denúncia,
segundo o combinado ou de acordo com a cláusula rebus sic stantibus
subentendida, aliás, na ausência de prazo determinado. [...].” (Ação Cível n°
7.872/RS, Rel. Min. Philadelpho de Azevedo, julgada em 11.10.1943) (grifos
no original)31
31 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 460.320/PR. União Federal e Volvo
do Brasil Ltda. Relator: Gilmar Ferreira Mendes. 08 de abril de 1971. Supremo Tribunal Federal.
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=166999.
32 Idem.
acolhimento da teoria monista, tendo decidido, no bojo do Recurso Extraordinário nº
71.154/PR, de Relatoria do Ministro Oswaldo Trigueiro, que os tratados internacionais,
de forma geral, “têm aplicação imediata, inclusive naquilo em que modificam a
legislação interna”, destacando-se, ainda, a edição da súmula nº 575/STF, que prega
o seguinte: “à mercadoria importada de País Signatário do GATT, ou membro da
ALALC, estende-se a isenção do imposto de circulação de mercadorias concedida a
similar nacional”.33
Entretanto, com o julgamento do Recurso Extraordinário n° 80.004, o
Supremo Tribunal Federal veio a mudar seu tradicional posicionamento quanto à
relação entre direito interno e internacional reconhecendo a paridade entre ambos, e,
nesse passo, admitindo a possibilidade do afastamento de normas internacionais em
decorrência de normas internas posteriores (critério cronológico).
Pois bem, o que ocorreu foi que o novel posicionamento adotado pelo
Pretório Excelso surpreendeu os juristas internacionalistas ao passo em que se
mostrava contrário à doutrinária absolutamente majoritária quanto ao conflito entre
direito interno e internacional, representando verdadeira reviravolta na posição do
Tribunal34, e, desse modo, cabe mencionar os comentários tecidos acerca do caso
pelo Ministro Gilmar Mendes no bojo de seu voto no Recurso Extraordinário nº
460.320, vejamos:
33 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 460.320/PR. União Federal e Volvo
do Brasil Ltda. Relator: Gilmar Ferreira Mendes. 08 de abril de 1971. Supremo Tribunal Federal.
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=166999.
34 DOLINGER, Jacob; As soluções da Suprema Corte brasileira para os conflitos entre o direito interno
do Brasil Ltda. Relator: Gilmar Ferreira Mendes. 08 de abril de 1971. Supremo Tribunal Federal.
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=166999.
Ainda, importante destacar que em seu voto o Ministro Cunha Peixoto
descarta a aplicabilidade do art. 98 do Código Tributário Nacional, asseverando que a
referida norma somente se prestaria a tratar dos casos relacionados aos denominados
tratados contratuais, e não aos tratados normativos, razão pela qual, ante a grande
importância atribuída à tal distinção pelo Tribunal, mister tecermos breves comentários
acerca das espécies de tratados.
Pois bem, segundo dispõe Rodrigo Maitto36, os tratados normativos,
também denominados de tratados lei, são aqueles que têm por finalidade o
estabelecimento de normas jurídicas abstratas, das quais não decorre qualquer
relação sinalagmática previa; de outro vértice, os tratados-contrato são aqueles que
apresentam normas individuais e concretas, em decorrência das quais as partes
assumem direitos e deveres de forma recíproca, impondo deveres aos signatários e
regulando interesses comuns por meio de concessões mútuas.
Entretanto, a despeito de seu esforço no que tange à classificação
dos tratados, o próprio jurista assevera que, ante a precariedade dos argumentos em
prol de uma distinção, a classificação dos tratados entre normativos e contratuais
estaria em declínio37, no mesmo sentido, afirma Francisco Rezek38 que “a distinção
entre tratados contratuais e tratados normativos vem padecendo de uma incessante
perda de prestígio”.
Nesse passo, observa-se que, a despeito da diferenciação
chancelada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso
Extraordinário n° 80.004, a classificação dos tratados em normativos e contratuais há
fortes críticas.
