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CENTRO UNIVERSITÁRIO FUNDAÇÃO SANTO ANDRÉ

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.

ARTHUR ALVES DA SILVA

CONSOLIDAÇÃO DO ESPIRITISMO COMO RELIGIÃO NO


BRASIL

SANTO ANDRÉ
2010
1
ARTHUR ALVES DA SILVA

CONSOLIDAÇÃO DO ESPIRITISMO COMO RELIGIÃO NO


BRASIL

Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado como exigência
parcial para obtenção do grau de
Bacharel em História, à Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras do Centro
Universitário Fundação Santo André

Orientador:
Prof. Salomão Jovino da Silva

SANTO ANDRÉ
2010

2
ARTHUR ALVES DA SILVA

CONSOLIDAÇÃO DO ESPIRITISMO COMO RELIGIÃO NO BRASIL

Trabalho de Conclusão do Curso apresentado como exigência parcial para a obtenção do grau
de Bacharel, à Faculdade de Filosofia Ciências e Letras do Centro Universitário Fundação Santo
André, Curso de História.

Data: ______ / ______ / ______

Orientador: _________________________________________________

Prof. Salomão Jovino da Silva

3
CONSOLIDAÇÃO DO ESPIRITISMO COMO RELIGIÃO NO
BRASIL

Arthur Alves Silva

Resumo

Seria inegável para qualquer historiador contemporâneo reconhecer a relevância do


crescimento do Espiritismo como religião no Brasil, por essa razão o objeto deste trabalho é
elevar o pressupostos históricos que contribuíram para enraizar de modo singular a doutrina
espírita de Kardec, para isso a metodologia concentra-se em analisar obras, documentos e
artigos que emitem referências e proposições que evidenciam validações profícuas referentes
ao objeto de estudo através destas constata-se que a notoriedade espírita esta na premissa ao
amor ao próximo que junto com a passividade política e desigualdade sociais advindas da
miscigenação e opressão que nossa sociedade sofreu desde os tempos coloniais permitiram
aos tempos atuais o enraizamento da doutrina por meio de políticas assistencialistas
legitimadas como a caridade executadas até a atualidade.

Palavras chaves: Espiritismo, Enraizamento; Legitimadas; Assistencialistas; Caridade.

4
CONSOLIDATION OF THE SPIRIT AS RELIGION IN BRAZIL
Arthur Alves Silva

Abstract

Any historian would be undeniable contemporary to recognize the relevance of the growth of
the Espiritismo as religion in Brazil, therefore the object of this work is to raise estimated
historical that had contributed to take root in singular way the espírita doctrine of Kardec, for
this the methodology is concentrated in analyzing workmanships, documents and the articles
that emit references and proposals that evidence referring validations profícuas to the object
of study through these evidence that the espírita notoriety this in premise to the love to the
next one that together with the passivity social politics and inaquality happened of the
miscegenation and oppression that our society suffered since the colonial times had allowed
to the current times the enraizamento of the doctrine by means of executed legitimated
assistencialistas politics as the charity until the present time.

Keywords: spirit, rooting, legitimacy, welfare, charity

5
Sumário
Resumo....................................................................................4
Abstract....................................................................................5
Introdução................................................................................7
Capítulo I..................................................................................9
AS NOÇÕES DO CONHECIMENTO ESPÍRITA...................................9
1.1 - O que é o Espiritismo?..............................................................9
1.2 - As bases da doutrina ..............................................................12
1.3 - O Espiritismo na Europa.........................................................14
1.4 – A propagação do Espiritismo no Brasil....................................15
1.5 - Rio de Janeiro – Criação da Federação Espírita Brasileira..........16
Capítulo II...............................................................................19
PRINCIPAIS ARTICULADORES DO ESPIRITISMO NO BRASIL..........19
2.1 - Teles de Menezes ...................................................................19
2.2 - Bezerra de Menezes................................................................20
2.3 - Francisco Cândido Xavier e os rumos do espiritismo no Brasil. . .22
Capítulo III..............................................................................25
A ORIGEM DE UM SINCRETISMO ..............................................25
3.1 – Espiritismo e Umbanda...........................................................25
Conclusão...............................................................................29
PARA OS MOTIVOS EXISTEM RUMOS A SEREM SEGUIDOS...........29
BIBLIOGRAFIA.........................................................................32

6
Introdução

“Oito anos depois de sua morte, o mito do médium mineiro está vivo, forte e
será renovado por uma onda de filmes que celebram o centenário de seu
nascimento. O que explica essa popularidade?” (Revista Época,
26/02/2010)

Atualmente com os lançamentos de filmes, como Chico Xavier e Nosso Lar, o termo
espiritismo deixa de ser um tabu religioso para alcançar através da mídia certa notoriedade,
contradição observada em seu contexto histórico, já que o passado da cultura espírita, por
vezes, encontra-se obscuro e conflitante.

A crença espírita está embasada nas relações homem/espírito, fato que molda a
realidade social e religiosa brasileira, a sua chegada no país denota como característica a
reelaboração de certos rituais de fé e devoção que apregoa valores novos aos princípios
tradicionais de uma sociedade profundamente mística e bastante hierarquizada socialmente,
moldada pela escravidão.

Essa ressignificação de valores cristãos dentro de novas percepções institui aspectos


positivos e negativos, mas acima de tudo rompe velhos preconceitos e barreiras, enaltece a
quebra de paradigmas católicos e constrói uma rede extraordinária de adeptos em pouco
tempo.

O espiritismo oferece uma proposta alternativa doutrinária para aqueles que não se
encaixam na ritualística, devoção e dogma do catolicismo, ou seja, instaura um leque de
possibilidades para os demais valores religiosos na sociedade, uma das possíveis razões que
explicaria o enraizamento da doutrina apenas no Brasil.

Suas características peculiares têm por base, ideologias, advindas do contexto


histórico do continente Europeu, especificamente da França, país de origem do seu primeiro
teólogo. Por esse fato, apresento neste trabalho uma breve biografia sobre Alan Kardec e
relato os tópicos mais importantes do seu pensamento.

O objetivo é tratar da disseminação Espiritismo em solo brasileiro em perspectiva


Histórica com ênfase nas questões morais já que o dogma principal da doutrina é a caridade.

A problemática da pesquisa fundamenta-se em como o espiritismo angariou em solo


nacional tamanha adesão social, o que não ocorreu em seu país de origem, fato que suscita o
7
seguinte questionamento: porque então o espiritismo teve uma facilidade de aceitação na
sociedade brasileira desde seus primórdios?

Com o intuito de elencar hipóteses a essa questão, o primeiro capítulo apresenta as


noções sobre o tema espiritismo, a origem e os fatos históricos que culminaram a criação da
doutrina espírita, cujo tutor foi Allan Kardec, cientista francês, renomado que fundamenta a
decodificação através de obras escritas com o auxílio direto dos espíritos.

O segundo e terceiro capítulos evidenciam a propagação do espiritismo no Brasil,


desde seu surgimento a sua digressão assistencialista, consolidação da federação espírita
como peça primordial para sua difusão e organização, perpassando pelos ícones da doutrina,
com destaque para o jornalista Luís Olímpio Teles de Menezes, Adolfo Bezerra de Menezes
Cavalcanti mais conhecido como Bezerra de Menezes e Francisco Cândido Xavier ou como é
conhecido, talvez, o mais eminente divulgador da Doutrina Espírita.

O quarto capítulo vislumbra o espiritismo e outras religiões espiritistas com destaque


para a Umbanda que apesar de aceitar as proposições kardecistas e conviver respeitosamente
com a doutrina foi alvo de subjugações ao longo da história, sendo classificada como baixo
espiritismo. Este capítulo tem por primazia elencar fatores que concretizaram a codificação
espírita no Brasil de modo singular. Por fim, no último capítulo, explicito as considerações
finais do trabalho.

