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UNIVERSIDADE
MÁ1HESIS 3 1994 65-93
FRANCISCO DE OllVEIRA
2 Ver PI. Phd.61c e 62a, onde estará presente a proibição geral do suicídio (sobre a
interpretação dos passos, cf. M. T. S. de Azevedo, Platão: Fédon, Coimbra, Minerva,
1988, em esp. n. II); a teoria exposta transparece em Cic.Rep.6.l5: Non estita. Nisi
enim deus is euius hoe templum est omne quod eonspicis, istis te eorporis
eustodiis liberaueri~ hie tibi aditus patere non potest "Não é assim", tornou ele.
"Sem que aquele deus, do qual tudo isto constitui o templo, que avistas, te liberte
dessas cadeias corporais, não pode patentear-se-te a entrada aqui". A tradução é
de M. H. Rocha Pereira, Romana. Antologia da Cultura Latina, Coimbra 21986,
p.42.
3 Ver em especial as teses cínicas do grupo 25,43 e 91 (na seriação de A Oltramare,
Les origines de la diatribe romaine, Genéve, 1926).
4 D.-LlO.l5-16 (Epicuro suicida-se num banho de água quente, bebendo vinho
puro); e Epicuro, fr.l24: "para nós, a morte nada significa".
SUICÍDIO NA ROMA ANTIGA 67
5 Sen.Ep.70.6: Citius mori aut tardius ad rem non pertinet, bene mori aut male ad
rem pertinet bene autem mori est effugere male uiuendi periculum "Morrer mais
cedo, morrer mais tarde - é questão irrelevante; relevante é, sim, saber se se morre
com dignidade ou sem ela, pois morrer com dignidade significa escapar ao perigo
de viver sem ela~; quanto ao suicídio como acto de liberdade, ver Ep.70.l6:
scaJpello aperitur ad illam magnam libertatem uia "um bisturi chega para abrir
caminho à suprema liberdade~ e 21: dum hoc constet, praeferendam esse
spurcissimam mortem seruituti mundissimae "é preferivel o suicídio mais imundo
à mais higiénica servidão~. A tradução, como as restantes da mesma obra, é de J. A
Segurado e Campos (1991).
6 Sen.Ep.70.l5: Ego exspectem uel morbi crudelitatem uel hominis, cum possim per
media exiIe tormenta et aduersa discutere?: "Porque hei-de eu esperar que sobre
mim se abata a crueldade das doenças ou dos homens se posso escapar-me por
entre os tormentos e assim iludir a adversidade?~.
7 Sen.Ep.58.32: itaque de isto feremus sententiam, an oporteat fastidire senectutis
extrema et finem non opperiri, sed manu facere. Prope est a timente, qui fatum
segnis exspectat "Pronunciemo-nos, enfim, sobre esta questão: devemos nós
minimizar a última fase da velhice e, em vez de aguardar o nosso fim, apressá-lo
com as próprias mãos? Esperar passivamente pela morte é atitude quase cobarde ...~.
8 Vide Sen.Ep.l7.9: Sed si necessitates ultimae inciderunt, iamdudum exiliet e uita
molestus sibi esse desinet "Se se vir reduzido às mais extremas carências, nesse
caso abandonará a vida e deixará de ser um fardo para si próprio~; e Ep.58.36: Hunc
tamen si sciero perpetuo mim esse patiendum, exibo, non propter ipsum, sed quia
impedimento mim futurus est ad omne, propter quod uiuitur. "Mas se souber que
tal doença nunca mais me deixará, então sairei eu desta vida, não devido à doença
em si, mas porque ela me será um entrave em relação a tudo por que merece a
pena vivermos~.
9 A van Hooff (1990) 13 observa que, na época de Vespasiano, Flávio José,
sobrevivente da chacina dos Judeus, recusa o suicídio: o homem não pode dispor
do que deus lhe deu; a inexistência de suicídio entre os animais mostra que o
mesmo não está inscrito na lei da natureza; o suicídio é um acto de deserção e
cobardia. Com o Neoplatonismo e, na sua esteira, com o Catolicismo, será
consagrada a identificação entre suicídio e homicídio e, em consequência, negado
ao suicídio o carácter de acto de razão. Sobre o suicídio entre os neoplatónicos,
68 FRANCISCO DE OLIVEIRA
ver Porfirio, Abstl.32, 38; 2.47. Quanto ao cristianismo, o martirio, por vezes aber-
tamente procurado, veio a levantar problemas doutrinais graves. Tertu1iano compara
os mártires cristãos a Múcio Cévola, Dido ou Lucrécia; mas já Lactâncio fazia
equivaler suicidio e homicídio; o suicídio será abertamente condenado por Santo
Agostinho, contrariamente à opinião dos donatistas.