Quanto ao período posterior à vigência da Constituição de 1988,
destaca-se que o Supremo Tribunal Federal voltou a discutir o tema afeto ao conflito
entre direito interno e internacional por meio do julgamento do HC nº 72.131/RJ, que
tinha como foco a análise quanto à possibildade de prisão civil do devedor como
depositário infiel na alienação fiduciária em garantia, oportunidade em que o Pretório
Excelso reafirmou seu posicionamento quanto à paridade entre norma interna e
p. 99.
internacional ante a atribuição de status de lei ordinária aos tratados internacionais,
de modo que eventuais conflitos normativos deveriam resolver-se pelo critério
cronológico, consoante prega o brocardo latino lex posterior derogat legi priori. 39
Ademais, destaca-se que o entendimento supra fora ratificado no bojo
do julgamento da MC/ADI nº 1.480/DF, tendo o Ministro Celso de Mello asseverado
que “o sistema constitucional brasileiro – que não exige a edição de lei para efeito de
incorporação do ato internacional ao direito interno (visão dualista extremada) –
satisfaz-se, para efeito de executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com
a adoção de iter procedimental que compreenda a aprovação congressional e a
promulgação executiva do texto convencional (visão dualista moderada)”40.
Entretanto, ante a inclusão do §3º ao art. 5º, da Constituição de 1988,
por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, o Supremo Tribunal Federal veio a
promover uma revisão crítica de seu posicionamento no tocante aos tratados de
direitos humanos, consoante julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343/SP, de
Relatoria do Ministro Cezar Peluso, ocasião em que a maioria do Pleno se posicionou
no sentido de que as convenções internacionais de direitos humanos adentrariam o
ordenamento pátrio com status supralegal, ou seja, prevalecendo sobre a legislação
interna, e se submetendo unicamente à Constituição Federal.
A despeito do flagrante interesse do Pretório Excelso quanto à
evolução no tocante à abertura constitucional, o entendimento veio a sofrer duras
críticas em decorrência do “efeito paralisante” atribuído aos tratados supralegais,
consoante já abordado no bojo deste estudo.
Pois bem, tecidos os esclarecimentos pertinentes à contextualização
da questão em pauta no âmbito do Supremo Tribunal Federal, impende adentrarmos
a análise dos argumentos deduzidos pelo Ministro Gilmar Mendes no voto proferido
no Recurso Extraordinário nº 460.320/PR.
39 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 460.320/PR. União Federal e Volvo
do Brasil Ltda. Relator: Gilmar Ferreira Mendes. 08 de abril de 1971. Supremo Tribunal Federal.
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=166999.
40 Idem.
6. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO VOTO DO MINISTRO GILMAR MENDES NO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 460.320/PR
41 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 460.320/PR. União Federal e Volvo
do Brasil Ltda. Relator: Gilmar Ferreira Mendes. 08 de abril de 1971. Supremo Tribunal Federal.
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=166999.
42 Idem.
identificado pelo Professor Peter Häberle, como o próprio texto da Carta Magna,
sobretudo com as alterações da EC 45/2004, exigem essa nova interpretação da
relação entre direito internacional e normas infraconstitucionais internas.”43
Outrossim, destaca as especificidades do âmbito tributário,
consignando, forte nas lições de Antônio de Moura Borges, que em especial nessa
seara “a cooperação internacional viabiliza a expansão das operações transnacionais
que impulsionam o desenvolvimento econômico – como o fluxo recíproco de capitais,
bens, pessoas, tecnologia e serviços –, combate a dupla tributação internacional e a
evasão fiscal internacional, e contribui para o estreitamento das relações culturais,
sociais e políticas entre as nações”, esclarecendo, ainda, que nessa espécie de
tratado, intimamente relacionada a questões afetas à Soberania estatal, “em geral, os
Estados abrem mão, ao menos inicialmente, de receita tributária para atingir
determinados fins, como o desenvolvimento das atividades transnacionais”.44
Assim, depreende-se que justamente em decorrência do longo e
complexo processo de negociação que tais tratados demandam, haja vista a
necessidade de se conciliar os interesses dos Estados e se permitir que o instrumento
atinja os objetivos de cada nação, é que o Ministro consigna a necessidade de que
tais normas fossem protegidas pelo princípio pacta sunt servanda.