Em suma, a relevância do tema proposto esta embasada em pressupostos históricos e


autores que conduzem a marcha espírita no Brasil de modo a elencá-la com os aspectos
sociais que perdura a contemporaneidade, como as políticas assistencialistas praticadas para
alcançar os mais diversos fins, dentre eles a caridade, um dos focos da doutrina de Kardec.

8
Capítulo I

AS NOÇÕES DO CONHECIMENTO ESPÍRITA

1.1 - O que é o Espiritismo?

O termo espiritismo deriva da palavra espírito1, cuja raiz etimológica provém do


Latim spiritus (respiração ou sopro, existem ainda referências a palavra alma), sendo
empregado para elucidar a doutrina filosófico-religiosa que está estruturada na crença da
comunicação entre os vivos e mortos, cujas proposições são reveladas pelos espíritos através
de médiuns2 e decodificada3 por Hippolyte-León Denizard Ravail, conhecido como Allan
Kardec, nascido em Lion, em 1804.
Cientista renomado, afirmava através de teorias, a cientificidade de fenômenos
paranormais disseminados na época, dentre estes, destaca-se as mesas girantes e falantes que
consistem em práticas para obter mensagens a partir de pancadas e movimentos produzidos
por objetos que parecem obedecer a uma força autônoma.
Estes efeitos paranormais colocam a mediunidade como cerne da identidade
espírita, parte da cultura de vários povos da antiguidade (egípcios, caldeus, assírios, hindus,
chineses, gregos, romanos e dos primeiros habitantes da palestina). Observa-se que em
diferentes momentos, Kardec analisa o islamismo, o taoísmo, o celtismo, a mitologia antiga e
outras vertentes, além da tradição judaico-cristã, de que é herdeiro mais direto. (INCONTRI;
2004)
Em 1856, surge a doutrina espírita (elucidada como uma nova religião 4), que
segue preceitos advindos da comunicação entre Kardec e o mundo espiritual, fato
1
Segundo a Doutrina espírita, o “espírito” aqui mencionado é a individualização de seres extracorpóreo
advindos do princípio inteligente do Universo. Quando encarnado - ou seja, vestido de um corpo humano - é
chamado de alma, nesta situação alma e espírito são as mesmas coisas.
2
Mediuns refere-se ao termo mediunidade, que seria uma espécie de sonambulismo artificial, o estado em que
uma pessoa fica em transe como se estivesse dormindo acordada sob influência de forma de vida imaterial a qual
nos referimos como espíritos.
3
Vem de codificação: termo este utilizado para se referir especificamente a teoria espírita, onde está em jogo o
poder sobre um uso particular de categorias especificas de sinais que é o caso de leitura que se tem do livro dos
espíritos que está organizado em perguntas e respostas, estilo que carrega a influência pedagógica na qual
Kardec fora educado.
4
Emerson Giumbelli - Doutor em Antropologia Social. Pesquisador da temática religiosa. Colaborações
com o ISER desde 1994, em diversas pesquisas. Mais recentemente, coordenou pesquisas sobre ensino
religioso. Junto à revista Religião e Sociedade, foi assistente editorial e depois membro do corpo editorial,
assumindo a co-editoria.
9
referenciado como a terceira revelação no sentido cristão5, autor de obras consideradas
primazia na doutrina, utilizou a estrutura perguntas e respostas com o intuito de facilitar a
compreensão do leitor, pedagogo, fez uso de recursos educacionais para expor suas ideias e
teorias, alegando a autoria aos espíritos.
Foram publicados por Kardec cinco livros que formam o Pentateuco espírita, a
primeira obra O Livro dos Espíritos (1857) afere contribuições para alavancar a propaganda
espiritista, após O Livro dos Médiuns (1861), evidencia as relações mediúnicas, apontando as
leis e condições do intercâmbio espiritual com preceitos científicos, atrelados ao misticismo
que o termo espírito emprega O Evangelho segundo o espiritismo (1864) explicita o conteúdo
moral da doutrina, alavanca o desenvolvimento dos tópicos religiosos de O Livro dos
Espíritos; O Céu e o Inferno (1865), que discutem as penas e gozos terrenos e futuros,
encontram-se nestas obras preceitos dogmáticos da Igreja Católica, como por exemplo, os
quesitos inferno, céu, purgatório e ressurreição da carne, A Gênese, os Milagres e as
Predições (1868) tratam da evolução espiritual e física da terra, elucidam as relações entre
ciência e religião.
É notório observar que a codificação está estruturada em um contexto histórico
que privilegia os aspectos provindos do racionalismo e evolucionismo, cuja proposta
elucidada por Darwin em A Origem das espécies por meio da seleção natural, sustenta a teoria
que o homem e o macaco originam-se de uma mesma espécie que os antecedeu. Dentro deste
contexto, Kardec evidencia suas proposições como sínteses naturais e próprias da espécie
humana, negando o espiritismo como religião, mas em A Gênese (1868) observa-se uma
justificativa plausível que pode referenciar a formulação da doutrina dentre seus aspectos
como religiosa também:

O Espiritismo considera de um ponto mais elevado a religião cristã; dá-lhe


base mais sólida do que a dos milagres: a imutáveis leis de Deus, a que
obedecem assim o princípio espiritual, com o princípio material. Essa base
desafia o tempo e a ciência, pois que o tempo e a ciência viram sancioná-la.
(KARDEC, Allan 2000, p.270)

É enaltecida na citação supracitada a devoção ao cristianismo com o propósito de


entrelaçar as leis físicas e perceptíveis na Terra com as leis imutáveis estabelecidas por uma
divindade superior que rege o mundo espiritual e os princípios materiais que circundam a

5
KARDEC, Allan. 2002

10
ciência, desmitificando qualquer ação efetuada, mesmo que a ciência terrena ainda não possa
comprová-la.
Portanto, a doutrina não possui culto material, rituais ou cerimônias, sem sinais
cabalísticos ou símbolos, não admite o uso de imagens, nem há sacerdotes ou ministros, não
admite rótulos. Tudo que não condiz com as acepções da Codificação, não faz parte do
espiritismo. Apesar desta negação místico-ritualística existe no culto espírita uma
sequencialização utilizada de forma sistêmica para operar as reuniões (também chamadas de
sessões), onde são ministradas palestras para exemplificar textos do próprio Kardec,
caracterizando o contexto das palestras em explicações científicas e/ou práticas.
Atualmente, as sessões abertas ao público, postulam estudo que promovem não só
o esquema doutrinário, mas discussões que alavancam as posturas morais e éticas do ser
humano, para alcançar a prática da reforma íntima no cotidiano, permitindo a evolução de
cada um, segundo os preceitos espíritas.
Para Giumbelli (1997) o espiritismo além de seguir preceitos cristãos, sistematiza
a religião como algo prático e comum, desconsidera a ideia dos fenômenos incomuns 6,
conciliando mediações do mundo visível/invisível, usando as experiências reencarnatórias
com o intuito de reformular algumas ideias relacionadas diretamente com as condições
vivenciadas pelo ser humano, ressaltando como primazia para sua evolução a caridade.
Para a doutrina a caridade é a maior das virtudes dos seres humanos, porque
proporciona aos homens colocar em prática o mandamento essencial que consubstancia dos
demais: “[...] amar ao próximo como a si mesmo” (FRANCO, 2010, p.48).
A caridade suscita alguns questionamentos, já que pode ser definida de acordo
com os preceitos morais de cada um, ocasionando divergências sobre o seu uso. Para Incontri
(2004) a caridade pode ser a responsável pela receptividade que o Brasil ofertou a doutrina
espírita, afirmando que:

[...] as pessoas carentes que são assistidas, não são participante; é objeto de
assistência e não sujeitos que devem readquirir sua dignidade social e
autonomia econômica [...] esse conservadorismo está ligado ao desinteresse
pela educação. (INCONTRI, Dora. 2004, p.121)

