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Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum

Em sua novela Órfãos do Eldorado, Milton Hatoum elabora um material ficcional no


qual a semântica simbólica do cenário é, por assim dizer, o principal esquema de
estruturação da narrativa.

A história é narrada por Arminto Cordovil que, velho e sozinho, às margens do rio
Amazonas, relata a um viajante a trajetória de sua própria vida, que começa marcada
pela morte: “Até hoje recordo as palavras que me destruíram: Tua mãe te pariu e
morreu”. Criado pelo pai, que parece lhe culpar pela morte da esposa, ele mais parece
um bastardo do que um filho legítimo; é, pois, duplamente órfão. Quando herda as
propriedades e a empresa do pai, Amando Cordovil, grande capitalista que fez fortuna
durante o Ciclo da Borracha, Arminto se mostra sem capacidade e sem disposição para
administrar a herança, o que o conduz do luxo à pobreza. Seu amor por uma índia-orfã,
Dinaura, não só não se concretiza como o faz delirar e aos poucos, o sonho se torna uma
espécie de obsessão: “passava o dia fugindo dessas coisas irreais, absurdas, mas que
pareciam tão vivas que me davam medo”. Arminto, então, começa a desejar ir para
outro lugar, para um Paraíso: “Vou embora para outra terra, encontrar uma cidade
melhor. Para onde olho, qualquer lugar que o olhar alcança, só vejo miséria e ruínas”.

Arminto nasce enquanto a mãe morre, acontecimento que marca sua vida para sempre.
Ele é o pária em busca de identidade. Recriminado pelo pai e único herdeiro da rica
família Cordovil, o protagonista é criado por Florita, espécie de segunda mãe que o
familiariza com o cotidiano dos índios que moram perto. Desde pequeno, ouve as
histórias fantásticas que habitam as margens do caudaloso rio, alimentando seus desejos
e se afastando da trajetória familiar.

A história se desenrola em largas zonas de sombra. Nos intervalos de seu relato,


Arminto dá largos goles de tarubá, cachaça que ganhou dos índios saterés-maués. O
álcool e as distorções que provoca no espírito turvam ainda mais sua razão. Mas nem as
lendas aplacam sua dor. “O medo se intrometeu na saudade que eu sentia de Dinaura”,
Arminto diz. Numa visita tardia à fazenda do pai, ele entende a origem de seu mal.
“Não era o lugar que me perturbava, era a lembrança do lugar.”

Portanto, no centro da trama tem-se a paixão louca de Arminto por Dinaura, uma
menina criada pelas freiras carmelitas e cuja história guarda um segredo, que só ao final
vai, em parte, se revelar. Paixão que, no dizer de Florita, o deixa “com o demônio no
coração”.

Quando Arminto Cordovil cruza seus olhos com os de Dinaura, reconhece que sua vida
mudaria. E mudou. Toda a novela de Milton Hatoum é a história dessa mudança. Mas
uma mudança que não consegue extirpar o passado: ele prossegue, resiste, prolonga-se
pelas artimanhas da memória.

Depois de uma noite de amor com Arminto, a moça desaparece. Sua ausência é
encoberta por lendas de mulheres que, seduzidas por botos, cobras e sapos, foram
arrastadas para uma cidade mágica, submersa no Amazonas. A vida de Arminto se
esfarela. Um desastre lhe tira o cargueiro alemão Eldorado. A falência, o palacete
branco, em Vila Bela, última herança do pai. Traz o pensamento inchado pelo silêncio
de Dinaura. “Eu me acostumei com o silêncio e com a voz que eu só ouvia nos sonhos.”
Resta-lhe suportar a inconstância da moça e os estragos que provocou em seu coração.

Eternamente apaixonado pela mesma mulher, vive em sua busca, e, em cada passo pelas
trilhas errantes das matas ou cidades vizinhas, sofre com as conseqüências das
falcatruas do velado pai, homem frio e desconhecido. O desencanto provocado pelas
irrealizações o deixa à beira da loucura, mas, auxiliado por Estiliano, melhor amigo de
seu pai, o protagonista suporta as muitas perdas e alcança a paciência proporcionada
pela maturidade. Antes de morrer, Arminto encontra forças para narrar sua inconstante
história, aludindo sutilmente ao sentimento de abandono do homem contemporâneo.

Na casa elegante em Manaus ou no palacete de Vila Bela, Amando nutre fantasias de


proprietário e armador, que seu filho único, Arminto, teima em minar. Entre esses
extremos que mal se tocam, uma galeria notável de mulheres. Angelina, a mãe morta;
Florita, o anjo da guarda morena; Estrela, a bela sefardita e os homens de Estiliano, o
advogado grego, a Denísio Cão, o barqueiro infernal que vivem na própria pele o fausto
e os conflitos do ciclo da borracha nos anos que antecedem a Primeira Guerra Mundial.
E, no centro de tudo, Dinaura, corpo estranho entre as órfãs das Carmelitas em Vila
Bela, moça que parece filha do mato, lê romances, enfeitiça Arminto e sonha com a
Cidade Encantada, a Eldorado submersa de que tanto se fala à beira do rio Amazonas.