Isso posto, impedir o afastamento de tais normas por meio de
legislação infraconstitucional (treaty override) tratar-se-ia de nada mais do que um
instrumento para se assegurar a manutenção da boa-fé e da segurança dos
compromissos internacionais, sobretudo daqueles firmado no âmbito do direito
tributário, em relação aos quais o descumprimento unilateral poderia ferir garantias
fundamentais dos contribuintes e ainda colocar em risco a cooperação articulada entre
os Estados Nação, conflitando com princípios insculpidos no bojo do art. art. 27 da
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados45, razão pela qual afirmou que a
prepornderância dos tratados internacionais, além de não ferir os dispositivos tidos
por violados pela União Federal, se trata do entendimento mais adequado ao atual
panorama internacional, de abertura constitucional e cooperação supranacional – ou
ainda intergovernamental.
43 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 460.320/PR. União Federal e Volvo
do Brasil Ltda. Relator: Gilmar Ferreira Mendes. 08 de abril de 1971. Supremo Tribunal Federal.
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=166999.
44 Idem.
45 idem.
Nesse passo, depreende-se que o entendimento ventilado pelo
Ministro busca alinhar as concepções do direito internacional – ou supranacional –
com as linhas teóricas que melhor se adequem à busca pela concretização da
abertura do Estado Constitucional Nacional à cooperação internacional, consoante
pressupostos de tal status delineados por Peter Harbele46, consoante referido alhures.
A este ponto cumpre transcrevermos os fundamentos declinados pelo
Ministro, vejamos:
46 HARBELE, Peter; Estado Constitucional Cooperativo; 1. ed.; Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.
3-19.
47 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 460.320/PR. União Federal e Volvo
do Brasil Ltda. Relator: Gilmar Ferreira Mendes. 08 de abril de 1971. Supremo Tribunal Federal.
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=166999.
outra reviravolta no âmbito da jurisprudência pátria, qual seja, o afastamento das
perspectivas da teoria dualista, vejamos:
48BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 460.320/PR. União Federal e Volvo
do Brasil Ltda. Relator: Gilmar Ferreira Mendes. 08 de abril de 1971. Supremo Tribunal Federal.
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=166999.
Neste ponto, cumpre destacarmos ainda que o dispositivo em
comento não traça qualquer distinção acerca de um ou de outro tipo de tratado, razão
pela qual se mostra razoável que, à luz dos dispositivos constitucionais que apontam
para a abertura normativa, seja o mesmo interpretado de modo a abarcar qualquer
espécie de tratado em matéria tributária, até porque tanto o trado contrato quanto o
normativo demandam complexas e extensas discussões entre os Estados Nação,
posicionamento que ainda prima pela aplicação do brocardo latino ubi lex non
distinguit, nec nos distinguere debemus, isto é, onde a lei não distingue, não devemos
distinguir.
Assim, com fulcro em todo o arcabouço de fundamentos ventilados, o
Ministro Gilmar Mendes conclui pela necessidade de reconhecimento da recepção da
norma insculpida no art. 98 do Código Tributário Nacional, vejamos:
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
AMARO, Luciano; Direito Tributário Brasileiro; 17. ed.; São Paulo: Saraiva, 2011.
BONAVIDES, Paulo; Teoria do Estado; 6. ed. rev.; São Paulo: Malheiros, 2007.
CARVALHO, Paulo de Barros; Curso de Direito Tributário; 21. ed.; São Paulo:
Saraiva; 2009.
SARLET, Ingo Wolfgang et al; Curso de Direito Constitucional; 7. ed. rev. e atual.;
São Paulo: Saraiva, 2018.