O autor considera a caridade um mecanismo de inércia, pois não traduz


dinamismo a quem recebe. Cria cenários de acomodação e anulação dos participantes
assistidos, sendo prejudicial também para quem a pratica, por não questionar as estruturas

6
Fenômenos que não são explicáveis cientificamente, ou estranhos. Mini Aurélio, 2000
11
sociais que geram a miséria de quem as recebe, por conta da moral cristã. Postula ainda que a
caridade esteja ligada a falta de instrução de quem a pratica ou recebe, o que enaltece a
alienação.
Para Abreu (1987, p.56) a falta de conhecimento, estudo, ou até uma atividade
mais participativa da doutrina espírita, justifica diretamente essa inércia, pois “[...] é mais
humano procurar quem nos console e nos ensine pelo sentimento, a quem nos force a pensar,
a especular ou, numa só frase aprender pelo raciocínio [...]”. Atribui às características
desfavoráveis da caridade a condição humana, que independente de religião busca alternativas
para encontrar o consolo ilícito, que subsidia suas privações através de esteios sociais
assistencialistas.
Para a crença espírita a caridade ultrapassa o assistencialismo social, devendo
ocorrer através de mudanças atitudinais, pode ser efetuada com gestos de simpatia, humildade
e tolerância, com moderadores que propiciam pacificar situações e que enaltecem a
convivência entre os seres humanos.
Em suma, a doutrina apesar de intitular-se científica, possui base cristã e como tal
cultua mecanismos que enaltecem a bondade humana. Apesar de divergente a caridade é
usada como mecanismo assistencial para uns e vista como altruísmo para outros, sendo
promulgada em todas as religiões judaico-cristãs, mesmo que indiretamente.

1.2 - As bases da doutrina

O sustentáculo da doutrina é o tripé: Ciência, filosofia e religião que possuem o


objetivo de distinguir o espiritismo das demais correntes espiritualistas.
O conceito ciência caracteriza os fenômenos mediúnicos como fatos naturais, para
Kardec (1987) todos os fenômenos possuem explicação científica, acepção que descaracteriza
o sobrenatural na decodificação.
A filosofia explicita as causas das dores, sofrimentos e desigualdades entre as
criaturas. Elucida uma interpretação da vida, respondendo questões como “de onde eu vim”,
“o que faço no mundo”, “para onde irei depois da morte”.
A função religiosa caracteriza a transformação dos conceitos morais do indivíduo,
com a intenção de religar a criatura à sua origem: Deus. O primeiro questionamento aferido
pelo autor aos espíritos é: “Que é Deus?”, logo temos uma resposta: “Deus é a inteligência
suprema, causa primária de todas as coisas” (KARDEC, 1987, p.51). Questionamento que
consolida a curiosidade humana em decifrar o desconhecido, através da racionalidade.
12
No preâmbulo religioso o autor ainda tenta através da análise de diversas religiões
e filosofias justificar as intervenções do espiritismo. Analisa o islamismo, o taoísmo, a
mitologia grega, com o intuito de fomentar um substrato sólido para entender o que é comum
nas religiões, evidencia a formulação de uma ética de solidariedade entre os homens, e por
fim a imortalidade da alma.
De acordo com Incontri:

Se Kardec tivesse nascido em outro país, ou até em outro contexto histórico?


Logo teríamos o espiritismo de outras formas, como por exemplo, o
espiritismo teria sido hindu, se tivesse nascido em país islâmico seria
muçulmano. A maior parte dos espíritas brasileiros, porém se declaram
cristãos. (Ibid, 2004, p.90)

Com o intuito de entender as intervenções espíritas na realidade humana, Kardec


(1987) traz ao Brasil o novo em um país de antigas tradições, apesar dos espíritas se
caracterizarem cristãos, como postula a citação supracitada e a doutrina não ser considerada
ecumênica (pois não ocorre via igrejas cristãs) o espiritismo rechaça a ideia de solidariedade e
caridade em seu bojo, enfatizando os escritos de Kardec, como base de doutrina, significação
religiosa sem, contudo perder a fé dos seus seguidores.
No Brasil a base espírita criou raízes tão sólidas que é possível explicitar esse
dado histórico, através de observações em fatos consumados ao longo da história. Na doutrina
não há intermediação institucional entre o homem e Deus, nem dependência necessária de um
clero para a salvação7 libertando o espírita dos dogmas da igreja que sempre aprisionaram o
homem aos preâmbulos da libertação, fato que o espiritismo revoga, usando as verdades do
cristianismo para interagir com a religião em um país de diversas culturas. Segundo
Giumbelli:
Afinal, o ‘espiritismo’ prescindiria de ‘mistérios’ e ‘símbolos’; não possuiria
‘templos’, ‘altares’, ‘sacerdotes’, ‘sacramentos’, ‘dogmas’, ‘sacrifícios’ ou
‘inquisições’. Ou seja, nada tinha do formalismo e do convencionalismo com
os quais eram vistos os cultos católicos. (Ibid, 1997, p.72)

Portanto, apesar de Kardec (1987) consolidar a doutrina em estrutura tríplice, no


Brasil o aspecto religioso se sobressai aos demais, levando ao seguinte questionamento:
Porque no Brasil esse lado religioso tem tanta visibilidade a ponto de ofuscar os outros lados
da doutrina?

7
Salvação aqui se refere, ao caráter diretamente humano, uma preocupação para livrar em outro mundo as penas
e as ações cometidas aqui na terra.
13
1.3 - O Espiritismo na Europa

A relevância do espiritismo na Europa é ínfima e concentra-se nas descobertas


científicas e multiplicações das dissensões no meio espiritualista, após a morte de Kardec,
entre 1920 e 1930 morrem os principais líderes espíritas da França fomentando o
desaparecimento quase por completo da decodificação no cenário europeu, em 1970 foram
encontrados focos de reorganização da doutrina8 na Bélgica, Canadá e França.
Pierre Leymarie e León Denis destacam-se entre os 500 mil adeptos que a
doutrina angariou em meados de 1869, o primeiro além de criar uma sociedade anônima para
prática espírita, sobressai como fervoroso propagandista da doutrina, orador e escritor, através
da persuasão que aferia seus ideais conquistou simpatia e admiração de muitos, organizando
em 1189 o primeiro Congresso Espírita da França abordando aspectos que causaram
reinvidicações dos fenômenos em outras versões, onde espíritas e espiritualistas ceifaram
discordâncias sobre o princípio da reencarnação. A miscelânea de teósofos, ocultistas e
maçons nos congressos ressaltaram diferenciações e dicotomias entre as proposições dos
participantes.

O segundo, León Denis, destaca-se no plano doutrinário, pois ressalta uma visão
contra o catolicismo, que nesta época atacou duramente o espiritismo de Kardec, colocando
em 1864 o Pentateuco espírita em índex9. As tentativas da igreja em aniquilar os pensamentos
espíritas não o impediram de expandir-se para os Estados Unidos e outros países europeus,
que promoveram experiências com médiuns através de comissões cientificas para provar a
existência da comunicação com o mundo espiritual, não obstante esse percurso na doutrina
pode ser caracterizado pelo reconhecimento da realidade e por fraudes. (GIUMBELLI, 1997,
p.59).

Aubrée e Laplantine (ano) afirmam que para difundir o movimento espírita as


criações de grupos e obras literárias na França entre 1880 e 1910, foram essenciais, em 1887
existiam 13 periódicos em circulação, em meados de 1890 havia 88 circulando por toda
Europa, só a Espanha contemplou 36, a heterogenia da doutrina pode ser avaliada em artistas
simbolistas do século XIX e nas teorias associadas à psicologia e antropologia.

8
Estudos Avançados 18 (52), 2004 p. 192
9
O Index Librorum Prohibitorum ou Index Librorvm Prohibithorvm ("Índice dos Livros Proibidos" ou "Lista
dos Livros Proibidos" em português) foi uma lista de publicações proibidas pela Igreja Católica, de "livros
perniciosos" contendo ainda as regras da Igreja relativamente a livros.