10 A van Hooff (I 990) 161.
11 VergA4.693-699.
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19 A van Hootf (1990) 56-57 recorda alguns casos de suicídio entre prisioneiros de
guerra.
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23 Não estou a negar a existência de um alto apreço pelo resgate e salvação de vidas
de "cidadãos", ideologia expressa na atribuição da coroa militar OB CIVES
SERVATOS.
24 1. Guillén, Vrbs Roma, p. 119.25 Os casos de exposição de crianças em Roma têm
um exemplo insigne logo na história de Rómulo e de Remo. A evolução dos
costumes levou à repressão desse acto, castigado com a pena de morte no Código
de Teodósio.
26 Dion.2.26.27.
27 CicLeg3.l9; c[ Sen.de ira, 1.15.2 e Liv.2737.
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... non est quod iudices hoc fieri nisi a Catone non posse, qui
quam ferro non emiserat animam, manu extraxit uilissimae
sortis homines ingenti impetu in tutum euaserunt, cumque e
commodo mori non licuisset nec ad arbitrium suum instrumenta
mortis eligere, obuia quaeque rapuerunt et quae natura non
erant noxia, ui sua tela fecerunt
... não há motivo para pensar que um tal acto só está ao alcance
de um Catão, que para exalar a alma abriu com as mãos a ferida
que o punhal deixara estreita Tem havido homens da mais
baixa condição que num impeto de coragem alcançaram o
porto seguro da morte: impedídos pelas círcunstâncias de morrer
tranquilamente, sem possibilidade de elegerem livremente o
instrumento do suicídio, lançaram mão do que encontraram e,
pela sua coragem, transformaram em armas objectos por natureza
inofensivos.
32 R Jones (1989) 319; A van Hoolf(1990) 16 "ln one respect Greek and Roman
authors share the selective perception. They disregard suicide among common
people, the first of the social groups that deserve a c10ser look"; e, na pJ7, refere
que, na sua contagem, só detectou 87 casos de suicidio de individuos de baixa
condição, ou seja 10% do total, embora, pelo elevado número de suicidios
colectivos, sejam abarcados 2.491 dos 9.639 contados.
33 Sen.Bp.70.19. O passo continua até ao § 27. No § 14 refere a existência de filósofos
contrários ao suicidio.
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it", e é de aceitar que "H. there persisted and prevailed the conviction that
some kind of conscious existence is in store for the soul afier the death and
that the dead and living can affect one another mutually"34.
Na opinião emitida por R Jones, essas crenças traduzem-se da
seguinte forma: "Si puo dire che iI paganesimo romano aveva una
concezione dell'aldiIà che si esprimeva nel dare alla tomba un corredo di
oggetti che servissero aI defunto"35.
Em consequência, dado o carácter vago e frouxo das crenças rastreadas
nas fontes literárias e epigráficas, é de admitir que os ritos fúnebres se
destinassem a garantir o descanso no além, mas no sentido de assegurar
também que, por falta desses ritos, as almas dos defuntos (Laruae ou
Lemures) não viessem atormentar os vivos36.
Nessa linha deve ser interpretado o facto de, em todo o império ro-
mano, ser respeitado o hábito específico de estabelecer clara separação entre
a cidade e a necrópole, remetendo os mortos para fora dos muros dos vivos 37.
Estas indicações pemitem, pois, asseverar que, para os Romanos, o problema
.... hominem nihil scire, níhil sine doctrina, non fari, non ingre di,
non uesci, breuiterque non aliud naturae sponte quam flere!
Itaque multi extitere qui non nasci optimum censerent aut
quam ocissime aboleri.
.... o homem nada sabe, nada sabe sem aprendizagem, nem falar,
nem caminhar, nem alimentar-se, em suma, por natureza mais
não sabe do que chorar. Por isso, muitos opinaram que mel-
hor seria não nascer, ou então desaparecer o mais depressa
possível.
40 Segundo J. M C. Toynbee (I 971 ) 35, esta identificação está atestada nos escritores
do séc. I aC.
41 Plin.Nat12.82-83; cf. Cic.Leg.2.54-57.
42 PlinNat36.84-91.
43 PlinNat7.5.
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Vni animantium luctus est datus ... uni immensa uiuendi cupido,
uni sepulturae cura atque etiam post de se futuro .." At Hercule
homini plurima ex homine sunt mala.
Quae, malum, ista dementia est iterari uitam morti? ... Perdit
profecto ista du1cedo credulitasque praecipuum naturae bonum,
mortem, ac duplicat obituri dolorem etiam post futuri
aestimatione. Etenim si du1ce uiuere est, cui potest esse uixisse?