Nota-se, portanto, que Órfãos do Eldorado é inspirado no mito amazônico da cidade


encantada de Eldorado, um paraíso que existiria no fundo de algum dos rios da região,
segundo lendas locais. Na novela de Milton Hatoum, Eldorado é também um barco da
companhia da família Cordovil que afunda e leva a firma à falência. Os dois Eldorados -
o fictício, que representa um lugar ideal, e o real, que é uma grande tragédia material -
constituem uma presença forte na vida dos personagens, em sua busca pela felicidade.
Uma busca sempre frustrada, pois o percurso que leva ao idílio da cidade desaparecida
(representada pelo amor romântico e pela harmonia filial) exige a provação de uma
catástrofe. Arminto, em sua narrativa repleta de lacunas e pontos obscuros, torna-se
refém dessas contradições de Eldorado.

A história em que todos se enredam é a crônica de violência, fausto e tragédia na


Amazônia entre a Cabanagem e o fim do ciclo da borracha. O que há de mais
interessante no novo livro de Hatoum são os paralelismos que se podem apreender da
narrativa. A tragédia grega de Arminto se confunde, e muito, com o fim da pujança do
extrativismo da borracha, então a nova riqueza do país, e a desilusão de uma nação
próspera, saqueada por interesseiros e corruptos oportunistas.

Amando, o pai, enriquece com as conveniências oferecidas pela primeira corrida da


história provocada não por um minério, mas por uma planta. Dono de uma empresa de
navegação, colabora com as tramóias de homens oportunistas enquanto distribui
esperanças à população de Vila Bela, cidade ficcional inspirada na verdadeira Parintins.
Milton Hatoum não abandona as mazelas sociais. Ao narrar a utopia de uma elite
indigna, o autor acaba retratando o desenredo de uma sociedade. “Queria ser diferente,
mas uma sombra do meu pai estava dentro de mim, como um caroço numa fruta podre”,
diz o protagonista.

Pela divagação psicológica, pode-se enxergar, guardadas as devidas proporções, uma


similaridade entre Arminto Cordovil e Bentinho (Dom Casmurro). Ambos são homens
velhos que recontam seu passado. O estilo de Hatoum tem um eco machadiano:
narrativa clássica, precisa e escorreita. Mas, se fosse possível fazer uma aproximação,
Órfãos do Eldorado lembra muito Fogo morto, saga épica e clássico de José Lins do
Rego - embora o Hatoum refute o conceito de que sua obra seja regionalista, pois ao
contrário, há, na obra, um efeito que se costuma encontrar nos grandes livros: o
movimento do particular para o universal. E essa transição do individual para o coletivo
se realiza por meio do mito.

Como personagem de fundo, o Rio Amazonas, que, com seu peso e obscuridade, lhe
serve de cosmos. E ainda a cidade de Manaus, desde os primeiros colonizadores
confundida com o Eldorado. A Amazônia é um mundo em que as palavras fracassam.
Em que elas só resistem na forma mole dos mitos.

Trechos da obra

Jurou que Dinaura estava viva, mas não no nosso mundo. Morava na cidade
encantada com regalias de rainha, mas era uma mulher infeliz. Ele ouviu isso nas
palafitas da beira de rio, nas freguesias mais distantes; ouviu de caboclos solitários, que
vivem com suas sombras e visões. Dinaura foi atraída por um ser encantado, diziam.
Era cativa de um desses bichos terríveis que atraem mulheres para o fundo das águas. E
descreviam o lugar onde ela morava: uma cidade que brilhava de tanto ouro e luz, com
ruas e praças bonitas. A Cidade Encantada era uma lenda antiga, a mesma que eu tinha
escutado na infância.

(...)

Acordei de boca aberta, respirando como um asmático. Apalpei a camisa molhada e


vi o rosto de Florita. Ouvi uns gritos de afogado e vim te socorrer.
Quando ela falava assim, parecia adivinhar meus sonhos. Fiquei assustado com as
palavras de Florita. Medo de alguém que nos conhece. Para disfarçar, pedi a ela que
perfumasse a banheira com essência de canela. Quando me viu na pinta e perfumado,
disse que eu não devia sair de casa.
Por quê?
Não respondeu. E eu confiei na minha intuição. Antes das cinco, fui até a Ribanceira
e fiquei encostado no tronco da cuiarana, o lugar onde vi Amando morrer. No chão,
flores arrancadas pela ventania. Um céu que nem o desta tarde: nuvens grandes e
grossas. A rua do Matadouro, deserta. Estava tão ansioso que tremi ao ouvir as cinco
batidas do sino. Então ela apareceu sozinha, usando um vestido branco, os braços nus.

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