14
1.4 – A propagação do Espiritismo no Brasil10

A matriz sociocultural do país tem origem indígena, mas nos primórdios da


colonização brasileira o catolicismo surge na tentativa de catequizar os índios, posteriormente
a vinda de escravos nascidos na África, fundamentam as crendices nacionais.

Essa fusão consolida-se com os elementos trazidos de Portugal (formas de


devoção e imagens) que mediam as relações religiosas provindas do culto afro. Neste
contexto é instituída a relação direta das culturas que a priori molda o acolhimento do novo
mundo religioso, e posteriori permite a aceitação da doutrina de Kardec na sociedade
brasileira abrangendo todas as classes sociais.

Ao analisar o fator social desde a vinda do europeu, com suas crenças e culturas, o
espiritismo configura-se como uma nova proposta no século XIX(marcado por profundas
mudanças em todo cenário mundial) e os reflexos dessa postura mudaram a base de
organização da sociedade brasileira.

É notório ressaltar que o Brasil possuía inúmeros aspectos que o diferenciavam do


cenário Europeu, mas esse fato não tornou ínfima a necessidade de setorizar à influência
espírita no meio social, a elite brasileira apropriou-se inicialmente da doutrina por interesse
voltados ao controle social e por causa da insatisfação com a ordem religiosa local, para o
povo o atrativo concentrou-se na assistência espiritual.

Os espíritas defendiam a república, vista como modelo para abertura ao


laicismo11, engajou-se nas lutas republicanas e conquistaram simpatia, aumentando o número
de adeptos, espírita, maçom e republicano era a tríade que distinguia o homem “progressista”
do século XIX.
O fenômeno espiritual incorre no Brasil por volta de 1853, com as mesas
dançantes, pouco antes de a doutrina fundamentar-se em solo nacional, o Jornal do Comércio
- do Rio de Janeiro - de 14 de Junho de 1853, o Diário de Pernambuco de 2 de Julho do
mesmo ano e O Cearense nas edições de 3 a 26 de julho do mesmo ano, foram alguns dos
periódicos brasileiros que noticiaram as “maravilhas das mesas”.

10
Contribuições do estudo pioneiro de Ubiratan Machado, jornalista que realizou uma das poucas pesquisas
sobre o nascimento do movimento espírita e sua relação com a realidade social brasileira, principalmente com os
meios intelectuais do país à época.
11
Laicismo: Estado Laico, Leigo ou estranho ao assunto.
15
O Cearense, em edição de 19 de maio de 1854, explora mais as afirmações sobre
a inteligência das mesas e vislumbra a possibilidade de se “evocar os espíritos pelas mesas”, o
que se faria através de um iluminado (ou seja, o médium).
Kardec irá realmente se iniciar na fenomenologia espírita, em 1856, fato que
denota o espiritismo como uma doutrina que pode ser delimitada a um lugar e tempo, porém
os fenômenos que a estruturaram e fundamentaram suas concepções não são passíveis de
sofrer a mesma delimitação.
O Brasil, apesar de receber influência estrangeira em suas crendices, para lidar
com a doutrina espírita não incorreu na mesma sinonímia européia, possui uma maneira
própria de aceitar as acepções de Kardec, fato que corroborou para o status de sede maior da
doutrina na atualidade.

1.5 - Rio de Janeiro – Criação da Federação Espírita Brasileira

Na Bahia, o espiritismo ganhou visibilidade nacional, no Rio de Janeiro, angariou


as ruas deixando de povoar somente as rodas intelectuais dos franceses e brasileiros. No dia 2
de agosto de 1873, constitui-se a primeira comunidade de orientação espírita da Corte, que
segundo Abreu (1987, p28) era “[...] oportuno criar no Rio de Janeiro, um núcleo regular para
dirigir o Espiritismo e a propaganda.” Neste âmbito destaca-se a Sociedade de Estudos
Espiríticos – Grupo Confúcios, que tinha como orientação “[...] a da sociedade era ‘Sem
caridade não há salvação’” (ABREU, 1987, p.29). O grupo era conduzido por Antônio da
Silva Neto e pelo então célebre poeta Francisco Leite de Bittencourt Sampaio.

O GRUPO CONFUCIUS era espiritista puro. O art. 28 dos estatutos adotava


somente ‘O livro dos espiritas’ e o ‘Livro dos Médiuns’. Os kardecistas
principiaram a reclamar a reclamar. Achavam que o Espiritismo puro 12, sem
o Kardecismo, não vingaria no meio popular, numa nação visceralmente
cristã. A melhor propaganda devia ser calcada no Cristianismo. Apoiado no
Evangelho, na moral de Jesus, no Kardecismo enfim, o êxito seria uma
questão de tempo. (ABREU, 1987, p.31)

No ano de 1875, a livraria Garnier edita O Livro dos Espíritos em português,


traduzido por Fortúnio, pseudônimo do médico português radicado no Brasil, Dr. Joaquim

12
Segundo Abreu (1987) “Chegou-se a criar um chamado Espiritismo Puro, equidistantes de científicos e
místicos”. Ou seja, nem científico, nem místico e estava no centro, eram os seus participantes extremamente
compreensivos e tolerantes.
16
Carlos Travassos, essa tradução repercute positivamente no meio espírita, revigorando o
movimento.
Faz-se necessário unir os adeptos brasileiros (dispersos e desorganizados) sob
uma só divisa, então, Antonio Elias da Silva (fotógrafo português recém convertido ao
espiritismo e radicado no Brasil) juntamente com outros companheiros de ideal, fundaram a
FEB- Federação Espírita Brasileira, no dia 31 de dezembro de 1883, também criou o
periódico espírita O Reformador, no dia 21 de Janeiro de 1883.
Antonio Elias da Silva concretizou a aspiração dos adeptos espíritas de sua época.
Desde 1865 os espiritistas brasileiros promulgavam a relevância de propagar a Doutrina dos
Espíritos por meio da imprensa. O foco de adeptos concentrava-se no Rio de Janeiro, Bahia, e
em São Paulo.
Em 1869 surgiu na Bahia o primeiro órgão da imprensa espírita brasileira, O Écho
d”Além-Túmulo, fundado e dirigido por Luís Olímpio Teles de Menezes. Consideráveis
tentativas haviam sido feitas também no Rio de Janeiro, com o objetivo de propagar a
Doutrina por meio da imprensa. Prova disso foi a Revista Espírita, dirigida pelo Dr. Antônio
da Silva Neto, vice-presidente do Grupo Confúcio, a qual teve vida efêmera, aparecendo em
1º de janeiro de 1875 e desaparecendo ao fim de seis meses.
Outra tentativa foi a Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade,
que subsistiu de janeiro de 1881 a julho de 1882, é nesse meio que o fotógrafo de profissão,
Augusto Elias da Silva, idealiza, funda e faz circular o Reformador — Orgam Evolucionista, a
serviço da Grande Causa.
"Abre caminho, saudando os homens do presente que também o foram do passado e
ainda, hão de ser os do futuro, mais um batalhador da paz: o Reformador.”13 (cadê a fonte??)
Com essas palavras apresentava-se, em 21 de janeiro de 1883, o novo órgão da imprensa
espírita. Há muito o Reformador tornou-se o mais antigo periódico da imprensa espírita
brasileira. Em todo o mundo, ocupa o quinto lugar em antiguidade, registram os Anais da
Biblioteca Nacional (Vol, 85) ser o Reformador um dos quatro periódicos surgidos no Rio de
Janeiro, de 1808 a 1889, publicados até hoje. São eles, pela ordem: Jornal do Commercio
(1827); Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1839); Diário Oficial (1862);
Reformador (1883). À exceção do Diário Oficial, Reformador é o único que jamais teve
interrompido sua publicação.