At quanto facilius certiusque sibi quemque credere, specimen
securitatis antegenitali sumere experimento!
Não penso que a vida mereça tanto apreço que deva ser
prolongada de qualquer modo. Quem quer que sejas, morrerás
da mesma maneira, quer tenhas vivido em devassidão ou no
crime. Por isso, cada um deve considerar entre os remédios da
sua alma este em primeiro lugar: de todos os bens que ao
homem a natureza forneceu, nenhum é melhor do que uma
morte oportuna, e o que nesta há de melhor é que cada um a
pode a si mesmo ministrar'4.
46 Para a tipologia dos motivos do suicídio, ver Y. Grisé O982) e A van Hoof O990)
cap. 3, que enumera as seguintes causae moriendi: desespero ou desperata saIUli,
necessidade ou imposição (necessitas); loucura ou paixão (furon; pesar e desgosto
(dolon; execração; vergonha e pudor; culpa (mala conscientia); tédio da vida; dor
insuportável (impatientia doloris); sacrificío e dedicação (deuotio e fides);jactância
47 Ver VergA4.244 e 522; PlinNat prae[ 18: profecto enim uita uigi1ia est Sobre a
relação entre sono e morte, cf F. Cumont (966) 359 sq.
48 Nat 2. 154.
SUIcíDIO NA ROMA ANTIGA 83
Este trecho afirma, portanto, que, depois da morte, nada existe senão
o corpo devolvido à terra, e que, ao assegurar a perduração tisica dos
monumentos funerários aí postos pelo homem, é a terra que garante
alguma esperança de perduração da memória49• De facto, lugar específico
para sede das almas depois da morte, a que os Romanos chamavam inferi,
isto é, mundo subterrâneo, não existe. Se existisse, escreve Plínio com
uma ironia condizente com o estilo da diatribe so:
49 Afinnação contrária à de Cic. Rep. 6.14: .• uestra uero quae dicitur uita mors est "... e
aquilo que vós chamais vida é que é a morte".
50 Nat 2. 158.
51 Para os modos de suicídio, ver Y. Grisé (1982) 93-123: suicídio pelo ferro, por
abertura das veias, por enforcamento, por envenenamento, por afogamento, por
esmagamento, por inanição, por combustão viva; e A van Hooff (1990) cap. 2, que
apresenta os seguintes modi moIiendi abstenção de alimento; por armas; imolação
pelo fogo; envenenamento; outros meios; forca; precipitação (por exemplo, lançar-
-se de uma ponte ao rio).
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/
sUIctoIO NA ROMA ANTIGA 89
59 Plin. Nat 25.23: Bt de hoc tamen iudicauere aeui experimenta asperrimi crociatus
esse calculorum a stillicidio uesicae, proximum stomachi, tertium eorom quae in
capite dolean~ non ob alios fere morte conscita: "E acerca deste assunto, a
experiência do tempo determinou que os mais dolorosos sofrimentos são dos
cálculos da estrangúria, a seguir do estômago, em terceitro lugar das dores de
cabeça, e que quase por nenhuns outros sofrimentos se procurou a morte".
60 Nat37.20, passo não referido como atestação nem por Grisé nem por van Hootf. A
minha interpretação contradiz a que ressalta da tradução E. de Saint-Denis, da
/
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sequência do passo indica que os seus bens foram leiloados, e que Nero
adquiriu por um mihão de sestércios o vaso a que o passo se refere:
~
colecção Budé, e baseia-se na classificação do sintagma inuidia Neronis como
genitivo subjectivo.
61 Nat2.27.
SUICÍDIO NA ROMA ANTIGA 91
... não deve ser omitido um memorável exemplo, tanto mais que
foi omitido pelo mais célebres escritores. Como Tarquínio Prisco
recorresse às mãos da plebe para a construir, e não se soubesse
se era mais gigantesca a obra ou infmdável, e como, amiúde, os
Quirites procuravam na morte um refúgio para o tédio, o rei
inventou um novo remédio, nunca imaginado antes nem depois:
mandou crucillcar todos os corpos daqueles que assim tinham
perecido, para serem pelos concidadãos contemplados enquanto
eram lacerados pelas feras e pelas aves de rapina Também
então, o pudor do próprio nome de Romano, que muitas vezes
em combate resgatou situações desesperadas, sobreveio, nessa
altura com a vergonha da violência que sofreria depois de
morto, como se para os mortos houvesse ~ a vergonha.
62 PlinNat36.l 06-108.
92 FRANCISCO DE OLIVEIRA
3 CONCLUSÃO
BmUOGRAFlA