13
http://bvespirita.com/Revistareformador-2003-janeiro-(FederecaoEspiritaBrasileira).pdf)

17
A doutrina em 1895 passa por um momento decisivo, talvez o mais grave de toda
história do espiritismo brasileiro. Vivia-se já na república, porém, a perseguição continuava.
A nova constituição, de 1890, por meio dos seus artigos 156, 157 e 158, condenava certas
práticas espíritas como o exercício ilegal da medicina, os homeopatas ainda não tinham se
consolidado, e sua ligação com o espiritismo era vista muito mais como feitiçaria.
A perseguição, que ocorria por causa do clero, tornou-se mais acirrada com a
participação governamental, vários curandeiros foram presos, fato que corroborou para
difundir de maneira negativa a propaganda da doutrina.
Finalmente, em 24 de fevereiro de 1891, a Constituição Republicana, constituiu o
Estado leigo, sem os liames que o ligavam à Igreja Católica, favorecendo não só o
Espiritismo, mas todas as religiões praticadas no Brasil.

18
Capítulo II

PRINCIPAIS ARTICULADORES DO ESPIRITISMO NO BRASIL

2.1 - Teles de Menezes

A elite brasileira mobilizada por modismos europeus, sobretudo franceses,


enaltecia-se por cultivar distrações menos populares, a doutrina de Allan Kardec, encontra
esse clima de busca de referências culturais identificadas à ciência, ao entretenimento e jogos
sociais correlacionados ao mundo cosmopolita e efetivamente “moderno”.
Em meados de 1860, as obras espíritas, em francês, começam a chegar ao país.
Trazidas principalmente por franceses que moravam no país ou por pessoas ricas da
sociedade. No Rio de Janeiro, existia nessa época a chamada roda do Courier du Brési, um
jornal francês editado no país, anticlerical e de oposição a Napoleão III. Entretanto, frisa-se
que a roda de intelectuais que esse jornal patrocinava buscava debater as temáticas modistas, e
o espiritismo foco da curiosidade intelectual de seus frequentadores passou a habitar a roda.
Como inicialmente as obras kardecistas não eram traduzidas, os leitores eram a
elite do país, neste contexto encontra-se o intelectual baiano, integrante da ilustre família dos
Menezes de velhos capitães, magistrados e clérigos portugueses. Com passagens em
conselhos artísticos imperiais e fundador de jornal literário, ECHO D’ALÈM TUMULO14
fundador do espiritismo em terras tupiniquins: Luiz Olímpio Teles de Menezes (1825-1893),
aproximou-se da proposta do codificador francês, decidindo apresentar a doutrina para a
sociedade brasileira da época.
Intelectual, respeitado propagou a doutrina com facilidade, mas diferencia-se do
grupo Courier porque tinha o intuito de popularizar o espiritismo, descentralizando-o da elite
intelectual da época. Após cinco anos de estudos e propagandas, às 22h30min do dia 17 de
setembro de 1865, realizava-se em Salvador, na Bahia, a primeira sessão espírita do Brasil,
sob a direção de Luiz Olímpio15. Teles irá fundar, também em Salvador, o primeiro centro
espírita brasileiro: Grupo Familiar do Espiritismo, em 1866, lança o opúsculo O Espiritismo

14
Em 1869 (8 de Março), Teles de Menezes reunia seus companheiros no “Grêmio de Estudos. Espiriticos da
Bahia” e anunciou o aparecimento, para a breve, do primeiro jornal espirita do Brasil: “ECHO D’ALÈM
TUMULO” o que realmente ocorreu no mês de julho.
15
É como Teles é conhecido no meio espírita.
19
– Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, páginas traduzidas da 13ª edição do Livro dos
Espíritos.
Teles de Menezes foi o percursor e figura central para o florescer do espiritismo
em terras brasileiras, jornalista, escreveu para Diário da Bahia (1856-1956) e o jornal
conservador Jornal da Bahia (1853-1878) facilitando a divulgação e criação de polêmicas
compradas com o clero e demais opositores, atraindo a atenção de inúmeras pessoas.
Como na Europa a igreja católica mostrou-se contra a influência da doutrina no
meio social, destaca-se neste quesito D. Manuel Joaquim da Silveira, Arcebispo da Bahia,
acirrou luta contra os espíritas, quanto maior a polêmica e a proibição da igreja, mas
ampliavam-se o número de adeptos baiano, e consequentemente no país.
No meio político o fenômeno espírita circunda a questão abolicionista,
partilhando as proposições da revolução francesa: igualdade, liberdade e fraternidade, neste
cenário conturbado, nascem mais duas obras espíritas escritas em português, em São Paulo
um autor anônimo traduz a obra de Kardec O Espiritismo Reduzido á sua Mais Simples
Expressão.
No ano de 1897, são transferidos para a FEB os direito autorais, para língua
portuguesa, de todas as obras de Kardec, fato de suma importância para a difusão da Doutrina
Espírita no Brasil.
Ressalta-se que um dos principais órgãos da imprensa que combateu o espiritismo
era baiano, o Bahia Ilustrada, fundado em 1867, publicava sempre chacotas contra o
espiritismo. Seguindo os passos do codificador os espíritas baianos agradeciam a irreverência
do jornal, afirmando que ela permitia uma maior exposição do espiritismo e contribuía para o
aumento de simpatizantes.
O Grupo Baiano a priori é o responsável pela introdução do espiritismo no país,
mas é no Rio de Janeiro que se amplia e progredi, consolidando-se de fato em terras
nacionais.

2.2 - Bezerra de Menezes

Adolfo Bezerra de Menezes, cearense, nasceu em 1831 na antiga Freguesia do


Riacho do Sangue, hoje Solonópole. O pai, capitão das antigas milícias e tenente-coronel da
Guarda Nacional, educara-o nos “[...] mais rígidos princípios do dever e da honra, praticando
fervorosamente a religião católica, apostólica, romana. O menino Adolfo foi, portanto, criado
nesse clima de severa [...] religiosidade” (SOARES, 2006, p. 35).
20
Bezerra tem a infância circundada por “[...] narrativas de aparições de almas, de
manifestações do diabo, casas mal-assombradas” (ABREU, 1987, p.16), ou seja, influência do
folclore nordestino, por pertencer a uma família abastada, obteve estrutura educacional, se
formando em ciências. Ainda jovem e logo após a morte do pai, conclui o curso de medicina e
durante esse período começa a se deparar com várias vertentes de conhecimento religiosos.
Segundo Abreu:

[...] Bezerra continuou na crença e prática religiosas que trouxera do berço,


mas na convivência dos colegas, livres pesadores e ateus principiaram
combatendo-os e acabou concorde com eles, ‘por não ser firmada na razão a
minha fé. A mudança, porem não foi radical: nunca pude banir de todo a
crença em Deus e na alma. Tive dúvida fiquei céptico, mas no fundo era
deista e animista’. (ABREU, 1987, p.16)

Concluindo o curso de medicina em 1856, começa suas atividades nas práticas


medicinais sem cobrar aos que não podiam pagar, fato que proporcionou o aumento de
prestígio entre os menos favorecidos financeiramente. Neste mesmo ano foi convidado pelo
seu antigo professor Dr. Manuel Feliciano Pereira Carvalho, a trabalhar no Corpo de Saúde do
Exército Brasileiro, como cirurgião-tenente assistente, mas nem por isso abandonou sua
clientela pobre.
Portanto, ressaltamos que antes mesmo de Bezerra converter-se a doutrina
espírita, já mantinha a prática caritativa, fato que lhe influência os rumos que irá encaminhar a
sua vida e atrelá-la ao espiritismo.
Ao vencer as eleições Bezerra teve que renunciar seu posto como médico militar
para dar início a sua trajetória política, ao qual se manterá até 1885, com um intervalo de 1868
a 1873 quando fora dissolvida a câmara dos deputados, devido à vitória do partido
conservador. No ano seguinte ao término de sua trajetória política, em 1886, após ler o Livro
dos Espíritos declara sua conversão a doutrina dos espíritos.

[...] enchia a sala de honra da Guarda Velha para ouvir em silêncio,


emocionado, atônito, a palavra de ouro do eminente político, do eminente
médico, do eminente cidadão, do eminente católico, Dr. Adolfo Bezerra de
Menezes, que proclamava aos quatro ventos a sua adesão ao espiritismo.
(ABREU, 1987, p.38)

Em 1887 Bezerra passa a escrever artigos no jornal O Paiz com o pseudônimo de


Max, artigos em prol do espiritismo, estuda e acompanha o espiritismo durante quase dez
anos antes de alcançar seu papel mais importante dentro da doutrina.
21
Bezerra de Menezes assume a presidência da federação espírita sendo eleito em 3
de agosto de 1895 e começa o trabalho de reconstrução, imprimindo à Instituição a orientação
doutrinário-evangélica na qual se manteve firmemente até a contemporaneidade. Equilibrou a
situação financeira, para atender aos encargos e serviços e reorganizou todos os trabalhos da
Casa.
Imbuído de ideais racionalistas, dispostos em sua trajetória pela sua formação de
médico cientista, retraduzidos para a esfera religiosa, afirmava que sentia a necessidade de
crer não nessa crença imposta à fé, mas numa crença firmada na razão e na consciência.
Bezerra foi considerado e até designado por muitos, o “Allan Kardec” brasileiro,
sendo um líder intelectual, conduzindo o espiritismo para uma via de legitimação certa e
segura, como religião aqui no Brasil, consolida a doutrina nos moldes caracterizados pelo
campo de atuação brasileiro, ou seja, legitimando-a com características próprias no país sem
alterar suas raízes.
Bezerra de Menezes falece no dia 11 de abril de 1900, após quatro anos e meio de
intenso trabalho deixando a FEB consolidada.

2.3 - Francisco Cândido Xavier e os rumos do espiritismo no Brasil

No dia 02 de abril de 1910, nasceu em Pedro Leopoldo (MG), Francisco Cândido


Xavier, filho de um casal simples (operário e lavadeira), católico. Órfão materno aos cinco
anos ficou sob a tutela de sua madrinha Rita de Cássia, caracterizada em sua biografia como
uma pessoa cruel, que lhe aplicava surras constantemente e o obrigava a realizar longos
jejuns, existem relatos que cravava garfos de cozinha no ventre do menino e o fazia lamber
uma ferida incurável do filho legítimo (MACHADO, 1998).
Chico Xavier consolava-se com o espírito da mãe, que lhe pedia paciência,
resignação e fé em Jesus, portanto, percebe-se que a mediunidade de Chico apresenta-se desde
muito cedo, apesar de não compreender esse fato, observa-se que sua imagem é santificada,
construída pelo povo, desde a infância, quando teve que suportar, calado, as inúmeras
humilhações impostas pela madrinha.
Ao casar novamente o pai pode reunir todos os filhos, a nova madrasta de Chico,
Cidália Batista, é descrita como uma pessoa generosa e bondosa (MACHADO, 1998). Nesta
fase a mãe de Chico não se manifesta mais, ele permaneceu pouco tempo na escola, pois
mesmo a mãe não se manifestando, a mediunidade continuava lhe causar problemas, o
menino afirmava que um homem (supostamente um Espírito) o ajudava nas lições, a
22
professora não se importava, mas os colegas o acusavam de plágio, acusação sofrida a vida
toda (LEWGOY, 2001). Apesar de ser católico e realizar inúmeras penitências prescritas pelo
padre da cidade, Chico continua vendo e conversando com os Espíritos.
A madrasta morreu quando ele tinha 17 anos e, no mesmo período, a irmã
desenvolveu uma doença psiquiátrica, diagnosticado por alguns espíritas como um processo
de “obsessão espiritual”, por este motivo Chico iniciou o estudo do Espiritismo, aconselhado
por um amigo. Em 1927, o Centro Espírita Luís Gonzaga foi inaugurado, local onde começou
a psicografar (MACHADO, 1998).
Bernardo Lewgoy (2001), professor de Antropologia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, destaca o papel da mãe de Chico Xavier como formadora da sua moral,
sempre o orientando mesmo depois de desencarnada, com influências nítidas da formação
católica, as obras de Chico reelaboram mítica e teologicamente o papel medidor maternal,
como nas frases “benfeitores espirituais” que, “a pedido de mães devotas”, “intercedem a
favor de um irmão”.
É desta maneira que iniciou a psicografia. Inúmeros escritores e poetas já
desencarnados começam a se manifestar, resultando sua primeira obra publicada pela
Federação Espírita Brasileira em 1932, Parnaso de Além-Túmulo consiste em uma coletânea
de poesias ditadas por espíritos de poetas brasileiros e portugueses.
Os literatos brasileiros dividiram-se entre os que reconheciam a legitimidade da
obra e os que o acusavam de pastiche. Em 1944 a família de Humberto de Campos processou
Chico Xavier pleiteando os direitos autorais, o juiz do caso concluiu que não há condições do
tribunal se manifestar da existência ou não da mediunidade, com o intuito de evitar outros
constrangimentos, o nome Humberto de Campos começou a ser substituído por “irmão X”
(LEWGOY, 2001).
Segundo informações do site da Federação Espírita Brasileira, no ano de 1931,
Chico Xavier comunica-se com o mentor espiritual, Emmanuel, para lhe informar que deveria
psicografar uma série de livros, seguindo sempre os preceitos de Jesus e Kardec. Através de
Emmanuel surgiram as principais obras psicografadas por Chico Xavier das quais se destaca:
Há Dois Mil Anos, Cinquenta Anos Depois e Paulo e Estevão. A série de livros do Espírito
André Luiz, dentre os quais se destaca o romance Nosso Lar, de 1943, que vendeu mais de
um milhão de exemplares. Obra considerada importante para compreender algumas
interpretações dadas pelos espíritas no Brasil, já que se tornou referência para explicar o
chamado “mundo espiritual”, apesar de alguns considerá-la metafórica.
Enquanto Chico continuava psicografando as obras, muitas pessoas o procuravam
23
em São Leopoldo em busca de cura ou mensagem de algum parente falecido, a pequena
cidade tornou-se um centro de peregrinação, o que o obrigou a mudar-se para Uberaba, aonde
caravanas chegavam de todos os cantos do Brasil.
Chico Xavier foi um grande divulgador da Doutrina Espírita tanto no Brasil
quanto no exterior, visitou a Europa e a América do Norte. Na década de 1970, era comum
sua participação em programas de televisão, ocasiões em que a audiência era garantida. Um
destaque foi sua entrevista no programa Pinga-Fogo da extinta TV Tupi em 1971, considerada
um cartão de visita do Espiritismo na época.
Xavier estava assessorado nas respostas por Emmanuel (por mediunidade
auditiva), e as perguntas foram todas de alto nível, respondidas com grande louvor. O
médium alcançou fama internacional tendo seus livros traduzidos em diversas línguas.
Inclusive foi proposto, em 1981, ao Prêmio Nobel da Paz, que não ganhou. Ao todo foram
mais de 400 obras com mais de 20 milhões de cópias vendidas.
Seu desencarne aconteceu em dia 30 de junho de 2002, o mesmo domingo em que
a seleção brasileira de futebol conquistava o pentacampeonato. Segundo Bernardo Lewgoy
(2001), com Chico, o Espiritismo no Brasil se define como doutrina religiosa combinando-se
com o catolicismo. Isto se explica pela sua própria biografia, onde teve que passar por
sofrimentos para que pudesse aprender e depois cumprir a missão que lhe estava programada,
portando sua vida tem fortes aspectos de uma “santidade”. Com Chico Xavier o culto do
Evangelho no Lar se torna popular, conquistando adeptos que eram habituados às práticas
católicas como as rezas (LEWGOY, 2001, p.9).
A antropóloga Sandra Jacqueline Stoll (1999), da Universidade Federal do Paraná,
afirma que ele construiu um modelo próprio de Espiritismo, um modelo católico, baseado na
abnegação, no voto de pobreza e nas atividades filantrópicas. A vida de Chico Xavier foi um
exemplo de dedicação ao outro, cumpriu a missão que se propôs, nunca esperando
recompensas pelo que fazia.

Foi, sem dúvida, o grande divulgador da Doutrina Espírita. A sua influência fez
com que o Espiritismo crescesse não só no Brasil como no mundo, apesar das críticas de que
com ele o Espiritismo se tornou ainda mais católico, sem Chico, o Espiritismo no Brasil, não
teria tanto vulto e influência sobre o pensamento do povo brasileiro.

24
Capítulo III

A ORIGEM DE UM SINCRETISMO16

3.1 – Espiritismo e Umbanda

A partir das singularidades do espiritismo kardecista brasileiro formaram-se


diferentes movimentos religiosos que também são considerados espíritas, dentre eles, destaca-
se a Umbanda, difundida no Brasil com diferenciações singulares.
A definição de racionalidade, as preocupações éticas e as técnicas do corpo são
algumas das diferenças mais importantes entre as religiões espíritas. Todas têm em comum a
crença em espíritos e a possibilidade de possessão ou comunicação entre vivos e
desencarnados17. Segundo Maria Laura Cavalcanti, “religiões mediúnicas, religiões de
possessão, ou religiões estáticas são classificações das religiões que focalizam a
relação/tomada do corpo humano com/por uma força espiritual” (Cavalcanti, 1983, p.79).
Ao analisar a relação do kardecismo com outras religiões mediúnicas percebe-se
uma tensão no processo de legitimação de religiões na disputa do que seria magia e o que
seria doutrina mais racionalizada, para definir ou melhor analisar relações com outras
religiões mediúnicas, o Kardecismo analisa essas fronteiras.
Segundo Brown (1985) a umbanda aparece em meados 1920 no Rio de Janeiro
como uma resposta à ênfase intelectual do movimento kardecista, pretendendo-se uma
religião verdadeiramente brasileira que se opunha às religiões de importação, como o
catolicismo e o protestantismo. O seu surgimento aparece como um momento de
reinterpretacão das tradições africanas e nacionais. Claro que esse não tem a pretensão de ser
um movimento autêntico.
A umbanda foi fortemente marcada pelo catolicismo histórico no Brasil, basta
16
sincretismo religioso, embora não se restrinja ao campo da religião, tem sido mais debatido nesse campo. As
religiões de maneira geral são sincréticas, frutos de contatos culturais múltiplos, todas elas têm uma tendência
própria de não querer se misturar com outras que seriam impuras. Já em um campo mais diretamente ligada a
nossa sociedade, o sincretismo é mais discutido, principalmente em relação às religiões afro-brasileiras,
consideradas religiões sincréticas por excelência, por terem sido formadas no Brasil com a inclusão de elementos
de procedências africanas, católicas. A importação das tendências afros no culto dos mortos teve sua relevância
bem marcada e presença marcante do culto espirita no Brasil. Situação que sempre exigiu dos espíritas e dos
praticantes destes cultos um esforço para esclarecer o público que nem sempre foi suficiente para evitar os
sincretismos e as importações de práticas para seus próprios contextos.
17
O termo referido se trata de espíritos que viveram na vida corpórea, ou seja, na vida material, que após sua
morte venha a se tornar espíritos desencarnados.
25
observar os altares, imagens e cânticos e pela doutrina espírita no viés da reencarnação,
dívidas, comunicação com os espíritos, porém sua originalidade está em enfatizar as noções
mágicas afro-brasileiras por uma via ideológica espíritas. As práticas dos umbandistas são
ligadas ao transe da possessão como dimensão utilitária de assistir os encarnados e seria o
elemento central do culto umbandista.
Diferentemente da doutrina de Kardec que apresenta três níveis gerais de
evolução, a umbanda baseia-se em uma dicotomia espiritual, sendo que existem entidades
boas e más, apesar monoteísta, os cultos umbandistas são dedicados aos espíritos
subordinados a Olorum, traço que também pode ser apontado no catolicismo, onde forças
intermediárias (os santos, por exemplo), são algumas vezes mais cultuadas do que o ser
supremo.
Na umbanda, divindades africanas, pomba-giras, caboclos (espíritos de índios) e
pretos-velhos (espíritos de escravos negros ou guerreiros africanos) são algumas das entidades
que podem possuir um médium durante uma sessão em um terreiro, cada qual com sua
maneira de comunicar e suas técnicas corporais, nesta aquisição o médium tem menor
controle sobre o espírito desencarnado do que no espiritismo, nos terreiros da umbanda a
incorporação pode acontecer com os leigos presentes, não sendo exclusivamente relacionada
ao mago.
A relação entre a umbanda e o kardecismo brasileiro é, por vezes, controversa,
algumas vezes, Chico Xavier, como importante referência no movimento espírita, tratou a
umbanda de maneira respeitosa, considerando-a como uma diversidade do espiritismo. “Nós
respeitamos a religião da umbanda, como devemos respeitar todas as religiões [...] Nós todos
somos irmãos. De modo que eles organizaram uma religião sumamente respeitada também”.
(GOMES, 2010, p.109-110)
Porém, ressalta-se que o médium não mencionou comunicação com entidades
umbandistas, diferentemente da constante relação que mantinha com entidades católicas,
(santos e padres). Por sua vez, os umbandistas não negam os ensinamentos de Kardec e
utilizam os mesmos preceitos de encarnação, apresentando-se, porém, como uma quarta
revelação após a terceira de Kardec e as anteriores de Moisés e Cristo.
As disputas e diferenças entre as religiões mediúnicas desenvolveram um
vocabulário próprio, sendo a classificação de “baixo espiritismo” uma espécie de oposição ao
“espiritismo de mesa branca”. Devido à forte perseguição do Estado na virada do século XX,
as diligências kardecistas começaram a disseminar a idéia de que outras linhas mediúnicas
seriam uma forma de “baixo espiritismo”, associado a pessoas e grupos que tinham práticas
26
distintas das estabelecidas por Kardec e seus intérpretes. A tentativa de distanciamento incorre
na possibilidade de legitimar a seriedade da doutrina, esquivando-se do charlatanismo e de
aproveitadores. Assim:
Baixo espiritismo fazia, pois, referência a cultos ou a práticas de adivinhação
e cura que implicassem de algum modo, noções de comunicação com
espíritos e que eram externos aos grupos e tendências circunscritos à FEB.
Dizia respeito tanto a indivíduos isolados que se filiavam a tradições
espiritualistas européias como a indivíduos ou grupos que expressavam em
suas práticas legados culturais de origem africana (Santos, 1997, p. 44).

De acordo com Giumbelli (2003) o desenvolvimento do termo “baixo espiritismo”


é um recurso de hierarquização com um fundo moral tácito que acabou sendo aceito pelas
autoridades estatais e pela sociedade civil para a criminalização de algumas práticas espíritas,
nos casos em que entidades kardecistas foram acusadas por órgãos de saúde pública, tentando
mostrar mais identitário do que as demais religiões mediúnicas, alegando ser mais racional e
menos mágico que os demais cultos.
A comparação com a umbanda ajudou o movimento kardecista a delimitar
métodos que definiram o que não eram, os espíritas afirmam sua diferença de religiões que
adotam rituais, sacrifícios ou atos mágicos (Cavalcanti, 1983).
Além da umbanda, o candomblé e a macumba também eram classificados como
baixo espiritismo, quanto a primeira se apresenta como uma religião de práticas africanas
integradas à sociedade brasileira, o candomblé seria o contrário, uma tentativa de conservação
da memória coletiva africana em solo nacional.
Para serem reconhecidos positivamente, os kardecistas aceitaram algumas
demandas das forças policiais, como terem sedes próprias, não distribuírem receitas e não
disseminarem sessões de sonambulismo, consequência direta disso foi à substituição de
remédios, receitas e cirurgias espíritas pelo sistema de “passes”, mantido até hoje. Desse
modo, os kardecistas ligados à FEB e a polícia se auxiliaram no combate às práticas de
exploração.
Evidencia-se que a repressão não ocorreu contra a propagação de idéias
sobrenaturais, mas sim contra prescrições de cura por pessoas não autorizadas para tal. Assim,
a grande questão legal não era o caráter mediúnico, mas sim a manutenção do monopólio da
cura pelo estado.
Segundo o Código Penal de 1890, um dos crimes contra a saúde pública seria:

27
Art. 157: Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e
cartomancias, para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de
moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a
credulidade pública.

Dessa maneira, “sugere-se que a repressão estatal jamais teria se feito contra a
‘crença na magia e na capacidade de produzir malefícios por meios ocultos e sobrenaturais’”.
Pelo contrário, a não marginalização da crença no sobrenatural demonstra uma predisposição
das camadas governantes e judiciárias brasileiras à aceitação das mesmas, o que ajudaria
ainda mais a disseminá-las.
Apesar das diferenças entre o kardecismo e a umbanda, a relação entre ambas é
respeitosa, por basearem-se em pontos parecidos. No entanto, as religiões mediúnicas no
Brasil vêm sofrendo constantes ataques de outras doutrinas, em especial, das religiões
neopentecostais, movimento que se distingui das demais religiões protestantes devido às suas
estratégias de proselitismo e pela ênfase no dom da cura divina, o que os leva a também serem
chamados de “igrejas de cura”. Os ataques neopentecostais são direcionados principalmente
às religiões afro-brasileiras, traçando paralelos entre as entidades espirituais dos terreiros
(principalmente os exús) a imagem do diabo do cristianismo.
Não obstante, esse embate se dá justamente porque há uma disputa para
monopolizar no mercado religioso as mediações mágicas e o êxtase individual e coletivo.
Juntamente com a cura, essa característica faz com que existam mais semelhanças do que
diferenças entre as religiões mediúnicas e as neopentecostais:

Combater essas religiões é menos uma estratégia proselitista voltada para


retirar fiéis deste segmento, embora também tenha essa função, e mais uma
forma de atrair fiéis ávidos pela experiência de religiões impositivas
(mágicas e extáticas) com a vantagem da legitimidade social conquistada
pelo campo religioso cristão. (SILVA, 2006, p.209).

28
Conclusão

PARA OS MOTIVOS EXISTEM RUMOS A SEREM SEGUIDOS

De acordo com o objetivo da pesquisa em tratar da centralização da doutrina de


Kardec em solo brasileiro através dos pressupostos históricos, constata-se que a heterogenia
extrema no país consolida uma cultura, onde o sincretismo religioso sempre esteve presente,
isto se explica pela miscigenação deste povo, índios nativos, europeus colonizadores e negros
trazidos como escravos. Mistura esta que ajudou a aceitação do Espiritismo no país, pois aqui
já estavam presentes algumas características da Doutrina Espírita como a comunicação com
os espíritos e a ideia da reencarnação, já existia aqui na terra de Santa Cruz, experiências tanto
pelos nativos como pelos negros escravizados.

A doutrina espírita utiliza os atos humanos para fundamentar a sua base crítica com a
intenção de legitimar, e difundir-se no espaço brasileiro, como doutrina religiosa estimula os
pensamentos que servem de alicerce para a vida diária, mas que também liga criatura ao
criador, através de suas ações.

Essa validação ao longo das pesquisas nos leva a compreender o motivo pelo qual o
Espiritismo, ao chegar ao Brasil, caracterizou-se em uma doutrina mais religiosa
fundamentada e baseada na caridade direta, diferente, portanto, do pensamento kardecista, que
via a doutrina com características mais filosóficas e até científica. A tríade espírita é abafada
pelas necessidades sociais do país (saúde pública precária, por exemplo), fato que impulsiona
as práticas de ajuda ao próximo.

As obras assistencialistas, materiais (doação de alimentos, roupas e medicações) e


espirituais (curas mediúnicas), fizeram (e fazem) a população buscar auxílio nos Centros
Espíritas, enraizando o movimento e lhe atribuindo características únicas, razão pela qual
denota o crescimento do espiritismo de muito rápida.

Outro aspecto histórico pertinente que contribuiu demasiadamente para centralizar a


doutrina com singularidades que justificam de fato os meandros didáticos para entender o
crescimento do espiritismo é o analfabetismo no Brasil, apenas uma pequena camada da
população tinha acesso ao ensino. Com isso, conclui-se que somente os nobres tinham acesso
aos livros. Fato que corroborou para que o conhecimento proposto por Kardec fosse
deturpado, em consequência disto, as sociedades espíritas se formaram a partir de pessoas que
29
possuíam certa mediunidade, mas que nem sempre tinham a total compreensão da Doutrina
Espírita, às vezes não sabiam nem mesmo seus princípios básicos.

A partir daí, surge à figura de Teles de Menezes, ícone do espiritismo, conhecedor dos
princípios básicos do espiritismo, que procura universalizar as obras de Kardec, trazendo a
população uma linguagem simples de fácil acesso, conquistando adeptos do espiritismo no
Brasil.

Bezerra de Menezes foi fundamental para inovar e popularizar um pouco mais o


espiritismo em sua época, apropria-se de suas elucidações católicas e de tradições culturais de
crenças populares, manifestando esses conhecimentos em prol da doutrina espírita,
interligando os preceitos doutrinários morais com ênfase aos postulados cristãos, sempre
atrelados a cientificidade e a política tornando-se liderança crucial em momentos de conflito
nos diferentes campos da atuação, seja religioso, ou no campo de ordem política social.

Chico Xavier ditou tendência para a doutrina, criou-se uma imagem santificada dele,
definiu-se um modelo de espiritismo baseado na abnegação, no voto de pobreza e nas
atividades filantrópicas, aonde a caridade apesar de ser executada com o viés de assistir os
recursos materiais, teve o valor profícuo na consolação ao próximo, suas obras evidenciam a
possibilidade de se fugir do inferno após a morte através da misericórdia divina, além de
resignar as mães órfãs de filhos através de psicografias que as reconfortava. Chico foi
responsável pelo crescimento espírita no mundo.

Destaco Chico por que no decorrer da pesquisa pude vislumbrar que sua mediunidade,
não esta atrelada a doutrina de Kardec, na infância já lutava contra a mesma, e ao mesmo
tempo amparava-se nela, recorrendo à mãe (desencarnada) e ao padre da cidade. Suas ações
são admiradas não só por espíritas, mas por pessoas que vêem em sua biografia o homem
regrado e simples, humilde e sofredor.

A sua obra vasta foi de grande contribuição para o movimento espírita. Hoje surge um
apelo muito grande ao espiritismo porque as práticas deixaram de ser focadas internamente
para se ampliar e se moldar ou se enquadrar ao mundo moderno, a indústria do cinema, da
comunicação áudio visual trás um impacto muito presente, fazendo que o discurso espírita se
torne amplo e difundido ainda mais, conquistando adeptos assim como Kardec fez no começo
de sua história lá na França.
Em suma, conclui-se que apesar do termo caridade ser usado e concepcionado de
diversas maneiras, com apelos a ajuda aos necessitados através de recursos materiais, ao

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analisar de forma minuciosa a frase de Kardec “Fora da caridade não há salvação”, há de se
concluir que esta caridade não está ligada, necessariamente, às obras assistenciais, mas,
sobretudo em uma transformação humana através de uma história de superação nas crenças,
ou seja, na condição de ser histórico.

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